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Mais Um Minuto Com Voc锚 As ferrovias nos trilhos da mem贸ria
Izadora Pimenta Juliana Marcelino
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Diagramação, Capa, Projeto Gráfico e Revisão Final Izadora Pimenta Fotos Izadora Pimenta Juliana Marcelino Orientador Glauco Cortez Contato das autoras: izadora.pimenta@gmail.com jumarcelinos@gmail.com
Ficha Catalográfica Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação - SBI - PUC-Campinas m070 P644m
Pimenta, Izadora. Mais um minuto com você: as ferrovias nos trilhos da memória / Izadora Pimenta, Juliana Marcelino. - Campinas: PUC-Campinas, 2013. 138p. Orientador: Glauco Cortez. Monografia (livro reportagem) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade de Jornalismo. Inclui bibliografia. 1. Reportagens e repórteres. 2. Ferrovias - Empregados - Entrevistas. 3. Ferrovias - História. 4. Ferroviários - Seleção. 5. Transporte ferroviário. I. Marcelino, Juliana. II. Cortez, Glauco. III. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação. Faculdade de Jornalismo. IV. Título. 22.ed. CDD – m070.449
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Roteiro de Viagem 13 Algumas Instruções Antes do Embarque 17 A Sacada Genial de Mauá 33 Neblina Sobre Os Trilhos 51 A Linha da Bola 63 Nos Braços da Mogiana 77 Divã Ferroviário 91 Paixão Sorocabana 105 Fotos 119 Mapas 127 Agradecimentos 131 Bibliografia
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“Ninguém diz tchau na janela. Quem me dera houvesse trem!” Pullovers - Quem Me Dera Houvesse Trem
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pela mem贸ria de Benedicto Silvio da Silva Geni Alves Wada
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Algumas Instruções Antes do Embarque
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oram muitas as viagens de trem durante a infância. Meu avô, funcionário incansável das ferrovias, fazia questão de nos levar para passeios nas marias-fumaças turísticas, em especial a que parte da Estação Anhumas, em Campinas, e hoje chega até a estação de Jaguariúna, graças a um projeto pelo qual ele foi um dos responsáveis. Mas jamais imaginaria que o trem estaria tão intrínseco a um momento importante na minha vida como é um trabalho de conclusão de curso. As estradas de ferro se mostraram a resposta perfeita durante uma viagem que, no entanto, foi sobre rodas. Era manhã e o ônibus enfrentava calmamente o trânsito da cidade enquanto as pessoas se espremiam em busca de suas rotinas. Eram muitas pessoas, consequência do fluxo mal organizado de passageiros e da vagarosidade do transporte. Era muito trânsito. “Gostaria tanto que Campinas tivesse um metrô”, pensei. Ao mesmo tempo, as instalações do antigo VLT da Vila Teixeira apareciam na janela. Todas essas coisas se ligaram rapidamente e se juntaram à minha inquietação de ainda não ter o tema perfeito para o livroreportagem que sempre quis escrever. Meu avô, que faleceu em 2009, me veio à cabeça. E comecei a pensar o quanto poderia ser interessante realizar um trabalho que resgatasse uma história interessante como, também, guardasse para sempre a memória - tanto a dele quanto a de vários outros ferroviários incansáveis. A Juliana Marcelino aceitou embarcar nessa viagem também. É por isso que, nas páginas desse livro, trazemos um pouco da vida das principais ferrovias do estado de São Paulo através da memória de pessoas que as vivenciaram, sendo como trabalhadores diretos, admiradores ou então testemunhas de toda a atmosfera presente na vida ferroviária. Em meio às pesquisas, também encontramos a necessidade de retratar o atual estado da primeira estrada de ferro do Brasil. Por meio de fotos na Internet, descobrimos que a primeira estação, Guia de 13
Pacobaíba, na cidade de Magé (RJ), encontrava-se abandonada, o que casou com o fato de a redação da Revista Ferroviária, em São Paulo (SP), ter recomendado o contato com Antonio Pastori, presidente da Associação Fluminense de Preservação Ferroviária (AFPF). Intrigou também o fato de o primeiro time de futebol do Brasil, fundado por ferroviários, existir até os dias de hoje. Inúmeros foram os contatos e buscas até chegar ao resultado que trazemos aqui. Vivenciamos, como nunca, o jornalismo. Viajamos, conhecemos pessoas de realidades tão opostas às nossas que possuiam muito a nos acrescentar e vice-versa, pisamos em lugares até então desconhecidos e a Juliana, pela primeira vez na vida, andou de trem. Pouco a pouco, o trem também começou a fazer parte de nós. Seu passado e seu presente utópico passaram a ser objetos de interesse e nos mostraram uma realidade que está o tempo todo às margens, mas que nem sempre recebe a devida atenção. Izadora Pimenta
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oi na calma brisa do passeio de Maria-Fumaça de CampinasJaguariúna que andei pela primeira vez nos trilhos. Ainda não conhecia os apitos da locomotiva, os bancos de couro envelhecido, os estalos na janela devido ao balanço do trem. Também desconhecia o grupo formado por Stenio, Arnaldo, Rogério e muitos outros, todos com uma única e grande paixão: as ferrovias brasileiras. Antes, a locomotiva nada signficiava, mas, com o projeto, outros caminhos surgiram, e eis que se formou mais uma ferroviarista. A importância dos trens não está somente nas memórias contadas em cada página, mas também nas longas idas ao trabalho de ônibus e nos congestionamentos enfrentados para chegar aos grandes centros. A discussão sobre o tema traz à tona decisões políticas e governamentais que moldaram a história do país e também das famílias brasileiras.
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Nos capítulos do livro, histórias foram ouvidas e vislumbradas. Mais do que isso: nossas próprias raízes foram desvendadas e a descoberta de um bisavô e de um tio-avô ferroviários trouxeram novo ânimo à empreitada. Isso porque os trilhos percorrem a história de outras famílias. Famílias que viram o país se desenvolver, o café chegar ao litoral e invadir o interior, mas que, subitamente, se depararam com o abandono. No entanto, ficaram resíduos dessa trajetória. E por que não ficaria um pouco do trem que leva ao norte, da nostálgica Maria-Fumaça e tantos outros? Fica um pouco de “nós” em cada relato, um pouco “deles” em cada linha escrita e um pouco de você, leitor, que, a partir daqui, poderá contar também a sua história. Juliana Marcelino
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------ A sacada genial de Mauá ------
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RJ-107 é responsável por ligar a BR-116, uma das principais rodovias brasileiras, ao município de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro. Mas sua história, na verdade, começou sobre trilhos. Uma placa no meio da rodovia logo nos dá a dica: “Você está cruzando a primeira ferrovia do Brasil”. Não fosse Antonio Pastori parar sua Mitsubishi Outlander prata no acostamento, nunca teríamos visto a evidência de fato. O km 7 da Estrada de Ferro Mauá, que já perdeu parte de seus trilhos para dar espaço aos automóveis, está esquecido e encoberto por matas e animais que pastam em volta. Pastori, nosso guia em uma viagem com destino à primeira estação de trens do Brasil, localizada no distrito de Guia de Pacobaíba, em Magé (RJ), se mostra chateado com a situação. O economista aposentado, hoje ferroviarista - termo utilizado para nomear os amantes e pesquisadores das ferrovias - e presidente da Associação Fluminense de Preservação Ferroviária (AFPF), tem carinho pela mágica dos trilhos desde criança, quando observava os trens chegarem a Petrópolis, sua cidade natal. Como morava em frente à estação ferroviária da Leopoldina Railway, no Centro, mais precisamente na casa 5 do número 104 da Avenida XV de Novembro, ele estava sempre atento à força “impressionante e maravilhosa” que o trem possuía. Em 1964, no entanto, o encanto de Pastori foi desativado. “Foi como perder um amigo”, lamentou. Solícito desde o primeiro contato - a primeira vez que falamos por telefone -, após os jornalistas da redação da Revista Ferroviária o recomendarem como “um dos caras que mais sabem sobre trem”, Pastori passou no bairro do Catete por volta das oito da manhã de um sábado para dar início à jornada. De óculos escuros, ele se aproxima e pergunta, brincando, “onde poderia pegar um trem no local”, como se fosse um turista em busca de informações. Recebe em troca as coordenadas para a estação de metrô, que fica em frente ao famoso palácio do bairro carioca. Mas sua verdadeira identidade é revelada 17
quando diz que usaria o trem para chegar ao nosso local de destino (“Passa em Guia de Pacobaíba?”, perguntou, rindo). Logo, já aparece a figura do senhor bem humorado que iria fazer as honras de apresentar as origens da estrada de ferro no Brasil. Há um único meio de sair de Petrópolis e ir até o Rio de Janeiro, a capital do estado: o asfalto. Mas a viagem, que não deveria ser tão demorada, pode acabar se tornando um tamanho transtorno devido ao grande fluxo de pessoas que saem para trabalhar sob os braços do Redentor. Pegar a estrada pode requerer um grande espírito aventureiro. E isso se dá também dentro das próprias cidades, pois, em pleno sábado, a famosa Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, estava parada no sentido Centro, o que, segundo o guia, é um dos principais motivos de estresse. Os ativistas da associação de Pastori, portanto, sonham em ver o transporte sobre trilhos funcionando novamente. Isso está estampado, inclusive, em um adesivo na traseira da Mitsubishi, que carrega os dizeres “Eu Quero a Volta do Trem”. Na AFPF, fundada em 1999, ainda não existe conta em banco e nem um espaço físico apropriado (hoje ocupa uma saleta emprestada no Leblon), coisas que Pastori já está providenciando em sua gestão, mas os quase 60 associados, dos quais 20 são contribuidores ativos, são, em grande parte, verdadeiros apaixonados por cada detalhe das ferrovias: tanto as chegadas e as partidas das estações quanto a imponência que o meio de transporte representa. O passeio para Guia de Pacobaíba, sugerido por ele, seria uma forma objetiva de entrar em contato com todo o início das ferrovias no Brasil. A locomotiva Baroneza, construída em 1852, em Manchester, na Inglaterra, partia deste lugar para fazer as viagens com destino à raiz da serra de Petrópolis. Agora, Guia de Pacobaíba e a Estrada de Ferro Mauá também ajudaram a construir o sonho de vida de Pastori. O ferroviarista não só quer a volta do trem como desenvolveu um projeto inteiro sobre a reativação na dissertação de mestrado em Economia Empresarial da Universidade Cândido Mendes (UCAM).
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Pastori começou a trabalhar no setor de mineração do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), na cidade do Rio de Janeiro. Quando foi transferido para o setor de transportes, teve acesso a diversas informações sobre o sistema ferroviário em cidades como Campinas, Piracicaba e Bauru. Esteve também nos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, cada vez mais em contato com a grandiosidade do transporte que ele tanto gostava. Em 2007, com a ajuda de algumas informações que coletou no cargo, começou a trabalhar na proposta que pretende reviver a memória dos primeiros apitos das MariasFumaça em terras tupiniquins. O distrito de Guia de Pacobaíba, com cerca de 40 mil habitantes, possui duas características bastante marcantes: existem muitos clubes de recreação de classes de trabalhadores e vários estabelecimentos que levam, de alguma forma, o nome do Barão de Mauá. Tudo porque os trilhos da estrada de ferro ainda fazem parte da cidade: muitas de suas casas são provenientes de ocupações irregulares na área da ferrovia que, posteriormente, se tornaram legalizadas. E é próximo à estação que vemos diversos elementos que faziam parte da vida da estrada de ferro transformados em casas. Este é o principal impasse enfrentado para a aplicação do projeto de Pastori. “Teria uma confusão na hora de retirar as pessoas e nenhum político quer se desdobrar para isso”, explica. Ele até já tentou incluir seu sonho no PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal, enviando diversas cartas à presidenta da República, Dilma Rousseff, mas não obteve sucesso. “Não seria uma obra que começa do zero, seria uma obra meia-sola. E os políticos não gostam de obra meia-sola”, lamenta. Para realizar seu sonho e retomar a “sacada genial” do Visconde de Mauá, Pastori também precisa de vários outros pequenos grandes detalhes, como reformas no leito ferroviário, na ponte metálica sobre o Rio Inhomirim, na própria estação de Guia de Pacobaíba e de um material rodante pertencente ao fundador da AFPF, Luiz Octávio da Silva Oliveira, uma locomotiva a vapor 221 que se encontra desmontada na cidade de Cruzeiro, em São Paulo, localizada pouco antes de chegar ao estado do Rio. Ao todo, os gastos que ele prevê em seu projeto somam 19
7,3 milhões de reais, com o objetivo de otimizar o tempo de viagem dos 50 mil usuários que passam diariamente pela BR-116. “Mas seriam trens elétricos. E não seriam trens populares, todos os passageiros iriam sentados”, explica, comparando com os trens metropolitanos que já fazem diariamente o transporte de passageiros entre algumas cidades do estado. O projeto não tem previsão alguma para sair. A Prefeitura de Petrópolis já encomendou um estudo técnico à Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) e alguns investidores espanhóis já se interessaram pela ideia, mas, por enquanto, este é apenas um ideal que Pastori carrega e luta diariamente para torná-lo realidade. A estação pioneira, patrimônio tombado no ano de 1954, fica um tanto quanto longe do distrito: a distância é de cerca de 20 minutos, desde a entrada em Guia de Pacobaíba, até finalmente ser revelado o antigo ponto para refúgio imperial. Sob a tutela do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a estação é alvo de algumas polêmicas relacionadas ao mau uso. Abandonada por muito tempo, chegou a ser ocupada pelos próprios moradores locais e pela AFPF com a intenção de reformá-la. Em junho de 2013, no entanto, o IPHAN assinou um Acordo de Cooperação Técnica para desenolver “atividades relativas à gestão compartilhada do patrimônio arquitetônico, artístico e cultural da estrada de ferro Mauá-Fragoso”. Logo na chegada à estação, a primeira vista é a de que o tempo de pipa era bastante aproveitado em Guia de Pacobaíba por volta das dez horas da manhã, com várias crianças correndo, cachorros que tomavam um bom banho de mar na Praia de Mauá e famílias curtindo a manhã meio ensolarada que fazia. Os trilhos e a réplica da Baroneza ali presentes se assemelham a objetos de decoração de um parque. Vez ou outra alguém até para e tira uma foto com essa tal decoração. Não há sinalização evidente para os desavisados: a história de Guia de Pacobaíba se deteriora como o cais, desbravado por alguns que ainda se arriscam a caminhar e se aconchegar nas barras de ferro enferrujadas. Naquele mesmo horário, em 30 de abril de 1854, o cais era luxuoso e parte essencial para o funcionamento da primeira ferrovia do Brasil: os barcos a vapor idealizados por Irineu Evangelista de Souza, o Barão de 20
Mauá, ali aportavam para que os nobres pudessem seguir viagem até Petrópolis através dos trilhos. É impressionante imaginar que, há menos de dois séculos atrás, todo aquele cenário era palco tomado pela nobreza e pelas suas viagens de veraneio. Passear pelos trilhos agora é uma coisa que só pode ser feita pelos pés. A Baroneza original repousa no Museu do Trem, em Engenho de Dentro, próximo ao Estádio Olímpico João Havelange, o atualmente desativado Engenhão. A réplica é espaço para fotografias e brincadeiras de crianças em meio às suas imaginações férteis. Guia de Pacobaíba é uma paisagem bucólica, para se esquecer do mundo visível no horizonte do mar da Praia de Mauá, mas, antes de tudo, ela talvez fosse a principal conexão com ele. Logo somos recebidos por Cleber Ronaldo da Silva, funcionário responsável por cuidar do espaço, um senhor baixinho cuja identificação está pendurada no pescoço em um crachá. Ele se torna então o grande responsável pela maior surpresa da viagem quando abre as portas da estação a pedido do ferroviarista: não há nada ali dentro. Há alguns tijolos, livros espalhados e algumas reminiscências ferroviárias, mas o espaço se assemelha a um quartinho de bagunças tão vazio que o sentimento, por um instante, é de decepção. Cleber, no entanto, tranquiliza dizendo que a intenção do IPHAN é reformar o local, dando lugar a um pequeno museu. Após a decepção com o interior da estação, Pastori começa a mostrar inúmeros documentos que carrega consigo, agora sentado à porta do lugar, como fotos antigas da estação, modelos de projetos de reativação do trecho e até mesmo uma carta do cantor Ivan Lins, que descobrimos ser ferroviarista. A exposição de Pastori é feita com bastante dedicação, transparecendo sua satisfação em fazer parte da luta. O adesivo “Eu Quero a Volta do Trem” aparece novamente, desta vez, colado em uma pasta e identificado como um lema do Grupo de Trabalho para a reativação da Estrada de Ferro Grão Pará (GT-Trem), através do qual ele se empenha para ver as memórias de sua infância novamente. A saída de Guia de Pacobaíba é complicada para os turistas
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desavisados, uma vez que a estação está localizada em uma área pouco urbanizada do município, mas com a ajuda de Pastori, que resolveu nos deixar na estação de trem Saracuruna para a volta ao Rio de Janeiro, não há problemas. Descobrimos, no meio do caminho, que várias estações de trem da região de Magé não possuem catracas. O fluxo muito pequeno de passageiros não sustentaria os gastos com funcionários, como explicou o ferroviarista. Na ida até à estação, também conhecemos a cidade de Magé e a configuração um tanto quanto peculiar dos bairros e ruas. Em meio às casas, canteiros e avenidas, parte dos trilhos da E.F. Mauá ainda resistem, ali, abandonados, tão intrínsecos à paisagem como uma árvore ou um poste qualquer. As partes que não se encontram mais foram arrancadas tanto pelas pessoas, quanto pelo tempo e pelo progresso. Mas alguns trechos ainda comportam os trens metropolitanos da SuperVia, que são responsáveis, hoje, por ligar localidades mais afastadas como Bangu, Campo Grande e Santa Cruz e municípios como Paracambi, Nova Iguaçu, Belford Roxo, Duque de Caxias e a própria Magé ao centro do Rio de Janeiro. Os planos iniciais de ir até Saracuruna foram alterados quando Pastori percebe ter errado o caminho para a estação. Por isso a parada é feita, então, na estação de Duque de Caxias, esta com catracas e funcionários, perto de uma área de trabalho da Petrobrás. A acessibilidade da estação se mostra bastante complicada para deficientes e idosos, uma vez que só é possível chegar até as bilheterias após subir doses generosas de rampas inclinadas, como em uma passarela. A chegada à estação se deu às 11h43. O trem partia às 11h44. Com um pouco de correria e uma jogada de sorte por ter acertado a plataforma correta sem prestar atenção direito às placas, embarcamos a tempo com destino à Central do Brasil, que antigamente era ponto de saída da Estrada de Ferro Central do Brasil, já cumprindo seu posto de levar passageiros e cargas às cidades próximas, mas também aos estados de São Paulo e Minas Gerais. O transporte sobre trilhos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro é uma feira. É só sentar em um dos bancos disponíveis e 22
esperar para ser bombardeado por vendedores de todos os tipos de artigos: CDs gospel, com direito a um alto-falante tocando algumas das músicas e um vendedor falando efusivo ao microfone, salgadinhos, balas, patinhos de brinquedo e outras coisas mais que podem instigar a demanda dos passageiros, que podem demorar até mais de 1h para chegarem aos destinos finais, como Vigário Geral, Penha e Ramos. Há ali uma conexão, na estação de Bonsucesso, que leva ao teleférico com destino ao Morro do Alemão. Crianças correm pelos carros de passageiros e a paisagem na janela revela um Rio de Janeiro muito diferente da famigerada poética das praias da Zona Sul. Pouco a pouco, a cada abrir e fechar de portas, entram e saem as pessoas que dependem do transporte. Uma visão prática de como a facilidade, com um pouco mais de cuidado, pode se transformar em meio principal de transporte público, sem grandes riscos de acidentes e de atrasos por conta do trânsito. Ao chegar na Estação Central do Brasil, a sensação é de estranhamento. O local que possui um desnível cruel na hora de saltar do trem para a plataforma, para o qual seria preciso muito mais do que o “mind the gap” (ou, no padrão brasileiro, “cuidado com o vão entre o trem e a plataforma”) adotado nos metrôs e no bondinho da cidade. Até à transferência para a estação de metrô, a visão também é de um local complicado e confuso, que carece de informações precisas para os desavisados. Tanto é que a transferência não foi tão simples assim de ser encontrada. Mas era aquela transferência que iria levar, mais uma vez sobre trilhos, ao bairro de Botafogo, no qual resistem, na Rua Barão de Itambi, as memórias de toda essa ideia de transporte ferroviário no Brasil. Para chegar à Botafogo não há problemas. Basta descer na estação de mesmo nome, caminhar alguns minutos e, por que não, almoçar no terraço de um moderno shopping de oito andares, apreciando a vista de tirar o fôlego, e não o apetite, da enseada de Botafogo e dos morros da Urca e do Pão de Açúcar. Conhecer o bairro, então, é ainda mais fácil. É só chamar os inúmeros táxis amarelos que passam pelas avenidas do Rio de Janeiro a mil e exigem do passageiro empenho equivalente 23
ao do conquistador das Américas. Depois de dominado o táxi, ainda na corrida, é possível observar tranquilamente o movimento das ruas. Os carros passando, as bicicletas trazendo o frescor da brisa do mar e as senhorinhas passeando com seus cachorros enquanto seus maridos buscam pão na padaria. É nesse cenário que moram Eduardo André Chaves Nedehf e sua mãe, Francisca Chaves Nedehf, mais conhecidos como o tetraneto e a trineta de Irineu Evangelista Sousa, o Barão e Visconde de Mauá, grande responsável pela primeira viagem sobre trilhos do Brasil. Logo na entrada do apartamento, a suntuosa imagem de Mauá, em um quadro bem emoldurado e isolado sobre uma parede, traz todo o saudosismo dos séculos passados. Vagarosamente, eles se mostram dispostos naquela tarde nublada. Como toda matriarca, D. Francisca, com um suéter de frio e os cabelos bem penteados, logo nos aconchega na casa. Acostumada com o Rio 40°, antes mesmo de sentar diz: “Odeio o frio. Não estou acostumada com isso não”. Eduardo concorda e reclama da alergia: “esse tempo ataca minha imunidade”. Sem mais delongas, nos convida para sentar e mostra alguns documentos separados em uma mesa de centro. Mesmo nos pequenos cômodos, típicos dos edifícios contemporâneos que substituem espaço por número de apartamentos, exibe-se em cada canto um resquício do passado. Próximo à parede está uma cadeira de madeira maciça, com revestimento, herança de um algum tio- avô, e nas paredes as pinturas da tia-avó de Eduardo, Dona Zaíra Irineu. Com o olhar atento para o tanto de quadros nas paredes, Eduardo logo tece elogios à artista: “Tia Zaíra recebeu prêmios. Inclusive, uma das telas foi incentivada por DiCavalcanti”, diz. As telas retratam os bailes do Império, os navios construídos por Mauá, paisagens da cidade e parentes ilustres. Do prédio em que moram tudo é acessível. Existem farmácias, padarias, supermercados e o metrô, que leva os passageiros para os quatro cantos do Rio. É difícil imaginar que séculos atrás, ainda no Império, não havia carros ou força mecânica que permitissem chegar a outros lugares. Procurando economizar o vigor humano e também os 24
calçados, as mulas e os cavalos se responsabilizavam pela locomoção da população. Nem o transporte de grãos escapava das tropas de mulas e carros de boi. Muito menos existiam tecnologias que ajudassem a transpor os morros do Rio de Janeiro. Diferente daquele contexto, hoje o carioca superou os dissabores do relevo natural da cidade, agora substituídos pelo concreto. Passou a conviver em meio a imponentes edifícios residenciais, que cegam o horizonte daqueles acostumados com o mar invadindo as janelas e aprenderam a se locomover desprendidamente. Todavia, na contra mão de tanta modernidade a casa da família Nedehf marca uma divisão temporal. Ali, fecha-se a porta para o presente e abre-se para o passado. Deixa-se para trás as buzinas e a vida corrida da rotina e é possível ter um vislumbre da época dos nobres do Império. “A satisfação do meu tetravô era servir ao Império”, contou Eduardo, assim que nos deparamos com tantas memórias espalhadas pela sala. O tetraneto se referia aos muitos empreendimentos que Irineu estabeleceu na cidade, procurando melhorá-la. Por isso, no ano de 1852, Irineu Evangelista de Souza, naquela época, um jovem empreendedor, estava de olho nos obstáculos que a cidade maravilhosa apresentava e que impediam que a Corte usufruísse de todos os prazeres que apresentava. Procurando trazer benefícios para a vida diária, Irineu resolveu planejar alguns negócios que mudariam o cenário do Rio. Esses planos surgiram depois que visitou seu sócio, Richard Carruthers, na Inglaterra em 1840. Foi nessa ocasião que se deparou com a forte indústria capitalista inglesa, formando em sua cabeça inúmeras ideias mirabolantes. Aliás, foi durante as muitas viagens que realizou desde então que cultivou certas manias, como praguejar em inglês e soltar algumas palavras castelhanas aqui e ali, características que marcaram sua personalidade. “Na verdade a figura de Mauá era pouco compreendida, tudo que ele queria era trazer coisas boas para o país, mas viam suas ideias como loucura”, lembra Eduardo. Lá na Inglaterra as ferrovias estavam a todo vapor e ampliavam o horizonte dos comerciantes. Dessa maneira, ao chegar ao Brasil,
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Irineu não teve dúvidas. Recebeu do governo uma autorização de 10 anos para navegar a vapor da Corte ao Porto de Mauá. Mesmo ano em que obteve concessão para a construção de uma ferrovia que partiria da raiz da Serra até o fundo da Baía de Guanabara. Não seria estranho que Irineu quisesse trilhar as ferrovias pelo Brasil. O próprio governo da época já havia tomado consciência do alvoroço feito pela invenção das locomotivas. Por isso, ainda em 1835 consolidou uma concessão de 40 anos a empresas que se propusessem a construir uma estrada de ferro que ligasse Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Isso não aconteceu. Azar dos burros e mulas usados em seu lugar. As mudanças trariam ganhos à elite agrícola da época, isso porque, acostumados a passar as férias em Petropólis, no alto da Serra, enfretavam uma maratona de quatro horas para chegar ao destino escolhido, o que fazia a própria viagem ser a parte mais cansativa das férias. Aliás, a mesma elite olhava com desconfiança o rápido enriquecimento de Irineu. “A corte não entendia como ele havia enriquecido tão rápido, por isso o invejavam”, conta Francisca. Ironicamente a solução desses problemas viria daquilo que a nobreza conservadora e ruralista mais temia: a modernidade, representada, na época, pelas estradas de ferro. E pelas mãos de Mauá. No entanto, muito se engana quem acha que Irineu não usufruía da posição que suas peripécias lhe proporcionavam. O empreendedor também procurava se fazer presente na alta sociedade do Império. “Mauá gostava de realizar bailes da Corte. Foi ele o responsável pelo último baile aqui no Brasil”, completa Francisca, enquanto Eduardo contempla um dos quadros na parede. A pintura ilustra um elegante salão com senhores em fraques e senhoras com belos vestidos de gala, atmosfera que parece se transportar para o pequeno apartamento, ainda que de maneira singela, permitindo que o suspensório e a bengala de madeira usados por Eduardo não causem estranheza. Somente em 1854 foi inaugurado os primeiros 15 km da ferrovia. Um marco para o Império, já que era a primeira ferrovia no país:
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Estrada de Ferro Mauá. No mesmo dia Irineu acabou recebendo o título de Barão de Mauá. Os empreendimentos do Barão não pararam por aí. Vinte anos depois, em 1874, se tornaria Visconde após trazer para o país o telégrafo com cabo submarino. Honraria que possui grande estima dos Nedefh: “Não é justo quando o chamam de Barão. Ele é Visconde. Sempre pergunto: você gostaria que um general fosse chamado de capitão?”, reclama Francisca. A partir daí passou a realizar uma série de empreendimentos, que muitas vezes não deram certo. Isso criou certa reputação ao Visconde: quando Mauá investia apareciam inúmeros prejuízos e assim que deixava o empreendimento, os lucros apareciam por toda parte. Em 1857, com o peso de 78.000 contos de réis nas costas, o Visconde pediu moratória de três anos para seu banco. Depois de quase 30 anos de ousados empreendimentos decretou falência e teve a licença de comerciante cassada. A decadência do Visconde se deu não devido à falta de manejo nos negócios, mas à postura indiferente e muitas vezes hostil com que o governo lhe tratava e que tão bem representava a diferença de visão de Mauá e do próprio Império. Mesmo sem muita movimentação no início, a ferrovia trouxe algum alívio para poucos privilegiados. Com a estrada de ferro, para chegar a Petrópolis passou a ser preciso embarcar no navio a vapor, que saía da Praça Mauá e até Guia de Pacobaíba, e de lá pegar o trem até à Serra, reduzindo o tempo de viagem. Assim, sem muito esforço, Irineu conseguiu ultrapassar um dos muitos obstáculos da época: o relevo do Rio de Janeiro. Os descendentes do Visconde também atendem como Marquês e Marquesa de Viana. Enquanto o parentesco com o Visconde vem por parte de mãe, o título de Marquês é herdado pela família do pai de Eduardo. Seu tetravô português era o comandante das naus que escoltavam Dom João. Na fuga da Família Real ao Brasil, Dom João convenceu o comandante a vir para as terras tupiniquins, nomeando-o Marquês de Viana. E desde então o título vem sendo passado de pai para filho.
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Os valiosos documentos do Marquês estavam guardados em um quarto próximo à varanda, repleto de papéis e aparatos, aparentemente organizados. Francisca fala que o quartinho já esteve todo abarrotado de livros até o teto, no entanto, Eduardo resolveu doá-los a algumas escolas. Naquele dia não haviam muitos papéis por lá, pois a dupla estava atarefada com a Exposição na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), dedicada ao ilustre parente até o fim do ano. A ACRJ, localizada no número 9 da Rua Candelária, região central do Rio de Janeiro, traz as memórias de Mauá elencadas em um cubículo na recepção do prédio em que está localizada, em que são expostas apólices, títulos, medalhas de honra como a Ordem Imperial da Rosa e a Ordem do Sol Nascente, objetos pessoais e a biografia do Visconde. Dentre estes objetos podemos encontrar uma espada com brasão do Império do Brasil e bainha de prata presenteada por Marquês de Tamandaré em 1864, estatuetas do Rei e da Rainha de Sião e até mesmo o último registro fotográfico, datado de 1889. No livro de visitas, Mauá atrai os estrangeiros, como “Aryana, from Canada” e “Alfredo - Caracas - Venezuela”, que deixaram suas marcas registradas. Ali o Visconde é considerado o primeiro grande símbolo do comércio exterior brasileiro. Ao outro lado da recepção Mauá também é representado por um busto, no qual se encontra a inscrição “Ao Visconde de Mauá, a Associação Comercial - 17-1-1911”. Na exposição também estavam as 14 condecorações e 10 medalhas de governo do mundo todo recebidas por Mauá. “Organizamos os documentos para as exposições, podem fotografar as condecorações”, destaca Eduardo. O tetraneto prontamente se dirigiu para a salinha, para pegar os documentos e condecorações. “Esta é a ilustração que representa a condecoração que o Visconde recebeu no Japão, pela construção da primeira ferrovia do Império. Olha só o barão japonês. Como o ilustrador era japonês, fez todo mundo igual”, contam aos risos. Não foi só por lá que o Barão se aventurou, esteve na França, Portugal, Etiópia, Índia e muitos outros lugares, onde firmou as primeiras ferrovias. Foi em Bangcoc que viveu uma de suas histórias mais autênticas, relembradas pela família. Eduardo fala que na 28
inauguração da ferrovia tailandesa, as pessoas não sabiam o que era aquilo, que magia acontecia no meio daquela fumaça branca que fazia aquele trambolho de ferro mexer. Acabaram achando que era alguma divindade e a única reação que tiveram foi a de se prostrarem perante aquele “dragão de ferro”. “Até hoje as pessoas fazem isso por lá”, acrescenta o Marquês. Entre as relíquias de Eduardo também estão as moedas dos inúmeros bancos que Mauá abriu pelo mundo. Apesar de ser responsável, em 1851, pela criação do Banco do Brasil, esse mesmo, encontrado em toda esquina das capitais brasileiras, sem o apoio do governo da época para realizar seus negócios, Mauá acabava por criar bancos que permitissem a concretização de seus planos. “Foi assim em todos os lugares que estabeleceu suas ideias”, pontuou Eduardo, mostrando as moedas agora espalhadas pelo sofá. Inclusive, mãe e filho relembram o aborrecimento que Irineu passou ao criar a moeda na Argentina. Os governantes não aceitavam as imagens colocadas ao centro das cédulas. Primeiro rejeitaram a própria figura do Visconde, depois a de sua filha, alegando que eles não poderiam representar a moeda, porque não pertenciam àquela nação. Sem paciência, acabou escolhendo uma distinta imagem: a de uma cabra. “Ele colocou a imagem de uma cabra, imagina. Eles tiveram que engolir”, conta Dona Francisca. Ainda que recebesse as honrarias de Barão e Visconde muitos de seus interesses foram contrariados por Dom Pedro II. Entre os ilustres formou-se uma relação não de lua, mas de mar, que mudava de acordo com a maré. Isso se tornou claro ao relembrarmos as motivações que levaram o Barão, que esperava angariar a simpatia de Dom Pedro II, a meter os bedelhos na questão Platina, apoiando o Uruguai contra a Argentina devido a questões de demarcação de fronteiras. A falta de sincronia com os governantes também se reprisa com o Marquês de Viana e sua mãe. Assim como o patriarca famoso, a relação com o prefeito da cidade Eduardo Paes e o governador do estado Sérgio de Oliveira Cabral, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), é nebulosa. “Em uma homenagem feita pela prefeitura ao Visconde de Mauá fiquei me segurando para não levantar minha 29
bengala contra eles”, exclamou Eduardo. A desavença se intensificou devido à retirada em 2011 da escultura de bronze do Visconde instalada na Praça Mauá, no centro do Rio, para a realização de obras no Porto Maravilha. Na praça, a estátua de 1910 encontrava-se altiva sobre um pedestal de 8,5 metros, toda requintada em mármore, bem ao centro. “A estátua foi feita para estar ali. No local em que estava Mauá sempre olhava para sua obra: a primeira ferrovia brasileira”, afirma a Marquesa. O que incomodou os herdeiros foi o descaso com a memória do Visconde. “Alguém que proporcionou tantos benefícios ao país deveria ter mais prestígio”, contestou Eduardo. Todavia, a memória efêmera do Visconde é muito viva para Eduardo e Francisca. Por isso, o alívio só veio quando a Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), juntamente com os descendentes, forçaram o prefeito Eduardo Paes a entregar a custódia da escultura à ACRJ. O movimento foi intenso e conseguiu a restauração da estátua e a transferência para a portaria do prédio da ACRJ, em meio à Rua Candelária. Mas as preocupações dos Marqueses persistem. Devido às manifestações que vêm ocorrendo com frequência na cidade de Rio de Janeiro, o maior medo de Eduardo é que derrubem a estátua daquele “penico”, como ele chama o novo pedestal em que o Mauá de bronze foi colocado. Dona Francisca é ainda mais saudosa. “Outro dia eu estava limpando a estátua com um lencinho. Tive vontade de deixar uma cartinha contando que a trineta do Barão estava limpando a estátua para conservá-la”. Afinal, a homenagem feita ao Visconde não deve ser esquecida, assim como toda sua genialidade não deve ser restrita à Candelária.
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------ Neblina Sobre os Trilhos ------
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que mais salta à memória é o carro azul da Paulista: sempre impecável, a máquina condizia com a reputação da companhia, considerada a de maior luxo. Ainda hoje, ao fechar os olhos, lembra das curvas do trajeto e na tentativa desesperada de enxergar a cauda do trem azul pela janela. A noite era um espetáculo à parte. As luzes acompanhavam a locomotiva, quase como vagalumes, dando ao trem certo ar místico. Essas lembranças foram contadas detalhadamente por Rogério Toledo Arruda, biólogo, hoje aposentado, enquanto estava sentado à mesa de sua casa, em pleno feriado da independência do Brasil, exibindo algumas fotos que mandara emoldurar para mostrar aos curiosos que o visitavam em busca das histórias dos trilhos. As fotos, que traziam cenas da estrada de ferro Santos-Jundiaí em preto e branco, marcam parte de suas lembranças que magicamente formam cenários imaginários, tornando os espectadores participantes das viagens de Rogério. Para chegar à casa do biólogo foi preciso criar um verdadeiro roteiro de viagem. Como mora em Rio Grande da Serra, todo o trajeto foi feito pelos trilhos. Da estação Tietê, em São Paulo, é só descer na estação da Sé, por onde passa a linha vermelha, rumo ao Brás. No Brás, o trem tem como último ponto a cidade de Rogério. A impressão de todo percurso permeava as viagens de férias, em que mães com os filhos nos colos e grupos de amigos se aventuram pelas cidades, personagens encontrados naquele dia que também habitam as memórias de Rogério em suas viagens da infância. O que mais lembrava das férias na praia era a viagem de trem. Para chegar a Itanhaém era preciso pegar o transporte que mais gostava e que ansiosamente esperava a cada ano. Ao sair de Mogi das Cruzes, lugar em que cresceu, embarcava até o Brás (SP), local onde as ferrovias Central do Brasil e Santos-Jundiaí se intercalavam. De lá, viajava pela estrada 33
de ferro Sorocabana até Santos. Mas essa não foi a única oportunidade que vivenciou nos trilhos. Como sua família possuía uma fazenda em Jaú, e era lá que os tios, avós e todos os primos se reuniam, ele sempre estava por lá. Para chegar na fazenda embarcava na Santos-Jundiai, que saia da estação da Luz, em um carro da Cia Paulista, que na época era utilizado pela linha. A primeira impressão ao chegar em Rio Grande da Serra é a de estar em um lugar distante da grande São Paulo. Diferente de todas as estações visitadas, a estação da cidade tem um “quê” de passado. Mesmo com o céu acinzentado, o tempo pesado e frio, com uma suave neblina contrastando com a paisagem do alto da cidade, é eliminado qualquer resquício de poluição das grandes cidades, onipresente em São Paulo. O clima antigo da estação, que ainda tem as plaquinhas de informação do século passado, torna difícil imaginar que aquele mesmo trem sai do corre-corre, movido pela pressa dos paulistanos, e termina na vaga cidade, que recebe os passageiros com uma turma de cachorros, que usam a estação como ponto de encontro. A casa de Rogério se localiza em uma das ruas mais altas de Rio Grande da Serra, onde é possível observar ao longe as casinhas envoltas pela característica neblina. A paisagem turva traz um ar de descoberta, despertando curiosidade em saber o que se esconde por baixo daquele pano branco. Sensação semelhante a dos primeiros exploradores do Império. Parte deste ousado grupo, o Visconde de Mauá decidiu aceitar o desafio e encarar os obstáculos que a Serra proporcionava. Ainda em 1883 o engenheiro Robert Stephenson, filho de George Stephenson, responsável pela invenção da primeira locomotiva a vapor, havia analisado um anteprojeto da construção de uma estrada de ferro sobre a Serra do Mar. Elaborado por um grupo de brasileiros com o intuito de transpor o entrave que a serra proporcionava para o desenvolvimento da região, o anteprojeto interligava a baixada santista ao estado de São Paulo. Considerando a ideia mal elaborada e impraticável, Robert acabou adiando o empreendimento, que 20 anos depois se concretizaria nas mãos do Visconde, com a ajuda de capitalistas ingleses. Estudou-se o trecho entre Santos e Jundiaí após a 34
concessão do Império. Pouco tempo depois, em 1860, a Serra havia sido conquistada. “Gosto de comparar Mauá ao descobridor das Américas. Assim como as embarcações desbravaram os oceanos, chegando ao novo mundo, o Visconde desbravou a serra com a estrada de ferro”. Fazendo referência ao filme “1492 - A Conquista do Paraíso”, Rogério cita um documentário sobre as ferrovias, do qual participara, e que representara tão bem sua metáfora com a música “Conquista do paraíso”, do músico grego Evangelos Odyssey Papathanassiou, também conhecido como Vangelis. Com presença austera, a música marca para Rogério a chegada de Cristóvão Colombo, assim como a história da linha férrea instalada pelos ingleses e pelo Visconde. Nas escadas de acesso à casa do biólogo, ainda no quintal, já é possível constatar que o morador se trata de um inconfundível ferroviarista. Nos degraus estão espalhados peças e aparatos da antiga Santos-Jundiaí. É ela a grande admiração de Rogério. “Tenho carinho especial pela Santos-Jundiaí e Cia. Paulista”. Afeição que começou ainda criança ao observar toda a parafernália montada para que a Serra do Mar fosse transposta, tão bem desempenhada por Mauá e seus parceiros. “O que mais marcou foi a volta de Itanhaém, ficava na janela ouvindo o barulho do trem nos trilhos”. Os barulhos vinham dos equipamentos montados pelos ingleses, na então São Paulo Railway em 1860, que mais tarde se tornaria Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Foi ela que permitiu ligar o porto de Santos à Jundiaí por um sistema chamado funicular, que venceu os 800 metros da Serra. Para explicar o arranjo, Rogério, de forma didádica, dobra a toalha de mesa vermelha formando duas linhas, que representam as linhas da estrada de ferro, e tenta mostrar como funciona o funicular. “Esse sistema é muito simples, existe em lugares turísticos. Os teleféricos utilizam o sistema funicular, por exemplo”, aponta. Dessa maneira, vai contando como a peripécia foi feita. Apesar de já existir na época um sistema mais moderno, chamado cremalheira - peça mecânica colocada em uma barra ou trilho, formando um conjunto de engrenagem -, os ingleses optaram pelo funicular, descoberto nas
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minas de carvão e que basicamente funciona como um esquema de contra-peso. O sistema foi idealizado pelo engenheiro inglês Makinson Fox, não se sabe ao certo o porque da escolha, que é mais complexa. Também nunca se descobriu, um dos muitos enigmas da serra. Para vencer os 800 metros de desnível uma composição serve de contra-peso a outra, passando por quatro patamares, planos inclinados de 12 km. Nesses planos ficavam instaladas máquinas fixas, acionadas por cabos de aço. Para exemplificar toda bruxaria inglesa, Rogério mostra na parte de trás do quintal um cabo de aço restaurado, pendurado na parede. “Esse era o cabo que puxava a locomotiva. Era colocado algodão no meio das tranças de aço para dar flexibilidade. Vocês imaginam?”, pergunta. O cabo de aço de não mais de 40 milímetros de largura, como em um passo de mágica, transportava toneladas de ferro em algumas horas. Já o ruído que despertava tanto interesse do então garoto se originava das polias de ferro, colocadas ao longo do cabo, de 2 em 2 metros, facilitando a locomoção do trem no sistema. Ainda no quintal, encostada na parede estava uma das muitas utilizadas na ferrovia. “Tenta pegar!”, diz. A polia, que possuía uma circunferência maior que a de uma bola de futebol, era irremovível. Tudo funcionava com a pontualidade britânica. “Quando uma composição estava saindo do primeiro patamar, outra estava chegando no segundo e assim por diante”, explica. Para isso, cada patamar tinha um grupo de trabalhadores e apenas para ligar os cabos nos trens era preciso a força de 8 homens. Apesar de toda modernidade britânica, muitos procedimentos eram feitos com força humana. A necessidade de trabalhadores para manejar as máquinas a vapor fixadas nos patamares, fazer a manutenção dos trilhos, além de maquinistas e sinaleiros, fez com que a companhia inglesa estabelecesse pequenos acampamentos por todos os patamares. Foi assim que surgiu Paranapiacaba, criada após a permissão de Dom Pedro II. A cidade possui estilo arquitetônico único, caracterizado pelo “victorian style”. Esse estilo é inspirado nas construções realizadas
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na Inglaterra na monarquia da Rainha Vitória, ainda no século XIX. Por isso, é considerada patrimônio arquitetônico, chamando atenção por suas casinhas excêntricas. Os índios foram responsáveis pela primeira movimentação humana da região. Mesmo com nome indígena, Paranapiacaba, ou melhor, “de onde se vê o mar” se desenvolveu somente com a chegada dos súditos da Rainha. Com a inauguração da estrada de ferro, em 1867, transformou-se na estação do Alto da Serra, ficando sob domínio da Companhia São Paulo Railway (SPR) por 90 anos. A São Paulo Railway fora organizada em Londres com o objetivo de construir a estrada de ferro que ligaria Santos a Jundiaí. Como na época haviam muitos problemas com relação a captação de recursos, Mauá obteve do Imperador Dom Pedro II autorização para buscar recursos fora do país. Assim, os ingleses entraram em cena e determinaram as diretrizes da vila ferroviária. Foi na vila que Rogério colecionou as melhores recordações da volta da praia. O biólogo e seus irmãos, após uma temporada marinando no litoral, voltavam pretos de tanto banho de sol e sempre levavam um choque- térmico ao subir a Serra: “era muito estranho. Saíamos da praia e quando chegávamos em Paranapiacaba nos deparávamos com aquele frio e garoa”. Ele costuma dizer que Paranapiacaba possui 5 climas, que acontecem todos ao mesmo tempo: “repara, lá sempre vai estar frio, com chuva, com neblina, nublado e garoando”, brinca. A misteriosa neblina sempre esteve presente. Naquela época ainda mais intensa, já que hoje os rastros deixados pela poluição na cidade de Cubatão, e que tão bem indicam o progresso do país, acabaram por alterar o clima da região. Em meio à visão embaçada, o então menino observava pequenos acenos vindos das casas de madeira que se encontravam na beira da linha férrea. “Eu via aquelas mulheres e crianças dando ‘tchau’ para a locomotiva. Era o melhor momento do passeio”, diz. Como não se enfeitiçar com aquelas casinhas de madeira, que dançavam pela serra, em harmonia, ornamentadas com telhas francesas e madeiras inglesas, todas da mesma cor? Essa era pergunta
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que passava pela cabeça do garoto. O encanto foi tanto que Rogério, depois de anos, após casar, trabalhar e ter filhos, em 2007, teve uma ideia. Ao se aposentar não sabia qual seria seu próximo passo. Na época estava separado e não havia amarras que o prendessem a lugar algum. Assim, em uma tarde, bateu os olhos no jornal e viu a manchete sobre as casas de Paranapiacaba. “Quando vi que haviam 10 casas em licitação por lá, fiquei pensando na ideia de talvez morar ali”, conta. As mesmas casinhas, que se formaram em meio ao misticismo de Paranapiacaba, depois do fim da concessão da SPR em 1946 foram deixadas de lado depois que a ferrovia foi encampada pelo governo federal. Pouco mais tarde, em 1948, passou a se chamar Estrada de Ferro Santos- Jundiaí. Depois da saída dos ingleses, já em 1957 a Santos-Jundiaí, junto com outras 18 ferrovias, formou a Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Sem o vigor de outras épocas, nos anos 90, o governo de Fernando Henrique Cardoso privatizou as linhas férreas. A vila, que sofrera todos os baques desse troca- troca, teve muitos de seus ferroviários desempregados, fazendo com que as casas da região ficassem vazias. Com o abandono, muitas famílias acabaram invadindo as casas maiores. Além disso, alguns oportunistas viram naquelas acomodações certa conveniência, já que não havia cobrança de água, luz e aluguel. Foi assim que Paranapiacaba se tornou uma “vila-dormitório”. “Nessa época as casas foram abandonadas, muitas se degradaram. O pessoal acabou invadindo as melhores casas. Só ficaram as pequenas e em mal estado”, conta Rogério. Foi com essa situação que o então prefeito de Santo André, Celso Daniel, resolveu comprar a vila pela bagatela de 2 milhões de reais. Ironicamente, o prefeito mal chegou a ver a vila restaurada. Uma semana depois de acertar os documentos de Paranapiacaba foi assassinado. O prefeito fora sequestrado e assassinado por 6 criminosos em 2002 em um caso nebuloso, assim como o próprio futuro da vila na época. Aí que começaram as licitações e a mais nova jornada de Rogério:
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resolveu comprar uma das casas e morar no local. “Lembro exatamente do dia, era na quinta-feira santa, quando li o jornal veio todas as memórias da minha infância”, diz. Naquele momento, decidiu fazer uma visita ao local que até então era vivenciado apenas na memória do biólogo. Deu uma volta pela cidade e se surpreendeu com o que encontrou. Antigamente as acomodações eram bem cuidadas e os ingleses faziam questão de manter as aparências das casas, préfabricadas na Inglaterra. Todavia, com todo o desamparo, as cercas e madeiras encontravam-se deploráveis. Além disso, as ondas de desemprego e a saída dos ferroviários de lá, fizeram com que uma população marginalisada, que mal sabia a importância da ferrovia para aquele lugar, ou ao menos o prestígio que Paranapiacaba possuía em outras épocas, habitasse a cidade. “Fiquei muito triste ao ver o trem apodrecendo”. Apesar disso, ficou por lá durante três dias e se apaixonou pelo lugar. “Estava tudo abandonado. Na casa que comprei tive que tirar 7 caçambas de lixo”, completa. Durante os cinco anos que ficou em Paranapiacaba começou um lento processo de restauração da casa, que estava com as madeiras e estrutura prejudicadas. Mas o que mais gostava de fazer era explorar. Conversava com todos os moradores, principalmente os mais antigos, ouvia suas histórias ao mesmo tempo que fuçava nos documentos históricos da vila. Dentre os seus estudos tem orgulho de revelar algumas de suas descobertas: “já sabíamos que a ferrovia Santos-Jundiaí havia sido construída em 1860. Mas em que data foi inaugurado o trecho de Santos para Paranapiacaba?”. A pergunta só encontrou solução em uma antiga edição do jornal Correio Paulistano. “Quando li me emocionei muito! No dia 21 de agosto de 1865 a ferrovia saia de Santos e chegava na vila”, brada Rogério. Quase um nativo da vila, o biólogo logo se sentiu em casa e se tornou figura ativa. Fazia um jornalzinho que circulava pela cidade e tratava dos principais assuntos. “A prefeitura não gostava de mim não, diziam que eu falava de mais”. Até mesmo na internet se aventurou e criou um site exclusivo para a vila inglesa. Por isso, ao ouvir rumores que uma molecada estava depredando a linha férrea e vendendo os 39
materiais que encontravam pelo caminho para os ferro-velhos, ficou incomodado. “Os nóias, aquele pessoal fissurado em drogas, pegavam as peças e vendiam sem nenhum critério. Um absurdo. A história de Paranapiacaba estava sendo vendida quase de graça”, conta. Tudo isso porque ainda em 1889, já na República, a SPR foi obrigada a construir uma nova linha, paralela ao Alto da Serra, para garantir escoamento de toda produção da época ao porto de Santos. A nova linha, chamada de Serra Nova, possuía 5 patamares e também foi construída com o sistema funicular, atendendo seu propósito até os rumos do país se dirigirem para as rodovias. Assim, ficaram dois caminhos: a Serra Nova, construída em 1889, e a Serra Velha, construída em 1860. A partir daí, muita coisa foi feita e em 1974, o governo militar substituiu o sistema funicular da Serra Velha pelo de cremalheira. Já a Serra Nova, em 1981, foi desativada. O “escambo ferroviário” começou depois que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tombou o trecho do 5º ao 4º patamar da Serra Nova, deixando os outros patamares à mercê. Deparando-se com aquela situação, Rogério resolveu procurar os “mercadores das linhas” e assuntar por quanto estavam vendendo as peças. “Depois de conversar com alguns deles não tive dúvidas. Comecei a oferecer quase o triplo pelo que conseguiam pegar pelos patamares”. Como os pagamentos eram melhores que os do ferro-velho, os rapazes acabavam trazendo todas as peças que encontravam para Rogério. “Quando vi já estava formando um bom acervo ferroviário”, diz o biólogo. Muitos dos rapazes, que passaram a fazer parceria com Rogério, desciam até os primeiros patamares, em busca de maior recompensa. Por isso, passou a ficar famoso na vila, colecionando as memórias e as histórias da ferrovia. Tanto que muitos moradores doavam para ele os sinos, peças e placas que guardavam como recordação da época em que eram ferroviários. Aos poucos seu acervo pessoal foi sendo construído. Com tudo isso em mãos, Rogério começou um longo processo de restauração.
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Refez cada pintura e detalhe, com muito esmero. Sua coleção já possui mais de 170 peças. “Meu maior orgulho é esta placa”, conta. A placa encontra-se envolta de outras peças, como cabos, roldanas e algumas sinalizações. No entanto, em um canto da parede, um pouco isolado, está um sino dourado chumbado na parede. “Essa foi uma das peças mais caras. Comprei por causa do som. Sempre o ouvia na minha infância”. Depois de puxar o sino, o potente som agudo ecoa pelo quintal, onde agora fica seu acervo. Bem próximo dele está um retrato de um senhor distinto, com o cabelo grisalho curto, uma barbicha no queixo e um chapéu clássico na cabeça. Era Visconde de Mauá. A figura de Irineu não poderia ficar de fora. Idealizador da estrada de ferro, o empreendedor, durante a construção da Santos-Jundiaí, era muito requisitado, sendo chamado o tempo todo para ir até o local da construção da via. Tanto que adquiriu em 1862 uma fazenda, hoje localizada na cidade de Mauá, para facilitar sua locomoção. De peça em peça Rogério se tornou o “guardião da ferrovia”, título oficializado após o Ministério Público Federal autorizá-lo a continuar com sua coleção. No entanto, agora, o acervo se encontra estruturado em Rio Grande da Serra. Com a entrada do Partido dos Trabalhadores (PT) na prefeitura de Santo André, foram feitas medidas sociais para atender os 1300 moradores da cidade, como bombeiros, postos de saúde, guarda… Mas, com o tempo, o patrimônio histórico foi deixado cada vez mais de lado. Toda a história de Paranapiacaba passou a parecer equivocada para Rogério. Desanimado, decidiu mudar de cidade. Já havia estudado tudo que existia sobre a história da cidade e não via mais propósito para estar ali: “hoje Paranapiacaba é uma cidade que vive do futuro, sem sequer olhar para o passado”, declara. Já no fim da manhã resolve mostrar o documentário que havia comentado no início do dia. Compenetrado, assiste os 15 minutos da película em meio à trilha de Vangelis. Sem se deixar abater, propõe um passeio à vila.
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Em Paranapiacaba, o frio característico se contrasta com as meninas e rapazes desavisados que chegam por ali trajando shorts curtos e bermudas. Transformada pelo governo de Santo André, proprietário da vila, em uma atração turística que emula um Campos do Jordão em meio ao movimento da metrópole e a agitação nas praias de Santos, a história de Paranapiacaba cada vez mais vem se dissolvendo em meio ao frisson pelos seus Festivais de Inverno, seus artesanatos e suas famosas trilhas. E, claro, a parte baixa, conhecida como Vila Inglesa, também atrai aqueles que ali vão com a intenção de conhecer um pedaço de Londres sem ter que tirar muito dinheiro do bolso e enfrentar longas horas de avião. O antigo relógio da estação pode até ser confundido com um Big Ben às avessas e até a neblina respeita a pontualidade britânica. “Ela chega exatamente às 14h, todos os dias”, conta Rogério. Durante um passeio pelas ruas da vila, uma moça hippie para o carro e jura ser “uma pessoa de verdade” antes de entregar um panfleto de sua casa de chás, pedindo para que passemos lá para conhecer. Segundo Rogério, o turismo de Paranapiacaba está muito marcado por situações deste tipo nos dias de hoje. Paranapiacaba também está nas várias lojinhas que vendem chaveirinhos com o desenho do relógio da estação e na tradicional cachaça de Cambuci, degustação quase que obrigatória na visita. Está também na paisagem que esconde, em sua peculiariedade, as linhas abandonadas da estação e uma comunidade tradicional que se reergueu quase que de maneira feudal: a cidade de Santo André lhes oferece as moradias, mas também pede a colaboração dos moradores para deixar a vila cada vez mais turística. No começo da implantação do turismo, era comum que aqueles que aceitassem ter pousadas, restaurantes ou fazer trabalhos artesanais pagassem aluguéis mais baixos do que os outros. Na chegada à Vila Inglesa, Rogério faz questão de nos destacar as casas que, apesar de terem sido construídas no mesmo padrão, são dispares: algumas possuem garagens improvisadas, as quais ele chama de “puxadinho”, outras necessitam de reforma e de restauração. Os estabelecimentos comerciais e seus guarda-sóis também já dominaram aquilo que um dia foi moradia dos trabalhadores da São Paulo Railway. 42
Ele aponta para um restaurante localizado à frente do clube tradicional da cidade, o Clube Lyra Serrano, e conta: “Foi uma briga para saber se ele iria manter esses guarda-sóis aqui e quebrar a estética da cidade ou não. Mas acabou ficando”. Com um passeio rápido pelas ruas - algumas carregam nomes ingleses, como Avenida Fox - é possível ver que vários outros adotaram a ideia também. O Clube Lyra Serrano, fusão dos clubes Sociedade Recreativa Lira da Serra e Serrano Atlético Clube, ambos incentivados pela São Paulo Railway, está localizado, desde 1930, na praça Prudente de Morais. Sua arquitetura, logo à primeira vista, se destaca das demais: ao invés do vermelho padrão das casas de trabalhadores, o clube é construído por uma madeira amarelada, mas as telhas francesas que adornam seu topo são as mesmas originalmente utilizadas para construir as casas. Hoje utilizado para exposições e apresentações artísticas para os moradores da Vila, seu passado não foi muito diferente e sua utilização foi bastante versátil. Até mesmo o salão de convenções era utilizado para exercitar a maior paixão inglesa: o futebol. Nos dias de hoje, no entanto, o clube é, antes de tudo, alvo das atenções dos visitantes da vila. Logo na entrada, ele abrigava uma exposição sobre a São Paulo Railway, intitulada “A Ingleza e o Inglês”. A exposição, que antes esteve na Estação da Luz, em São Paulo, resgata a memória da primeira ferrovia do estado com fotos do engenheiro inglês Charles Robert Mayo, que acompanhou a ascensão e a queda do trecho. Esta é uma das poucas memórias evidentes da estrada de ferro existentes na vila - e, ainda assim, é temporária. Rogério se dirige a um restaurante que recebe o nome de Cavern Club, mesmo nome do bar onde os Beatles fizeram sua primeira apresentação, em Liverpool, para apresentar-nos a amiga Zélia Paralego, moradora de Paranapiacaba desde os anos 60. Ativa na preservação da memória da vila, ela mantém ali, no mesmo espaço, um bar, uma pousada e a sede de sua ONG, a Sociedade de Proteção e Resgate (na sigla, SPR, fazendo um trocadilho com a São Paulo Railway), fundada em 1989. Nas paredes feitas de tijolo a vista, lembrando a ambientação de um pub, diversos quadros estão pendurados com honrarias ao restaurante, 43
como uma menção no Guia Comer & Beber da revista Veja. Sem cerimônia, a pedido de Rogério, Zélia vai ao bar e pega um grande recipiente de vidro que está cheio de cachaça. “Não dá para vir à Paranapiacaba e não tomar a nossa cachaça”, ela justifica, enchendo três copinhos do líquido amarelado, que além de levar o cambuci, foi curtido junto a outras frutas da época na qual a cachaça havia sido produzida, como ameixa e uva. A tradição de curtir a cachaça de cambuci começou no início do século 20, quando os trabalhadores da ferrovia utilizavam a fruta, encontrada em abundância na região, misturada à cachaça tradicional para se aquecer diante às baixíssimas temperaturas da serra. Como os patrões, rígidos, não permitiam que eles bebessem em serviço e nem mesmo em casa, eles começaram disfarçar o líquido em compotas, fingindo se tratar de um doce. Reza a lenda que, certo dia, um dos operários esqueceu sua compota no armário por um longo tempo e, quando foi tomar, se deparou com uma mistura saborosa. A cachaça, de fato, possui um gosto peculiar e desce pela garganta como se fosse um licor - mas se engana quem pensa que a bebida é fraca. Seu teor alcoólico pode chegar a 47%. Ela sentencia a vila como uma “sina”. Já foram seis as vezes que saiu e voltou de Paranapiacaba, mas a sua paixão, no fim das contas, falou mais forte. “Tá bom, Senhor, se aqui é meu caminho…”. Ela se mostra muito diferente da grande parte dos outros moradores da vila, que, segundo ela, sabem tudo da vida uns dos outros e travam, em pleno século XXI, uma partida entre Portugal x Inglaterra que parece nunca ter um vencedor. Tudo porque os moradores da parte baixa e os moradores da parte alta (conhecida como Vila Portuguesa ou “morro”) vivem em pé de guerra. Naquele final de semana mesmo, havia uma partida em jogo: os moradores da parte alta, onde está localizada a Igreja de Campo Grande, não queriam que os moradores da parte baixa participassem da festa que seria realizada pela Igreja. “Precisou o padre intervir para que a procissão pudesse descer com o santo para a parte baixa”, lembrou Zélia. Zélia lembra que quando chegou à vila pela primeira vez, em maio de 1961, junto ao padrasto engenheiro, não podia brincar no parquinho 44
da parte baixa, pois quem não era filho de ferroviário não podia entrar no parquinho. Os moradores do lado inglês também hostilizavam os vizinhos na escola e, entre os moleques, costumava haver brigas caso um “invadisse” o território do outro. Havia um cinema na parte baixa e outro cinema na parte alta. Um campo de futebol na parte baixa e outro campo de futebol na parte alta. Apenas dois lugares na vila eram de livre trânsito de qualquer morador: a ponte que liga as duas partes e a simbólica estação. “Lá todo mundo conversava. Lá todo mundo era igual”. Esse clima de cidade de interior, quase cenário de novela, é abalado, no entanto, pelo alto índice de criminalidade, bem mais preocupante do que as rixas quase folhetinescas. Zélia e Rogério lembram que a invasão que transformou Paranapiacaba em vila-dormitório, em 1997, foi “coordenada”. “Para vocês terem uma ideia do ponto que nós chegamos, teve até um posto do PCC em Paranapiacaba”, lembra Zélia. Rogério se mostra incomodado com o sentimento da amiga, que possui um tom de chateação para falar destes acontecimentos, e tem uma recaída. “Não tem mais aquela visão da Paranapiacaba gostosa”, ele salienta. “O regime militar foi ruim? Foi ruim, mas na época dos militares, Paranapiacaba era zona de segurança nacional. Você descia na estação e de lá eles interfonavam nas casas para saber exatamente onde a pessoa ia. Quem dormia no trem, ficava retido na delegacia e era colocado no primeiro trem do outro dia. A gente reclama, mas eles mantiveram Paranapiacaba em ordem”. Os ingleses também foram responsáveis por manter a ordem do local. Os ferroviários pagavam 3% de seus salários para assegurar todas as contas e a manutenção das casas. Se um portão quebrasse, era só o ferroviário comunicar pela manhã que, à noite, encontraria seu portão consertado. Os moradores se habituaram com essa situação, mas a comodidade de outrora levou a vila à degradação total quando já não eram mais oferecidos os serviços. “A situação está um pouco melhor agora, até. Os quintais estão bem cuidados”, observa Rogério, enquanto Zélia recebe um entregador de bebidas no bar que logo é atraído pela cachaça de cambuci. Zélia serve um copo para o entregador e repete 45
sua receita com frutas da época, o que faz Rogério pedir por mais um copo, bem cheio, como um bom ex-morador de Paranapiacaba. “Cuidado, Rogério, você está dirigindo!”, brinca Zélia. Com a bebida de Rogério a postos, Zélia volta a se sentar à mesa e se lembra da vida dos ferroviários com uma comparação certeira: “trabalhar na ferrovia, naquela época, era como trabalhar na NASA. Muita gente diz que era um trabalho escravo. Não era nada disso. Era um trabalho difícil? Era. Mas trabalhar na roça, de sol a sol, também é. A ferrovia era o que havia de mais moderno”. E essa tal modernidade dos ferroviários não se restringia apenas às expertises dominadas para ver o trem nos trilhos. “Eu sou do Paraná. Quando viemos do Paraná pra cá, vimos que aqui eles cultivavam alguns hábitos que a gente não tinha, como leite condensado, latas de bolacha… Minha vó achou tão bonita uma lata de bolacha que levamos uma vez que até fez dela um lugar para guardar cartas”. O estilo de ser do ferroviário estava impresso em suas vestimentas. Dentro do trem, era possível saber quem ia descer em determinada estação apenas pelos trajes. “Em Ribeirão Pires, eram pessoas elitizadas, formadas, como advogados, sempre com pastinhas… Em São Caetano, o pessoal era muito italiano, dava para perceber pelo modo de falar. O pessoal de Mauá era o povão. Em Paranapiacaba, desciam as pessoas elegantes, homens de terno, mulheres de meia fina, e sempre com um guarda-chuva, já que chove muito por aqui…” Quando o ferroviário chegava a Paranapiacaba, os ingleses logo lhe entregavam um caderno sobre a sua função na ferrovia e a descrição do trabalho e também uma cartilha sobre os bons modos. Por conta disso, muitos dos moradores podiam até não ser letrados, mas eram elegantes e possuiam uma postura educada. Os bons modos eram passados de pai para filho na base do ônus e do bônus. “Se o seu filho desse uma pedrada na janela de alguém, isso já vinha descontado do seu salário. As pessoas tinham muito cuidado com a educação das crianças”. A vida ferroviária começou a virar castigo na vila quando a rede começou a ser preparada para ser privatizada. As condições, afinal,
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nunca foram das melhores: o tempo insalubre encobre a vila. Zélia, mesmo, só foi enxergar o local onde morava, de fato, quatro meses depois de sua primeira chegada. A inocente bebida para se esquentar do frio cortante acabou se tornando um problema para os homens da cidade, que se tornaram alcoólatras. “A bebida trazia muita infelicidade às famílias”, salienta Zélia. As famílias eram tão tradicionais que havia a certeza de que a tradição ferroviária seria levada para frente. “Se você era ferroviário, seu filho seria ferroviário, seu neto seria ferroviário… Atualmente, parece que só os maquinistas e os engenheiros existem para as ferrovias”. Zélia se lembra do dia anterior à privatização. Triste, ela lavava o quintal quando resolveu puxar papo com o vizinho, neto de ferroviário. “Amanha é nosso dia, vizinho”. O vizinho, descrente, rebateu a inquietação: “Você é uma boba. Você acredita mesmo que a rede vai ser vendida”. Mas Zélia estava certa e o vizinho, errado. No dia seguinte, a privatização não levou “nem cinco minutos”, como ela lembra. “Os ferroviários jamais iriam acreditar numa coisa dessas. Mas aconteceu”. Apesar dos percalços passados, hoje Paranapiacaba é a vila operária mais preservada do país. Na ocasião, Zélia e Rogério comemoraram a liberação de uma verba de R$42 milhões do Governo Federal para recuperação da pintura e do cercamento da vila, o que aumenta também a preocupação dos amigos. “Como vão ter que contratar bastante gente, tenho medo de vir um pessoal menos qualificado para reformar as casas”, confessa Zélia. O problema enfrentado é que, agora, a tradição da boa educação das famílias ferroviárias está quase esquecida. “Nós estamos vivendo uma revolução. Tem um grupo minoritário de pessoas mais tradicionais, que gostam de receber os outros. Mas também tem muita grosseria aqui na parte baixa”, lamenta Rogério. Ele e Zélia atribuem a mudança de comportamento aos tempos em que a vila foi tratada como castigo. “O pessoal não faz nada por Paranapiacaba e se acha o dono. As famílias que ficaram, elas ficaram porque são famílias muito bem ajustadas”, justifica Zélia.
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Os jovens também parecem não trazer muita esperança aos antigos moradores. “Agora o pessoal só fica enfiado no celular, não dá mais nem bom dia. Ninguém mais fala com ninguém. Essas coisas ruins da cidade grande começaram a vir para cá”, reclama Zélia, se referindo a uma liberação recente de sinal de wi-fi para toda a vila, por conta do Festival de Inverno. A vida tradicional da cidade é a de viver como em uma grande família. Como amigos muito próximos, as brigas sumiram e voltaram a dar lugar às fofocas, que sempre moveram o cotidiano de Paranapiacaba. “Mas eu nunca me dei com esse lance de fofoca. Aqui tem caso de mulher se bater por conta de homem. Quando eu era mais nova, namorei o Mário de Oliveira, que era considerado o cara mais bonito de Paranapiacaba. Parecia artista de cinema. Muitos anos depois, o pessoal ainda dizia que eu não tinha o direito de namorar o Mário porque eu vinha de fora”, riu Zélia. Artista de cinema mesmo era Antonio Fagundes, que foi à Paranapiacaba para gravar o filme Doramundo, ao lado de atores como Armando Bogus, Rolando Boldrin, Irene Ravache e Celso Frateschi. Lançado em 1977, o filme foi inspirado na obra homônima do jornalista santista Geraldo Ferraz, que retratava uma situação peculiar ocorrida na vila ferroviária de Cordilheira, uma vila “gélida, enevoada, chuvosa, soturna, calada”, onde uma série de crimes passionais passaram a mudar a rotina e o comportamento dos moradores. Neste caso, qualquer semelhança não é apenas mera coincidência. Após se despedir de Zélia, Rogério nos leva ao tradicional Bar da Zilda, conhecido pelas refeições e também pela cachaça de cambuci. E é lá que ele começa a contar o que Doramundo tem a ver com Paranapiacaba. “É uma vila muito promíscua”, ele revela. Foi por volta de década de 30 que, segundo reza a lenda, as mulheres dos ferroviários estavam cansadas de seus maridos que chegavam bêbados em casa e não as satisfaziam sexualmente. Os solteiros, que moravam em pequenos conjuntos de quartinhos, hoje transformados em pousadas, tratavam de satisfazer essas mulheres. E assim começou uma história que, segundo Rogério, influencia o comportamento da vila até hoje. 48
“Todo mundo pega todo mundo”. Quando os casados ficaram sabendo das traições das mulheres, eles se aproveitavam da neblina e dos corredores estreitos da estação para aguardar pelo amante e matá-lo, geralmente a facadas. Ferraz teve um olho clínico para essa situação e traduziu-a em escritos sobre um casal principal, Dora e Mundo. “No desconsolo de um casamento frustrado, Teodora encontrou em Raimundo não a satisfação do corpo, mas o amor profundo que enobrece a alma” Rogério é tão apaixonado pelos pormenores dessa história que seria capaz de preencher um livro com todas as suas constatações. E dessas histórias, várias outras recheiam o imaginário fantástico que a vila é capaz de causar. É porque, às 14h, as histórias de Paranapiacaba se escondem sob a neblina. As mocinhas desavisadas que optam em visitar a vila trajando shorts curtos talvez não saibam, mas aqueles trens abandonados e o frio cortante construíram o caráter e o pensamento de várias gerações - em um lugar que, se conhecido mais a fundo, parece até cenografia de tão caricato.
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------ A Linha da Bola ------
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ão basta botar o trem nos trilhos: tem também que botar a bola nos pés. Afinal, se a Inglaterra trouxe a São Paulo toda a tecnologia de primeiro mundo que as ferrovias representavam em 1867, ano de início da operação do primeiro trecho de São Paulo, a São Paulo Railway, era natural que outras culturas vindas da terra da Rainha se instalassem por aqui. E a maior delas, hoje um combustível para o coração de grande parte dos brasileiros, está representada em meio aos prédios do bairro da Água Branca, sub-distrito da Barra Funda. Estamos falando, é claro, de futebol. Mas se engana quem pensa que sua maior representação está nos centros de treinamento dos grandes São Paulo e Palmeiras, também localizados no bairro. A origem do futebol é vermelha, azul e branca, como a bandeira britânica, só que atende pelo nome de Nacional Atlético Clube. Mas, assim como as ferrovias, sua essência adormece. O futebol, de certa forma, acompanhou os caminhos do trem. Um jovem chamado Charles Miller, filho de um ferroviário escocês com uma brasileira, foi estudar na Inglaterra aos dez anos de idade. Quando voltou, em 1894, começou a trabalhar junto ao seu pai na São Paulo Railway e trouxe na mala duas bolas, um par de chuteiras, um livro com regras do futebol, uma bomba de encher bolas e dois uniformes usados. Em 1895, estava montada a primeira partida do Brasil, entre os funcionários da São Paulo Railway e os funcionários da Companhia de Gás de São Paulo. O São Paulo Railway venceu por 4 a 2, mas com a fundação do São Paulo Athletic Club em 1888, hoje conhecido apenas pela prática do rugby, o time dos ferroviários não consta como o pioneiro do esporte do país - o registro oficial foi feito somente em 1919. Miller só pode passar pelos trilhos por conta da visão empreendedora do Visconde de Mauá. A ferrovia cada vez mais fazia a cabeça dos 51
investidores de todo mundo. Afinal, construir estradas de ferro era a melhor maneira de fazer fortunas. Enquanto cuidava do traçado da E.F. Mauá, o Visconde também mandou avaliar a possibilidade de construir uma outra ferrovia ligando o porto de Santos à cidade de Jundiaí. Os estudos apontaram a viabilidade do trecho, que teve, como seu primeiro empecilho, o anúncio, em 1855, da construção de uma estrada de ferro unindo o Rio de Janeiro a São Paulo, patrocinada por Dom Pedro II, levando o nome do mesmo: Companhia Estrada de Ferro Dom Pedro II. Mas os estudos de Mauá ganharam corpo nas mãos do engenheiro inglês James Brunless, que soube como vencer as adversidades da Serra do Mar para dar início, em 1960, à construção de uma estrada de ferro de Santos a Piaçagüera. Era o início do progresso. Era o início de toda uma nova vida para os paulistas. No estádio Nicolau Alayon, sede do Nacional Atlético Clube, o vicepresidente é quem aguarda na recepção, sem burocracias de secretários ou outros intermediários. Edison Gallo, 67 anos e 62 de Nacional, é filho de um ex-ferroviário da São Paulo Railway e é advogado aposentado das ferrovias, tendo trabalhado na Santos-Jundiaí, que depois passou a ser Rede Ferroviária Federal e, ainda, por quatro anos, na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Seu pai também já fez parte da diretoria do clube, assim como o pai do presidente, Ayrton Santiago, responsável pela parte patrimonial e financeira, enquanto Edison é o rosto da área amadora e social. Mesmo com o fim da estrada de ferro e com o futebol, hoje, sendo movido por passes milionários, o Nacional ainda mantém suas tradições muito vivas, como um pedaço do passado nostálgico e necessário, um refúgio em meio à megalomania que toma conta da Água Branca. O estatuto do clube é claro: só ferroviários assumem os cargos de diretoria. Este é um resquício da forte tradição ferroviária de outrora. Ser funcionário da estrada de ferro era um status. Os benefícios que as companhias ofereciam, como hospitais particulares, escolas próprias para os filhos e até mesmo o lazer faziam com que a profissão fosse almejada e respeitada. O Nacional é o time de Miller. No período pós-Segunda Guerra 52
Mundial, em 1949, o time se viu obrigado a alterar seu nome de São Paulo Railway Athletic Club para um nome que remetesse ao seu país de origem (o Palmeiras, antes Palestra Itália, também alterou seu nome quando o Brasil declarou guerra aos países do “Eixo”: Alemanha, Itália e Japão). Após um plebiscito, foi escolhido o nome de Nacional Atlético Clube, alterado em meio a uma partida contra o Flamengo. Na sala de Edison, dois quadros mostram a história da partida: o primeiro remete ao primeiro tempo, com os uniformes trazendo o escudo com as letras “SPR”. No segundo tempo, o time entrou com outro uniforme, o do Nacional Atlético Clube. “Os melhores jogadores da época entraram em campo neste jogo, como o Bauer, do São Paulo, o Claudio, do Corinthians, o Ivo, da Portuguesa… Mas foi 4 a 2 para o Flamengo”, conta Edison. A São Paulo Railway foi encampada pelo governo brasileiro em 1946, após o fim de seu contrato de 80 anos. Depois, foi transformada na Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Dez anos depois, foi uma das formadoras da Rede Ferroviária Federal. Com o tempo, seu sistema funicular foi se tornando obsoleto. Veio a decadência e, em 1996, a venda para a MRS Logística, que opera o trecho até os dias de hoje. O Nacional Atlético Clube, com seu jeito tradicional, também foi ficando para trás, mas resiste às compras milionárias. “Hoje o futebol é de empresários. Antes, o jogador se fazia dentro do clube. Hoje em dia, o jogador não faz parte de um clube, só veste camisas”, lamenta Edison, que vê a Lei Pelé como a principal culpada da decadência do futebol praticado por times como o Nacional e o Juventus, da Mooca, apesar dos benefícios que a lei trouxe, como o direito do consumidor nos esportes, a prestação de contas dos dirigentes de clubes, a criação de ligas e a profissionalização, que fez com que os times fossem tratados como empresas, reconhecendo o trabalho do atleta como qualquer outro. Mas hoje, o Nacional, que disputa apenas a segunda divisão do Campeonato Paulista, não consegue segurar mais seus jogadores. Muito do passado está guardado na sala de Edison, sugerindo um presente que não está nos cadernos esportivos e jogadores que, mesmo se fizerem três gols em uma partida, não serão chamados para escolher 53
uma música no Fantástico. Troféus, camisas, fotos, bandeiras e, debaixo de uma cômoda encostada na parede, um antigo lampião utilizado na SPR. Edison começa a se lembrar de nomes. “Cafú, Deco, Paulo César, Dodô, ah, o filho do Dodô joga aqui na escolinha do Nacional, Thiago Motta, que está no PSG, Juninho Paulista… o Antonio Carlos Prascidelli”. No celeiro de famosos do Nacional, os grandes times falaram mais alto, mas todos deram, ali, seus pontapés iniciais. Um segundo personagem que representa o Nacional nos dias de hoje adentra a sala de Edison. Deivid Silva, 29 anos, sabe mais sobre a história do time do que o próprio vice-presidente. São-paulino em primeiro lugar, frequentava o clube nos anos 90, quando seu pai era sócio. “Mas até 2005, eu já estava de saco cheio de ser campeão com o São Paulo”, confessou Deivid. Aos 18 anos, ele voltou ao clube e passou a ter afinidade com a torcida do time, que hoje cativa vários outros torcedores que têm no “Ferrinho”, como o Nacional também é conhecido, um segundo clube do coração. Isso também acontece com os netos de Edison. “Mas eles fazem questão de falar na escola que torcem pro Nacional”. Deivid, hoje assessor de comunicação do time e responsável pelas redes sociais e por um site não-oficial dedicado à sua história, logo também lamenta a situação que estava sendo descrita por Edison antes de sua chegada. “O Nacional é um dos times que vivem com migalhas do futebol brasileiro”. Ele, antes de Edison, sabe também qual foi o faturamento total do time em 2012: 80 mil reais. Hoje, a renda obtida vem da escolinha de futebol mantida no clube, do aluguel do estádio para o treino de outros times, como o Audax (que, recentemente vendido para o Grêmio Osasco, do jogador Vampeta, deve deixar de treinar no Nicolau Alayon), e do quadro de sócios que, hoje, não mantém um clube. Na época de ouro das ferrovias, era certo que todos da São Paulo Railway buscassem no clube a melhor maneira para se divertir com a família, sempre próxima do ferroviário. Deivid não possui parentes ferroviários, mas a atmosfera encontrada por ali era tão agradável quanto a sensação de se ouvir o apito do trem. Hoje, a única cidade 54
na qual o clube também está presente, além de São Paulo, é Jundiaí. Mas, acompanhando o trecho da estrada de ferro, o clube também já esteve presente em Santos, Paranapiacaba e Campo Limpo Paulista. Edison considera que a criação de academias, centros de treinamento e condomínios fechados que oferecem áreas de lazer foram os principais vilões para que ocorresse a evasão de sócios e fizesse com que a tradição fosse sumindo aos poucos. Mas o fim da tradição ferroviária, consequentemente, também deixou que os grandes centros urbanos prevalecessem e que as diversões ganhassem outras nuances. Deivid e Edison reclamam que a falta de tradição também mata o futebol lentamente. “Futebol virou dinheiro”, sacramenta o vicepresidente. É comum que times pequenos sejam vendidos para grandes empresas para fazer dinheiro. Não há a importância quanto à história agregada. Esta realidade do futebol brasileiro descrita por eles flerta com a história das ferrovias. Os pequenos times de futebol são como os trilhos que persistem na cidade de Magé. Um futebol que fica à margem deste outro que lota bares, incita torcidas organizadas e galga o título de campeão do mundo. Um futebol contido, feito com o coração e com a alma. Nostálgico como o meio de transporte que proporcionou seu surgimento. “Hoje, o torcedor dos grandes times vai ao estádio três, quatro vezes ao ano. O preço dos ingressos inflacionou muito!”, contesta Deivid. Em estádios como o do Nacional e o do Juventus, o torcedor pode adquirir seu lugar nas arquibancadas por um valor próximo a 10 reais, o que reforça a ideia dos amantes do futebol adotarem o romance com as torcidas. Exemplo claro é o do São Paulo Futebol Clube em sua campanha no Campeonato Brasileiro 2013. Vendo o time sem moral, com risco de cair para a segunda divisão e sem o apoio da torcida, foi decidido que os ingressos seriam vendidos a R$10,00 para o público em geral e a R$2,00 para os sócios. Com isso, o time faturou 1 milhão de reais a mais, uma vez que o número de torcedores pagantes aumentou. O brasileiro, naturalmente apaixonado por futebol, acaba preferindo o conforto do sofá e das mesas dos bares para assistir as partidas de seu time. Os jogos do Nacional não são transmitidos pelas 55
televisões de longa escala. Os ingressos são baratos. Com isso, Deivid tem um projeto para resgatar torcedores e trazer novos participantes para agregar valor na torcida. O trabalho de Deivid é feito com bastante dedicação. Não é difícil ver seu rosto figurando entre as postagens do grupo oficial dedicado ao time no Facebook. Sua voz também ecoa em uma web-rádio. No site, as notícias e toda a história do clube, passando por seus diversos personagens e esportes, trazida de maneira responsável e apaixonada. O paulistano Deivid, que viu uma partida de futebol de perto pela primeira vez quando a Portuguesa jogou com seu São Paulo, já está intrínseco ao Nacional e à sua história, sem pestanejar. Por outro lado, com os carros já tendo vencido as estradas de ferro, o bairro da Água Branca também ganha uma outra configuração, fazendo com que o Nicolau Alayon se pareça, cada vez mais, com um estranho no ninho. À sua volta, prédios e mais prédios desenham o entorno do bairro. Há um projeto do vereador Aurélio Nomura para que o estádio seja tombado, mas o projeto que foi aprovado na Câmara agora foi o da Operação Urbana Água Branca, que pretende urbanizar ainda mais a região. Os centros de treinamento do Palmeiras e do São Paulo, por exemplo, devem ser transformados em parque após o final de suas concessões (a do São Paulo vence em 2020 e a do Palmeiras, em 2070). O terreno no qual está construído o estádio do Nacional pertence ao próprio clube. Mas uma liminar já conseguiu proibir com que o clube realizasse festas em seu salão. O motivo? Os moradores do prédio ao lado ficavam incomodados com o barulho. “Daqui a pouco vão querer proibir a gente de jogar futebol também. O Nacional paga pelo crescimento da cidade”, apontou Edison. Assim também aconteceu com a São Paulo Railway, que, já enquanto Rede Ferroviária Federal, teve seu sistema ousado, tão moderno ao tempo de Mauá e dos ingleses, desativado em 1987. O controle da MRS sobre o trecho representa uma perda de identidade tal qual à do time que caminha de lado em relação aos grandes campeões brasileiros. Prova de que o Nacional possui seus funcionários fiéis, logo adentram
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a sala também Oreste Novelli e Claudio Ferraz Aguirre, conhecido como Professor Aguirre. Aguirre ainda tem também um cachorro que o segue para todos os cantos. Ambos foram treinadores de categorias do Nacional: Oreste foi treinador do time infantil e Aguirre, treinador dos juniores. Foi com Aguirre, inclusive, que o Nacional ganhou seu último título, de Campeão Paulista na categoria Juniores, em 1991. Depois disso, não houve mais troféu que entrasse por ali. Oreste é o que mais sabe sobre todos os jogadores que já passaram pela história do Nacional. “Uma pena que o Deco fique falando por aí que ele começou no Corinthians. Ele começou no Nacional. Mas é claro que isso não interessa para a grande imprensa”, contesta. Um de seus orgulhos é o futebolista Cacau, que começou a treinar no time e hoje, naturalizado alemão, defende o Stuttgart, tendo atuado diversas vezes pela seleção do país germânico. “Nas primeiras fichas de todos esses jogadores, lá na Federação Paulista de Futebol, você encontra o nome do Nacional”. Os quatro apaixonados pelo time ferroviário se deliciam ao relembrar nomes que passaram por ali. As fotos no escritório de Edison também despertam a vontade de contar um pouco mais sobre a história e a partida contra o Flamengo, com a mudança de nome, é relembrada. Mas jogadores. “Magrão, aquele goleiro que hoje está no Sport, lá em Recife!”, ou então o “Vinicius, que joga na Arábia Saudita!”. Todos eles se mostram empolgados com a ideia de o Nacional, um time que opera feito uma maria-fumaça em tempos de trens elétricos, ser retratado nestas linhas. O professor Aguirre não se contenta em apenas relembrar suas histórias: ele também tem que mostrá-las. Na caminhada até sua sala, o cachorro vai atrás. E é lá que os primeiros troféus do time estão bem guardados. Ele também deixa em evidência a faixa que comprova o título conquistado. Mas, o que mais impressiona, é uma foto que mostra um dos bailes tradicionais realizados no clube, hoje proibidos. “As festas daqui eram muito famosas. Veio gente do nível de Jair Rodrigues e Elis Regina cantar por aqui”, lembrou o professor. A sala, no fim das contas, se parece com um museu, mas sua porta dos fundos 57
logo dá acesso à visão do estádio. Por lá, Edison aguarda para mostrar um pouco da realidade do clube nos dias de hoje. Naquela sexta-feira, 04 de outubro de 2013, o Audax treinava no Nicolau Alayon. O estádio, com capacidade para receber 15.000 torcedores, é a primeira coisa do clube a ser mostrada por Edison e pelo Professor Aguirre. Longe dos padrões FIFA impostos para os estádios da Copa do Mundo de 2014, ele cumpre sua função perfeitamente: existe o campo, existe o meio do campo e existe uma trave em cada extremidade. E, assim, a bola que rolava significava também um sopro de vida para o clube da Água Branca. Em meio à caminhada, os veteranos começam a se lembrar das muitas tardes aproveitadas por ali: um prato servido no restaurante, algumas situações engraçadas, uma vivacidade toda que era escondida naquele dia pelo tempo de São Paulo, que ameaçava garoar mas não gotejava e pelos bancos de pedra na área destinada aos churrascos, que parecem não combinar com o estilo de vida atual. O clube ainda é um resquício de lembrança de um tempo que ressoa apenas em suspiros. Pouco a pouco, a vida do Nacional Atlético Clube se revela cada vez mais. E sua tradição ferroviária, também. Ao lado do restaurante, adormece um carro de passageiros marrom em cima de um trecho de trilhos. Ao ser questionado sobre a presença do carro, Edison diz que é uma lembrança dos ferroviários, que empurraram o carro até o local no qual ele repousa. Em uma placa dourada, a explicação: “Inaugurado pelo D. D. Superintendente Regional, Engº José Teófilo dos Santos, por ocasião da visita feita a este clube pelo Exmo. Sr. Presidente da R.F.F.S.A., Cel. Stanley Fortes Baptista. São Paulo, 08 de fevereiro de 1979”. Ao lado, outra placa, cinza. “O Nacional Atlético Clube, entidade esportiva e representativa dos ferroviários de São Paulo, homenageia o Engº Osirio Stenghel Guimarães, ilustre presidente da Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA, no transcurso do 35º aniversário de fundação da empresa. São Paulo, 30 de setembro de 1992. Engº Ayrton Franco Santiago - Presidente”. No carro exposto, portanto, através de suas placas, reside uma espécie de memorial ferroviário em meio ao clube. Dentro do carro, um homem dorme e ninguém sabe dizer como ele foi 58
parar ali . O Nacional não é o único time do Brasil a ser ligado com alguma companhia ferroviária, apesar de ser o pioneiro, a expansão da rede ferroviária no interior paulista foi necessária também à evolução das práticas esportivas, sobretudo a partir da prática do esporte proletário, como no primeiro jogo em território nacional. Antes de paixão, o futebol virou consequência. O trem trouxe a urbanização para as grandes cidades. O carro de passageiros em meio ao clube do Nacional, no entanto, representa quase metaforicamente que a urbanização já engoliu o trem e reduziu-o ao seu espaço de lembrança, de curiosidade. Mas o futebol, para a época de ouro das ferrovias, representou também o envolvimento do trabalhador com um esporte urbano e competitivo, onde se buscava a vitória acima de tudo, onde se buscava ser o melhor. De esporte elitista, o futebol logo caiu no gosto popular e assim ficou, modelando e representando todo um tipo de pensamento para a sociedade. Como parte, então, da vida popular, ele também passa a ser responsável por comportamentos, sentimentos e tradições. Era natural que as empresas, como a São Paulo Railway, criassem seus próprios times de futebol. Em 1901, foi criada a Liga Paulistana de Football, para organizar as competições entre elas. Assim, a linha do trem também foi levando o futebol de Miller para o interior paulista, seguindo o mesmo caminho do escoamento do café. Em São José do Rio Preto, o América Futebol Clube foi fundado em 1946 por Antonio Tavarez Pereira Lima, um engenheiro da Estrada de Ferro Araraquara, que jogava futebol por hobby. No noroeste paulista, na própria cidade de Araraquara, surgiu a Associação Ferroviária de Esportes (AFE), hoje conhecido como Ferroviária, criada por engenheiros e servidores da mesma companhia, incluindo Pereira Lima. Os funcionários da Estrada de Ferro Sorocabana criaram a Associação Atlética Ferroviária, em Botucatu. Joaquim Gagliano, funcionário da Companhia Mogiana das Estradas de Ferro, foi o primeiro presidente do Botafogo de Ribeirão Preto, em 1918. Em Jundiaí, no ano de 1909, o Paulista Futebol Clube surgiu pelos pés dos funcionários da Companhia Paulista de Estradas 59
de Ferro. Em Campinas, o futebol praticado às margens da ferrovia deu origem à Associação Atlética Ponte Preta, em 1900. Na mesma cidade, o Guarani também fora fundado com a participação de ferroviários. Em Bauru, o Noroeste, também conhecido como “maquininha vermelha”, também surgiu sob influência de sua ferrovia homônima. Essa história toda está apenas nas entrelinhas do meio de campo. Prova disso veio por meio de um convite recebido a partir da saída do Nicolau Alayon, conduzida por Edison após expor a realidade de seu clube. O convite era para coquetel de lançamento no Museu do Futebol, que inauguraria seu Centro de Referência do Futebol naquela terçafeira. Tudo porque foi conferida a responsabilidade de representar o time, já que nenhum de seus internos poderia se dirigir ao estádio do Pacaembu, que abriga o museu. E é neste passeio que muitas das coisas começam a ficar claras. O táxi leva até o estádio e, logo na entrada, ambulantes vendem objetos de times. São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos. Crianças de uma excursão de escola entram enfileiradas no museu. O coquetel, no entanto, já chegou ao fim. Mas, adentrando o museu, a história vem à tona. Um holograma de Pelé recepciona os visitantes em vários idiomas diferentes e a arte dos pés é celebrada em forma dos grandes jogadores, dos melhores gols. Uma sala sensorial traz torcidas enlouquecidas pelos quatro cantos, fazendo com que a emoção e a paixão pelo esporte sejam sentidas por quem ali fica e contempla o som e as imagens. Na sala de fotos, as imagens dos primeiros jogos de ferroviários e logo os olhos se voltam para Artur Friedenreich, filho de um comerciante alemão e de uma lavadeira negra, o primeiro ídolo do futebol brasileiro, que aprendeu a jogar futebol com uma bexiga de boi. Mas é no último andar da visita que toma corpo a indignação do Nacional Atlético Clube. Estampado ali, no Museu do Futebol, o primeiro time de futebol do Brasil é o São Paulo Athletic Club, aquele de 1888. Ainda em atividade, a Ponte Preta é considerada o time mais antigo, de 1900. Mesmo que a primeira partida tenha sido comandada pelo São Paulo Railway, em 1895. 60
Na ferrovia que desbravou a Serra do Mar, o nome dos ingleses brilhou, fazendo com que a mente astuta de Mauá, que deu o pontapé inicial para um negócio proveitoso, ficasse apenas enraizada nos papéis da história.
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------ Nos Braços da Mogiana ------
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pesar da preguiçosa manhã de sábado, aos poucos, a Estação Anhumas, em Campinas, desperta. Logo, ouvese o movimento dos carros nos trilhos, os funcionários colocando seus quepes, a moça das lembrancinhas ajeitando o carrinho de presentes e os músicos afinando seus instrumentos. O silêncio acaba de vez quando as caixas de som começam a tocar marchinhas de carnaval. Nesse momento, como mágica, grupos da terceira idade parecem despencar na estação. Muito bem arrumadas, com os cabelos feitos, acessórios em mãos, as senhoras se embalam no ritmo da estação e os senhores colocam a postos suas câmeras fotográficas à espera da rainha do baile: a maria- fumaça. Ao vê-la chegar, os casais se abraçam e esperam ansiosos pelo passeio que é feito todo fim de semana até a Estação de Jaguariúna. Envoltos na fumaça branca do trem, que traz à tona toda a nostalgia da Cia Mogiana de Estrada de Ferro, é possível observar o enredo de parte da história da companhia em uma rápida visita pela estação. Essa sensação se repete no apartamento de Lurdes Emídio da Silva, que meio por acaso teve sua história interligada a estrada de ferro. Ela foi casada por 49 anos com Benedicto Silvio da Silva, ex- ferroviário, que, só de profissão, teve mais de 27 anos. Ao contrário da época em que se ia para todo lugar pelas ferrovias, para encontrar Lurdes, no Jardim Pauliceia, em Campinas (SP), foi preciso pegar um ônibus cujo percurso é tão grande que faz com que seus horários sejam inconstantes. Por isso, ao vê-lo passar, os passageiros tornam-se bárbaros, fazendo gestos e até sinal de fogo para embarcar. Além disso, os prazos apertados dos motoristas tornam os ônibus verdadeiros “ônibus-bala”: a velocidade é tanta que a paisagem torna-se um borrão. Urgência que é um dos muitos males da modernidade. Na época de Lurdes e Benedicto isso não acontecia. O trem era preciso. Não havia surpresa, a ferrovia era a senhora do tempo. 63
As viagens até podiam ser mais longas, no entanto, privilegiava-se o momento, como recorda Lurdes: “Viajar no trem era muito bom, a gente ficava admirando as paisagens, conversando, andando pelos carros. Já andei de avião, não fiquei com medo não, mas não é a mesma coisa. Não tem o que ver lá”. As memórias da senhora não param por aí. Em seu apartamento se vislumbra os vestígios dos trilhos: um quadro de uma locomotiva feito em madeira pendurado na parede, o lampião de sinalização utilizado pelos ferroviários em cima da estante e muitas fotos, que ilustram os 60 anos de sua história. Na cozinha um rádio toca música popular, ligado o tempo todo, ditando o ritmo da conversa. O que mais chama atenção é a disposição de Lurdes: moradora de um dos últimos apartamentos do prédio, os quatro lances de escada não a pareciam abalar. Muito pelo contrário, Lurdes é ativa, animada, gosta de viajar e não para em casa. Vigor obtido das muitas andanças que fazia de uma estação a outra acompanhando a ferrovia e que de alguma maneira lhe atribuíram o ritmo das locomotivas: está sempre em movimento. Assim, torna-se referência absoluta de uma época em que o trem era o tal sinônimo de velocidade. A história do casal facilmente constituiria um típico romance das antigas, não fosse a inusitada integrante, que sem demora se impôs: a ferrovia. Essa intrusa sempre esteve presente na vida de Benedicto. Filho e irmão de ferroviários, ele, não diferente, ainda jovem ingressara na Cia Mogiana de Estrada de Ferro e desde o começo estabelecera um sério relacionamento com a dama de ferro. Entretanto, o coração tem suas vontades e logo o ferroviário viu sua paixão dividida. Foi na famosa festa de Nossa Senhora do Desterro, na cidade de Casa Branca (SP), que uma nova jornada foi trilhada. A festa, que acontece até hoje, mobiliza toda a cidade, é o evento do ano, e apesar de coadjuvante, a estrada de ferro sempre está presente observando ao longe a movimentação da cidade. As moças esperam a comemoração o ano todo e não perdem tempo, meses antes encomendam seus vestidos nas costureiras. “A gente se arrumava toda, fazia vestido, cabelo, era
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a festa do ano!”, conta Lurdes, relembrando sua adolescência. Foi na ocasião que conheceu Benedicto, ferroviário da Cia Mogiana, profissão de prestígio, que causava alvoroço entre as moças. “Eu tinha 14 anos e logo começamos a namorar”, diz. O que Lurdes não sabia era que Benedicto possuía dois amores. Exigente, a namorada de longa data, a Mogiana, não dava brechas, sempre se fazendo presente na vida do casal. Ela acompanhou o namoro do ferroviário e três anos depois, o casamento. Foi ela a grande responsável pelas inúmeras mudanças dos recém- casados. “Assim que casamos nos mudamos para Estiva, de lá fomos para Orindiúva, onde Benedicto construía a linha do trem”. Aliás, esse espírito desbravador é bem característico da Mogiana. Ainda em seu início e até os anos de 1890, a companhia ficou conhecida pelos seus inúmeros pequenos trechos e ferrovias, as chamadas “estradas cata café”. Foi o grão o responsável pela sua criação e sua moeda de troca a cada nova linha férrea. Por isso, atingiu cidades que estavam ao norte do estado e chegou até mesmo ao sul de Minas Gerais, ligando São Paulo ao estado mineiro. Não à toa foi a estrada de ferro com a maior extensão de linhas. Passou por Jaguari (hoje Jaguariúna), Mogi Mirim, Amparo, chegando a Casa Branca em 1878, palco do romance do casal. De lá prosseguiu até chegar a Franca, transportando seus trilhos até o rio Grande em 1888, onde passou a se chamar Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e Navegação em 1936, já de olho no transporte fluvial na região. Nem mesmo nas férias Lurdes e Benedicto escapavam da Mogiana. Como a ferrovia oferecia passagem gratuita aos funcionários e suas famílias para todas as cidades presentes em seu trecho, aproveitavam a folga. Pegavam a carteirinha oferecida pela companhia e iam passear na colônia de férias em torno do Rio Grande, perto de Tupã. “A gente ficava até 12h viajando de trem”, lembra Lurdes. Entre as viagens, não se esquece das idas à Aparecida. “ Lá era muito bom. A gente chegava e já tinha um monte de funcionários para pegar as malas. Já pensou?”, fala, segurando nas mãos o álbum de fotos com alguns dos passeios que fizeram em família. 65
Foi em Orindiúva que passaram a morar na turma, aquelas casinhas que se encontravam ao longo da linha e eram habitadas pelos ferroviários. Ali, Benedicto era responsável pelo conserto da linha. “Não havia sossego. Era trem chegando, gente passando pela linha, o tempo todo”. Na época, Lurdes teve que se acostumar com o ritmo do dia a dia imposto pelo trem. Ela acordava cedinho para acompanhar Benedicto, que já de madrugada, à meia noite, ia namorar a Mogiana. Ele saia de casa com seu lampião para dar sinal ao trem. “Tenho guardado esse lampião até hoje, era o que ele usava. Quando o trem podia passar, rodava para a tela verde. Quando não podia, rodava a vermelha”. Ela pega o lampião, que hoje serve de decoração para o barzinho decorativo que possui em sua sala ao lado de um carro de boi de madeira e de uma boneca russa. Mas, ao tentar demonstrar como funcionavam as luzes, percebe que a sinalização para a lâmpada verde já está quebrada. Tudo que acontecia era ditado pela dona Mogiana. Como as casas de turma ficavam longe da estação, o casal tinha que caminhar 2,5 km para pegar o trem e partir para Aguaí. “Muitas vezes não dava tempo, era muito longe. Acabávamos pegando carona com o caminhão de leite”, comenta. Até mesmo nas providências da casa a Mogiana se intrometia. As compras eram feitas no armazém, que ficava próximo a estação. “Tudo chegava pela ferrovia. Até o pão chegava em casa pelos trilhos”, diz. A vida era simples. As casas eram singelas e tudo era feito como antigamente: fogão à lenha, água no poço, horta no quintal - chamado de terreiro pelos moradores da turma -, vassoura de alecrim e, como não havia geladeira, a carne era guardada na gordura. “Pra poder pegar água no poço tinha que amarrar minha filha no cadeirão e ficar com um olho nela e outro no balde, imagina! Hoje não se vê isso”, conta Lurdes. Esse cenário tem muito a ver com a E. F. Mogiana. Foi na raiz das fazendas da região que a linha do trem se desenvolveu. Em 1872, um grupo de fazendeiros resolveu criar uma ferrovia que proporcionasse
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o escoamento da produção de café de uma das regiões mais ricas da época: Mogy-Mirm (hoje Mogi-Mirim) e Amparo. História que está intimamente relacionada à chegada dos trilhos da Companhia Paulista de Estradas de Ferro à Campinas. Inicialmente a concessão para a chegada dos trilhos à cidade estavam nas mãos da São Paulo Railway, assim como a extensão à Rio Claro. Entretanto, os acionistas ingleses perderam o encanto e em 1868 cederam os direitos para a Cia Paulista. Na ocasião, o plano da Cia Paulista era expandir até Rio Claro, o que deixou os fazendeiros de Mogi Mirim com dor no cotovelo, já que ficariam desprovidos de transporte na região. A solução, depois de muita disputa, veio da bandeira branca levantada pelos mogimirianos, que acabaram por aceitar a soberania de Rio Claro. O desejo dos produtores de Mogi Mirim só seria atendido com a Cia Mogiana de Estrada de Ferro. O primeiro trecho construído de Campinas-Mogy-mirim foi inaugurado em duas etapas: primeiro até Jaguary, passando por algumas fazendas, em busca do café, que se desenvolvia levianamente na região chamada de Alta Mogiana. Compreendendo até 29 municípios, a Alta Mogiana - que recebeu esse nome devido à própria estrada de ferro, que durante suas andanças dividiu sua linha em Alta, Média e Baixa Mogiana - possuía excelentes condições climáticas, o que permitiu que a cultura do café se estabelecesse ali até meados de 1825. Características propícias, na época, para o surgimento de um novo ciclo econômico. Procurando as fazendas de café, a linha férrea se formou de maneira irregular e sinuosa. Algumas fazendas acabaram se tornando “fazendassede” para outros produtores do grão, o que resultou na criação de paradas estratégicas da linha, no aumento do trajeto e na existência de curvas com arcos fechados e rampas. Tudo para atender as necessidades dos fazendeiros. A partir daí, ao longo dos anos, a ferrovia acabou invadindo o estado e foi uma das primeiras a ultrapassar as fronteiras de São Paulo, tornando-se a grande responsável pela influência paulista no oeste do país. Os da Silva acabaram imitando o percurso de seu objeto de
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admiração. Moraram em Estiva, nas estações de Irara e Sucupira, em Uberlândia e muitos outros lugares, de estação a estação. “Tive que me acostumar, moramos em muitos lugares e até a mudança vinha de trem”, diz Lurdes. Mais ousada, a Mogiana foi além de Ribeirão Preto, ainda nas primeiras décadas do século XX, chegando a Goiás e ao triângulo mineiro. De 1920 a 1940 a Cia Mogiana, já cansada de tanto vai e vem, interrompeu sua expansão para se consolidar. Seguindo seu exemplo, Benedicto também procurou se estabelecer nos trilhos. Ainda em Orindiúva realizou um teste e foi promovido a feitor, passando a morar em Uberlândia. “Ele cuidava de todos os funcionários que mexiam na linha”, conta Lurdes, que acordava cedinho e já de manhã providenciava o almoço para o marido, que era entregue ao “almoceiro”, moço responsável por entregar as marmitas das esposas aos ferroviários. Em Uberlândia, com a promoção, mudaram-se para a “casa do feitor”, um pouco melhor que as outras. Nesse momento o quepe da estante subitamente para nas mãos de Lurdes, passa por uma cabeça e outra e traz muitas memórias. Apesar de não ser o quepe utilizado por Benedicto na ocasião, aquele acessório demonstra todo esmero que o ferroviário sentia por sua profissão. “Bonito, né?”, pergunta Lurdes. “Ele saia pronto, gostava muito do que fazia”, lembra. A devoção de Lurdes ao falar das memórias do esposo mostram o prestígio que a estrada de ferro proporcionava a sua família. Notoriedade experimentada pela Mogiana desde seu início e pelos tão famosos barões de café. Já em sua inauguração o trecho de Mogy-mirim contou com a participação de Dom Pedro II e sua família. Atração da época, tanto a estrada de ferro, quanto o Imperador, receberam as pompas necessárias. Para hospedar Dom Pedro foi preparada uma casa, bem tratada, com aposentos franceses, palacete pertencente ao futuro Barão de Indaiatuba. Durante o percurso de ferroviário, Benedicto passou por muitos desafios, assim como a Mogiana. Sem medo, realizou uma prova que lhe tornaria Mestre da linha. Deu certo. Já a Mogiana não teve muita sorte em suas empreitadas. Ainda que fosse uma das primeiras companhias 68
ferroviárias a desafiar a polivalente São Paulo Railway (SPR), a ideia de descer a Serra do Mar, construindo uma simples linha até Santos, não foi finalizada. Pelo contrário: a SPR manteve o monopólio do trecho por mais 30 anos. Benedicto, como mestre de linha, tinha como principal responsabilidade distribuir serviço aos feitores, agora em Campinas. Na época a família já estava estabelecida na cidade, “Nossa primeira casa era bem antiga e muito feia, mas foi aqui na cidade que ficamos”, conta Lurdes. Ele se aposentou na cidade de Paulínia, como consta em sua carteira de trabalho, cuidadosamente guardada pela esposa. Na linha da Maria Fumaça em Campinas, mantida pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), trabalhou depois de aposentado, acabando sua jornada. “Ele não parava quieto. Mesmo depois de aposentado tinha que ficar perto do trem”, fala Lurdes. Enquanto mestre de linha da ABPF, Benedicto foi um dos responsáveis pela ampliação e reforma da linha que liga Campinas a Jaguariúna, o primeiro trecho construído pela Cia Mogiana, em 1875. A renovação, que se deu em 2007, trouxe grande reboliço para a cidade, otimizando o passeio dos turistas em 24 quilômetros do que sobrou da antiga Mogiana. Em uma velocidade de 40 km/h, é possível observar os indícios de uma grande época, de centenárias fazendas de café e passageiros de todos os lados do Brasil se aventurando pelos trilhos. O passeio sai da estação Anhumas, passando pelas estações Pedro Américo, Tanquinho, Desembargador Furtado e Carlos Gomes. Nesta renovação, inaugurada no ano de 2007, Benedicto, então mestre-linha da ABPF, auxiliou os engenheiros responsáveis a projetála e fazer com que o passeio ficasse ainda mais interessante. Foram construídas uma nova ponte sobre o Rio Jaguari, em Jaguariúna, mais 900 metros de ampliação dos trilhos e aquisição de um viradouro, uma estrutura giratória que permite que o trem volte a Campinas. Benedicto faleceu em 2009, pouco antes de considerar voltar a trabalhar com as estradas de ferro, depois de dois anos afastado. Na chegada à estação de Jaguariúna, é possível encontrar dois bares com
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opções atrativas de alimentação, uma feirinha com lembrancinhas e tapiocas, um carro de passageiros cenográfico e também o Museu Ferroviário da estação. Quem prestar atenção em todos os detalhes irá encontrar por lá o nome de Benedicto Silvio da Silva, para sempre marcado como um dos responsáveis pelo projeto de renovação do trecho. O nome dele, em uma plaquinha próxima à porta, tem um significado maior do que suas letras marrons: é o orgulho de uma família por possuir um membro que fez parte da história. Tanto foi considerado histórico o trecho que Carlos Augusto Ribeiro, mais conhecido como “tio Dudu”, incensa o feitio. “Que maravilha que é aquele elevado!”. Tio Dudu está sempre na Casa de Cultura Fazenda Roseira, uma antiga fazenda dos tempos áureos do café na região de Campinas que hoje, entre muitas outras coisas, é utilizada para festas, aulas de capoeira e rodas de jongo, uma dança genuinamente brasileira, mas relacionada à cultura africana e considerada a raiz do samba. Tio Dudu é praticante do jongo. Mas, assim como Benedicto, Dudu também foi funcionário da Mogiana. Hoje, aos 81 anos, é um senhor ativo que não faz cerimônia para carregar cadeiras por seu próprio esforço e que possui pouco espaço em sua agenda, porque seus dias estão sempre movimentados com atividades na fazenda, com seu grupo de samba e de jongo, o “Jongo Dito Ribeiro”, batizado em homenagem ao seu pai. E justamente por influência de Benedito Ribeiro Primeiro (“colocaram o ‘primeiro’ no nome dele porque haviam muitos outros Benedito Ribeiro no trecho”, explica) que ele passou a integrar o time da estrada de ferro - mas, antes, o destino ainda lhe reservou uma outra experiência de vida. É que, antes de se aventurar pelos trilhos da extensa ferrovia, tio Dudu tinha o sonho de viver no mar. O sonho fora emprestado de um marinheiro que ele e seus amigos de infância conheciam do bairro do Botafogo, em Campinas, próximo à linha do trem e palco da infância do ex-ferroviário. “Ele chegava com suas tatuagens e suas fardas e contava várias histórias impressionantes”, conta. Naquela época, no entanto, a profissão de marinheiro não era tão
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querida. “A marinha saía pegando pessoas nos estados. Era uma espécie de castigo”. Mesmo assim, o marinheiro fez com que suas histórias enchessem as cabeças dos moleques do bairro de ideias. Dudu, como quem faz tudo por um sonho, pegou os documentos, algumas roupas e o certificado de alistamento militar e, aos 16 anos, fugiu de casa com destino ao Rio de Janeiro. Mal ele sabia, mas seu primeiro passo foi em direção à ferrovia, uma vez que o arsenal da Marinha fica localizado na Praça Mauá, de onde saíam os barcos a vapor com destino à Guia de Pacobaíba. Só que a representação de seu sonho significaria, na verdade, dias conturbados: acreditando que o alistamento militar era válido na Marinha, viu seu sonho desaguar quando foi informado de que seu certificado não servia de nada, a transferência não poderia ser feita e não haveria uma outra chance. Sem dinheiro para voltar a Campinas, teve que aprender a se virar. “É sofrendo que a gente cresce”, ele filosofa. Muito da determinação que ele veio a possuir foi proveniente, além da formação familiar, dos bicos que tinha de fazer na então capital federal para “comer e dormir”. As noites eram passadas em hospedarias em prédios velhos, onde tinha de “deixar a roupa embaixo do colchão para não ser roubado”. As refeições, geralmente, eram feitas em restaurantes chineses, que vendiam prato feito. Quando o dia não lhe rendia o suficiente, a praia tornava-se sua morada. Entre os muitos bicos de Dudu, ele foi engraxate e também ajudou os camelôs do Saara a “vender bugiganga”. Quando deu por si, já era Natal e ele estava em um bar, longe da família. Foi lá que ouviu na televisão que a “turma de 1932” deveria se apresentar ao batalhão do exército. Não era bem o que ele queria ter feito, mas a oportunidade lhe pareceu uma boa válvula de escape para a vida que vinha levando. E assim ele esperou o feriado passar e partiu para a rua Barão de Mesquita, na Grande Tijuca, onde estava localizado o 1º Batalhão da Polícia do Exército. Os recrutas de 1932 só iriam iniciar os trabalhos em março, mas, ao
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explicar sua situação, Dudu conseguiu uma oportunidade para fazer pequenos serviços na Intendência do Exército, em Benfica, próximo ao morro do Jacarezinho. Pela primeira vez na Cidade Maravilhosa, teve alojamento garantido para todas as noites, uma farda que não iria ser roubada e alimentação garantida. Logo foi conquistando a confiança dentro do quartel e, quando os “pracinhas” de sua turma entraram para o trabalho, Dudu já era “praça antiga” e ficava só comandando. A vida no exército acabou se tornando uma grata surpresa para Dudu. Mas sua vida não estava restrita a um único desafio. Mesmo gostando do que vivenciava, ele deu baixa no serviço em 1950, um ano emblemático para a história do país e também um ano de mudanças para o jovem que sonhava em ser marinheiro. O casamento de Dudu com as ferrovias estava mais próximo do que ele imaginava. Mas, antes, ele se submeteu à paixão do povo brasileiro e foi trabalhar no Maracanã, no fatídico ano em que o Brasil perdeu para o Uruguai na Copa do Mundo. Ao mesmo tempo, o Brasil perdia também na produção de café, que já não estava de vento em popa como na época de ouro. Em 1951, Dudu voltou para Campinas. Em 1952, seu pai lhe colocou para trabalhar na Mogiana para “tomar jeito”. No mesmo ano, a Companhia também teve que “tomar jeito”. Após entrar em dificuldades financeiras decorrentes da queda do café e da Segunda Guerra Mundial, teve boa parte de suas ações adquiridas pelo Governo do Estado de São Paulo para manter a qualidade de seu serviço. Naquela época, era muito comum que os filhos dessem continuidade ao trabalho dos pais nas estradas de ferro. Era através das ferrovias que as famílias iam, pouco a pouco, construindo seus lares, comprando suas casas e colocando seus filhos para estudar. Mesmo para as famílias mais pobres, a Mogiana oferecia um conforto diferenciado. Assim como Benedicto Silvio, Dudu, mesmo que tenha saído dos trilhos na juventude, seguiu um caminho natural que havia sido traçado pelo seu progenitor. Ser ferroviário era um “luxo” e assegurava muito da formação de caráter de quem fazia o serviço e de seus familiares. Com conforto e garantia de que a vida poderia seguir agora um fluxo natural, Dudu estreou no setor de “Desmonta” de máquinas a vapor, 72
que limpava as peças e garantia que tudo funcionasse perfeitamente. “As máquinas saíam ‘zero’ dali”, lembra. Em 1957, uma outra Maria, além daquela que sempre estava à frente puxando os vagões, entrou em sua vida: Maria Edna, agora falecida, se tornou sua esposa e mãe de seus quatro filhos, para os quais, através de sua profissão, pode oferecer uma vida boa através do trabalho na ferrovia. Neste mesmo ano, no entanto, a Companhia Mogiana adquire mais 30 locomotivas a diesel, dando continuidade a um processo de substituição das tradicionais locomotivas balduínas, iniciado cinco anos antes. Ao mesmo tempo em que se dedicava ao trabalho, Dudu também se dedicava ao estudo, que era a melhor forma para alcançar cargos cada vez mais altos. Logo após sair das oficinas, o caminho já era feito pelo mesmo complexo para chegar à escola da Mogiana. Ali aprendeu a ser ajustador mecânico e, em 1961, foi transferido para a cidade de Casa Branca para ser “truqueiro”. “A gente cuidava das rodas dos vagões. Tinha que bater com um martelinho para ver se o aro estava solto. Reconhecíamos pelo som”, explica. Em um relato publicado na revista “Nos Trilhos do Trem”, organizada por sua sobrinha, a historiadora Alessandra Ribeiro, ele conta que, por ser negro, estavam sempre querendo botar ele para trás. “Mas, graças a Deus, eu sempre andava para frente”, escreve. Prova disso é que seus estudos para avançar continuaram e ele passou a ser ajudante de maquinista. “Os maquinistas antigos não sabiam ler nem escrever. Quando houve o processo de mudança da máquina a vapor pela máquina a diesel, começava a ficar complicado para eles. Não passavam no exame psicotécnico exigido para conduzir a locomotiva. Eles tinham de ter ajudantes”, conta. O apetite de Dudu não acabara por ali - o que se mostra presente até os dias de hoje em sua lucidez para contar os fatos, não errando nenhuma data e tendo intensa curiosidade pelas notícias que envolvem a estrada de ferro. Na escola Matheus Maylasky, em Sorocaba, fez o curso para maquinista e passou a trabalhar nesta função, passeando por
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trechos que passavam por cidades como Casa Branca, Passos, Guaxupé e sua cidade natal, Campinas. Mas 1971 trouxe a surpresa já esperada, mas nada agradável para Dudu e seus companheiros ferroviários: o governo de São Paulo unificou as ferrovias paulistas e criou a Ferrovia Paulista S/A, mais conhecida pela sua sigla, Fepasa. Desde então, a vida dos ferroviários começou a ficar mais difícil. “Essa foi a maior besteira que já fizeram na vida”, lamenta. “Antes, era dia e noite o trem correndo. Com a Fepasa, passaram a descontinuar algumas locomotivas aos poucos”, lembra Dudu. Ele conta que o número de viagens começou a ser reduzido com a justificativa de “não dar lucro”. Ao invés de facilitar, a união ferroviária dificultava o transporte e isso refletia diretamente em seus funcionários, que foram obrigados a assinar um contrato dúbio que só agora começa a ser reparado com saldo positivo nas contas dos ferroviários. “Foi uma bagunça, detonou as ferrovias. Até hoje o ferroviário chora”. O último trem de passageiros da Fepasa correu em 1997. Mas mesmo que ela deixasse de carregar pessoas, as pessoas, como Dudu e Lurdes, não deixaram de carregá-la, seja como Mogiana ou como a unificação estadual. Carregam com orgulho o fato de terem feito parte da história do transporte que tanto reinou por aqui. “Essa ferrovia de hoje não tem nada a ver”, comenta Dudu, em voz alta e sentido, sobre os transportes de carga que hoje se utilizam dos trilhos. “Não tem mais aquela alegria de ser ferroviário. Os funcionários não têm mais ajudantes, o maquinista faz um esforço muito grande e o risco de acidentes só aumenta”. Recentemente a América Latina Logística (ALL), uma das empresas que fazem transporte de cargas, citada por Dudu, foi alvo de manifestações por salários atrasados e condenada por não possuir refeitórios para funcionários. “Eles procuraram até o sindicato da Mogiana para se apoiar”, lembra. O sindicato passou a ser a principal ligação que os ferroviários e suas famílias possuem com a Companhia Mogiana. É através dele que os ex-funcionários entraram com seus processos contra a Fepasa, para receber um dinheiro de direito desde a época da estatização. Dudu, que se aposentou em 1980, se surpreendeu ao receber recentemente 74
uma ligação da Secretaria da Fazenda. “Ih, agora que vou ser preso!”, ele lembra, aos risos, de seu pensamento quando recebeu a ligação. Mas a Secretaria lhe orientava para abrir uma conta no Banco do Brasil, onde descobriu que tinha um enorme crédito para receber. E não se sabe quanto ele ainda tem direito. “Não dá para dizer o total. O senhor vai recebendo até quando o dinheiro for caindo”, imita a fala do funcionário do banco. “Muitos amigos meus até morreram de desgosto por nunca ter conseguido receber essa indenização da Fepasa”. Apesar das lamentações, o saudosismo da vida sobre trilhos é lembrado com graça por tio Dudu, que chama os ex-companheiros de trabalho de “ferrovelhos”. Entre um samba e outro cantado, ele não se deixa perder o trem das onze e de nenhum outro horário. Para ele, a volta das estradas de ferro ao Brasil, para resolver os problemas de transporte e de logística, é inevitável. E tudo aquilo que supostamente já virou história, só pode vir a surgir como exemplo mesmo: aqueles nomes na placa da Estação de Jaguariúna, como o de Benedicto, parecem apenas aguardar para serem lembrados mais uma vez.
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------ Divã Ferroviário ------
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ão fosse a placa pendurada na parede, facilmente o ostensivo prédio causaria estranhamento aos moradores da Avenida União dos Ferroviários, em Jundiaí. O nome da rua já dá a dica. Trata-se da Associação de Preservação da Memória da Companhia Paulista de Estrada de Ferro (Cia Paulista). No entanto, a presença do prédio continua inusitada. Construído com tijolos à vista e grandiosos blocos de pedra em sua entrada o edifício possui um ar bucólico, semelhante aos isolados parques da Europa, em que o verde das árvores contrastam com o cinza das pedras, diferente das típicas construções encontradas na cidade interiorana. Mais estranha ainda é a sala onde Euzébio Pereira dos Santos, presidente da Associação, nos recebe. Logo nas paredes encontramse painéis com anúncios de cursos de Feng Shui e italiano, além de um convite para a palestra: “Presença afro na literatura brasileira”. Bem ao lado, um pôster de Dalai Lama observa a mesa, com alguns papéis. O líder espiritual do Tibet parece representar a filosofia de vida de Euzébio, que sempre está em busca de sabedoria, de preferência compartilhada. Foi no local que tentou fazer sua contribuição a uma sociedade que “supervaloriza o novo”, ao transformar o espaço em uma escola de capacitação para terceira idade. Por isso, nada melhor do que se inspirar no guru. Dalai significa “oceano” em mongol e Lama “mestre”, sendo constantemente mencionado como “oceano de sabedoria”. Referência que procura compor o ambiente, em meio aos inúmeros cursos divulgados e espalhados pelo recinto. Aliás, tal característica se relaciona com a trajetória de Euzébio. “Tive oportunidade de estudar administração, recursos humanos, marketing, gerontologia. Agora ofereço oportunidades para as pessoas”. Todavia, sua história começou nas ferrovias. Trabalhou durante 11 anos na Fepasa, como gerente de treinamento. Fazia seleções de 77
profissionais, concedia promoções aos que mereciam. Já sentado e organizando os papéis que estavam espalhados na mesa, Euzébio conta seus causos com muito bom humor, escola da qual também é excelente aluno. “Em algumas épocas tive muita importância lá dentro, em outras… era ‘javali’ - já vali alguma coisa”, diz aos risos. Entretanto, quando Euzébio entrou na empresa a memória das ferrovias já havia se modificado. A criação da Fepasa foi uma das muitas ações políticas realizadas pelo país que alteraram seu rumo, proporcionando, inclusive, a derrocada das ferrovias. Mudanças que, de alguma maneira, também ditaram a trajetória de Euzébio. Foi no período de 1935 e 1971 que as linhas férreas foram reestruturadas por meio de estatizações. Ao todo, 10 empresas férreas tiveram seus contratos de concessão extintos, ou seja, foram encampadas. Todavia, as intenções dos governantes não eram as melhores, iniciando-se um dos muitos tropeços na história das linhas férreas. Como resultado, 29.713 km de vias ficaram sob a responsabilidade do governo federal em 1968, mais que o dobro das administradas até 1934. O governo estadual não ficou fora das mudanças. Unificou as principais ferrovias estatizadas de São Paulo, formando a Fepasa, passando a administrar mais de 5 mil km de linhas. Foi aí que se iniciou a trajetória, que culminaria na mesa de Euzébio, escoltada pelo mestre Tibetano e a filosofia de que todos os eventos possuem a função guiar seus viajantes a um destino seguro. A ideia de formar um aglomerado de ferrovias existia desde 1962, no entanto, devido a trâmites políticos e briga de interesses, somente em 1971 foi concretizada, com a junção da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, da Estrada de Ferro Araraquara S/A., Estrada de Ferro Sorocabana S.A. e Estrada de Ferro São Paulo e Minas. Ainda assim, o processo de renovação continuou até a década de 90. Entre 1960 e 1990, as ferrovias passaram por muitas modificações, tornando-se quase irreconhecíveis àqueles que estavam acostumados com os apitos da locomotiva e o rastro de fumaça branca deixados no ar.
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Nesse período, não só muitos funcionários foram dispensados, como também quase um quarto das linhas férreas conhecidas foram extintas. Resultado das diretrizes do próprio Governo paulista para recuperar e modernizar as ferrovias, que, em documento oficial publicado em 1995, encarregou a Fepasa a tornar-se “viável no mais breve espaço de tempo, contando para isso com o mínimo repasse do Tesouro do Estado, e tornando possível a privatização da sua operação ferroviária”. Por isso, ainda em 1972, já haviam sido demitidos 29.386 empregados. Tanto as máquinas de ferro, quanto o próprio país passava por momentos de privações. O primeiro com cada vez menos recursos para investimentos e manutenção, o segundo com os percalços de um governo totalitário. Vale lembrar que na época os ferroviários estavam sob as vistas grossas da ditadura militar, o que fez com que a categoria perdesse muitas de suas conquistas ao longo dos anos. Na década de 80, Euzébio já trabalhava na área de recursos humanos da Fepasa. Herdando os efeitos da encampação, apesar das oscilações da empresa, tentava manter a porta aberta às pessoas. “A molecada que cresceu comigo em Itanhaém, todos, trabalharam nas ferrovias”, conta. Euzébio fez questão de dar oportunidades aos conhecidos e amigos, que faziam por merecer. “Dou valor as pessoas. Meu negócio é gente”, completa. Uma de suas características mais perceptivas é o valor que dá a família. Sempre presente em alguns momentos da conversa. Após uma rápida meditação, reflete por um instante sobre o período em que trabalhou na Fepasa. “Hoje as famílias não são valorizadas. Eu procurava dar trabalho para o pai, filho, irmão. Tentava dar apoio à toda família. Formar uma estrutura mesmo”, conta. Hábito muito presente no início das ferrovias, em que a profissão de “ferroviário” era herdada pelas gerações, com toda pompa de trabalho do futuro. No entanto, o fado criado a partir de então resultou o fim de funções como chefes de trem e estações e na substituição de antigos funcionários das oficinas por jovens engenheiros, que mal sabiam o que eram “gírias ferroviárias”.
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Antigamente, o prédio da Associação abrigava um complexo antes utilizado pela Fepasa, que hoje acomoda também o Museu da Companhia Paulista, ainda mais suntuoso, talvez pelo prestígio inicial da empresa pública ferroviária. Foi quando a empresa passava por sua derrocada, em vias de ser privatizada, que Euzébio recebeu ordem de ir para Jundiaí, conferir os equipamentos que haviam por lá. Como costuma desfrutar de cada ocasião, seja ela qual for, não viu problemas e seguiu caminho ao que poderia se chamar de destino. Em 1998 a Fepasa acabou federalizada e incorporada à Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), o que fez com que o trecho da antiga malha ferroviária passasse a se chamar Malha Paulista. Os desfalques já estavam ocorrendo há algum tempo e naquele ano a RFFSA contava com 6.380 funcionários. Nesse mesmo ano acabou privatizada e suas linhas foram divididas em diferentes administradoras. A partir daí foi feito um leilão e em 1999 a Ferrovia Bandeirantes SA (Ferroban) assumiu o controle do trecho, com concessão de 20 anos. Alcançando os objetivos do governo federal e estadual o quadro de funcionários das antigas ferrovias do interior paulista, agora administrados pela Ferroban, fechou em 3.000 pessoas. Ficou vagões, estações, equipamentos e memórias deixadas de lado, resíduos de uma época em que as ferrovias faziam sentido e eram símbolo do progresso. Quando Euzébio chegou ao prédio, o funcionário, que até então estava plantado junto aos carros, peças e artefatos ferroviários, viu no visitante uma oportunidade única: largou as chaves em suas mãos e bateu as pernas. Talvez a ideologia praticada por Euzébio, de que nada acontece à toa, o tenha ajudado a aceitar a situação. Se mudou para Jundiaí e começou a organizar as coisas: tentou parcerias com universidades e entrou em contato com a prefeitura. Seu mantra era de que o passado deveria persistir, nem que para isso percorresse um solitário caminho. Ficou à frente das cobranças, para que todo aquele material, que fazia parte da história da cidade e das ferrovias, fosse preservado. Importância
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muita clara para ele. “Infelizmente, atualmente, a ação das memórias são pífias. Mas, não existe futuro sem passado”, diz, com ar desolado, apoiando a cabeça nas mãos. O prédio, hoje habitado pelos senhores e senhoras que participam das aulas coordenadas por Euzébio, já havia tido importância, por isso, não fazia sentido continuar no abandono. Foi ali que se transferiu a sede da Cia Paulista de Campinas para Jundiaí durante um surto de malária que chegou a matar cerca de 3% da população campineira, em 1889. Aliás, a relação da Paulista com a cidade é estreita. A linha de Jundiaí à Campinas foi a primeira a ser construída pela companhia em 1872. A região, a partir da segunda metade do século XIX, passou a formar a nova fronteira agrícola do estado de São Paulo e Campinas abraçava as zonas de produção interioranas, especializadas no cultivo do café. Como a São Paulo Railway (SPR) não apresentava interesse em expandir sua linha de Jundiaí à Campinas, um grupo de cafeicultores resolveu encabeçar a ideia, fundando a Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Desse modo, a companhia assumiu o trecho a partir de Jundiaí e a estação construída na cidade passou a ser o elo entre duas companhias férreas: a Cia Paulista e a SPR. A necessidade de escoamento do café da região era tão grande que logo depois de sua inauguração foram projetadas a criação de novos trechos. Só assim as regiões de Limeira, Rio Claro, Piracicaba, Capivari, Descalvado, Pirassinunga, São Carlos e Araraquara foram alcançadas. Sem sucesso e cansado de esperar respostas de terceiros, Euzébio resolveu tornar-se mestre de suas próprias ações e criou a Associação de Preservação da Memória da Cia Paulista, com o que achou espalhado pelo complexo. Havia tanto material que conseguiu juntar todos os equipamentos pertencentes à Sorocabana, que mais tarde viriam a fazer parte do Museu Ferroviário de Sorocaba. Com o tempo a prefeitura resolveu interferir em suas atividades com o objetivo de adquirir o controle da associação. Quando mostraram interesse também pela escola, não teve dúvidas: se separou do Museu
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da Cia Paulista. Somente com a associação Euzébio se viu obrigado a procurar meios de manter-se atrelado às ferrovias, que estava presente não só no nome da associação, mas também fazia parte do intuito inicial de sua iniciativa. Foi assim que criou uma exposição de fotos sobre as ferrovias. O evento lhe proporcionou uma de suas principais ideias: um senhor foi a exposição, o procurou e disse: “Quero contar minha história”. Com os ouvidos atentos Euzébio se deslumbrou com a facilidade que aquele senhor compartilhava sua biografia, sem restrições ou constrangimentos, apenas para reviver sua história. Observando a situação surgiu uma ideia, que ligaria a Associação às ferrovias definitivamente: a elaboração de um projeto chamado “Meu pai foi ferroviário”. O projeto consiste na reunião de diversas histórias, todas pertencentes as recordações dos guardiões das ferrovias do estado de São Paulo. “Muitas pessoas me procuram. Elas se sentam aí nessa cadeira e ficam horas contando”, diz. Quase como um psicólogo, ele ouve as queixas e marcas deixadas pelas ferrovias. Inúmeras vezes teve que consolar os contadores e enxugar as lágrimas de alguns. “O projeto dá certo porque é feito com o coração. Não olho referência ou confiro os fatos, o que importa é a história da família”, destaca. Orgulhoso do projeto, faz questão de buscar alguns exemplares no sótão do prédio. Pega um pacote e tira dois livros. “Não gosto de guardar nada. Faço os livros para eles serem distribuídos. Acho que tenho que compartilhar as histórias”, conta. Em cima da mesa mostra uma coleção de papéis. “Essas são as histórias da 7ª edição”, explica. No começo, o projeto tinha o intuito de envolver pessoas com certa notoriedade e ligá-las às ferrovias. Nesses moldes participaram o autor Walcyr Carrasco e o administrador de empresas Max Gehringer. No entanto, cansado desse padrão resolveu inovar. Nas próximas edições os livros serão mais literários e trarão cada vez mais personagens desconhecidos. Muito ligado à família, resolveu dar ênfase a herança ferroviária: “meu interesse é em famílias com muitos ferroviários.
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Quanto mais, melhor”. O processo de elaboração do livro é intenso. “Muitos entram em crise. Lavam roupa na minha frente”, diz. As vezes fica horas e horas em terapia, com senhores e senhoras que esquecem detalhes, nomes e tem suas memórias ceifadas pelo tempo. No entanto, vai restaurando suas lembranças. Dentre tantas histórias lembra das mais engraçadas: “Um ferroviário viu uma caixa no vagão, lacrada. Curioso, resolveu abrir, quando olhou para dentro viu um monte de cobras que se espalharam pelo trem. Era uma encomenda do Butantã”, conta aos risos. Na saída do escritório aponta para um galpão, repleto de ornamentos de carnaval, atrás de uma grade. “É ali que fica o que restou da estrada de ferro, mas hoje está fechado”. Para por um instante e pergunta: “Vocês gostam de jornalismo investigativo?”. Entusiasmado com a resposta positiva à pergunta equivocada, faz uma rápida corrida de carro, em que é possível entrar na parte de trás do complexo, próximo ao Museu. Passando pelos trilhos e pelas locomotivas largadas no pátio, Euzébio mostra os equipamentos da Fepasa, abandonados. As portas estavam fechadas e aparentemente não havia ninguém no local. O edifício ainda possui o charme da Cia Paulista, no entanto, as vidraças quebradas, a grama que invade o local e as telhas soltas dão uma sensação de desamparo. Algumas locomotivas encontram-se pichadas, produto de algumas invasões. Para olhar o restante do material, escuso nos cantos do prédio, é preciso subir no parapeito das amplas janelas, espalhadas pela parede. Mais parecidos com entulhos, dificilmente se distingue o lixo da vegetação, intrometida no material rodante. Euzébio percorre as locomotivas com muita familiaridade, sobe as escadas, passa por baixo de alguns carros, faz pose próximo ao sino, marca registrada da Cia Paulista. É difícil imaginar que em décadas atrás a companhia era referência de estilo e elegância. A Cia Paulista foi a responsável por trazer aos trilhos o que havia de mais moderno e tecnológico na época. Em 1911 era considerada a empresa modelo quando se tratava de organização
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e pontualidade. Em 1920 iniciou a eletrificação das linhas, iniciando as modificações nos trechos de Jundiaí, permitindo que as viagens se tornassem mais curtas. Além disso, a Paulista era conhecida pelos serviços de transporte de carga e passageiros, realizados com muito critério. Inclusive, a revista “Esso Oilways” de 1950 afirmava em uma de suas edições que seus serviços não deixavam a desejar quando comparados com as estradas de ferro estrangeiras. Isso porque foi a primeira no Brasil a introduzir os carros restaurantes, dormitórios e pullman, construídos nos Estados Unidos. O sucesso da Paulista na época pode ser comprovado pela aquisição da Companhia Estrada de Ferro de Dourados, que elevou sua extensão para 1.923 km. A tristeza pelo fim de todo o luxo que a Companhia Paulista ostentava perdura também na casa de Arlindo de Camargo, hoje morador da Vila Itália, em Campinas. “Ferrovia no Brasil, hoje, não existe”, declara o exfuncionário da extinta Companhia Paulista de Estradas de Ferro, em meio à sala de sua casa, onde a lembrança dos tempos de ferroviário é sutilmente representada por uma miniatura de locomotiva, localizada logo abaixo da estante de TV. Assim como Euzébio, Arlindo percorre um caminho solitário, mas o faz em silêncio. De seu próprio sofá, ele faz um divã. Com um olhar periférico, analisa o que as ferrovias poderiam representar para o Brasil nos dias de hoje, uma vez que fica admirado com a capacidade que os trens possuem em alguns países europeus. Antigamente, o primeiro mundo era representado pelos carros azuis da Paulista. Hoje, a memória é representada, prioritariamente, por trens turísticos. “É ótimo para conhecer a história. Mas para a ferrovia, mesmo, significa muito pouco. Nós não temos mais um sistema ferroviário”, aponta. O começo de seu relacionamento com as estradas de ferro foi em 1955. Ainda sem cargo definido, ele iniciou seu trabalho na cidade de Campinas, em um depósito de locomotivas próximo ao viaduto Miguel Cury. No depósito, Arlindo fazia a limpeza de materiais. Antes metalúrgico, seu conhecimento logo lhe deu a oportunidade de chegar
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ao cargo de ajudante de artífice, um operário especializado para lidar com as máquinas. Posteriormente, ele próprio assumiu a função de artífice e ganhou a oportunidade de fazer cursos para crescer cada vez mais dentro da Companhia. Assim, ele foi galgando cargos até chegar a Monitor de Freio, em 1978, função que manteve até a sua aposentadoria, em 16 de abril em 1984. Quando Arlindo se aposentou, a Fepasa já era responsável por toda a malha ferroviária do estado de São Paulo. Uma realidade bem diferente do que aquela que era admirada pelo Arlindo de 19 anos, que gostava muito de mecânica e via nos trens que tomavam conta da cidade uma oportunidade para exercer sua paixão. Hoje, a ferrovia apenas permeia sua vida, enquanto as lembranças do passado lhe fazem lamentar tudo o que o trem poderia ter sido. “Daqui da minha casa, eu vejo passar muitos trens da MRS Logística. Mas, para onde eles vão, eu não faço ideia”, confessa. O principal problema que ele destaca é que, hoje em dia, o trem não faz mais parte da vida da população urbana. “Antigamente, o trem era tão pontual que a gente acertava o relógio quando ele passava”. Casado há 54 anos com Maria Helena Cesário de Camargo, os cinco filhos, Maristela, Maria Heloísa, Matilde, Mônica e João Milton, foram criados com base no sustento das ferrovias. Hoje, quando a música inconfundível dos sinos da Paulista não fazem mais parte de sua vida, é o filho homem, músico, responsável pelos sons da casa, decorada com miniaturas de instrumentos musicais, que se sobressaem às memórias ferroviárias. Da sua família, mesmo, ninguém quis se tornar ferroviário. A tradição também não foi fator fundamental para que ele ingressasse neste mundo - nenhum de seus parentes eram ferroviários também. Mas ele diz que Maria Helena fez parte da história da Companhia Paulista, porque era ela a responsável por preparar seus lanches para o trabalho da linha. Alguns de seus cunhados foram funcionários da “exMogiana”. Ele frisa bem a palavra “ex”, principalmente ao falar de sua companhia de trabalho. É porque a Companhia Paulista, realmente, não existe mais e nem ficou marcada para sempre em algum outro lugar que não a memória de quem atravessou a sua história. 85
“Uma boa parte do patrimônio histórico da Companhia Paulista está deteriorado por matas. É uma coisa louca. Na época em que eu me aposentei, os trilhos tinham condição de rodar por mais 20 anos em perfeitas condições. Mas foram muitos e muitos anos enferrujando, tendo seus trechos roubados, o sistema ferroviário do Brasil, definitivamente, não é prioridade”, desabafa. Para Arlindo, que acompanha a realidade dos trens apenas pelos jornais do sindicato, a ferrovia chegou a um ponto lamentável. “Ferrovia, no Brasil, não existe mais”. Ele fala assim por se lembrar de suas confortáveis viagens para a cidade de Panorama (SP), que demoravam cerca de 12 horas, mas eram feitas com todo o conforto do lugar grande e largo que eram os carros de passageiros. “Eu levantava, saía… Era demorado? Era. Mas era muito mais gostoso viajar assim”. Toda a elegância contida em uma viagem dessas era de responsabilidade dos dedicados ferroviários, que trabalhavam na Companhia porque amavam o que faziam, estavam sempre interessados em aprender cada vez mais e tinham pleno conhecimento do trabalho. “Quando a Companhia Paulista foi encampada, no governo do Carvalho Pinto (1959-1963), a ferrovia virou cabide de emprego. Eram engenheiros que não conheciam nada… Até engenheiro agrônomo ia trabalhar em ferrovia! Quando virou a Fepasa, tudo acabou de vez”. As memórias ferroviárias de Arlindo, no entanto, se tornam sonhos, projetos imaginários que permeiam seu presente, de olho em um futuro que parece tão bloqueado pela priorização das rodovias. “Esses dias eu estive conversando com um dentista e ele me falou dos trens na Alemanha. Aquilo é a coisa mais linda. Aquilo sim é ferrovia”, conta. Os projetos futuros também não lhe animam tanto. O Trem de Alta Velocidade (TAV), planejado para cortar o eixo Rio-São Paulo, lhe parece mais uma megalomania do que uma tentativa de resgatar o conforto de outrora. “O TAV seria uma tentativa de sair do nada para o lugar nenhum. Um trem metropolitano, uma extensão daquele que já existe em São Paulo [se referindo aos trens da CPTM], seria muito mais útil”.
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Ele atribui a certeza de um fracasso do TAV a um projeto antigo da Rede Ferroviária Federal, chamado Trem de Prata, que operou de 1994 a 1998 partindo da estação Barão de Mauá (hoje desativada e chamada Estação Leopoldina), no Rio de Janeiro, e chegando na estação da Barra Funda, em São Paulo. O trem partia do Rio às 23h e chegava na cidade de São Paulo às 8h30. Parecia a alternativa perfeita, mas o preço de suas passagens, que foram inicialmente de 85 reais (cabine simples) e 120 reais (cabine dupla) e depois passaram a 120 reais (cabine simples), 240 reais (cabine dupla) e 360 reais (cabine suíte, com cama de casal, banheiro, frigobar, lavabo e armário) foi perdendo espaço para o baixo custo das passagens rodoviárias e aéreas, que passaram a ser preferidas pelos passageiros. A má conservação da via, que fazia com que o trem circulasse em baixa velocidade, também foi um dos empecilhos para o bom funcionamento do trecho. Com o fim da Rede Ferroviária Federal, o trecho foi cedido à MRS Logística. O projeto do TAV pretende reativar a Estação Leopoldina como ponto de partida. Mas, como destaca Arlindo, já é possível imaginar seus primeiros problemas com base no próprio histórico do Trem de Prata. O tempo mínimo de viagem entre as capitais, no entanto, seria de 1 hora e 33 minutos, no caso de uma velocidade de 300km/h, sem paradas. Do Rio de Janeiro a Campinas, outro ponto do trecho, a viagem levaria 2 horas e 27 minutos. A obra tem um gasto estimado de R$ 34,6 bilhões para os cofres públicos, em um tempo no qual as passagens aéreas se encontram em constantes promoções entre os trechos e levam os passageiros mais rápido aos seus destinos. É por isso que Arlindo pensa que a forma objetiva é muito mais correta do que a fórmula criada apenas para impressionar o primeiro mundo. “Eles não querem construir um trem normal porque dizem que trem não dá lucro. Mas por que só aqui que o trem não dá lucro?” Arlindo também admira as estradas da França - país para o qual nunca foi, mas do qual já ouviu inúmeras histórias sobre o sistema de transporte. “Dificilmente se vê um caminhão na estrada de um país desses. O transporte é todo feito pelas ferrovias”. Ele destaca o problema de escoamento que o Brasil enfrenta, sobretudo na produção 87
agrícola, que, cada vez mais potente, enfrenta o caos nos portos e nas estradas. O estado de Mato Grosso, no ano comercial 2012/13, após uma superssafra de milho, foi um dos que mais sofreu com o problema. Hoje, para Arlindo, os ferroviários de fato são apenas aqueles que passaram pelos trilhos em sua época de ouro. E é com eles que ele sempre troca figurinhas. Ele fala com carinho das fotos de locomotivas que um ex-guarda-trem, chamado Milton Araujo Amaral, lhe entregou em um CD. “Eu guardo esse CD e vejo as fotos até hoje”. Arlindo de Camargo tem 77 anos. “78 em abril de 2014”, acrescenta. Hoje, mais do que as ferrovias, a felicidade de se aproveitar a aposentadoria é o que mais lhe acompanha. Ele havia acabado de fazer uma viagem ao Rio de Janeiro, cidade pela qual pisou pela primeira vez. E sua intenção é continuar fazendo mais viagens. Só que, nas viagens de Arlindo, hoje só é possível aproveitar o avião que rasga o céu. Dos trilhos, no alto, resta apenas um barulho de um transporte que não lhe causa mais nenhum ímpeto de magia. O sopro da fumaça e os luxuosos trens da Paulista existem apenas na estação da memória.
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------ Paixão Sorocabana ------
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linha do trem passa ali embaixo. Quando ouço ele chegando dá até vontade de chorar”, fala Arnaldo Pinto Filho, exmaquinista da Estrada de Ferro Sorocabana. A casa de Arnaldo fica na parte alta de Sorocaba e logo ao fundo é possível ver a estrada de ferro. Foi ali naquela casa que o maquinista avisava, com dois apitos, a esposa Solange de Fátima Rodrigues Pinto e os filhos que estava pelas redondezas com a locomotiva. “Quando ouvíamos o apito, a criançada já sabia que ele estava chegando”, diz Solange. Enquanto namorava Solange, não passava pela cabeça de Arnaldo ser ferroviário. No entanto, como seu sogro trabalhava nas ferrovias como motorista dos carros que levavam os engenheiros pela via, não demorou muito: prestou a prova e foi admitido como aprendiz de ajudante de maquinista. Nascia ali uma grande paixão, que o levou a trabalhar por 25 anos na Fepasa. Apesar de não ter desfrutado das regalias existentes antes da encampação das ferrovias estatais, que mudaram tantas coisas em todas as estradas de ferro do estado, Arnaldo acredita que a Fepasa lhe proporcionou muitos sonhos. “Foi meu primeiro trabalho. O primeiro emprego registrado na minha carteira”, se orgulha. Como todo primeiro amor, se lembra bem da primeira vez que esteve sobre os trilhos. Na copa de sua casa, depois de apresentar os quatro netos, estampados em uma presunçosa camiseta, afirma que foi na cidade que trilhou sua carreira. “Esse aqui é o mais velho, adora trens”, diz, apontando para a foto de uma das crianças. Ficou oito anos no cargo de aprendiz de ajudante de maquinista, após um período treinando na Barra Funda, em São Paulo. Sentado à mesa, enquanto sua esposa realizava algumas tarefas da casa, o maquinista pontua, com calma, todas as etapas que percorreu na estrada de ferro. Ele conta que somente quando se sentiu seguro passou para ajudante “
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de maquinista. “Naquela época tinha que passar por vários cargos até ficar atrás do trem”. Tudo era novidade para Arnaldo, mais conhecido pelos amigos como Nardinho. Ao contrário de sua esposa, que passara a infância nas casas de turma e em passeios de trem junto à família, o ferroviário, aos poucos, foi se ambientando na locomotiva. “Você contou dos seus primeiros dias como ajudante?”, pergunta Solange, que passava pelo corredor que ligava a sala a cozinha, ouvindo de longe a conversa. Um pouco envergonhado, mas rendendo-se ao pedido da mulher, Arnaldo revela: “Na primeira semana já tive que pegar licença. Coloquei a cabeça pra fora da janela do trem e não vi o poste. Bati com tudo a cabeça, imagina?”. A função do ajudante, apesar de simples, era essencial e, como o maquinista descobriu, possuía certas responsabilidades. Ele tinha o compromisso de cuidar dos documentos do trem e olhar o destino das locomotivas, sempre observando se existiam manobras nos trechos. Para chegar a tão esperada posição de maquinista, Arnaldo teve que ser paciente. Como em todo cortejo, teve que ser aplicado, respeitando os limites da locomotiva, até conquistá-la e tomá-la por inteiro. Por isso, a dedicação foi uma característica imprescindível para alcançar a posição que tanto desejava. Assim, passou por várias etapas e, depois de adquirida experiência, foi promovido a maquinista de manobra. Nessa fase “era feito muito treinamento, “ali a gente pega prática”. De lá, passou a maquinista de carga, onde tomou consciência dos perigos da profissão. “Todo esse processo era preciso. Quando chegávamos na carga, os riscos eram maiores”, explicou. Como maquinista de carga, era responsável pelo transporte de produtos, muitas vezes tóxicos e volúveis, como a âmonia, produzida no porto de Paranaguá, deslocada nos vagões da Sorocabana. A ameaça sempre estava à espreita e não respeitava a relação do maquinista com o trem. Pelo contrário: exatamente pela fidelidade de ambos, era implacável. “Dificilmente, em um acidente, o maquinista vai abandonar a locomotiva. Isso é muito raro, por isso ele fica muito exposto”. 92
A rotina do ferroviário era indefinida. Ele fazia viagens todos os dias, mas na maioria das vezes não sabia em qual destino chegaria. Aliás, foi a incerteza dos caminhos das ferrovias que fizeram com que Companhia Estrada de Ferro Sorocabana fosse criada. Em 1870 a Companhia Ituana de Estrada de Ferro, formada por fazendeiros das cidades de Itu e Sorocaba, tinha a ideia de ligar a região a Jundiaí, no terminal da São Paulo Railway. No entanto, desconfiados, os sorocabanos discordaram do trajeto escolhido para a implantação dos trechos. Liderados por Luís Mateus Maylasky, resolveram abrir caminho para uma estrada que ligasse a fazenda de Ipanema (uma das primeiras siderúrgicas do Brasil, fundada por suecos) a São Paulo. O grupo de Maylasky, mostrando determinação, separou-se dos ituanos e fundou, no mesmo ano, a Sorocabana. Maylasky era um imigrante austro-húngaro que se tornou uma das personalidades mais conhecidas e bem sucedidas da cidade. Produtor de algodão, tinha a fama de ser muito discreto, talvez pela origem distinta das dos grandes barões de café da época. Por isso, era conhecido por “dar uma passo com uma perna e apagar com a outra”. Assim, o trecho que atendia a região produtora de Sorocaba, e que fora criado inicialmente para atender a produção de algodão, foi inaugurado em 1872. No entanto, passando a euforia de sua formação, o transporte de algodão se mostrou pouco lucrativo e logo a companhia enfrentou problemas financeiros. Como toda crise possui seus aborrecimentos, o fazendeiro austro-húngaro acabou expulso da gerência da Sorocabana. Sob nova direção, a companhia resolveu apostar nos caminhos do café, estendendo sua linha até Botucatu. Passou por Assis, Presidente Prudente, em 1919, chegando às margens do rio Paraná em 1922. A ida para muitos desses lugares, alcançados pela ferrovia, fazem parte das lembranças da época de maquinista de Nardinho. Sempre estava ansioso para saber para que cidade iria, rumava para Botucatu, Itu, São Paulo. A única segurança que tinha era que todo dia faria uma viagem, acompanhado pelo mais novo afeto: o trem. “Era muito gostoso. Sábado, domingo, feriado, Páscoa, Natal. Tava escalado, tinha 93
que ir”. Ainda que a rotina fosse corrida, Arnaldo já havia se encantado pela viagens na estrada de ferro e mal via os dias passarem. Foi na imprecisão dos trilhos que se tornou o maquinista mais velho de Sorocaba, quando passou a transportar passageiros, agora com o cargo oficial de maquinista nas mãos. “Nunca achei que fosse gostar tanto de ser ferroviário. Saía de casa animado, tentando descobrir para onde iria”. As reminiscências dos trilhos permanecem até hoje, vez e quando lembra das manobras e viagens e faz comparações: “Aquele galpão de fertilizante (referindo-se à explosão do galpão de fertilizantes de São Francisco do Sul, no dia 25 de setembro de 2013) tinha 10 mil toneladas, isso dá 10 trens de 15 vagões, sabia?”, pergunta, ignorando qualquer preocupação com a possível nuvem tóxica formada ou o prejuízo material, demonstrando, talvez, certa mania ferroviária. Durante cinco anos transportou passageiros de Sorocaba a Botucatu. Mesmo que a paixão do maquinista tenha acontecido tardiamente, depois do primeiro fascínio das locomotivas, conseguiu experimentar as recordações de outras épocas. Aliás, a aura de outros tempos, em que as cidades ditavam seus dias ao redor dos trilhos, parece não ter acabado em Sorocaba. É comum esbarrar com os cidadãos pelas ruas e descobrir em um rápido papo que o avô ou o bisavô fora ferroviário da Sorocabana. “Aqui na rua de baixo tenho um amigo que trabalhou na ferrovia como maquinista, na do lado tem outro ferroviário também”, conta Arnaldo. A cidade é formada quase totalmente por “famílias ferroviárias”. Muito da cultura, informação e economia do sorocabano advinha da ferrovia. Graças à Sorocabana, foram construídas a Sociedade Protetora dos Ferroviários, a Loja Maçônica, clubes esportivos, armazéns, farmácias e muitos outros estabelecimentos que atendiam a população. Por isso, Arnaldo apreciava o prestígio que lhe cabia. Com a profissão, teve oportunidade de fazer muitos amigos e compartilhar momentos que hoje só são vivenciados nas novelas de época e em fotos antigas. Ao passar pela estação, via a movimentação de todo dia,
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pessoas entrando e saindo. No entanto, esperava ansioso pela visita dos amigos que fazia nas paradas. “Eu fazia muita amizade, gostava tanto. Ganhava muitos presentes, principalmente comida”, lembra. Entre Conchas e Sorocaba, conheceu um casal que sempre o encontrava. “Eles chagavam na estação e acenavam para mim com um lenço branco. Quando via, já sabia quem era”. Nas visitas, recebia como cortesia um franguinho caipira caseiro para o almoço. Ficou cinco anos almoçando pelas estações, em troca de um bom papo, quando decidiu, devido a alguns problemas, se afastar por um tempo para colocar os pensamentos nos eixos e discutir a relação com os trilhos. Assim como Arnaldo, a Sorocabana também passou por períodos de balanço. Vinte anos depois de sua criação, independente de qualquer disputa do passado, juntou-se a Companhia Ituana. Logo depois, no início do século XX sofreu uma grave crise financeira que obrigou o Governo Federal a encampá-la. Desse modo, em 1919 estava sob responsabilidade do recém-eleito presidente Epitácio Pessoa. Nesse período foi reestruturada e modernizada, com a compra de novas máquinas e equipamentos e a construção de grandiosas estações, como a Nova Estação Inicial de São Paulo, posteriormente chamada de Estação Júlio Prestes. De mais a mais, a estrutura da Estrada de Ferro Sorocabana se destacava das demais. O maquinista lembra que, quando trabalhou em Votorantim, pegava a cada dia um carro diferente. “Cada dia era um carro e, em cada viagem, uma história”. A “Francesa elétrica” foi a locomotiva que mais o marcou. Nela praticou, enquanto ganhava experiência, na estação de Mairinque: “A Francesa não precisava nem de freio, ela subia o morro a 45, 50 km/h. Era uma beleza!”. Os inúmeros treinamentos e testes aplicados aos ferroviários faziam parte de uma tradição originada pela escola de ferroviários da companhia, a mais conhecida dentre as existentes. Baseada em uma ideologia inspirada no fordismo, modelo de produção que visava a produção e o consumo em massa, pensado pelo empresário norteamericano Henry Ford, a escola tinha o objetivo de transformar o local
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de trabalho e o próprio trabalhador. Esse modelo fora idealizado pelo educador Roberto Mange e por Gaspar Ricardo Junior, diretor da Estrada de Ferro Sorocabana, causando reboliço na época. Isso porque o intento da dupla era combater os métodos de ensino mais antigos, realizados por meio da observação e imitação e que deixavam de lado a rotina do operário. Asssim, em 1924 foi criada a Escola Profissional Mecânica, chefiada por Mange e instalada no Liceu de Artes e Ofícios. O curso era destinado a jovens de 14 a 17 anos, exigindo apenas o comprometimento de que ficariam a serviço das ferrovias por pelo menos 3 anos, após a conclusão do estudo. Os aprendizes tinham suas aulas práticas nas oficinas instaladas na Estrada de Ferro Sorocabana e a teoria era ensinada na Escola Profissional de Sorocaba. O sucesso foi tanto que, com o tempo, a cidade foi tomada por torneiros-fresadores, ajustadores, caldeiros-ferreiros e eletricistas. A intenção da Sorocabana era tornar o trabalhador mais produtivo, no entanto, sem esquecer a vida cotidiana. Dessa forma, a metodologia de ensino era ampla, com aulas de português, história, modos e até mesmo higiene. Ficava claro que a ideia era reformular a classe operária da cidade. Preocupada com a formação dos alunos, a companhia fazia com que frequentassem desde o primeiro ano as Oficinas de Aprendizagem e a Oficina Geral, nas quais trabalhavam como ajudantes. A partir do terceiro ano os alunos faziam estágios em diferentes funções, podendo se especializar em uma delas no quarto ano. O diferencial da escola de Sorocaba era tão evidente que muitos funcionários de outras companhias viajavam para a cidade a fim de realizar os cursos. Dentre as viagens que Arnaldo realizava, chegou a levar o filho e os amigos mais curiosos para andar no trem. Todavia, a nostalgia das ferrovias já estava se esvaindo e cada vez mais as pessoas iam negligenciando os trilhos. Tanto que os filhos do maquinista mal andaram no trem, para o pesar de Solange, que tem grande apreço pelas ferrovias. “Eu adorava andar de trem com meu pai. Nas férias
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, pegávamos o passe e íamos passear. Era tão bom!”, pontua, saindo da cozinha e acrescentando suas memórias à conversa. Experiência que não aconteceu com os filhos, talvez por falta de interesse. Esquecimento que se reflete não só nos pátios dos antigos complexos ferroviários, mas também nos próprios trechos. “Quando era menino, andava de bicicleta na beira dos trilhos. Era muito lindo. Limpinho, com a grama verdinha, bem cuidado. Hoje não tem condições, está tudo abandonado”. Aparentemente o abandono foi feito aos poucos, desde a encampação. A magia dos trilhos, dos acenos feitos às locomotivas, do desbravamento da Serra, devargarzinho foi substituído pelo deslumbramento dos automóveis. Assim, foi perdendo valor em meio ao progresso. “Era muito comum recebermos um monte de pedradas quando passávamos pelos trechos. A molecada ficava à espreita e quando viam o trem jogavam as pedras na gente!”, lembra Arnaldo. Contudo, o maquinista viu as coisas piorarem depois da privatização, quando a Sorocabana passou a ser administrada pela Ferrovias Bandeirantes SA (Ferroban), em 1998. A privatização começou a ser feita em 1996, com o leilão da Malha Oeste, antiga Noroeste do Brasil. Para se adequar à privatização, a RFFSA foi dividida em seis lotes, no entanto, a estrutura apresentada já era bem diferente da encontrada antigamente. Com menor extensão e um quadro de funcionários defasados, fez-se necessário encontrar meios de tornar a ferrovia mais competitiva e lucrativa. O objetivo era aumentar a eficiência do sistema ferroviário, com investimentos para conservação e expansão das linhas. Entretanto, isso não aconteceu. Ainda que as concessões tenham sido adquiridas pelas empresas com um prazo de 30 anos, a privatização resultou em um sistema de monopólio privado, em que algumas empresas da região foram beneficiadas, sem considerar ao menos a integração do território. Nesse período, Arnaldo começou a sentir a pressão das empresas privadas e decidiu sair no ano de 1999, mesmo ano em que o percurso de passageiro foi desativado. Com a privatização, o maquinista conta
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que muitas estações foram fechadas e os ajudantes de maquinistas passaram a fazer as manobras, pois não haviam mais manobradores. Além disso, os cortes continuaram sendo feitos e muitos ferroviários perderam seus empregos. Durante as alterações da privatização, ele lembra que Sorocaba adquiriu 70 novas locomotivas francesas, “mas só usaram duas delas, um total descaso”. Solange ainda completa: “hoje o que mais dói é saber que meus netos não vão poder andar de trem”. Na memória de Arnaldo e Solange, só ficou o barulho dos trens chegando e a visão do horizonte no alto da rua de casa. A história do casal se repete nas famílias sorocabanas, nas quais muitos netos e bisnetos mal conhecem os causos de seus familiares nos trilhos. Foi o caso do documentarista Márcio Schimming, que, em 2010, decidiu desenvolver um projeto pessoal. Fez algumas pesquisas e se deparou com a vasta história da ferrovia em Sorocaba. Resolveu apostar na ideia. Foi atrás de uma lei de incentivo da prefeitura e conseguiu apoio. Assim, nascia o documentário “A Sorocabana: Ferrovia-Cultura”. Durante a produção, conseguiu desvendar a história de muitas famílias, inclusive a sua. Márcio já sabia que um dos seus avôs era ferroviário. No entanto, para sua surpresa, seu avô materno também havia participado dos caminhos das ferrovias. “Minha mãe viu as filmagens e disse: ah, é, seu avô também era ferroviário!”. A partir daí descobriu que sua mãe estudou no Colégio Maylasky, criado para os filhos dos ferroviários, junto com seus 7 irmãos, e resgatou muitas memórias. A classe ferroviária era respeitada na cidade. “Eles tinham escolas, prestígio. Até uma revista eles elaboraram”. A revista se chamava “Nossa Estrada” e era o local ideal para acolher as poesias escritas pelos ferroviários. A propósito, essa veia erudita é uma das características destacadas no documentário. “Os ferroviários viajavam muito. Na época, eles que traziam as informações. Até mesmo o correio era feito pelos trilhos”. Uma das histórias que descobriu de sua família era a de que seu avô, que incentivava os estudos e a leitura, colocava a filharada no trem e
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levava para São Paulo, na Biblioteca Municipal de lá. “Eles iam para pegar livros e depois voltavam. Mas as minhas tias aproveitavam pra colocar roupa bonita e paquerar”, conta. Todo o eruditismo da classe ferroviária é comprovado até hoje. Foi em visitas ao sindicato, que fica próximo à estação ferroviária da cidade e ao lado do Museu Ferroviário de Sorocaba, que Márcio conheceu um grupo de ex-ferroviários que se reúne toda terça-feira à tarde para discutir a história de Sorocaba. Na frente da estação ferroviária, Márcio mostra o local em que foi exibido pela primeira vez o documentário. Apesar de exibir alguns aspectos do abandono, a estação parece mais conservada que muitas da região. No entanto, destaca-se na avenida por sua arquitetura diferenciada, uma pequena degustação do passado. “Foi bem legal, fechamos a estação, convidamos todo mundo. Na estreia, muita gente veio me procurar para contar suas histórias”, lembra. A estreia do documentário marcou o resgate da história ferroviária, tão apreciada pelo cidadão sorocabano, mas muitas vezes ignorada e mostrou, mesmo que sutilmente, a carência de parte da população em compartilhar suas memórias. É naquele local que se perpetua a história de um verdadeiro ferroviarista. Stenio de Andrade Gimenes, hoje maquinista da América Latina Logística (ALL) sempre teve sua história ligada aos trilhos. A paixão era tanta que, desde pequeno, quando lhe faziam a fatídica pergunta “o que você vai ser quando crescer?” respondia, com determinação: ferroviário. Era no pai e no avô que tinha seu exemplo. O primeiro trabalhara na parte administrativa da ferrovia e o segundo fora maquinista e chefe de estação. Por isso, ainda adolescente, com 14, 15 anos, ia todos os dias na estação da cidade, no último prédio, onde a Fepasa realizava recrutamento e treinamento de novos funcionários. “Ficava o tempo todo por lá, chegava e perguntava: tem vaga pra mim?”. Cansado do interrogatório diário, o funcionário do prédio acabou lhe presenteando com várias apostilas do curso. Não deu outra: mesmo com pouca idade,
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decorou os livros de cabo a rabo. Passou a ser figura carimbada na estação. “Aparecia todos os dias. Ali era muito familiar para mim, fiz muitas amizades”, conta. Tanto que muitos maquinistas o convidavam para particpar das manobras e bater um papo nas horas vagas - Arnaldo era um deles, inclusive. Ali, sentiase em casa, e era recebido como filho pela Sorocabana. Não muito depois, se deparou com uma oportunidade, que lhe seria única. O pátio de um Shopping (hoje Shopping Panorâmico) estava ocioso, por isso, decidiu-se construir uma pequena estação. Durante a preparação da mini-ferrovia, 10 garotos ajudaram os funcionários na montagem, entre eles Stenio. Como a locomotiva era a vapor, o garoto se responsabilizara em entregar ao maquinista o balde cheio d’água, sempre que necessário. “No fim do dia eles ofereceram emprego aos ajudantes, mas avisaram que não seria remunerado. Claro que ninguém apareceu no outro dia… só eu mesmo!”, diz. A vontade de estar sobre os trilhos era tanta que acabou surpreendido: além de poder conduzir a locomotiva, receberia um salario por isso. Foi aí que aprendeu a ser maquinista, “com a mão na massa”, ou melhor, na locomotiva. Apesar de ser uma ferrovia menor, a manutenção e operação do trem era a mesma utilizada na estação. Ficou por lá um pouco mais de um ano, até o projeto terminar. Na época, tinha 17 anos e os trilhos já o haviam envolvido de tal maneira que passou a fazer viagens com os maquinistas, registrando os trens com sua câmera filmadora. Depois do aprendizado no shopping, passou por várias experiências profissionais ruins. “Trabalhava demais, estudava, ganhava muito pouco e nas horas vagas brincava de trabalhar na ferrovia”. Com a privatização, de 1996 a 1998, não haviam contratações, e Stenio viu mais uma vez suas esperanças, de um dia estar oficialmente nos trihos, se desfazerem. Na época, não havia nem como pedir alguma indicação ou “encaixe”. Os amigos maquinistas agora estavam aposentados ou já haviam saído de seus cargos. Para matar a vontade dos trilhos, em 1999 resolveu investir seu
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tempo livre na elaboração da maquete de uma locomotiva. O trabalho foi tão bem feito que chamou a atenção de um funcionário da Ferroban, que perguntou: “você não quer trabalhar na ferrovia não?”. Duas semanas depois, Stenio largou os estudos e foi para Bauru, estudar para ser ferroviário. No entanto, a iniciação de Stenio aconteceu no final da Fepasa e no início da privatização. Nesse período, a visão imposta às ferrovias era outra. Não havia o saudosismo de outras épocas. Pelo contrário, foi instalado um cenário de tercerização de todas as etapas da ferrovia. Formou-se aí a imagem do abandono. “O esmero pelo trabalho não existia mais”, lembra. Todo processo de manutenção das vias acabou alterado. “Antigamente a manutenção era efetiva, tanto que os equipamentos duraram pelo menos 15 anos. Hoje, isso não acontece. A margem de manutenção reduziu muito”, aponta Stenio. Outro problema é que muitos funcionários que entram na ferrovia para fazer a manutenção não são especializados. Estão ali como última opção. Ao contrário de Arnaldo, Stenio ocupou o cargo de maquinista sem passar por nenhum tipo de treinamento. “Já havia ocorrido muitos cortes. O funcionário era colocado no cargo e, de lá, se especializava”, conta. A vontade de estar atrás de uma locomotiva era tanta, que isso pouco importou, no entanto, o destino lhe pregou algumas peças, que o fizeram diminuir o ritmo. Acabou se envolvendo em um acidente, em que um trem quase bateu de frente com outro. Não fosse o trauma o bastante, o maquinista e o supervisor, que estavam junto com ele, não quiseram assumir qualquer responsabilidade. Na ocasião, atuava como ajudante de maquinista e, apesar de não ter culpa alguma do ocorrido, acabou retalhado pelo supervisor, que ficou com raiva de sua postura. Assim, foi demitido. A trajetória de Stenio com as locomotivas quase parece uma história de amor não correspondido, não fosse a insistência do rapaz. Após a demissão, acabou entrando em depressão e por mais de um ano vivenciou uma verdadeira “fossa amorosa”. Sentia-se injustiçado. Havia perdido seu sonho por um erro que não era seu.
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Nos cinco anos que ficou parado, o que o ajudou foi o ferromodelismo. “Com esse hobbie comecei a levantar um pouco de receita, produzi um vídeo com as imagens dos trens que já tinha, fui seguindo a vida”. Stenio lembra que sempre passava pela estação, para suspirar sua saudade, quando viu um trem descarrilhar. Conseguiu avisar o maquinista a tempo. Todavia, o ato heroico ficou por isso mesmo. E a vontade de estar nos trilhos continuou. Acabou estudando para ser protético e, mesmo com o ferromodelismo, ainda não era feliz. Naquele ano, o presidente Lula procurava gerar empregos e as ferrovias acabaram entrando na onda, o que resultou em uma nova leva de funcionários contratados. Momento em que a tradição ferroviária acabou de vez. Indignado com o fato de tantas pessoas, que mal respeitavam a história do trem, estarem ali violando os vestígios das locomotivas, resolveu ir para Mairinque e tentar a sorte. Lá, marcou horário para conversar com a chefia. “Quando cheguei, foi a mesma ladainha. Falaram da ‘fama’ que tinha na região, devido ao acidente”. Resolveu contar o que havia acontecido e acabou recebendo a empatia do funcionário, que entrou em contato com o supervisor da época. O supervisor o chamou para uma conversa em Campinas. Deu certo. Em janeiro de 2006, Stenio voltou a trabalhar como maquinista e pode respirar, por um tempo, aliviado. Todavia, em junho do mesmo ano a América Latina Logística (ALL) entrara de vez em Sorocaba. Iniciou-se mais uma leva de demissões. O intuito era deixar apenas 1.000 funcionários. Stenio havia acabado de se casar e, apesar da sorte no amor, já nos trilhos, não era bem assim. Tanto que ficou com medo de ser dispensado novamente e passou 40 dias em casa esperando o veredicto. Como fazia parte da última turma, os supervisores resolveram ao menos perguntar aos últimos funcionários quais eram seus planos e se queriam permanecer na empresa. Na vez de Stenio, foi claro: “quero fazer carreira na ferrovia”. O supervisor lhe deu duas opções: ficaria na área administrativa em
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Paulínia ou trabalharia no porto de Santos, fazendo o serviço pesado. Avesso ao trabalho entre quatro paredes, Stenio optou pela segunda opção, já temendo a reação da esposa. Ao sair da sala, ouviu o supervisor o chamando. Finalmente a sorte parecia estar nos eixos. Surpreendido com a escolha do maquinista, o supervisor resolveu deixá-lo em seu antigo cargo. Depois disso não abriu mais mão daquilo que mais gosta: a ferrovia. Em uma pequena sala atrás da estação, se reúne com amigos aos finais de semana para construir as maquetes dos trens e estações. “Uso material de primeira. Quem vê isso aqui fica louco. Minha intenção é arrumar essa sala e fazer um ‘centro’ de ferromodelismo aqui”. A sala é praticamente ocupada por uma grande maquete, que periodicamente recebe visitas de alguns admiradores. Junto com Stenio, estava o professor Marcelo Antonio Ferreira Chaves, que depois de ouvir a história do amigo, confessa que está tentando se tornar ferroviário. A paixão dividida pelos dois é compartilhada por muitos outros, que aparecem ali, tomam um chá gelado e aprimoram as minuciosas peças da maquete. “Agora quero colocar uma poltrona de trem aqui, para as visitas”, diz Stenio. Enquanto o trem da ALL aporta na estação, Stenio lembra que a profissão ferroviária hoje é muito diferente da época de Arnaldo e da de seu pai e avô. “Nós trabalhamos 28h por dia, ficamos longe da família, é muito difícil”. Ele ainda aponta que os avanços tecnológicos de nada ajudaram os ferroviários: “Tudo é registrado, cada passo do funcionário, cada respiro”, o que faz com que a pressão sofrida pelo maquinista seja multiplicada. Isso porque as concessionárias visam somente a receita, sem calcular gasto algum com manutenção. “Aí está o problema. O ferroviário é cobrado toda hora, mas trabalha com um material defasado e velho”. Não são feitas manutenções nos equipamentos, carros, trilhos ou mesmo na estação. “Aqui dá pra ver claramente o reboco do ano de 1800 e os tijolos de 1900. Isso é história”, diz, apontando para a parede da estação, que mostra suas marcas. “Fico imaginando o Maylasky entrando aqui na estação. Vendo todo esse abandono, ele ficaria decepcionado”, declara 103
Marcelo. No entanto, em poucas palavras, Stenio define o presente dos ferroviários e de toda uma história, que, aos poucos, vai deixando seu resíduos nas fumaças e congestionamentos dos automóveis que passam diariamente pela avenida da estação: “hoje não existem mais ferroviários, mas funcionários das ferrovias”. Stenio, assim como Arlindo, Dudu, Rogério e tantos outros que passaram por este livro, é um apaixonado pelas ferrovias que carrega, ainda, uma ponta de esperança de vê-las funcionando novamente como antes, como um amor mal-resolvido do passado que nunca teve um ponto final, de fato – apenas deixou-se levar pelo tempo. Diferentemente da música de Adoniran Barbosa, eles querem, sim, passar mais vários outros minutos com aquela que tanto amam. Mas, neste caso, a moça é a estrada de ferro. E o horário do trem, ao invés de empecilho, faz parte do desejo: ver os relógios das estações funcionando novamente seria um sopro de esperança no coração.
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Fotos Os principais locais e personagens retratados durante as vรกrias viagens
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Estação de Guia de Pacobaíba Guia de Pacobaíba - Magé/RJ 107
Antonio Pastori e a rĂŠplica da Baroneza
108 Guia de PacobaĂba O cais deteriorado de
Eduardo e Francisca Nedehf, Marquês e Marquesa da Viana, 109 com Visconde de Mauá
Em Paranapiacaba, 110 o trem estรก esquecido
RogĂŠrio se orgulha de suas placas
ZĂŠlia Paralego 111 e seu Cavern Club
Aguirre, Oreste, Edison e Deivid
O carro de passageiros do Nacional 112
Lurdes e Benedicto, o casal que seguiu a113Mogiana
Lurdes e o quepe de Benedicto
Tio Dudu na varanda 114 da Fazenda Roseira
Os vestĂgios da Companhia Paulista 115 JundiaĂ/SP na cidade de
Euzébio e um carro da luxuosa Paulista
Arlindo de Camargo em seu divã 116
Stenio, apaixonado pelas ferrovias, 117Sorocaba/SP na estação de
Arnaldo e a esposa, Solange
Mรกrcio, neto de 118 ferroviรกrios
Mapas Desenhos de 1960 e 1970 mostram o percurso da E.F. Leopoldina e das principais estradas de ferro do Estado de S達o Paulo
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Agradecimentos
Nem metade desse trabalho estaria concluída se não contássemos com a ajuda de pessoas especiais. Agradecemos a Deus, nossas famílias, Ivo Arias, da ABPF, que foi paciente conosco na primeira etapa desse trabalho, à redação da Revista Ferroviária, prestativa na ajuda com os contatos, e às muitas pessoas que ajudaram, direta ou indiretamente, a preencher essas páginas, como Antonio Pastori, Cleber Ronaldo da Silva, Eduardo Nedehf, Francisca Nedehf, Rogério de Arruda Toledo, Zélia Paralego, Edison Gallo, Deivid Silva, Marcos Araújo, Celso Unzelte, Jéssica Kruckenfellner, Lurdes Emídio da Silva, Carlos Augusto Ribeiro, Stenio Gimenes, Euzébio dos Santos, Carmem Ferreira da Silva, Arlindo de Camargo, Márcio Schimming, Arnaldo Pinto Filho, Solange de Fátima Rodrigues Pinto, nosso orientador Glauco Cortez e os professores Marcia Rosa, Fabiano Ormaneze e Marcel Cheida, essenciais para a lapidação do projeto.
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Sobre as autoras Izadora Pimenta Izadora Pimenta se descobriu jornalista de profissão e escritora de alma. Campineira, já lançou três coletâneas de contos de escritores amigos e foi premiada em alguns Concursos Literários. No jornalismo, já se aventurou em diversas áreas, como a cultura, o esporte, o agronegócio e as mídias sociais. Edita o site Rock ‘n’ Beats (www.rocknbeats.com. br) desde o primeiro ano de faculdade.
Juliana Marcelino Juliana Marcelino é estudante de jornalismo, bragantina de berço, saltense aos sábados e campineira de segunda a sexta. Acredita que viajar é preciso, por isso, de vez em quando, muda a alma de casa. Em Campinas, levada pela vida acadêmica, trabalha com comunicação na área de tecnologia da informação. Já participou de alguns congressos de comunicação, resultado de um ano de pesquisa no programa de iniciação científica da PUC-Campinas.
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Bibliografia
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Este livro, composto nas fontes Minion Pro e Veteran Typewriter, foi impresso em Offset 90 g na Duopaper, Campinas, Brasil, em novembro de 2013
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Nas páginas desse livro, trazemos um pouco da vida das principais ferrovias do estado de São Paulo através da memória de pessoas que as vivenciaram, sendo como trabalhadores diretos, admiradores ou então testemunhas de toda a atmosfera presente na vida ferroviária. Pouco a pouco, o trem também começou a fazer parte de nós. Seu passado e seu presente utópico passaram a ser objetos de interesse e nos mostraram uma realidade que está o tempo todo às margens, mas que nem sempre recebe a devida atenção.
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