P贸s-Calvinismo SCOTH MCKNIGHT
1. Dias de Estudante em Trinity Quando fui para Trinity no outono de 1976, a primeira coisa que notei foi quão intrincadas eram as discussões teológicas. Aquelas pessoas sabiam do que estavam falando e conheciam textos bíblicos, discussões teológicas e a história da Igreja. Tive um certo trabalho para estar apto a participar dos debates. Foi um desafio pelo qual sou grato até hoje. O Calvinismo não era uma questão prioritária, mas poderia surgir a qualquer momento, bastando que alguém desse alguma informação desencontrada. Tive alguns palestrantes maravilhosos: H. Dermott McDonald era um excêntrico teólogo de Londres que nos dizia que nosso plano de estudo era a biblioteca e que devíamos ir para lá estudar sobre “Deus, o Homem e Cristo”, e então voltar para fazer seu exame no final. David Wells ensinava Pecado e Salvação, e começou nos contando que sua mulher dizia que ele poderia ensinar a primeira metade da classe dando uma autobiografia. McDonald não era calvinista; Wells era. Meus professores de Novo Testamento não levantavam tais assuntos: Norm Ericsen e Murray Harris. Mas então Grant Osborne veio para TEDS (Trinity Evangelical Divinity School). (Assim, eu posso culpar Grant por esta jornada, o que ele ficaria feliz por obter os créditos). Vou passar um relato do que aconteceu. Grant é famoso por seus panfletos, e ele tinha um sobre a Segurança Eterna. Era um folheto extenso e ele me pediu para trabalhar nele, adicionar alguma bibliografia e em geral reescrevê-lo. Foi uma grande tarefa para mim, mas era a primeira chance real que eu tive de fazer algo desse nível. Para me preparar, Grant sugeriu que eu lesse Kept by the Power of God, de I. Howard Marshall. O que eu fiz. De capa a capa; sublinhei algumas partes; tomei notas; consultei comentários. Levou um bom tempo. Quando fiz uma pausa em Hebreus, eu estava persuadido de que estava equivocado sobre o Calvinismo. Como C. S. Lewis subindo em um ônibus e então descendo convertido, mas não sabendo quando ou como, da mesma forma aconteceu comigo: do começo de meu trabalho com as notas de Grant até a leitura de Marshall e discutindo com ele até que ele me jogou ao chão e me imobilizou, eu me convenci de que não era mais calvinista. Isso não significa que eu abandonei a arquitetura do Calvinismo, mas apenas sua teologia. Era e ainda é minha convicção de que os cinco pontos são interdependentes. Você pode abandonar o 5º de alguma forma (eu não acho que pode, mas alguns pensam que sim) e você precisaria adicionar um 6º (Responsabilidade), mas se o entendimento arminiano de “perder a salvação” está correto, então o Calvinismo não está correto. (Eventualmente irei mostrar por que eu não gosto da expressão “perder a salvação”.) Deixa eu ser mais claro: se a graça de Deus pode ser resistida de alguma maneira, se os crentes podem de alguma forma escolher privar-se de sua salvação, então a eleição incondicional e a graça irresistível (e provavelmente a expiação limitada) e certamente a perseverança/preservação dos santos não estão corretas. Encontrei duas grandes fraquezas na teologia do Calvinismo (e também uma desorientação em sua arquitetura): em primeiro lugar, a ênfase de sua arquitetura não é a ênfase da Bíblia. Seu foco na Soberania de Deus, o que muito rapidamente se torna muito menos uma doutrina de graça do que uma doutrina
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de controle e teodiceia, etc., e sua ênfase exagerada na depravação humana não são a ênfase que encontrei na Bíblia. Não estou contestando a presença destes temas; estou contestando que neles se encontram a gravidade da ênfase na Bíblia. Sim, eu sei que todos nós temos metanarrativas que reúnem todas as coisas, e o Calvinismo é uma dessas metanarrativas. Funciona para alguns; ele simplesmente não funciona para mim. Em segundo lugar, considero deficiente, e algumas vezes completamente equivocada, a exegese do Calvinismo de passagens cruciais. Eu estava uma vez parado, anos após ter começado a lecionar em Trinity, em frente à porta de casa conversando com dois professores sobre minha visão de Hebreus, quando eu simplesmente fiz uma pergunta a um deles, “Quem você acha que melhor responde à interpretação arminiana de Hebreus?” Esse professor disse, “Philip Hughes.” Eu tinha acabado de ler Hughes e o considerei fraco. De fato, o que eu pensei foi o seguinte: “Se esse é o melhor, então não há debate.” O outro professor disse, “Concordo, Scoth. Hughes não responde as questões.” Então ele disse, “Não tenho certeza se algum comentário realmente tenha uma resposta satisfatória.” (Esses dois professores eram calvinistas, e ainda são. Deus os abençoe.) O que estou dizendo é que conclusões exegéticas que eu estava tirando (em todos os tipos de passagens) não eram adequadamente respondidas pelos calvinistas que eu estava lendo. Eu acredito que dei a eles uma bela oportunidade. Então, é aqui onde me encontrava quando parti para Nottingham fazer meu doutorado em Novo Testamento. Fui educado entre os batistas defensores da segurança eterna que pegavam o que gostavam do Calvinismo e desprezavam a maioria dos cinco pontos. Então eu me tornei mais consistentemente calvinista lendo os puritanos e Calvino. Então eu li a Bíblia de um ponto de vista diferente e tudo veio abaixo. Se a Bíblia, assim concluí, ensina que alguém pode ser crente e de alguma forma privar-se desse estado, então a teologia do Calvinismo não pode estar correta. Isto me deixou com uma mistura estranha de teologia: fui educado batista; tinha lido mais do que o necessário dos anabatistas da Igreja Baixa e me considerava um desses no que se refere a onde a teologização deve começar: com Jesus. E eu estava agora estudando a Bíblia com algumas conclusões arminianas sobre a soteriologia. Após dois anos na TEDS inglesa, me ofereceram um emprego temporário para lecionar Novo Testamento que durou dois anos, e então (pela graça de Deus) foi elevado para cargo integral quando Wayne Grudem, na providência de Deus, mudou para Teologia Sistemática. Dentro de dois anos, fui requisitado a lecionar Hebreus em um curso acadêmico, e decidi passar meu verão inteiro realizando a exegese de Hebreus e estava determinado a me concentrar naquelas perturbadoras passagens de advertências para ver se eu poderia estabelecer as questões de uma vez por todas. Se estou certo sobre Hebreus, o Calvinismo está errado. O número de estudantes que escreveu ensaios de meio de semestre concordando comigo me deixou nervoso. Não foi nenhuma coincidência que um bem conhecido professor
calvinista, a quem eu frequentemente chamava “D. A. qual é o nome dele?” na classe, começou a lecionar Hebreus logo depois. A seguir eu começarei sobre as passagens de advertências em Hebreus, sendo a mais famosa Hb 6.4-6. Eu acredito que posso provar que o autor acreditava que os “crentes” podiam privar-se de sua salvação.
2. Palestras em Trinity Um dos cursos que lecionei em Trinity, NT 612, incluía uma análise do livro de Hebreus. E uma ou duas vezes lecionei Exegese Avançada e seguíamos pela totalidade do texto grego de Hebreus. Os cursos me estimulavam profundamente, e devo dizer que de um modo geral os estudantes ficavam atentos à significação dos tópicos que estávamos discutindo. (Não que eles ficavam atentos quando falávamos sobre Melquisedeque.) Um dos pontos centrais de minhas palestras foram as Passagens de Advertências. Há cinco delas. Gostaria de copiá-las todas nesta mensagem, mas ocupariam espaço demais. Aqui estão elas: 1. Hb 2.1-4 2. Hb 3.7-4.13 3. Hb 5.11-6.12 4. Hb 10.19-39 5. Hb 12.1-29 Destas, a número 3 atrai toda a atenção, e especialmente 6.4-6, que é como segue: É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia. Estes versículos merecem toda a atenção que têm, mas os outros merecem mais do que estão tendo. É comum a muitos leitores da Bíblia encontrar em Hb 6.6 (“e caíram”) um sentido desconcertante que este texto parece sugerir que eles podem perder sua fé, apostatarem-se, e nunca serem restaurados ao arrependimento, e isto significa uma má notícia. Muitos respondem fazendo uma análise minuciosa do texto, isolando cada expressão, perguntando se talvez ele não seja tão desagradável como realmente parece, e acabam (em muitos casos) desistindo convencidos de que este texto na verdade não ensina que um crente pode “perder sua salvação.” Elaborei duas propostas em um artigo de jornal que escrevi em 1992, e quero desenvolvê-las com vocês para ver o que pensam de minhas sugestões. Mas voltemos para a minha classe: o que eu pensei que faria era apresentar tão claramente quanto possível um entendimento alternativo das
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Passagens de Advertências em Hebreus. Para fazer isto, passei horas e horas trabalhando nestas passagens em seus contextos e então chegando a uma conclusão sobre elas. Então, sugeri nessa classe que examinássemos conjuntamente duas propostas: a primeira, que considerássemos analisar as Passagens de Advertências como um todo. Isto é, ler cada uma em seu contexto, mas também compará-las em conjunto enquanto fazendo basicamente as mesmas coisas. Isto nos permitiria sintetizar estas passagens em um todo significativo. A segunda, eu descobri que quando fazemos isto, encontramos quatro características em cada Passagem de Advertência. Aqui está o que descobri e o que disse àquela classe (e cada uma depois dessa). Cada passagem tem: 1. A audiência ou as pessoas: trata-se de quem? Do que o autor as chama? 2. O pecado sobre o qual o autor alerta esta audiência: o que pensa que elas podem estar fazendo? 3. A exortação que o autor dá cada vez: o que eles devem fazer ao invés do pecado? 4. As consequências que o autor explica se eles não responderem à sua exortação: o que acontecerá se eles não responderem corretamente? Eis o que aconteceu nessas classes: geralmente os estudantes concordavam com as conclusões que tirávamos de cada parte das Passagens de Advertência. Agora, como sabemos, minhas conclusões eram que o autor alertava a audiência da apostasia e os alertava para que eles não se privassem de sua salvação. O que me surpreendeu foi o número de estudantes que concordou comigo. Afinal de contas, eles eram daqueles evangélicos conservadores leais que em geral acreditavam na segurança eterna, certeza de salvação e ideias afins. Me esforçarei ao máximo para ser específico mais adiante, mas faremos um bom progresso. Começarei com a número 4 e percorrerei toda a lista. Por agora, gostaria de desafiar vocês a lerem esses textos e pensarem sobre essas quatro categorias para cada Passagem de Advertência.
3. Consequências Estou expressando em uma série de mensagens como “eu mudei de opinião” sobre o Calvinismo e adotei uma visão mais arminiana de se ou não o cristão pode lançar fora a redenção. Esta jornada passou pelo livro de Hebreus, onde eu sugeri que podemos encontrar quatro elementos para cada Passagem de Advertência. Hoje eu quero analisar brevemente o quarto elemento, as consequências. Bem poucos discordarão disto, espero.
O primeiro comentário está em Hb 2.3: “Como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?” A resposta subentendida é “Não escaparemos”. Aqui estão outras para considerarmos: 3.11: Não entrarão no meu descanso. 6.4-6: É impossível outra vez renová-los para arrependimento (cf. 12.1617). 10.26: Já não resta sacrifício pelos pecados. 10.27: Pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários. 10.28: Sem misericórdia morre. 10.30-31: O Senhor julgará o seu povo. Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo. 10.39: Perdição. Se aceitarmos a proposta que as Passagens de Advertências estão lidando com os mesmos sujeitos, etc., então podemos sintetizar esta evidência nesta conclusão: o autor de Hebreus alerta um grupo específico de pessoas sobre algum pecado e dizem a elas que se cometerem esse pecado, elas se encontrarão fora da companhia de Deus. Eles serão despojados. Não vamos dizer o que o texto diz: aqui está uma advertência extrema sobre as terríveis consequências na eternidade. Há bastante espaço aqui para debate teológico: o que Hebreus diz é consistente tanto com a visão tradicional/ortodoxa da eterna separação de Deus assim como com as mais recentes visões de alguns evangélicos britânicos sobre o Aniquilacionismo. Quanto a isso, estou certo que meus amigos teológicos católicos romanos me dirão que é também consistente com o purgatório. Vamos deixar isso para lá por agora (algum dia, no entanto). A advertência de Hebreus é extrema. Não se trata de uma ruptura de comunhão, mas do “grande abismo”. A seguir, escreverei sobre a exortação dada pelo autor à sua audiência.
4. Exortação As Passagens de Advertências de Hebreus, que vem inquietando tanto crentes comuns quanto estudiosos profissionais há séculos, têm quatro elementos: a audiência, o pecado, a exortação e as consequências. Examinaremos hoje a exortação. Em minha própria jornada, este tópico era mais crítico do que eu percebia, e ele é mais importante do que muitos parecem pensar. Trata-se de perseverança. Aqui estão alguns termos que o autor usa pelo qual ele espera que sua audiência faça ao invés de apostatar-se: 2.1: atentarmos mais diligentemente 3.6, 14; 10.23: conservarmos firmes 3.13: exortai-vos uns aos outros
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4.1: temamos 4.11: procuremos diligentemente 4.14: retenhamos firmemente 6.1: prossigamos até a perfeição 10.35: não lanceis fora a vossa confiança 10.36: necessitais de perseverança 12.1: corramos com perseverança 12.7: é para disciplina que sofreis 12.12: levantai as mãos cansadas, e os joelhos vacilantes 12.15: tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus 12.25: vede que não rejeiteis Se fôssemos escolher um termo para colocar tudo isso em um, ele seria “perseverança” ou “fidelidade”. Ela é tanto mental quanto pessoal: tanto sabemos que Deus é fiel quanto ativamente nos entregamos à graça e capacitação de Deus. Tanto os calvinistas quanto os arminianos concordam com este ponto: cada um precisa perseverar. Algo bem estranho tem acontecido no evangelicalismo americano: ele vem ensinando, se num tom alto ou não, a ideia do “uma vez salvo, sempre salvo” como se a perseverança não fosse necessária. Em outras palavras, ele vem ensinando que se uma pessoa começa, mas depois decide deixar de viver para Cristo, essa pessoa está eternamente segura. Isso é tolice. A perseverança é um indicador do que se trata a fé: uma relação duradoura, marcada por um amor invariável. Ninguém iguala o casamento a uma afirmação de propósito no dia da cerimônia, e ninguém deve igualar a fé a uma decisão. O que significa perseverar? Significa que continuamos a crer, que vivemos dessa forma. Não significa impecabilidade; não significa que sejamos constantemente inclinados à santificação; não nega o tropeço ou a espiritualidade desordenada. Não nega a dúvida e os problemas. Simplesmente significa que a pessoa continua a caminhar com Jesus e não se distancia dele. As duas próximas mensagens serão grandes: qual é o pecado e quem é a audiência?
5. Pecado No final das contas, as questões nas Passagens de Advertências em Hebreus se resumem a (1) com que pecado o autor está tão preocupado e (2) quem é a audiência. Nesta mensagem, irei analisar o pecado que o preocupa. Todos concordamos (geralmente) com as consequências expressas e a exortação à perseverança. Mas o pecado não é tão suscetível de acordo. Quando dava aulas sobre estas passagens, eu descobria que a maioria dos estudantes concordava comigo sobre isto. Posso também dizer que a questão da natureza deste pecado me incomodava e incomoda muitos outros. A lista das palavras que o autor usa para este pecado nas Passagens de Advertências é longa, e eu quero apresentar uma listagem bastante completa
exatamente para sermos justos com o texto e dessa forma podermos ter uma melhor visão daquilo com que estamos tentando lidar. 2.1: desviemos 2.2: transgressão 2.2: desobediência 2.3: não atentarmos para uma tão grande salvação 3.8: endureçais os vossos corações 3.8: provocação 3.8-9: tentação 3.10: erram em seu coração 3.10: não conheceram os meus caminhos 3.12: coração mau e infiel 3.12: se apartar do Deus vivo 3.16: provocaram 3.17: pecaram 3.18: desobedientes 4.1: fica para trás 4.2: nada lhes aproveitou… não estava misturada com a fé 4.11: caia 5.11: negligentes 6.6: recaíram 6.6: de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério 10.25: não deixando a nossa congregação 10.26: pecarmos voluntariamente (cf. Nm 15.22-31) 10.27: adversários 10.28: Quebrantando 10.29: pisar o Filho de Deus 10.29: tiver por profano o sangue da aliança 10.29: fizer agravo ao Espírito da graça 10.35: rejeiteis a vossa confiança 10.39: se retiram 12.1: pecado que nos rodeia (isso faz parte? – não sei ao certo) 12.3: não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos 12.5: esquecestes da exortação 12.15: se prive da graça de Deus 12.15: raiz de amargura (?) 12.25: rejeiteis ao que fala 12.25: nos desviarmos Uma lista imponente, sem dúvida alguma. Devemos observar que o autor escolheu evitar um único termo para este pecado. Alguns destes termos são mais metafóricos que outros, mas quando os estudamos corretamente, eu acredito que podemos dizer o seguinte: O pecado que o autor está alertando é uma rejeição intencional do Deus trino – Pai, Filho e Espírito – e uma denúncia notória dos padrões morais deste Deus. Este pecado é deliberado. (Ele não surpreende a pessoa quando ela menos espera.) Em segundo lugar, ele é trinitário. Em terceiro lugar, é manifestamente moral.
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(Para muitos, este pecado é o retorno ao Judaísmo. Há muito pouca evidência para isto, e muitos estão sabiamente dizendo hoje que o autor está preocupado com quem eles estão abandonando, e não para onde eles estão se dirigindo.) O termo que eu prefiro para este pecado em Hebreus é apostasia. Este é um pecado cometido por aqueles que são cristãos – e amanhã irei escrever sobre o que isso pode significar. Este pecado é o abandono da fé cristã, de uma ativa confiança em Jesus Cristo, etc. Fico impressionado (exegeticamente, não moralmente) com 10.29: estas pessoas “zombam” (insolência é uma boa tradução aqui) de Cristo. Isto não diz respeito àqueles que “se perguntam” se cometeram este pecado; é algo que estas pessoas sabem que cometeram e estão orgulhosas disto. Em resumo, novamente, uma síntese das Passagens de Advertências lança luz para entendermos a questão. Isto irá nos ajudar a entender a audiência? Penso que sim. Foi esta questão e a resposta de meus estudantes a ela que mais me surpreendeu.
6. Crentes ou Não? Tudo sobre as Passagens de Advertências em Hebreus depende da audiência: Quem são eles? São crentes ou não? Começo fazendo esta observação: na história da Igreja muitos têm feito distinção entre crente genuíno e crente nominal. Acho essas categorias úteis em alguns contextos. A questão na leitura de Hebreus é se ou não o autor usa tal categoria para explicar sua audiência. Novamente, há muitas coisas a considerar e eu farei uma nota rápida do que ensinei em minhas classes em Trinity, e (aqui novamente) digo que fiquei surpreso com a quantidade de estudantes que concordou com as conclusões. Em primeiro lugar, o autor geralmente inclui a si mesmo com a audiência quando usa o termo “nós”. 2.1-4; 3.14; 4.1, 11, 14-16; 6.1; 10.19; 12.1-3, 25-29. Em segundo lugar, o autor chama sua audiência de “irmãos”. 3.1, 12; 10.19; 13.22. Talvez 3.1 precisa ser citado: “irmãos santos, participantes da vocação celestial”. Em 2.11-17 temos a seguinte narração sobre o que “irmãos” significa: “Por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos [e irmãs], dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos [e irmãs], cantar-te-ei louvores no meio da congregação.... Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos [e irmãs], para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo”. Em terceiro lugar, em 4.3 ele chama sua audiência de “crentes”. Este texto não está distinguindo genuínos de falsos, mas crentes de não-crentes. Os crentes, ele diz, entram no repouso. [Sim, é preciso observar: um crente que entra no repouso persevera. Mas, isto não significa que aqueles que não
perseveram não eram crentes, mas que aqueles que não perseveram não entrarão no repouso.] Em quarto lugar, algumas vezes o autor vê sua audiência como “vós”. Isto sugere que ele acha que alguns deles não irão chegar lá. Veja 3.12; 5.11; 12.1824. Em quinto lugar, 10.29 precisa ser lido cuidadosamente: “De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue da aliança com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?” Aqui o “vós” pisou o Filho de Deus, e profanou o sangue, e (já) foi santificado pelo sangue, e está fazendo agravo ao Espírito. Em sexto lugar, em 2.3-4 o autor relata a experiência da conversão deles; em 6.10 eles são aqueles que têm mostrado amor em nome de Cristo; em 10.22 eles tiveram seus corações purificados e sido limpos de uma má consciência; em 10.32-34 vemos evidência de suas contínuas perseguições. Colocado junto, tudo isso indica uma plena experiência cristã: conversão, dons e manifestações do Espírito Santo, a obra da morte de Cristo e um compromisso da comunidade cristã. Em sétimo lugar, agora brevemente sobre 6.4-6: o autor afirma que aqueles que atingiram um certo nível e regressaram não podem ser restaurados para arrependimento. (É um comentário singular; ele é sério.) Iluminados: veja 10.32. Um termo para a conversão cristã inicial. Provaram...: veja 2.9; 6.4, 5. Isto não significa “provar” superficialmente, mas é uma metáfora para “experiência”. Veja em 2.9 – ninguém meramente prova superficialmente a morte; significa morrer. Participantes do Espírito: refere-se a uma experiência cristã inicial do Espírito Santo. Provaram a palavra...: novamente, experimentaram os poderes da Palavra de Deus. Novamente, colocando estes versículos todos juntos: uma plena experiência cristã. Aqui está meu sumário: de fato, o autor vê sua audiência como mista. Mista no sentido daqueles que irão perseverar e daqueles que não irão. Não mista no sentido de insinceros e genuínos. Não há nenhuma sugestão no livro dessa última categoria, mas há muita da primeira. Há todo tipo de evidência que ele pensava que alguns perseverariam e outros não; ele nunca sugere que aqueles que não perseveram são insinceros. Há uma grande diferença. Minha conclusão é esta: o autor de Hebreus via sua audiência como crentes, mas sabia que alguns iriam cair em apostasia, ou tinham caído, ou poderiam cair. Para aqueles que caíam, não haveria nenhum repouso final. A implicação é que um crente pode cair em apostasia. Quando eu ensinei isto, fiquei surpreso com o número de estudantes que concordou. De fato, eu disse a eles que eu fiquei surpreso. Esta visão de Hebreus não é característica entre os tipos de evangélicos que tínhamos em
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Trinity, embora seja comum entre evangélicos wesleyanos e outros como eles. E, também ficou claro que eu não dei melhores notas àqueles que concordaram comigo: de fato, as melhores provas que li foram daqueles do lado calvinista, por causa do desafio que estas conclusões lhes trouxeram. Posso dizer que aquelas classes no TEDS [Trinity Evangelical Divinity School] foram algumas das melhores classes que eu lecionei. Uma expressão de natureza teológica, pastoral e pessoal enchia o ar. A seguir responderei esta pergunta: “E Daí?”
7. E Daí? Na verdade, que diferença faz ser calvinista ou arminiano na interpretação das Passagens de Advertências de Hebreus? Há várias formas de falar de “diferença”, mas no nível da vida cristã concreta, faz tanta diferença assim? Começo com esta observação. Faz uma enorme diferença para o evangélico contemporâneo que acredita na segurança eterna, certeza de fé e que alguém que recebeu Cristo não pode genuinamente apostatar-se. O slogan “uma vez salvo, sempre salvo” é profundamente ameaçado pela visão de Hebreus que ofereci. Para o calvinista e o arminiano clássico – e eu sei que isto pode soar a muitos como um monte de bobagens– há muito pouca diferença nesse aspecto: ambos creem que a perseverança é necessária. O que significa que ambos creem que somente aqueles que persistirem em seu relacionamento encontrarão aquele repouso eterno. Mas eu contei um pouco de minha própria jornada. Eis o que notei. Em primeiro lugar, percebi uma renovação do senso de temor de Deus que é tão proeminente em Hebreus. Uma vez que me convenci que uma pessoa, sim, que eu poderia crer e apostatar, o pecado se tornou mais importante e a perspectiva de apostatar mais realística. Agora, não me interpretem mal, eu não vivo com um certo pavor mórbido. A certeza acompanha a fidelidade para ambos calvinistas e arminianos. Ambos, pelo menos no meu caso, sabem que a redenção está enraizada nos poderes salvadores de Cristo e que a fé – no sentido de fidelidade e confiança – é exigida. Em segundo lugar, isto influenciou como eu apresentei o Evangelho. Seja lá como for que alguém queira apresentar o Evangelho, por meio de algum panfleto, história pessoal ou lógica racional, o apelo a crer, na minha opinião, é um apelo a tornar-se crente – não apenas crer de uma vez por todas num único momento. O apelo à perseverança é parte integrante do apelo a crer. Em terceiro lugar, estou persuadido que manter esta visão não significa que eu (ou alguém que a compartilha comigo) creio que eu contribuo para a minha própria salvação. Ao invés disso, o que esta doutrina me encoraja a fazer é crer, vigiar e perseverar. Me torna mais consciente da necessidade da graça e do poder do Espírito Santo.
Em quarto lugar, e aqui eu peço sua indulgência numa pergunta que tenho feito por 20 anos: é possível que alguns escritores bíblicos sejam mais arminianos e alguns mais calvinistas? Se for, teríamos que perguntar no que consiste a unidade da Escritura. Ela consiste numa teologia sistemática que de alguma forma está por trás de tudo que foi dito ou consiste na essência do Evangelho e o apelo a viver diante de Deus na comunidade de fé? Isto fica para uma próxima oportunidade, mas esta é uma área que merece ser explorada. Antes de encerrar, permita-me mencionar dois livros que diferem de mim.
T. Schreiner, A. Caneday, The Race Set before Us. T. Schreiner, B. Ware, The Grace of God and the Bondage of the Will.
Quero agradecer as várias pessoas que responderam a este tema. Demorei um pouco a ideia porque imaginei que ela poderia mais dividir do que unir. O que eu acho é que uma abordagem autobiográfica é menos divisiva, embora nossas diferenças permaneçam.
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