Blue bloods 04 the van alen legacy

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The Van Alen Legacy Melissa de La Cruz

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Sinopse 3 Com a assombrosa revelação que cerca a verdadeira identidade de Bliss surge a crescente ameaça dos sinistros Silver Bloods. Uma vez que deixaram de viver suas vidas glamurosas em Nova Iorque, os Blue Bloods agora se encontram em uma batalha épica por sobrevivência. Não se preocupe, o amor ainda está no ar para os jovens vampiros do Upper East Side. Ou não está? Jack e Schuyler terminaram. Oliver está de coração partido. E somente a ástuta Mimi perece estar feliz e comprometida. Jovens, predatórios, e fabulosos, os vampiros de Melissa de la Cruz se unem neste aguardado quarto livro da série Blue Bloods...


Agradecimentos 4 Para minha mãe, Ching de La Cruz, que sempre disse que Blue Bloods seria o número um. E para Mike e Mattie, sempre.

“O assassinado assombra seus assassinos.” Emily Bronte, O Morro dos Ventos Uivantes

“Parece que estive dormindo por milhares de anos, preciso abrir meus olhos para tudo...” Evanescence, Bring Me to Life


Uma conversa — Diz-se que a filha de Allegra irá derrotar os Silver Bloods. Eu acredito que Schuyler irá nos trazer a salvação que buscamos. Ela é quase tão poderosa quanto sua mãe. E um dia ela será ainda mais poderosa. — Schuyler Van Alen... A half-blood1. Você tem certeza de que ela é a escolhida? — Charles perguntou. Lawrence concordou com um aceno de cabeça. — Porque Allegra possui duas filhas, — Charles disse, em um luminoso, quase em um tom de brincadeira. — Certamente você não se esqueceu disso. A voz do ancião dos Van Alen tornou-se fria. — Claro que não. Mas é jogo sujo de sua parte tocar em um assunto tão sério quanto à primeira filha de Allegra. Charles desfez a censura de Lawrence com um tremor. — Minhas desculpas. Eu quis dizer sem ofensas à morta. — O sangue dela está em nossas mãos, — Lawrence suspirou. Os eventos do dia o estavam deixando cansado assim como as lembranças do passado. — Apenas, eu me pergunto... — Sim? — Como eu vim perguntando todos esses anos, Charles, se isso poderia algum dia ser destruído verdadeiramente.

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Half Blood: Meio Sangue

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The New York Times Obituário Lawrence Van Alen, 105 anos, Filantropo e Filósofo, morreu. Lawrence Winslow Van Alen, um professor de História e Linguística da Universidade de Veneza, morreu na noite passada em Riverside Drive, em Manhattan. Ele tinha 105 anos. Sua morte foi confirmada pela Dra. Patricia Hazard, sua médica assistente. A causa da morte foi constatada como idade avançada. O professor Van Alen era um descendente de Henry Van Alen, conhecido como Comodoro, um ícone americano e um dos homens mais ricos dos Anos Dourados, cuja riqueza veio de navios a vapor, ferrovias, investimento privado e empresas de corretagem2. Os Van Alen fundaram a Linha Ferroviária Central de Nova York, o que é agora a Grand Central Terminal. O fundo de caridade da família, a Fundação Van Alen, foi um marco para o desenvolvimento do Museu Metropolitano de Arte, a Ópera Metropolitana o Ballet New York City e o Banco de Sangue New York. Lawrence Van Alen deixa uma filha, Allegra Van Alen Chase, que está em coma desde 1992, e uma neta, Schuyler Van Alen.

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Empresa de Corretagem: Empresa de corretores, como de seguro ou de imóveis.

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Capítulo Um Schuyler Houve pouco tempo para lamentos. Ao voltar para Nova York depois do assassinato de Lawrence no Rio (coberto pelo Comitê com um obituário apropriado no Times), Schuyler Van Alen tinha estado em uma correria. Sem descanso. Sem pausa. Um ano de constante movimento, apenas um passo á frente dos Venators que a caçavam. Um voo para Buenos Aires, seguido de outro para Dubai. Uma noite sem dormir em um albergue da juventude³ de Amsterdam, seguida por outra em um beliche de um auditório de Bruges. Ela havia passado seu décimo sexto aniversário a bordo do TransSiberian Railway, celebrando com uma xícara de Nescafé aguado, café, chá e alguns biscoitos russos comuns. De alguma forma, seu melhor amigo, Oliver Hazard-Perry, tinha encontrado uma vela em um dos suharkies4. Ele levava seu trabalho de humano familiar muito a sério. Fora graças à contabilidade cuidadosa de Oliver que eles haviam sido capazes de esticar o dinheiro tão até agora. O Conclave tinha congelado seu acesso às bens generosas contas Hazard-Perry assim que eles deixaram Nova York. Agora era agosto em Paris, e quente. Eles encontraram a maior parte das cidades vazias, cidades fantasmas: padarias, butiques e bistrôs fechados, enquanto seus proprietários se refugiavam em férias de três semanas no norte². As únicas pessoas eram turistas americanos e japoneses, que se agrupavam em cada galeria de museu, cada jardim em cada praça pública, inevitáveis e onipresentes em suas sapatilhas brancas e bonés de baseball. Mas Schuyler agradecia a presença. Ela esperava que as lentas multidões tornassem mais fácil para ela e Oliver confundirem seus perseguidores Venators. Schuyler vinha sendo capaz de se disfarçar mudando suas características físicas, mas realizar a mutação estava exigindo demais dela. Ela não disse nada a Oliver, mas ultimamente ela não conseguia fazer muito mais do que mudar a cor dos olhos.

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E agora depois de quase um ano se escondendo, eles estavam vindo à tona. Era um risco, mas eles estavam desesperados. Vivendo sem a proteção e a sabedoria da sociedade secreta dos vampiros e seus humanos de confiança estava exigindo demais, e nenhum deles iria admitir, mas eles estavam cansados de fugir. Então, por agora, Schuyler estava sentada no fundo de um ônibus, usando uma camiseta apertada e fechada até o pescoço com calças pretas apertadas e sapatos achatados com sola de borracha. Seu cabelo escuro estava preso em um rabo de cavalo, e exceto por um toque de brilho labial, ela não estava usando maquiagem. Ela pretendia se misturar com o resto do pessoal da restauração que tinha sido contratado para a noite. Mas certamente alguém iria notar. Certamente alguém ia ouvir quão alto seu coração estava batendo, iria reparar em como sua respiração estava superficial e rápida. Ela tinha que se acalmar. Ela tinha que limpar a mente e se tornar a fornecedora de contrato blasé que ela fingia ser. Por muitos anos, Schuyler foi excelente em ser invisível. Dessa vez, sua vida dependia disso. O ônibus os estava levando sobre uma ponte para o Hotel Lambert no Le Saint-Louis, uma pequena ilha no rio Sena. O Lambert era a casa mais bonita na cidade mais bonita do mundo. Pelo menos, ela sempre pensou assim. Apesar de que “casa” fosse suavizar. “Castelo” era mais apropriado, algo tirado de um conto de fadas, as grandes paredes nas margens do rio e telhado cinza de mansarda5 saindo da névoa circundante. Quando criança, ela brincava de esconde-esconde nos jardins cerimoniosos, onde as árvores esculpidas em cones lembravam figuras de um tabuleiro de xadrez. Ela se lembrou de encenar produções imaginárias dentro do grande pátio e atirar pão para os gansos no terraço com vista para o Sena. Como ela gostaria de ter aproveitado mais aquela vida! Essa noite ela não entraria no exclusivo hotel, tomando posse exatamente como uma hóspede convidada, mas sim como uma humilde serva. Como um rato rastejando para um buraco. Schuyler era ansiosa por natureza, e ela precisava de quase todo seu autocontrole para se manter. Ela temia que fosse gritar a qualquer momento, ela já estava tão nervosa que não conseguia fazer suas mãos pararem de tremer. Elas vibravam, esvoaçantes em seu colo como pássaros presos. Próximo a ela, Oliver estava bonito no uniforme de barman, um smoking com uma gravata preta de seda e uma camisa prateada apertada. Mas ele estava pálido sob o colarinho borboleta, seus ombros estavam tensos sob uma jaqueta que era um pouco grande demais. Seus olhos hanzel claro foram nublando, parecendo mais cinzas do que verde. O rosto de Oliver não apresentava o mesmo olhar em branco

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entediado como os outros. Ele estava alerta, pronto para uma luta ou uma fuga. Qualquer pessoa que olhasse para ele tempo o suficiente poderia perceber. Não devíamos estar aqui, Schuyler pensou. O que estávamos pensando? O risco é muito grande. Eles vão nos encontrar e nos separar... E em seguida... Bem, o resto é horrível demais para contemplar. Ela estava suando debaixo da camiseta apertada. O ar condicionado não estava funcionando e o ônibus estava lotado. Ela apoiou a cabeça contra a vidraça. Lawrence já tinha sido morto a mais de um ano agora. Quatrocentos e quarenta e cinco dias. Schuyler continuava contando, pensando que talvez um dia ela fosse chegar a um número mágico, e a dor iria parar. Isso não era um jogo, embora, às vezes, parecia uma versão horrível e surrealista de gato e rato. Oliver colocou uma mão sobre as dela para acabar com a tremedeira. Os tremores haviam começado alguns meses antes, apenas uma ligeira contração, mas logo ela percebeu que precisava se concentrar toda vez que fazia algo simples como segurar um garfo ou abrir um envelope. Ela sabia o que era, e não havia nada que pudesse ser feito sobre isso. A Dra. Pat havia dito na primeira vez que ela visitou o consultório: ela era a única desse jeito, Dimidium Cognato, a primeira half-blood, e não havia nada dizendo com seu corpo humano reagiria à transformação para imortal; haveriam efeitos colaterais, obstáculos particulares no caso dela. Ainda, ela se sentiu melhor quando Oliver segurou suas mãos. Ele sempre sabia o que fazer. Ela dependia dele para tanta coisa, e o amor dela por ele só tinha se aprofundado no ano que passaram juntos. Ela segurou a mão dele, entrelaçando os dedos dela com os dele. Era o sangue dele que corria pelas veias dela, seu pensamento rápido que havia garantido a liberdade dela. Quanto a todos e tudo que eles haviam deixado para trás em Nova York, Schuyler não insistia mais nisso. Tudo aquilo estava no passado. Ela havia feito sua escolha e estava em paz quanto a isso. Ela havia aceitado sua vida como ela era. De vez em quando ela sentia muita falta de sua amiga Bliss, e mais de uma vez queria entrar em contato com ela, mas isso estava fora de questão. Ninguém podia saber onde eles estavam. Ninguém. Nem mesmo Bliss. Talvez eles fossem ter sorte está noite. A sorte deles tinha chegado tão longe. Oh, foi por um triz em uma noite em Cologne, quando ela

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correu abruptamente de uma mulher que pediu a direção da catedral. Os Illuminata tinham um agente a pouca distância. Schuyler captou aquele brilho suave e quase imperceptível no anoitecer antes de registrar o mais rápido que podia. O disfarce só durou até aqui. Em algum momento, sua verdadeira natureza se revela. Não era isso que o Inquisidor havia argumentado durante a investigação oficial dos eventos no Rio? “Que talvez Schuyler não fosse quem deveria ser”. Foragida. Fugitiva. Era isso que ela era agora. Certamente não a neta de luto de Lawrence Van Alen. Não. De acordo com o Conclave, ela era sua assassina.

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Capítulo Dois Mimi Oh, nojento! Ela tinha pisado em algo grudento. Mais do que grudento. Aquilo foi esmagado embaixo de seu pé, um som, molhado e ofegante. O que quer que fosse tinha arruinado suas botas de pelo de pônei. De qualquer jeito, o quê ela estava fazendo usando botas de pelo de pônei em uma missão de reconhecimento? Mimi Force levantou o calcanhar e avaliou os danos. O padrão de zebra estava manchado com algo marrom e gotejante. Cerveja “Whiskey”, uma combinação de todo o álcool de fundo de prateleira que eles serviam nesse lugar “Who Knew”. Pela enésima vez este ano, ela perguntou por que na Terra ela se inscreveu para essa tarefa. Era a última semana de agosto. Com todo direito ela deveria estar em uma praia em Capri, trabalhando em seu bronzeado e bebendo seu quinto limoncello5, não rastejando ao redor de algum bar estilo anos 20 no meio do país. Em algum lugar entre a bacia da poeira e o cinturão da ferrugem, ou era a bacia da ferrugem e o cinturão de poeira. Onde quer que eles estivessem, era apático, um lugarzinho triste, e Mimi mal podia esperar para ir embora. — O quê foi? — Kingsley Martin a acotovelou. — Sapatos muito apertados de novo? — Você vai me deixar em paz? — ela suspirou, afastando-se dele, deixando claro que ela achou o quartinho em que eles estavam se escondendo muito próximo do alojamento. Ela estava cansada das provocações dele. Especialmente desde que, para seu completo e absoluto horror, ela descobriu que estava começando a gostar. Isso era simplesmente inaceitável. Ela odiava Kingsley Martin. Depois de tudo que ele fez a ela, ela não via como poderia sentir ao contrário. — Mas onde está a diversão disso? — Ele piscou. A coisa mais irritante sobre Kingsley, além do fato de que ele havia tentado trazer seu fim, era que em algum lugar entre chefiar uma perseguição nas praias de Punta Del Este ou por meio dos arranha-céus de Hong Kong, Mimi havia começado a achá-lo... Atraente. Isso era o suficiente para fazer seu estômago revirar. — Vamos lá, Force, ilumine-se. Você sabe que me quer, — ele disse com um sorriso orgulhoso.

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— Oh meu Deus! — ela bufou, virando-se de um jeito que seu longo cabelo loiro chicoteou através de seu ombro e o acertou no rosto quadrado. — Como se eu quisesse! — Talvez ele fosse mais rápido e forte do que ela era, o grande homem da equipe Venator, e para todos os efeitos e propósitos ele era seu chefe, mas realmente, ela deveria ser quem está no comando, já que ela era superior a ele na hierarquia do Conclave. Se você pudesse chamar esse triste grupo de covardes de Conclave. Kingsley Martin teria outro pensamento vindo se ele achasse que tinha alguma chance com ela. Ele talvez fosse fofo demais para descrever (maldito visual de rock-star), mas isso não significava nada. Ela não estava interessada, não importa o quanto sua pulsação acelerava toda vez que ele estava perto. Ela era ligada a outro. — Mmm, legal. Você não usou o shampoo de hotel do aeroporto Hilton, usou? Isso é coisa boa, — ele ronronou. — Mas é o condicionador que o faz ser tão sedoso e suave? — Só... Cale a boca? — Se acalme. Salve o seu discurso para a pós-festa. Eu vi o nosso garoto. Você está pronta? — Kingsley interrompeu, sua voz agora séria, controlada. — Como um tiro. — Mimi assentiu com a cabeça, também toda negócios. Ela viu a testemunha deles, a razão para eles estarem a algumas milhas fora de Lincoln, Nebraska (era isso! Ela se lembrou agora) em primeiro lugar. Um garoto fazendeiro de fraternidade, provavelmente envergonhado aos trinta, se empanturrando com uma cervejinha e um rosto cheio de carboidratos no começo a meia-idade. Ele era o tipo de cara que parecia ter jogado futebol americano no colegial, mas os músculos haviam se transformado em gordura depois de alguns anos atrás de uma mesa. — Bom, porque isso não vai ser fácil, — Kingsley alertou. — Tudo bem, os rapazes irão trazê-lo para o final do beco e nós vamos seguir, enquadrá-lo e depois ir. Ninguém vai notar, contanto que nós não nos levantarmos. A garçonete nem vai se dar ao trabalho de vir aqui. Era mais fácil e indolor entrar na mente de outra pessoa durante o estágio REM3 do sono, mas eles não podiam se dar ao luxo de esperar o suspeito se inclinar para a terra do lá-lá. Ao invés disso, eles planejavam entrar em seu subconsciente sem nenhum cuidado ou consideração. Melhor desse jeito: não haveria lugar para ele se esconder. Sem tempo para preparação. Eles queriam a verdade inalterada, e dessa vez eles iriam consegui-la. 3

REM:estágio do sono em que sonhamos.

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Os Venators eram contadores da verdade, especializados na habilidade de decifrar sonhos e acessar memórias. Enquanto apenas uma sangria permitia a eles diferenciar uma memória verdadeira de uma falsa, havia outros, meios mais rápidos de distinguir fato de ficção sem ser necessário o Beijo Sagrado. Mimi aprendeu que o Comitê só consentia o teste de sangue quando uma acusação grave era feita, como nesse caso. De outro jeito, a pratica da caça de memórias, venatio, embora não fosse infalível, era aceitável para seus propósitos. Mimi tinha tido um curso de treinamento para Venator antes de se juntar. Ajudou ela já ter sido uma em vidas passadas. Uma vez que ela reaprendeu o básico, fora exatamente como andar de bicicleta, as memórias retornaram em um chute e o exercício todo se tornou uma segunda natureza. Mimi assistiu enquanto Sam e Ted Lennox, os irmãos gêmeos que fechavam a sua equipe Venator, conduziam a testemunha para o final do beco. Eles haviam ficado tomando jarro após jarro de cerveja no bar. Senhor Dias de Glória provavelmente achou que tinha feito um novo casal de amigos. Assim que eles se sentaram, Kingsley escorregou para a bancada oposta, Mimi ao lado dele. — Hey, amigo, se lembra de nós? — ele perguntou. — Huh? — O cara estava acordado, mas bêbado e sonolento. Mimi sentiu uma pontada de pena. Ele não fazia ideia do que estava para acontecer. — Eu tenho certeza de que você se lembra dela, — Kingsley disse, orientando a testemunha a encarar Mimi. Mimi segurou o olhar do Garoto de Fraternidade, e pelo que todos no mundo real sabiam, o cara só estava encantado pela loira bonita, encarando profundamente seus olhos verdes. — Agora, — Kingsley ordenou. Sem um momento para perder, os quatro Venators entraram no glom, levando a testemunha com eles. Era tão fácil quanto escorregar para dentro do buraco do coelho.

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Capítulo Três Bliss Quando acordou esta manhã, a primeira coisa que lhe veio à mente era que as brilhantes janelas lhe pareciam familiares. Porque elas eram familiares? Não, isto não está certo, essa não é a questão certa a perguntar. Estava começando a adiantar-se outra vez. Aconteceu. Mas agora ela precisava se concentrar. Cada dia ela tinha que perguntar a si mesmas três coisas importantes, mas essa não era uma delas. A primeira questão que tinha que se perguntar era — Qual é o meu nome? — ela não conseguia se lembrar. Isto era como decifrar um garrancho em uma folha de papel, ela sabia o que deveria significar, mas não conseguia decifrar a escrita. Como apenas ter algo fora do alcance, atrás de um portão fechado, e ter perdido a chave. Ou acordar cego. Ela tateou as cegas descontroladamente na escuridão, tentando não entrar em pânico. — Qual é meu nome? Seu nome. Ela tinha que lembrar seu nome. Senão... Senão... Ela não queria pensar sobre isso. Uma vez havia uma menina chamada... Uma vez havia uma menina chamada... Tinha um nome incomum. Sabia que muito. Não era o tipo de nome que você encontra nas canecas de cerâmica de café em lojas de presente do aeroporto ou marcadas em mini e licenciados pratos de lembranças que você poderia pendurar na porta do seu quarto depois que retornou da Disneylândia. Seu nome era bonito, raro e tinha um significado. Algo que significa a neve ou a respiração ou a alegria ou a felicidade ou... Bliss. Sim. Era isto. Bliss Llewellyn. Este era o seu nome! Ela relembrou!

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Agarrou-se a ele tão firmemente como podia. Seu nome. Seu ego. Contanto que pudesse recordar quem era, ela estava bem. Ela não podia estar louca. Pelo menos, não hoje. Mas era duro. Era tão duro porque agora havia O Visitante a considerar. O visitante que estava nela, que era ela, para todos os efeitos. O visitante que respondia a seu nome. Chamou-o Visitante porque facilitou para que acreditasse que sua situação seria provisória. O que os visitantes fazem, afinal? Eles saem. Bliss quis saber, você continua sendo a mesma ou outra pessoa está tomando as decisões por você? Falando com sua voz? Andando com seus pés? Usando suas mãos para trazer a morte à maioria das pessoas que amou? Estremeceu. De repente lhe veio uma súbita memória inesperada. Um encontro com escuro cabelo de um menino desfalecido em seus braços. Quem era ele? A resposta estava em algum lugar, mas precisaria escavar para encontrá-la. A imagem desvaneceu-se. Esperançosamente relembraria mais tarde. Agora ela tinha que se transportar para a segunda questão: — Onde eu estou? As janelas. As janelas eram um indício. Isso era o bastante, podia ver algo. Acontecia raramente agora. A maior parte do tempo ela acordava na escuridão. Concentrou-se nas janelas. Eram de madeira e pintadas de branco. Charmosa de uma maneira que recordava uma fazenda ou uma casa de campo inglesa. Exceto que eram bastante brilhantes, demasiadas intensas e perfeitas. Mais como Martha Stewart, a ideia da casa de campo inglesa parecia mais real. Ah, nenhuma maravilha que lhe parecia familiar. Bliss sabia agora onde estava. Se ela ainda pudesse sorrir, ela teria feito. Hamptons. Estavam em Cotswold. BobiAnne tinha nomeado a casa. BobiAnne? Bliss considerou uma imagem de uma mulher alta, magricela e esguia com muita maquiagem e joias enormes. Poderia mesmo cheirar o perfume nocivo de sua madrasta. Tudo estava voltando agora, e estava voltando rapidamente. Em um verão, durante o jantar para a festa de um famoso designer, BobiAnne havia aprendido que todas as casas grandes da área tinham nomes. Os proprietários condecoravam suas casas? “Mandalay ou Oak Valley?” de acordo com quão pretensiosos eles eram. Bliss tinha sugerido que nomeassem de Dune house, para a grande duna de areia na borda beira-mar da propriedade. Mas BobiAnne tinha outras ideias. A mulher nunca tinha sido única para a Inglaterra.

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Certo. Bliss estava aliviada. Visualizou onde estava, mas não fazia sentido. O que ela estava fazendo em Hamptons? Era uma desconhecida de sua própria vida, uma turista em seu corpo. Se alguém perguntasse como ela era, Bliss explicaria por esse caminho. Como você estar dirigindo um carro, mas no assento traseiro. O carro está se conduzido e você não está no controle. Mas ele é seu carro, pelo menos você pensa que é. Que costumava a ser seu, em todo o caso. Ou como estar em um filme. O filme é sua vida, mas você não é mais a estrela nele. Alguma outra pessoa está beijando a ligação considerável e está fazendo os monólogos dramáticos. Você está apenas observando. Bliss era uma observadora de sua própria vida. Não era mais a Bliss, mas sim, somente a memória da Bliss que tinha sido. Às vezes ela não tinha certeza se havia realmente existido.

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Capítulo Quatro Schuyler O ônibus abriu suas portas e o grupo saiu silenciosamente. Schuyler observou que mesmo o mais entediado de seus colegas de trabalho, de uma porção um pouco arrogante de atores e atrizes do trabalho não declarado junto com um ou dois estudantes culinário presunçosos, estavam olhando ao redor perplexos. O edifício e suas terras imaculadas eram tão opulentos e intimidadores quanto o Louvre, exceto que ninguém ainda vivesse ali. Era uma casa, não um monumento nacional. O Hotel Lambert tinha sido fechado ao público por causa de sua história. Somente a um fanfarrão tinha dado as boasvindas dentro de suas portas maciças. O resto do mundo podia folhear fotos dela através dos livros. Ou entrar para a equipe de funcionários da restauração. Enquanto andaram passando pelas fontes borbulhantes, Oliver a cutuca. — Tudo certo? — perguntou, em francês. Uma das razões por ser grata a escola de Duchesne. Os anos de exigências imperativas da língua estrangeira significaram que eles haviam sido capaz de se passarem por dois funcionários do restaurante de Marselha na entrevista de trabalho. Embora seus típicos sotaques estivessem em perigo de mostrar de onde eles eram a qualquer hora. — Você me parece preocupada. Que houve? — Nada, eu estava só pensando na investigação outra vez. — Schuyler disse, quando eles fizeram seu caminho para a entrada de serviço localizada na parte traseira da casa. Recordou esse dia terrível no repositório, quando ela foi acusada injustamente. Como poderiam acreditar em mim? — Não desperdice mais do seu tempo com isso. Isso não vai mudar nada— Oliver disse firmemente. — O que aconteceu em Corcovado foi terrível, e não foi sua falha. Schuyler acenou, piscando para conter as lágrimas que vinham sempre que ela pensava naquele dia. Oliver estava certo como sempre. Ela estava desperdiçando energia desejando por outro desfecho. O que era passado, era passado. Eles tinham que se focar no presente.

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— Este lugar não é maravilhoso? — Ela disse. Então, sussurrando para que ninguém pudesse ouvi-la. — Cordelia me trouxe aqui um par de vezes quando veio para reuniões com príncipe Henri. Nós permanecemos nos apartamentos de convidados na ala leste. Me lembre de mostrar-lhe as galerias de Hercules e a biblioteca polonesa. Tem o piano de Chopin. Sentiu uma mistura de incredulidade e tristeza enquanto seguia a multidão silenciosa através dos salões de mármore brilhante. O incrédulo pela beleza do lugar, que tinha sido construído pelo mesmo arquiteto que tinha projetado o palácio de Versalhes e indicado às mesmas douradas molduras e firmamentos barrocos, e tristeza porque o edifício a lembrou de Cordelia. Ela poderia com certeza usar um pouco da brusca persistência de sua avó de forma certa agora. Cordelia Van Alen não pensaria duas vezes sobre deixar de ir a uma festa para conseguir o que almeja, enquanto Schuyler teve muitas dúvidas. A festa desta noite era chamada de “Mil e uma Noites” em homenagem ao extravagante Baile Oriental lançado na residência em 1969. A festa daquela noite iria caracterizar-se por danças de garotas escravas, portadores de tochas seminus, tocadores de zither4 e músicos Hindus. É claro, teria algumas atrações modernas: o elenco inteiro de um musical de Hollywood que tocaria a meia noite e ao invés de papier mâché5 em elefantes na entrada, teria um par de elefantes indianos reais que tinham sido pedidos de um circo tailandês de viagem. Os pachyderms6 estariam carregando cavaleiros sob dosséis dourados. O jornal tinha apelidado de “The Last Party”. A festa final de todas as festas. A festa que deveria marcar o final da era. A última noite que o edifício abrigaria a realeza. Porque o Hotel Lambert tinha sido vendido. Amanhã já não seria a casa da família dos sobreviventes de Louis-Philippe, último rei da França. Amanhã a propriedade pertenceria a um conglomerado estrangeiro. Amanhã o castelo cairia nas mãos dos colaboradores que eram ricos o bastante para ter sua exorbitante cotação de venda. Seria dividido, renovado, ou feito um museu, ou o que quer que o conglomerado tenha planejado para ele. Mas hoje a noite era a cena para o último grande Bal des Vampires: A Sociedade Parisiense de Blue Blood reunida uma última vez em uma celebração digna de Scheherazade7.

Zither: Um tipo de arpa. Papier mâché: técnicas artesanais. 6 Pachyderms: elefantes. 7 Scheherazade: Personagem de mil e uma noites. 4 5

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— Cordelia me disse que o Balzac flertou com ela8, durante um baile aqui. Ela era uma debutante, então, em um ciclo anterior, antes de se transformar em minha avó, — Ela contou a Oliver enquanto faziam seu caminho para baixo, nas vastas cozinhas do porão, onde os modernos eletrodomésticos de aço inoxidável foram instalados ao lado das lareiras medievais. — Disse que ele estava muito bêbado. Você pode imaginar? — Um dos principais líderes franceses flertando uma menina de 18 anos? — Ele sorriu de forma afetada enquanto abria a porta. — Totalmente. A festa começaria em duas horas, e encontraram os cozinheiros irritados gritando um com o outro, a cozinha inteira em uma grande preparação apressada. O vapor crescia de enormes barris industriais, e o lugar cheirou a manteiga crepitante, enfumaçado e delicioso. — Que você está fazendo aqui? — O principal cozinheiro chefe exigiu quando o garçom chegou. — Vamos, vamos, suba agora! — O cozinheiro chefe teve uma breve conversa com o diretor da equipe de funcionários, mas concordou que os usuários poderiam ajudar o grupo de trituradores, e Schuyler e Oliver foram separados. Schuyler foi enviada para fora, onde encontrou os instrutores de elefantes explicando ao ator e à atriz, que interpretariam o rei e a rainha de Sião, como controlar as bestas. Procurando ser útil, ajustando as velas da iluminação, alisando as toalhas de mesa e organizando as peças florais centrais. Tudo em torno dela, o pátio era uma cacofonia do ruído, com os executores e as acrobatas que saltavam dos telhados, músicos ensaiando, e meninas da dança do escravo davam risadas dos modelos masculinos seminus. Todas as velas foram finalmente acesas. As mesas foram ajustadas. Tudo estava pronto. Uma coisa era certa. Isto iria ser uma festa. Ela encontrou Oliver lustrando os vidros em seu posto. — Lembrese, encontre-me na parte inferior da escadaria após seu primeiro turno, — Oliver sussurrou, tentando não atrair demasiada atenção dos outros usuários. — Eu vou procurar por você lá fora. — Tinham sido requisitados por seus superiores que desligassem seus celulares, não que um fosse capaz de captar sinal. Nenhuma torre de celular foi permitida na parte exclusiva da ilha. Schuyler acenou com a cabeça. Eles tinham suas tarefas: Ela seria parte da equipe responsável para dar boas-vindas a convidados com as bandejas de champanhe no minuto em que desciam dos barcos. Oliver estaria em cima, trabalhando no fundo do bar. flertou com ela: expressão americana: made a pass at her, quer dizer flertar ou sugerir interesse sexual por alguém. Não encontrei tradução melhor. 8

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— E, Sky? Dará tudo certo. Ela terá que ver você. — Ele Sorriu. — Eu tenho certeza disso. — Seu orgulho estava o tornando querido para ela ainda mais. Querido, doce, amável Oliver, que tinha deixado tudo que amou em Nova York para salvá-la e protegê-la. Ela sabia que ele estava tão receoso quanto ela, mas ele não iria demonstrar. O plano desta noite foi um tiro no escuro na melhor das hipóteses. Ela nem mesmo sabia se a Condessa de Paris, a anfitriã da noite e que logo seria ex-proprietária do Hotel Lambert, iria se lembrar dela. Muito menos se eles teriam o refúgio que procuravam tão desesperadamente. Mas tinha que pedir, por sua causa e de Oliver. E se tudo que queria era vingança do demônio que tinha matado seu avô, tinha que tentar. O Conclave Europeu era sua última e única esperança.

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Capítulo Cinco Mimi Se meter no subconsciente de alguém é como descobrir um planeta novo. O mundo interno de cada um é diferente e único. Alguns são desordenados, lotados com escuros e pervertidos segredos presos na borda de suas mentes, como uma roupa interior picante e esposas metidas na parte de trás de um armário. Alguns são tão imaculados e limpos como uma pradaria na primavera: com coelhos saltitantes e caindo flocos de neve. Aqueles eram raros. A psique deste tipo se via bastante normal e Mimi escolheu um ambiente neutro no qual interrogou sua casa de infância. Uma cozinha suburbana: ladrilhos brancos, mesa de fórmica, limpa, ordenada, normal. Kingsley escolheu um tamborete do outro lado do garoto da fraternidade. — Por que você mentiu para nós? — perguntou. No encantamento o Venator se via extremamente belo. O encantamento fazia isso aos vampiros: os fazia parecerem mais bonito do que já eram. — Do que estas falando? — perguntou o tipo, com um olhar confuso em seu rosto. — Mostre-me. Mimi encontrou a recordação e reproduziu na televisão instalada no balcão. — Recordas essa noite? — perguntava Kingsley, enquanto observava ao garoto de fraternidade saindo a um balcão do hotel e observar a um homem alto levando um pacote do tamanho de um menino para fora da entrada do resort. — Lembra-se desse homem? Jordan Lllewellyn havia estado desaparecida cerca de um ano. A garota de onze anos havia sido sequestrada do seu quarto de hotel ao mesmo tempo em que o Conclave foi assassinado em uma festa pelos Silver Bloods. Os Venators haviam tido suas recordações escaneadas de todos os que estiveram no hotel à noite em que a pequena garota desapareceu cada hospede, cada membro do pessoal, desde guardas de segurança até camareiras, sem sorte.

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Os Lllewellyn haviam estado traumatizados demais para servir de ajuda. O qual era compreensível, mas ainda sim inútil. Ninguém sabia nada, ninguém se lembrava de nada. Exceto ao garoto que agora estava sentado na frente deles. — Não disse que viu algo? Que viu este homem quando saiu para fumar um cigarro essa noite. — Disse Kingsley. — Esse homem não existe. Você mentiu. — Mas eu não fumo, — alegou o garoto da fraternidade. — Não me lembro de nada disso. O que é isto? Quem são vocês? — no bar, Mimi pode ver que ele estava começando a se agitar. Não tinham muito tempo. — Por que você mentiu? Responda a pergunta! — espetou Kingsley. Durante meses eles haviam localizado a cada homem que havia estado no hotel que se enquadrava com a descrição que esse garoto lhes havia dado. Eles haviam dado com executivos de marketing, empresários de férias, turistas e nativos. Mas nada de importante havia sido revelado. Depois da maior parte do ano, eles começaram a se perguntar se estavam perseguindo a um fantasma, um espectro, uma miragem. Toda a equipe estava frustrada ao limite. Só ontem o Conclave lhes havia ordenado se dar por vencido na missão e voltar para Nova York. Jordan estava morta, caso encerrado. Mas Kingsley decidiu que necessitavam dar outra visita a sua testemunha. — Deixe-me expressar de outra forma: quem te disse para nos enganar? — perguntou Kingsley. — Ninguém... Não sei o que é que você quer que eu diga... Não me lembro dessa noite. Nem sequer lembro-me de vocês. Quem são vocês? O que estão fazendo na cozinha de minha mãe? — Por que você estava no Rio? — perguntou Ted Lennox suavemente, fazendo-se de bom policial. — Um amigo meu ia se casar... — disse arrastando as palavras. — Estivemos lá para a festa de despedida de solteiro. — Você foi para o Rio para uma despedida de solteiro? Você? — Mimi zombou, espiando através do mundo real, olhando para baixo para a forma propensa esparramada sobre a mesa do garoto da fraternidade. O garoto parecia como se o mais longe que ele tivesse viajado foi na esquina da 7-Eleven9.

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7-Elevan: loja de conveniências

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— Olha, não faz muito tempo vivi em Nova York. Eu era banqueiro. Nós sempre íamos longe quando alguém se casava. Tailândia. Las Vegas. Punta Cana. Mas logo perdi meu emprego, tive que me mudar e voltar para a casa dos meus pais. Não seja invejosa agora. — Despedido? — perguntou Sam Lennox. — Não... É... Eu não me lembro das coisas muito bem. Eu tomei uns dias livres e não voltei. Algo deu errado aqui. — disse ele, golpeando o lado de sua cabeça com um olhar preocupado no seu rosto. Vir a pensar sobre isso, algo sobre a testemunha parecia estranho. Mimi se recordava do garoto da fraternidade de outra maneira. O garoto que haviam interrogado há um ano havia estado muito mais eloquente e alerta, muito mais grosso. Ela achou estranho que eles tinham seguido ele abaixo do quinto dos infernos. Ela havia assumido que qualquer um que se hospeda em um hotel tão luxuoso também vinha de um lugar luxuoso. — Ele não está mentindo, — disse Sam. — Olhe para o seu córtex pré-frontal. Está limpo. — Olhe ele novamente, — disse Kingsley — Isto não tem sentido. Mimi puxou a recordação pela segunda vez. Os quatro observaram atentamente. Era o mesmo: o homem alto, o pacote, o cigarro. Mas Sam estava certo, seu córtex pré-frontal mostrava que ele não mentia quando dizia que não se lembrava. — Oh, meu Deus. Como pudemos pular isto? Olhem isso. Force! Lenox! Olhem! — disse Kingsley, aumentando a margem da fotografia. Logo ela viu o que Kingsley mostrava: uma ligeira lágrima no limite da recordação dele. Era como uma coisa que havia sido reparada. Estava tão fina, e tão bem feita, que nem sequer o haveriam notado. Quem quer que haja feito isso era bom. Você tem que ser bastante avançado em encantos para tirar isso. Uma falsa lembrança habilmente tecida sob uma lembrança real. O suficiente para enganar uma equipe de Venators pela maior parte do ano. Gravar falsas recordações em Red Bloods era bastante perigoso. Isso poderia bagunçar a pessoa: convertelos em loucos, incapazes de distinguir a realidade da ficção. Converter um grande banqueiro da cidade em um zangado que vive com seus pais. — Deixe-o ir. —disse Kingsley cansado.

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Mimi assentiu. Ela liberou sua presa da mente dele e os quatro voltaram ao mundo real. Sua testemunha desmaiou sobre a mesa, roncando. NĂŁo havia suspeitos. Essa foi uma vĂ­tima.

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Capítulo Seis Bliss Todos os dias desde aquela manhã no topo da montanha no meio do Corcovado, a montanha corcunda, Bliss tinha que perguntar-se três perguntas importantes. “Quem sou eu? Onde estou? O que me aconteceu?” Ela havia começado a prática um dia, não faz muito tempo, quando despertou para descobrir por que não podia se lembrar qual o motivo de estar triste. Logo no dia seguinte, não conseguia lembrar se era filha única ou não. Mas o que de verdade a assustou foi o dia em que se olhava no espelho e pensou que estava vendo um estranho. Não tinha pista de quem era a garota com cabelo vermelho. E aí foi quando teve a ideia de se fazer as três perguntas cada manhã. Se ela não tivesse tempo para lembrar quem ela havia sido, então o Visitante se apoderaria completamente dela. E a verdadeira Bliss Llewellyn, a garota que uma vez reprovou seu exame de direção em um antigo Cadillac conversível de 1950, não existiria mais. Nem sequer esta recordação meio esquecida dela que persistia numa pequena esquina de seu cérebro. Então, estavam em Hamptons. Era de manhã. Ela estava se levantando para tomar o café da manhã; seu servente a estava chamando. Não; seu servente não, seu pai. “Servente” era a palavra do Visitante para Forsyth, não a sua. Às vezes isso acontecia. Às vezes ela descobria que podia escutar o Visitante tão claramente. Mas então uma porta se fechava em um golpe e ela estaria do outro lado, novamente na escuridão. O Visitante tinha acesso a seu passado, a toda sua vida, mas ela não tinha entrada a dele. Suas conversas com Forsyth estavam atrás de uma porta fechada, seus pensamentos estavam escondidos em uma sombra. Uma parte dela estava aliviada de que o Visitante não lhe falava mais. Ela lembrava debilmente que havia tido pequenas conversas entre eles uma vez, mas aquelas haviam encerrado. Agora havia apenas o silêncio. Ela entendia que era porque ele não necessitava se comunicar mais com ela para assumir o controle. Ele só se apoderava dela durante

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seus desmaios, mas agora ele não os necessitava para fazer o que escolhesse. Ele estava no assento do condutor. Ainda assim, ela não estava exatamente abandonada em um lado da rua, tampouco. Ela havia contestado de maneira bem sucedida a primeira pergunta, ou não? Ela era Bliss Llewellyn. A filha do Senador Forsyth Llewellyn e sua madrasta a falecida BobiAnne Shepherd. Ela havia crescido em Houston até que sua família se mudou para Manhattan pouco depois de seu aniversário de quinze anos. Ela era uma estudante da Escola Duchesne na Rua E. 96th e seus hobbies eram, sem ordem em particular: animar, comprar e modelar. Oh meu Deus, sou uma garota linda e sem cérebro, pensou Bliss. Devia haver mais para ela que isso. Começou outra vez. De acordo. Seu nome era Bliss Llewellyn e cresceu em uma enorme casa em um bairro de River Oaks em Houston, mas sua parte favorita de Texas era o Rancho Pop-Pop, onde ela montava cavalos sobre os deslumbrantes pastos cobertos com flores silvestres. Sua matéria favorita na escola era Artes, e um dia ela esperava ter sua própria galeria de arte ou, ao menos, se converter em curadora do MET10. Ela era Bliss Llewellyn e agora mesmo estava em Hamptons. Uma exclusiva praia a duas horas de Manhattan (dependendo do trânsito) aonde as pessoas da cidade iam para “escapar de tudo” só para se encontrar apenas no centro de tudo. Agosto nos Hamptons era tão frenético como Setembro em Nova York. Antes quando ela ainda era Bliss e não um recipiente do diabo (o V.F. E, como ela havia chegado a pensar de sua situação quando queria rir no lugar de chorar), sua madrasta os levou para lá porque era o que ela tinha que fazer. BobiAnne era conhecida por “o que tem que fazer” e havia elaborado uma enorme lista do que tinha que fazer e o que não, é de se pensar que ela devia ser uma editora de revista em uma vida anterior. A parte triste sobre BobiAnne era que ela sempre tentava estar na moda e resultava estar completa e totalmente o oposto. Imagens do último verdadeiro verão de Bliss em Hamptons começou a fluir em seu cérebro. Ela era uma garota atlética e havia passado os três meses fazendo equitação, navegando, jogando tênis, aprendendo a surfar. Ela havia quebrado seu punho direito outra vez esse ano. As primeiras três vezes haviam sido pelos esportes: ski, navegação e tênis. Esta vez ela havia fraturado por uma razão estúpida do estilo Hamptons. Tropeçou com suas novas plataformas Louboutin 11 e caiu sobre o punho. 10 11

MET: metropolitan museum of art: museu metropolitano de arte Louboutin: Sapatos do estilista Christian Louboutin.

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Agora que havia respondido a primeira e a segunda pergunta em detalhes, não tinha mais opção do que continuar com a terceira. Sempre havia uma terceira pergunta que era a mais difícil de responder. O que me aconteceu? Coisas más. Coisas terríveis. Bliss se sentia esfriando. Era divertido como podia sentir coisas, como a lembrança fantasma de estar viva e completamente consciente de cada um de seus sentidos duradouros. Ela podia sentir seus membros ilusórios e quando dormia sonhava que ainda vivia uma vida comum: comendo chocolates, passeando com o cachorro, escutando o som da chuva enquanto caia no telhado, sentindo a suavidade da funda almofada de algodão contra sua bochecha. Mas ela não podia se afligir por isso. Agora mesmo havia três coisas que ela não queria lembrar, mas tinha que se forçar a tentar. Ela lembrava seu apartamento na cidade, como o porteiro de luvas brancas a chamava “Senhorita” e sempre se assegurava de que seus pacotes fossem enviados rapidamente. Ela lembrava fazendo amigos na escola: Mimi Force, quem a havia tomado debaixo de suas asas e se havia rido de sua bolsa de couro branco. Mimi era condescendente e intimidante ao mesmo tempo. Mas ela tinha outros amigos, ou não? Sim, claro que tinha. Estava Schuyler Van Alen, quem se havia convertido em sua melhor amiga, uma doce garota que não tinha ideia de quão forte era, ou quão bonita e Oliver Hazard-Perry, o garoto humano com irônico senso de humor e impecável vestuário. Ela lembrava uma noite no clube, compartilhando cigarros num beco com um garoto. Ela havia conhecido um garoto. O garoto de cabelos negros, caindo inerte em seus braços. Dylan Ward. Estremeceuse. Dylan estava morto. Agora recordava de tudo. O que havia acontecido no Rio. Tudo. O assassinato. Lawrence. Correndo abaixo da colina para ver por quem realmente era. Um aborto de Silver Blood. Com Forsyth, ela havia voltado para Nova York para o funeral de BobiAnne. Um memorial, realmente, porque como os outros defuntos irmãos membros do Conclave, não havia nada para enterrar. Não havia ficado nada de BobiAnne, nem sequer uma mecha chamuscada de cabelo. Uma gigantesca e glamorosa ampliação sobre um cavalete, o qual tomou lugar do caixão em frente ao altar. A fotografia mostrava sua madrasta em seu melhor momento, quando havia sido retratada em uma revista de sociedade. Logo o funeral esteve cheio de gente. Toda a comunidade Blue Blood havia ido para lá, para mostrar apoio àqueles que haviam posto

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resistência contra os Silver Bloods. Mimi havia estado ali com seu irmão gêmeo, Jack. Eles haviam oferecidos suas palavras de consolo. Se eles apenas soubessem. No funeral, Bliss ainda estava o suficiente consciente do que havia ao seu redor. Ela havia escutado Forsyth lhe dizer (mas não a ela; ele estava falando com o Visitante inclusive então, ela agora entendeu) que não se preocupasse, que Jordan já não seria mais um problema. Se preocupar sobre o que? Que problema? Oh. Certo. Ela quase esquecia. Sua pequena irmã Jordan sabia que Bliss levava o Visitante dentro dela. Jordan tinha tentado matá-la. O exercício havia terminado. Ela sabia quem era, onde estava e o que lhe havia acontecido. Ela era Bliss Lllewellyn, estava em Hamptons e estava levando a alma de Lúcifer dentro do seu corpo. Essa era sua história. O dia seguinte teria que lembrar tudo de novo.

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A Investigação O assassino de Lawrence. O assassino de seu avô. Bem, então o Inquisidor não saiu e o disse, não, nada tão grosseiro como isso. Mas o insinuou bastante. Emitiu sua duvida o suficiente em sua história que ele também poderia haver marcado a palavra na sua cara. Ela não o viu chegar. Ela ainda estava horrorizada por perder Lawrence tão violentamente, que se esqueceu de se defender depois no Comitê. Ela disse como pôde o que havia acontecido, jamais considerando a possibilidade de que eles não acreditassem. — Senhorita Van Alen, me permita acompanhá-la através de seu testemunho. De acordo com sua recolocação dos eventos no Corcovado, um garoto se transformou na imagem de Lúcifer. Seu avô lhe ordenou matá-lo, mas você falhou. Logo, Lawrence recebeu o golpe fatal, matando erroneamente a um inocente e abrindo a prisão do Leviatã, deixando o demônio em liberdade. Logo o demônio o assassinou. Está tudo correto até o momento? — Sim. — disse ela tranquilamente. O inquisidor consultou suas notas por um momento. Schuyler havia encontrado com ele antes, quando seu avô havia hospedado alguns membros do Conclave para sua casa. Seu nome era Josias Archibald e ele havia se aposentado do Conclave há alguns anos. Suas netas eram suas companheiras de sala no Duchesne. Mas se ele se sentia compreensivo ante sua difícil situação, ocultava bem. — Ele estava justo na sua frente, não estava? O garoto? — Perguntou o Inquisidor, levantando a vista. — Sim. — E você disse que você estava suspendendo a espada de sua mãe? — Sim. Ele aspirou, olhando deliberadamente aos membros presentes, que logo se inclinaram adiante ou se moveram em seus assentos. O único membro ativo sobrevivente do Conclave era Forsyth Llewelyn, quem se sentou na parte detrás, com sua cabeça coberta de faixas e seu olho esquerdo inchado. Os outros eram membros eméritos como o Inquisidor. Eles se sentaram agrupados em um semicírculo, se vendo como um grupo de elfos encolhidos. Havia tão pouco deles à sua

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esquerda: o velho Abe Tompkins havia sido traído desde sua casa de verão em Block Island; Minerva Morgan, uma das amigas mais antigas de Cordélia e a ex-presidente do Garden Society de Nova York, sentada quieta como uma estátua em seu traje tecido crespo; Ambrose Barlow, quem parecia como se tivesse dormido rapidamente. — A espada de Gabrielle tem estado perdida por muitos anos, — disse o Inquisidor. — E você diz que sua mãe lhe apareceu, puf! Do nada e a entregou. Assim sem mais. E logo desapareceu. Para voltar a sua cama de hospital, provavelmente. — Sua voz era de sarcasmo. Schuyler se moveu incomoda no seu assento. Parecia fantástico e incrível, e irreal. Mas aconteceu. Justo como ela descreveu. — Sim... Não sei como, mas sim. O tom do inquisidor era condescendente. — Rogo-lhe que nos diga, onde está a espada agora? — Não sei. — Não sabia. Depois do caos, a espada parecia ter desaparecido junto com Leviatã, e ela também lhes disse. — O que sabe sobre a espada de Gabrielle? — perguntou o Inquisidor. — Nada. Nem sequer sabia que ela tinha uma espada. — É uma espada da verdade. Mantém uma espécie de poder especial. Foi forjada assim que sempre encontra o seu objetivo — resmungou, como se sua ignorância fosse um sinal de culpabilidade. — Não sei o que trata de explicar. O Inquisidor falou muito lento e cuidadosamente. — Você disse que levava a espada de sua mãe. Uma espada que tem estado perdida por séculos e que nunca falhou ao alcançar seus inimigos em toda sua história. E agora... o fez. Falhou. Se você tivesse estado com a espada de Gabrielle, como pode ter falhado? — Está dizendo que queria falhar? — perguntou incrédula. — Não estou dizendo isso: você sim. Schuyler estava horrorizada. O que estava acontecendo? O que era tudo isso? O Inquisidor se voltou para sua audiência. — Damas e cavalheiros do Conclave, esta é uma situação interessante. Aqui está a verdade. Lawrence Van Alen está morto. Sua neta adoraria que acreditássemos numa escandalosa história, que um Leviatã, um demônio que Lawrence

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enterrou em uma pedra há um milênio, tem sido liberado e que esse mesmo demônio o assassinou. — É verdade. — sussurrou Schuyler. — Senhorita Van Alen, você jamais conheceu a seu avô até uns meses atrás, é isso correto? — Sim. — Você apenas o conhecia como a um estranho na rua. — Não diria isso. Nós ficamos muito próximos em um curto tempo. — Ainda sim guardava rancor contra ele, não? Depois de tudo, você escolheu viver como irmão estranho de sua mãe em vez de com Lawrence. — Não escolhi nada! Estávamos lutando pela adoção. Não queria viver com Charles Force e sua família. — Isto é o que você diz. — Por que raios eu iria querer matar meu avô? — Praticamente gritou. Isto era insano. Um tribunal improvisado, uma farsa, uma paródia. Não havia justiça participando aqui. — Talvez você não quisesse o matar. Quem sabe, como nos disse antes, foi um acidente. — O Inquisidor sorriu, parecendo um tubarão. Schuyler se derrubou no seu assento, derrotada. Pela razão que seja, o Inquisidor não acreditou na sua história, e estava claro que os membros do Conclave não acreditariam também. O Silver Blood escondido entre seus postos havia sido descoberto, Nan Cutler havia falecido no incêndio de Almeida. O Conclave acreditou nisso, ao menos. Eles haviam aceitado. Forsyth Llewelyn havia sido uma vítima da traição da Chefa dos Guardiões e havia se convertido em testemunha. Mas o corpo governante não queria aceitar a realidade da volta do Leviatã. Uma coisa era aceitar o testemunho de um membro antigo, e outra coisa era a palavra de uma mestiça. Eles acreditariam que Schuyler assassinou deliberadamente Lawrence em lugar de que um demônio voltara à terra mais uma vez. Não havia mais testemunhas para apoiá-la, exceto Oliver, e o testemunho de Familiares humanos era inadmissível em uma investigação do Comitê. Os humanos simplesmente não contavam.

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EntĂŁo na noite anterior do julgamento do Conclave onde decidiriam o que fazer com ela, ela e Oliver fugiram do paĂ­s.

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Capítulo Sete Schuyler Eram dez horas da noite, e os primeiros convidados estavam chegando. Como se adequando ao Tema Oriental, um pelotão de autênticas porcarias chinesas alugadas para a festa fazia uma majestosa procissão até o rio, banners voando ao topo das grandes casas européias. Hapsburg. Bourbon. Savoy. Liechtenstein. SaxeCoburg. Blue Bloods que haviam permanecido no Velho Mundo em favor de procurar uma nova casa através do oceano. Schuyler estava de sentinela com os serventes alinhados contra a parede de pedra, só outro zangão sem rosto, ou assim ela esperava. Cada um deles carregava uma bebida diferente: havia cosmopolitans 12em copos de Martini13, taças do melhor Burgundy14 e os melhores Bordeaux15 provenientes do vinhedo do anfitrião em Montrachet, e água com gás com fatias de limão para os que não bebiam. Ela carregava uma pesada bandeja de taças de champanhe, bolhas nas bordas, douradas e brilhantes. Ela podia ouvir os estalos e batidas do vento batendo contra as múltiplas velas. Algumas eram decoradas como barcos dragões, completas com escamas douradas e olhos esmeralda dourados na proa. Outras estavam decoradas como navios de guerra com brilhantemente coloridos canhões saltando para fora da popa. Um desfile grande e imperial, ao mesmo tempo indulgente e bonito. Ela notou outra coisa também, a crista dos banners estava se movendo, mudando com a luz, transformando-se em uma dança fluída de cores e formas. — Você vê isso? Ela se vira para a garota parada próxima a ela. — Vê o quê? Um bando de gente rica em uns barcos idiotas? — a garçonete reclamou, olhando-a duvidosamente. Só então Schuyler percebeu que os símbolos piscando eram visíveis apenas para aqueles com visão de vampiro. Eram segredos Blue Bloods, da Língua Sagrada.

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Cosmopolitans: é um coquetel sofisticado a base de vodca, saborizado com laranja, cranberry e lima. Martini: é um coquetel feito com gin e vermute seco. 14 Burgundy: tipo de vinho 15 Bordeaux: tipo de vinho proveniente da região de Bordeaux, na França. 13

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Ela havia quase se entregado, mas felizmente ninguém havia notado. Seu lábio estremeceu, e ela pôde sentir seu corpo tenso enquanto os convidados desciam no cais aproximando-se dos garçons. E se alguém havia a reconhecido? E se alguém do Coven de Nova York estava na festa? E então o quê? Era loucura pensar que ela e Oliver pudessem escapar disso. Era certeza que havia Venators aqui, não era? Se algum dos Blue Bloods tivesse reconhecido ela antes, ela seria capaz de levar seu caso para a Condessa, ela não teria uma chance nesse mundo e se tornaria um deles. Ela não estava com tanto medo por ela do que por Oliver. Ela temia o que os vampiros iriam fazer a um humano familiar que eles desaprovavam. Esperançosamente, a multidão se mantia tão óbvia quanto parecia, um grupo de socialites buscando prazer, enquanto seus colegas de trabalho as dispensavam. Só porque elas eram imortais, não significava que elas não podiam aproveitar o trivial. Schuyler tentou não encarar as mulheres, a maioria delas era ainda mais fantástica que os barcos. As convidadas femininas estavam vestidas como variadas gueixas japonesas, com toda a maquiagem branca e quimonos alegremente estampados, ou imperatrizes chinesas com franjas realçando seus cocares vermelhos-e-dourados, ou princesas persas com jóias de verdade coladas em suas testas. Uma famosa socialite alemã conhecida por seu guarda-roupa ultrajante veio vestida como um templo budista, um traje de metal pesado que não iria permitir que ela andasse ou sentasse a noite toda. Ao invés disso, ela rolou para fora do barco em um Segway16. Por um momento Schuyler esqueceu seus nervos e tentou não rir enquanto a arquiduquesa quase atropelava um grupo de garçons que carregava caviar e blinis17. O homem vestindo um uniforme de policial russo, bigodes como Fu Manchu18, e turbante. Era tudo tão politicamente incorreto e ainda, estupendamente fabuloso e anacrônico. Um convidado, o líder do maior banco da Europa, estava enfeitado com um chapéu grande e preto e uma capa de plush com padrão de pelo-de-lobo-aparado. E era só Agosto! Ele tinha que estar sufocando com o calor, e ainda, como a mulher no templo budista que não podia se sentar, ele estava sofrendo para se comunicar. Schuyler esperou que tivesse válido a pena.

Segway: aqueles carrinhos engraçados que os seguranças de shoppings às vezes andam: http://bloginvencoesfrustradas.files.wordpress.com/2011/04/segway.jpg 17 Blinis: são pequenos crepes levedados: http://1.bp.blogspot.com/_5qX0ibPrO5k/THGdNWWI32I/AAAAAAAAABM/nn0tS2toU04/s1600/blinis 1.jpg 18 Fu Manchu: http://www.buzzpirates.com/wp-content/uploads/2009/06/fu-manchu.jpg 16

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Humanos familiares estavam presentes também, apenas as pequenas, discretas cicatrizes na base de seus pescoços os entregavam. De outro jeito, eles estavam tão festivamente vestidos que mal eram diferenciados de seus vampiros mestres. A noite estava amena e clara. Música sitar19 flutuava para baixo da rotunda20, um distinto choro agudo, e a fila de porcarias esperando para o desembarque dos passageiros de roupas chiques estava aumentando. Várias lanchas carregando jovens Blue Bloods europeus cortaram a fila. Eles eram muito mais ousados nas fantasias do que os Elders. Uma das garotas, a filha do ministro das finanças da Rússia, estava vestindo nada além de cordas de metal cobertas com um punhado de chiffon. Outra ninfa magra estava vestida de ver-através-da-caixa-decorreio. É claro, os garotos estavam vestidos como ninjas assassinos em macacões de seda preta ou guerreiros samurais, carregando espadas de mentira. Quando sua bandeja estava vazia, Schuyler voltou para trás, andando através da linha de visão de Oliver no segundo andar. Ela olhou para cima e o viu fazendo um coquetel azul turquesa adornado com fogos de artifício crepitante. Ela o viu se inclinar, e ela sabia que ele a tinha visto. Ela deixou a bandeja em um canto escuro e caminhou rapidamente para o salão principal, passando pela ala da área residencial. Era aqui que ela e Cordelia haviam ficado em suas visitas. Havia um banheiro à direita, atrás dos murais Sabine. Estava vazio. Ela trancou a porta e respirou fundo. Fase um do plano estava completa. Eles tiveram sucesso em serpentear o caminho até a festa. Agora era a vez da fase dois. Ela sacudiu seu rabo de cavalo e deslizou para fora de seu uniforme, tirando as camadas de roupa. Ela achou o pequeno saco dobrado que havia escondido embaixo da pia mais cedo. Ela tirou seu conteúdo e começou a vesti-lo, colocando um sári21 enfeitado, luxuriante de seda rosa incrustado com diamantes. Oliver a ajudara a escolher na loja Little Jaffna na 10th Arron Dissement. Ele insistiu em comprar mesmo sendo proibitivamente caro. O drapeado de seda elegantemente sobre os ombros nus, o rosa fez um agradável e deslumbrante contraste com seu longo cabelo preto sitar: um tipo de música indiana. rotunda: um aposento em forma de círculo. 21 Sarí: Tradicional traje indiano: http://3.bp.blogspot.com/_0zIG5_XeVlE/TLt9CJ2cgjI/AAAAAAAAAU8/WVTyDQqkAw/s1600/sari5.jpg 19 20

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azulado. Ela olhou para si mesma no espelho. Ela estava mais magra do que nunca: falta de sono e de segurança faria isso a qualquer pessoa. Suas maçãs do rosto, já pronunciadas, estavam com um relevo mais nítido, como o corte do alto de uma lâmina. O sári iluminado trouxe cor a suas bochechas, e as deslumbrantes pedras preciosas brilhavam com a luz. Ela encolheu sua barriga mesmo com os ossos de seu quadril sendo proeminentes acima da calça harem22 de cintura baixa. Ela retirou uma pequena bolsa de cosméticos do mesmo saco e começou a aplicar alguma maquiagem. Ela derrubou seu pó compacto no chão, e só então percebeu que suas mãos estavam tremendo novamente. Ela não estava pronta para isso. Toda vez que ela pensava sobre o que ela estava prestes a fazer, o que estava prestes a pedir, ela não podia respirar. E se a Condessa a mandasse embora? Ela não podia fugir para sempre, podia? Se a Condessa recusasse a eles uma audiência, eles não teriam mais lugar para ir. Mais do que qualquer coisa, Schuyler queria ir para casa. Ela queria estar no mesmo lugar que seus avós haviam vivido. De volta ao seu quarto pequeno com pintura descascando e o aquecedor a ressoar. Ela já havia perdido um ano inteiro de escola. Em um mês, Duchesne iria voltar a funcionar. Ela queria voltar a essa vida, mesmo sabendo que ela estava perdida. Mesmo que o Conclave europeu lhe abrigasse, não significava que ela seria capaz de voltar para Nova York. Do lado de fora a banda estava tocando “Thriller”, Michael Jackson em uma batida bhangra23, batendo pratos. Ela empacotou seu uniforme de garçonete, o colocou na bolsa e a colocou em uma lixeira, em seguida deixou as acomodações, esquecendo para trás uma corda de veludo. — Champanhe? — um garçom ofereceu. Felizmente, o garçom não reconheceu Schuyler como uma companheira de ônibus. — Não, obrigada, — Schuyler hesitou. Ela caminhou para o fundo da escada como uma princesa indiana. Ela manteve a cabeça firme mesmo quando sua garganta se apertava com o medo. Ela estava pronta para o que quer que a noite pudesse trazer, e ela esperava que não precisasse esperar muito tempo. 22

Harem: esse tipo de calça http://1.bp.blogspot.com/_9KWsjohZJFo/S-wn7JOVuI/AAAAAAAAAIc/gU50nAk9sG0/s1600/feio.jpg 23 bhangra: estilo de dança e música da Índia

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Capítulo Oito Mimi — Os Silver Bloods são muito mais inteligentes do que o crédito que os damos, — Kingsley disse, quando eles chegaram em um outro aeroporto. Eles haviam deixado os EUA na noite anterior. Agora eles estavam de volta para onde tudo havia começado, antes dessa selvagem caça ao ganso mandá-los para metade do mundo. De volta ao Rio. — Você acha?— Mimi respondeu, nem mesmo tentando esconder o sarcasmo na voz. — Você deveria saber. É um. — Ela colocou seus óculos de sol tamanho gigante e resgatou sua afetada mala de mão Valextra do carrossel de bagagens. Ela estava irritada porque Kingsley os fez voar de classe econômica para todos os lugares. Ela estava acostumada a ter suas malas embaladas e seguras em plástico toda vez que viajava internacionalmente. Sua pobre pequena valise não estava sobrevivendo ao duro tratamento dos bagageiros. E ainda, ela viu outra pegada enlameada na superfície lisa de couro. — Não é engraçado, — Kingsley disse enquanto pegava a mala dela e a arremessava no carrinho de bagagens, quase como se ele estivesse arremessando uma bola de basquete e não levantando setenta libras em peso. (Mimi nunca viajava com pouco. Uma garota precisa de opções). — Eu não estou rindo, — Mimi interrompeu. — Eu só não sei como nós não percebemos isso da primeira vez. — Só porque nós somos Venators não significa que não cometemos erros. E uma coisa é ser incompetente, outra é estar enganado. Nós não estávamos procurando isso, por isso não encontramos. — Eles andaram para fora do terminal até a tarde leve e tropical. Graças a Deus o tempo era de cabeça pra baixo aqui. Mimi tinha se preparado para formações de bolhas por causa do calor e descobriu que era inverno na América do Sul e que isso era uma agradável surpresa. Os garotos Lennox haviam mandando seu próprio táxi para o hotel, o que significava que ela e Kingsley estavam presos um ao outro de novo. Os dois irmãos estavam sob o comando de Kingsley por séculos, mas mantiveram isso para si. Eles preferiam ter sua própria empresa e

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com frequência, só falar se lhes dirigirem a palavra, em grunhidos monossílabos. Ela e Kingsley não tinham escolha a não ser falar um com o outro ou morrer de tédio. Kingsley assobiou por um táxi, eles pularam no banco traseiro e se dirigiram lentamente até a cidade. A cidade continuava a mesma, tão linda e exótica como sempre, mas de alguma maneira, ver o Redentor acima do Corcovado, não deu a Mimi a mesma excitação que uma vez deu. Ela não sabia o que pensar, ela sabia com toda a certeza o que o Conclave achava, mesmo que Kingsley tenha querido ir atrás do Leviatã logo depois que ele leu o relatório, mas ao invés, ele havia sido mandado para essa pequena aventura. Forsyth Llewellyn havia pressionado os Elders sobreviventes para que a busca pelo Observador fosse de prioridade máxima. Mimi não estava inteiramente convencida, como o Senador estava, de que os Silver Bloods traidores haviam sido todos desmascarados pelo incêndio nos Almeida, com certeza Nun Cutler, a líder, havia morrido, mas tinha que ter outros dentro do Coven. Warden Cutler tinha que ter tido ajuda. Mas esse não era realmente o problema de Mimi no momento. Tudo o que Mimi sabia era que quando Kingsley começou a montar sua equipe, ela havia se voluntariado. Ela queria sair de Nova York, para longe das chocadas e tristes faces dos membros sobreviventes do Conclave. Eles estavam todos tão fracos e amedrontados! Irritava-a vêlos intimidados e apavorados. Eles eram vampiros, onde estavam seus orgulhos? Eles estavam agindo como carneiros encurralados, choramingando para Forsyth sobre como eles deveriam se esconder. Ela queria achar quem fosse responsável por aquela noite terrível, caçá-los e então matá-los um a um. Sacrilégio era o que isso era, desrespeito. O ataque dos Silver Bloods era perverso em seu alcance e intensidade. Eles tinham tentado acabar com o clã de Elders e Wardens, deixando a comunidade irrelevante e fraca. Eles não haviam mostrado piedade. Mimi planejava mostrá-los o mesmo. Mas primeiro eles tinham que achar Jordan. Jordan iria dizer a eles o que aconteceu; Jordan sabia o que os Silver Bloods eram e onde estavam se escondendo. Porque Jordan Llewellyn estava só fingindo ser uma criança. Jordan era o Observador, Pistis Sophia, Elder dos Elders, uma alma nascida com os olhos abertos, isso é, com completa compreensão e comando de todas as memórias. Sophia havia adormecido por milhares de anos até que Cordelia Van Alen pediu aos Llewellyns, uma das mais velhas e confiáveis famílias do Conclave, para pegar seu espírito como seu recém-nascido. O Observador deveria manter vigilância contra seus inimigos e soar o alarme caso o Príncipe das Trevas retornasse para a Terra. Durante o tempo da crise de Roma, foi Sophia que descobriu primeiro a traição Croatan. Ou algo do tipo, de qualquer jeito. Havia sido tudo há tanto

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tempo, que Mimi não poderia ser incomodada para lembrar. Quando você tem vivido por milhares de anos, olhar suas memórias é como tentar encontrar lentes de contato em uma pilha de vidro quebrado. O passado não era arquivado em pastas na tela do computador, marcado com datas e rótulos para livre acesso. Pelo contrário, o passado era um turbilhão de imagens e emoções, de conhecimento que você não entendia e informações que você não lembrava possuir. Algumas vezes, quando ela tinha um momento para si mesma, Mimi se perguntava por que ela havia se voluntariado de forma tão contente. Ela havia perdido seu último ano de colegial e não seria capaz de se formar com a sala. E não era como se ela se importasse com Jordan Llewellyn. Ela só a havia encontrado umas duas vezes, e todas as vezes, Jordan havia feito ou um comentário, ou uma expressão rude. Mas algo a disse que ela precisava ir, e Jack também não havia impedido-a. Era estranho como as coisas nunca se saem como o esperado. Mimi havia pensado que ela e Jack iriam se tornar mais próximos com tudo o que aconteceu, especialmente com aquela estúpida moleca Van Alen fora do caminho. Talvez eles fossem ficar juntos agora que não havia mais nada no caminho. Mas então por que ela estava aqui e ele em algum outro lugar? — Um centavo pelo que você está pensando? — Kingsley perguntou, assim que notou o silêncio dentro do táxi. — Vai custar muito mais do que isso, — Mimi disse. — Vamos dizer que o que quer que seja, você nunca seria capaz de pagar. — Oh, mesmo? — Kingsley levantou uma sobrancelha. Sua assinatura. Garantida para conquistar garotas. Ela podia ver isso em toda a sua face arrogante. — Nunca diga nunca. O hotel no qual eles se registraram era modesto: três estrelas, e isso era exagerando. Era a milhas da praia, e o elevador estava quebrado quando eles chegaram. Mimi passou uma noite apática com lençóis que causavam coceira e ficou surpresa ao encontrar a equipe em um extraordinário bom humor na manhã seguinte. Bem, alguém tinha que gostar de percal.24 Kingsley sentou-se na mesa de café da manhã parecendo recém energizado, e não só por causa das quatro doses de expresso em seu café com leite. Ele bebia café como alguns vampiros bebem sangue. — 24

Percal: Tecido de algodão fino.

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Nós temos pensado como humanos, — ele suspirou. — Procurando por suspeitos, interrogando testemunhas. Esses são os Croatan que nós estamos enfrentando. E eles usam seu tempo para manipular memórias que nos levam a qualquer lugar menos aqui. — Isso significa que ela está aqui. No Rio. Eu entendi. — Mimi assentiu. — Eles nos mandaram o mais longe possível. — Provavelmente ela está bem embaixo de nossos narizes, — Kingsley disse. — Em uma das cidades mais populosas do mundo. — Dez milhões de pessoas, — Mimi disse. — É muito. — Seu coração começou a afundar só de pensar em quantos sonhos eles teriam que ler, quantas noites sem fim eles teriam que passar perseguindo sombras no escuro. Ela assistiu Kingsley sair da mesa e ir até o Buffet, onde o hotel estava servindo um café da manhã completo: bandejas de pão de queijo e biscoitos salgados; mamões papaia recém cortados, mangas e melancias. Tigelas de creme de abacate. Pratos cheios com mel e bacon crocante. Ele pegou uma fatia de melancia e deu uma mordida, ficando em frente às janelas de longa metragem que forneciam uma vista panorâmica de toda a cidade. Mimi seguiu seu olhar para fora até as encostas das aglomerações. As favelas eram tão amontoadas e estruturalmente engenhosas como fazendas de formigas, elevando-se precariamente sobre as falésias, um labirinto bizantino de guetos urbanos das áreas pobres do Rio. — Incrível, não? Uma cidade dentro da cidade, realmente, — Mimi disse. — É de se perguntar como tudo isso não desaba na época das enchentes. Kingsley derrubou uma casca de melão. — As favelas... é claro. Os Silver Bloods sempre foram atraídos por caos e desordem. É lá que nós iremos começar. — Você está falando sério? — Mimi gemeu. — Ninguém vai até lá se não for preciso.

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Capítulo Nove Bliss O Visitante estava irritado. Bliss sentiu sua irritação como uma bolha. Pelo o que ela podia dizer, era tarde. Os dias passavam um depois do outro tão facilmente que era difícil descobrir que horas eram, mas Bliss tentava seguir seu curso da melhor maneira possível. Quando ele estava quieto, era noite, e quando ela podia sentir sua consciência, era dia. Normalmente ela tinha um vislumbre do mundo exterior quando ele acordava. Como ontem de manhã, com as cortinas brancas. E então as cortinas se fechavam de novo. Só quando ele abaixava a guarda que Bliss era capaz de ter uma rápida imagem do mundo exterior. Como agora, o Visitante havia sido pego de surpresa. Num minuto eles estavam caminhando pela casa, e no outro estavam no meio de um bando de animais: grotesco e lamentável. Feio. O que era aquilo que ela estava vendo? Então ela percebeu que estava vendo o mundo através dos olhos dele. Apenas quando ela se forçou um pouco mais foi que ela percebeu que eles só estavam entre um grupo de pessoas normais. Uma mulher usando um terno bege e óculos de sol estava conduzindo uma família através do foyer. Eles pareciam como a típica multidão dos Hamptons, Pai com uma camiseta Lacoste pastel, tênis branco, suéter sobre os ombros, Mãe com um vestido leve cor de lavanda, as crianças, dois garotos, em versão miniatura das roupas do pai. — Oh, olá... Desculpe-me. Foi-nos dito que os proprietários não estariam aqui para a apresentação, — a mulher no terno de trabalho disse com um sorriso falso. — Mas já que você está aqui, você sabe se o empreiteiro do seu pai vai estar aqui para terminar a reforma? Então tudo ficou preto e a imagem desapareceu de novo, mesmo com Bliss sendo capaz de ouvir a pergunta. BobiAnne havia sido a responsável pela reforma antes de morrer. A casa nos Hamptons já

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deveria estar terminada, mas quando eles voltaram da América do Sul, Forsyth ordenou que a construção parasse. Metade da parte de trás da casa estava faltando. No lugar estava um grande buraco coberto de pó de gesso, serragem e plástico. O senador havia voltado para Nova York apenas para descobrir que ele havia sido limpo graças à última turbulência financeira. Um tipo de esquema Ponzi, Bliss entendeu; um total fiasco. Ela não tinha certeza, exceto que o que quer que isso fosse, tinha sido o suficiente para tirar Forsyth das funções do Conclave por um tempo. Ela não podia dizer o que exatamente havia acontecido, já que por volta dessa época que o Visitante começou a tomar o controle completamente; mas ela tinha a sensação de que eles estavam falidos. Forsyth estava tentando conseguir um empréstimo do Comitê para tomar seu curso novamente, mas isso não era suficiente. Seu salário como senador era insignificante. Os Llewellyns, como muitas famílias Blue Bloods, viviam de retornos de investimentos. E aparentemente esses investimentos haviam ido embora. Essa era provavelmente a razão de ter uma agente imobiliária na casa com clientes. Forsyth estava vendendo a casa. O pensamento não fez de Bliss muito triste. Eles não passavam tanto tempo no Hamptons para ela sentir falta. Ela havia ficado muito mais desconsolável quando eles deixaram a casa no Texas. Ela ainda sentia falta de lá algumas vezes: o jeito que seu quarto-sótão de dois andares roçava nas folhas de um velho carvalho, tardes passadas lendo no balanço da varanda, os espelhos antigos nos banheiros que faziam todos parecerem um pouco misteriosos e como fadas. O Visitante havia ido embora por um tempo, ela pensou, na escuridão. Por quanto tempo, ela não estava certa. É difícil julgar o tempo quando você não está mais no mundo físico. Bliss não tinha certeza, mas havia algo diferente na solidão. Talvez ela estivesse realmente sozinha dessa vez enquanto o Visitante fazia sabe Deus o que. Geralmente ela sentia sua presença, mas houve tempos, no passado, que ela estava convencida de estar completamente sozinha. Era só ela em seu corpo, o outro havia ido. Poderia ser que ela estivesse completamente sozinha? Bliss sentiu uma excitação nascendo em seu peito. Não havia nada. O Visitante havia ido, ela podia sentir. Ela tinha certeza. Ela sabia o que tinha que fazer. Mas ela não sabia se ainda podia. Abra as cortinas. Abra seus olhos. Abra-os! Abra! Mas onde eles estavam? Desencarnados. Ela entendeu o significado da palavra. Era

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como flutuar sem uma âncora. Ela tinha que chegar ao chão de novo, sentir seu caminho de volta até que, sim! Ali estava, uma fenda de luz, talvez ela só tivesse imaginado, mas se ela pudesse só forçar para abrir um pouco mais... Bliss abriu os olhos lentamente. Ela conseguiu! Ela olhou em volta. Era incrível conseguir ver o mundo à sua maneira, e não do jeito que o Visitante enxergava, através dos óculos odiosos e coloridos. Ela estava na biblioteca. Um pequeno recanto acolhedor cercado por paredes de livros. Sua madrasta-decoradora havia insistido que todas as — casas boas— tinham uma biblioteca. BobiAnne lia revistas. Forsyth gostava de ficar em seu canto com sua televisão de tela grande. A biblioteca havia se tornado o território das irmãs. Bliss se lembrou de como ela e Jordan se sentavam no assento da janela, olhando para a piscina e o oceano enquanto liam. Bliss viu um verão antigo em cima de uma pilha de livros ao lado de uma mesa vitoriana. Os irmãos Karamazov. As vinhas da ira. Persuasão. Ela pensou ter ouvido um barulho. Se era de dentro ou de fora ela não sabia. Feche as cortinas. Feche seus olhos, ela pensou freneticamente. Feche-os antes que ele volte. Ela os fechou. Nada. Ela ainda estava sozinha. Ela esperou um longo tempo. Então ela abriu os olhos de novo. Nada. Ela estava realmente sozinha. Ela tinha que tirar vantagem disso. Bliss tinha um plano desde que notou as ausências prolongadas. Ela tinha que fazer algo a mais do que só olhar em volta. Ela ousaria? Seu corpo estava lento e pesado. Tão pesado. Isso seria impossível. E se ele voltasse? E daí? Ela tinha que tentar, ela disse a si mesma. Ela tinha que fazer alguma coisa. Ela não podia só viver como uma inválida, no limbo, paralisada. Se eu posso abrir meus olhos, eu posso fazer algo mais. Eu continuo sendo Bliss Llewellyn, não continuo? Eu já ganhei torneios de tênis e corri maratonas. Eu posso fazer isso. Mova sua mão. Mova sua mão.

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Não posso. Muito pesada. Onde está a minha mão? Eu tenho uma mão? O que é uma mão? Ali. Eu posso sentir meus cinco dedos, mas eles parecem tão distantes, como debaixo de vidro, ou debaixo d'água. Ela se lembrou de ver um mágico no Today show que viveu debaixo d'água por alguns dias. Como imobilizado e inchado ele parecia. Ela não era mágica, mas não havia motivo para ficar presa por seu próprio medo. Mova-se. Mova. Sua. Mão. Oh, Deus. Pesa mil e quinhentos quilos. Eu não posso fazer isso. Eu não posso fazer isso. Eu não posso, eu não posso. Mas eu preciso. Faça! Ela se lembrou de quão difícil havia sido aprender a base da pirâmide escorpião, um dos movimentos mais difíceis de líder de torcida. Requer boa coordenação e as habilidades de um trapezista. Bliss era a única líder de torcida do time que conseguia fazer. Ela se lembrou do quão assustada havia ficado na primeira vez. Se ela não se segurasse na base para cima ela cairia; se ela perdesse o foco na volta da extensão, ela cairia; se ela não se balançasse direito em seu pé esquerdo, ela cairia. Mas ela se segurou na base, atingiu sua marca, ficou com sua perna direita estendida, atrás de sua cabeça e manteve a pose até ser atirada para cima em um salto triplo e aterrissar em seus pés. Que pena que a Duchesne não possuía uma equipe. Bliss havia tentado iniciar uma, mas ninguém se interessou. Esnobes! Eles não sabiam o que estavam perdendo. O sentimento da noite de uma grande partida. A antecipação da platéia. A emoção de correr através do campo, pompons balançando, o barulho das arquibancadas, a inveja e a admiração. Nas sextas, as lideres de torcida eram autorizadas a usar seus uniformes durante as aulas. Era semelhante a usar uma coroa. O escorpião. Ela acertou aquilo. Se eu posso fazer aquilo, eu posso fazer isso, ela disse a si mesma. Mova. Sua. Mão! Ela podia sentir a franja em seu rosto. O Visitante não havia se incomodado com cortes de cabelo ou manicure. Bliss estava irritada. Todo aquele trabalho para ficar bonita estava indo pelo esgoto.

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Seu cabelo estava selvagem e indomável, áspero ao toque. Ela precisava fazer algo a respeito. Lá. Urrrgh! Sua mão foi para longe, movendo-se como uma marionete, como um boneco em cordas. Mas ela conseguiu. Sua mão penteou seu cabelo desajeitadamente, movendo-o para longe de seus olhos. Então. Eu posso fazer isso. Eu posso controlar o meu corpo. Vai ser difícil e doloroso e lento, mas eu posso fazer isso. Eu não estou fora do jogo ainda. Agora tudo que ela precisava fazer era aprender a andar novamente.

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O Familiar Por quase setenta anos, Christopher Anderson havia servido fielmente como humano familiar de Lawrence Van Alen. Foi ele quem trouxe Schuyler para o hospital para ter seu braço cuidado apropriadamente após a volta do Corcovado com a notícia do falecimento de seu mestre. O ativo e gentil cavalheiro nunca havia parecido a Schuyler particularmente velho, mas desde a morte de Lawrence parecia que a idade finalmente o havia atingido. Agora ele era frágil e andava com uma bengala. Anderson a visitara na noite passada na casa de Oliver, onde ela estava ficando desde o retorno da América do Sul. Ela não tinha coragem para voltar aos muros de pedra na 101st Street. Doía demais saber que lá não haveria a fumaça do charuto de Lawrence enquanto ele estudava. O Familiar de seu avô havia aconselhado-a a deixar o país o mais rápido possível. Ele havia lido os registros da investigação. — Você não pode se arriscar. Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. É melhor que você parta agora, antes que eles possam repudiá-la como uma traidora. — Eu te avisei, — Oliver disse, olhando significativamente para Schuyler. — Mas para onde nós iríamos? — ela perguntou. — Todo lugar. Não ficar em lugar algum por mais de setenta e duas horas. Os Venators são rápidos, mas eles tentarão vigiá-los para encontrá-los e isso irá atrasá-los um pouco. Para onde vocês forem, tenham certeza de estarem em Paris no próximo agosto. — Por que Paris? — Schuyler perguntou. — Toda a Coven europeia realiza uma festa e um congresso, ano sim, ano não, — Anderson disse. — Lawrence planejava participar do encontro bienal. Você deve ir ao lugar dele. A Condessa irá te encontrar. O Conclave se separou desde que os Blue Bloods deixaram o Velho Mundo. Ela nunca teve fé em Michael e na Coven de Nova York. Ela vai ter menos fé ainda agora, quando ela souber da morte de Lawrence. Ela era uma de suas mais antigas amigas. A Condessa havia sido amiga de Cordelia também, Schuyler percebera depois. Ela se lembrava vagamente do casal real: com sua

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majestosa casa que havia deixado uma bela impressão. Ela não havia pensado nada em particular sobre eles, exceto que eles pareciam graciosos e extremamente ricos, assim como todos do circulo de amigos de Cordelia. Agora, Schuyler entendia que eles eram especiais. A Condessa havia sido casada com o falecido Príncipe Henri, que seria Rei da França se tivesse ganhado a Revolução. Henri havia sido o líder do Conclave europeu. Ao final de seu ciclo, sua rainha havia assumido o título. Anderson estava deixando a cidade também. Após a morte de um vampiro, os humanos familiares eram liberados do serviço e lhes era concedido uma escolha: o Repositório ou liberdade. Em geral eles poderiam trabalhar para a Coven ou poderiam ter uma vida normal. Anderson contou a eles que não tinha nenhum desejo de viver o resto de sua vida dentro de um porão. Ele iria voltar para Veneza, para a Universidade. Obviamente, sua memória seria apagada pelo Conclave. Era um pré-requisito para deixá-los. Os Blue Bloods mantiveram seus segredos. Schuyler entendeu a decisão de Anderson, mas isso também a entristeceu. Anderson era a única conexão que restava com seu avô. Uma vez que ele deixasse a Coven, ele seria um estranho para ela. Mas ela não negaria a ele o desejo de uma existência normal. Ele havia passado a vida toda em serviço para os Van Alen. — Vá e encontre a Condessa, — Anderson continuou. — Diga a ela tudo o que está acontecendo. Há desconfiança entre as Covens, então, talvez, ela não saiba a verdade sobre o massacre no Rio. E, Schuyler? — Sim? — Eu sei o que eles planejam para amanhã na minha entrevista de saída. A amnésia forçada. Mas não se preocupe, eu nunca esquecerei você. — Ele apertou a mão dela e ela entrelaçou seus dedos. — Eu não me esquecerei da sua bondade, — Schuyler respondeu. Como sempre, Oliver estava certo. Eles tinham que partir imediatamente. Os Venators viriam buscá-la essa noite. Eles viriam e a levariam embora. — A Condessa irá ajudá-la. Schuyler esperava que o velho amigo de seu avô estivesse certo.

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Capítulo Dez Schuyler — Olha pra você — Murmurou Oliver, chegando por trás para descansar uma mão na cintura exposta de Schuyler. Ela voltou-se para ele com um suave sorriso e colocou sua mão firmemente em cima da dele, de modo que fosse quase um abraço. O que quer que acontecesse esta noite, pelo menos tinham um ao outro. Era uma fonte de grande consolação para ambos. — Você não está tão mal. — disse ela. Ele estava vestido como o príncipe Magnate, em uma fina jaqueta de equitação de brocado dourado e um turbante branco em cima de seu cabelo caramelo. Em resposta, Oliver tomou a sua mão cheia de jóias e pressionou com seus lábios, enviando um delicioso calafrio por sua espinha. Seu amigo e seu familiar. Eram uma equipe. Como os Angeles Lakers25, imbatíveis, Schuyler não podia fazer mais do que pensar. Sempre fazia gracejos sem graça quando estava nervosa. — O que é isto? —Perguntou, enquanto Oliver pressionava algo em sua mão. — A encontrei no jardim antes — Disse ele, mostrando um trevo de quatro folhas. — Para dar sorte. Não necessito de sorte se tenho a você, quis dizer, mas sabia que Oliver pensaria que ela estava sendo cafona. Em lugar disso, aceitou a flor e colocou em seu sári com um sorriso. — Dançamos? — ele perguntou, quando a Bhangra26 pop finalizava e a orquestra mudava para uma versão de valsa dos Beatles “Norwegian Wood”. Ele a levou para o meio da pista de dança situado no grande salão de baile justo fora do pátio. A sala estava decorada com lanternas 25 26

Angeles Lakers: equipe de basquete profissional da NBA Bhangra: é uma forma de música e dança originária do Punjab, região da Índia e Paquistão

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chinesas, delicados orbes de luz que se viam fora do lugar contra a arquitetura francesa. Havia somente algumas pessoas dançando, e Schuyler se preocupava que chamavam a atenção por serem pessoas mais jovens da pista de baile por várias décadas. Mas essa canção sempre a havia encantando, o qual era tanto uma canção de amor como o oposto. — Um a vez eu tinha uma garota, ou devo dizer, ela teve a mim. E lhe encantava que Oliver quisesse dançar. Ele estendeu seus braços e ela caminhou para eles, descansando a sua cabeça em seu ombro, enquanto ele rodeava a sua cintura. Ela desejava que dançar era tudo que deviam fazer. Era tão lindo viver o momento, apreciar abraçá-lo tão próxima, fingir por um período que eram simplesmente dois jovens apaixonados e nada mais. Oliver a guiou sem problemas por cada dança, um produto das aulas obrigatórias de baile de sua mãe obcecada pelo protocolo. Schuyler se sentia graciosa como uma bailarina em sua direção segura. — Nunca soube que você poderia dançar. — zombou. — Nunca perguntou— disse ele, girando então a sua volta de forma que suas calças de seda flutuassem lindamente em seu tornozelo. Dançaram mais duas músicas, um pegajosa e popular canção de rap polonesa, uma esquizofrênica mescla de música rápida e lenta, Mozart a M.I.A, Bach a Beyoncé. Schuyler descobriu que estava desfrutando. Então a música se deteve abruptamente e giraram para ver o que havia causado o repentino silêncio. — A Condessa de Paris, Isabelle de Orleans. — anunciou o diretor da orquestra, enquanto uma imponente mulher, muito bonita para a sua idade, com cabelo negro e um elegante porte entrou no salão. Ela estava vestida como a Rainha de Sheba, em uma touca de ouro e lápis azul. Sua mão direita sustentava uma imensa corrente de ouro, e ao final dela havia uma pantera negra usando um colar de diamante. Schuyler prendeu sua respiração. Então ela é a Condessa. A possibilidade de pedir refúgio à mulher de repente parecia mais desanimadora do que nunca. Havia esperado que a Condessa fosse uma mulher gorda e idosa, toda desalinhada, uma senhora que viesse em um traje cor pastel com um grupo de cães. Mas esta mulher era sofisticada e chique, dava a impressão de ser tão remota e distante como uma divindade. Porque se importaria com o que acontecia a Schuyler?

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Ainda assim, talvez a Condessa somente parecesse imperiosa e inacessível. Depois de tudo, esta festa não devia ser fácil para ela. Schuyler se perguntava se a Condessa estava triste de haver perdido seu lugar. O Hotel Lambert havia estado em sua família por gerações, Schuyler sabia que a recente crise financeira mundial havia humilhado desde as casas maiores das famílias mais ricas. Os Hazard-Perry haviam investido bem: Oliver lhe contou que haviam saído do mercado anos antes que deixasse de funcionar. Mas em toda zona leste, segundo escutou Schuyler, joias foram rematadas, artes avaliadas, carteiras liquidadas. Foi o mesmo na Europa. Nenhuma das outras famílias de Blue Bloods inclusive poderia se dar ao luxo de comprar o Lambert. Teve que ir a uma corporação, e assim foi. A Condessa acenou a seus convidados enquanto o salão de baile explodia em aplausos, Schuyler e Oliver aplaudiram tão fervorosamente como o resto. Então Isabelle tomou a saída, a música começou outra vez, e a tensão na sala se abateu. Uma exalação coletiva. — Então, o que digo ao Barão? — perguntou Schuyler, enquanto Oliver a girava pelo centro da sala. O Barão de Coubertin era o empregado da Condessa e servia a sua senhora como um humano familiar, como Oliver fazia para Schuyler. Anderson lhes havia dito que uma reunião com a Condessa só poderia ser facilitada pelo barão. Ele era a chave para a apelação. Sem sua permissão jamais seriam capazes de conseguir um cabelo da Condessa. O plano era para Oliver apresentar-se no minuto em que o barão chegasse à festa, abordando-o enquanto pisava fora do barco. — O encontraremos logo— Disse Oliver, vendo-se apreensivo. — Não olhe para cima. Está em nosso caminho.

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Capítulo Onze Mimi Os quatro Venators fizeram um som muito pequeno enquanto aterraram no telhado do edifício. Seus passos podiam ser confundidos com o farfalhar de asas de passarinhos ou algum seixo desalojado da montanha. Era a quarta noite deles no Rio e estavam na favela da Rocinha atravessando sistematicamente a população, quarteirão por quarteirão, rua por rua, barracos arruinados por barracos arruinados. Procuravam por qualquer coisa, uma sucata de memória, uma palavra, uma imagem, isso talvez pudesse dar alguma luz sobre o que aconteceu com a Jordan e onde ela poderia estar. Mimi sabia tão bem o que o seu exercício poderia fazer com seus sonos. Ou atualmente, seu sono. Olhando para esses Red Blood tão confortáveis e seguros em seu descanso, pensou. Eles não tinham nem ideia que vampiros andavam na ponta dos pés em seus sonhos. Memórias eram coisas complicadas, Mimi registrou entrando no crepuscular mundo do Glom27. Eles não eram estáveis. Eles mudavam com a percepção sobre o tempo. Ela viu como eles mudavam, entendendo como a passagem do tempo os atingia. Um trabalhador esforçado pode recordar sua infância como cheia de miséria e dificuldade, estragadas pelo assovio de insultos e intimidações de campo de jogos, mas tem mais tarde muito mais flexibilidade entendendo as injustiças passadas. A roupa feita a mão que tinha sido reforçada por desgastar-se, transformou-se em um testamento de amor de sua mãe, cada remendo e costura um sinal de aplicação ao invés de um tipo de pobreza. Recordaria o pai permanecer acordado até tarde para ajudar com os trabalhos de casa, homem idoso paciente e dedicado ao invés da agudeza de sua têmpora quando retornava para casa, atrasado, da fábrica. Foi a outra maneira também. Mimi havia escaneado milhares de memórias de mulheres repelidas, que cujos amantes consideráveis eram feios e rudes, de narizes romanos demasiado aguçados, olhos cada vez menores e malvados dos meninos que tinham se transformado em seus maridos que cresceram em atrativos com o passar dos anos, de modo 27

Glom: a melhor definição seria roubar, pegar, mas é melhor manter em inglês.

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que, quando questionadas se era amor a primeira vista, as mulheres respondiam alegres que sim. Recordações eram imagens as quais fluíam constantemente. Eram histórias contadas pelas pessoas. Usando o glom, o mundo da escuridão e das recordações, um espaço em que os vampiros podiam entrar a vontade a fim de ler e controlar mentes, era como o piso de uma habitação escura, um laboratório onde os fotógrafos desenvolvem suas cópias, submetendo-as em bandejas com produtos químicos, secando-as em um varal de nylon. Mimi se recordou do quarto escuro em Duchesne, que usou para se esconder lá com seus familiares. Girando pela porta giratória, abandonando o mundo Tecnicolor28 da escola para entrar em um lugar pequeno e estreito que era tão escuro que ela havia se perguntado se havia ficado cega. Porque os vampiros, por suposto, podiam ver no escuro. Agora nem sequer tinham quartos escuros, com exceção dos filmes em que tinham que seguir um assassino em série? Perguntava-se Mimi. Agora todos tinham câmaras digitais. Os quartos escuros eram préhistóricos. Como as cartas escritas a mão e as primeiras datas apropriadas. — Quartos escuros, Force? Não me acerte como a um fotógrafo. — Pois te golpearei, — enviou Mimi de volta. — Há há — Volte para o seu paciente. Você vai despertar o meu. Ia contra o protocolo o fato de Kingsley entrar no espaço mental dela. Os quatro Venators podiam sentir o outro, o que supõe que deveriam estar em estação separada observando diferentes sonhos. Entraram em um dormitório de mulheres, um lugar na cidade onde as meninas de províncias longínquas pagavam uma ninharia para uma cama. Mimi estava na mente de uma menina. A menina tinha aproximadamente sua mesma idade deste ciclo, 17 anos. A menina trabalhava como camareira em um dos hotéis. Mimi escaneou os últimos três meses de sua vida. Viu-a fazendo camas, colocando o lixo para fora, limpando os tapetes e colocando no bolso as pequenas quantias que os convidados deixam na cabeceira. Viu-a esperar pelo noivo, um mensageiro em bicicleta e depois trabalhando em uma cafeteria pequena. „Trabalho, noivo, trabalho noivo. O que é isto?— O gerente do hotel forçou a menina entrar em seu escritório e tirar a roupa. Interessante. Mas era real? 28

Tecnicolor: colorido.

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No treinamento de Venator significava que Mimi havia aprendido a distinguir ficção de realidade, expectativa de realização. A menina realmente estava sendo abusada por seu chefe e estava temerosa que isso se sucedia. A via como um sonho de medo. Mimi usou a compulsão. Imaginou a menina empurrar seu chefe justo onde dói. Assim. Se alguma vez sucedia, a menina saberia o que fazer. — Chama-o. Lennox Uno? — A voz de Kingsley ecoou através da escuridão. — Espaço livre. — Dois? — Espaço livre — Force? Mimi suspirou. Não havia sinal da Observadora em nenhum dos pensamentos da menina. — Espaço livre Piscou seus olhos abertos. Estava sobre a menina, que dormia ruidosamente de baixo das cobertas. Mimi pensou que ela tinha um pequeno sorriso em seus lábios. Não há necessidade de ter medo, enviou Mimi. Uma menina pode fazer o que ela queira. — De acordo. Sigamos. — Kingsley os conduziu para a noite, entre os caminhos pavimentados e desmoronados que os levavam para as ruínas de filas de casas improvisadas e apartamentos construídos nas montanhas. Ela seguiu a equipe pela colina, andando por latas de lixo e pilhas transbordantes de sucata podre. Nada diferente de algumas partes de Manhattan, pensou Mimi, embora fosse surpreendente ver quanta gente vivia lá e quão retorcidas estavam as suas propriedades. Havia visto casas, choupanas, realmente sem água potável ou toalete, mas cujas salas de visita se vangloriam de televisões de tela plana de 42 polegadas e antenas parabólicas. Havia brilhantes automóveis alemães nas garagens improvisadas enquanto as crianças andavam sem sapatos. Falando das crianças: As escutou antes de vê-las. O alegre bando de pirralhos que haviam estado os seguindo em torno de toda a semana. Suas caras sujas com piche, suas roupas ásperas que carrega insígnias desvanecidas da equipe de esportes americanos, suas mãos

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estendidas, palmas para cima, vazias. Recordava-lhe a um anúncio de serviço público que se usava para mostrar nas noites: — São 10 P.M. Sabe onde estão suas crianças? — Senhora Bonita, senhora Bonita — gritaram, seus pés descalços tocavam o caminho úmido. — Fora — Disse Mimi entre dentes, movendo seus braços como molesta moscas. — Não tenho nada para vocês hoje. Nada para você. Deixe-me sozinha! Deixa-me em paz! Sua súplica lhe dava dor de cabeça. Não era responsável por essas pessoas, por essas crianças... Ela era um Venator em trabalho oficial, não alguma celebridade de uma campanha de relações públicas. Por outro lado, isto era o Brasil, um país em desenvolvimento. Havia lugares no mundo que eram mais desesperadores. Realmente, os pequenos pirralhos não sabiam quão afortunados eram. — Senhora, senhora — O pequeno, um anjinho em uma camiseta manchada, olhos escuros, agarrou a parte traseira de sua blusa. Como os outros Venators, Mimi usava um abrigo negro e pantalona de nylon a prova de água, roupa comum e atual. Ela se recusava a usar botas antiquadas (fazia seus pés parecerem gordos), e usava umas botas de taco. — Oh, de acordo — Disse Mimi. Era sua culpa que estes garotos andavam ao redor deles. Por muito que tentava endurecer seu coração, para permanecer impassível, estoica e indiferente ao rosto da verdadeira pobreza, Mimi considerou a sua habitação comum do hotel (nem sequer tinha uma suíte) suficientemente precário, ela considerou que sempre quando as crianças estavam a sua volta, ela tinha sempre algo para dar a eles. Um pedaço de doce. Um dólar. (Ontem 10 dólares para cada um). Uma barra de chocolate. Alguma coisa. As crianças a chamavam de — A senhora bonita, Senhora bonita. — Nada para vocês hoje! De verdade! Estou fora! — Ela protestou. — Eles nunca acreditariam em você. Não desde que você se rendeu no primeiro dia— disse Kingsley, olhando divertido. — Como se você tivesse feito algo melhor— Mimi resmungou, alcançando a sua bolsa. Os quatro se deixaram persuadir facilmente. Os silenciosos gêmeos repartiram goma de mascar enquanto Kingsley sempre podia esperar para pagar pelos petiscos fritos dos carros de rua. A pequena menina com cachos esperava pacientemente enquanto Mimi pegava um cachorrinho de pelúcia que havia comprado o presente aquela manhã especialmente para ela. O animal de pelúcia tinha uma

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face que a fazia lembrar o seu próprio cão. Desejava ter a sua gentil Chow com ela, mas era necessário para a proteção familiar canina reduzida nos últimos anos da transformação. — Aqui. E isto é para vocês para que se comportem, — disse, passando uma caixa de bombons. — Agora vão! — Obrigado! Obrigado, Senhora. — Eles gritaram enquanto saiam correndo com suas presas de guerra. — Você gosta deles, — disse Kingsley com um sorriso meio torcido que Mimi encontrou enfurecida porque o fazia muito mais atrativo do que necessitava ser. — De modo nenhum — Negou com a sua cabeça, sem mirar os seus olhos. Talvez houvesse bebido muita Coca-cola mexicana super doce que havia obtido. Ou talvez só estivesse cansada, sozinha e longe de casa. Porque em algum lugar no quebradiço e escuro coração de Azrael com centro de concreto, algo estava se derretendo.

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Perdida — Você deve perguntar ao Charles. Você deve perguntar a ele sobre os portões... Sobre o legado dos Van Alen e os caminhos da morte. Estas foram às últimas palavras do avô dela. Mas Charles Force havia ido quando Schuyler havia retornado para Nova York. Oliver averiguou através de seus contatos do Depósito que Charles havia embarcado em um usual passeio pelo parque em uma tarde e jamais regressou a casa. Isto foi há uma semana. O antigo Regis não deixou nota, nenhuma explicação. Aparentemente havia deixado tudo um desastre. A corporação Force havia perdido a metade do seu valor na queda do mercado nos valores de ações, e a embarcação estava de braços para cima: sua companhia estava afundando-se e não havia nenhum capitão dirigindo o navio. Mas alguém deveria saber onde ele estava, pensou Schuyler, em uma manhã ela tentou emboscar Trinity Force em um salão onde ela estava fazendo reflexos no cabelo. A destacada senhora da sociedade de Nova York foi envolvida por uma bata de seda sentada em baixo de uma lâmpada de calor. — Dou por certo que escutou as notícias — disse Trinity friamente, abaixando sua revista enquanto Schuyler tomava assento ao seu lado. — Charles deve ter boas razões para suas ações. Só desejava que ele tivesse compartilhado comigo. Schuyler lhe disse sobre as últimas palavras de Lawrence em cima da montanha. Esperando que Trinity pudesse emitir uma pequena luz em sua mensagem. — O legado dos Van Alen — Disse Trinity, mirando-se no espelho e dando golpes em sua touca de plástico que cobria suas lâminas de papel metálicas. — O que quer que seja, Charles deu as costas a tudo que se refira a sua família, há muito tempo. Lawrence estava vivendo no passado como sempre esteve. — Mas Lawrence insistiu que Charles era a chave. — Lawrence está acabado. — O modo em que Trinity o disse, soou como se Lawrence fosse um ator que tinha meramente terminado com seu papel em uma obra. Não um falecido. Não um morto. Alguém que tinha ido para sempre.

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Acabado. Havia outra coisa, uma coisa estranha que seu avô havia dito que Schuyler precisava confirmar. Ela não tinha certeza se Trinity sabia de alguma coisa sobre isso, mas ela tinha que perguntar. — Ele também disse que eu tenho uma irmã, e que ela será... a que causará a nossa morte. — Schuyler se sentiu uma tola repetindo isso de forma tão dramática. — Eu tenho uma irmã? Trinity não respondeu por um longo tempo. O som de secadores de cabelo e os clientes que bisbilhotavam com seus estilistas encheram o silêncio. Quando ela finalmente falou, sua voz era quieta e cuidadosa. — No sentido que sua mãe teve outra filha, sim. Mas isto foi há muito tempo, muito antes de você ter nascido, em um diferente ciclo, em um diferente século. E a garota foi tomada. Lawrence e Charles velaram por isso. Lawrence... Uma razão pela qual se foi em exílio foi que nunca se rendeu de suas fantasias. Estava morrendo, Schuyler, e você terá que entender... Estava se agarrando nas palhas, tentando se amarrar nas extremidades soltas. Provavelmente nem sequer tinha a mente sã. Então Lawrence disse a verdade. Tinha uma irmã. Quem? Quando? Ela estava morta? Sendo cuidada? O que isso significa? Mas Trinity se recusou a dar mais detalhes. — Eu te disse demais. — disse com o cenho franzido. — O Conclave pediu para eu testemunhar amanhã sobre o que aconteceu no Rio. Você estará lá? — Schuyler pediu um pouco melancólica. Se dando conta de repente o quanto ela precisava de uma mãe em sua vida. Trinity tinha tentado nunca preencher esse papel, mas tinha um pragmático modo sem sentido sobre ela que a fazia recordar a Cordelia. Era melhor que nada. — Sinto muito Schuyler, mas não estou disponível para ir. Como sempre, os Red Blood têm assumido condicionalmente seu sistema financeiro. Com a ida de Charles, estou obrigada a fazer um pouco do que eu possa para deter esse banho de sangue. Eu vou para Washington esta noite. — Está tudo bem — Schuyler não esperava nada mais. — E, Schuyler? — Trinity olhou-a afiada, como uma mãe que repreende uma filha determinada. — Desde seu regresso, seu quarto tem estado vazio. — Eu sei. — Disse Schuyler, simplesmente — Eu não vou mais viver com a sua família. Trinity suspirou — Não vou lhe deter. Mas tem que saber que quando estiver fora de nossa casa, estará fora de nossa proteção. Não podemos te ajudar.

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— Eu entendo. Tenho que correr esse risco. — Fora de hábito, Schuyler e Trinity trocaram um beijo duplo no ar em cada bochecha e disseram-se adeus. Schuyler saiu do aconchegante e tranquilizador salão de beleza para as ruas de Nova York, sozinha. Charles Force se foi. Charles Force era um beco sem saída. Ele tinha desaparecido, levando seus segredos com ele. Ela deveria descobrir o legado dos Van Alen por sua conta.

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Capítulo Doze Schuyler O Barão de Voubertin estava vestido como Átila, o Huno em uma completa armadura, com um arco e flecha em uma caixa para flechas sobre o ombro, junto com um escudo e uma lança. Em sua cabeça levava um chapéu com uma ponta de metal sobre a peruca de cabelo negro. Sua grande barba também era falsa. Aproximou-se com um terrível cenho franzido em seu rosto e cutucou Schuyler no ombro. — La Contesse Voudrait que vous me suiviez, s’il vous plait. A Condessa pediu que me siga, por favor. — Logo se virou abruptamente. Schuyler e Oliver começaram a caminhar juntos atrás dele, mas o Barrão os deteve. — A Condessa concedeu uma reunião somente com a Senhorita Van Alen. — disse em um perfeito Inglês, mirando severamente a Oliver como se fosse um incômodo. — Você esperará aqui. Schuyler assentiu apesar das queixas de Oliver. — Está bem. Nos vemos depois, — disse. — Não se preocupe. — Sentiu as olhadas de outros convidados voltando-se para sua direção. Com quem o Barrão estava falando? Quem eram aqueles dois? Estavam se tornando óbvios. Era necessário afastarem-se antes que alguém os notasse. — Não me preocupar? Para então eu estar fora de um trabalho — disse Oliver levantando as suas sobrancelhas. — Posso cuidar disso, — insistiu Schuyler. — Isso é o que me preocupa. — suspirou Oliver. Apertou seu ombro desnudo. Suas mãos estavam ásperas e calejadas pela viagem e trabalho. Não eram as mãos suaves do menino que só ia passar as tardes em museus. O Oliver que Schuyler havia conhecido jamais se instalava em um hotel de menos de cinco estrelas, muito menos hotel de classes ruins onde agora estavam habitando. O viu discutir o preço de macarrão instantâneo em Xangai, pechinchando cinco cents. — Estará tudo bem. — prometeu, logo murmurou suavemente para que o barão não pudesse escutar. — Tenho a sensação de que esta é a única forma que vou conseguir para falar com a Condessa.

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— Deixa-me falar com ele outra vez, talvez ele me escute, — Oliver sussurrou, olhando do Barão para a Schuyler. — Se algo acontecer? — Eu não serei capaz de viver comigo mesma, — Schuyler disse, terminando a sua sentença. Retirou sua mão gentilmente. — Também estou assustada, Ollie. Mas nós concordamos. Temos que fazer isto. Oliver apertou seus dentes — Não gosto— disse mirando o Barrão, mas a deixando ir. Schuyler seguiu o Barão fora do pátio para dentro do salão principal do palácio. Ele a levou através de uma fileira de habitações, passando pela biblioteca e vários outros salões de eventos. No final de um longo corredor, abriu a porta de uma ante-sala e a conduziu para dentro. Era um quarto pequeno, o telhado com mosaicos de ouro, vazio exceto por banco de veludo vermelho no meio. — Arr’te. Espere. Ela entrou, e a porta se fechou. Schuyler olhou ao redor. Havia outra porta no final da sala. Essa deveria levar até o escritório da Condessa. Schuyler podia sentir os guardas no local, protegendo a sala. Não havia modo de sair, exceto pelas duas portas trancadas. Uma das lições de Lawrence havia sido sentir as proteções invisíveis dos arredores para poder entender como sair deles. Escapar era noventa por cento de preparação e dez por cento de oportunidade, ele costumava dizer. Schuyler esperou pelo que pareceram horas, sozinha no pequeno aposento. A sala estava completamente isolada de ruído exterior. Não podia escutar nada da festa. Até a porta se abrir. — Barão de Coubertin? — perguntou — Tente outra vez — A voz era esmagadoramente familiar. Não. Não podia ser. Schuyler ficou paralisada. Era como se o passado estivesse zombando dela. Alguém estava fazendo uma brincadeira pesada com ela. Não havia forma que ele estivesse aqui. Uma pessoa de Nova York que ela tinha tentado tão arduamente esquecer. Jack Force entrou. A diferença de outros foliões era que ele foi vestido simples, todo de preto. Um Uniforme de Venator. Seu cabelo platinado estava curto, ao estilo militar, fazendo seu olhar aristocrático mais atrativo. Ele se moveu com uma elegância natural, parando na borda do quarto como um animal perigoso que circunda sua rapina. Ela

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considerou que o tivesse esquecido. Ou talvez ela apenas houvesse imaginado que o tinha esquecido. Eles não se tinham visto desde a última noite no apartamento de Perry Street. A noite em que ela lhe disse que amava outro. Como doeu ver a seu lindo rosto, tão grave e sério, como se tivesse envelhecido uma vida em um ano. O dano era como uma dor física, uma nostalgia que ela havia reprimido, de pronto estalando outra vez: Brilhante e vermelho de fúria, surpreendendo em sua intensidade. Um desejo impossível: um furo em seu coração que ansiou ser preenchido. Não. Detém-se. Não vai lá. Ela estava furiosa consigo mesma por sentir-se dessa maneira. Estava mal, e inacreditavelmente desleal com a vida que havia vivido por um ano. Uma traição para a vida que ela e Oliver tinham construído juntos. Se somente pudesse fazer algo com seu coração. Seu frenético e traiçoeiro coração. Porque tudo o que queria fazer era correr para os braços de Jack. — Jack — suspirou. Inclusive dizer o seu nome era difícil. Era tão terrível desejar vê-lo de novo? Deus sabe que tentou deixar de pensar nele, havia banido todo pensamento dele para o canto mais escuro de sua mente. Contudo era sempre lá: em seus sonhos, ela sempre regressava para o apartamento acima da cidade, a esse lugar ao lado do fogo. Não podia deixar de sonhar, certo? Não era sua culpa. Essa era a parte importuna. Por mais que desejava, seu inconsciente sempre a levava de regresso a ele. Ao vê-lo, vivo, respirando, junto aqui em sua frente era como uma lesão direta a tudo que tentou suportar durante seu mais de um ano de exílio. Tinha-se convencido que o seu amor por ele estava morto e sepultado, fechado em uma caixa de tesouro no fundo do mar, nunca voltar a ser aberto. Ela havia tomado a sua decisão. Amava a Oliver. Eram felizes, tão felizes como duas pessoas poderiam ser com uma recompensa por suas cabeças. Jack não era dela para amar, e nunca tinha sido. O que quer que tenha significado uma vez um para o outro, já não era mais. Ele era um desconhecido. Além do mais, ele tinha um vínculo com a sua gêmea vampira, a Mimi, sua irmã. Não fazia diferença o que continuava (lamentavelmente) sentindo Schuyler. Não importava. Ele estava vinculado à outra pessoa. Não tinha nada com ele, e ele com ela. — O que faz aqui? — perguntou, porque ele somente a encarava em silêncio, principalmente depois de ter dito o seu nome. — Estou aqui por você. — disse, seus lábios se estenderam em uma linha severa.

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Então Schuyler sabia. Jack estava ali pela parte do Conclave. Estava ali para levá-la de volta para Nova York. De volta para custódia. Esta ali para levá-la para enfrentar o inquisidor para sentenciá-la. Inocente ou culpada, não importava, ela sabia qual seria o ser veredicto, eles haviam se posto contra ela. Agora Jack era um deles. Parte do Conclave. Um inimigo. Schuyler foi para a parede oposta, para a outra porta, sabendo que era inútil. Os guardas, as proteções do lugar diziam que não havia forma de sair. Tinha que tentar. Tomar uma vantagem com a parede e saltar alto o suficiente para poder passar através do vidro. Jack notou seus olhos moverem-se rapidamente para o teto. — Destruirá esse quarto se tentar. — E o que me importa? — Creio que te importa. Creio que ama o Hotel Lambert tanto quanto eu. Não é a única que ia brincar nesses jardins. — Como suposto, Jack havia estado antes aqui. Seu pai havia sido o antigo Regis. Os Force provavelmente tinham se hospedado na mesma ala de hóspedes que ela e Cordelia. Mas e daí? — Mas esta é a única forma, apenas observe. Jack deu um passo em inimigo. Não importa o que perdido. Tem uma proteção ensinou. Você irá se quebrar

direção a ela. — Schuyler, eu não sou seu você pensa. Está errada. O caminho está que não sente, uma que Lawrence não te contra o vidro. Eu não te farei dano.

— Não. — Não tem opção. Vem comigo Schuyler, por favor. — Jack estendeu sua mão. Seus olhos verdes brilhantes eram gentis, suplicantes. Ele olhou vulnerável e perdido. Era o mesmo olhar que ele havia dado naquela noite. Quando tinha pedido que permanecesse. E ela lhe deu a mesma resposta que havia lhe dado então. — Não. Antes de poder respirar, ela estava correndo em diagonal, tão rápido que era uma mancha rosada na parede dourada, e logo se lançou para cima para passar através do teto, enviando uma chuva de fragmentos de cristais aterrissando no assoalho de mármore. Tudo terminou em um instante. Ele estava errado. Ela sabia o feitiço que tinha naquele lugar, e sabia o contra feitiço que o destruiria. Contineo and Frango. Lawrence tinha sido completo em seu curso. Nisso ao menos, não seu avô não tinha falhado.

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Desculpe-me, Jack. Mas eu não posso voltar lá. Nunca. Então ela desapareceu dentro da noite.

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Capítulo Treze Bliss — Escuta! Não vou a lugar algum, Bliss! Insisto! Você terá que chamar a polícia se quiser que eu vá!— A voz era tão forte, tão agressiva e ruidosa, tão cheia de si, transbordante com a completa e total suposição que estava cem por cento do lado da razão, cheio com o tipo de arrogância de Nova York que só um habitante cínico da cidade poderia ser. Era o tipo de voz que gritava aos carteiros de bicicletas e gritava ordens à subordinados correndo para todos os lados por café sem espuma, tão forte e insistente que atravessou através a barreira que evitava que Bliss visse ou ouvisse o mundo ao seu redor. O Visitante se levantou. Era como observar uma serpente enroscada pronta para brincar. Bliss manteve sua respiração. A voz continuou. — Ao menos pode lhe dizer que está aqui? Qual o motivo de tudo isto? Bliss saltou. Era a primeira vez em um ano que o Visitante lhe falava diretamente. No começo, as luzes se acenderam e se deu conta de que podia e estava olhando pela janela. Havia um pequeno homem calvo de pé na porta principal, estava furioso e assediava a criada. É Henri, disse ela. Quem é? Meu agente de modelo. Se explique. Bliss lhe enviou imagens e recordações ao Visitante: esperando fora do escritório na Agência Farnsworth, sua pasta equilibrada em seus joelhos, reuniões no desjejum com Henri em cima de cappuccinos em Balthazar antes da escola, caminhando pela passarela durante a semana da moda em Nova York, as sessões de foto nos estúdios StarretLehigh, suas campanhas publicitárias para Stitched de Civilization, viajar ao Caribe para sessões de fotos, suas fotografias em outdoors, circulando em revistas, coladas nos lados dos ônibus e acima dos táxis. — Ehm, sou modelo— lhe recordou.

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A cobra relaxou, retraindo sua língua. Mas permaneceu uma tensa cautela. O Visitante não lhe fez graça. Uma modelo. Um manequim vivo. Rapidamente teve uma decisão. Desfaça-se dele. Tenho sido negligente para deixar que isso aconteça. Devemos manter as aparências. Ninguém deve suspeitar que não seja você. Não falhe. — A que você se refere? O que quer que eu faça? — perguntou-lhe Bliss, mas antes de poder terminar a frase, estava PEGA, de volta ao seu corpo, completamente no controle. Isto não era nada como a patética tentativa da semana passada para remover sua franja da sua frente. Deu-se conta do muito de sua pessoa que ele estava removendo, um pensamento que tentou para se refugiar dele. Era como voltar à vida depois de estar presa em um caixão. Cambaleava como um potro recém-nascido. Era como se o mundo estivesse claro depois de anos de observar um filme borrado. Ela podia cheirar as malvas do exterior de sua janela, podia saborear o sal da brisa marinha. Suas mãos, suas mãos lhe pertenciam. Sentia-se ligeira e forte, não pesada. Suas pernas se moviam, estava caminhando! Tropeçou em uma almofada. Ouch! Levantou-se e caminhou mais cuidadosamente. Mas sua liberdade tinha um preço, ela podia senti-lo, uma presença, no espaço justo atrás (esse assento traseiro de passageiro), esperando, observando. Esta era uma prova, pensou. Ele quer ver o que vou fazer. Necessito provar... Desfazer-me de Henri. Mas Henri não deve achar nada estranho sobre mim. Abriu a porta de seu quarto, saboreando a sensação da fria maçaneta de bronze em sua mão, desceu as escadas. — Espera! Manuela! Deixe-o entrar! — gritou, correndo ao vestíbulo. Era uma alegria escutar a sua voz de novo no mundo, sua maravilhosa voz gutural se mantendo no ar. Soava diferente dentro de sua cabeça. Sentia-se como cantando. — Bliss! Bliss! — choramingou o homem calvo. Henri se via exatamente igual: os mesmos óculos sem marca, o mesmo vestuário monocromático. Vestia-se todo de branco, o seu uniforme de verão: uma camisa de linho e calças combinando. — Henri! Henri a envolveu em uma onda de beijos aéreos. — Tenho tentando durante meses tentei entrar em contato com você! Todos se sentem terríveis pelo que aconteceu! Oh meu Deus! Ainda não posso acreditar! Estou tão contente que esteja bem! Posso entrar?

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— Claro. — O levou para uma sala de estar coberta pelo sol, onde a família recebia seus convidados. BobiAnne havia exagerado com o tema náutico. Remos suspensos nas paredes, almofadas azul e branco adornados com cordas e havia miniaturas de faróis por toda a parte. Bliss pediu para a criada trazer refrescos e se acomodou nas almofadas. Bancar a grande anfitriã era fácil, lhe ajudava haver crescido para fazer isto toda sua vida. Deteve-se de esfregar seus pés descalços nos tapetes suspensos e de pular nas almofadas. Estava viva! Em seu próprio corpo! Falando com um amigo! Mas tranquilizou seu rosto tão cuidadosamente como seus pensamentos. Não seria bom se ver desvairada e extasiada quando quase metade de sua família estava morta ou desaparecida. Isso certamente despertaria suspeitas. — Antes de tudo, lamento muito sobre BobiAnne, — disse Henri, tirando seus extravagantes óculos e limpando as lentes com a borda da sua camisa. — Você recebeu nossas flores, certo? Não é que estivemos esperando um cartão de agradecimento ou algo do estilo, nem sequer se preocupe por isso. Flores? Que flores? Henri se via preocupado quando Bliss não contestou e imediatamente ela ocultou sua confusão alcançando sua mão. Através de sua conversa, Bliss reuniu os documentos que explicavam as mortes do Conclave por causa de um incêndio na Vila dos Almeidas. O incêndio era suspeito, mas com os lentos movimentos dos policias, havia uma pequena esperança de que a justiça jamais seria cumprida. A criada voltou trazendo a jarra favorita de BobiAnne: Arnold Palmers, metade chá gelado e metade limonada (feita de limões frescos tirados do pomar). — Não posso acreditar que tenha passado um ano desde que te vi! — disse Henri, aceitando um gelado copo cheio de uma bebida âmbar. Um ano! Isso era impressionante. Bliss quase deixou cair seu copo, suas mãos tremiam fortemente. Não tinha ideia que havia passado tanto tempo desde a última vez que teve controle do seu corpo, de sua vida. Não lhe surpreendia que tivesse tanto problemas tentando lembrar as coisas. Isso quer dizer que perdeu seu último aniversário. O ano em que completou quinze, sua família havia celebrado no Rainbow Room. Mas não havia ninguém ao redor para celebrar seu Doce Dezesseis anos. Nem sequer ela mesma, pensou amargamente. Nem sequer estive no

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meu próprio aniversário. Havia passado todo um ano enquanto lutava por manter o semblante de sua consciência. Jamais o recuperaria, o tempo agora era mais e mais avaliado. Uma fúria abrasadora cresceu dentro dela, lhe haviam roubado todo um ano! Mas de novo, o conteve. Não podia permitir que o passageiro do assento traseiro soubesse como se sentia. Era muito perigoso. Teria que permanecer tranquila. Voltou-se para seu agente, seu amigo e tentou fingir que não se sentia como se ele lhe tivesse golpeado no estômago.

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Capítulo Catorze Mimi O amanhecer estava aparecendo entre as colinas. Outra noite sem êxito no bairro. Havia escaneado cada homem, mulher e criança da área designada. Amanhã fariam o mesmo, começando nos bairros ao norte em Jacarezinho. A equipe de Venators estava começando a decair. Mimi não pensava que alguma vez iria a encontrar Jordan. Ao menos não no Rio. Kingsley fingiu soberba, mas Mimi sabia que estava ele frustrado. — Meu instinto me diz que estou certo, que ela está aqui. — disse ele enquanto desciam rapidamente pelo labirinto de escadas improvisadas, atravessando a ladeira. As ruas próximas estavam vazias, salvo pelos cachorros do depósito e os ocasionais galos ao azar. — O encantamento diz que está você equivocado, chefe— disse Mimi. Sabia que ele odiava quando o chamava assim. Ele cuspiu um monte de tabaco, saliva e café, que saiu da sua boca. O impressionante é que ele não foi tão asqueroso. — Gostaria que não fizesse isso— disse Mimi. — Por que não me diz o que deseja que eu faça? — sorriu Kingsley. Mimi não dignificou sua piada com uma resposta. Ela se perguntava como era ser um Silver Blood reformado. O quer que seja que isso significasse. Ainda tinha uma alma gêmea? Aplicavam-se as mesmas regras? O que os Silver Bloods faziam, de qualquer maneira? Ainda necessitavam o sangue dos Red Bloods para sobreviver? Ou só vivia da cafeína e açúcar, o que parece ser a base da qual Kingsley se sustenta. O garoto era magro, mas podia comer uma dúzia de rosquinhas em um turno. — Capitão!— gritou Ted Lennox. — Esta garota quer falar com a Force. — Era a mesma garota que tinha seguido eles antes nessa noite. Quem Mimi havia dado um animal de pelúcia, o qual ela levava nos braços. — Querida, o que você faz caminhando sozinha? — perguntou Mimi. — Você deveria estar na cama. São cinco da manhã.

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— Senhora, senhora. Vocês estão buscando por alguém, sim? — disse em um vacilante português. Mimi assentiu. Os Venators tinham um álibi. Se alguém perguntava pela razão de que estivessem nos bairros, bancariam os policias num caso de uma pessoa extraviada. — Sim, nós estamos— respondeu Mimi, na linguagem nativa da menina. — Uma menina como eu. — Como você sabe? — perguntou Mimi, com dureza. Isso não era parte da história. A ficção era que eles estavam buscando um ladrão, um criminoso, um convicto julgado, um homem mais velho. Ninguém sabia que estavam procurando uma adolescente, porque então causaria pistas falsas nos sonhos. Se as pessoas sabiam que o estavam procurando, se assegurariam de sonhar sobre isso e faria o trabalho muito mais difícil para os Venators. — Como sabe que estamos buscando uma garota? — Por que ela me disse. — Quem te disse? O que te disse? — Mimi bruscamente. A menina negou com a sua cabeça, se vendo repentinamente assustada. — Você a escaneou? — perguntou Kingsley inclinando sua cabeça. Mimi assentiu. Na primeira noite que chegaram, havia escaneado a todos os garotos. Não houve nada. Mas foi rigorosa? Ou havia sido muito moderada? O encantamento era imprevisível, alguns humanos não tomavam de boa maneira a invasão a seu subconsciente. Eles despertavam durante a seção e havia um risco de causar danos, inclusive voltar como dementes. Ver o que aconteceu a isso se chamava testemunha deles. Os Venators eram hábeis e meticulosos, não causavam danos a nenhum Red Bloods até o momento. Mas Mimi não quis correr esse risco. Não com esta pequena. Fez um exame superficial e resistiu de investigar o centro do subconsciente da menina. Sam tirou uma fotografia do bolso. Era a foto da escola de Jordan. Ela parecia incomoda e séria em seu uniforme. — Você a viu? É ela? A pequena assentiu, agarrando desesperadamente ao cachorro de pelúcia em seu peito.

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— Bem, o que é que você sabe? Vai nos guiar até a pequena, certo— disse Kingsley. — Shh! — repreendeu Mimi. Seu coração começou a bombear. Podia ser possível depois de tudo, a resposta da sua busca havia estado embaixo de seus narizes? Os seguindo em casa passo do caminho? Quando os garotos haviam começado a segui-los? Haviam estado aí desde o começo, desde a primeira noite. Eles tinham falhado porque Mimi havia sido débil demais, persuasiva demais, para escanear corretamente a menina? — Você tem certeza? Tem certeza de que a viu? — Mimi queria sacudir a menina, ainda que realmente fosse a si mesma que queria sacudir. Havia permitido que seus sentimentos pela pequena se intrometessem em seu trabalho. E desde quando Azrael tinha sentimentos? A pequena assentiu. — Sim. É ela. Sophia— Ela chamava Jordan por seu verdadeiro nome. Mimi sentiu calafrios em suas costas. Ted se ajoelhou diante da menina. — Como a conheceu? — Ela vivia lá— disse a pequena. — Com sua avó. Estávamos assustados com a senhora. Sophia também. — Onde ela está agora? — Não sei. Eles levaram ela. — Quem? A menina não diria. — Propon familiar. — disse Mimi gentilmente, em um tom coercivo da Sagrada Língua. Digua a teus amigos. Usou a compulsão. Ela não queria causar nenhum dano à pequena, mas tinham que saber. — Nada acontecerá a você. Nos dia do que você recorda. — Gente má. Um homem e uma mulher. Eles a levaram. — disse a garota em uma voz sem graça. — Na segunda. Os Venators trocaram olhares bruscamente. Haviam chegado ao Rio nesse dia. — E a avó dela... Ainda está aqui? — perguntou Mimi. — Não. Ela saiu uns dias depois. — A pequena os olhava com grandes e temerosos olhos. — Sophia disse que haveria gente

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procurando por ela, boas e más. Não estávamos seguros no começo de quem eram vocês. Mas ela nos disse que gente boa viria com uma bonita senhora e me daria um cachorro de brinquedo — Disse a garota com voz entrecortada. — Ela te disse que viríamos? — Exigiu Mimi. — Quando a gente boa viesse, ela disse para que entregássemos isso. — A pequena tirou um envelope de seu bolso. Estava sujo e amassado. Mas a escrita era uma linda caligrafia, o tipo que usualmente se encontravam em envelopes de marfim anunciando um casamento. Estava dirigido para Araquiel. O Anjo do Juízo, Mimi sabia. Também chamado o Anjo de duas caras. O Anjo que levava tanto a escuridão como a luz dentro dele. Kingsley Martin.

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Capítulo Quinze Schuyler O olhar na cara de Jack quando ela quebrou o vidro era uma mistura de choque e orgulho, mas Schuyler se permitiu apenas um relance rápido. Teve que parar de pensar nele e se concentrar no que fazia. Tinha saltado para fora do quarto ao céu, aterrissando em uma grade e saltando do teto ao chão. Estava correndo pelo lado de fora, para a metade da festa, era um borrão rosa para os convidados. Tinha passado da meia noite e a festa havia tomado um rumo mais obscuro, esse momento em inesquecível do encontro em que parecia que qualquer coisa estava disponível a tudo e todos. Havia um sentimento estridente de abandono selvagem no ar, enquanto as estrelas de Bollywood29 oscilavam e se sacudiam, seus ventres ondulavam-se em curvas serpenteantes, e cem bateristas em cilindros de Dhol de madeira-tambor batiam um ritmo constante e sedutor. Schuyler não entendia o que estava se passando, mas havia algo de quase sinistro naquela hipnótica música, a fronteira de sua atenção estava ameaçada. Escutá-la era como se te fizessem cosquinhas que, quando deixavam de ser divertidas, se convertiam em uma forma de tortura e o riso se voltava indesejado e incontrolável. Ela irrompeu em uma linha de bailarinas Bhangra, os címbalos 30 retinindo, derrubou um dos banqueiros disfarçados, mal sumindo por um grupo de portadores de tocha em pé que marcavam o perímetro. Para onde quer que fosse, ele estava justo atrás dela. A pulsação acelerou. — Schuyler! Ela escutou claramente a voz dele em sua mente. Jack usaria o glom sobre ela. Não era justo. Se tivesse dito seu nome em voz alta, o teria perdoado, mas saber que estava em sua mente, que se resultou tão fácil como antes, era inquietante.

29 30

bollywood: é o nome dado à indústria de cinema de língua hindi címbalos: Instrumento musical de percussão, formado por dois pratos de bronze

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Ela correu passando pelos domadores de tigres e os engolidores de fogo, passou por um grupo de gordos nobres europeus bêbados de sangue, seus familiares humanos deixados desmaiados pelas paredes do rio. Isto não era mais uma festa, era algo mais. Algo malvado e depravado... Uma orgia, um cântico à indulgência monstruosa, prejudicial e mal. Schuyler não podia fazer nada exceto sentir que havia algo ou alguém, incitando a todos para a borda do desastre. E podia ouvir os passos de Jack, ligeiros e rápidos atrás dela. Em certo modo a persuasão lhe deu forças: correndo tão rápido, usando seus músculos vampíricos e exercitando-os de uma forma que nunca haviam sido usados, por Deus que ele era rápido. Mas eu sou mais rápida, pensou. Eu posso correr mais que você, Jack Force. Você pode apenas tentar, mas nunca irá me pegar. Posso e vou. Schuyler bloqueou a sua mente do glom como Lawrence a havia ensinado. Isso lhe calaria. Tinha que ter algum lugar onde ela pudesse se esconder. Conhecia o lugar. Cordelia havia a deixando ali durante horas quando elas iam visitar, e como uma criança ela tinha explorado cada polegada de suas extensas terras. Conhecia cada fenda, cada lugar secretamente escondido, ela o perderia na ala residencial, onde havia tantos armários camuflados e compartimentos secretos, correu de volta ao castelo através da entrada de serviço. Enquanto corria enviou uma mensagem própria através do glom. — Oliver. — Oliver. Tratou de localizar o sinal dele “Oliver”, mas os humanos não eram tão sensíveis às comunicações crepusculares do glom. Oliver nunca havia sido capaz de ler a sua mente, somente falar diretamente. E enquanto havia tentado praticar a construção da ponte mental que atava a um vampiro e seu Conduit humano, haviam vacilado em seu exercício. Eram jovens, e uma ponte mental levava uma vida para construir, como a que havia entre Lawrence Van Alen e Christopher Anderson. Talvez em cinquenta anos eles poderiam ser capazes de comunicar-se telepaticamente, mas não agora. Tinha que encontrar Oliver. Provavelmente ele estava doente de preocupação. Provavelmente ele estava passeando pela festa, ignorando os fogos de artifícios, bebendo muitos coquetéis para acalmar os nervos. Ele havia abandonado tanto para estar com ela. Naturalmente ele lhe diria que era seu dever, seu destino viver e morrer ao seu lado. Mas

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ainda não podia deixar de sentir que era uma carga para ele, que havia tomado demais dele, o havia condenado a uma vida de perseguição sem fim. Ele lhe tinha dado tudo, sua amizade, sua fortuna, sua vida, e tudo o que ela podia dar em retribuição era seu coração. Seu coração inconstante, insensato, culpado, incerto. Ela se odiou. Um pensamento terrível golpeou-a: “E se tivessem ido ao Oliver primeiro?” Ele não o feriria, pensou. Se ele tentasse... Se tivesse acontecido alguma coisa com ele... Não queria pensar sobre isso. Enquanto corria através do vestíbulo, de repente tudo ficou negro. Alguém havia apagado todas as luzes do palácio. Teve a impressão de que sabia quem era esse alguém. Bem, mas como você, Jack, eu posso ver no escuro. Ela encontrou uma porta que levava a uma escada secreta para baixo no sótão, após as cozinhas e as masmorras mais baixas, uma relíquia do século anterior. Poucos sabiam que o Hotel Lambert havia sido construído sobre as ruínas de um castelo medieval, e nas fundações do castelo havia camadas de segredos. Oh Deus, por favor, não permita que seja um esqueleto em que eu acabo de passar por cima, pensou Schuyler quando a sua sandália aterrissou sobre algo que se triturou de uma maneira inquietante. Podia ver o contorno dos degraus, arruinados e íngremes, abaixo, abaixo, tinha que ir para baixo... Tinha que escapar. — Oliver. Nada. Ela tinha que tentar emitir para ele de algum modo. Porque estava no fim. Na mais baixa profundidade da masmorra, em uma solitária cela que havia sido ocupado sabe-se por quantos prisioneiros, quem sabe quantas almas solitárias atrás das barras de ferro. Ele nunca me encontrará aqui. Sentiu-se tonta e a cabeça rodando, todo o seu corpo estava tremendo incontrolavelmente quando ela deu um passo para dentro. Caiu diretamente nos braços de seu ex-amor e atual perseguidor. Jack Force. Seu aperto era como uma mordaça. Sua voz estava mais fria do que o ar em torno dela. — Eu lhe disse Schuyler, não é a única que conhece os segredos do Hotel Lambert.

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Capítulo Dezesseis Bliss O bom das pessoas da moda era que normalmente eram inconscientes das reações dos demais. Assim Henri não se deu conta da agitação de Bliss enquanto falavam acerca do último rumor de Nova York. A maioria das notícias eram pessimistas: que revistas haviam se encerrado, que desenhistas estavam fora do negócio. — É terrível agora... Apenas terrível— Henri sacudiu a cabeça — Mas você sabe, a vida continua... E nosso lema é — Nunca render-se. Tem trabalho aí fora — disse com olhar bem intencionado. — Quero dizer, sei que é muito para perguntar para você, e entendo completamente se não está pronta... — Olhou por cima de seus óculos. Só então Bliss compreendeu que Henri estava falando sobre voltar a trabalhar. Sentindo a sua hesitação, o qual tomou como um sinal de rendição, Henri foi direto para a modalidade dos negócios, baixando seus óculos e recorrendo ao seu BlackBerry. — Não é nada tão difícil, somente algo para pôr-se em dia. Conhece o desfile anual de Muffie Astor Carter para caridade? Ela o apresenta em sua propriedade no East End. Bliss a conhecia. Sua madrasta queixava-se de que Muffie nunca lhe deu um acento na primeira fila, mesmo que BobiAnne sempre requisitasse um monte de roupas do desfile. — Seria perfeito para ela. Pode dizer que o fará? — Henri adulou. — Não sei... — Modelar. Quão precioso pareceu agora, quão trivial. Quão divertido seria voltar para essa vida velha. Audições, acessórios, fofocando com estilistas, tendo designers caindo sobre você, ter a maquiagem feita, ir a festas... Significava então que essa vida estava aberta a ela? Havia deixado de pensar nisso completamente. Tinha suposto que a vida tinha acabado, dado ao que havia acontecido. Mas o que havia dito o Visitante? Ninguém deve suspeitar. Depois de tudo, havia passado um ano.

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Ninguém iria criticar ela por estar voltando a trabalhar, ou iriam? E não seria a melhor maneira de lutar contra a dor e a perda ao encontrar algo a que distraísse? E o que poderia ser melhor para distrair do que um grande, parvo e frívolo desfile de moda? Como Henri havia dito, toda aquela gente havia perdido um monte de dinheiro de outros e provocado a queda, não viviam as suas vidas como se nada tivesse acontecido? Patrocinar benefícios de caridade e comprar em Herm´s enquanto as vitimas de sua imprudência financeira choravam em seus copos de vinho de cristal. Recordou de uma jovem viúva, uma professora de Duschesne, que havia voltado a ensinar depois que seu marido morreu repentinamente. Voltar ao trabalho, voltar a sua velha vida... de repente parecia... não impossível. Desfaça-se dele, era o que o Visitante havia ordenado. Bem, dar a Henri o que ele queria era a maneira mais segura de êxito. Assim que seu agente fosse assegurado que teria a sua velha cliente de volta, era certo que ia anunciar que tinha pressões de interesse em outra parte. Perguntar sobre seu bem estar, seguramente era apenas um pretexto para ver se iria consegui-la para a função. — De acordo. — disse, tomando uma profunda respiração e a deixando sair em uma larga exalação. — De acordo? — Henri levantou uma sobrancelha. — De acordo. — Bliss sorriu. Depois de dizer adeus ao seu velho supervisor, Bliss sentou-se sozinha no sofá por um momento. Em algum ponto durante a visita de Henry tinha detectado uma mudança em si mesma. O Visitante havia ido. O banco traseiro estava vazio, tanto quanto podia dizer. Talvez tivesse passado no teste. Em todos os casos, como Elvis tinha deixado o edifício. Mas tinha deixado a porta aberta. Tinha dado involuntariamente a chave a seu próprio corpo. Ou tinha se esquecido de pegá-la de volta. Como um pai que deixa as chaves da Ferrari em cima da mesa. Apenas como num velho filme que ela assistiu quando era pequena no canal dos EUA... um dia livre de alguém. A criança tinha deixado a Ferrari colidir contra a janela. Naturalmente ela não faria nada de estúpido, claro. Era seu próprio corpo. Ela tinha pouco tempo e deveria usá-lo sabiamente. Decidiu tomar um banho e subiu as escadas. Cada um dos dez quartos da casa tinha um espaçoso banheiro, e BobiAnne tinha permito a Bliss que ajudasse a projetar o seu próprio. Era um bonito espaço: Todo em um cálido mármore travertine e uma lisonjeira iluminação incandescente. Girou a torneira e encheu a antiga banheira com garras,

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colocando uma porção generosa de seu gel aromático preferido. Então se livrou rapidamente da roupa e entrou dentro deleitando-se nas bolhas do sabonete e a rápida sensação da água quente correndo por suas costas nuas. Mais tarde colocou um dos robes turcos macios que sua madrasta tinha em estoque pela casa e foi para a cozinha onde pediu ao cozinheiro para fazer seu almoço. Comeu um hambúrguer de queijo, malpassado, os sucos correndo e mesclando-se com a mostarda francesa de um modo que a sempre a fazia ficar feliz de ser carnívora. Só então Bliss se deu conta que não estava com fome no sentido real. No sentido vampírico. O antigo desejo por sangue havia se silenciado. A sede tinha se ido. O que significava? Apertou o prato vazio e passou a mão através de seu cabelo. Teria que fazer uma visita ao salão de beleza tão logo fosse possível. O Visitante queria que ela mantivesse as aparências, não? Manter as aparências era algo que vinha por natureza para a filha de Forsyth Llewellyn. Quando seu pai era o senador de Nova York, era impossível evitar o escrutínio.

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Capítulo Dezessete Mimi O rosto de Kingsley estava ilegível, e Mimi não agüentava mais. — Então, o quê? Ela foi a um show da Miley Cyrus? Ela está escrevendo um livro? O que diz? Ele silenciou-a com um olhar e mostrou-lhes a carta. Uma linha, por escrito na mesma caligrafia bonita. Phoebus Ostend. Praeeo. Phoebus era o nome do rei sol na língua antiga, Mimi sabia, e o resto foi fácil de entender. — O sol deve mostrar o caminho, — disse ela. — O que isso significa? Em resposta, Kingsley dobrou a nota com cuidado e a enfiou no seu bolso do casaco. — Ele não tem ideia, — Mimi pensou. — Por que Observador se daria o trabalho de enviar um bilhete, mas o bilhete ser sem sentido? — ela perguntou, irritada. — E como ela sabia que eu estava vindo? E trazendo ursinho Teddy? — Você se esquece. O observador pode ver o futuro. Se ela estava em posse dos Silver Bloods como ela certamente estava, ela deve ter se sentido ameaçada o suficiente para permitir apenas a mais enigmática das comunicações. — Isso é um enigma. A pista. — Ted disse de repente. — Uma pista de seu paradeiro. “O sol deve mostrar o caminho.” — Foi a maior frase que ele tinha dito em um ano. Mesmo Sam olhou surpreso ao encontrar o irmão tão tagarela. Kingsley assentiu. — Claro. Sophia sempre dizia que a sabedoria tinha que ser merecida. — Uma charada. Ótimo. Um ano rastreando o Observador, e quando eles finalmente chegam a algum lugar, eles encontram uma espécie de esfinge bloqueando o caminho. Poderia ter machucado ela ter

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escrito “Estou sendo mantido em cativeiro na Rua 101 da Favela! Venha logo e traga um Luna Bar!” Oi isso seria simplesmente pedir demais? — Você faz alarde de assuntos triviais, — Kingsley enviou. — Só estou tentando manter as coisas interessantes, — Mimi mandou telepaticamente em troca. — E Mantenha-se fora da minha cabeça. Você não pertence aqui. Enquanto isso, os outros Venators foram profundamente à glom, consultando as suas lembranças, tentando determinar o significado por detrás das palavras. Finalmente, Ted abriu os olhos e falou. — Tem um bar não muito longe chamado El Sol de Ajuste. O Sol Poente. — Então? — Mimi disse. — Isso é uma velha expressão Silver Blood? O sol descreve a queda de Lúcifer na Terra — Kingsley explicou. — Poderia ser isso. Certo, Mimi lembrou. Lúcifer era o Príncipe dos Céus. A estrela da manhã. Faz sentido para os Silver Bloods, seu destino foi semelhante ao o pôr do sol. — Pois bem, o que estamos esperando? — Mimi perguntou. — Nós temos uma Observadora para encontrar, e eu sei vocês, mas eu preciso de uma bebida.

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Capítulo Dezoito Schuyler — Não há nada a temer. Por favor, não fuja de mim de novo. — A respiração de Jack era quente em sua orelha, e Schuyler sentiu cada palavra como uma carícia. Mas suas mãos não a liberavam de sua posse, seus dedos seguravam firmemente em torno de seus braços. — Deixe-me ir! — ela disse. — Você está me machucando. — Ela engasgou, mesmo que, para sua surpresa, seus tremores houvessem cessado no momento que ele a tocou. Ela sentiu seu aperto afrouxar, e parte dela afundou um pouco por ele desistir tão rápido. A parte condenável, odiável que sentira falta do toque dele no momento que ele a soltou. Ela se abraçou, tentando não se sentir tão abandonada. Por que ela sentia-se dessa forma? Ela era a única que havia desdenhando-o. A única que havia abandonando-o. Jack não era nada para ela agora. Nada. — Eu sinto muito, — ele sussurrou. — Qual o problema? Você está bem? — Ele olhou para ela cuidadosamente. — Você está tremendo. — É só essa coisa... eu fico frágil às vezes... não é nada, — ela disse. Ela virou-se para encará-lo diretamente. — De qualquer modo, eu não vou voltar. Eu não vou voltar para Nova York. Para surpresa dela, Jack parecia repentinamente aliviado, como se um grande peso tivesse sido tirado de seus ombros. — É por isso que você estava fugindo? Por que você achou que eu estava te levando de volta à Nova York? Não é por isso que eu estou aqui. Agora era a vez dela de ficar confusa. — Então por quê? — Você não sabe? — Jack perguntou. Ela balançou a cabeça.

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— Você está em perigo aqui, Schuyler, — ele disse, olhando em volta cautelosamente. — Há Silver Bloods por todo lugar. Não pode senti-los? A fome deles? No minuto que ele disse isso ela pôde sentir exatamente o que ele estava dizendo, a voracidade profunda e consumidora, um querer inabalável. Então era isso que ela havia sentido na festa, um apetite inesgotável de ganância, sexo e desejo, a sirene fascinante que chamava a depravação. Cantarolava do subsolo, como um barulho que você não podia imitar, mas sabia que estava lá. Croatan. Então ela tinha razão para temer. Ela tinha sentido. Jack havia se encostado em um canto da cela, e Schuyler começava a se sentir claustrofóbica no pequeno espaço. Ela soube instintivamente que muitas almas haviam sofrido e morrido no lugar onde ela estava parada. Ela podia sentir a dor primitiva, um senso de injustiça inconfundível. Naquele tempo os prisioneiros eram enviados para as masmorras para morrer, para apodrecer no subsolo, sem nunca ver o sol. Era engraçado que a Conspiração havia feito os humanos acreditarem que os vampiros temiam o sol, quando isso era o oposto da verdade. Eles o amavam tanto que haviam sido exilados do Paraíso pelo amor à luz de Lúcifer. Schuyler tremia enquanto Jack continuava a explicar. — A festa havia sido comprometida. Eles estão aqui por você. — Mas por que os Silver Bloods ligam pra mim? O quê tem de tão importante sobre mim? — Schuyler perguntou, tentando não soar petulante e com pena de si mesma. Por que ela? Ela não havia escolhido isso. Tudo o que ela sempre quis foi ser deixada em paz, mas era como se ela já tivesse nascido como um alvo. Quando Jack respondeu foi hesitando e a gravidade de uma presença muito mais velha, revelando um pequeno vislumbre de criatura anciã que se escondia atrás da mascara de um jovem vampiro. Do que Lawrence o havia chamado? Abbadon. O Anjo da Destruição. O Anjo do Apocalipse. Um dos mais temíveis ex-generais de Lúcifer. — Os ciclos são a chave da nossa existência; eles garantem nossa contínua invisibilidade no mundo humano. De acordo com o Código, a expressão de cada espírito é monitorada e registrada de perto. Existem listas e regras que determinam quem é chamado, por quem e quando. Não há registro de Allegra sendo autorizada a ostentar uma filha nesse ciclo. Então o mero fato de você ter nascido é uma violação.

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Desde o nascimento ela era um erro, Schuyler pensou. A mãe dela... aquela imóvel, figura silenciosa na cama do hospital... por quê ela escolheu me ter? Schuyler se perguntou. — Mas então por quê? Isso ainda não explica nada. Por que eles se importariam com isso? O que isso tem de valor para eles? Não faz sentido. — Eu sei. — Jack suspirou. — Você não está me dizendo tudo, — Schuyler percebeu. Ele estava protegendo-a. — Me diga a verdade. Tem que haver uma razão para eles tentarem me matar. Jack abaixou a cabeça. E finalmente falou. — Há muito tempo, durante a crise em Roma, Pistis Sophia viu o futuro. Ela disse que um dia, o vínculo irrevogável entre os incorruptíveis iria quebrar. Que Gabrielle iria rejeitar Michael e criar uma filha com um Red Blood. E que essa filha iria ser a morte dos Silver Bloods. Sophia nunca errou. — Então eu sou a morte deles? — Schuyler achou aquilo absurdamente engraçado. — Eu? Eles estão com medo de... Mim? — Um ganido semi-histérico escapou antes que ela pudesse impedir. Isso era absolutamente ridículo. O que ela poderia fazer que fosse machucálos? Como o Inquisidor havia apontado, ela havia usado a espada da mãe e perdido. Ela podia ser rápida, forte e leve, mas ela não era uma guerreira, uma lutadora, um soldado. Jack cruzou os braços. — Não é motivo para risadas. Um Leviatã teria te matado lá naquela noite no Rio e ele soubesse quem você é. E agora que ele sabe que estava tão perto e falhou em te matar, ele irá te caçar aqui até terminar o serviço. — Mas como você sabe que Leviatã vem me caçando? — Porque eu venho caçando o Leviatã, — Jack sombriamente. — Meu pai e eu estamos caçando-o por meses.

disse

— Charles está aqui? — ela perguntou. Ela se perguntou por que as novidades não a fizeram se sentir mais segura. Charles Force era o mais poderoso deles. Ele era Michael, Puro de Coração, o Valente, Príncipe dos Anjos, Supremo Comandante do Exército do Senhor. Ela mesma havia procurado por Charles, e saber que ele estava aqui em Paris, e como protetor dela, ou um dos protetores, de qualquer modo, deveria ter animado seu coração. Mas não o fez. Charles Force não era um amigo. Ele não era um inimigo, mas não era amigo também. Mas talvez agora ela fosse capaz de descobrir o que

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Lawrence havia pedido para ela fazer. Charles ia ter que contar a ela sobre o Legado Van Alen. Schuyler tinha que saber. Ela devia isso ao avô. Jack assentiu. — Sim. Ele decidiu vir quando o Conclave não enviou os Venators atrás do Leviatã para seguir o seu testemunho. Nós temos estado um passo e duas cidades atrás dele por meses. Quando Leviatã nos trouxe até aqui, para essa festa, nós achamos que ele estivesse atrás da Condessa, já que ela foi fundamental na concretização de sua prisão no Corcovado. Mas quando nós a vimos no salão de baile, nós soubemos quais eram as reais intenções dele. Charles me enviou para ter certeza de que você estava a salvo enquanto ele dá um jeito no Leviatã. Então, basicamente, ela estava sendo, ameaçada apenas pelo pior demônio das redondezas. Ótimo. Ela estava correndo dos Venators quando ela provavelmente deveria estar correndo para eles, agora que ela sabia o que realmente estava atrás dela. — Então você acredita em mim? Você acredita que eu não matei Lawrence como o Conclave acha? Ele olhou para baixo. — Eu não posso falar pelo Conclave. Mas eu sempre acreditei em você. Eu sempre acreditei em você, ele disse suavemente. — Certo. — Ela concordou, tentando parecer eficiente, para esconder o fato que ela estava comovida com a fé dele. Jack acreditava nela. Ele estava do seu lado. Ele não a odiava, pelo menos. Ele não a odiava por partir seu coração. — E agora? — As primeiras coisas primeiro. — ele disse vivamente. — Vamos sair dessa masmorra. Eu estava preocupado que você fosse escolher esse lugar para se esconder. E eu acho que você percebeu que cheira bem mal aqui embaixo.

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Capítulo Dezenove Bliss Muffie Astor Carter (Muriel era seu verdadeiro nome) era um Blue Blood em todo o sentido da palavra. Foi educada em Miss Porter e Vassar, e trabalhou no departamento de publicidade de Harry Winston antes de se casar com o Dr. Sheldon Carter, que encontrou fama como cirurgião plástico na Park Avenue. Seu vínculo foi um dos mais controversos recentemente. Como cada um já tinha feito algumas tentativas para se encontrarem. Dr. Carter era seu segundo marido e ela sua terceira mulher. Ela também era uma das socialites mais importantes de Nova York. Rivais ciumentos criticavam que o público somente simpatizava com eles por causa de seu nome; soou tão infantil o comentário que pareceu mais como uma piada, mas não, era verdade, como Muffie, que personificava alguém aficionado por cavalos, Bedford, uma autentica WASP31 em uma era de grupos descarados de novos ricos adicionando Von ou De aos seus nomes e que não distinguiam Verdura de um Van Cleef. Todo ano Muffie abria sua propriedade em Hamptons, “Ocean's End”, para um espetáculo de moda em benefício ao Banco de Sangue de Nova York. Era o evento de maior destaque do calendário social do mês de agosto. Localizada no final da Gin Lane, a propriedade se estendia cerca de seis acres e incluía uma mansão com uma casa de convidados separada e igualmente esplêndida, garagem para 12 carros e dependência de empregados. No amplo terreno havia duas piscinas (de água salgada e doce), quadra de tênis, estufa de lírios e os jardins sendo mantido por profissionais. A grama bermuda32 era cortada manualmente, com tesoura, todos os outros dias, para mantê-lo sempre com o comprimento correto. Balthazar apertou a mão de Bliss com um aperto suave e passou-a para Muffie com um sorriso pálido.

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WASP: Classe privilegiada dos Estados Unidos, branca, anglo-saxônica e protestante Grama bermuda: tem folhas estreitas de coloração verde intensa. É indicada para campos esportivos em geral, como campos de futebol, golfe, pólo e playgrounds. 32

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— Estou tão feliz de te ver bem querida — disse Muffie, dando a Bliss um de seus abraços. Muffie tinha um amplo rosto sem sequer uma ruga (a melhor publicidade para seu marido cirurgião) e uma perfeita cabeleira loira do Upper East Side. Ela era a personificação da raça: bronzeada, esbelta, graciosa e apropriada. Ela era tudo que BobiAnne queria ser, mas nunca poderia se igualar. — Obrigado— Bliss disse, tentando não parecer tão embaraçada. — É bom estar aqui. — Você irá achar o resto das modelos lá atrás. Eu acho que nós estamos atrasados como de costume hein? — Muffie disse alegremente. Bliss caminhou até a tenda onde ficava o backstage, pegou um canapé de uma bandeja e uma taça de champanhe de uma das mesas do buffet. — Henri tinha razão, esta é uma apresentação fácil. — Não era um verdadeiro desfile de moda, era somente um desfile para clientes ricos em nome da caridade. Considerando um verdadeiro desfile, foi um tumulto, um caos, cheio de energia e ansiedade, havia centenas de editores, varejistas e celebridades, coberto por centenas de meios de comunicação de todo o mundo, mostrando Balthazar Verdugo na propriedade de Muffie Carter, parecia mais um evento com modelos. Era tão estranho regressar ao mundo real, caminhar pela grama úmida (afundando os saltos para falar a verdade), comer aperitivos, olhar a incrível vista que se tinha do oceano, uma continua linha azul no horizonte e descobrir que em algumas partes do mundo, incluindo o SEU mundo, o mundo do Comitê e do Coven, havia alguns que se mantinham indiferentes e absolutamente desinteressados do que havia acontecido no Rio. Muffie e as outras mulheres do Comitê com quem Bliss cruzou na festa, não comentaram a morte de BobiAnne ou o massacre do Conclave. Bliss entendia que isto simplesmente passou por sua vida: Planejando festas, sendo anfitriã de eventos, shows de couture33, exibições de cavalos e as causas de caridade, que enchia seus dias. “Eles não parecem muito preocupados ou angustiados” Cordelia Van Alen estava certa: eles estavam na mais profunda negação. Não queriam aceitar o regresso dos Silver Bloods. Não queriam aceitar a realidade de que os Silver Bloods haviam feito e estavam planejando fazer. Estavam satisfeitos com suas vidas e não queriam quem nada mudasse. Havia se passado tanto tempo desde que eles foram guerreiros, soldados, de braços dados lado a lado em batalha contra o príncipe das trevas e sua legião. Era difícil imaginar a este exclusivo grupo de socialites subalimentados de botox e seus preguiçosos filhos como 33

Couture: costura em francês.

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guerreiros endurecidos em uma guerra pelo Céu e a Terra. Era como Cordelia havia dito a Schuyler: “Os vampiros foram ficando preguiçosos e indulgentes a cada dia, se portando mais e mais como seres humanos e menos inclinados a cumprirem seus destinos celestiais” Despertou em Bliss que isso é que tinha feito Cordelia e Lawrence se separarem, eles se importavam. Haviam mantido sua vigilância contra as forças do inferno e haviam feito soar o alarme. Um alarme que ninguém se inclinou a escutar. Os Van Allen eram a exceção à regra. Fazia sentido que Schuyler estivesse justo com eles. Sua amiga nunca havia se sentido confortável no mundo dos ricos e ociosos, embora tivesse nascido nele. Mas Schuyler não era a única. Mesmo Mimi e Jack Force eram diferentes. Eles não haviam esquecido o seu passado glorioso. Apenas ver como Mimi ostentava suas extraordinárias habilidades vampíricas era suficiente para convencer a qualquer um que havia algo a mais que uma esbelta vadia com capacidade de fazer compras. Mas estas pessoas, este grupo de autossatisfação das elites, que mal tinham piscado antes das noticias do massacre, estas pessoas chamavam-se a si mesmos de vampiros. Assim como os membros do Conclave, que será fácil o suficiente vencer quando chegar à hora. Bliss estremeceu. Ela se acostumou a ficar sozinha e tinha esquecido que o visitante pode sair a qualquer momento.

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Capítulo Vinte Mimi O Sol Poente estava localizado na Cidade de Deus, os conhecidos bairros pobres da parte oeste da cidade que havia inspirado um importante filme Hollywoodiano e um posterior programa de televisão, Cidade dos Homens. Claro que a verdadeira cidade não era como a versão limpa do filme, ao qual era equivalente de uma “visita turística as favelas” organizado pelos funcionários do hotel: vistoriar a elegante área. A realidade da pobreza era muito mais dura e feia, as altíssimas montanhas de lixos, o fedor dos esgotos e lixos, os magricelos meninos de rua, fumando cigarros; o modo em que ninguém espantava as moscas, estavam tão oprimidos que nem se preocupavam com algo tão simples como as moscas. O bar não era mais que um casebre de lata, um galpão com um telhado e uma barra de madeira com buracos. Quando Mimi e os garotos chegaram, um grupo de briguentos mal-encarados estava assediando ao barman, o garoto que limpava as barras e absorvia a cerveja derramada com toalhas esfarrapadas. Mimi reconheceu as intensas tatuagens que o marcavam como membros de quadrilhas, rostos: eram membros do Comando Prata, uma conhecida quadrilha de rua e responsáveis pela maioria da atividade criminal nesta parte da favela. Isto iria ser interessante. — Vocês devem três reais! — insistia o barman. — Devem-me três reais! — Caralho! Vai se foder! — o obeso riu e xingou o garoto, o empurrando contra a parede. O ancião proprietário parou atrás da mesa, se vendo assustado e enfadado ao encontrar o seu empregado sendo hostilizados, assim como encontrar seu pequeno estabelecimento imediatamente infestado por estranhos, estrangeiros vestidos de negro. — Posso ajudá-los? — perguntou em português, mantendo um olho no garoto. — Você! Deixe-o em paz! — gritou enquanto um dos baderneiros fazia o garoto tropeçar e o caindo de cara ao chão.

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Em resposta, o valentão obeso lhe deu um forte chute na cabeça do garoto encolhido. Houve um sinistro ranger de uma bota com ponta de aço contra um osso e num rápido movimento um dos baderneiros tinha uma faca na garganta do garçom. — Tem algo para nos dizer, velho? — Abaixe a faca. — ordenou Kingsley em uma calma voz. — Vai para a merda! — disse o líder. Era um garoto magro, com marcas de varíola no rosto, sentado na parte de trás. Levantou sua arma automática tão casualmente como uma lata de refrigerante. Os cabeças locais da droga atuavam como uma presença policial não oficial nos diversos assuntos, fazendo de juízes e carrascos quando lhe conviesse. Mas a única lei que mantinham era a própria. — Feliz de fazê-lo, desde que deixe esta boa gente ir. — disse Kingsley suavemente. Havia vinte membros da quadrilha e só quatro Venator, dificilmente uma briga justa para o lamentável grupo de Red Blood. Se os vampiros quisessem poderiam destruir todos na sala sem adverti-los. Mimi já podia ver: uma pilha de cadáveres no solo. Sentiu que lhe fervia o sangue ante o desafio, mas era um desafio superficial, o tipo de entusiasmo superficial que um sentia ao observar um round de boxe quando já sabia o resultado. Estes bandidos pensavam que eram tão fortes, mas não eram nada: pulgas nas costas de um búfalo, hienas diante leões. Mimi desejava melhores brigas, um desafio maior. No entanto, os bandidos não tinham medo dos estrangeiros e eram mais rápidos que os Venators lhe davam credito. Antes que Kingsley pudesse se voltar, foi cortado com a faca, um corte na sua manga revelava uma feia ferida. Isto era o suficiente. Mimi se voltou, golpeando a um deles ao chão e forçando outro de joelhos. Estava a ponto de desembainhar a Eversor Lúmen, Destruídos de Luz, quando escutou a voz de Kingsley em sua cabeça. — Nada de armas! Nada de mortes! Tanto como se a censurasse, manteve sua espada em seu lugar. Os baderneiros tentaram atacá-la, mas ela esquivou seu ataque, os enviado contra as mesas desvencilhadas. Outro tirou seu revólver, mas antes que ele pudesse disparar, Mimi havia enviado longe com um chute. Inclusive podia dizer que os irmãos Lennox estavam desfrutando enquanto golpeavam cabeças e vencendo seus atacantes. Observar sonhos e avaliar recordações não se comparava a uma boa e tradicional briga de punhos.

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Um dos baderneiros levantou uma cadeira e a jogou direto no peito de Kingsley, mas Mimi a fez em pedaços antes que pudesse conseguir atingir seu objetivo. — Obrigado. — disse Kingsley. — Não sabia que te importava tanto— Sorriu enquanto fazia um trabalho rápido com um garoto sustentando um Uzi.34 Mimi riu. Dificilmente suava, ainda que estivesse respirando pesadamente. Enquanto Kingsley ordenava, seus combatentes viveriam para ver outro dia. Passou por cima da pilha de corpos, Ted ajudando ela para reuni-los ao lado do bar. O garçom apareceu por debaixo da mesa, agradecido. — O que posso oferecer para vocês?

se

mostrando

— Qual a especialidade deste lugar? — perguntou Kingsley. — Ah! — o garçom lhes deu um sorriso sem dentes. — Traga o Leblon. — disse para o atendente, cujo corte havia deixado de sangrar. O garoto desapareceu no armário da parte de trás e apareceu sustentando uma garrafa de cachaça: rum de cana-de-açúcar. O garçom os verteu em quatro copos. — Desjejum, — Kingsley assentiu e levantou seu copo. — Saúde — disse Mimi, bebendo de um gole. Por sua saúde. — Estamos procurando essa garota. Você a viu? — perguntou Kingsley, mostrando a seus novos amigos a foto de Jordan. — Diga-nos, — disse, usando uma pequena coação. O garoto negou com a cabeça, enquanto o garçom olhava para a fotografia por um longo momento. Logo também negou com sua cabeça lentamente. — Jamais a vi. Mas este não é um lugar onde as pessoas trazem crianças. Mimi e Kingsley trocaram olhares e os ombros dos gêmeos desinflaram ligeiramente. Abandonaram o bar depois de acabar a garrafa. Era meio dia. O sol estava no alto e o clima era escaldante. Uns quantos curiosos espectadores haviam estado na entrada do bar, atraídos pela briga, mas se mantiveram a uma distância prudente do quarteto. Os olhares eram de respeito. Ninguém jamais havia vivido para derrotar ao Comando Prata

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Uzi: uma arma http://www.granitegrok.com/pix/uzi.jpg

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— Para vocês — disse uma anciã, entregando a Mimi uma garrafa de água. — Obrigada. A mulher se benzeu, e Mimi compreendeu que era um gesto de gratidão por trazer um pouco de justiça para um lugar sem lei. — Obrigada — disse Mimi, aceitando a água com um assentimento. Outra vez estava impactada por quão inútil se sentia. Os problemas destas pessoas não são teus, disse a si mesma. Não podes ajudá-los. Sentia-se tão longe do protegido e exclusivo mundo do Upper East Side enquanto estavam de pé numa polvorosa rua nos bairros baixos, seus músculos ainda tensos pelo confronto. Isto era o porquê por ter se alistado para a missão, para revolucionar um pouco sua vida, para ver um lado do mundo que não estava disponível desde o assento traseiro de uma limusine. Ela poderia ser uma princesa mal criada nesta encarnação, mas era uma guerreira por natureza. Azrael necessitava disto. Mas era frustrante. Haviam saído há um ano para encontrar a Observadora e ainda não havia nada que mostrar pelos seus esforços, salvo por uma carta que não lhes diziam nada. — Talvez a Observadora não queira ser encontrada, — disse Mimi, bebendo um gole da água e passando para Kingsley. — Você pensou nisso? — É possível — disse depois de dar um gole e lançar a garrafa par um dos irmãos Lennox. — Mas é pouco provável. Ela sabe o quão valiosa é sua sabedoria para nossa comunidade. Sabe que me enviariam para encontrá-la. Acredite em mim, ela quer ser encontrada. — Deixa-me ver a nota outra vez — disse Mimi. Kingsley lhe entregou o pedaço de papel. Releu a nota. Enquanto levantava o papel notou algo que não havia visto antes. Algo que havia sido escondido pela aurora, quando havia estado muito escuro para vê-los claramente. — Olha — disse para Kingsley, levantando a nota para se encontrar diretamente com os raios do sol. A luz do sol brilhava intensamente através do papel, revelando algo que antes havia sido invisível, como uma marca d‟água. “Phoebus ostend praeep”, efetivamente. O sol lhes mostrará o caminho. No meio da página havia um mapa.

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Capítulo Vinte e Um Schuyler — É por aqui, — disse Jack. — Quando era garoto, os cozinheiros vinham me perseguir até aqui. Ele mostrou a Schuyler a passagem secreta que girava em torno às extensas dispensas abaixo do castelo. Historicamente, o lugar havia sido construído para alojar a toda uma corte de nobres. Havia uma ala completa para a servidão e as cozinhas e dispensas descendiam três níveis. Quando o conde ainda vivia, o casal real foi anfitrião de esplendidas festas de um mês de duração para convidados e seus séquitos. O castelo quis sustentar o que se havia voltado cada vez mais antiquado, sem mencionar o incrivelmente custoso, estilo de vida. Não era de se estranhar que a imobiliária planejava dividi-lo em apartamentos, vivendo com em torno de sessenta pessoas se havia voltado insustentável inclusive para a Condessa, quem se mudou para sua vila em Saint-Tropez com uma casa muito mais discreta. Mas enquanto a propriedade presumia dezenas de habitações escondidas e corredores, ao final só havia uma saída do Hotel Lambert. Todos, desde o nobre mais superior da lista até o camareiro mais humilde, tinham que passar pelo pátio e sair pela entrada principal. Jack e Schuyler perceberam que não tinham alternativa: teriam que caminhar entre o ninho de víboras até a liberdade. A escada das habitações dos serviçais os levava direto ao vestíbulo principal, onde Jack e Schuyler puderam escutar sons de riso histéricos e incontrolável alegria, a qual soava mais alterada e frenética enquanto a desassossegada musica ganhava velocidade e volume. — O que esta fazendo? — sussurrou Schuyler enquanto se agrupavam atrás de uma das colunas aflautadas. — Por que me sinto... Como... Como se quisesse... Fazer mal a alguém? — O que fazem os Silver Blood, pressionam, usam o encantamento como nós fazemos, exceto que pressionam na direção contraria. Tiram o pior das pessoas.

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— Não deviríamos advertir aos demais? — perguntou. — Não estamos no Rio. Há gente nossa demais para vencê-los; os Silver Blood não se arriscariam com algo mais perigoso que a coação. Só estão aqui por você— disse Jack, tentando amenizar a dificuldade de sua situação com um sorriso de consolo. Schuyler não queria se consumida por seu medo, e se tranquilizou se concentrando em lutar contra a insuportável náusea que sentia pelo feitiço dos Silver Blood. Tinham que encontrar Oliver, e então sair dali tão discretamente como fosse possível. Ela havia feito um grande barulho ao fugir de Jack, mas as exageradas baboseiras dos números musicais de Bollywood haviam encoberto a maioria deles. Os convidados haviam pensado que ela era parte do espetáculo, especialmente dado à forma que vestia, em seu sári que havia harmonizado. — Tome — disse Jack, lhe entregando um pequeno crucifixo de prata em uma corrente. — Será de ajuda. — Tirou um similar abaixo de sua camisa. — É parte do uniforme de Venator. Eles se moveram sigilosamente pelo jardim e encontraram Oliver apoiado abaixo de uma árvore, sustentando uma bebida. Se ele estava surpreso de ver Schuyler com Jack, não o demonstrou exceto por uma ligeira elevação de suas sobrancelhas, ainda que para Schuyler lhe doesse notar uma pequena luz saindo de seus olhos quando os viu juntos. Não é o que pensa, quis lhe dizer “Te amo”. Não obstante, quando Oliver se voltou para Jack, foi cordial e lhe deu um excessivo e caloroso aperto de mão. — É bom te ver. Já faz tanto tempo. Por sua parte, Jack apertou a mão de Oliver com um forte aperto. Os dois fingiram atuar como se houvesse topado no Sênior Fling. Justou como um grupo elegante se pondo em dia com as noticias e fofocas. — Então, o que te traz aqui, Force? Espero que não seja pelo Comitê— disse Oliver, seu suave tom escondendo uma cautela no fundo. — De modo nenhum, — disse Jack enquanto Schuyler coloca Oliver rapidamente a par dos fatos. Uma vez informado, Oliver compreendeu imediatamente o perigo em que estavam.

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— Então, o que vocês tem em mente? — ele lhes perguntou. — Tenho o pressentimento de que não vamos ser capazes de sair daqui discretamente. — Até o momento não notaram que Schuyler já não esta na sala esperando a Condessa, — disse Jack olhando ao redor. — Acredito que podemos chegar até Lu- — mas antes que Jack pudesse terminar sua oração, se deteve, levantou o olhar com uma expressão perplexa em seu rosto. Schuyler olhou sobre o seu ombro. O Barão de Coubertin havia reaparecido no outro lado do pátio. Mas havia algo diferente nele. Modificado. Inclusive mesmo de longe Schuyler pode ver que seus olhos estavam com um contorno de vermelho fogo. Pupilas prateadas. Leviatã. Ele ficou imóvel, revisando a habitação com aqueles espantosos olhos prateados. Schuyler se voltou para Oliver e viu que também havia se dado conta. O rosto de Oliver estava pálido. — Deixei você ir com ele! Fui tão estúpido! Sabia que havia algo mal... Quando falei com ele no barco estava diferente, até alegre. Devia saber que algo não estava bem. — Eu tampouco vi, Ollie. Não há forma de que pudéssemos ter sabido. — disse. Os Silver Blood eram ágeis mudando formas, Schuyler recordou de seu avô lhe contando sobre o tema. O Leviatã a havia prendido nesta habitação, provavelmente para tentar se desfazer dela mais tarde. Estremeceu-se ao pensar em que estavam planejando fazer com ela. — Escutem, eu só vou atrasá-los, mas talvez possam atrasar eles também — disse Oliver, tirando o seu turbante e o lançando ao chão. — Não! — disse Schuyler. — Vamos sair juntos disto ou não vamos sair! Oliver! Escute-me! — la lhe rogou, com uma nascente de horror enquanto se dava conta do que ele planejava fazer. — Muito tarde — Oliver disse enquanto recolhia uma tocha próxima e corria para a entrada custodiada por elefantas. — Venham me pegar! — gritou, movendo a tocha enlouquecidamente. Os elefantes se levantaram sobre suas patas traseiras, lançando para Os Reis de Siam e correndo freneticamente pelos arbustos, perseguindo Oliver. Os mahouts35 gritaram e os convidados intrigados correndo em todas as direções tentando se afastar das loucas bestas. — Rápido! — disse Jack. — Antes que fechem a entrada. — Ele estendeu sua mão. 35

mahouts: pessoas que cuida e conhece os elefantes

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— Mas... Oliver! — Schuyler cambaleava. — Oliver, não! Oliver! — Ele é humano; não querem a ele, Schuyler, temos que te tirar daqui! Por favor! — disse Jack, estendendo sua mão. — Não! Não posso! Não posso deixá-lo — observava enquanto Oliver se afastava mais e mais, os elefantes correndo bem atrás dele. Mas estando ali não ajudaria Oliver. Não agora. E só os colocaria em mais perigo pela sua indecisão. Queria correr atrás de Oliver, mas deixou que Jack a levasse para longe. Correram, esquivando dos confusos madeireiros e ao pessoal de mordomia, esquivando elefantes loucos, convidados gritando e meninos assombrados. Ela pode sentir a ira do demônio Leviatã, pode sentir seus olhos perfurando a parte de trás de seu crânio, uma pesada e deliberada maldade. Em um momento ele estaria sobre eles. Mas ao contrário de lutar, correr era algo que Schuyler podia fazer bem, e junto a Jack voaram pelo pátio pavimentado e pela entrada principal. Olhou uma última vez por cima de seu ombro e conseguiu ver o braço levantado de Oliver enquanto desaparecia na multidão.

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Capítulo Vinte e Dois Bliss O desfile correu bem. Bliss conseguiu dar duas voltas na passarela sem incidentes, mesmo que ela ainda estivesse agitada por ouvir a alarmante voz do Visitante em sua cabeça. O que ele estava planejando? O que ele queria dizer com — eles serão fáceis o bastante para se derrotar...? — Mas de novo, ela sabia o que ele queria dizer, não sabia? Ela não só estava em negação sobre tudo? Porque tinha que ter uma razão para a presença do Visitante em sua vida; não era como se ele estivesse só dando uma voltinha para que pudesse conhecer sua querida filha melhor, era? Havia uma razão para ele estar aqui. E qualquer que fosse essa razão, ela estava envolvida porque, por todas as intenções e motivos, ela era ele. O que quer o Visitante fizesse ou não, eles não veriam Lúcifer por trás disso, eles só veriam Bliss. Bom, talvez ela pudesse fazer algo a respeito disso. Talvez ela devesse fazer um esforço para descobrir o que o Visitante estava fazendo enquanto estava fora. Talvez fosse uma boa ideia não ser deixada no escuro tanto assim. Ela massageou as têmporas. Felizmente, a maioria das modelos havia deixando-a sozinha. Elas sabiam sua história, e ninguém se aventurava a dar mais do que alguns olhares simpáticos. Bliss pensou que também tivesse a palavra — SOBREVIVENTE— estampada na testa pelo jeito que as garotas sussurram sobre ela. Madrasta assassinada. Irmã desaparecida... Presumidamente morta... Horrível... Essas coisas acontecem no Rio, não acontecem? Bliss pensou que isso era terrivelmente injusto. O que havia acontecido com sua família nada tinha a ver com o país onde eles estavam, mas obviamente, ela não podia dizer isso a ninguém. Ela só queria sair daqui. Ela fez sua última troca de roupas, um vestido de tule que alguma grande dama iria usar na abertura do balé no outono por um vestido branco de versão com decote nas costas. Ela estava atravessando o gramado verde, esquivando-se de alguns rostos familiares e desejando que pudesse voltar para casa sem ter que falar com ninguém, foi quando ouviu seu nome sendo chamado. — Bliss? É você? Hey! — Uma garota bonita com longos cabelos loiros, usando um chapéu de palha e um vestido chique de um ombro só, andava em sua direção.

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Bliss reconheceu a garota imediatamente. Era Allison Ellison, ou Ally Elli, como era chamada, uma das Red Blood da Duchesne. Ally era uma das crianças com bolsa de estudos; seus pais viviam no Queens ou algo do tipo, e ela tinha que ficar duas horas em um ônibus para ir à escola. Bliss havia presumido que Ally era terrivelmente não popular, mas ela era o completo oposto. As crianças do Upper East Side a deixavam louca para ouvir suas histórias de um bairro exterior e seu jeito engraçado de ver as coisas. Bliss se lembrou de uma vez que ela, Mimi e um grande grupo de pessoas saíram com Ally, e Ally se assegurou de que todos pagassem o que deviam na mesa, até o último centavo. Ninguém conseguiu se safar com o negócio de “Eu-esqueci-a-minha-carteira;eu-pago-na-próxima” que crianças com contas bancárias como Mimi sempre diziam. Uma coisa era ver Ally na escola, outra era vê-la na Muffie Astor's Carter's annual Shopping, Champagne and Charity Party. O que ela estava fazendo aqui, usando um original Balthazar Verdugo, que custava cinco dígitos pelo menos, parecendo como se passasse todos os verões em Southampton? Bliss conseguiu sua resposta quando Jamie Kip apareceu para dar um abraço em Ally. Então, Ally era a humana familiar de um dos mais populares garotos Blue Blood. Agora a roupa cara de Ally e sua presença na festa faziam sentido. — Hey, Ally. — Bliss assentiu. — Jamie. Jamie se despediu com um tossido, e as duas garotas foram deixadas sozinhas. — Como você está? — Allison perguntou. — É bom te ver de novo. — A loira bonita colocou uma mão no braço de Bliss. Bliss estava tocada pelo calor inesperado na voz de Ally. — Eu estou bem... Obrigada, — ela disse. — Nós sentimos sua falta no memorial do Dylan, — Allison disse. — Mas não se preocupe, ninguém esperava que você fosse ou algo assim. Seu pai disse que você precisava descansar. — Memorial? Houve um memorial para o Dylan? Quando? — Bliss perguntou, tentando não soar como se estivesse prestes a ter um ataque. Allison parecia desconfortável. — Quase há um ano, agora. É, eu sei. Estranho, certo? Quero dizer, o cara desapareceu, certo? Supostamente os pais dele se mudaram pra Grosse Point ou algo assim, mas acabou que ele estava ficando na Transitions, mas teve um tipo de recaída de quarenta e oito horas e morreu de overdose. — Encoberto outra vez, Bliss pensou. Os Blue Bloods cobriam bem as suas pegadas.

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Era fácil encobrir a morte de Dylan como outra overdose de um garoto rico. Principalmente com ele estando na reabilitação. Uma história inteiramente plausível, exceto que não era toda a verdade. Allison se mexeu desconfortavelmente. — Eu nem o conhecia tão bem, mas vocês dois eram amigos, não eram? — Nós éramos— Bliss disse. — Foi... Como... Tinha mais alguém lá? A garota de Duchesne parecia envergonhada. — Não. Na verdade não. Não havia tantas pessoas. Eu acho que eu era a única de Duchesne. Havia algumas pessoas do centro de reabilitação, mas foram eles que organizaram. Eu fiquei sabendo disso por Wes McCall. Ele tem estado na Transitions também. Eu só achei... Bem, Dylan e eu costumávamos ter Inglês juntos e ele era... um cara legal. Uma figura. Mas legal, sabe? — É, — Bliss disse. Ela descobriu que seus olhos estavam repentinamente cheios de lágrimas. — Oh Deus, você está chorando. Eu sinto muito. Eu não queria chatear você, — Allison disse. — Aqui. — Ela deu a Bliss um lenço perfumado de sua bolsa. — Eu estou bem... É só... É complicado— Bliss gaguejou, tendo prazer em limpar os olhos com o lenço. — A vida é complicada, — Allison concordou. — Mas é bom te ver... Saindo. Eu quero dizer, deve ser tão difícil. Eu estou dizendo todas as coisas erradas, não é? — Não. É legal ser capaz de conversar com alguém. — Bliss sorriu. — Bom. Você pode sempre conversar comigo. Você vai voltar para a escola em setembro? Bliss assentiu. — É. É estranho repetir um ano. Eu não conheço mais ninguém. — O Visitante havia concordado que Bliss deveria voltar para a escola. Seria estranho se a filha do Senador se tornasse uma desistente do colegial de repente. — Bem, você me conhece, e eu estou na sua sala, — Allison disse. — Não vai ser tão ruim, — ela disse, dando um abraço em Bliss. — É bom saber. Obrigada, Ally. Te vejo por aí. — Bliss sorriu. — Te vejo por aí.

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Bliss andou de volta até seu carro, querendo ficar sozinha enquanto absorvia as notícias. Havia tido um memorial para Dylan e ninguém havia ido. Para os Red Bloods ele era só um encrenqueiro; para os vampiros, um efeito colateral. Ninguém se importava ou lembrava-se dele. Ela nem havia estado lá para mostrar seu respeito. Para vê-lo por uma última vez antes de o colocarem embaixo da terra. Ele havia ido para sempre, e ela nunca o veria de novo.

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Capítulo Vinte e Três Mimi As direções do mapa os levaram à floresta da Tijuca, situada no coração da cidade, não muito longe dos bairros elegantes da praia ao longo da costa. Rio era uma maravilha, pensou Mimi. Em que outra parte do mundo se podia passar rapidamente de torres de cristal de um bairro economicamente moderno à um exuberante bosque tropical? Em um táxi a caminho da Barra da Tijuca, Kingsley estudou outra vez cuidadosamente o desenho no mapa. — Parecia como se tivesse uma espécie de cabana no bosque ao lado da cachoeira. Ali deve ser onde a levaram. — Acredita que ela esteja viva? — perguntou Mimi. De início, Kingsley não tinha uma resposta. Apenas dobrou a nota e a recolocou em seu bolso. — Eles mantiveram ela viva por pelo menos um ano, é tudo que nós sabemos. E se estavam indo matá-la, porque esperar tanto tempo? — Tenho um mau pressentimento — disse Mimi. — Como se tivéssemos chegado tarde de mais. — A nota havia sido datada de quatro dias atrás. As palavras da pequena criança fizeram eco em sua cabeça. Pessoas más. Levaram ela. O taxista os levou a uma entrada de estacionamento perto da Cascatinha Taunay, onde era o mais longe que podia nos levar. O estacionamento era um pequeno planalto cercado pelas maiores árvores que Mimi já havia visto em sua vida. Elas tinham um grande panorama, o tipo de beleza natural que você apenas via em filmes, tão altas, verdes e extensas que pareciam irreais. Ela saiu do táxi e tomou uma profunda respiração do ar puro da montanha. Quase tinha um sabor, como o orvalho e a luz do sol mesclando com um cheiro verde e a terra. Mimi olhou ao redor, havia varias trilhas que desapareciam bruscamente na montanha, afastandose em umas rochas afastadas. Parecia ser uma caminhada árdua, não importa o que, ela amaldiçoou sua vaidade mais uma vez, se ela apenas

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tivesse colocado seus sapatos regulares, não estaria subindo essa trilha com botas de salto. Havia vários jeeps maltratados, cujos condutores tentavam atrair os pequenos grupos de excursionistas e de caminhantes para empregálos pelo dia. Mas Kingsley havia lido a mente de Mimi e proibiu a ideia antes mesmo dela sugerir. — Não, não podemos colocar ninguém mais em perigo. — Disse — Os Silver Blood pensam nos humanos como esporte. Um guia faria somente nossa missão mais vulnerável. Bem, pensou ela. Tinham se passaso 48 horas desde que deixamos o hotel. Perdoe-me se eu quero cavalgar ao invés de caminhar. Mesmo os vampiros se cansam se os pressionam muito. Entretanto, os irmãos Lennox haviam encontrado um guia naturalista. — O caminho mais rápido é pela cascata escondida — o guia estava tão queimado pelo sol que sua pele era de mogno. Ele tinha um sotaque britânico e explicou que era parte da Sociedade Natural Geográfica. — O melhor caminho é provavelmente pelo pico, há um trajeto não marcado através das madeiras que você pode seguir através da selva. Mas é uma subida bastante cansativa. Vocês têm certeza de que não querem contratar a um dos Jeep? As cascatas de Taunay são para a direita, ali. São tão espetaculares... Não? Está bem, boa sorte. O parque fecha ao por do sol, certifiquem-se de estarem aqui então. Mimi olhou aos seus pés. Sabia o que tinha que fazer. Sentou-se em um tronco caído, tirou as botas e cortou os saltos com sua lâmina. Tomou um grande gole de água de seu frasco plástico, desejando, não pela primeira, que estivesse na praia de Capri. — Pegue — Disse Kingsley jogando algo. Era uma pequena garrafa com água de coco. — Para que é isto? — Perguntou abrindo a garrafa. Tomou um gole. Surpreendentemente refrescante. — Encontrei na tenda de presentes. Sei que não é um limoncello 36, mas eu ouvi que realmente é bom para você. Porque pareceu que ele sempre sabia o que estava pensando? Estava irritada e grata ao mesmo tempo, uma combinação estranha de sentimentos. Eles ajustaram um ritmo rápido, deixando a maioria dos caminhantes do caminho principal atrás, e alcançaram o cume da montanha em pouco tempo. O ar era tão silencioso, era como entrar em limoncello: licor de limão produzido originalmente no sul da Itália, especialmente na região do golfo de Nápoles, na costa Amalfitana e nas ilhas de Ischia e Capri. 36

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uma espécie de igreja natural. De lá de cima podiam ver toda a cidade até o litoral. Era uma vista magnífica e impressionante. — Este deve ser o caminho que o guia nos falou. — disse Kingsley, conduzindo-os através das hortaliças encobertas do outro lado da colina. — Acho que posso ouvir a água. Mimi se deteve e escutou. Também pode ouvir. Um sonido sussurrante de corrente ligeiramente audível a milhas e milhas de distância. Descer pela colina era mais fácil, estavam quase deslizando, uma das vantagens da agilidade de um vampiro. Eles caminharam em silêncio na escuridão, no desolado coração da selva, confiando em um mapa para guiá-los. O calor era agonizante e opressivo, o ar tão úmido que era quase como respirar debaixo da água. A densa vegetação era primordial, as raízes das árvores eram como garras de uma besta imobilizada, o céu completamente coberto por um dossel verde e por todas as partes, o farfalhante som dos animais em voo. Mimi viu de relance uma ou duas das selvagens araras coloridas, mas estava desapontada por não ter visto nenhum macaco. Finalmente chegaram a uma clareira que se abria com as cachoeiras escondidas, justo como dizia o mapa. Uma impressionante e majestosa torrente de água corria pelas rochas, serpenteando-se por um rio que atravessava a selva. — De acordo com o mapa temos que cruzar o rio para chegar ao outro lado. Disse Kingsley, desatando os laços e removendo seus calçados. Os Lennoxes já estavam na água. Suas calças de nylon estavam dobradas até os joelhos, carregando as suas trouxas por cima da cabeça. Kingsley fez o mesmo, exceto que ele tirou a camisa, mostrando seu amplo peito, bronzeado e suave. — Quando Kingsley teve tempo de ocupar-se com seu bronzeado? — Mimi se perguntou. Bem, ao menos não teria que usar seus incômodos sapatos. Mesmo com a cirurgia dos saltos, eles não forneciam adequada sustentação. Ela os chutou e colocou sua camisola por cima das roupas de baixo, entrando na água, sustentando a sua bolsa sobre a cabeça. A água deveria vir de uma fonte da montanha, porque era fria, quase congelante, mas se sentiu esplendida depois de quase dois dias ao redor uma cidade calorosa sem um banho apropriado. A corrente do rio era forte e ameaçava levar Mimi. Usou cada polegada de seus músculos para chegar ao outro lado. Quando alcançou a extremidade rasa, Kingsley estendeu a sua mão e a puxou, mas ela tropeçou e caiu em seus braços, seu corpo momentaneamente esmagado de encontro ao dele. Mimi se ruborizou ante a inesperada intimidade e para sua

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surpresa encontrou Kingsley envergonhado de igual maneira. Por toda a sua conversa e flerte, assegurou-se de que era como um verdadeiro cavalheiro. — Desculpa sobre isso. — Ele disse. — Não há nada que se desculpar. — Mimi sorriu de uma forma como se dissesse que ninguém poderia resistir a uma camisola molhada, nem mesmo o grande Kingsley Martin. Porque sua desprotegida fachada era somente isso, uma fachada, porque sentiu um estalido passar entre eles quando Kingsley a tocou. Algo que então não queria reconhecer, jamais, mas sentia uma conexão com ele... Não era só isso, um desejo muito diferente da típica voracidade pelos humanos conhecidos: aqueles brinquedos Red Blood de que dispunha a vontade (ela tinha deixado dois deles para trás, no hotel). Não, isto era algo mais profundo, estimulando algo dentro dela... Uma memória talvez? Tinham-se conhecido em uma vida prévia? Em caso afirmativo, o que tinha acontecido entre eles? Nada? Tudo? Não tinha tempo para dar voltas com isso, porque os meninos já estavam subindo a borda do rio. Ela removeu suas roupas à prova de água e começou a vestir-se, evitando olhar para Kingsley que fazia o mesmo. — Nós não estamos muito longe. — Disse Kingsley verificando o mapa quando estavam prontos. Fizeram o seu caminho através da selva até que chegaram a um conjunto de árvores e hortaliças que criava uma cortina em torno de uma pequena moradia de madeira, não era uma barraca, mas tampouco uma casa. Havia um símbolo estranho na porta e entrada, uma estrela de cinco pontas. O símbolo de Lúcifer. Mimi se estremeceu e notou que o resto da equipe também estava tenso. Isto não seria tão fácil como lutar com um grupo de traficantes de drogas. — É isto. — disse Kingsley — Force e eu tomaremos a frente, vocês cubram a saída dos fundos — Ordenou. Mimi seguiu Kingsley ao lugar enquanto se moviam sigilosamente para a porta principal. — Na contagem de três — Kingsley inclinou-se. Brandindo a sua espada. Sua espada prateada cintilou no sol. Mimi removeu a dela do fio de seu sutiã, a agulha que desdobrou até a longitude de sua arma. Repentinamente lhe veio uma imagem: Caçando demônios em um túnel nas cavernas, gritos e então silêncio. Uma recordação? Mimi pestanejou. Ou uma proteção? Não era a voz de

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Jack? Não podia ser segura. A conexão entre eles não era como deveria ser. Concentra-se. Kingsley está contando. — Um, dois,... — Mimi assentiu e golpeou a porta, a qual se abriu de um golpe.

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Capítulo Vinte e Quatro Schuyler Jack levou Schuyler pelas ruas residenciais de Saint-Louis por uma ponte conectada a “le de la cit” , onde ela pôde ter um vislumbre da Catedral de Notre Dame enquanto passava pela estação do metro mais próxima. — Onde estamos indo? — ela arfava enquanto eles pulavam as catracas do metro. Os trens tinham parado de circular à uma hora atrás. — Há um lugar onde poderemos estar seguros— ele disse, enquanto corriam para o final da plataforma vazia. Schuyler teve que se familiarizar com a estética do Metro, mas ela ainda estava impressionada com o quão bonito, mesmo sendo um Metro, este poderia ser em Paris. O túnel Cit estava iluminado com iluminarias ao estilo Art Déco37 em forma de esferas que se arqueavam sobre as vias com um estilo encantador. — Há uma velha estação abaixo desta, eles a fecharam quando reconstruíram o Metro. — Jack disse, abrindo uma porta secreta localizada no final da estação e levando ela para baixo de uma escada poeirenta. A estação abaixo parecia estar congelada no tempo, como se tivesse sido ontem que os passageiros tinham esperado os motores a vapor a levá-los aos seus destinos. Schuyler e Jack andavam sobre os trilhos da velha estrada de ferro, até que as faixas interrompidas e os túneis se transformaram em cavernas levando-os assim a mais abaixo ainda. A escuridão os sufocava como um cobertor, Schuyler estava agradecida pela Illuminata, era a única forma de poder ver Jack. Os tortuosos caminhos estreitos abaixo da terra, recordou a Schuyler algo que havia visto em um velho livro do depósito. — Isto é...?- perguntou. — Lutetia, assentiu Jack. 37

Art Déco: Um movimento popular internacional de design de 1925 até 1939, que afetou as artes decorativas. Este movimento foi de certa forma, uma mistura de vários estilos.

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A antiga cidade Gálica. Quando haviam vencido os gálicos, os Blue Blood romanos chamaram o lugar após a área pantanosa que cercava a área. Os vampiros construíram uma rede de túneis abaixo da cidade. Os Red Bloods acreditaram que tudo era de Lutetia, os restos de um anfiteatro no Latin Quarter. Eles não sabiam que a maior parte da cidade tinha sobrevivido intacta, abaixo nas catacumbas. Diferente da masmorra abaixo do Hotel Lambert, as catacumbas de Lutetia estavam inesperadamente repletas de ar fresco. Estavam limpas. Protegidas por algum tipo de feitiço, Schuyler adivinhou, Não havia ratos deslizando pelas paredes, sem cheiro de esgoto e podridão. — Você acha que ele ainda está nos seguindo? — Schuyler perguntou, acompanhando com Jack. Ela sentiu como se toda a sua pessoa fosse uma dissipação, vibrando com o medo. Enquanto eles caminhavam mais pelas cavernas, ela descobriu que era incapaz de ultrapassar a escuridão total, mesmo com a visão de vampiro. — Esperançosamente — Jack respondeu. — Esperançosamente — Enquanto eles corriam, Schuyler percebeu que os túneis criavam um labirinto, cem diferentes corredores levando a mil direções diferentes. — Você pode se perder aqui dentro para sempre? — disse ela. — Este é o ponto — Jack respondeu — Apenas os Blue Bloods sabem a saída. Estes túneis são encantados contra o animadverto.38 Tente se lembrar do caminho pelo qual viemos. Você não será capaz de fazê-lo. Ele estava certo. Ela não foi capaz de se lembrar do caminho, o que era estranho e inquietante porque ter visão vampírica era como observar um espetáculo em DVR: podia retroceder exatamente ao mesmo lugar e recordar tudo, cada detalhe na sala, cada nuance, cada expressão facial de alguém, cada palavra dita. Assim que essa era a razão pela qual Jack esperava que Leviatã os seguiria, embora Schuyler não estava convencida que um mero labirinto poderia deter a um demônio. — E a todos que deixamos para trás?

animadverto: do latim, observar, atenção. Acho que o sentido é de que os deixe a mente deles dispersa. 38

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— Charles esta lá. Ele não permitirá que nenhum mal aconteça a eles — Jack disse — Ele estava mantendo um olho no Leviatã enquanto eu pegava você no quarto. Ele deve ser mais um jogo para o demônio. Eles correram para o que parecia ser quilômetros abaixo da terra. Schuyler não tinha como saber para onde iam e esperava que Jack soubesse o que estava fazendo. Schuyler pensou que seu coração pudesse explodir de tanto esforço, seus músculos estavam começando a enfraquecer. O quanto mais eles poderiam fugir? — Não muito longe — Jack disse — Estamos quase no cruzamento. Vamos. Ele os levou através de um túnel estreito, era quase como um corte na rocha, tão fina e afiada que tinha que andar de lado, eles avançaram ao longo da parede e finalmente entraram em cruzamento, uma espécie de espaço aberto que levava a sete corredores diferentes. — Onde estamos? — Debaixo da Torre Eiffel. Este é o centro da cidade velha e do início da nova. Todos os túneis conduzem aqui. Todos os caminhos levam a Roma? Schuyler perguntou — Mesma ideia, certo? — Uma espécie de ideia. — Jack permitiu um sorriso. Schuyler olhou em volta. Esculpido por cima de cada um dos sete corredores, estavam símbolos que lhe pareciam familiares. Ela se perguntou onde os tinha visto antes, então percebeu: eles estavam piscando nos banners das embarcações chinesas. Eles foram os emblemas de cada Grande Casa, na linguagem sagrada. Acima do meio do túnel estava um símbolo que Schuyler levava em seu próprio pulso. Uma espada cortando as nuvens. A marca do arcanjo. Também ao lado de cada abertura do túnel havia sete tochas de madeira apoiadas contra a parede. Jack alcançou uma e moveu sua mão para cima, fazendo aparecer uma pequena chama branca. — Isto se chama o Sopro de Deus. Qualquer Blue Blood pode trazer luz para os túneis. Vamos, este é o caminho para a saída. — ele disse, descendo o corredor da esquerda. Ele iluminou o caminho, justo no momento em que uma figura negra apareceu correndo do outro lado. Schuyler quase gritou, mas sua voz morreu em sua garganta quando reconheceu o homem de preto. Como Jack, ele estava vestido como um Venator.

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— Pai! — disse Jack. Charles Force assentiu secamente. À Schuyler, deu uma típica olhada distante de costume, um olhar de desprezo que parecia estar reservado especialmente para ela. Ela perguntou por que ele mesmo se dignou a ajudá-la quando era tão evidente em cada gesto que não podia nem simplesmente olhá-la. — Bom trabalho Jack, eles estão atrás de nós, presos no momento por um obsideo39 num cruzamento ao sul, mas não os manterá la para sempre. Vamos logo subir as escadas. Para a interseção onde eles não podem atravessar. Agora! Uma pequena porta conduziu a uma escada. Schuyler começou a subir 2, 3 degraus ao mesmo tempo, até que ela foi subitamente puxada para baixo, longe de seus companheiros, por algo que apertava muito forte as suas pernas. Ela caiu sobre os degraus de pedra, e o choque causado pele um duro golpe na sua cabeça fez ela desmaiada por alguns instantes. Quando ela voltou, ela descobriu que estava presa em uma espessa fumaça cinza e um sentimento de intensa alegria, voracidade a embalava. Foi o inimigo, notou Schuyler, estavam se alimentando de seu medo. Consumindo-o. Devorando-o. A neblina era impenetrável, sólida ao tato, parecia sem forma, porém tinha uma solidez física, um peso impossível, tão sólido como as barras de uma jaula ou uma cela de uma prisão. Então ela os ouviu: Um som como o assobio do vento através das árvores, ou como esfregar giz numa lousa, o caminho errado: penetrante. Isto foi acompanhando por um estranho barulho, um ruído, como um tilintar de garras contra a superfície. Clickclickclack... Cascos de um demônio no telhado. Os Silver Bloods iam levá-la. Ela estava cercada e oprimida. Não. Ela não ia ceder ao desespero, ela ia lutar... Mas com o quê? Ela teria que se manter consciente, não podia sucumbir à forte sonolência que a dominava. Então ela viu os olhos brilhando na escuridão, esses olhos de outro mundo, ameaçadores, olhos vermelhos, olhos refletindo o inferno em si. O Leviatã havia voltado para terminar o que havia começado. Uma luz resplandecente abriu caminho através da fumaça. No começo Schuyler pensou que era a tocha, Sopro de Deus, mas depois viu que era uma espada. Era completamente diferente de qualquer espada que ela tivesse visto antes. A espada de sua mãe brilhava com o brilho de uma luz branca: tão pura como marfim e tão bela como a luz solar. Essa lâmina era diferente. Era quase a mesma cor da fumaça: um 39

obsideo: do latim, bloqueio.

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cinza escuro com borda prateada e havia terríveis marcas pretas sobre ela. Parecia menos como uma espada e mais como um machado, tosco e primitivo, como um couro agredido no coldre de uma bainha. — Schuyler, corra! — gritou Jack, — Vá! — Ele atravessou com a sua lâmina horrível a criatura. Ou tinha mais de uma? Isso era só um Leviatã ou era mais que isso? A criatura gritou de dor e agora Schuyler podia sentir seu medo. Ela viu o reflexo em seus olhos do que havia visto, Porque Jack havia se transformado. Ele não estava mais ali. Somente Abbadon. Schuyler queria se virar. Não queria ver o que Jack tinha se transformado, mas ela teve um vislumbre do fogo negro que o cercou, isso iluminou sua imagem e o fez glorioso e temível, como um deus vingativo e repleto de ira. Era aterrador e horrível para se contemplar, era um poder que não era deste mundo, não desta espécie. Schuyler não queria admitir, mas Abbadon não era muito diferente de Leviatã, o demônio que havia surgido da terra. Mas não podia pensar isso naquela hora. Em invés disso, correu.

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Capítulo Vinte e Cinco Bliss Obviamente, não era só porque Bliss era permitida de ter o controle de vez em quando que as coisas haviam voltado ao normal. Ela ia começar a tomar sua vida de volta de uma vez por todas, mas então o Visitante retornava, e ia embora, embora, embora até a próxima vez. Ela teria que acompanhar: de segunda a quarta-feira, e então fora na quinta-feira, então o final de semana misturado em um borrão, e de volta! Ela ainda estaria confusa com as datas, achando que era quintafeira quando na verdade era sábado. Conforme os dias passavam, estava ficando cada vez mais difícil se ajustar ao tempo quando o Visitante retornava. De repente ela se encontra atirada na luz do mundo, e então de volta ao frio, vazio de lembranças e inquietante. Ela decidiu que da próxima vez que isso acontecesse ela não iria permitir que ele a deixasse de fora. Tinha que ter um jeito de ficar. Ela tinha que descobrir o que o Visitante estava planejando, pra onde tudo isso estava indo. Claro, o Visitante havia permitido que ela tivesse parte de sua vida de volta, mas quem sabia se isso iria continuar assim? E ainda, Bliss não queria dividir. Ela a queria toda de volta. Ela não podia viver desse jeito, como uma pessoa louca. E havia outras pessoas que poderiam pensar que o Visitante era perigoso, mal. Ela não podia deixar o que aconteceu no Rio acontecer de novo. O pensamento fez seu interior congelar como gelo. Se pelo menos houvesse mais desfiles pra marcar, ou mais festas para distraí-la; mas as coisas estavam se acalmando no Hamptons e havia poucas desculpas para ela sair. Ela passou a tarde tomando sol no quintal. Ela era tão pálida, ela sempre ficava queimada, e havia se lambuzado com um protetor solar francês que era FPS 100, podia até mesmo usar uma manta para se cobrir. Ela se deliciava com o sol, aproveitando como o calor aquecia seu corpo aos poucos. Depois de um ano sem estar em lugar nenhum, era o céu poder sair de novo, sentar-se em uma espreguiçadeira, balançar-se gentilmente no meio da piscina, sua mão tocando a água aquecida. Então ela sentiu: escuridão... Como uma sombra passando pelo sol, e então a pressão, o Visitante voltando. Mas ao invés de deixá-lo

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tomar o controle, Bliss se forçou a permanecer. Dentro de sua mente, Bliss ficou muito, muito quieta, se enrolando como uma bola, como uma sombra contra a parede porque então o Visitante não iria perceber que ela estava se escondendo. Ela sabia, instintivamente, que ele não perceberia que ela continuava lá. Ela tentou se tornar um oceano de silêncio, uma ondulação na superfície. Ela se forçou a permancer. De alguma forma, funcionou. O Visitante estava no comando, mas ela ainda estava lá. Dessa vez, ela podia ver tudo o que ele podia ver; ela até podia ouvi-lo falando (através de sua voz). Levantaram-se (tinha que pensar em plural agora), colocaram um ropão, logo caminharam para casa. Deram passos de dois em dois e praticamente invadiram o escritório de Forsyth. O Senador estava em casa pelo recesso de verão do congresso. Estava sentado atrás de seu escritório com um cigarro, e saltou ante sua inesperada entrada. — Não te ensinei a bater na porta? — grunhiu. — Sou eu, Forsyth — disse o Visitante na voz de Bliss. — Oh! Amo, lamento. Eu sinto muitíssimo. Não sabia que ia voltar tão cedo. — Ele disse, se lançando aos pés de Bliss. Era incomodo ver Forsyth através da percepção do Visitante, um humilde verme se encolhendo ante ela. — Diga-me em que posso lhe servir, meu amo. — Disse o senador, ainda de joelhos. — Noticias. Forsyth. Fale mais do Conclave. Forsyth riu entre dentes. Bliss jamais havia visto o seu “pai” tão petulante, o que dizia muito para um político. — Não temos nada que temer desse grupo, meu amo. A metade deles está muito entretida. Contei-lhe que Ambrose Barlow agora é um membro com voto? É claro que o senhor o conhece como Britannicus. — Britannicus... — disse o Visitante. — Soa conhecido. — Uma vez foi seu capataz. Levou os meninos aos banhos. O Visitante encontrava isso incrivelmente gracioso. — Muito bem. Então, entendo que tudo esta em andamento. Os Venators não estão te dando nenhum problema?

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— Nenhum. Tudo esta como o planejado. Charles Force esta em Paris como nós falamos. É mais fácil de manipular do que uma marionete, — disse Forsyth com uma brusca gargalhada. Um profundo sentimento de satisfação invadiu Bliss. As notícias haviam feito o Visitante muito feliz. Como um gato repleto de lodo depois de haver devorado uma jaula de canários. — Muito bem. Muito bem. E meu irmão? Forsyth tirou uma garrafa de uísque debaixo de seu escritório e o serviu em copos de cristal. — Diga a palavra e o Leviatã atacará. A garota esta dentro do seu alcance. Será o suficientemente fácil para ele se infiltrar na festa. Por certo, pode encontrar isto divertido: minhas fontes me dizem que Charles é incapaz de conseguir um convite ao baile. — Que sorte que a separação ainda se mantém. — assentiu o Visitante, soando muito prazeroso. — Sempre posso contar com minha querida irmã pra refugiar a tão enorme ressentimento. Funciona a nosso favor. — O Visitante bebeu o uísque em um movimento eloquente. — E minha outra irmã, Sophia? — Ah, se recusa a divulgar a informação sobre a Ordem. Jura que não sabe. Sabe, depois de um ano com Harbonah, pode estar dizendo a verdade. — Já vejo. — As boas notícias é que Kingsley e sua equipe ainda estão no bosque. Eles têm estado desorientados por meses, sem ideia de que foram enviados para uma missão inútil. — Kingsley— bufou o Visitante. — Esse traidor. Nós nos encarregaremos rápido dele. — O que faremos com Sophia? Continuaremos mantendo a Observadora? — perguntou Forsyth. — Não. — O Visitante correu um dedo sobre a borda do copo vazio, fazendo um som pequeno e berrante. — Se minha irmã realmente não sabe a identidade dos Sete, então não é nada para mim. Me cansei de sua teimosia. Levem-na. Matem ela. — Suas palavras foram lançadas temerárias e impulsivamente, mas havia algo mais que logo fez Bliss sentir medo. Quando o Visitante havia chamado “irmã” a Sophia, uma imagem veio a sua mente: Jordan. O Visitante falava de Jordan? E se assim era, significava que Jordan continuava viva? Onde? Como? Bliss podia sentir que estava começando a se agitar. Tinha que se acalmar. Ela

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queira escutar mais... Ela tinha que... Ela tinha que descobrir... Mas foi muito tarde. Foi expulsa da luz e de volta ao frio, solitĂĄria e impossibilitada de fazer algo pelo que havia escutado. Que ia acontecer em Paris? Por que queriam que Charles Force fosse ali? E Sophia, se esse era o verdadeiro nome de Jordan, o que o Visitante tinha planejado para ela? E quem era a garota que o LeviatĂŁ perseguia? Havia algo que pudesse fazer para preveni-lo? Ou estava condenada a saber que se aproximava o fim do mundo e que ela estava completamente impossibilitada de fazer algo exceto observar tudo da primeira fila?

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Capítulo Vinte e Seis Mimi Ela bateu a porta tão forte que ela caiu no chão, fazendo um tremendo barulho. Mas depois, tudo estava silencioso. Não havia resposta ao seu desafio. Mimi tateou lentamente o vão da porta, sentindo o longo da borda da parede um interruptor de luz. Quando acendeu, viu que estava em um desastre asqueroso; tudo no lugar estava revolto e desordenado. — Um, como, eca? — disse Mimi, fazendo uma careta para Kingsley, quem por sua vez inspecionava a imundice com olhar severo. Mimi apertou seu nariz e tentou não respirar. — O que é isso? — Ela perguntou quase se asfixiando. Cheirava doce e rançoso. Como algo se decompondo. Kingsley negou com a cabeça. Mimi decidiu que não queria saber. Podia escutar os irmãos Lennox quebrando a outra porta. Eles criaram uma explosão de confusão. Havia algo patológico na extensão deste desastre, desde o sofá virado, onde algum havia cortado as almofadas, deixando uma desordem de plumas por todos os lados, até cada gaveta em cada mesa e cômoda sendo abertos a puxões, lançando seu conteúdo ao solo. Havia garrafas vazias e jornais esparramados por todas as partes, restos de comida, embalagem de papel, pratos de papel sujos, um pacote meio vazio de M&M‟s e latas de Red Bull sem abrir. Algo sobre a desordem parecia familiar. Mimi se lembrou do que havia visto antes, a casa dos Force havia sido assaltada alguns anos atrás e o quarto de seus pais havia sido registrada da mesma maneira: tudo revirado, tudo de cabeça para baixo, tudo revirado. Ela recordou o quão estranho havia sido ver a caixa de jóias de Trinity no meio da cama, quebrada e vazia, entre a confusão de roupas e antigas fotografias da familia que os ladrões haviam tirado do armário. Isto era o mesmo: a metódica forma em que cada objeto da habitação havia sido avaliado e descartado. Alguém estava procurando por alguma coisa. Kingsley assinalou para Mimi, que avançava, e continuaram avançando lentamente pelo corredor. Encontraram os dormitórios, ambos tão desordenados e revirados como o resto da casa. Sam e Ted entraram pela cozinha.

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— Alguma coisa? — Perguntou Kingsley, ainda com sua arma preparada. — Nada, capitão. — Isso não é tão antigo — disse Kingsley, segurando um saco de papael com o logo tipo do Mc Donald‟s — Isso ainda está quente. Fiquem atentos. — Ele disse, ordenando os outros a ficarem afiados. Mimi continuou olhando ao redor. Durante o roubo em sua casa em Nova York, os ladrões haviam levado quatro milhões de dólares nos diamantes de sua mãe. Mas o assalto não havia sido o pior de tudo. Recordou a quão profanada se sentiu, ao pensar que estranhos haviam entrado na sua casa. Um deles havia deixado uma xícara de café na mesa de jantar, deixando um horrível circulo na madeira. A perda das pedras não foi muito grande, ainda que Mimi houvesse estado decepcionada por não herdar as jóias, o principio do assunto era: saber que alguém havia estado em seu espaço. Alguém não convidado, que era não bem vindo que usou sua casa como seu próprio lugar de jogos. Havia uma pegada de pé de lodo na cabeceira de sua cama, migalhas de biscoitos sobre sua almofada branca, uma mancha de chocolate (Mimi esperava que fosse chocolate) no seu cobertor de seda. A polícia chegou, tirando digitais e arquivando num relatório, não que tenham encontrado algo, claro. Charles disse que a maioria das jóias roubadas se comercializou no mercado negro, onde as peças eram quebradas, as pedras retiradas e coladas em outro sistema, vendidas pelos vendedores ilegais na Quinta Avenida. Afortunadamente, o seguro havia coberto a maioria do dano, como também as pedras, assim que não houve perda financeira, só valor sentimental e um fastidioso sentimento de injustiça. Os pais de Mimi haviam repintado todo o apartamento essa noite e o fim de semana. As governantas puseram as coisas em seus devidos lugares. Uma vez que chegou o cheque da seguradora, Trinity manteve Harry Winston e vários leiloeiros em estado de alerta. Depois de uns meses, Mimi esqueceu completamente o assunto: a vida continuou. Mas ver a memorável desordem que os Silver Bloods haviam feito a fez voltar a essa horrível noite. Charles pálido, Trinity chorando um pouco e Jack enterrando seus punhos em uma almofada. Mimi havia dado mais de uma olhada na violação e saque de sua formosa casa e declarou — Vou pedir uma suíte no St. Regis. O que podiam estar buscando ali? Perguntou-se Mimi. Esta era uma cabana no meio da selva. O que podia ter que fosse de algum valor para alguém? E onde estava Jordan? Se a haviam trazido até aqui, por

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que buscavam algo? Mimi se ajoelhou e vasculhou entra a desordem, tentando buscar um sentido para as coisas. Deixou de um lado a pilha de cartolina picada e descobriu um estranho desenho na almofada. Pegadas. Pequenas. Levando-a até o banheiro. Mimi entrou no pequeno lugar. Esta habitação também estava revirada, a cortina de plástico barata do box foi arrancada junto com as argolas, uma montanha de toalhas na pia, o espelho quebrado sobre o lavabo, havia sangue no vidro. Havia sinais de luta, os restos de uma briga... Havia algo ali... Escondido debaixo da cortina de banho caída... Mimi correu com seu pé o plástico enrugado, seu coração batia a mil... Poderia ser... Com as mãos separou as pilhas de vidro quebrado e tirou a pilha de toalhas sujas. Havia um pequeno cadáver na banheira, usando um sujo pijama de flanela. Não. Não. Não. Não. Não. NÃO! Chegaram muito tarde; pressentia isso. Estiveram caminhando pelo nevoeiro, muito lento... Eram muito lento... Mais ainda assim, não queria acreditar. NÃO! — Kingsley! — gritou. Não queria estar só quando virassem o corpo.

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Capítulo Vinte e Sete Schuyler Ela estava acostumada em estar só. Havia estado sozinha por muito tempo em sua vida. Sua avó não havia apoiado a atual prática de pais ansiosos e envolvidos. Não havia ninguém de casa para assistir algum jogo da escola que ela participava, ninguém para animá-la nas arquibancadas nos jogos de futebol dos sábados. Havia estado afastada ou brigada com Cordelia: não havia risco de se afogar por muita atenção. A infância de Schuyler parecia solitária desde o exterior: sem irmão, sem pais e até que Oliver chegasse para sua vida, sem amigos. Mas aqui havia um segredo: Schuyler não havia estado sozinha. Ela tinha suas pinturas, seus desenhos e seus livros. Gostava de estar sozinha. A companhia era o que a desanimava, não tinha ideia como fazer uma conversa casual, ou como interpretar e formular os fluídos e gestos sociais que atraíam as pessoas. Sempre foi a Pequena Menina junto à janela, tremendo de frio. Mas enquanto as pessoas a assustavam, jamais teve medo da escuridão. Ao menos, não até agora. A escuridão que a rodeava era absoluta: tão completa, inclusive a visão vampírica era inútil. Escondeu-se num túnel até que os gritos e sons da batalha decaíram, se apagando no negrume. Ela devia ter ficado, no que ela estava pensando? Por que o deixou sozinho? Havia abandonado Oliver e agora Jack. Mas ela não tinha nenhuma arma; não tinha nada. Jack quis que ela corresse, e isso fez. — Jack? Jack? — Ela gritou, sua voz fazendo eco na longitude do túnel. — Você esta bem? Jack! — Não houve respostas. O silêncio era inclusive mais inquietante. Estava tão tranquilo que pude ouvir o som da chuva caindo em alguma parte por cima das catacumbas, pude ouvir o gotejar de cada gota que caia pelas brechas nas paredes e golpeava o piso. Abraçou-se fortemente, insegura do que fazer. Seus ombros doíam e sentiu como se seus músculos se congelassem. Então isto era como estar com medo do escuro. Ter medo e estar só na escuridão.

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Schuyler gritou o nome de Jack pelo que pareceram horas, mas não houve respostas. Tampouco havia sinal de Silver Blood, mas isso não significava nada. Quem sabe havia se retirado, só para voltar mais tarde. Não queria saber no que poderia ter acontecido com Jack... Poderiam tê-lo levado? Estava morto? Perdido? Machucado? Jack havia partido. Não. Schuyler negou com sua cabeça ainda que fosse a única discutindo com ela mesma. Não havia forma de que ele pudesse cair. Não ele. Não essa deslumbrante e aterradora luz que ele era. Ela havia visto sua verdadeira forma e era impressionante de contemplar. Uma coluna de fogo. Milhares de magníficos sóis queimando com chamas a cor da profunda noite. Terrível e maravilhoso e mais aterrador que qualquer coisa que jamais havia visto. Não! Ele voltaria por mim. Acredite. Olhei ao redor do labirinto de túneis. Não tinha ideia onde estava ou de onde havia vindo. Se pode se perder aqui, Jack lhe havia dito. Essa era a ideia. O que estou fazendo? Sou tão idiota. A intercessão. O que Charles disse: A intercessão. O lugar onde eles não podem cruzar. Todos os túneis levam ali. Onde estava? Não podia ver, talvez pudesse cheirar... Registrou que aqui cheirava limpo. Havia esperando que as cavernas subterrâneas cheirassem a molhado, como toalha úmidas que havia sido deixadas tempo demais no chão. Mas quando ela e Jack haviam desaparecido pela primeira vez nas catacumbas, havia se surpreendido ao respirar ar fresco. É isso, pensou. Este cheiro um pouco mais fresco, como se talvez a guiasse a mais ar fresco, quem sabe para as escadas que levavam até a saída. Tomou uma decisão. Caminhou pelo túnel escuro, com apenas as pontas de seus dedos como guia. Sentia como se estivesse caminhando na escuridão por milhas, mas seu nariz não tinha falhado, o ar estava mais limpo e desde longe podia vê-lo... Uma luz brilhando na escuridão. Jack. Tinha que ser Jack. Finalmente alcançou a interseção. Mas a luz era da tocha que Jack havia levado antes que fossemos atacados. E não havia ninguém ali.

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Capítulo Vinte e Oito Bliss Era a última semana de agosto, e Costword40 finalmente tinha sido vendido depois de o preço ter sido reduzido por mais ou menos cem mil, era pegar ou largar. Um russo oligarca havia comprado o Hotel Hamptons e qualquer coisa nele, até a última almofada náutica incluída também a coleção de carros. A nova família queria a posse do lugar imediatamente, sendo assim houve um período curto de custodia. Desde o dia em que Bliss havia escutado a conversa de Forsyth vinha o estudando, o Visitante havia recuado para uma ausência mais longa ainda. Sábado, seu primeiro dia de volta a Nova York, aquele foi o quinto dia consecutivo que ele havia ido. Quase uma semana inteira. Era um alívio estar de volta à cidade. Ela tinha se cansado do Hamptons, assim como todos, ela fez uma última análise. Enquanto Bliss tinha sua liberdade, ela tentou descobrir o que estava acontecendo. Ela havia chamado os Force, sem ter certeza do que ela diria exatamente, não que isso importasse de qualquer maneira, não desde que a empregada havia dito que não tinha ninguém em casa. Charles havia ido, Trinity estava em D.C., e os gêmeos estavam longe. Então ela ligou para o número de Schuyler, mas o serviço sempre dava como desligado. Ela ligou para a casa em Riverside Drive, e Hattie havia lhe dito que Schuyler havia... Partido. A governanta parecia assustada de mais para lhe falar algo mais. Os Hazard-Perrys foram passar o verão em Maine, mas quando Bliss ligou para o número, ninguém atendeu. Não houve sequer uma secretária eletrônica. Foi tudo muito estranho, e nada promissor. Ela tinha invadido a sala de estudos de Forsyth antes de ter ido fazer as malas, ela tentou falar com Ambrose Barlow. Ela havia decidido que se Forsyth e o Visitante haviam zombado dele, talvez o Diretor Barlow fosse um dos mocinhos. Mas quando ela tentou ligar para a casa de Barlow, ele não estava lá. Ela não sabia que tipo de mensagem deixar, Bliss não queria que o Visitante voltasse. Ela tinha que também ter certeza que ele havia sido mantido no escuro sobre o que ela estava planejando. Costword: são uma série de colinas no centro-oeste da Inglaterra , às vezes chamado de “ Heart of England” 40

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Finalmente ela decidiu que mandaria um cartão anônimo. Não era um e-mail que poderia ser rastreado de volta para o seu computador, mas uma nota sobre artigos de papelaria que talvez Barlow prestasse atenção, e não achasse que fosse algum lixo eletrônico. BobiAnne tinha uma bonita coleção de cartões e Bliss escolheu um. Caro Diretor Barlow, Você não me conhece, mas eu tenho que lhe avisar sobre uma coisa. Tome cuidado com Forsyth Llwellyn. Ele não é quem você pensa que é. Apenas um amigo. Deus, aquilo parecia tolice. Mas o que ela poderia fazer sem ter que ir para longe? Era como ter que tomar cuidado com um cachorro em um quintal com gramado subterrâneo, Bliss não sabia o que fazer. Ela não poderia correr o risco de o Visitante ter consciência das suas ações, e se alguém do Conclave se aproximasse perguntando por ela, Forsyth saberia o que tinha acontecido. Era melhor do que não fazer nada. Talvez fosse mesmo ajudar. Ela esperava que sim. Depois de postar o cartão, ela caminhou sem rumo pela Quinta Avenida passando o Museu Guggenheim. O tempo estava quente e úmido, era possível fritar um ovo nas calçadas de Nova York, mas Bliss não se importava. Ela apenas estava feliz por estar em casa. De volta à cidade que ela aprendeu a amar tanto. Então, ela vagou de volto ao Museu Metropolitano de Arte. Ela subiu os grandes degraus, ela se esquivava da grande multidão de turistas fazendo piqueniques sentados sob a brilhante luz do sol. Quando ela entrou no saguão de mármore e passou pela verificação da segurança, esperando pacientemente enquanto um guarda entediado cutucou o conteúdo de sua bolsa com um bastão, ela sentiu uma dor no coração. Aquele era o lugar onde Dylan havia levadoa pela primeira vez. Era muito interessada em ser outra coisa senão só tristeza, como ela se lembrava de como Dylan tinha pagado a taxa de entrada para os dois com um centavo. Mas quando ela caminhou ate o balcão descobriu que não tinha sua audácia, e entregou toda a taxa sugerida. Fazia quase dois anos que ele havia ela trazido até o museu. Ele estava tão animado para levá-la para a ala egípcia, e, inconscientemente, Bliss começou a caminhar em direção a ala, passando por caixas de vidro, exibições de escaravelhos e joias cartouche. Ela passou pela exibição de sarcófagos. Ela se lembrava de como Dylan pediu para que ela fechasse os olhos a levando através das passagens, e quando ela abriu seus olhos viu o que estava diante deles. O Templo de Dendur. Um verdadeiro templo egípcio reconstruído em uma sala do Metropolitano. Era como ter um pedaço da sua história

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viva. Tão antiga e bonita. E tão romântica. Ela se lembrava de como Dylan tinha ficado na frente dele, seus olhos brilhando como estrelas brilhantes. Bliss andou suavemente até sua frente, lembrando... A luz inclinada na sala, fazendo sombras sobre o memorial. Ela foi atingida por uma tristeza tão avassaladora que se não tivesse se equilibrado teria caído. — Você está bem? — Uma garota perguntou. — Eu estou bem. — Bliss assentiu. Ela se sentou nas escadas em frente à ruína e respirou fundo. — Eu estou bem. A menina lhe deu um olhar curioso, mas deixou-a sozinha. Bliss ainda estava enraizada no mesmo lugar quatro horas depois, quando as luzes começaram a piscar e um anúncio foi feito ao longo dos autofalantes. “O Museu Metropolitano está fechando em trinta minutos. Por favor, se dirijam a saída”. O anúncio foi repetido a cada minuto em muitas línguas diferentes. Bliss não saiu de onde estava sentada. Todos os outros estudantes na sala de arte, um punhado de turistas, um grupo liderado por um docente, todos caminharam em direção à saída da sala. — O que estou fazendo? — Bliss se perguntou. — Eu preciso ir para casa. — Mas os minutos se passaram e as luzes continuavam a piscar em alerta, e quando Bliss ouviu os passos do guarda do museu, ela se escondeu em uma fresta do templo ficando invisível aos olhos humanos. Depois do que apareceu um longo tempo, finalmente as luzes se apagaram, era completamente silencioso, com uma luz da lua fantasmagórica transmitida pelo museu. Ela estava sozinha. Ela caminhou até templo, tocando a pedra bruta, colocando os dedos nos sulcos dos hieróglifos gravados na parede. Dylan tinha beijado ela ali, pela primeira vez. Ela sentia muito a falta dele. Eu também sinto sua falta. — O que foi isso? — Ela olhou ao redor da sala vazia. A luz fazia estranhas e loucas sombras sobre tudo, lhe lembrando de como ela costumava ter medo do salgueiro que ficava fora do seu quarto quando ela era criança. Ela caminhou até a fonte no centro da sala, atirando um quarto da água, assistindo-a cair. Por um momento ela havia pensado que tinha escutado sua voz, mas agora ela realmente estava ficando louca, não era ela. Você não está louca. Ela estava irritada e agitada. Quem estava falando com ela tinha que parar com isso. — Tem alguém ai? Olá? — Sua voz ainda ecoou por toda câmara. Tudo que respondeu foi o eco de sua voz... Olá... Olá... Olá... Mas se a voz não estava do lado de fora... Então talvez... Talvez... Era em algum lugar... Lá dentro... Mas não era a voz do Visitante, ela tinha certeza disso. Ela fechou seus olhos. Qual era o mal, não era como se coisas mais estranhas já não tivessem acontecido. Ela olhou

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para dentro. Havia um vazio, onde o Visitante geralmente estava, um vazio. O Visitante definitivamente foi para longe. Mas, pela primeira vez ela sentiu outra presença, e outra, então outra e outras muitas centenas de outras... Oh Deus, o que os Silver Bloods haviam feito? “Eles pegaram o sangue”. A consciência imortal para que as vítimas vivessem dentro de seus captores. Muitas almas aprisionadas em um corpo. Abominação. Havia centenas de almas sob sua consciência, almas como a dela, eles tinham as prendido na parte de trás, talvez até mesmo na coluna. Era como olhar para baixo em uma dessas covas comuns... Mas ao invés de cadáveres, eles todos ainda estavam vivos... Ela queria gritar... Aquilo era muito pior do que o Visitante. Isso era... Ela quase perdeu, mas depois... Aquela voz de novo... Baixa, áspera e rouca, como se tivesse fumado muitos cigarros e passado muitas noites gritando em um bar badalado no centro da cidade. Era a voz de um garoto que tinha visto tudo e havia sobrevivido para contar um engraçado, profundo sobre tudo aquilo, mas com um toque doce que havia tocado seu coração. — Poderia ser. — Como era possível? — Dylan? — Ela sussurrou. — É você? Apenas silêncio. Então, fora da escuridão, ela viu sua forma se materializar na sua frente, viu seu rosto, seus lindos olhos tristes, seu sorriso torto, seu cabelo escuro e desgrenhado. Ele surgiu do nada para luz. — Eu não tenho muito tempo. — Dylan disse. — Porque seu Visitante voltará em breve.

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Capítulo Vinte e Nove Mimi Mimi sentiu alguém chegar por trás dela, mas quando se virou, não foi o Venator que ela viu, mas um fantasma. Uma figura enegrecida e queimada. Um cadáver caminhando com os olhos manchados e um corte na boca, e um torso enfaixado, queimado, desfigurado, porém de alguma forma o estômago se remexeu... Estava vivo. — Você? — a criatura apontou um dedo ossudo na direção de Mimi, e falou em um áspero sussurro recordando o som de folhas mortas — Você ousa...? Aquela voz. Mesmo em sua atual situação inquietante Mimi foi capaz de reconhecer a voz. Uma o dono dessa voz fez um discursos em grandes palcos, já havia recebido ilustres convidados da elite para um espetacular apartamento corporativo na Park Avenue. — Guardiã Cutler? — Mimi sussurrou — Mas eu... Eu matei você! — soou um completo absurdo mesmo ela dizendo isto, mas ela tinha cortado Nan Cutler em dois, havia deixado seu corpo queimar na Vila dos Almeida. Como o guardião poderia ter sobrevivido? Isto era ridículo e igualmente um absurdo Mimi se esquivar ou ironizar um fantasma que se encontrava falando. — Mais um passo e eu irei tomar seu sangue — falou com a voz rouca, sem rosto. O que não estava queimado ou com bolhas, seu corpo era puro osso, era horrível de se ver. A mão de Mimi tremia um pouco. Ela não deveria ter colocado sua espada tão distante. Será que da tempo? Onde diabos estava o resto da equipe? Será que Kingsley conseguia ouvi-la? Onde estavam os meninos quando ela enfim precisava deles? Por que ela se afastou do grupo? Na formação de Venatores, foi ensinado que você sempre deveria estar em dupla. Agora percebia o quanto descuidada foi ao seguir as pegadas, não imaginava que havia uma armadilha no final delas. Ela teria tempo o suficiente para se armar antes de Nan fazer algo? Sem muito tempo para pensar, ela desembainhou a espada, mas no mesmo em que o fez, Mimi se deparou bloqueada por um forte aperto com o Silver Blood meio morto.

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O monstro que, uma vez havia sido uma anfitriã muito solicitada em Nova York, estava muito forte e quanto mais Mimi golpeava e arranhava, o demônio não soltava seu aperto. Mimi podia sentir dela respiração em seu pescoço, sabia que não seria muito antes de ter suas presas perfurando sua pele e enfim extrair seu sangue... — Não! Ela empurrou a guardiã por trás contra a parede com toda a sua força. Mas Nam teve uma vantagem e nocauteou Mimi contra o chão de concreto. Ela teria derrubado qualquer vampiro, mas Azrael era feito de uma substância mais resistente. Ainda assim, ficou um pouco tonta, e ela podia sentir um pequeno corte em sua cabeça, e esta estava sangrando... Estava perdendo a consciência... Nesse momento Kingsley apareceu. Mimi achava que ela nunca tinha sido tão feliz em ver alguém em toda sua vida. — Croatan! — ele ordenou — Absed! Absed abysso! Volte para o inferno! — Com um golpe poderoso de sua espada, ele a acertou direto no coração. Houve um som sibilante, como de um pneu se desinflando. Algo aconteceu, até o momento da ruptura, de repente uma chama prateada brilhante, uma luz deslumbrante, ofuscante, momentaneamente, ela observou que a temperatura na sala subiu para níveis de energia solar, como o espírito recolhido em si mesmo, como uma supernova. Mimi protegeu seus olhos até que fosse seguro abri-los. Ela pensou que a guardiã teria desaparecido, mas o corpo ainda estava lá. Somente agora não havia nada de ameaçador nisso. Apenas um mero amontoado de ossos. Kingsley arrancou a espada da pilha, e a transformou de volta num curto canivete que costumava a carregar no bolso. — Você está bem? — ele perguntou, ajoelhando ao lado de Mimi. Ele deu uma olhada no ferimento em sua cabeça, com as mãos de uma forma gentil, com seus polegares, observou suas têmporas e lentamente as massageou. — Rachado como um ovo, mas ficará bem, já esta começando a melhorar! — Como ela sobreviveu? Eu a cortei em dois! — Mimi estava paralisada. — Você não a acertou no coração. Este é o único jeito. A culpa foi minha, eu deveria ter me assegurado, pensei que sabia disso — Kingsley suspirou — Lawrence estava correto, o Conclave não se preocupa em ensinar mais nada e a nova safra de vampiros tem esquecido muitas coisas.

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— Eu pensei que era apenas um mito... Você sabe, como nos filmes, quando os seres humanos pensam que podem nos matar com uma estaca no coração— disse ela. — Há sempre uma verdade por trás de um mito. — disse Kingsley gentilmente — A conspiração viu isso, assim os Red Bloods não sentem a necessidade de olhar para a verdade. — Pois bem, alguém deveria ter me contado. Te devo uma. — disse Mimi — Por que demorou tanto afinal? — Encontramos dois Silver Bloods mortos lá atrás. — disse ele. — Mas esses foram cuidados de forma adequada. O que encontrou? Em resposta, Mimi se pôs de pé. — Encontrei algo, alguém, na banheira, — Ela o levou para o quarto e lhe mostrou o corpo. Quando Kingsley viu a pequena figura de pijama se benzeu, trocaram um olhar de angústia e tristeza. — Faça isso— disse ele. Mimi assentiu. Lentamente, ela virou o corpo. Era Jordan Llewellyn. Mimi reconheceu os olhos cinzentos da menina. Eles estavam abertos e olhando para o teto. Na morte, ela parecia ainda mais jovem do que aparentava para alguém de onze anos. Ela estava usando um pijama sujo, os mesmos que ela estava usando na noite em que foi raptada, pela aparência amarelada da menina, Mimi sabia que, sem precisar dizer, cada gota de sangue de Jordan havia sido drenada, completamente. Mimi sentiu como se fosse vomitar, nada a havia preparado para isso. Isso foi muito pior que ser quase tomada pela guardiã meio morta. Ela se juntou aos Venatores para encontrar aventura, para sair de Nova York... Teve uma vez que nunca pensou que ela falharia em sua busca. Nunca. E saber que tinham chegado tão perto, só para estarem tão longe... Não estava preparada para ver o cadáver de uma criança. Era uma imagem que lembraria para sempre. Mimi era uma pessoa confiante, ela tinha uma crença inabalável em si mesma e em sua capacidade, e ela acreditava que poderia juntamente com Kingsley encontrar Jordan. Acreditava que ele não iria decepcioná-los. Ela olhava para ele agora com o mais profundo sentimento de traição. Mas Kingsley estava fazendo algo estranho, ele tinha tirado uma lupa de seu kit de Venator e olhava para os olhos da menina morta.

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— Lennox, o que você acha? Você pode ver? — perguntou a Ted, que estava próximo à porta. Ted olhou através do vidro. Depois de alguns minutos, ele entregou a seu irmão, que o fez o mesmo. — Não, eu não vejo nada. — Eu não penso assim — disse Kingsley, havia uma nota de triunfo em sua voz. — Force, quer dar uma olhada? Você vê? Ou melhor, você não vê isto? Ela pegou a lupa e olhou para dentro dos olhos de Jordan. O que ela estava olhando? O que se supõe que não deveria ver? Isto era mórbido. A expressão de Jordan era vazia. Finalmente percebeu, os olhos de Jordan estavam sem as pupilas, no espaço onde deveriam ficar não havia nada, seus olhos eram uma superfície simples, parecia uma boneca. — O que aconteceu com ela? O que significa isso? — Mimi perguntou. O rosto de Kingsley se quebrou em um sorriso. viva!

— Significa Force, que ainda não falhamos. A Observadora esta

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Capítulo Trinta Schuyler Esperar era a parte mais difícil. Schuyler lembrou como ela costumava se sentar no apartamento da Perry Street para esperar, tal como agora, por Jack para seu encontro secreto. Sempre pareceu um milagre cada vez que ele entrava pela porta. Era tão inacreditável que ele era dela, e que ele se encontrava tão ansioso para vê-la quanto ela a ele. Era como se ela o tivesse deixado ontem, as emoções que despertaram nela eram tão vertiginosas, as lembranças que voltavam à superfície eram muito fortes. Ela amava observá-lo entrar pelo apartamento. Ela recordava como o rosto dele tinha uma expressão de ansiedade enquanto entrava como ele também sempre se preparava para a decepção. A dúvida persistente em sua face... Será que ela estará lá esperando por ele? Ela tinha amado muito ele por isso. Por saber que ele era tão vulnerável, tão nervoso, como ela era. Ele jamais havia tido ela como garantia. Agora, ela esperava por ele novamente. Ele voltaria para ela, ela acreditava nisso. Ela acreditava nisso de forma tão intensa, enquanto esperava sentada no chão de uma caverna nas catacumbas subterrâneas em Paris, como ela jamais havia sentado em um no apartamento em Nova York. Ela acreditava que ele voltaria para ela, porque se não, significava, não. Não. Não havia nenhuma chance dele estar morto. Mas pelo que aconteceu, o que aconteceria se estivesse ferido? E se ele estivesse em algum desses túneis escuros, um desses túneis que ela não havia escolhido? Se ele estava em algum lugar lá em baixo, sangramento e inconsciente? E depois? Ela não poderia sequer começar a pensar sobre o que havia acontecido com Oliver. Ela esperava que Jack estivesse certo, que os Silver Bloods houvessem deixado ele sozinho... O Croatan não estava interessado em seres humanos... Ou estava? Como ela poderia tê-lo deixado? Ela nunca iria se perdoar por abandoná-lo. E agora, Jack também... Jack também havia ido. Será que ela estava fadada a perder ambos em uma noite? Ela deveria ir. Ela tinha esperado tempo suficiente. Jack precisava dela. Ela tinha que procurá-lo, ela não poderia esperar sem fazer nada.

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Ela pegou a tocha do chão. Mas assim como ela entrou para o primeiro túnel, ela ouviu um barulho atrás dela. Passo a Passo. Ela deu a volta, brandindo a chama. — Fique aí! — ela falou. — Sou eu. Não se preocupe. Sou apenas eu — Jack estava na frente dela. Ele olhou intacto, ileso. Nem um único fio fora do lugar. Nenhum corte no rosto. Suas roupas estavam limpas, e se viam que estavam recémpassadas. Ele parecia perfeito, como sempre o fazia, e não como se tivesse acabado de enfrentar um bando de monstros Silver Bloods. Ela não abaixou a chama. Era Jack? Lembrou-se dos olhos vermelhos do barão. Ela não tinha visto o Silver Blood disfarçado de humano de primeira. Era Jack Force ou foi alguma outra coisa? Outro inimigo disfarçado? — Como sei que você é você? — perguntou ela, segurando a sua tocha como se fosse salvá-la de qualquer criatura diante dela. — Schuyler, eu acabei de escapar com vida. Você só pode estar brincando. — Jack disse. — Fique longe de mim! Um pensamento ocorreu-lhe: E se tudo isso fosse parte de um esquema dos Silver Bloods? Um jogo mortal? Um baile de máscaras? E se eles tivessem planejado que Jack fosse “resgatá-la”, para que pudesse ganhar a sua confiança? Um ano havia se passado lealdades foram alteradas. Como ela poderia saber que ele não tinha se transformado? Eles tinham estado tão longe de todas as novidades do Coven, que se... E se... — Schuyler, eu não sou um Silver Blood! — Jack olhou com raiva agora, e uma veia em sua testa latejava. Sua voz era rouca de tanto gritar. — Pare com isso. Você precisa confiar em mim! Nós não temos muito tempo. Meu pai não pode segurá-los por muito tempo. Nós temos que sair daqui! — Prove! — ela sussurrou — Prove que você é quem diz ser! — Nós não temos tempo para isso! Você realmente quer que eu prove que eu sou eu? — ele perguntou. — Sim! — ela desafiou. Em resposta, ele a tomou em seus braços, erguendo-a contra a parede. Ele apertou os lábios contra os dela, e com cada beijo que ela podia ver em sua mente, na alma. Ela viu um ano de ódio... O viu

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sozinho, alienado, ferido. Ela tinha mentido para ele e o tinha deixado. Com cada beijo que ele fez ver, a fez sentir... Cada emoção, cada sonho que teve com ela... Cada parte de seu desejo e sua necessidade... E seu amor... Seu amor por ela que o consumia por todo esse tempo. Na escuridão se encontraram um ao outro outra vez... E ela o beijou, tão avidamente, que jamais desejou deixar de beijá-lo... Para sentir o coração dele contra o dela, os dois se entrelaçaram, as mão dele em seu cabelo, então desceu para suas costas. Ela queria chorar da emoção avassaladora que tomou conta dos dois... — Agora você acredita em mim? — Jack perguntou com voz rouca, se afastando por um momento para que eles pudessem olhar um para o outro nos olhos. Schuyler assentiu, sem fôlego. Jack. Cada fibra do seu ser vibrava com amor, desejo, remorso e perdão. Oh, Jack... O amor de sua vida, o seu amado, sua alma... Mas como? Como ele ainda poderia se sentir assim sobre ela? Ele já estava ligado à sua gêmea vampira não? Não estava? Ela tinha visto os convites. Mimi em seu vestido branco do vínculo. — O vínculo...? — ela resmungou. — Isso nunca aconteceu. Eu não sou ligado a minha gêmea. Ele ainda estava livre. Ele ainda era ele mesmo, ainda é o rapaz pelo qual ela tinha tão profundamente e irrevogavelmente se apaixonado, por que mesmo um ano de diferença não poderia saciar seu amor por ele. E ele ainda a amava, ela sabia disso agora. Olharam um ao outro e de repente compreenderam tudo o que havia sido dito. Jack foi primeiro. Ele olhou para os escombros com uma carranca. Os Silver Bloods haviam destruído os degraus de pedra que levam à saída dez andares acima. Schuyler podia ver um pequeno ponto de luz a partir de uma abertura acima. — Isso é um cruzamento. Se nós passarmos, eles não poderão nos seguir. Segure-se. — ele disse, desenrolando um rolo de corda que foi anexado ao seu kit de Venator. Ele girou o gancho sobre a borda e a tomou pela cintura. — Não olhe para baixo. — ele disse, enquanto subiam pelo ar como um casal de super-heróis. — Espere! Tem alguém ali embaixo! Eu acho, eu acho que poderia ser seu pai, Sim! é o Charles! Espere, Jack!. A corda escorregou, ela ficou agarrada, Estava tendo uma luta, na qual, de repente, eles foram puxados para baixo, de volta às profundezas... Schuyler pôde ver, ao longe, Charles Force lutando ele mesmo com o Leviatã, o demônio sob a forma de um lagarto, um dragão

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e uma quimera, alterando forma e provocando seu atacante com uma alegria triste. — SAIAM DAQUI! — Charles Force berrou quando ele os viu suspensos corda acima — SALVEM-SE! E ela sentiu, sentiu que a ferocidade dele pode lançá-los para fora da cavidade, os mandando voando através do ar e caindo na calçada. Isso tudo foi feito num curto espaço de tempo. Logo atrás ou abaixo, ela não tinha certeza. Ela sentiu uma onda enorme, como se um relâmpago houvesse acabado de passar a um centímetro dela. Então o universo vacilou. Uma ondulação. Uma lágrima. Uma ferida. Por um momento o mundo não estava em foco. Schuyler pôde ver a vastidão do espaço em sua infinidade. Universos alternativos. Finais alternativos. Desfechos alternativos. Ela sentiu um tremor em seu interior, como também por fora, como se cada partícula do universo estivessem tremendo também, o próprio mundo em que viviam encontrava-se em perigo de ser destruído. Mas então, subitamente, tudo retomou ao seu lugar. O tempo se firmou. O universo parou de oscilar. O mundo voltou a ser o mesmo de sempre. Schuyler estava esparramada na calçada. Ela não podia sentir nada: suas pernas, seus braços, tudo estava paralisado. Jack deitou no chão ao lado dela. Com o último vestígio de força, ela o alcançou, acariciando com seus dedos os dele, congelados, e então ela sentiu o seu aperto de mão forte e firme. Ele estava vivo. Seu coração se alegrou. Ele estava vivo. Eles haviam sobrevivido. Mas não havia em lugar algum qualquer sinal de Charles Force.

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Capítulo Trinta e Um Bliss — É você mesmo? Como isso é possível? — Bliss perguntou, maravilhada de como ela o via. O Dylan que ela lembrava estava em pele e osso, mas este Dylan parecia bastante saudável. Sua face estava rosada e suas covinhas estavam de volta. — Sou eu sim — Dylan assegurou — Você sabe o corrompimento, a coisa que transforma os vampiros em demônios, isso é feito tirando a nossa alma através do sangue, e às vezes pode também, uh... Você sabe... Bliss assentiu. Às vezes em que o — Visitante— estava no controle, e ela havia tomado o sangue de Dylan, ela tinha absorvido bastante do espírito dele dentro dela, de modo que essa imagem ou uma versão fraca desta, um pedaço da consciência dele vivia dentro dela. — Então... Você está vivo? — Bliss perguntou. — De certo modo — ele disse — Eu posso pensar, e ainda posso sentir. — Mas você não é real, certo? — ela perguntou. Por um tempo Dylan apenas sorriu, e isto foi o mesmo torto e triste sorriso de sempre. — Eu não sei bem como explicar isso, mas uma parte de mim esta aqui com você e outra parte esta... em algum outro lugar. Eu não sei, mas eu sei que não estou completo. Eu sou como... Como um... Template... Você sabe, como uma personalidade virtual presa em um computador. — ele explicou. Ele confirmou o que ela já sabia: que havia dezenas, possivelmente centenas de outras almas vivendo dentro dela. — Os Croatans são loucos porque nenhuns dos espíritos possuem o corpo por tempo suficiente para fazê-lo assim funcionar. Eles se tornam desequilibrados, imprevisíveis e esquizofrênicos como os humanos assim os chamam. Normalmente porque o espírito do

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hospedeiro original perde o controle para uma personalidade muito forte. Ela estremeceu. — Igual acontece comigo? — O Visitante. Sim. Mas você está ciente da transgressão, o que significa que você tem sido capaz de resistir a ela. E há algo a mais que é diferente com você. Você sabe o que é? — Não realmente. — Seu humano familiar, Morgan. Lembra-se dele? Bliss recordou do jovem e atraente assistente de fotografia na sessão de Montserrat. — Os Red Bloods são um veneno para o Croatan, e ainda assim não a prejudica. O que quer dizer, que parte de você ainda é incorruptível. E também, você tem a mim — ele disse. — O que você quer dizer? — Eu os mantenho longe de você, vigio a parede, — disse — É o melhor que posso fazer. Imagine uma cortina que está entre a sua consciência e os outros. Eu sou a cortina. — Então basicamente o que está entre eu e os malucos é... Você? — ela perguntou.

— Yeah— ele deu de ombros — Sou eu. Bliss esboçou um sorriso. De repente ela não se sentia mais tão sozinha. Ela tinha alguém para conversar e alguém que entendia exatamente o que estava acontecendo com ela. — Eu gosto disso— ela disse. Ela estava prestes a dizer algo quando de repente ela foi invadida por uma raiva, uma raiva debilitante, incipiente. Ela sentiu como se estivesse espumando de raiva pela boca, sufocando em sua própria bile, engasgou com o ar, se dobrou e começou a apertar se estômago. O que tinha sido isso? O que estava acontecendo? Por que ela estava com tanta raiva? Então foi quando ela percebeu, a raiva que sentia não era sua. Ela podia sentir isso, mas não vinha dela. — O que esta acontecendo? — Bliss sussurrou — Foi ele, não foi? O Visitante. Ele está chateado.

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— Sim. — Dylan disse, olhando aflito — Tente não sentir tanto isso, empurre, não deixe que as emoções dele controlem você. Ela assentiu, rangendo os dentes, tentando lutar contra um turbilhão de emoções confusas que caiam em cima dela. RAIVA! ÓDIO! COMO ISTO PODIA ESTAR ACONTECENDO? QUEM É RESPONSÁVEL POR ISSO? EU DEVERIA CORTAR SUAS GARGANTAS E BEBER O SANGUE DE SEUS FILHOS! A BARREIRA ESTAVA LÁ! TIVEMOS O GUARDIÃO EM NOSSAS MÃOS! O CAMINHO ESTAVA AO NOSSO ALCANCE! IDIOTAS! IDIOTAS! Ela o puxou de volta. Não. Não. Eu não. Eu não. Ele. Não o deixe sair, não o deixe sair. Não o deixe sair. Afastese de mim, de meus pensamentos, da minha vida, eu não sou você. Eu não sou você. Eu não sou você. — Ele se foi. — disse Bliss, ofegando. Ela abriu os olhos, ela ainda estava no museu e Dylan ainda estava sentado nos degraus na frente dela. — Bom. — Dylan disse — Isso é muito importante que você o mantenha longe, que você não... Que você não o deixe controlá-la. — Eu não o deixarei. — ela o disse como foi capaz de permanecer consciente, mesmo quando o Visitante tinha voltado — Ele estava tentando fazer alguma coisa, eu acho, mas eu tenho uma sensação de que não deu muito certo. Não aconteceu. Algo saiu errado. Esta é a razão dele estar furioso agora. — Sim, mas tenho o pressentimento que ainda não acabou. Você deve continuar com o que está fazendo. Resista a ele. Permaneça firme, como te disse. Veja e observe. E você deve agir na hora certa— Dylan disse. — Mas e se ele descobrir? — Irei ajudá-la tanto o quanto eu puder. Eu prometo! — E quanto a você? Você vai estar sempre aqui? — ela perguntou para ele. — Eu não posso partir, — Dylan disse — Eu estou preso a você. — Posso? — , ela perguntou, estendendo a mão. Ela colocou sua mão contra à dele, esperando. Mas não sentiu nada. Ar. Ele era só fumaça, uma miragem. Ar e luz. Uma recordação. Um fantasma. Ele não era real. Isto não era real. — Quero tanto te beijar — ela sussurrou, olhando em seus olhos escuros — Mas não está aqui. Você não está realmente aqui, certo? Eu estou louca. Provavelmente te inventei para me sentir sã. — ela disse e antes que ela pudesse ajudar, ela começou a soluçar.

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As lágrimas vieram à tona, rolando pelo seu rosto. A enorme responsabilidade que ela tinha a oprimindo. Ela não sabia se ela realmente era capaz de fazê-lo. Isso era demais para se pedir. Ela não podia ir contra ao Visitante. O Lúcifer. Ele era muito poderoso. Dylan pousou a mão sobre seu ombro, ela pode vê-lo, mas não podia senti-lo. Mas podia ouvir sua voz. — Está tudo bem, Bliss, — sua voz era suave — Tudo vai ficar bem.

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Capítulo Trinta e Dois Mimi Mimi queria gritar. Quebra-cabeças, pistas e um cadáver, e agora outro mistério. Ela queria explicações e as queria agora. — O que você quis dizer com “Ela não está morta”? — gritou. Mas Kingsley e a equipe estavam mais interessados em examinar os corpos dos Silver Bloods no momento. Um homem e uma mulher. Mimi os reconheceu do Comitê. O casal havia vivido do lado dos Force na Fifth Avenue. — Meu deus! — pensou Mimi, seu coração batia a mil. Os Silver Bloods escondidos eram como terroristas inesperados, quem saberia quantos mais deles haveria no Coven. Ted examinava a ferida no peito da mulher. Havia uma marca no meio que havia sido oculta pelo sangue. Era uma tatuagem de uma espada atravessando nuvens, justamente onde deveria estar o coração. — Isso é o que acredito que é? — perguntou Mimi. — O selo do arcanjo, — assentiu Kingsley. — Vê essa crosta dourada ao redor da ferida? Só há uma espada no mundo que pode fazer isso. A de Michael. — Não entendo, — disse Mimi, — Não entendo nada. Kingsley fechou seus olhos com intensa concentração. — Elas a levaram do hotel há um ano. Por alguma razão a queriam viva. Nan Cutler sobreviveu e se fez passar pela avó de Jordan, ocultando ela na favela, onde Jordan devia ser capaz de ser amiga dessas crianças. Mas Sophia sabia que viríamos e nos deixou uma mensagem, disse para as crianças a quem deveria entregá-la. E sabia que os Silver Bloods a levariam daqui, mas se supunha que deviríamos salvá-la. Isso é o que eu vi. É por isso que nos enviou aqui, para evitar que isso acontecesse. Mas de alguma forma seu tempo acabou. Decidiram matá-la antes do que esperava.

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— Mas teve êxito os combatendo. Encontrou a espada de Michael, isso devia ser o que estava buscando. Os Silver Bloods a tinham— disse Mimi, pensando no roubo. — Então sabemos o que matou a estes dois, — disse — Mas algo aconteceu... — Sim. Nan Cutler voltou e isso foi uma surpresa. Jordan não viu isso vir— disse Kingsley. — Então Nan a assassinou, ou ao menos isso foi o que pensou. — Sim. — Mas a íris, você disse que não estava morta, — disse Mimi. — Mas Jordan está morta. — Sim. Mas Jordan era só um frasco físico para a Observadora. — Kingsley olhou para Mimi. — De verdade que não lembra nada disso? Deveria estar envergonhada. — Não tenho que me desculpar por nada! — mas sentiu como se devesse. — A Observadora não é exatamente um de nós. Enquanto seu espírito pode ser invocado no sangue para nascer em um novo ciclo, há algo que os Silver Bloods não sabem. Em Roma, quando Sophia foi a primeira de nós a reconhecer Lúcifer no imperador Calígula, quando seu ciclo estava completo, o Coven decidiu que ela era muito importante para ser vinculada somente ao sangue. Então Michael liberou seu espírito. Ela é mais que um vampiro. É como um fantasma. Ela habita em um corpo, uma máquina, mas pode abandoná-lo, e mudá-lo, a qualquer momento. — Então, Nan Cutler matou seu corpo, mas Jordan teve tempo de liberar seu espírito em outra parte? Onde? Kingsley olhou pela janela, para os coloridos pássaros suspensos nas árvores. — Minha suposição é que se meteu em uma dessas araras. Uma ave inteligente. Mas isso seria só um refúgio temporário. Buscaria por um Red Blood tão pronto como possa. — Então você está querendo dizer... que ela está aí fora? Vivendo em outro corpo? — perguntou Mimi cética. — Sim. Mimi cruzou seus braços. — Um humano. Um Red Blood.

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— Sim— a paciência de Kingsley se esgotava. — Eles são feitos do mesmo frasco físico que nós. Um hospedeiro humano. — E você sabia de tudo isso, que seguia viva, só ao ver em seus olhos? — Se a Observadora de verdade houvesse sido morta, os olhos de Jordan teriam pupilas. Já sabes o que dizem... os olhos... janelas... alma. Tenho que explicar tudo pra você, Force? Eles enterraram Jordan próximo às cascatas. Kingsley criou uma cruz dos ramos e a cravou no montante. Os quatro se reuniram ao redor da tumba enquanto ele dizia umas quantas palavras. — Damos para a Terra o corpo de Jordan Llewellyn, quem levou o espírito de Pistis Sophia. Pedimos-lhe para a Terra tomar o que é dela, e enviá-lo de volta com gratidão, amor e pena. Que descanse em paz. Mimi e os irmãos Lennox murmurarão um suave Amém. Depois, amontoaram os corpos dos Silver Bloods mortos no jardim traseiro e fizeram uma pira funerária. Foi só quando as primeiras chamas capturaram o vento que Mimi se deu conta que estava escurecendo. O sol estava se escondendo. Mais de quarenta e oito horas haviam passado sem dormir. Mimi era uma vampira, mas de verdade desejaria uma boa cama neste momento. Observou o fogo envolvendo os corpos e enviando fagulhas para o céu noturno. Tudo isso e ainda sem a Observadora. E que se a Observadora seguia viva? Desta vez eles sequer sabiam o que ela era, se ela continuava como “ela”? Poderia ser qualquer coisa. — Para onde iria a Observadora em busca de segurança? — perguntou Kingsley. Falando consigo mesmo. — Para quem a chamou. Mas com Cordélia morta e Lawrence morto, só tem uma única pessoa a quem recorrer. Allegra Van Alen. — Mas Allegra está em coma. Não vai ser de muita ajuda para ninguém— assinalou Mimi. — Ao menos, não me diga que... — A Observadora tem outras formas de comunicação a sua disposição, inclusive mais profundas que nossas invasões no encantamento, as quais não foram capazes de atravessar a parede que Gabrielle levantou ao seu redor. — Assentiu Kingsley. — Por outro lado, tenho o pressentimento que depois de estar um ano nos bairros baixos do Rio, tenho certeza de que ela está sentindo isso também... — Quer o que?

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— Acredito que a Observadora quer o que você quer, Force— disse suavemente. — O que é? — Quer ir para casa.

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Capítulo Trinta e Três Schuyler Oliver seguiu a pista de Schuyler e Jack até o fundo da Torre Eiffel, ele havia os localizado a partir do sinal de GPS do celular de Schuyler, que agora estava trabalhando desde que eles estavam do outro lado de Le Saint-Louis. Sua roupa estava rasgada e chamuscada, parecia que havia se passado um ano desde que ele e Schuyler saíram daquele ônibus. O coração de Schuyler pulou quando o viu. Oliver! Seguro! Inteiro! Aquilo era mais do que ela sonhava ser possível. Ambos estavam chorando enquanto eles se abraçavam, presos um ao outro. — Eu pensei que você estivesse morto. — Ela sussurrou. — Você nunca, nunca mais faça isso de novo. Nunca. — Eu poderia dizer a mesma coisa para você. — Oliver disse. Ele lhe disse que depois de terem deixado a festa, houve o caos. O Leviatã e os Silver Bloods tinham colocado fogo em tudo, chamuscaram árvores chegando perigosamente perto do edifício. Parecia que o massacre no Rio estava acontecendo de novo. Mas então Charles Force apareceu e lutou com eles um por um, os levando para fora do terreno. Então eles tinham desaparecido. Parecia que todos tinham ido ao subsolo. — Sim. — Jack disse. — Charles estava os liderando para a intersecção. Uma parte do encantamento que os Silver Blood podem entrar mais jamais sair. Um lugar entre os dois mundos. — O esquecimento. — Oliver assentiu com a cabeça. — Então o que estava acontecendo lá trás? — Schuyler perguntou, se lembrando do estranho fenômeno que havia experimentado. Jack sacudiu sua cabeça. — Eu não tenho certeza. Mas o que quer que fosse, eu acho que Charles conseguiu reverter o processo, para deter o desastre e reparar o dano. Caso contrário, nenhum de nós estaria aqui. Mas Jack não disse o que todos sabiam. Embora os Silver Bloods tivessem fracassado, não tinham ficado sem uma pequena vitória.

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Charles Force se foi. Ele nunca chegou à superfície, e as catacumbas estavam vazias. — Então ele está morto? — Schuyler devidamente perguntou. — Eu não tenho certeza. Eu acho que ele somente se perdeu. — Jack respondeu. — O que você vai fazer? — Eu não sei ainda. — Ele suspirou. — O Conclave não é o que foi. Eu não vejo nenhuma ajuda vinda dessa direção. Mas eles são tudo o que temos. — Jack parecia exausto. — E vocês? O que vão fazer? — Fugir. — Oliver disse firmemente. — Continuaremos fugindo. — Você não pode fugir para sempre, Schuyler. Os tremores, sua doença, você não pode esconder isso. É parte da sua transformação. Você deve ir ao médico certo, ele poderá ajudá-la. Mantendo distância você só está pondo a si mesma em perigo. Eu posso garantir você com o Conclave. Vou fazê-los entender. Eles vão cancelar os Venators. Confie em mim. Você estará segura em Nova York. Você não pode correr o risco de ficar sozinha. O Coven está com a liderança enfraquecida agora, mas nós iremos nos reagrupar. Volte para Nova York. — Volte pra mim. Jack não disse aquilo em voz alta, mas, no entanto Schuyler ouviu alto e claro. Ela arrastou seus pés. Os dois garotos estavam ao lado dela, ambos com suas mãos enfiadas nos bolsos. O queixo de Oliver estava quase em seu peito, sua cabeça estava inclinada para baixo. Ele não podia olhar dentro dos olhos dela. Jack estava olhando diretamente para ela, com aquele olhar dominante. Ela amava os dois, e ela podia sentir o coração dela quebrando em cima deles. Ela nunca seria capaz de escolher. Era impossível. Oliver estava dizendo para ela fugir, enquanto Jack queria que ela fosse para casa. Mais do que qualquer coisa, ela queria voltar para Nova York; parar; descansar; se recuperar, mas ela não poderia decidir sozinha. Por mais que ela ainda amasse Jack, e como iria fazê-la infeliz se o deixasse para sempre, havia Oliver para considerar. Seu gentil e verdadeiro amigo. — O que você acha Ollie? O que nós deveríamos fazer? — Ela perguntou, virando-se para o garoto que a havia mantido segura por mais de um ano.

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Capítulo Trinta e Quatro Bliss Era a última noite antes do primeiro dia de aula. Havia passado uma semana desde que Dylan havia aparecido e às vezes Bliss estava convencida que somente havia sonhado. Um bom sonho, mas apenas um sonho. Mas então ele continuou aparecendo e falando com ela, contando-lhe coisas que não sabia (as quais jamais aconteciam em sonhos, de alguma forma ela sempre sabia que ele estava falando com seu subconsciente) e finalmente decidida que era Dylan que estava falando, ou ao menos uma versão dele. Jamais sabia quando ele iria regressar, às vezes fechava seus olhos, esperava e nada acontecia, outras vezes estava no meio de algo, pedindo um café ou experimentando sapatos e teria que sair o mais rápido possível e encontrar algum lugar onde pudesse estar sozinha. Naquele dia ela estava arrumando seus livros para a aula. Ela amava o cheiro de livro novo, gostava de correr os dedos nas páginas brilhantes. O início do ano escolar sempre prometia tanta coisa boa. Ela estava feliz por voltar. — Eu gosto também— Dylan disse, olhando por cima de seu ombro. Ela se surpreendeu ao vê-lo de pé ao lado dela, com uma mão sobre a sua na mesa. — Deus! Você me deu um susto! — Desculpe. Dificil, eu tenho que fazer com que me veja, embora agora que você sabe que estou aqui fica um pouco mais fácil. — ele continuava a olhar por sobre os ombros dela. — O que você está tendo este ano? — O de sempre. Alguns cursos avançados e algumas atividades extraclasses. Eu poderia checar arte visual, quem sabe. — Dylan concordou e colocou suas longas pernas na beirada da mesa — Quer ver uma coisa legal? — Claro!

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E sem aviso, de repente Bliss estava sentada com Dylan no telhado de Cloisters, um museu localizado na parte mais alta de Manhattan. É claro que eles estavam lá somente em sua mente, ou na dele. Na realidade ela ainda estava sentada em sua cadeira no seu apartamento. Dylan explicou que isso era parte da sua memória que o levara até lá. Bliss nunca tinha ido ao Cloisters. Dylan explicou que eles poderiam ir a qualquer lugar. Que não teriam que estar em um buraco negro, sem nada ao redor, ou onde quer que Bliss estivesse no momento. Eles podiam ir a qualquer lugar, desde que um deles já o tivesse passado por lá. Era como ter uma espécie de passaporte para qualquer lugar do passado deles. E Dylan adorava o Cloisters. A vista do telhado era surpreendente. — Wow! — disse Bliss. Ele estava de volta. Dylan olhou por cima dos ombros dela, para ver as nuvens de uma tempestade que de repente se instalaram pela cidade. Mesmo em sua bolha de proteção, eles não podiam se esconder do Visitante. — Você sabe o que fazer. — ele disse. — Eu? — Bliss perguntou. Mas Dylan já tinha ido, e Bliss perdeu seu momento feliz no terraço. O Visitante tinha tomado conta, e com isso, escorregado para a escuridão, Bliss assumindo a quietude de uma estátua. Enquanto lá fora, seu corpo estava andando pela sala, dando ordens para Forsyth. — E o Conclave? — Barlow aprovou uma resolução que oferece a Charles Force a liderança do Conclave de novo, ele deve retornar em breve — Forsyth disse nervosamente — Ele era bastante inflexível. A serpente tremeu, de forma bem assustadora. Michael! Sempre recorrem a Michael! Parece que eles esqueceram quem é que os trouxe ao Paraíso! Forsyth afrouxou a gravata com certa preocupação. — Ah... E quanto a Paris. O Leviatã confirmou. Não existe mais um portão em Lutetia. Apenas uma interseção, o Leviatã falhou ao ir para lá. Esse é o motivo do Subvertio41 não ter funcionado, porque não havia um portão a ser destruído. Nós fomos enganados. Charles montou uma armadilha para nós. Mas o Leviatã ao liberar a morte branca na interseção, criou uma 41

Subvertio: é uma palavra em latim que significa destruição

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espécie de buraco no tempo. O Leviatã quase foi puxado para dentro de si. Mas a boa notícia é que ele acredita que Charles também se perdeu. Que o arcanjo foi enfim destruído. — Ele pode provar isso? — Não, meu senhor. Mas não há nenhum sinal de Charles Force desde Paris. — Então Michael estava jogando conosco também — o Visitante ruminou. — Eu estava lá, você sabe, no dia em que ele forjou a chave do portão. No dia em que ele se designou como guardião. — Ele é esperto, meu senhor. Michael nunca foi muito confiável. — Hábil, isso é o que ele é. Mas agora que sabemos que a entrada não esta em Lutetia. Ele deve ter encontrado alguma maneira de movêla de lá — o Visitante disse pensando um pouco. — Esta decisão de Barlow deve ser revogada. Mas deve ser feita de forma cuidadosa. Você deve convencer o Conclave que não pode continuar sem ocupar esta posição. O espírito do Coven exige um Regis. Eles se convencerão disso enquanto passam as semanas e meses enquanto Charles permanecer ausente. Você devera recusar no início, mas eles irão pressioná-lo para que acabe aceitando. Será nomeado Regis. — Como quiser, meu senhor. — Uma vez instalado, nosso verdadeiro trabalho enfim poderá começar. Sem Charles, sem Lawrence, eles irão recorrer a um novo líder. Você deve se colocar neste posto. Eles regressarão a mim. Eles vão me rogar que os guie novamente, e através de você Forsyth, nosso verdadeiro trabalho poderá começar... Sem aviso, Bliss foi subitamente empurrada de volta para o vazio. — O que aconteceu?— Dylan perguntou — Por que você retornou? — Eu não sei... Eu fui trazida de volta... Ele deve ter sentido algo... — então ela disse a ele o que ela tinha escutado. — Você tem que voltar para lá. Tem que fazer isso! Bliss se concentrou. Ela tentou tão forte o quanto pode. Ela arrancou a linha que a separava do mundo real. Obrigou-se a ver o mundo como o Visitante fez. E desta vez, ela estava na mente dele. Mas ele não estava mais falando com Forysth. Em vez disso, ela viu o que ele via. Corpos,

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cadáveres. Empilhados uns sobre os outros. Crianças, na verdade. Estavam deitados em um auditório. Eles haviam bebido alguma coisa. Uma poção. Um veneno. Algo feito por um demônio. Ela viu um leve espectro de um menino segurando uma guitarra e uma bela menina de cabelos escuros, onde era difícil vê-la muito bem, e outro rapaz, bonito, limpo e de aspecto preocupado. Todos se encontravam de pé em frente à cena do auditório. Este massacre de inocentes. Tantas crianças... Red bloods assassinados selvagemente. Logo vi o demônio: estava na forma de outro menino. De boa aparência, mas com um horrível sorriso nos lábios. Ele tinha feito isto. Outra criança de Lúcifer. As imagens continuaram uma após outra: morte, destruição, ódio e guerra. Este tinha sido o trabalho do demônio. Então, abruptamente, as visões cessaram. Bliss acordou. Ela estava sentada em sua mesa, sozinha. Estava tremendo tanto que tinha deixado cair sua caneta. O que aconteceu a Charles Force? Havia sido ele destruído como pensavam? Do que afinal eles estavam falando? Qual era a passagem que o Visitante queria destruir? E essas visões que acabara de ver, quem eram essas crianças? Era o futuro? E o que o Visitante iria fazer, uma vez que Forysth fosse nomeado Regis? O que, afinal, estavam planejando? Horror nem sequer dava para começar a explicar o que ela estava sentindo. Dylan estava certo. Ela tinha mesmo que encontrar uma maneira de parar o que quer que fosse acontecer. Ela fechou seus olhos. — Dylan?— ela chamou — Dylan, você está aqui? Onde você está? Porém não obteve nenhuma resposta, dentro ou fora.

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Capítulo Trinta e Cinco Schuyler — Sky, acorda! Acorda! Está tendo um pesadelo! Acorda! Schuyler abriu seus olhos. Ela estava sentada, a cama em um desordenado furacão de lençóis e cobertores. Oliver sentado ao seu lado, uma mão sobre o seu ombro. — Você estava sonhando— ele disse, — Esse sonho outra vez? Ela assentiu, pondo o queixo sobre os joelhos. — O mesmo. Sempre. — Desde que havia escapado do Leviatã aquela noite em Paris, Schuyler tinha o mesmo sonho, o mesmo sonho cada noite, como se seu subconsciente estivesse encravado num canal, repetindo o mesmo programa de televisão sinistro. Nunca poderia lembrar-se do que se tratava, só que no sonho ela estava cheia com os mais profundos e agonizantes desespero. Por dias havia acordado chorando. — Está bem?— perguntou Oliver. Seus olhos estavam inchados de sono, seu cabelo bagunçado, uma pequena parte de trás levantada. Ele levava um moletom de Duchesne e uma calça de pijama de flanela, sua roupa típica de dormir. Schuyler brincou uma vez sobre seu surpreendente espírito escolar. Oliver jamais havia usado algo marcado com o nome da escola, desde que o tinha conhecido. — Estou bem — disse ela. — Volte para a cama. Eles estavam em um hotel cápsula em Tóquio. Havia passado uma semana desde que deixaram Paris. Haviam passado três dias em Berlim. Tóquio parecia como um lugar seguro aonde ir, tão longe da França como era possível. Quando chegaram ao Japão, Schuyler estava esgotada, sem energia inclusive para realizar o ritual que a revigoraria. Estava mais do que exausta, mas depois de ver novamente Jack, e ter todos esses velhos sentimentos saindo à tona, se sentiu desleal ao depender de Oliver. Assim que se conteve de realizar o Beijo Sagrado.

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Pela primeira vez ela desejava haver tomado um dócil estranho como seu humano familiar no lugar de seu amigo, mas ela sentia isso como uma traição, inclusive ao pensar nisso. Esta noite em Tóquio, Oliver recostou sua cabeça sobre a almofada, ocultando o rosto dela enquanto se aconchegava no seu lado, do modo que sempre fazia. Assim era como dormiam, como sempre haviam dormido desde que começou sua viajem, em uma cama, costas com costas, de cara ao exterior para seus inimigos, tendo as costas do outro, literalmente. Este era o modo em que Oliver lhe havia ensinado. Este era o modo em que os Condutores protegiam aos seus vampiros por séculos durante tempos de guerra. No meio da noite quando Schuyler despertou, ela sempre estava cômoda ao sentir o calor das costas de Oliver pressionando contra a sua. Um ano de dormir costas com costas, nunca se voltando para o outro, nem sequer para a Cerimônia. Na cama, haveria sido muito íntimo... Muito como outra coisa que eles haviam resistido até o momento, um acordo tácito de esperar pelo momento certo. Por que o que teriam mais que o tempo? Estariam sempre junto. Isso era o que mais sabiam. — Está acordado? — perguntou Schuyler. Seu quarto era aproximadamente do tamanho de um pequeno caixão. Só podia se sentar. Os banheiros eram pequenas caixas empilhadas acima de outra, com uma porta de vidro e uma cortina para privacidade e uma janela. As cápsulas eram populares entre os empresários japoneses que estavam muitos bêbados para ir para casa. Foi o alojamento mais barato que Schuyler e Oliver puderam encontrar. Haviam armazenado suas coisas numa caixa no vestíbulo. — Uh-huh. — Lamento te manter acordado. Deve ser cansativo. — Uh-huh. — Não tem vontade de falar? — Mmmmmm... Schuyler sabia que Oliver estava decepcionado. E ela compreendeu por que ele estava sendo tão frio com suas respostas de uma palavra. Algo entre eles havia mudado depois de Paris. Algo havia mudado sua agradável amizade; algo se havia convertido em um pequeno e hermético mundo que criaram. Schuyler acreditava que Jack Force era parte do seu passado, que depois de havê-lo deixado nesse apartamento em Perry Street, seria o fim das coisas. Mas ao ver Jack outra vez em Paris, não sentiu como se

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fosse o fim. Especialmente quando se beijaram. Ela não sabia o que pensar. Sentira-se tão culpada por isso, às vezes nem sequer podia olhar o rosto de Oliver. Mas às vezes lembrava o beijo, e se pegava não podendo deixar de sorrir. Sentia-se como um começo, como uma promessa de um futuro mais brilhante, inclusive como se o futuro começasse a se apagar. E assim cada noite enquanto se deitava nas costas de Oliver, quando ela fechasse seus olhos sonharia com um garoto cujos olhos eram verdes e não âmbar ela se odiava por isso. E o que acontecia se Jack seguisse livre? E ele se não estava vinculado? Ela havia feito sua escolha. E amava muito Oliver, o pensamento de estar longe dele romperia seus corações em um milhão de pedaços. Tinha que deixar de sonhar com Jack. Esse beijo. Como ia essa canção em um filme que via todo o tempo com Oliver? Um beijo é só um beijo. Um suspiro é só um suspiro. Não era nada. Não significava nada. Quem sabe ela estava confusa por que estava cansada de acordar em uma cidade diferente cada três dias. Quem sabe isso era tudo. Estava muito cansada dos aeroportos e estações de trens e hotéis e aborrecidas e caras comidas de hotel. Ela sentia tanta falta de Nova York que era como uma dor física. Havia tentando esquecer o quanto amava a cidade. O quão revigorante a fazia sempre se sentir, o quanto pertencia a esse lugar. Fora da portinha, Schuyler podia ver a vista da paisagem urbana de néon de Tóquio: intermináveis luzes brilhantes, arranha-céus iluminados como vídeo game. Seus olhos estavam se fechando, estava a ponto de dormir, quando do nada Oliver falou. — Sabe, quanto te enviei com ele à Paris, foi a coisas mais difícil que tive que fazer. Schuyler sabia que ele falava quando a havia enviado com Jack, não com o barão. — Eu sei — disse ela, falando para seu travesseiro. — Pensei que escaparia com ele — disse, falando para a parede. — Eu sei. Ela sabia tudo isso: havia lido em seu sangue, mas compreendeu que ele deveria dizê-lo. Tinha que dizer as palavras em voz alta. — Pensei que jamais voltaria a te ver — Sua voz era tranquila, mas Schuyler sentiu tremer um pouco seus ombros.

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Oh, Oliver... Seu coração deslizou até sua garganta e lágrimas saíram dos seus olhos. Ele me ama tanto, pensou. Jamais posso feri-lo. Não posso. Assim que em resposta, Schuyler se virou e deslizou seus braços e entrelaçaram seus dedos. Ela pressionou seu peito contra suas costas, e seus joelhos e pernas descansaram contra os seus se vendo como duas colheres. Jamais havia feito isso, e agora se perguntava o por que. Sentia-se tão cômoda descansando nele. Pôs sua boca sobre seu pescoço para que ele pudesse sentir sua respiração sobre sua pele. — Ollie, eu jamais te deixaria — sussurrou e supôs que estava dizendo a verdade. Ela manteria seu coração a salvo. Mas ele não respondeu e tão pouco se virou, inclusive com o convite tácito em seu abraço. Ele manteve suas costas para ela toda a noite, como o fazia cada noite. Ela adormeceu com o continuo ruído de sua respiração.

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Capítulo Trinta e Seis Mimi Para muitas pessoas, o Rockefeller Center era Nova York. O complexo de aço, cimento e vidro no meio do centro da cidade era o lar de várias das Instituições da cidade mais famosas e queridas. Havia um clube noturno e um restaurante no andar superior, e a pista de patinação no gelo abaixo. O meio do complexo havia um lugar favorecido para presumir novas exibições de arte, um cachorro gigante feito de milhares de flores multicoloridas, ou um espelho gigante apontando para o céu. Um popular programa de TV havia tomado seu endereço para o seu nome. Mimi sempre havia adorado caminhar pela fila de brilhantes bandeiras coloridas em seu caminho para a Saks do outro lado da rua. Mas várias pessoas não sabiam, é claro, que o Rockfeller Center tinha uma história. Na tradição vampira, ele era consagrado como o lugar onde Michael ganhou o titulo de Regis pela primeira quando o Coven havia se mudado para o Novo Mundo. A terra foi abençoada com parte de seu espírito, o qual provavelmente era a razão de que o Rockfeller Center havia se tornado tão popular com os Red Bloods. Humanos, tão numerosos como eram, ainda podiam sentir a atmosfera carregada que os rodeava, a eletricidade no ar do solo sagrado. O santuário tinha ficando justo onde hoje estava a casa de leilões de Christie. Eram nove e meia da manhã quando Mimi caminhava pelas portas de vidro da entrada principal. O leilão estava para começar as dez, mas ela não estava ali para fazer um lance em uma coleção. Ela havia chegado do Rio na semana anterior e estava perdendo o primeiro dia da escola para assistir essa cerimônia. Duchesne teria que entender, ela tinha responsabilidades que iam além das aulas. A escola havia recebido os gêmeos Force depois de ter sua “licença” assim eles podiam começar seu ultimo ano e se graduar no secundário. O comitê havia decretado que os vampiros jovens deveriam terminar sua educação antes de se unir a outra missão Venator, enquanto ainda se encontravam num momento vulnerável de sua transformação. Os membros antigos do Conselho sempre tentavam evitar que os jovens crescessem muito rápido, pensou Mimi. Nem sequer importava que ela

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fora um membro com direito a voto do Conclave! Não. Tinha que conseguir seu diploma. Pegou sua plaquinha de lance do guarda e pegou o elevador para a sala pública do leilão. O auditório estava meio vazio quando chegou. Um sinal dos tempos, quem sabe? Ou pela quantidade de compradores estrangeiros que ofertavam online ou através de agentes sentados em bancas telefônicas na parte traseira da sala. Mimi não estava segura. Ela se lembrou dos leilões sendo em essência um pouco mais social quando seus pais participavam. Havia um coquetel na sala de trás e as mulheres levavam joias tão preciosas como as que estavam leiloando. Ela viu algum seus colegas que rodeavam a área. O Conclave estava abaixo com sete, mas sete era tudo o que necessitavam para um quórum42. Josiah Archibald estava estudando cuidadosamente o catálogo de arte. Alice Whitney estava segurando suas pérolas. Abe Tompkins cambaleou e tomou assento na parte de trás. O leilão começaria imediatamente às dez horas e então seria a reunião do Conclave. Eles haviam vindo para este lugar histórico para nomear seu novo líder. Forsyth Llewellyn havia chamado para um Voto Branco. A instalação de um novo Regis não era um assunto trivial, e ninguém no Coven poderia se lembrar de ter tido a tantos novos em tão rápida sucessão. Eles haviam sido guiados por Michael em várias de suas encarnações desde o amanhecer dos tempos, e justo o ano passado havia colocado Lawrence Van Alen em seu lugar. Mas agora Lawrence estava morto, Charles Force estava perdido e Forsyth estava pressionando seu caso para o posto. Mimi olhava surpresa quando dois dos membros, Minerva Morgan e Ambrose Barlow, entraram na sala e foram direto para onde ela estava. Minerva e Ambrose estavam entre os vampiros vivos mais velhos de seu ciclo, e enquanto as mentes vampíricas não perdiam sua agudeza a carne sem a devida manutenção se deteriorava, segundo os tempos humanos. O que esses velhotes manchados queriam? — Madeleine — disse Minerva, tomando o assento ao seu lado, — Ambrose gostaria de te mostrar algo. Ambrose Barlow tirou cuidadosamente um envelope do bolsinho de seu casaco. Estava dobrado pela metade, e quando Mimi o abriu a nota estava enrugada e o papel tão fino, como se houvesse sido lido muitas vezes.

quórum: é uma espécie de banca, assembleia, geralmente organizada para fazer uma votação. No caso da história, para eleger o novo líder do Conclave. 42

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Tenham cuidado com Forsyth Llewellyn. Ele não é o que vocês pensam. Estava assinado por “Um amigo”. Mimi entregou o envelope para Ambrose com desagrado. Seu pai lhe havia dito que jamais confiasse em notas anônimas. — Acreditas que é verdade? — perguntou Minerva. — Não sei. De verdade não presto muita atenção a esse tipo de coisa — disse Mimi. — Provavelmente seja só uma piada. — Mas por que alguém enviaria? Obviamente é alguém do Coven. Mas quem? E por quê? E por que enviá-la para Ambrose? Ele tem estado aposentado do Conclave pelo menos há cinquenta anos. Além do mais, Forsyth não tem inimigos e ele é o único que nos mantém juntos— disse Minerva, parecendo nervosa. — Não está certo, Ambrose? Ambrose Barlow assentiu. — Estou de acordo, as notas anônimas são trabalhos de covardes. Mas de alguma forma sinto que devemos prestar atenção a esta. É um momento estranho para nós... E com muitas mudanças ocorrendo... Mimi notou que Forsyth Llewellyn havia entrado na sala, e os três deixaram de falar. O senador se via particularmente são e inclusive mais presunçoso do que o normal, considerando o que havia acontecido com sua família não faz muito tempo. Ele olhou aos três agrupados e tomou o assento ao lado de Ambrose. — Olá, olá — a saudou enquanto Ambrose dobrava rapidamente a nota e a guardava em seu bolsinho. — Ola, Forsyth. Estava dizendo a Madeleine que ainda não entendo por que fazer isto tão cedo — disse Minerva. — É seguro que Charles volte e nomear a um Regis enquanto ele segue vivo. Eu não aprovo. Depois do que aconteceu em Paris, sinto que é precipitado. — Querida Minerva, entendo sua preocupação, mas minha preocupação é que depois do que aconteceu em Paris, o tempo é essencial. Não podemos perder o tempo que temos — disse Forsyth. Minerva grunhiu, enquanto Mimi mantinha seu rosto neutro. Os jornais dos Red Blood estavam cheios de histórias sangrentas do desastre em Paris, nenhum dos vampiros haviam sido assassinados ou feridos, mas houve vários humanos familiares que foram esmagados durante o distúrbio. A tragédia foi culpa do circo Thai, sem licença, incapaz de controlar seus animais e as violações do código de incêndio de acordo com a multidão.

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Jack lhe havia contado a verdadeira história quando chegou na outra noite e como Charles havia detido o pior. Mas inclusive com os esforços de Charles, o Hotel Lambert apenas havia escapado de ser queimado. Os novos proprietários estavam indignados e ameaçavam retirar sua oferta, mas haviam sido apaziguados pela Condessa, quem lhes ofereceu em troca alguns móveis históricos grátis. Os gêmeos decidiram que não compartilhariam as notícias sobre o aparente falecimento de Charles ao Coven. Jack continuou acreditando que, apesar da evidencia do contrario, seu pai vivia e Mimi esteve de acordo de que seria o melhor se a comunidade continuava pensando que Charles estava longe de propósito. Melhor não começar o pânico, os Blue Bloods estavam com os nervos em pé até agora. Seymour Corrigan entrou na sala, enviando um olhar de desculpas por seu quase atraso. Sete guardiões simbolizavam as sete famílias originais, como estabelecia a tradição. O leiloeiro, um homem sóbrio em uma jaqueta azul e uma gravata vermelha, caminhou ao pódio. — Bem vindos, damas e cavalheiros, à venda Impressionista e Arte Moderna — disse. A audiência aplaudiu cortesmente e a tela detrás dele mostrou um retrato de Kurt Cobain, imortalizado em cores vibrantes e preciosas. O roqueiro grunge como um santo. — Primeiro, um Elizabeth Peyton. A oferta inicial é de quinhentos mil dólares.

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Capítulo Trinta e Sete Schuyler Eles estavam em Sydney quando tudo aconteceu. Em Chinatown, numa pequena drogaria que vendia o chá verde orgânico que Schuyler tanto gostava de beber pela manhã. O tremor começou pelas suas pernas, depois por seus braços, em seguida, seu corpo começou a se contorcer e por fim caiu ao chão, deixando assim cair a lata que estava segurando enquanto se debatia e contorcia contra o chão frio de linóleo. — Afastem-se! Está tudo bem! Ela é... É epilética — disse Oliver, empurrando a todos. — Basta dar-lhe espaço para respirar! Por favor! Isso vai passar. Era estranho para Schuyler não ser capaz de controlar seu próprio corpo, percebeu que estava se rebelando contra seus próprios desejos, quase como se tivesse sido possuída por uma espécie de espírito demoníaco. Ela se sentia como se a estivesse assistindo de um lugar bem distante, como se o que estivesse ocorrendo não fosse com ela, mas com outra garota, que se encontrava deitada enquanto seus braços e pernas se moviam bruscamente, enquanto espumava pela boca. — Desculpa, me desculpem — ela sussurrou, quando a convulsão finalmente havia parado. O tremor havia passado, mas mesmo que seus membros não estivessem mais se movendo, seu coração ainda batia a mil por hora. — Não tem problema. Está tudo bem — Oliver disse gentilmente, dando-lhe seu ombro para servir de apoio enquanto a ajudava a ficar de pé. — Aqui... Água — o atendente disse, trazendo consigo um copo de água e levando aos lábios dela. Schuyler ficou feliz pelo olhar bondoso do gentil homem e dos outros clientes. Ela continuou a se apoiar em Oliver enquanto saíam da loja em direção ao ponto de ônibus, onde um ônibus que retornava para The Rocks já estava esperando. — Isso foi ruim — disse ele, enquanto pagavam sua tarifa de estudante e se dirigiam aos assentos do fundo do ônibus. Ele estava sendo gentil. Provavelmente foi a pior coisa que havia experimentado. A

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enorme dor de cabeça, a espuma saindo de sua boca, o modo em que sua língua quase a asfixiou... O que a Dr.ª Pat havia dito mesmo em sua última visita? Que o poder de um vampiro era um presente, mas em seu caso era um fardo. Seu corpo humano tratava sua transformação como uma enfermidade, como algo que queria fora dele... — Você tem certeza que está bem? — Oliver perguntou novamente, enquanto Schuyler se inclinava colocando sua cabeça entre as mãos. — Estou bem — disse ela — Estou bem, de verdade — esta foi a última coisa que disse antes de desmaiar.

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De volta ao Hotel e se sentindo muito melhor, Schuyler sentou-se na pequena varanda fora de seu quarto, enrolada num roupão de banho. Dentro do pequeno cômodo, enquanto Oliver dava os retoques finais no seu curry43. Ele apareceu com um prato fumegante e o colocou em frente a ela, juntamente com uma colher. Ambos tinham aprendido a cozinhar durante a fuga. Oliver tinha se especializado em banana indiana e Frango ao Curry, enquanto Schuyler gostava de fazer macarrão e de misturar tudo o que pudesse encontrar na geladeira. Às vezes Oliver dizia que era muito interessante. — Obrigado — ela disse, aceitando alegremente a tigela de curry amarelo quente com arroz. Ela levou a colher a boca e assoprou antes de comer, para não queimar a língua. Lá fora, os veleiros e navios de cruzeiro margeavam o porto de Sydney. O oceano era de um profundo verde mar, não muito diferente dos olhos de Jack, ela pensou, então, de repente ela se conteve. Ela não queria pensar nele, ou no que ele deveria estar fazendo, ou se ele sentia falta dela também. Ela focou em seu alimento. Oliver a estava assistindo através da porta deslizante de vidro. Ele tinha aquele olhar no rosto, e ela sabia o que significava. Ele saiu, e retornou trazendo uma xícara de chá para ela, e se sentou em uma das cadeiras de plástico. — Sky, precisamos conversar.

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Curry: Tempero indiano


— E sei o que você irá dizer Ollie, mas a resposta é não — ela deu um gole na xícara de chá. Incrível que mesmo com tudo que aconteceu, Oliver ainda tinha conseguido comprar uma lata de chá. Ele realmente é um bom humano familiar. — Sky, você não está sendo razoável. — Não estou? Eles vão nos colocar na cadeia, ou seja, lá o que fazem com pessoas como nós — Schuyler encolheu os ombros. Ela sabia a punição por fugir da justiça do conclave: 1000 anos de exílio. Seu espírito iria ser trancado numa caixa. Mas e se ela não fosse imortal? O que iriam fazer com ela então? E o que aconteceria com Oliver? — Você ouviu o que Jack disse. O Conclave possui problemas bem maiores do que nós dois agora. Além disso, talvez, este seja o momento deles enfim acreditarem em você. O incêndio no Hotel Lambert apareceu em todos os jornais e o Conclave europeu está pronto para lutar e ainda possuem testemunhas que viram o Leviatã! Eles não podem negar mais. — Mesmo se eles acreditassem em mim agora, eles não vão deixar o que fizemos passar. Você sabe disso melhor que eu — Schuyler apontou. — Verdade, mas isso aconteceu quando Charler Force era o Regis. Neste momento o Conclave não possui um Regis. Eles estão assustados e desorganizados. Eu acho que seria seguro ir para casa agora. — Pessoas desesperadas geralmente tomam as piores decisões — Schuyler argumentou — Eu não confio em uma organização que opta pela política do medo. E você sabe que você é um traidor também. E o que será de seus pais? Eles vão atrás deles. — Até este momento a família de Oliver tinha sido deixada em paz, além de claro eles terem todos os seus movimentos monitorados pelos Venatores: telefones grampeados, contas bancárias vigiadas. Os pais de Oliver o disseram em uma de suas raras conversas através de um telefone via satélite que não poderiam ir até o Dean & Deluca, sem serem observados. Oliver tomou um grande gole do seu chá. — Acho que podemos suborná-los. Schuyler empilhou sua xícara em sua tigela vazia. — Desculpe? — Pagá-los? O Conclave precisa de dinheiro. Eles estão falidos. Meus pais possuem muito. Eu posso comprar minha saída. Eu sei que posso. Porque ela estava discutindo? Oliver a estava dizendo o que tanto queria ouvir. Que eles poderiam voltar para casa, e ainda assim a assustava. — E não quero ir.

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— Você está mentindo. Você quer ir para casa. Eu sei disso. E nós vamos. Fim da discussão — Oliver disse. — E vou reservar nossas passagens para o próximo voo de volta. E não irei ouvir outra coisa. Oliver não falou mais com ela pelo resto da noite. Ela adormeceu e acabou ficando com um torcicolo no pescoço devido à tensão. Porque ela estava sendo tão teimosa, ela se perguntava enquanto adormecia. Oliver só queria o melhor para ela. Por que você está sendo tão teimosa? Schuyler abriu os olhos. Ela estava em Nova York, em seu quarto. As páginas desbotadas da revista Brodway Playbill que cobriam as paredes estavam amareladas e com orelhas em suas pontas. Sua mãe estava sentada na borda de sua cama. Isto era um sonho. Mas não um comum. Esse era um sonho com sua mãe. Ela não pensava muito nela ultimamente. Ela nem sequer teve tempo de dizer adeus, quando tinham deixado Nova York ano passado. Esta tinha sido a primeira vez que ela via sua mãe, desde ter aparentemente visto Allegra no Corcovado, segurando uma espada. Allegra olhou Schuyler severamente. — Ele esta bem, você sabe. Os Conduits sempre estão. Você não podia viver deste jeito. A transformação irá te matar se você não tiver os cuidados necessários e devida orientação. Você não pode arriscar sua vida com isto. — Mas eu não podia voltar para casa — Schuyler disse. — Por mais que eu queira, não posso. — Sim, você pode. — Eu não posso — Schuyler disse esfregando os olhos. — Eu sei que você tem medo do que poderá acontecer quando vocês retornarem. Mas você deve enfrentar seu medo, Schuyler. Se você e Abbadon estão destinados, então não há nada. Nem ele, nem mesmo você, serão capazes de deter isso. Sua mãe estava certa. Ela não queria voltar para casa porque, assim, Jack estaria tão perto. Jack, que ainda estava livre... Jack, que a tinha beijado tão apaixonadamente... Que ainda podia ser dela... Mas e se ela se mantivesse distante, assim ela não estaria tentada a vê-lo e muito menos a trair Oliver.

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— Você não pode ficar com alguém só por ter medo de magoá-lo. Você tem que pensar na sua própria felicidade— Allegra disse. — Mas mesmo se nós ficássemos juntos, isso irá matar Jack — Schuyler disse. — Isto vai contra o código. E ele irá se destruir... — Se ele assumirá o risco de estar com você. Quem é você para lhe dizer o que fazer com a vida dele? Olhe para mim. Veja o tanto que arrisquei para estar com o seu pai. — Meu pai está morto. E você está em coma. Eu praticamente cresci como uma órfã — Schuyler disse, nem mesmo tentando afastar a amargura em sua voz. Ela nunca tinha conhecido seu pai. Ele tinha morrido antes dela nascer. Como Allegra, bem, não se pode dizer muito de um relacionamento com um “cadáver-vivo”. Agora ela estava lá. — Me diga, mãe, valeu a pena? O amor por meu pai valeu a pena por tudo o que aconteceu com sua família?— ela não podia continuar a dizer coisas que lhe doíam tanto. Mas tudo veio à tona depois de anos vivendo sozinha. Ela amava sua mãe, amava sim. Mas ela não queria um anjo que só apareceu uma vez em toda sua vida para dar-lhe uma espada encantada. Schuyler queria uma mãe de verdade: uma que estivesse lá quando ela chorasse, que a encorajasse e a estimulasse, que lhe desse sermões, somente porque se preocupava com ela. Ela queria uma mãe normal. Como a mãe de Oliver. Ela não imaginava como a Mrs. H-P sabia onde eles estavam, mas sempre em alguns meses apareciam pacotes no hotel que estivessem recheados de chocolates, meias novas e coisas que eles nem sequer imaginavam que precisariam, como lanternas e pilhas. Allegra suspirou. — Eu entendo seu desapontamento comigo. Eu espero que em um dia você entenda e me perdoe. Há consequências para tudo isso. É verdade, eu me arrependo às vezes. Mas sem seu pai, eu jamais teria tido você. Eu fiquei com você por um breve momento, mas eu amei cada segundo, com você e com seu pai. Eu faria tudo novamente se preciso fosse. Então, sim. Valeu à pena. — Eu não acredito em você — Schuyler disse. — Ninguém em seu perfeito juízo escolheria ter a sua vida. — Seja como for, volte para casa filha. Eu estou esperando por você. Volte para casa.

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Capitulo Trinta e Oito Mimi Quando Mimi abriu os olhos, a sala de leilões havia desaparecido e estava em um santuário, em uma pequena sala com quatro paredes feitas de vidro colorido. É claro, o encanto nunca tinha sido destruído. Ela se pôs de pé com os outros cinco membros E Forsyth, o sétimo de pé no meio. Eles estavam vestidos com longas túnicas negras com capuz. Como um grupo de parcas44, pensou Mimi. Muitos dos costumes dos Blue Bloods haviam sido passadas através da cultura popular, mas desviadas e desprovidas de sua gravidade. — Bem vindos a todos — disse Forsyth Llewellyn, vendo-se bastante vaidoso e satisfeito. Perfeitamente natural, pensou Mimi, enquanto ele assumia o cargo mais alto na Terra, como cabeça de um governo secreto que os Red Bloods nem sabiam que existia. Seu trabalho como senador era completamente superficial. Mimi escutou que ele havia feito apenas um trabalho leviano em ajudar a resolver as crises financeiras que mantinha seu país em suas garras. Mimi não havia sido um membro por longo tempo do Conclave quando Lawrence havia sido eleito, mas ela tinha uma ideia vaga dos procedimentos. Seymour Corrigan passou rapidamente e começou a cerimônia. — Desde o começo deste mundo, nosso Reges mantém a alma d Coven em seus corações. Mas antes de ser eleito, deve ser abençoado pelos Sete, e é por isso que nós nos reunimos hoje para a invocação. — Era uma cerimônia que vinha desde o antigo Egito. Exceto que desta vez não havia barba falsa de pelo de cabra, nem centro mágico, nem chicote de couro simbólico, nem coroa de plumas de avestruz. Mas os fundamentos eram os mesmos. O guardião Corrigan começou a tabular, chamando as grandes casas por seus nomes na Língua Sagrada.

parcas: eram três irmãs velhas que determinavam o destino das pessoas. Sabe aquelas velhas de um olho só que aparecem no filme Hércules da Disney? Então, são elas. 44

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— O que diz, Domus Magnificat?— a casa das Riquezas era representada por Josiah Rockfeller Archibald, cuja família havia construído o centro onde estavam. — Dizemos sim— murmurou. — O que diz, Domus Septem Sanctimonialis? — Dizemos sim — disse Alice Whitney, que era a última da linhagem da Casa das Sete Irmãs. — O que diz, Domus Veritas? — é claro os Venators eram representados no consulado, mas Mimi estava curiosa em saber por que Abe Tompkins falava por eles. Ele não havia sido um Venator ativo por anos. — Dizemos sim — respondeu o velho Abe. — O que diz, Domus Preposito? — a Casa dos Juízes era um título que sempre havia sido outorgado às famílias mais próximas do Regis. Os Llewellyn atualmente tinham essa honra. Forsyth Llewellyn sorriu. — Dizemos sim. — O que diz, Domus Stella Aquillo?— a Casa da Estrela do Norte era um dos maiores benfeitores de programas de artes do país. Ambrose Barlow olhou nervosamente para Minerva Morgan. Baixou sua cabeça e sussurrou, — Sim. Só faltavam duas casas. A seu lado, Mimi sentiu a ansiedade de Minerva Morgan. — O que diz, Domus Domina?— a Casa das Senhoras Cinza. Ou Casa da Morte, mas ninguém a chamava assim. A família que estava encarregada do histórico, dos ciclos de expressão e expulsão. Minerva Morgan não respondeu. — Domus Domina?— Seymour Corrigan limpou sua garganta. — Domus Domina! Minerva Morrigan suspirou. — Sim. — Domus Lamia disse sim — disse o Guardião Corrigan, um pouco mal humorado. A Casa dos Vampiros, um título antigo, e a cabeça da Conspiração. Mimi se preparou, ela era a seguinte. O Guardião Corrigan tossiu. — O que diz, Domus Fortis Valerius Incorruptos. Casa do Puro Sangue, do Incorrupto, do Valente e do

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Forte, Protetor do Jardim, Comandante do Exército do Senhor? O que diz? Essa era a linhagem de Michael. A linhagem de Gabriele. A linhagem dos Van Alen, agora corrompida pelo nome dos Force. Mimi elevou sua voz — Dizemos... — moveu sua mão. Pensou na incerteza de Minerva Morgan. Ambrose Barlow, que era tão velho que todos pensavam que estava senil. E ainda assim trouxe esse pedaço de papel. Trouxe para ela. Eles contavam com ela. Uma nota anônima, mas uma nota importante. Estavam certos. Não podiam chamar atenção com sua mensagem. Mimi logo compreendeu que Ambrose e Minerva não podiam fazêlo, mas queriam que ela sim. Ela era jovem, mas superior a eles. Ela representava a Casa que havia guiado este Coven de imortais por séculos. A casa que agora seria extorquida de seu poder pelo ritual que estavam praticando. Não havia pensado nisso até agora, mas de repente sentiu-se nervosa porque eles só iam entregar o Coven à Forsyth Llewellyn. Quem era Forsyth Llewellyn de qualquer forma? Mimi reviu em suas memórias. Um anjo menor. Uma divindade menor. Um encarregado. Ele não era Regis. Ela podia fazer isso. Havia lutado com os Silver Bloods e enviado demônios de volta para Hades. Ela se levantaria enquanto outros não podiam. — A Casa de Puro Sangue gostaria de apresentar a sua objeção a este procedimento — disse clara e confiante. — Objeção?— Seymour Corrigan viu-se confuso. — Dizemos não. — Disse Mimi. — Não? — perguntou Corrigan outra vez. — Não — Ela disse de forma mais clara. Forsyth, de sua parte, estava calmo. — Só não compreendo por que precisamos fazer isso, mudar o espírito do Coven por um novo líder quando meu pai ainda está vivo! — soltou Mimi. Respirou profundamente. — Portanto, devo dizer não. — O voto branco deve ser unânime — disse Guardião Corrigan preocupado. — Não podemos mudar o Coven a custódia de Forsyth ao menos que seja um voto unânime das sete famílias. — Estava perdido, enquanto Ambrose e Minerva estavam aliviados. Todos os demais olharam Forsyth para a orientação. Mimi percebeu que, com o voto Branco ou não, ele já era o líder.

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— Manteremos a instalação como deseja a Guardiã Force, — disse Forsyth suavemente. — Não tenho desejo de assumir um papel que nem todos estão de acordo que me pertença. Um a um foram regressando aos procedimentos da sala de leilões. Mimi percebeu que ainda sustentava sua mão no alto, enquanto estava sobre o encantamento. O leiloeiro lhe deu um sorriso brilhante. — E o retrato de Femme, Françoise Gilote, vai para... A bela senhorita da primeira fila!— Ela havia comprado um quadro de Picasso.

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Capítulo Trinta e Nove Bliss O primeiro semestre em Duchesne sempre se desenrolava na mesma tradição, jamais mudava a agenda de atividades que haviam sido atribuídas há cem anos, ou assim é o que devia parecer para os estudantes que estavam doutrinados no tranquilizador e previsível ritmo de uma vida cômoda na escola privada. Começou na última semana de Agosto com o primeiro ano de orientação, quando os novatos do primeiro ano estavam ligeiramente oprimidos por seus atormentadores do último ano com suas tortas de creme de barbear, lançando concursos no pátio, brigas com bexigas d‟água desde o balcão, e jogos épicos de assassinato. No dia final da orientação, havia uma solene apresentação de anéis de formatura e a canção da escola, culminando, sem dúvida, em uma festa extracurricular para se socializar no telhado da casa do representante de classe da escola, quando apareciam os primeiros romances de Maio-Dezembro, usualmente entre uma “garota velha” (o que a escola chamava de alunas sênior) e um “garoto novo” (um garoto do primeiro ano), e não como pensariam, o contrário. Bliss subiu as escadas do edifício principal, assentindo a cabeça para vários rostos conhecidos. Todos ainda estavam um pouco bronzeados de Hamptons ou do verão em Nantucket, as garotas ainda não preparadas completamente para trocar as soleiras45 e sandálias por lã e tecidos escoceses, enquanto os garotos usavam suas camisas de linho fora das calças e suas gravatas reviradas suspendendo suas jaquetas sobre seus ombros, com um ar casual. Bliss havia escutado que os gêmeos Force também haviam voltado à escola. Precisava tentar falar com eles o mais rápido possível. Mimi e Jack tinham que ajudá-la. Enquanto caminhava aos armários, notou os nomes gravados em cada placa de metal, viu que os nomes de Schuyler e Oliver não estavam. Enfrentar a verdade da ausência deles a deixava triste. Finalmente descobriu o que havia acontecido com eles, algo sobre o 45

soleiras: vestidos decotados e sem manga.

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Conclave duvidando da versão de Schuyler sobre os eventos ligados a morte de Lawrence, e como os dois jovens haviam decidido fugir dos Venators em lugar de enfrentar o julgamento. Mas de alguma forma não havia acreditado realmente que eles partiriam. Durante o decorrer do dia, ao meio-dia esperava ver Oliver sentado no radiador em sua aula de História Europeia Avançada, ou Schuyler olhando seus recipientes de argila em Arte Independente. Bliss caminhava para sua terceira aula antes da hora do almoço, Civilizações Antigas e a Era do Oeste. A primeira semana da escola era o período de cursos extracurriculares, quando os estudantes esperavam de aula a aula até que decidissem quais eram as que iam se inscrever. O curso havia soado interessante, uma mescla de história e filosofia, estudando os gregos, romanos e egípcios. Ela sentou-se na fila do meio, ao lado de Carter Tuckerman, que sempre cheirava a sanduíche de ovo que comia no café da manhã. A professora era nova, um tipo diferente do que o normal de aptidão de Duchesne. A maioria dos professores havia estado sempre na escola e se viam como tal. Madame Fraley ensinava Francês, e os estudantes estavam convencidos que ela havia estado na escola desde 1880 (provavelmente esteve, já que a Madame era uma Blue Blood). O destino era universitários graduados recentemente, garotos que de algum modo falhavam em suas solicitações à Bandeira pela América e foram pegos com um grupo de pirralhos mauricinhos no lugar de casos necessitados. Esta era diferente. A Senhorita Jane Murray era uma robusta mulher de bochechas rosadas de idade mediana, com cabelo vermelho brilhante e um temperamento irlandês avermelhado. Usava uma saia escocesa, blusa amarela e um jaleco com losangos. Seu cabelo estava cortado como um pajem e seus olhos azuis brilhavam quando falava. Senhorita Murray (escreveu na lousa, e decididamente era Senhorita e não Senhora. Ela foi influenciada pela Senhorita Porter, em sua cabeça, uma dama não se chamava daquele jeito) não parecia haver estado durante a era dos dinossauros, tão pouco tinha esse olhar perdida e aterradora dos graduados. — Esta é uma classe eletiva e é estilo seminário, o que quero dizer é que espero que os meus estudantes participem das discussões e não só fiquem dormindo ou fiquem mandando mensagem. Não prometo que não os incomodarei, mas um ou outro pode se aborrecer se não levar seus próprios pensamentos ou ideias à mesa — disse alegremente, olhando ao redor com um sorriso incentivador. Quando chegou a folha de presença, Bliss decidiu colocar seu nome no final da lista, notando que quase todos na classe haviam feito.

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Bliss podia perceber a reação da sala: a Senhorita Murray vai ser uma encantadora adição à vida em Duchesne. O sinal soou e enquanto Bliss recolhia suas coisas, escutou algumas garotas falando animadamente enquanto se davam empurrões a caminho da porta. — Oh, meu Deus! Nosso último ano vai ser genial!— disse Ava Breton. — Completamente!— exclamou Haley Walsh. — O melhor! O último ano vai ser genial. Que divertido sentimento, pensou Bliss enquanto as seguia para fora da sala. Estes eram os melhores anos de suas vidas. Por Deus, com um pouco de sorte isso não era certo. Até o momento, a adolescência de Bliss havia sido franca e literalmente enfastiada. Mudou-se para uma cidade nova, descobriu que era um vampiro, se apaixonou e perdeu seu amor, tudo em um ano louco. E agora passava o seu último ano possuída por um demônio, quem, por certo, também era seu pai, como aconteceu, ela não tinha ideia. O Visitante havia estado fora pela maior parte da semana. E depois que Bliss havia vislumbrado o inferno que era a mente dele, estava agradecida por ele estar longe. Suas visões havia lhe dado pesadelos. Apenas podia dormir sem pensar no que havia visto. Muito pior, Dylan não havia regressado depois desse dia fatídico. Seguiu esperando que logo ele aparecesse em alguma parte, o destino a levaria de volta aos Cloisters, mas não havia mais que silêncio. Era como se estivesse sozinha em sua cabeça novamente, e sabia que não era o caso. Finalmente a escola os deixou sair ás três e Bliss foi para sua casa. Entrou no apartamento e encontrou Forsyth em colapso na mesa da cozinha, rodeado por garrafas de álcool e uma mulher aturdida deitada no sofá. Ele usualmente era mais discreto com seus conhecidos humanos e Bliss afastou seu olhar. Ele saltou quando ela entrou e seu rosto ficou pálido. Ele a olhou assustado. — Que aconteceu? — perguntou. — O que aconteceu? Tão logo ela falou, ele se viu aliviado. — Ah, é apenas você — foi tudo o que ele disse. Então derramou um pouco uísque em um copo cervejeiro e o bebeu em um gole. Para um vampiro, ele estava curiosamente afetado pelo álcool.

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Bliss lanรงou-lhe uma olhada, logo subiu para seu quarto e fechou a porta. Tinha tarefas a fazer.

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Capitulo Quarenta Schuyler Jack estava certo. Quando Schuyler e Oliver retornaram a Nova York, não havia nenhum Venator esperando por eles no Aeroporto JFK. Ainda assim, nenhum deles arriscava dizer quem nenhum membro do Conclave fosse aparecer. O plano era manter o retorno de Schuyler em segredo, enquanto Oliver testemunhasse perante o Conclave que Schuyler o havia abandonado, assim ele poderia ser capaz de voltar para sua família. Tínhamos a esperança de que os anciãos acreditassem nele ao invés de o enviarem para uma sessão com os Venatores usando a máquina da verdade. Era um risco que eles tinham que correr, mas Oliver estava confiante que sua história pudesse ser comprada. Oliver não estava muito entusiasmado com a ideia de fingir seu distanciamento de Schuyler, mas tinha sido consentido de que essa era a única maneira de mantê-los livres e seguros em Nova York. O Aeroporto JFK estava como sempre um caos, enquanto manobrava seu carrinho de bagagem através do agitado terminal, procurando pelo ônibus que os levaria até o metro. — Bem vinda ao lar — Oliver bocejou e esfregou sua barba. Tinham sido 20h de voo de Sydney até lá. Não é tão divertido partindo de um acento apertado da classe econômica. Os dois ficaram espremidos entre um casal em lua de mel que ficaram se beijando o tempo todo durante o voo à sua esquerda e à sua direita, um grupo que voltava de férias de turismo radical, que saiam atrás das aeromoças em busca dos seus lanches de voo. Uma vez fora do terminal, Schuyler respirou fundo e sorriu. Eles tinham viajado no meio de Setembro, e o clima ainda era suave. Com um leve friozinho no ar. Outono era sua estação favorita. A agitação da cidade, as limusines esperando seus passageiros a longa fila de táxis, o despachante gritando para todos se apressarem. Era muito bom estar de volta. Eles se hospedaram num Hotel desconhecido na área oeste da rodovia, um dos antigos prédios comerciais que foi destinado a abrigar os viajantes que estivessem por ali cansados. O quarto tinha uma

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espécie de claraboia no teto por onde entrava luz pelo quarto e um ar condicionado muito barulhento. No entanto, Schuyler dormiu profundamente pela primeira vez em meses. Na manhã seguinte, Oliver reportou ao Conclave toda a sua história, mostrando assim toda a sua vida para a sociedade Blue Blood. Como ele assim tinha previsto, uma vez que o Conclave ficou ciente do que ele tinha a oferecer (dinheiro), e nenhuma pergunta a mais foi feita. Ele contou depois a Schuyler, de volta ao hotel deles, que os guardiões não pareciam muito preocupados com o desaparecimento dela, ou de aplicarem alguma medida disciplinar. O que aconteceu em Paris havia mudado tudo. Isso tinha forçado o Conclave a reconsiderar suas ações perante o retorno do Leviatã. Eles tinham agora problemas muito maiores para cuidar a ter que se preocupar com o destino dela. Ou era assim como se parecia. — Você está pronta para ir então? — ele perguntou. Ele tinha marcado uma consulta para ela na clínica da Dr. Pat. Patricia Hazard era a médica mais confiável dos membros do Conclave sem contar que também era tia dele. — O que você fez enquanto eu estava fora? — Nada, Eu comi uma omelete e um café em uma lanchonete do outro lado da rua. Então eu li o Post46 — Schuyler disse a ele. Isto era o Paraíso. Dr. Pat tinha redecorado. A última vez que Schuyler tinha ido lá, o escritório parecia como um grande salão branco, bem intimista e sofisticado. Desta vez, o escritório parecia uma bizarra, mas uma bela casa de festa. Havia vitrines de cristais cheias de olhos de vidro. Havia também uma cadeira estilo praiana que havia sido costurada com diversos animais de pelúcia, era fofo ao ponto de ser bem esquisito. Venezianas refletoras cobriam as paredes e peles de animais forravam os sofás brancos. Ainda parecia um saguão de hotel, mas desta vez, ao invés de uma Rainha de Gelo, havia a expectativa de que Willy Wonka fosse aparecer. — Ei, Dr. Pat, o que aconteceu aqui? — Schuyler perguntou ao seguir a médica pelo consultório (pelo qual estava feliz em entrar, pois esta ainda se parecia com uma sala de exames padrão). — Eu cansei de tudo parecer tão claro-seco. Branco é realmente uma cor difícil de manter — Dra. Pat sorriu.

46

Post: um jornal local.

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— Oliver, sua mãe gostaria de saber o que você gostaria de jantar — disse ela ao sobrinho antes de fechar a porta. Dr. Pat tinha ido ao seu quarto no hotel na noite anterior para fazer em Schuyler um exame físico completo, pegando amostras sanguíneas, mas pediu a Schuyler que fosse ao seu consultório médico para que pudesse buscar os resultados. — Então, o que há de errado comigo?— Schuyler perguntou, dirigindo-se rapidamente a mesa. Dr. Pat analisou seus relatórios. — Bem, seu sangue voltou a trabalhar normalmente, tanto para um ser humano, como para um vampiro. Pressão arterial, tireoide, tudo normal. — Mas deve haver alguma coisa. — Oh, e tem — Dr. Pat abaixou sua prancheta e se encostou à parede cruzando os braços. — O isolamento não é nada bom para uma alma imortal — ela disse — Você deve estar entre os da sua espécie! Você foi longe demais. Seu corpo se tornou tenso, tóxico. — Como assim? — perguntou Schuyler. — Esta é a razão pela qual eu estive doente ultimamente? Por que estive longe de outros vampiros? — Por mais estranho que pareça, sim — Dr. Pat balançou a cabeça afirmativamente, e tocando no seu estetoscópio. — O sangue chama os seus. Você estava sozinha, estressada e alienada do que acontecia na sociedade vampiresca. Meu sobrinho me contou que vocês foram ao baile dos Vampiros em Paris. Você se sentiu melhor quando esteve lá não? Schuyler pensou sobre isso. Ela não tinha notado devido a toda tensão do momento, mas Dr. Pat estava certa. Durante o momento em que ela estava próximo aos Blue Bloods, ela não teve nenhum tipo de tremor. Exceto, é claro, aqueles poucos minutos que passou sozinha no calabouço. Há centenas de metros abaixo do solo, longe de todos, até Jack chegar. Os tremores haviam retornado uma vez que ela e Oliver tinham pegado a estrada. — Eles dizem que nenhum homem é uma ilha — Dr. Pat meditou. — É a mesma coisa para os Blue Bloods. — Mas e sobre meu avô? Lawrence estava exilado. Ele viveu sozinho por muitos, muitos anos longe do seu povo. No entanto, ele

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nunca apresentou argumentou.

nenhum

dos

meus

sintomas.

Schuyler

— Seu avô, se bem me lembro, era um Enmortal. A raça rara. Capaz de ficar por longos períodos afastado de sua sociedade. Ele escolheu o exílio, porque ele sabia que ele seria capaz de lidar com isso. Fisicamente e mentalmente. Schuyler absorveu o diagnóstico. — Ele só... Parece... Uma explicação muito simples. — ela disse finalmente. — Você sabe, Schuyler, os Red Bloods têm uma palavra para isso também. Nostalgia não é apenas um estado de espírito. Tem sintomas físicos também. Seu eu vampiro te faz mais rápido e forte que qualquer outro ser humano, mas o vampiro em você também enxerga cada doença humana que você pode sentir. Você tem o melhor dos dois mundos, por assim dizer.

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Capítulo Quarenta e Um Mimi Duas semanas após o Voto Branco ser aclamado, Mimi encontrou uma nota em sua conta de e-mail do Conclave pedindo que fosse visitar Forsyth, o repositório na torre dos Force naquela tarde. Tinha o último tempo vago na escola, assim ela acabou mais cedo e pegou um táxi. Ela já tinha estado no repositório outra vez. Em outra noite em que estava procurando sua caneta tinteiro favorita e pensou em pesquisar no trabalho de Charles. Ela se lembrava de tê-la deixado lá da última vez que tinha precisado de um lugar tranquilo para fazer seu dever de casa. O escritório de seu pai era sempre tão arrumado, sem nada em cima da mesa, apenas um relógio e um calendário de mesa. Mimi tinha verificado as gavetas e armários, mas não encontrou o que procurava. Ela se sentou na cadeira giratória de couro e girou, olhando ao redor da sala. Algumas fitas cassetes num canto em uma estante captaram sua atenção. Ela se levantou e resolveu assim examiná-las. O que Charles estava fazendo com equipamentos de áudio? Eles foram marcados RH: Audio: Ven. Rep. Repositório de História de Arquivos de Áudio. Relatórios do Venator. Normalmente as fitas do Repositório vinham com transcrições escritas, mas Mimi não conseguiu achar nada. Ela virou a fita para ver de qual Venator se tratava. MARTIN. Esses foram os relatos de Kingsley, de sua missão de dois anos atrás. Aquela missão que o levara a Duchesne. O que elas estavam fazendo no escritório de Charles? Elas pertenciam ao repositório. E se Mimi quisesse escutá-las, ela teria que pegar emprestado um reprodutor de fita k7. Ela sabia que os humanos familiares estavam digitalizando todos os arquivos agora, mas eles obviamente ainda deviam tem um aparelho. Ela colocou as fitas no bolso e deu um último olhar pela sala. Onde estava Charles, afinal das contas? O que tinha acontecido a ele? Jack estava convencido de que ele não estava morto. Se o espírito de Michael tivesse deixado a Terra, eles saberiam com certeza, ele tinha alegado.

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Na reunião de ontem à noite, o Conclave tinha votado em enviar os Venatores atrás do ex-Regis desaparecido, e uma equipe estava sendo montada. Ela sabia que seu irmão estava desapontado por não ter sido escolhido para esta tarefa. Mas Forsyth tinha sido categórico: eles necessitavam dos gêmeos aqui, disse ele. Não podiam deixar o Coven tão desprotegidos. Tal como ela entrou na Torre Force naquela tarde, ela se perguntava o que o senador queria falar com ela. Forsyth nunca a tinha procurando antes, e eles não tinham falado sobre a objeção dela perante sua nomeação. — Você queria me ver? — perguntou Mimi, entrando num escritório da esquina totalmente iluminado, logo após a secretária de Forsyth anunciar sua chegada. Ela notou que ele estava instalado no mesmo escritório que Lawrence havia escolhido, quando este foi o Regis. Falar sobre excesso de confiança. Charles tinha usado um dos antigos prédios no Bloco 122. — Madeleine. Obrigado pela visita— Forsyth disse. — Doris, não passe nenhuma ligação, por favor. Sua secretária fechou a porta e Mimi se sentou em frente à grande mesa cor de nogueira. Ela percebeu que Forsyth tinha pegado para si o escritório de Lawrence, ele ainda manteve as fotos de Schuyler que pertenciam ao antigo Regis sobre a mesa. Mimi desejou estar usando uma roupa mais adequada. Ela tinha vindo direto da academia, e não se preocupou em trocar a t-shirt de Duchesne e seu short vermelho de corrida. Ela colocou suas bolsas no chão e esperou que ele falasse. — Eu só queria felicitá-lo sobre seu trabalho como Venator. Você fez um bom trabalho no Rio — ele sorriu. Mimi zombou. — Sim certo. Nós não a encontramos. — É somente uma questão de tempo, minha querida. Kingsley irá encontrá-la. Eu não tenho dúvida. Ele é bem... Engenhoso — Forsyth disse com um toque de contrariedade, Mimi não pode deixar de notar. — OK, bem, obrigado. Eu queria ir para outra missão, mas o Conclave diz que eu tenho que terminar Duchesne primeiro. A escola não vai segurar minha vaga por tanto tempo. — Ah, isso é verdade. É injusto, não é verdade? Infelizmente nós temos que vivenciar esse tipo de infância e adolescência humanas. Mas é no Colégio... — Forsyth disse, indo até seu bar privativo. Pegou uma jarra e despejou uma dose de uísque em um copo. — Quer um? — Não, obrigada— Mimi abanou a cabeça. — Bom, isso é tudo? Posso ir agora?

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— Oh, me desculpe, estou me excedendo como de costume. Bliss gosta de implicar comigo sobre eu ser um grande fanfarrão. Forsyth sorriu, tomando um gole e andando ao redor de sua mesa para que pudesse se apoiar na borda desta e olhar para Mimi. Mimi afundou em seu assento. Llewellyn raramente falava de Bliss. A atuação de um pai confuso não lhe caia muito bem. Soava falso, como se ele estivesse tentando vender a ela um carro usado, ou fazê-la acreditar que ele não se importava nenhum pouco com sua filha. Pelo menos Charles e Trinity estiveram com ela e Jack durante suas transformações. A respeito do que Mimi sabia, ela nunca incomodou os pais de Bliss para explicar a ela o que estava acontecendo. — Como está Bliss? — ela perguntou. Mimi a tinha visto algumas vezes, e Bliss parecia bem amigável, mas as conversas nunca pareciam chegar a algum lugar. Ela não sabia o porquê, mas algo em Bliss a fazia se sentir nervosa. — Ela está muito bem — Forsyth Llewellyn disse. — Enfim, eu a chamei hoje para discutirmos uma situação bastante delicada... E me perdoe se eu a ofender... Eu sei que esse pode não ser o melhor momento para isso, mas eu sinto que depois de tudo o que aconteceu com o Conclave... A comunidade precisa de algo para levantar seus espíritos agora, e talvez, se eu pudesse... Mimi fez um movimento para que ele prosseguisse. — Um favor bem simples... Para a melhoria de toda a comunidade. Eu sei que você e Jack cancelaram o vínculo de vocês pela tragédia ocorrida, mas agora é hora de renovar os votos, para mostrar ao nosso povo que nós ainda somos fortes, e para ver vocês dois juntos. Os nossos mais fortes, nossos melhores, irão nos trazer esperança novamente. Um sorriso irônico se formou nos lábios de Mimi ao mesmo tempo em que sentiu um aperto em seu coração, a imagem do sorriso irônico de Kingsley se formava em sua mente. — Então, o que você está querendo saber é se o vínculo ainda está de pé? — perguntou ela. Não fazendo esforço para manter seu tom de voz leve e alegre. Afinal, ela ainda era a mesma Mimi Force, cuja imagem estivera estampada em um outdoor em plena Times Square. A mesma Mimi Force que torturava os calouros no esporte, os fazendo de gato e sapato. (Ela tinha perdido a semana de orientação!). Mas ainda bem que ainda lhe cabia o vestido...

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Capitulo Quarenta e Dois Bliss Se Dylan não fosse até ela, talvez ela pudesse ir até ele. O Conclave incitou seus novos membros a fazer terapia de regressão para obterem acesso a suas vidas passadas e aprender a partir do conhecimento acumulado que estava disponível para eles a partir de sua prévia experiência. Bliss estava sentada de pernas cruzadas em sua cama de princesa. Ela fechou os olhos e começou a triagem através de suas memórias de vidas passadas. Era uma forma de obter autoconhecimento. A prática de descobrir quem realmente eles eram. Ela estava vazia, no caminho entre seu consciente e subconsciente, no que ela havia sido antes. Que forma seu espírito havia tido antes? Ela estava dançando em um salão lotado. Ela tinha dezesseis anos, e sua mãe a tinha deixado usar seu cabelo preso para cima pela primeira vez... E ela estava rindo porque hoje ela iria encontrar o rapaz que seria seu futuro marido e antes mesmo que ele aparecesse na sua frente para convidá-la para dançar, ela já sabia como era o seu rosto. — Maggie, — ele sorriu. Será que ele sempre teve o cabelo desse jeito? Mesmo no século XIX, Dylan ou Lord Burlington sempre fez com que seu coração disparasse. Mas então, algo aconteceu na festa. O Visitante começou a sussurrar mentiras em seu ouvido. Dizendo para matar. Maggie não queria isto, não queria acreditar nisso... E antes que Bliss pudesse abrir os olhos, ela pode sentir a água fria em torno dela. Maggie Stanford se afogou no Rio Hudson. Bliss viu o escuro e turvo rio, sentiu seus pulmões estourarem e teve um colapso cardíaco. Enquanto Bliss ia mais afundo, tudo era igual. Goody Badford tinha se ficado no fogo, derramando óleo sobre sua cabeça, e então acendeu um fósforo e deixou que as chamas a consumisse. Giulia de Medici “acidentalmente” caiu da varanda da vila da família em Florência, seu corpo quebrado ficou estendido no centro da praça. Rápido como o bater de asas de uma borboleta, cada imagem, cada “morte” que Bliss experimentou, veio à tona. Mas então... Maggie saiu

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de seu jazido. Good Bradford sobreviveu às chamas. Giulia levantou-se da queda. Nenhuns dos acontecimentos tinham sido bem sucedidos em dar fim às suas vidas, ou ter sucesso em exorcizar o demônio que as possuísse. Eles haviam tentado fazer tudo o que podiam, mas todos falharam. Bliss entendeu. — Eu tenho que morrer. Por que se ela morrer “realmente morrer”, se ela descobrir uma maneira de nunca mais voltar, então o visitante iria morrer também. Ele nunca teria a chance de fazer o que estivesse planejando. Era isso. Era o único jeito. Ela sabia disso. Não tinha como ele sair dela. Não haveria sobreviventes. Ela e o visitante foram trancados em um abraço fatal. Se ela pudesse matar seu espírito, o sangue imortal em seus braços, ela traria a morte para ele também. Ela teria que fazer esse sacrifício, ou então aquelas visões horríveis, um futuro terrível, seria inevitável. Ela era um receptáculo para o mal, e quanto tempo ela vivesse, ele viveria também. — Dylan, você sabia disso, não sabia? Você sabia que eu teria que fazer. Todo esse tempo?— sussurrou. Da escuridão, Dylan finalmente apareceu. Ele olhou para ela com tristeza. — Eu não queria dizer isto para você.

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Capítulo Quarenta e Três Schuyler Tinha se passado alguns dias desde que Schuyler tinha ido a Clínica da Dra. Pat, e sua nova vida em Nova York estava finalmente começando a tomar forma. Naquela tarde, ela e Oliver pararam em frente a uma imobiliária para pegar as chaves de um pequeno apartamento na Hell's Kitchen, que Oliver tinha conseguido pra ela, pagando o aluguel de um ano inteiro. Para esconder sua identidade, Schuyler fingiria ser filha de mãe solteira: Uma ex-hippie cantora de folk que normalmente saía em turnê com sua banda. Com a capacidade de Schuyler de mudar suas características faciais, ela poderia até fingir ser sua mãe em ocasiões que isso fosse necessário. Mutatio era bem mais fácil agora que ela se sentia ela mesma novamente. Eles pegaram o metrô, cruzaram a cidade e acabaram em um ponto movimentado na 9ª Avenida, numa vizinhança que misturava residências para os novatos que trabalham na Wall Street, como também antigos edifícios próximo aos clubes de strip e locadoras de vídeo triple-x. Mas havia uma mercearia não muito longe, e Schuyler e Oliver compraram comida pra uma semana: vegetais orgânicos, um pouco de pão de passas da Sullivan Street Bakery47 e latas de feijão. Oliver a fez pegar um pouco de presunto espanhol e cream cheese francês. O supermercado era limpo, com corredores amplos que fez com que ela se sentisse feliz, como era bom estar de volta à América, onde tudo era tão fácil e conveniente. O estúdio ficava localizado em uma área de edifícios mal cuidados, como Schuyler queria, além de ser bem pequeno: Se ela estivesse no meio da sala, ela quase poderia tocar nas paredes com seus dedos. O apartamento vinha equipado com um forno, microondas, e um futon que ficou jogado num canto. Havia uma única janela, por onde entrava um pequeno feixe de luz. Ainda assim, isso era melhor que estar em um hotel. Estava em Nova York. Estava em casa. — Você está certa sobre isso?— Oliver perguntou. Schuyler havia entrado no prédio usando uma “máscara” de mãe-hippie e sentia sua musculatura voltar ao normal assim que fechara a porta. 47

Sullivan Street Bakery: uma padaria muito famosa http://www.sullivanstreetbakery.com

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— Não tem que ficar aqui, você sabe. Meu pai tem um lugar no centro da cidade, para quando ele precisa trabalhar até mais tarde. Se quiser você pode ficar lá— ele disse. — Eu sei que não é tão boa quanto a sua casa, ou mesmo quanto a minha antiga, — Schuyler disse, olhando os armários vazios e encontrando pequenas baratas nos cantos do apartamento. — Mas eu não acho que nós deveríamos ser vistos juntos. Nós não podemos te comprometer perante o Conclave. A casa em Riverside Drive ficava a uma pequena distância indo de táxi. Hattie estaria lá em sua casa preparando sua bela carne assada e Julius mostraria a ela seu baralho de mágica. Mas ela não poderia voltar. Não agora. Ela sabia que no minuto em que passasse pela porta, o Conclave saberia. Ela não tinha a mínima ideia de como ela sabia disso, mas ela sabia disso instintivamente e sabia que estava certa. Ela teria que se manter distante. Eles poderiam não estar interessados nela neste momento, mas ela tinha a sensação de que isso iria mudar. Ela já se sentia mais segura agora no estúdio. Já se sentia Skye Hope e não Schuyler Van Alen. Ela e Oliver tinham decidido que este seria um bom nome a ser dado a uma criança por uma antiga hippie. Além disso, se alguém fosse chamá-la, seria melhor usar um nome ao qual ela não se confundisse ao responder. Alexander Hamilton era uma escola pública local, e eles tinham aceitado a matrícula de Schuyler de última hora, sem muitas perguntas ou reclamações. Oliver queria que ela fosse para uma escola particular: Nightingale, Spence ou Brearley. Mas até mesmo ele tinha que concordar que isso era perigoso. Essas instituições eram cheias de Blue Bloods. Na Escola Hamilton, a chance de alguém do Conclave a encontrar lá era muito baixa. A elite podia fingir aprovar (e fazer doações) para a comunidade pública educacional, mas eles nunca chegariam ao ponto de colocar seus filhos para estudarem lá. Para o Conclave acreditar na história de Schuyler e do distanciamento de Oliver, Oliver deveria retornar a Duchesne sem ela. Mas ela deveria continuar seus estudos agora. O que Lawrence sempre dizia? A escola era mais do que fazer lição, a educação preparava você para as situações da vida real: trabalhar com outras pessoas de temperamentos diferentes, coisas a serem assimiladas em grupo, mas sem perder sua identidade, compreender fatores da lógica, raciocínio e debate. Para uma pessoa, vampiro ou humano, para ter sucesso no mundo, desvendar os mistérios do universo era insuficiente. Seria também preciso entender os mistérios da natureza humana. — Você tem certeza de que não existe outro motivo para eu estar aqui com você ? — Oliver perguntou.

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Mas ela não queria responder ainda. Ela ainda estava refletindo sobre seus sentimentos, começando a se perguntar se talvez sua mãe pudesse estar certa. Se talvez, o amor é algo que realmente tem que se lutar, não importe o que custar. Ela não queria machucar Oliver. Ela preferiria morrer a vê-lo sofrer. Mas ela precisava passar de um tempo pra pensar. Sozinha. — Eu vou ficar bem, estou em Nova York, está vendo? O temor se foi. — disse Schuyler, levando as mãos ao rosto, maravilhada. Se ela tivesse saudades de casa, como Dr. Pat tinha dito, que o seu sangue chamava sua própria espécie, afinal de contas o que era tudo isso, realmente, ela estava próxima ao Coven novamente. — Bom— Oliver disse. — Bem, você tem o número do meu celular. Você pode me ligar a qualquer hora. Você sabe disso, não é? — Vou sentir sua falta — disse Schuyler. — Já estou com saudades. — Mas eles tinham que fazer isso para ficarem seguros. — Bem. Divirta-se. — ele disse relutantemente, e com um abraço se despediu, e depois saiu pela porta. Ela foi então desempacotar os mantimentos, ela notou que Oliver havia deixado seu correio entre as pilhas de papel no novo apartamento. Havia um grosso envelope branco em meio às contas e revistas. Ele não tinha selo, o que significava que tinha vindo diretamente de algum membro do Conclave. Eles sempre tinham suas correspondências entregues pessoalmente. Isto era um convite para um vínculo, Schuyler viu, e sem precisar verificar, ela sabia que o endereço em relevo na parte de trás seria da casa dos Force.

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Capítulo Quarenta e Quatro Mimi A Starbucks na esquina da 5ª com a 95ª havia fechado, então Mimi tinha que caminhar algumas quadras a mais para a Euro Mill, uma elegante cafeteria nova, estilo boutique, que havia sido aberto recentemente. A Euro Mill havia levado a cultura gourmet do café a um novo nível. Eles tinham um menu grosso onde o cliente podia escolher o grão, o tostado, inclusive a forma como o café foi extraído (escorrido a mão, sifão, prensa francesa ou “solo”). O lugar parecia uma galeria de arte: paredes brancas com azulejos quadrados, os moinhos de café e as máquinas de expresso polidas para refletir as ilustrações expostas. — Em que posso ajudar?— perguntou a garçonete com um aro no nariz. — La Montana, slow clover, — disse Mimi, querendo dizer que queria uma xícara do El Salvador, tostado através da prensa francesa sem precipitação. — Dois. Para levar. Oh, e um desses. — disse ela apontando para um croissant de chocolate atrás do mostruário de vidro. Um agudo assovio atraiu sua atenção. Em uma das mesas centrais, entre os escritores teclando em seus laptops e o grupo de escola privadas esperando seus cafés-da-manhã de latte, se sentava o resto de sua antiga equipe de Venator. — Olá, garotos, — disse Mimi com um sorriso. Só havia passado um mês desde que os quatro haviam lutado contra um grupo de traficantes de drogas brasileiros e Silver Bloods na selva. Ela foi recompensada com um raro sorrido dos garotos Lennox, que rapidamente se foram. Ted inclusive bateu nas suas costas. — Force. — assentiu Kingsley. Arrastou para trás a cadeira ao seu lado para que ela pudesse se sentar. — Deixe-me adivinhar. Café com leite? Quatro de açúcar?— Mimi sorriu enquanto tentava acalmar as mariposas em seu estômago. Não haviam se visto desde que chegaram à Nova York. O que aconteceu no

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Rio ficou no Rio, não era assim o ditado? Se ela havia pensado que Kingsley a procuraria depois, estava enganada. O que importa de todos os modos? Não importou anteriormente e com certeza não importava agora. Kingsley levantou sua xícara para ela. — De volta a escola, certo, último ano?— burlou. — Sabe, é engraçado... Jamais fui à escola secundária. Quero dizer, no sentido mais estrito. A primeira vez que fui foi quando fui designado para o caso Duchesne. — Não me diga que sente falta — brincou. Se perguntando o quão velho era Kingsley. Os Silver Blood eram como Imortais, eles estavam livres dos ciclos. Não tinham idade, era quase como se estivessem congelados no tempo. Ela sabia um pouco da história de Kingsley: havia sido corrompido por um Silver Blood em Roma, mas ele foi perdoado por Michael que lhe deu a boa vinda de volta à comunidade Blue Blood. — Talvez um pouco. Os pequenos anúncios no começo do dia. Todos esses conselheiros. Muito realizador. — Sorriu para ela saber que estava rindo, mas não dela. A garçonete gritou do balcão. — Dois clovers! — Esse é o meu!— disse Mimi, recebendo seu pedido. Algumas coisas não mudam: inclusive este não era a Starbucks, mas o café seguia vindo numa xícara do tamanho de uma jarra. — Devo ir ou chegarei tarde. — falou para Kingsley. Pegou sua bolsa e a colocou no ombro, segurando os dois copos em uma bandeja de papelão. — Ouvi sobre o vínculo — disse Kingsley tranquilamente. Abaixou seu café e assinalou para a garçonete por outro. — Forsyth te contou. — Claro. Explicou que desde que Charles ainda esta perdido na ação, ele está te revelando. — E? O que tem isso?— o desafiou. Kingsley sorriu docemente. — Nada. Só queria te felicitar. Você será uma noiva maravilhosa. Agora era Mimi a que corou inesperadamente. Não sabia o que havia esperado. Que lhe suplicasse? Que lhe pedisse para que não se vinculasse com Jack? Ridículo. Impossível.

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Kingsley era exatamente como ela: egoísta, perigoso, incapaz de seguir as regras. Havia querido que ele sentisse algo por ela quando ela não sentia nada por ele? Ela o olhou, suas bochechas ardendo lentamente. Ele devolveu seu olhar fixamente. — Camarada, não sei por que você está me chateando. — disse Mimi, e se foi, saindo furiosa da cafeteria. Um ano atrás, quando Mimi voltou do Rio para Nova York, não houve tempo para inclusive pensar no vínculo. Tudo havia sido cancelado imediatamente. Não era o momento certo, e depois do que havia acontecido, ela e Jack estavam muito traumatizados para pensar nisso. Os depósitos se perderam, seu traje levado para um depósito. Uma semana depois ela o havia confrontado por sua pequena aventura com uma mestiça, e haviam se reconciliado. Em qualquer caso, Schuyler havia deixado de ser um problema: a pequena jovem havia deixado Nova York e a Jack. Havia seguido os passos de sua mãe, se dirigindo a um final tristemente trágico, isso era o que Mimi esperava. Mas em vez da ausência de Schuyler destacar uma profunda relação entre eles, estando apenas os dois juntos havia causado um distanciamento entre eles. Mas desta vez era Mimi a que estava retraída. Não queria ser a segunda opção. Não queria que Jack estivesse com ela só porque não pode estar com a pessoa que realmente amava. Jack em seus braços não era mais que uma breve vitória. Mimi queria que a amasse de verdade. Mas cada dia, ela parecia fazer a mesma coisa que fazia sempre: lisonjear seu vínculo, apaziguar seus medos com mentiras, enquanto seus olhos traziam a verdade mais profunda: que seu coração seguia pertencendo à outro. É por isso ela havia escapado. E se uniu aos Venator. Deixou ele. Ver quão bem ele ficaria sem ela. Queria que ele sentisse sua falta. Que ele sentisse sua falta tão desesperadamente que entenderia exatamente o quanto ela significava para ele. Pensou que se fosse embora, ele se daria conta de seu erro e descobriria o profundo vínculo entre eles. Também poderia ter ficado em casa. Nada havia mudado. Jack havia seguido seu caminho e ela o dela. Quando ela lhe contou sobre a petição de Forsyth, ele havia aceitado a nova data de seu vínculo sem comentar. Ele se vincularia com ela. Mas não encontraria alegria no processo: o noivo caminhando como um morto. Ela estava cansada disso. Encontrou Jack de pé numa esquina, sua bolsa pendurada em seus largos ombros. Ele realmente precisava de um corte de cabelo, pensou ela.

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— Aqui está. — lhe entregou o café ao seu gêmeo. — Obrigado. Caminharam para a escola, seus passos facilmente concordavam o de um com o do outro. Inclusive depois de um ano separados, se sentiam em alinhados. Numa forma estranha sempre estariam vinculados, inclusive sem a cerimônia oficial. — Aqui está o seu croissant. Provavelmente não está tão bom comparado com o de Paris, certo?— perguntou Mimi. Jack lhe deu uma mordida. — Está bom. — Encolheu-se de ombros. Quando ela mencionou Paris, seus lábios ficaram tensos, como ele fazia sempre que estava deprimido. Mas, pela primeira vez num longo tempo, Mimi não poderia se importar menos com o que estivesse chateando ele.

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Capítulo Quarenta e Cinco Bliss Onde você está? Sinto sua falta, estou de volta e quero te ver. Por que Bliss lia seu texto? Seu polegar estava em cima do botão de enviar, mas ao fim colocou seu telefone de lado. Não. Não era seguro estar pelos arredores. Não queria que mais de seus amigos sofressem por sua culpa. — Sinto muito— disse ela, quando notou a Senhorita Murray olhando em sua direção. — Me alegro que decida se unir a nós— disse sua professora com um sorriso severo. Bliss não precisava que lhe dissessem duas vezes. As Antigas Civilizações rapidamente se transformou em sua aula favorita e não queria perder nenhuma. Era como um programa particularmente bom do History Channel exceto que não tinha as recreações bregas. Nas últimas semanas havia cobertos tópicos tão diversos e fascinantes como o Feminismo Etrusco (aquelas regras de garotas etruscas, literalmente), os rituais funerais egípcios e os quatro tipos de amor do acordo aos gregos antigos (desde platônico a apaixonado) e como as ideias do nascimento estavam relacionados à cultura ocidental. Hoje o tema era o reino do terceiro imperador de Roma. Calígula. Quando a Senhorita Murray havia entregado a tarefa para Allison Ellison na semana passada, houve muitas risadas dissimuladas. A maioria da classe estava familiarizada com um filme que passava na TV a cabo. Ou se não, como Bliss, sabiam o básico da reputação do imperador: perversidade sexual, demência, crueldade. — Minha tese de hoje? Por favor, desculpe-me Senhorita Murray? Já que a aula se chama Civilizações Antigas e o Pôr-do-Sol do Oeste, é o Oeste? Ou a ideia dele realmente foi extinta pelo assassinato de Calígula? — Allison começou. A garota alta parou na frente do quadro e leu confiantemente suas anotações. — Uma teoria interessante. Por favor, me explique. — disse a Senhorita Murray, se inclinando para frente desde sua carteira na frente da classe.

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— Como todos vocês saber, Calígula foi assassinado por uma conspiração dirigida pelos membros principais do Senado. O esfaquearam várias vezes. No momento em que seus reles guardas vieram, ele estava morto. O Senado logo tentou restaurar a República Romana, mas os militares não aprovaram, permaneceram leais ao Império. Com a ajuda da Guarda Pretoriana, eles instalaram Claudius como Imperador. — Assim que você diz que a morte de Calígula fez exatamente o oposto do que pretendia o Senado?— perguntou a Senhorita Murray. Allison assentiu com entusiasmo. — Com a morte de Calígula veio a morte da ideia de Republica. O império era infalível. A gente se afligiu por seu imperador assassinado, sem importa o quão cruel ou demente era segundo diziam seus inimigos. E com a morte de Calígula, a morte da República foi tudo menos confirmada. Os Romanos nunca tentaram trazê-la de volta. — A armadilha maior do senado logo de assassinar ao imperador foi solidificar a lealdade do povo ao império, — disse Allison. — É irônico, não? Especialmente já que não foi o primeiro atentado na vida de Calígula. Suas irmãs Agrippina e Julia Livilla haviam tentado matálo antes, mas falharam. Foram frustradas e desterradas. Mas o Senado teve êxito onde elas não tiveram. Havia uma mão levantada. — Pensei que Calígula era... hum, você já sabe, próximo a suas irmãs, — insinuou Bryce Cutting com um sorriso. Desta vez a Senhorita Murray se interpôs. — Ele era próximo sim, como dizem, à sua Irmã Drusilla. Ela era tratada como a cabeça de seu grupo familiar, e quando ela morreu, ele levou luto como um viúvo. Inclusive havia feito que o Senado a nomeasse deusa. Mas enquanto estiveram próximos num sentido Bíblico, a história é ambígua nesse tema. Entenda, classe, justamente como hoje, eles tentaram desacreditar de suas regras com escândalos sexuais e mentiras sagazes. Se vocês acreditam na metade das coisas que leem, todos na antiguidade são pervertidos sexuais. Talvez Calígula e Drusilla tenham sido amantes. Ou talvez simplesmente quisessem solidificar seu poder, para governar como irmão e irmã, como fizeram os déspotas egípcios. Bliss levantou seu olhar de suas notas. Por alguma razão ela teve a sensação de que não estava escutando sobre as figuras históricas distantes seguramente enterradas no passado nas páginas de livros de história. No lugar disso, quando escutou os nomes Drusilla, Agrippina e Julia Livilla, sentiu um formigamento em sua pele. Estas eram pessoas que ela conhecia.

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Dylan, eu acredito que estou chegando perto. Acho que é isso é o que estou destinada. — Obrigada, Senhorita M.— disse Allison. — De todos os modos, para a parte de trivialidades de minha apresentação, só queria adicionar que embora todos nós o chamamos de Calígula, isso só era um apelido, o qual provavelmente não lhe agradava muito já que significava “Bota pequena” — Seu verdadeiro nome era Julius Caesar. Eles o chamavam de Gaius. Gaius. Sim. Assim era como eles costumam chamar o visitante. E Allison estava absolutamente correta. Ele havia odiado esse apelido. Bliss sentiu como se tudo voltasse tão rápido, recordações caiam como flocos de neve, brilhantes e piscando em sua mente, mas estas eram as recordações do Visitante: Roma, os dias finais, a decepção, a traição. Primeiro com suas irmãs, Agrippina ele podia entender (Bliss estava horrorizada ao encontrar a imagem de Agrippina a olhando com os olhos de Mimi Force), que Agrippina e Valerius estavam tomando partido com esse maldito Cassius ou o que seja como chamavam a Michael nessa época então. Mas Julia! Como pode lhe haver feito isso a ele, sua irmã pequenina, ela era tão jovem quando suspeitou pela primeira vez, e foi ela que havia chamado a atenção de Cassius para sua corrupção, Julia Livilla... Como Julia odiava esse nome, dizia que lhe recordava a sua horrível tia, a quem odiava. Ela queria se chamar de outra forma... Sophia. Ele havia estado tão perto. Tão perto de haver realizado o seu sonho. Havia estado tão perto, apenas para Cassius arruinar tudo... Em sua mente, Bliss viu o que o Visitante havia visto então. Um caminho. Um caminho serpenteava baixo da cidade de Lutetia, através de túneis distantes abaixo da terra, um caminho serpenteado que levava abaixo da terra, para um Coven de demônios cedendo ante sua coroa... Ele se levantaria novamente, majestosa e gloriosamente, o Príncipe do Paraíso mais uma vez... Para sempre. Todo o mundo tremeria e se encolheria. Os rios correriam com sangue e os ginetes seriam liberados... Não haveria escapatória do exercito de Satã. Essa foi a crise em Roma. Bliss ofegou. Os demônios. As mortes. A corrupção. Tudo isso havia acontecido antes e iria acontecer de novo. A menos... Ela pestanejou. Estava sentada na sala de aula, Allison havia terminado e todos estavam guardando cadernos e papéis em suas

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bolsas. A Senhorita Murray estava a olhando, curiosa. — Você está bem Bliss? — Sim— ela disse. — Só... Estava pensando que me esqueci de tomar o café-da-manhã. A Senhorita Murray assentiu. — Sabe, Bliss, se descobrir que precisa falar com alguém, estou aqui para você. Bliss assentiu. Os professores na Duchesne sempre eram super empáticos. A política da escola era aproximar-se de todos. Eles não esperavam por estudantes problemáticos para encontrar seu caminho no escritório de orientação. — Claro, obrigada, Senhorita M— . A Senhorita Murra estava lhe sorrindo tão amavelmente que ela se encontrou falando ainda que não tivesse a intenção de dizer algo. — E só... Veja, eu tenho esse problema... E estou preocupada em trazer minha amiga para ele... Mas tenho o pressentimento que ela e a única que pode me ajudar. — Eu vejo. — A Senhorita Murray cruzou os braços. — Às vezes e bom pedir ajuda, Bliss. E os amigos são as únicas pessoas que podemos confiar quando estamos em problemas. Para isso que servem de todos os modos. Estou segura que tua amiga estaria feliz de que recorresse a ela. Bliss assentiu. — Acredito... Acredito que tenha razão. — Bem. — A Senhorita Murray sorriu. Por um momento, lhe lembrou de alguém, mas não podia descobrir quem. Bliss tirou seu telefone de seu bolso. Sua professora de Historia a havia ajudado a tomar uma decisão. Não poderia fazer isto sozinha, e os gêmeos Force não eram de ajudar. Tentar ter uma conversação significativa com Jack era impossível. Ele espreitava os corredores de Duchesne com um ar lúgubre, como se lamentava a perda de algo querido. Agora raramente sorria. Bliss inclusive o havia visto gritando para um garoto do primeiro ano que se interpôs em seu caminho, o qual era uma atitude imprópria dele. Jack sempre havia sido amável com os estudantes novos. E quanto a Mimi, Bliss havia sentido a tentação de se confidenciar com ela, mas até o momento tudo o que Mimi queria falar era sobre batom e jeans, e não havia forma para que Bliss desviasse a conversação em uma direção mais séria. Mimi havia estado uma vez tão interessada no Conclave, mas agora atuava como se não lhe importasse o que acontecia aos Blue Bloods. Mas havia alguém que poderia ajudá-la. Havia alguém que entenderia. Alguém que estava tão intimamente conectada com tudo o

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que havia acontecido como ela estava e merecia saber de tudo. Não poderia proteger sua amiga inclusive se o quisesse fazer. Ela também era parte disso. Bliss escreveu uma resposta rápida na tela do celular. Amanhã. Encontre-me na loja Prada.

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Capítulo Quarenta e Seis Schuyler Schuyler estava acostumada às histórias de terror da educação pública americana: as salas de aula superlotadas, estudantes violentos, professores indiferentes. Ela não tinha ideia do que esperar: paredes cheias de grafite? Detectores de metal? Bandos esfaqueando a vítimas inocentes nos corredores? Era começo de outubro, e ela caminhava para a escola, um edifício inclassificável na 22nd Street, tentava não se ver muito surpresa. Era de acordo com as regras. O detector de metal estava na entrada, assim que os estudantes não se sentiriam como entrando numa prisão. Tinha que caminhar pelo detector de metal para entrar no Met, certo? Não e que isso fosse como o Met, mas não era algo fora de Jonathan Kozol tão pouco. Ela conseguiu entrar para uma das poucas IP e classes de honra que eram oferecidas. Tinha um armário, uma sala de aula e um professor de Inglês muito bom. Mas ainda que estivesse aliviada de que Hamilton High excedesse suas expectativas, enquanto caminhava pelos corredores que sempre cheiravam ligeiramente a limpador com essência de pinho, se deu conta, com alguma angústia, o tanto que gostava da Duchesne. Especialmente agora que jamais poderia voltar. Ao menos amanhã veria Bliss. Schuyler decidiu que era suficiente. Havia algumas pessoas nas quais poderia confiar neste mundo e Bliss era uma delas. Estava entusiasmada de ver a sua amiga e se perguntava por que lhe havia tomando tanto tempo para Bliss localizála. Talvez ela estivesse chateada por tê-la abandonado, Schuyler esperava que não, tinha que fazer que Bliss a entendesse, não tinha outra opção além de partir. Oliver disse que na escola Bliss era amistosa, mas desinteressada, atuava como se fossem meros conhecidos e nada mais. Doía-lhe pensar que todos voltaram para Duchesne sem ela. Não sabia o que futuro lhe esperava, mas tinha um pressentimento que não começaria suas aulas preparatórias para o SAT nem a escrever as cartas de admissão tão cedo. Ela estava aqui para seguir os conselhos de seu alvo: aprender como se mover em uma sociedade humana sem revelar sua ascendência vampiro.

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Uma coisa que carecia em Hamilton era uma biblioteca apropriada. Oh, havia uma pequeníssima biblioteca, uma sala do tamanho de um armário expondo os livros antigos de S.E. Hinton com um terminal de computadores onde todos revisavam seus e-mails. Estudar em casa sempre havia feito Schuyler se sentir doente, e uma das coisas que amava em sua vizinhança era que não estava muito longe da biblioteca pública de Nova York. Gostava de ler na sala do segundo andar, onde trabalhavam os escritores, os das associações. Sempre era tranquilo ali. Uma tarde ela ia subindo a enorme escada depois de um longo dia de aulas quando quem ia descendo não era ninguém menos que Jack Force. Ele não se via muito surpreso ao vê-la de volta em Nova York. — Estou contente que finalmente tenha seguido meu conselho— disse ele de forma de saudação. Não sorriu. — Seja bem vinda. — Obrigada. É bom estar de volta. — disse ela, tentando parecer tão indiferente como ele. Jack havia deixado seu cabelo crescer um pouco desde que haviam se visto pela ultima vez, agora ele já não era um Venator. Ficara cacheado atrás de suas orelhas e sobre o pescoço de sua camisa. — O que faz aqui, de qualquer jeito? Duchesne tinha uma estupenda biblioteca, no piso superior, com uma vista para o Central Park. E o que seja que não possa ser encontrado na biblioteca de Duchesne poderia ser encontrado no Depósito Vampírico. — Trinity está no diretório da Biblioteca Lions— disse Jack. — Já que ela está em D.C., me perguntou se eu poderia representá-la durante a reunião. Schuyler assentiu. Ela havia voltado para Nova York, mas também havia voltado muito tarde. Quando espiou o convite na outra tarde, seu coração não havia batido selvagemente no seu peito, sua boca não se havia secado, seus olhos não ameaçavam em lágrimas. Ela quase esperava de algum modo. Se havia resignado as notícias até agora. — Sobre o Conclave — ela começou. — Estão...? — Não se preocupe com eles. Está a salvo por agora. Oliver fez um bom trabalho com a história do distanciamento. Afortunadamente não há ninguém no Conclave que conheça bem a ambos. Por que se o soubessem eles haveriam dado conta que e absolutamente falso— disse. — Ele é um bom amigo. Ela sabia que para ele foi um grande esforço dizer isso e pensou que voltaria o gesto. — Assim que... Escutei... Bom momento para fazêlo. Você e Mimi.

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— Ah. Sim. — Parecia condescende. Schuyler compreendeu que não falariam sobre o que aconteceu entre eles em Paris. O beijo. Era como se Jack estivesse atrás de bloco de gelo. Era inalcançável. Seu rosto era de pedra. Já havia se isolado. Ele havia tentando tantas vezes, e ela sempre o repelia. Em Perry Street. Em Paris. Ele não lhe daria outra oportunidade, isso ela sabia. Havia chegado muito tarde. Havia seguido seu coração e havia chegado muito tarde, como sempre. Em duas semanas o perderia para sempre. Ele estaria vinculado com Mimi, mas ao menos ele estaria a salvo. E tudo o que queria para ele. — Estou feliz por você, — disse alegremente. — De verdade. Quero dizer... Sei o que e estar só no mundo e não queria isso para você. — Obrigado, — disse ele. — Te desejo o mesmo. Jack ficou na escada. Parecia como se fosse dizer algo mais, mas pensou melhor. Com um movimento de sua mão, se foi. Schuyler esqueceu para que ela tinha vindo a biblioteca. Reteve as lágrimas e sentiu sua garganta ficar tensa. Logo todo o seu corpo estava tremendo tão violentamente como nunca antes, mas isso não era relacionado com a transformação. Ela estava equivocada. Não era forte. Seu coração estava se quebrando, ela podia sentir isso, nada voltaria a ser o mesmo. Seus olhos se umedeceram e sabia que se não se detinha, logo estaria soluçando na escada. Então assim era como se terminava as relações amorosas: com um encontro ao azar numa escada pública. Algumas palavras educadas e nada real dito, ainda que seu mundo acabasse. E também, com o mais autocontrole que jamais havia enganado, secou suas lágrimas, recolheu seus livros e continuou subindo as escadas. Só tinha que suportar.

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Capítulo Quarenta e Sete Mimi Organizar um vínculo era mais fácil do que Mimi esperava. Especialmente já que todo o pacote, a Catedral de St. John, a recepção no Met, o Coro dos Meninos de Harlem, a Orquestra de Pete Duchin e umas dezenas de outros detalhes, haviam sido decididos há um ano. Foi simplesmente questão de decidir uma nova data e recontratar os fornecedores, a maioria que estavam mais que felizes de tomar o seu depósito de segurança mais uma vez. O vínculo estava datado para meados de outubro, a data mais próxima funcionava para todos. Mas Mimi não estava pensando em seu próximo vínculo enquanto se sentava no vestíbulo do Hotel Mandarin Oriental, esperando que Kingsley Martin chegasse essa tarde. Era a coisa mais longe de sua mente, quase como se o cenário do vínculo fosse uma simples função que se meteria no momento correto, como um sapato de cristal que tinha que encaixar. Mas até então, ela poderia fazer o que quisesse. O assessor do Depósito que tinha desenterrado o gravador de fita que foi capaz de reproduzir as fitas do escritório de Charles, ele lhe havia aconselhado que tivesse cuidado com isso, era o único que tinha restado. Nem sequer pode deixar que o levasse do edifício. — Os Venatores não gostam de se atualizar, — ele se queixou, lhe entregando o volumoso objeto negro. — Temos dado os acessórios para seus telefones, mas eles ainda usam a sucata velha para transformar o material. Alguém nos deu o outro dia uma reportagem em pergaminho. À mão. Sabe como e difícil de ler e de redigitar? Mimi havia murmurado compaixão, e logo encontrou um cubículo e uns fones. Começou a escutar. Ela passou quase uma noite inteira no Depósito, saindo só para que não perdesse sua primeira aula. Quando Kingsley entrou, ela se perguntava por que quase cada vez que estava com ele, ela ficava mais desperta mais do que em vinte e quatro horas.

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Enquanto se aproximava, Mimi notou como todos no bar se voltaram boquiabertos. Falando em usar glamour. — Está atrasado. — disse ela, golpeando seu relógio. — Não, você que chegou cedo. — Kingsley sorriu e deslizou ao seu lado no balcão. Ela se afastou uma polegada dele. — Você não esta hospedado nesse hotel? Nem sequer tem uma desculpa. Tenho estado te esperando por mais de uma hora. — E Mimi Force não esperava ninguém. Era uma experiência nova e frustrante. Ela havia lido os olhares de pena das garçonetes. Kingsley bocejou. — Sei que não está aqui para falar de minha incapacidade de manejar o tempo. Assim, o que esta acontecendo? — Pedimos primeiro, — grunhiu Mimi, enquanto a garçonete se deslizava ate sua mesa. Mimi notou que a garota estava olhando para Kingsley. — Macallan48. Só. E o que seja que deseje a dama. — disse Kingsley, guiando um olhar para Mimi. — Tomarei um Dirty Martini. — disse Mimi. — Eu terei que ver sua identidade, — disse a garçonete com um sorriso fingido. Jamais me haviam pedido a identidade em minha vida! Mimi queria gritar. Isto é Nova York! Ela sequer a ideia de quantos anos tenho? Mas antes que Mimi pudesse dizer algo, ou usar o encantamento para sua conveniência, Kingsley estendeu sua mão e tirou do seu bolso a licença de motorista de Mimi para garçonete. A garota nem sequer dignou a olhá-la. — Uísque e um Martini em um segundo. — Sem problemas. O que você fez? Mudou a data? — perguntou Mimi. Alguns vampiros tinham a habilidade de transformar objetos inanimados. Mimi adoraria ter esse talento. Imaginem todas as imitações que converteria em verdadeiros Birkins! Faria uma fortuna. — Nah. Não foi necessário. Só queria te fazer ficar aborrecida. Ela estava atrás de minha atenção. — De verdade, era outra coisa, não? 48

Macallan: uma bebida alcoólica.

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Kingsley sorriu. — Senti sua falta, Force. Ainda está aborrecida comigo pelo da última vez? Espero que não. Sem rancores, sim? Ela ofegou, mas era difícil estar aborrecida com ele quando lhe sorria dessa forma. Suas bebidas chegaram sem flerte por parte da garçonete. Mimi tomou um gole do seu. Enquanto isso, Kingsley de alguma forma conseguiu que ela praticamente estivesse sentada em seu colo na mesa acolhedora. — Se contenha— disse ela, empurrando-o. — Quero falar de algo sério com você. — Isso soa aborrecido. — suspirou. — Esperava que quisesse falar de algo mais. — Escuta. Encontrei as fitas. Suas reportagens de dois anos. Estavam no escritório de Charles — disse Mim, o olhando diretamente nos olhos. — Agora você esta me espiando?— Kingsley levantou uma sobrancelha e terminou seu uísque de um gole. Mas se reacomodou e se viu alerta. Com sua mão direita pediu a conta. — Não entendo!— lhe sussurrou ferozmente. — O que você estava fazendo para Charles? Por que chamou os Silver Blood? O que vocês dois estavam tentando fazer? — Tem certeza que quer saber?— perguntou Kingsley. Ele lhe devolveu seu olhar franco, então ela pode olhar diretamente nos seus olhos negros. Pode ver a pitada de prateado na borda de suas pupilas. Mimi não pestanejou. — Sim. Diga-me. Diga-me tudo.

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Capítulo Quarenta e Oito Bliss A loja Prada, enquanto fornecia uma experiência exclusiva (revisavam os IDs na lista de convidados na porta) e a enchiam até o ponto de ter artigos indispensáveis, afastavam a tristeza de Bliss como um completo desilusante. Onde estava a horda de mulheres fanáticas por moda lutando pelo último par de 15 centimetros adornado com plataformas? Era a falta de entusiasmo por que a economia estava baixa, ou talvez por que a loja era intrinsecamente secreta? Com o estoque cheio de mercadorias cuja esperança de vida eram os três meses que as fanáticas pela moda as usavam, porque quem necessitava de uma saia em dégradé quando já não está mais na moda? Ou mais, os sapatos de verniz com design de crocodilo que convertia o pé em casco? Ainda era moda quando já não estava mais na moda? Bliss passeou pelas estantes, pegando uma bolsa para olhar. Quatrocentos dólares ainda era muito para uma bolsa, pensou ela. Eles chamavam isso de uma loja de liquidação? Um vestido chamou sua atenção, um desses vestidos baby-doll que estavam lindos nas campanhas publicitárias. Roxo com flores amarelas. Ela o pegou. Quando Schuyler entrou, vestida com suas variadas capas, mas estando tão etérea e bonita como sempre, Bliss podia ver a inveja das outras mulheres, a qual a fazia sentir-se orgulhosa e feliz. Ver Schuyler fazia Bliss se recordar que ela não era uma louca de séculos de idade, um ser maldito... Essa parte dela só tinha dezesseis anos e ainda era inocente, e nada mais, ninguém nesse lugar entendia pelo que ela estava passando... Exceto por aquela garota em um impermeável cinza e negro suéter. — Bliss, oh, Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!— choramingou Schuyler e logo elas já estavam abraçadas, apertando fortemente uma a outra, lágrimas caindo por suas bochechas, fazendo que alguns compradores se comovessem e se voltassem, tentando fingir que não estavam abobados.

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— Nós temos que ficar aqui?— perguntou Schuyler, olhando curiosamente para Bliss. — Vai comprar esse vestido? — Pode ser... Por quê? Não gostou? Mas não, quero dizer, sim, é melhor que fiquemos aqui... Mas creio que há uma sala onde podemos conversar— disse Bliss, levando Schuyler por um corredor onde havia uma pequena sala dos fundos do lado. Sentaram-se lado a lado, ainda abraçadas uma a outra. Bliss notou como Schuyler estava magra. — Quando soube que vocês haviam fugido, fiquei tão preocupada. O que aconteceu? — ela escutava enquanto Schuyler lhe contava sobre a investigação e tudo que havia ocorrido depois. Enquanto o fazia, se deu conta do perigo que ia supor a Schuyler. Ainda sem título, Forsyth já estava liderando o Conclave. Bliss podia sentir o Visitante por trás de tudo isso. Mas por que ele se preocuparia com que poderia acontecer a Schuyler Van Alen? — Vi Oliver na escola, mas não tivemos oportunidades de conversar— disse Bliss. Ela havia tido uma incômoda reunião com ele. Eles eram amigos por causa de Schuyler, pensou Bliss. Sim, Schuyler, ela e Oliver não tinham muito em comum. — É estranho vê-lo sem você. Sempre estavam unidos como unha e carne. — Eu sei, — disse Schuyler, dobrando seus polegares. — É melhor dessa forma. Se o Conclave descobre que estou de volta... Bliss assentiu. Forsyth havia estado se perguntando se ela havia tido contato com Schuyler, o que significava que o Conclave ainda estava interessado em seu paradeiro. Bliss não disse nada a ele, claramente. Schuyler tinha razão em se esconder. Mas Bliss havia sentido que havia algo mais que somente medo de que o Conclave mantivesse Schuyler e Oliver afastados. Ela uma vez havia esperado que Schuyler encontrasse a felicidade juntamente com Oliver, mas amizade era uma coisa, amor era outra. Os gregos estavam certos sobre isso. — Tem visto Jack?— perguntou. — Sim — Schuyler hesitou. — Está bem... Está... Está... Acabado — Ela olhou Bliss diretamente nos olhos quando o disse e manteve sua cabeça levantada. — Alegra-me escutar isso — Bliss disse gentilmente. Os gêmeos Force finalmente iam se vincular e podia imaginar o quanto isso devia doer. Mimi inclusive havia pedido a Bliss para ser uma das madrinhas, o que foi inesperado já que raramente elas se falavam — Bliss havia aceitado por educação. — E você? Eu... Lamento que nós não pudermos conversar sobre o que aconteceu com Dylan. Só posso imaginar o quão terrível... — a voz de Schuyler foi ficando fraca e seus olhos se encheram de lágrimas. —

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De verdade, lamento não estar aqui por você. Não queria ter deixado você sozinha depois disso, mas não tivemos muita opção. — Está bem. Estou bem. Realmente sinto falta dele. Havia sido... Uma espécie de loucura para mim. — disse ela. Dentro da cabeça de Bliss uma voz conhecida dizia, Diga a ela que disse oi, o que fez Bliss sorrir — De qualquer forma, às vezes sinto que ele ainda está comigo. — Ele sempre estará com você. — Schuyler disse, pegando a mão de Bliss e apertando-a. Bliss se inclinou para poder falar mais intimamente. Ela podia sentir a escuridão se aproximando, uma sensação não muito diferente de alcançar o precipício de uma montanha-russa. Pendurar-se sobre o abismo, justo antes de cair. — Escuta, Sky, preciso te contar algo. Há algo ruim em mim. Não posso falar demais, o que seja esse mal que está comigo, ele a colocará em perigo. Mas estou tendo aulas de... Civilizações Antigas... E estive lendo sobre Roma... E comecei a recordar algumas coisas... Coisas que aconteceram antes, e acho que pode, — ela ia dizer. — Pode acontecer novamente, — mas nunca teve a oportunidade porque o iPhone de Schuyler começou a tocar. — Espera. Deus, eu lamento Bliss, mas tenho que atender. É do hospital da minha mãe — disse Schuyler, olhando o número e o atendendo. — Alô? Sim, é Schuyler Van Alen... O que? Perdão? Sim... Sim, isso mesmo... Irei o mais rapidamente, — O que aconteceu?— perguntou Bliss. — É minha mãe. Ela está acordada! Está perguntando por mim! Bliss eu sinto muito, mas tenho que ir! Allegra? Allegra está acordada? — Espera! Schuyler! Deixe-me ir contigo! Mas já era tarde. Sua amiga havia partido tão rápido como se houvesse desaparecido no ar.

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Capítulo Quarenta e Nove Mimi Fora da janela o Sol se elevava sobre o Hudson. Mimi encolheu os ombros em um roupão, balançando suas pernas fora da cama, assim, podia ter uma melhor visão. Ela se sentia... Confusa. E ela não gostava disso. Ela deu algumas palmadinhas nos bolsos do seu roupão, procurando por seu maço de cigarros, logo lembrou que havia parado de fumar. De alguma forma, o chiclete não era a mesma coisa. Tinha que se consolar apenas em batucar com os dedos o vidro da janela. Lá fora, o céu era de um brilhante vermelho alaranjado, a obscuridade púrpura e o amarelo da poluição mesclando-se com o horizonte. Mas Mimi estava chateada com a imagem de um lindo nascer do Sol, inclusive do pôr do Sol, e mais: ela os achava clichês, ruins, previsíveis. Qualquer um podia gostar do pôr do Sol. E ela não era qualquer um, ela era Mimi Force. — Venha aqui. Meio convite, meia ordem. Ela voltou. Kingsley Martin estava estendido na cama, seus braços cruzados atrás da cabeça. Bastardo arrogante. Rir havia sido um erro. A torrente de emoções depois de estar tão perto da Observadora, só para que ela escapulisse... Os dois haviam se encontrado à noite em seu hotel. Bom. O que foi feito, já está feito. Não podia mudar isso. Ela se sentia tão longe de casa e decaída. Mas não tinha desculpas para as últimas vinte quatro horas. De acordo, assim que Kingsley contara toda a sua triste e terrível história e compartilhara o peso do seu segredo, eles haviam saído do bar no andar de baixo e logo tudo se tornou inevitável depois disso. Fazê-lo uma vez era um erro. Duas vezes? Duas vezes era um padrão. O Mandarim Oriental era um dos lugares favoritos de Mimi para se hospedar e o lugar, em Nova York, era especialmente adorável. Se apenas pudesse convencer a si mesma que estava ali apenas para desfrutar a vista. — Bem, estou esperando— anunciou com sua suave voz.

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— Crê que pode me mandar fazer o que quiser?— ela disse, lançando seus cabelos sobre seus ombros: um movimento praticado que a fazia parecer espontânea. Ela supôs que ele olhou seu cabelo movendo-se sobre sua tentadora costa. — Creio que posso. Ela se aproximou. — Quem você pensa que é? Kingsley apenas bocejou. Tirou a borda de seu roupão, abaixando até os seus ombros antes que ela o detivesse. — O que aconteceu?— ele perguntou. — Vou me vincular em duas semanas, isso é o que está acontecendo— ela disse bruscamente, amarrando seu roupão fortemente ao redor da sua cintura. Ela havia perguntado a ele se essa noite já havia ocorrido entre eles no Rio. E perguntou novamente à noite. Se eles haviam estado juntos alguma vez... Sim... Sim... Sim... Supostamente, Kinsgley se negou a responder. Foi exasperante. Faça seus exercícios, dizia ele. Faça sua regressão. Enganava-a e se negava a responder suas perguntas. Se isso houvesse acontecido antes, poderia me perdoar, pensou ela. Talvez essa seja minha debilidade. Talvez ele seja minha debilidade. — Posso perguntar algo?— perguntou Mimi, observando enquanto Kingsley se vestia e se encaminhava para pequena mesa de refeições. Kingsley havia ordenado um café da manhã de Rei. Não o típico prato de ovos e toucinho. Também havia uma variedade de mariscos, uma lata cheia de caviar, torradas, cebolinha, nata e cebola picada. Uma garrafa dourada de Cristal suava em uma cubeta49 de vinho. — O que seja, — ele disse, pegando um pouco de caviar com os dedos e lambendo. Encheu um prato com comida, logo abriu a garrafa de champanhe e a colocou em dois copos. Entregou um a ela com um sorriso. — Falo sério... Não quero te ofender. — Eu?— ele disse, segurando seu café da manha no colo enquanto sentava-se no sofá e colocava seus pés sobre a mesa de café. — O que fazem... O que fazem os Silver Bloods para persistir? — perguntou ela. — Quero dizer, além de cafeína, açúcar e camarões do tamanho de seu punho— disse Mimi, observando-o comer. — Refiro-me a... Ainda está realizando a Caerimonia? Em humanos, quero dizer.

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Kingsley negou com sua cabeça. Ele parecia triste enquanto colocava um camarão no coquetel de salsa. — Não, — deu uma mordida. — Não, querida, isso já não é uma opção para aqueles como nós que beberam do sangue não morto. Temo que para os Croatan o único sangue que serve é o que corre por suas veias. Mimi cruzou suas pernas enquanto se sentava na cama, de frente para ele. Arqueou seu pescoço. — Alguma vez já o tentou? — Todo o tempo. — Sorriu preguiçosamente. — Então o que faz? — Há algo que fazer? Não posso. Fiz uma promessa para honrar o Código. Vivo em restrição. Ainda posso comer comida... E às vezes algumas ainda sabem bem — Encolheu os ombros e limpou os dedos na borda da camisa. Ela quis dizer que ele não fizesse isso, mas não queria soar como uma mãe. — Quer dizer que não pode provar algo disso? — Eu tento. — Mas e todas essas rosquinhas... — disse ela, sentindo tristeza por ele. Ele era imortal no mais genuíno sentido da palavra. Não necessitava de nada para sobreviver. Que solitária e estranha forma de viver. — Sim, eu sei. — Ele riu, mas seus olhos estavam tristes. — Como um monte porque posso degustar só uma fração do que está diante de mim. Tenho um apetite sem fundo que nunca pode ser saciado — Ele piscou um olho. — E é essa a razão dos Silver Bloods serem malditos. — Você fez de fácil um assunto sério, me disse de uma vez, — ela o repreendeu. — Bem, sim. Somos bastante parecidos, — disse Kingsley. Ele abaixou seu prato e copo vazio e se aproximou dela. — E nos divertimos juntos, não? — perguntou. — Admita, isto é divertido, não? Ele lambeu seu pescoço, depois sua orelha, beijando gentilmente suas costas e seus ombros. Ela podia sentir o cheiro de champanhe em seus lábios. Mimi fechou seus olhos. Um pouco de diversão, isso era tudo. Não significava nada. Nada para ele e tão pouco para ela. Jogar um pouco. Eram tudo que faziam. Puramente físico e puramente prazeroso. Não

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havia sentimentos envolvidos, sem conexão divina, sem recrutamento celestial... Isto era diversão. Pura e simples. Kingsley ainda beijava seu pescoço quando sentiu sair seus caninos, essa ligeira saliência, fazendo cosquinhas em sua pele. — O que pensa que está fazendo? — perguntou ela, ficando com medo, mas excitada ao mesmo tempo. Ela nunca soube como era ser tratada como uma vítima. Como uma presa. Ele era perigoso. Um Silver Blood reformado. Também poderia chamá-lo de Dobermann reformado. — Shhhh... Não doerá, prometo. — E logo mordeu seu pescoço, só um pouco, só para que ela pudesse sentir seus caninos enterrando-se e furando sua pele e logo ela sentiu sua língua lambendo uma gota de seu sangue. Ele lambeu seus lábios e sorriu. — Tente. Mimi estava horrorizada. O que ele acabava de fazer? E agora ele queria que ela também fizesse? — Não. — Mas ela tinha que admitir, estava tentada. Sempre se havia perguntando como seria. Porque os Croatan preferiam isso à Caerimonia normal. — Vamos. Não me fará dano. Te desafio. Estar com ele a fazia sentir-se viva e desinibida. Que dano podia ter? Só um toque. Só uma gota. Só uma amostra. Ela não queria beber seu sangue, mas desejava bastante prová-lo. Como brincar com uma vela acendida. Suspendendo seu dedo sobre a chama, tirando-o antes que queime. Esse limite do pescoço que beirava o perigo e a diversão. Uma viagem na montanha-russa. A torrente de adrenalina era embriagador. Ela sacou seus caninos e enterrou seu rosto no pescoço dele. O Sol se elevou, deixando o quarto cheio de luz. E Mimi Force estava tendo o momento da sua vida.

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Capítulo Cinquenta Schuyler Ela se sentia mal em ter deixado Bliss dessa forma. Mas justo agora estava muito tensa para pensar nisso até mesmo para pensar em outra coisa senão o fato de que a pessoa com quem ela havia esperado a vida inteira para falar... Agora estava acordada. Viva. Allegra Van Alen estava viva. Ela havia despertado seus olhos fazia meia hora e estava perguntando por sua filha. Enquanto caminhava pelas portas de vidro do Hospital Presbiteriano de Nova York e entrava no elevador traseiro que a levaria para a unidade de cuidados permanentes, Schuyler se perguntava quantos dias, quantas noites, quantos aniversários, quantos dias de Ação de Graças, quantos natais, havia passado caminhando pelo mesmo corredor iluminado com luzes fluorescente, com o cheiro de anticéptico e formaldeído, passando pelos sorrisos de compaixão das enfermeiras, pelos grupos chorosos perto da sala de espera da cirurgia, seus rostos abatidos e ansiosos. Quantas vezes? Muitas para contar. Muitas para mencionar. Esta foi toda a sua infância, apenas no centro médico. A governanta havia lhe ensinado a caminhar e a falar e Cordelia havia estado ali para pagar as contas. Mas nunca teve uma mãe. Não havia ninguém para lhe cantar canções na banheira ou beijá-la no rosto antes de dormir. Ninguém a quem esconder segredos, ninguém para brigar pelo guardaroupa, ninguém para quem fechar a porta fortemente, não havia tido nenhum dos ritmos normais de ternura e desacordo, os caminhos infinitos do parentesco mãe-filha. Só sabia disso. — Chegou rápido. — disse a enfermeira com um sorriso desde a estação de enfermeiras. Ela levou Schuyler pelo corredor a uma ala privada, onde dormiam os mais privilegiados de Nova York e os mais vegetativos. — Ela tem estado te esperando. É um milagre. Os doutores estão surpresos. A enfermeira abaixou sua voz. — Dizem que inclusive pode estar na televisão! Schuyler não sabia o que dizer. Ainda não parecia certo. — Espere. Preciso... Preciso de algo da cafeteria — Ficou vermelha ao lado

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da enfermeira e correu todo o lace de escadas até o primeiro andar. Acelerou o passo pela porta do corredor, surpreendendo-se em um dos cantos internos, tomando um descanso às escondidas em um andar desconhecido. Ela não estava segura se seria capaz de fazer isso. Parecia muito bom para ser verdade e não podia enfrentá-lo. Secou suas lágrimas e entrou na cafeteria. Comprou uma garrafa de água e um pacote de goma de mascar e voltou ao andar correto. A enfermeira amavelmente ainda estava a esperando. — Está bem— ela disse a Schuyler. — Sei que é um choque, mas continuemos. Estará bem. Ela está esperando por você. Schuyler assentiu. — Obrigada. — sussurrou. Caminhou pelo corredor. Tudo se via exatamente igual como sempre. A janela por qual mostrava a Ponte George Washington. A lousa com o nome dos pacientes, medicamentos e os médicos encarregados. Finalmente parou na frente da porta. Abriu em um rangido e assim escutou Schuyler. Uma voz, melodiosa e adorável pela entrada. Chamando seu nome tão suavemente. Uma voz que ela só havia ouvido em sonhos. A voz de sua mãe. Schuyler abriu a porta e entrou.

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Capítulo Cinquenta e Um Bliss O que você disse? Bliss estava pagando por seu novo vestido quando foi sacudida pela voz do Visitante em sua cabeça. — Vocês aceitam Amex?— ela perguntou à vendedora que estava sentada atrás da mesa. Ela tentou manter a compostura enquanto por dentro a agitação do Visitante fez sua cabeça doer. Allegra está viva? Allegra está viva? Por que isso te deixa alegre? Bliss perguntou. Por que você se importaria? Ela é apenas uma paciente em coma em um quarto de hospital. — Disse alguma coisa?— a vendedora perguntou, empurrando o vestido roxo para dentro de uma sacola marrom e grampeando o topo com a nota. — Não. Perdão. — Bliss pegou sua sacola e saiu da sala. Ela esbarrou em algumas garotas que estavam entrando. — Eles ainda têm coisas boas, ou já levaram tudo?— uma delas perguntou. — Uh... Não sei — Bliss murmurou, saindo. Ela sabia que elas a achariam incrivelmente arrogante, mas parecia que sua cabeça se abriria em uma fenda. Bliss ergueu uma mão para parar um táxi. Era cinco da tarde, e todos os táxis tinham os sinais de “Não está a serviço” ativados, uma troca de turno, e pior, estava começando a chover. O tempo de Nova York. Por um momento ela sentiu falta do Silver Shadow Rolls e do motorista que sempre a transportou por aí. Finalmente Bliss conseguiu um táxi executivo que acabou de deixar algum executivo na esquina. — Quanto custa pra ir até a 168th Street? — Vinte. Ela entrou no carro, que era quentinho e confortável depois de ficar parada na repentina chuva fria.

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Ela ainda podia sentir o entusiasmo e a agitação do Visitante. Por que ele se importava? Por que ele se importava com uma mulher estúpida em um hospital? mãe.

Tenha respeito, o Visitante disse friamente. Não fale assim da sua

Então é verdade. Eu sou filha dela. Eu sou filha de Allegra, ela pensou. Seu coração estava batendo tão ruidosamente que até machucava seu peito um pouco. Claro que você é, disse o Visitante, em uma voz sábia que fez Bliss se sentir ainda mais nervosa. Nós a fizemos juntos. Agora, acho que é hora de dizermos um olá decente para Allegra.

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Capítulo Cinquenta e Dois Schuyler A cama do hospital estava vazia. Allegra Van Alen estava sentada em uma cadeira ao lado. A mãe de Schuyler era a imagem da elegância e moderação em um vestido negro simples e um colar de pérolas. Ela estava vestida como se tivesse vindo de um escritório ou de uma reunião de direção de caridade e não como se tivesse passado os últimos quinze anos imóvel em uma cama. Schuyler se arrastou pelo quarto, duvidando. Mas uma vez que Allegra abriu seus braços, Schuyler se jogou neles. — Mãe — Allegra cheirava a rosas na primavera; sua pele era tão suave como a de um bebê. Sua presença fazia com que o quarto ficasse mais brilhante, de algum modo, mais iluminado. Allegra acariciou os cabelos de sua filha. — Schuyler, você voltou para casa. — Lamento, lamento tanto — soluçou Schuyler. — Lamento tudo o que eu te disse em Tóquio — Ela levantou seu rosto choroso. — Mas como? — Já era tempo — disse Allegra. Schuyler afastou-se do seu abraço. Não podia crer no que Allegra dizia. — Então está me dizendo que podia despertar em qualquer momento? — Não, querida — Allegra negou com a cabeça. Allegra disse a ela que puxasse uma cadeira ao seu lado. — Sinto-o mexendo nas profundezas do encantamento... Algo aconteceu com o mundo... Eu sinto. Eu havia sido egoísta da minha parte deixar de tomar sangue. Para estar enraizada em meu sofrimento — Logo Schuyler viu o que havia acontecido como se estivesse estado ali: a mulher em coma levantando-se da sua cama, rasgando o pescoço de um maqueiro 50 que havia vindo mudar seus lençóis. A princesa vampiro desperta. A Bela Adormecida atravessando o vidro. 50

maqueiro: quem conduz uma maca.

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Schuyler engoliu um soluço. — Lawrence? — Morreu. Eu sei. Falei com ele antes que passasse para o outro lado — Allegra assentiu. — Ele me contou sobre o legado dos Van Alen — Schuyler encolheu os ombros. — Você sabe o que eu devo fazer? Em resposta sua mãe se aproximou e falou em uma voz que só Schuyler podia ouvir. Escute atentamente, minha filha. O que estou a ponto de dizer só pode ser dito sob a proteção desse encantamento. Nos dias que chamávamos nossa casa de Paraíso, o caminho entre os dois mundos foram abertos. Anjos moveram-se livremente entre a Terra, o Céu e abaixo da Terra. Mas depois da revolta de Lúcifer, quando o Príncipe Obscuro e seus seguidores foram expulsos do Céu, o caminho até o Paraíso foi fechado para sempre. Porém, os sete Caminhos da Morte permaneceram abertos. Em Roma, ainda confiávamos em Calígula, não sabíamos que era Lúcifer detrás da máscara, não sabíamos que estava em uma missão para descobrir as localizações na Terra. Como Imperador, ordenou que construíssem um labirinto de túneis em baixo da cidade de Lutetia. Foi aqui onde descobriu o primeiro caminho. Em sua arrogância, compartilhou seu segredo com Michael. A Estrela Brilhante da Manhã51 jamais foi alguém que escondia sua glória, o que lhe custaria algo. Michael insistiu que construíssem um portão no caminho e forjassem uma chave que Michael protegeria. Lúcifer concordou. Mas tudo foi uma mentira. A transformação de Lúcifer em Croatan foi completada. Sua traição ao Código dos Vampiros criou uma crise em Roma. Ele roubou a chave na primeira oportunidade, desencadeando a Abominação no mundo. Mas nós soubemos disso tarde demais. Os Blue Bloods caçaram os demônios e seus irmãos Silver Bloods. Convertemos Lutetia em refúgio. Michael derrotou Lúcifer, levando-o pelos caminhos mortos até o submundo e fechando o portão. Então Michael ordenou aos Blue Bloods que encontrasse os seis caminhos restantes e que construíssem portões neles para evitar a divisão entre os mundos. Os porteiros foram chamados para a Ordem dos Sete e incluíram as sete famílias originais do Conclave.

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Estrela Brilhante da Manhã, Portador da Luz: o significado do nome Lúcifer em Latim.

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Os porteiros concordaram com a dispersão na Terra, escondendo-se dos outros. O conhecimento dos portões permanecia nas famílias dos guardiões, passando de geração a geração. O legado dos Van Alen e apenas o último nome para o trabalho que Lawrence e Cordelia começaram quando chegaram ao Novo Mundo. Quando os jovens Blue Bloods desapareceram novamente, eles suspeitaram de que o que temiam por vários séculos estava certo: que os portões estavam falhando e que de alguma forma Lúcifer e seus Silver Bloods sobreviveram à guerra de Roma e estavam planejando seu regresso ao poder. Lawrence fez o trabalho de sua vida para encontrar cada portão e seu guardião, para adverti-los do perigo. Mas Charles nunca acreditou no legado dos Van Alen. Ele guardava rancor da dúvida do trabalho de seu pai forjado séculos atrás. Foi assim que Lawrence se foi para o exílio. E o legado dos Van Alen foi esquecido. — Mas Lawrence estava certo — disse Schuyler. — Eles voltaram. Sim, eles voltaram e buscavam desesperadamente abrir os portões, para liberar o Diabo aprisionado no Inferno. Esse é o porquê de os enganarmos faz tempo. Charles não era o porteiro de Lutetia. A âncora do portão terreno foi mudada de lugar. O verdadeiro porteiro se ocupou disso faz tempo. — Como sabe disso? Você é o porteiro? Não. Dos Van Alen, só Lawrence era o porteiro. Recorda-se da Ordem dos Sete? Um portão para cada família. O Leviatã e o Corcovado. Schuyler compreendia agora. Sim. Seu avô era o porteiro do portão da Vingança, a prisão de Leviatã. Com o assassinato do inocente Lawrence, o portão se abriu e liberou o Leviatã. Mas o que os Silver Bloods não sabiam era que o portão da Vingança era um solom bicallis. Só pode ser usado em uma direção. Uma vez que o Leviatã estava livre, o caminho se fechou para todos. Os Silver Bloods não descansarão. Buscarão os guardiões e os portões, até que todos os Caminhos da Morte estejam liberados de uma vez mais. Schuyler, é o seu dever encontrar os membros restantes da Ordem, alertá-los do perigo e manter os portões seguras. Tanto como podem manter os portões, Lúcifer não pode cruzar o submundo até este mundo. Esse é o Legado dos Van Alen e agora é seu também. — É nosso, quer dizer.

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Infelizmente, isso não é verdade. Não posso ajudá-la em sua busca. Tenho que encontrar Charles. Ele está perdido, em alguma parte dos mundos, quando os Silver Bloods liberaram essa destruição. Nosso destino está entrelaçado. Ele necessita de mim mais do que nunca. Há algo rompido no universo que só podemos concertar juntos... O que também é parte da sua viagem. — Mãe, você está me abandonando outra vez. Agora que preciso de você!— chorou Schuyler por causa das notícias que sua mãe dera e a enorme responsabilidade que caíra sobre seus ombros. Encontrar os portões? Encontrar os guardiões? Salvar o mundo? Como se supõe que ela conseguiria fazer isso sozinha? — Não me vou. Sempre estou com você — disse Alegra, sustentando Schuyler entre seus braços. — Minha filha, eu estou em você. Nunca esqueça isso. — Então era realmente você com a espada? Em meus sonhos? — perguntou Schuyler. — Claro — Allegra sorriu gentilmente, logo se pôs de pé. — Agora escute atentamente. O Leviatã mostrou sua carta em Paris. Sabemos que está buscando abrir o portão que estava localizado em Lutetia. O Portão do Tempo. Disso estou segura, quando estava lá e quando Michael e eu fizemos o portão. Estava sendo vigiado por Tiberius Gemellus. Encontre-o. Cuide do portão.

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Capítulo Cinquenta e Três Mimi Quando Mimi deixou a escola essa tarde, encontrou Kingsley a esperando na frente da entrada de Duchesne, entre a coleção normal de garotos desalinhados esperando as namoradas da escola privada. Exceto que Kingsley não se via desalinhado. Via-se como se acabasse de sair de uma revista: dentes brilhantes, cabelo escuro brilhante e penteado, barba recentemente feita. Levava uma jaqueta de couro preto sobre a camisa branca com botões no pescoço e calças desgastadas. A estrela do rock se via intacta. — O que faz aqui? — exigiu Mimi olhando nervosa ao redor. — Jack pode te ver! Não era como se ele fosse se importasse muito. Talvez seu gêmeo sentisse ciúmes ao vê-los juntos. Se é que Jack fosse capaz de ter um sentimento verdadeiro por ela. Quem sabia o que ele pensava nessa cabeça dura? Kingsley a ignorou e a aproximou dele. Ele a beijou sonoramente na frente de um grupo excitado de calouros. — Force, entre na limusine. Mimi viu um carro brilhante ao longo do bosque parado na curva. Um chofer uniformizado sustentava o portão aberto. Mimi sempre havia escondido um amor por limusine. Era brega usar uma na cidade, a não que você quisesse correr o risco de te verem como um turista ou como se fosse ao baile. Mas esta brilhava com um brilho tênue. Tinha que admitir: o garoto viajava com estilo. Ela olhou para Kingsley e logo entrou. Ele entrou depois dela e fechou o portão. Levantou a divisão do chofer até fechá-la por completo. As janelas eram polarizadas. Estavam, para todas as tentativas e propósitos, a sós. O carro era tão grande que era como estar em uma sala de estar em movimento. O tapete embaixo dos seus pés era exuberante, e os assentos eram tão grandes como uma cama.

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— Agora, onde estávamos? — perguntou Kingsley, inclinando-se então praticamente em cima dela, uma mão abaixou sua blusa e a outra tirando a presilha de sua saia. — Espera. Espera — bufou Mimi, pondo uma mão em seu peito e empurrando-o. E ela que pensava que era rápida. Kingsley era o sedutor mais talentoso do mundo. Ela apenas havia entrado no carro e ela já estava praticamente sem roupa. — Amor, eu esperei todo o dia — suspirou ele enterrando seu rosto em no pescoço dela. Mas ele fez o que ela pediu e deixou a mão longe de sua perna. Acalmou-se e inclinou até seu assento. — Assim está melhor? Mimi tentou não se mostrar lisonjeada. Era lindo ser desejada. Kingsley e seu apetite voraz. — Aonde vamos? Ou deveria dizer, aonde vai me levar? — perguntou ela, enquanto o carro dobrava a esquerda na autopista FDR. Em resposta Kingsley levantou várias passagens de avião. — Paris. Os garotos Lennox já estão em JFK. E nós vamos essa noite. — Nós? — Não vai deixar a equipe assim, ou vai, Force? — ele sorriu. — Não se preocupe, tenho tudo o que precisa. Consegui um pacote novo de Venator. Por isso, não vem com essas botas pouco práticas que você usa, mas tenho certeza que encontrará um exemplar na Cidade Luz. Mimi abotoou a blusa. — Deve estar de brincadeira. Pare agora mesmo esse carro. Não vou a Paris. — Por que não? Realmente ele era um caso perdido, pensou ela. Teria que se decidir. — Não se lembra? Vou me vincular no próximo domingo. Duh. — Fará isso? — O que te parece? Jack é minha... — alma gêmea parecia muito pretencioso para dizer. — Ele é meu gêmeo. Nós nos correspondemos. Sempre o fizemos. Kingsley assentiu como se tivesse considerando seu argumento.

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— Certo. E esta é a razão pela qual estava entrando furtivamente em meu quarto no hotel toda noite por toda a semana passada? Toda noite! Havia sido toda noite? Logicamente ele estava equivocado. Certamente ela havia passado uma noite em sua própria casa. Não queria reconhecer. Isso havia ido longe demais. Tinha que contornar a situação agora. — Já conhece o código — disse ela. — Essa é a forma que tem que ser. Não podemos negar nosso vínculo. — Os vínculos foram feitos para ser quebrados — ele disse. — Da mesma forma que as regras. — Falou agora como um verdadeiro Silver Blood. — ela disse, bruscamente. O rosto de Kingsley se tornou grave. — Você sabe meu segredo. Sabe o que nós enfrentamos, a vastidão de nossa tarefa se as suspeitas de Charles estão certas. A equipe precisa de você. Venha conosco. Mimi corou. Nunca havia se sentido dessa forma em toda a sua visa. Em todas as suas vidas. Amar Abbadon era tudo o que ela sabia. Mas quando Kingsley entrou e lhe refutou cada suposição. Mas ele realmente a queria? Realmente se preocupava com ela? Amava-a? Ou só queria ela ao seu lado por diversão? Kingsley sorriu, ela supôs que era um sorriso de triunfo, o sorriso de um garoto que sempre tem o que quer. Era certo que ele a desejava agora mesmo, mas o que se sucederia quando ele não a desejasse? Ela sabia o que significava o vínculo, a dedicação, o compromisso com o outro e o serviço que rendiam a comunidade como um todo. Os vampiros estavam se debilitando, isso ela sabia. Os Blue Bloods precisavam deles agora mais do que nunca. Ela pensou em todas as coisas que ela e Jack haviam conquistado juntos: derrotaram Lúcifer em Roma, fundaram o Novo Mundo... Ela era Azrael. Sua palavra era verdadeira. Não duvidava do que ele havia perdido. Quem ela acreditava que era? Seu irmão? Inconstante, indeciso, incapaz de tomar uma decisão entre a estupidez e o dever? — Não, Kingsley. Não posso — ela negou com a cabeça. — Deixeme sair daqui. Pare esse carro. Kingsley a olhou por um longo tempo. Logo limpou sua garganta e levantou o telefone interno e pediu ao chofer para que parasse.

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— Como desejar.

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Capítulo Cinquenta e Quatro Bliss As horas de visita no Presbiteriano de Nova York haviam acabado quando Bliss chegou, não que isso importasse de verdade. Allegra Van Alen havia ido no momento em que ela chegou lá. — Mas o que você quer dizer com ela foi embora? Acabo de receber uma chamada de que ela acordou... Sou sua filha! — gritou Bliss. — Schuyler esteve aqui faz uma hora — disse a enfermeira confusa. — Ela foi com Allegra. — Quero dizer, sou sua outra filha. Oh, esqueça— disse Bliss, caminhou deixando gotas de chuva por todo o chão. Ela se foi. Allegra tinha ido. Nem mesmo ficou por mais um tempo para falar comigo. Nem mesmo se preocupa comigo. Nem mesmo sabe que estou viva. Escutou isso, Pai? Ela gritou dentro da sua cabeça. Onde você está, de qualquer maneira? Mas era como se o Visitante soubesse que não encontrariam Allegra no hospital. Às vezes durante a caminha até o centro, ele tinha se retirado. Bliss voltou a sua casa, a um apartamento vazio como sempre. Esquentou uma batata para jantar. Mesmo que já não tivesse mais com fome, era difícil quebrar o hábito de ter três comidas diárias. Depois de dar umas poucas garfadas, jogou a batata no lixo e foi ao seu quarto provar o vestido novo. Schuyler tinha razão. Não deveria ter comprado. Era muito apertado no peito e muito curto na bainha. E a cor não era boa; o roxo escuro a fazia parecer mais pálida que o normal, e destoava com seu cabelo vermelho. Teria que vendê-lo. Tirou o vestido e o meteu na bolsa para poder levá-lo em uma loja de segunda mão. Felizmente teria um pouco do seu dinheiro de volta. Desde sua falência, Forsyth tinha sido mesquinho com sua mesada. Allegra era sua mãe... A verdade disso doía, como quando escuta o que suas amigas pensam realmente de você. Ligou novamente para Schuyler, mas ela não atendeu.

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Bliss fechou os olhos e foi para cima do Cloisters, procurando seu amigo. Tinha que contar a alguém. Mas em vez de ver Dylan, viu alguém mais. O homem no traje branco. O Visitante. Seu pai. — Oi, filha. — Onde você esteve? Foi ao hospital, mas ela não estava lá? — Oh, eu sei— disse ele. — Ela foi muito rápida para nós. Sempre foi. Mas não importa. Nós a alcançaremos logo. É agradável estar aqui em cima. Como se chama esse lugar? — Cloisters— disse Bliss. — Ah! Sim... É este o lugar onde você e seu jovenzinho se conheceram. Mas não se preocupe, ele não te aborrecerá mais. Bliss sentiu seu estômago se contorcer. — A que você se refere? — Sei o que você está fazendo. Sei tudo o que sabe. Não pode esconder de mim, Bliss. Escutei cada pensamento seu. Escutei cada palavra. Sei que você tem visto o que há na minha mente e estou feliz por você. Está pronta. — Pronta? Para que? — Ao escutar sobre Allegra, me recordei de que nós temos assuntos incompletos que tratar. Sua filha mestiça, Schuyler Van Alen. Uma boa amiga sua, pelo que posso dizer. — O que te a Schuyler?— Bliss perguntou nervosa. — Forsyth não tem sido incapaz de trazê-la para mim. O Leviatã também tem falhado. É incrível quão cego tenho estado com a janela que está bem ao meu alcance. Porque você não me falhará, filha minha. Não. Você ira trazê-la a mim. Bliss negou com a cabeça e se afastou, quase na borda do telhado. — De forma nenhuma! Você está louco se acredita que faria tal coisa. O rosto de Lúcifer estava calmo. — Por quê? É por que erroneamente você acredita que Schuyler Van Alen é sua amiga? Que tipo de amigo te abandona? Nunca ligou, nem sequer uma vez, ou ligou? Jamais quis saber onde você estava.

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Que classe de amigo é esse? Como pode te abandonar, sabendo o quanto sofreu? Bliss continuou movendo sua cabeça tão energicamente que pensou que ficaria tonta. — Ela não teve opção... Estava escapando... Forsyth a fez uma fugitiva. — Ainda assim cada um tem a opção. Cada um tem a liberdade de escolher como atuar, e ela escolheu te abandonar. Comigo — Lúcifer sorriu novamente e esta vez Bliss pode ver suas presas. — Não. Não o farei. Terá que fazê-lo você mesmo. — Eu tentei, querida. — Suspirou Lúcifer. — Não esqueça: como dizem os jovens “enquanto você vai, eu estou voltando”. Bliss se deu conta que Lúcifer já havia tentado prejudicar Schuyler durante as vezes que havia tido o controle, quando Bliss tinha esses desmaios. — E até o momento não fui capaz de prejudicar a garota. A proteção de Gabrielle flui em seu sangue e deve desviar minha presença. Mas você, querida, você também tem o sangue de sua mãe em você. O mesmo que Schuyler. Você será capaz de levar a cabo o que eu não posso. — Jamais farei. — Bliss apertou os punhos nos bolsos de seu casaco. Seu pai estava demente se pensava que alguma vez ela faria mal a sua amiga. — Bom, agora tem uma opção: pode fazer o que te peço, ou jamais voltará a ver o seu jovenzinho. — O que me importa? Ele não era real — insistiu Bliss. — Ele é tão real como eu sou. Acredita que o seu é o único mundo verdadeiro? Há um numero infinito de mundos no universo. O mundo em sua mente é tão real como o mundo exterior a ele. Bliss olhou para baixo, desde o teto do museu. Se ela saltava, se caia no encantamento, e sua mente, ela poderia se machucar. — O que você vai fazer? O que é que você quer que eu faça... Com Schuyler? — sussurrou ela. — Querida não é óbvio? Você vai matá-la.

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Capítulo Cinquenta e Cinco Mimi Ele tinha razão, ficou melhor despida, pensou Mimi enquanto olhava sua figura nos espelhos do SPA. Um metro e oitenta de altura, com lindas grandes pernas, ombros amplos, e peitos não tão grandes, nem tão pequenos que não precisavam nem de aumento ou redução, tinha o tipo de corpo que se via no guia de Esportes Ilustrados, atlética e tonificada, mas ainda feminina e sensual, e com essa pequena cintura de Barbie e elegantes e quadris finos. O vínculo estava marcado para o dia seguinte, e ela tentava não pensar em Kingsley. Mas às vezes chegava a sua mente em momentos inesperados. Um hábito ruim que tentava deixar de lado. — Pronta? — perguntou sua mãe, fechando seu vestido e a envolvendo em uma grossa toalha branca. Trinity desaprovou ao ver Mimi tão descaradamente nua em meio aos armários. A Tradição dizia que a noiva deveria estar completamente nua para a cerimônia, ainda que não fosse necessário. Mas Mimi preferia os costumes antigos e recordava com carinho dos banhos passado que havia tomado para este propósito, no Rio Nilo, em uma banheira de mármore em Versalhes, em uma sauna recentemente inaugurada em Newport. As guardiãs femininas, um grupo de garotas de Blue Bloods de Durchesne, e algumas primas já estavam esperando-a na piscina. — Vamos — Mimi assentiu e seguiu seu caminho para baixo da caverna. Havia passado uma semana desde que Kingsley lhe havia pedido que fosse com ele à Paris. Às vezes se perguntava o que ele deveria estar fazendo, se pensava nela, mas ela passava a maioria do seu tempo se preparando para seu vínculo de amanhã. O SPA era um estabelecimento somente para Blue Bloods com a estrutura de antigos banheiros romanos. Mimi o havia reservado para a requerida cerimônia de pré-vínculo, o banho da noiva junto as suas companheiras. O ritual purificador era uma tradição que os Blue Bloods haviam passado através dos séculos, manifestando-se em outras culturas mesmo com diferentes nomes: na religião judia era o mikva, no hinduísmo, o banho era recomendado às quatro horas da manhã,

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durante o Brahma muhoratham, ou o momento mais auspicioso do dia. Na linguagem sagrada era chamado o sanctus balieneum. Havia quatro piscinas diferentes no extenso complexo em baixo da terra, um banho gelado se mantinha a arrepiantes 13º C; uma manchada piscina vaporosa que era boa para os poros; uma piscina harmoniosa, que era a essência do relaxamento; e uma piscina quente, no qual a água tinha um grau tão elevado de calor que somente os vampiros poderiam tolerar. Um humano se queimaria na piscina quente, mas para os vampiros era um tratamento reconstituinte e refrescante. Mimi caminhou pelos blocos de pedra e sentiu a água morna envolvendo seus pés enquanto se unia ao grupo de mulheres e garotas reunidas em um círculo. Brilhando e se movendo como ninfas, começaram a murmurar enquanto chegavam perto. Ela se pôs no meio do grupo e cruzou seus braços em seu peito, inclinando-se para fazer com que soubesse que as respeitava e agradecia a sua presença neste cenário tão importante de sua vida. Trinity a seguiu no circulo, segurando no ar um cálice de ouro. O submergiu na piscina e o encheu com as águas sagradas. O sanctus balineum precisava de água que não viesse de uma torneira. Era obtida da água do manancial, trazida em um caminhão vindo de uma fonte em uma reserva escondida. Ela derramou sobre a cabeça de Mimi enquanto dizia as palavras. — Esta é filha dos Céus — entoou em uma doce e melodiosa voz que fazia eco ao redor da caverna. Lentamente, a luz no local começou a se desvanecer, até que elas estivessem rodeadas por uma completa escuridão, seus corpos de vampiros brilhavam no encantamento. — Amém — murmurou o grupo. Trinity assentiu e continuou o cântico — Nós viemos aqui no dia de hoje para te limpar dos teus pecados terrenos. — Amém — as mulheres começaram a caminhar lentamente ao redor de Mimi, cantando suave. — Aleluia. — A prepararemos para o vínculo que não deve ser cortado. Para dizer as palavras que jamais devem ser desfeitas. Cada membro do círculo se aproximou e utilizou a taça de ouro para derramar água sobre a cabeça de Mimi, abençoando-a com suas orações.

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Quando todas haviam terminado, Trinity colocou suas mãos sobre a cabeça de Mimi. — Esta é a filha dos Céus. Hoje está limpa de seus pecados terrenos — Levou Mimi até as águas profundas, e Mimi submergiu completamente na piscina. Mimi sentiu a água morna formigando e tranquilizando sua pele, se sentiu mareada pela limpeza da mente como também do corpo. Saiu das águas serena e energizada. Ela se sentiu limpa de todas as suas dúvidas, toda sua confusão. Não tinha mais pensamentos sobre Kingsley ou o que ele havia pedido para ela fazer. Ela era uma só com o espírito, ela era uma só com sua vida, com seu destino. Estava pronta para ser vinculada.

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Capítulo Cinquenta e Seis Schuyler Havia se passado quinze dias desde que Schuyler havia se reunido com Bliss na ponta de estoque. Depois de seu feliz encontro, Schuyler pensou que veria mais sucessivamente Bliss, mas aconteceu exatamente o oposto. Bliss sempre tinha uma desculpa para não vê-la. Schuyler tentava não estar muito desiludida pela renúncia de sua amiga para sair. De qualquer forma, sua mãe havia lhe imposto uma incrível tarefa. O Repositório de História era o primeiro lugar para buscar os arquivos familiares, mas já que não era seguro para ela ir até lá, Oliver havia levado todos os livros para seu apartamento. A separação havia sido boa para sua relação. Já não experimentavam as pequenas irritações diárias provocadas por viverem no mesmo espaço vinte quatro horas por dia. Claro que ainda se viam um pouco. Nem sequer importava que Schuyler não fosse mais a Duchesne, ela via Oliver tanto quanto se estivesse estudando. Ele tinha uma chave do seu apartamento. — São muitos livros — disse Schuyler, abrindo o portão para deixá-lo entrar. — Os bibliotecários estão transferindo tudo para uma base de dados, mas só desde o século dezoito em diante — disse Oliver alegremente. Deixou a pilha poeirenta sobre a mesa da cozinha. — De qualquer forma, como você está?— ele perguntou, dando-lhe um beijo na bochecha. Os dois não tinham intenção em reviver suas memórias com Jack, Oliver parecia relaxado. A ameaça havia passado. — Bem— ela lhe contou tudo que havia acontecido com Allegra, ela contou o quão estranho havia sido falar com sua mãe, só para vê-la partindo tão rápido. Nem sequer havia sido capaz de perguntar a Allegra por sua irmã mais velha. Não. Foi isso apenas, este é o legado dos Van Alen. Salvar o mundo enquanto está nele e verá o outro lado em algum momento. Bem. Schuyler tinha que trabalhar e estava contente de ter Oliver ao seu lado. Com sua ajuda, havia feito um montão de progresso, considerando que estavam buscando uma árvore genealógica que vinha

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desde a antiguidade. Ajudava que os Blue Bloods guardassem arquivos meticulosamente. Schuyler pôs a chaleira para ferver e sentou-se ao lado de Oliver, que estava com todos os livros abertos ao seu redor. — Aqui está o que sabemos — disse Oliver. — Tiberius Gemellus se supõe que fosse o imperador, porque ele era o verdadeiro neto e herdeiro de Caesar Tiberius, enquanto que Calígula, que se converteu em imperador, era adotado. Mas Caesar preferiu Calígula a Gemellus, e nomeou Calígula como imperador antes que o outro o fizesse. Pensaria que Gemellus estaria bravo, mas os registros mostram que ele era muito próximo de Calígula e o amava como irmão. Os livros de história dos Red Bloods dizem que não sabiam nada sobre Gemellus, o que é lógico, já que a maioria da história verdadeira está oculta a eles. Refirome a nós, sabe ao que me refiro. Schuyler assentiu. — Mas também não há nada sobre Gemellus e sua família em qualquer dos registros dos Blue Bloods. É como se jamais tivessem existido. Ou não foram suficientemente importantes para serem registrados— disse Oliver, levantando-se quando a chaleira começou a apitar. Colocou água quente em dois copos e colocou saquinhos de chá dentro. — Mas ele foi importante — disse Schuyler, aceitando o copo e assoprando a superfície antes de tomar um gole. — Ele era um porteiro. Era suficientemente importante para que Michael e Gabrielle o nomeassem para a Ordem dos Sete. Mas onde estão agora? O que aconteceu com ele? Em quem eles se tornaram? — perguntou Schuyler. — Como encontramos uma pessoa que nem está nos livros? Oliver e Schuyler se olharam mutuamente. Ambos pensaram em um estranho diário que encontraram dois anos atrás. Oliver disse ansiosamente, — Usualmente quando algo não está nos livros, significa... — Que está escondido de propósito — disse Schuyler. — Exatamente — Oliver abaixou seu copo. — Então onde quer que esteja não vamos encontrá-lo aqui— disse, deixando os livros de lado. — Ele era irmão de Calígula. Amado pelo imperador. Seu conselheiro mais próximo. Ollie, eu tenho uma ideia. Diga que é loucura, mas crê que talvez Gemellus... Fosse um Silver Bloods?

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Capítulo Cinquenta e Sete Bliss Quando Mimi pediu a Bliss que fosse uma das madrinhas de seu casamento, Bliss havia se surpreendido. As duas garotas não se viram durante quase um ano, e dificilmente eram amigas. Mas Mimi parecia um pouco desesperada, e Bliss sentiu compaixão e aceitou. Assim que na brilhante manhã de outubro que Jack e Mimi iriam se vincular, Bliss chegou cedo ao salão para ajeitar o cabelo e se maquiar, como Mimi havia indicado. Trinity Force e várias das filhas da alta hierarquia dos membros do Conclave já estavam em volta em batas, lendo revistas e bebendo champanhe. Mimi estava sentada no meio da ação. A noiva estava com uma felpuda bata branca, que a fazia reluzir perfeitamente. Seu rosto foi maquiado como o de uma boneca, com lábios vermelho rubi, e uma pincelada mais natural de rubor. O seu lustroso cabelo platinado estava para trás em um penteado com flores brancas. Ela estava linda. — Bliss, eu estou tão feliz em te ver! — ela disse. — Oh, Meu Deus! Eu sei. Você está ansiosa? — perguntou Bliss, falando com o tom de garota tonta. — Você vai se vincular hoje! — Já era hora, não acha? — Mimi praticamente gritou. Bliss pode sentir o cheiro de álcool em seu hálito, porém algo no entusiasmo de Mimi parecia... Forçado. Mimi estava sorrindo tanto que seu rosto parecia como se fosse quebrar. — Venha aqui. Danilo se encarregará de você. Lembre-se, Danilo, faça com que a minha amiga fique linda, mas não mais que eu — Mimi riu. — Sim, lógico, desculpe por ter perdido esse ehm... Assunto do banho— disse Bliss, tentando não se sentir tão incomodada. — Não se preocupe. Agora você está aqui e isso é o que importa — disse Mimi com um sorriso brilhante. Ela era exatamente a mesma Mimi Force, pensou Bliss.

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Completamente vaidosa, egocêntrica, e talvez só tremesse de medo por causa do vínculo. Bliss estava ansiosa com o evento. Esperava que o vínculo fosse rápido assim ela poderia sair de perto de todos. Depois do encontro do outro dia com o Visitante, se sentiu temerosa e insegura, e não se sentia segura estando com os outros. Não era que ela faria, em seu são juízo, jamais, jamais faria tal coisa como assassinar a sua melhor amiga. Ela tinha que convencer Schuyler a deixar New York o mais rápido possível. Quanto mais Schuyler ficasse na cidade mais perigoso seria para ela. Bliss tinha que manter a sua amiga a salvo... E longe dela. Mas ainda tinha que pensar em como ia fazer isso, como falar com Schuyler sem que o Visitante descobrisse. Ao menos sabia que Schuyler não iria ao vínculo de Mimi, assim que Bliss não teria que se preocupar com isso hoje. Era uma pequena, mas bem vinda respiração, porém ainda estava nervosa. O estilista alisou o cabelo de Bliss e pôs muita maquiagem, que quando ela se olhou no espelho dificilmente pode se reconhecer. Seu cabelo estava quase em suas curvas, era muito maior quando liso, e seu rosto se via um pouco laranja. Ela pegou um taxi para casa assim poderia trocar de vestido, um vestido preto sem muitos detalhes. Um vestido muito básico, nada que pudesse desviar a atenção que Mimi queria ter. Voltando ao Penthouse, Bliss revisou sua maquiagem no espelho uma última vez, tentando baixar um tom o bronzeado em suas bochechas. Onde estava Dylan? O Visitante o manteria longe dela, isso ela sabia, e o odiava amargamente por isso. Será que estava o trancando em alguma parte? Ferido? Era tudo sua culpa? Como podia ter acontecido isso? O que podia fazer? Às vezes se sentia como se realmente fosse ficar louca. Enquanto se observava no espelho, notou que ainda levava a esmeralda que Forsyth lhe havia dado dois anos atrás. A Ruína de Lúcifer. Ela tocou a pedra fria, e com grande dificuldade, removeu o colar de seu corpo. Não queria nada perto associado ao seu pai. O jogou dentro do armário. Sentiu-se como se tivesse marcado sua pele, mas lógico que era somente sua imaginação. Não houve mais conversa. Sem Dylan. Sem Schuyler. Realmente estava sozinha. Deixou o quarto e encontrou um arranjo floral que a florista de Mimi havia deixado esta manhã. Um enorme arranjo de lírios brancos. O pegou e encontrou um pequeno pacote dentro das flores, com seu nome nele. Ela o abriu. Dentro havia um magro troço de vidro. Quando o tocou repentinamente se transformou em uma espada.

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— O que...? — disse Bliss, sustentando desajeitadamente o arranjo e a espada. Abaixou as flores e deu uma olhada mais de perto na espada. Era familiar. Era a espada de Michael. A mesma espada que Jordan havia usado para apunhalá-la. O que estava fazendo aqui? Quando a abaixou, se converteu novamente em um magro troço de vidro. Não podia deixá-lo ali. O colocou novamente no arranjo e foi para a cerimônia.

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Capítulo Cinquenta e Oito Schuyler O que estou fazendo aqui? Ela se perguntava Schuyler. Supunhase que deveria estar em casa, folheando alguns livros novos e documentos que Oliver havia descoberto no Depósito. Ele queria que ela revisasse arquivos que havia encontrado, e que o ligasse o mais rápido possível em quanto os lia. Mas de algum modo seus pés a haviam levado para o centro. Ela havia caminhado oitenta blocos até a Catedral Parkway e Amsterdan Avenue. Tenho que vê-lo por mim mesma. Tenho que vê-lo uma última vez antes que se vincule com Mimi. Uma vez que seja dela, irei embora. Quando ela vivia em Riverside Drive, Schuyler só ia assistir as missas de domingo em St. John the Divine. Cordélia preferia sua paróquia na Quinta Avenida, mas Schuyler tinha um suave lugar na renovada igreja gótica que foi construíra em 1892, porém ainda estava incompleta. Pelo o que Schuyler se lembrava, a torre sul havia sido coberta por andaimes, e a fachada ainda faltava a pedra talhada. Cada ano, para celebrar a festividade de São Francisco, a igreja organizava um festival de animais. Schuyler se lembrava de se sentir feliz ao ver todos os animais, incluindo um elefante de circo, uma rena norueguesa, um camelo, uma águia real entre os variados animais. Ela havia levado Beauty várias vezes para o festival. Esperava que seu cão de caça estivesse bem e cômoda na casa com Hattie e Julius. Schuyler caminhava até a igreja, observando enquanto uma procissão de limusines e táxis amarelos deixava uma multidão de convidados elegantemente vestidos, que se saldavam alegremente enquanto chegavam. Havia um animado ar festivo enquanto os Blue Bloods chegavam para celebrar um dos ritos mais sagrados da travessia. O sol estava baixo no horizonte. A cerimônia começaria justamente depois do pôr-do-sol. Schuyler ficou no outro lado da rua. Deveria ir embora. O lugar estaria cheio de Blue Bloods, e ela teria que se esconder. Mas Schuyler não podia fazer isso. Contra seu melhor juízo, se viu caminhando até a igreja. Preciso vê-lo por si mesma. Porque se talvez o fizesse, deixaria de se sentir dessa forma. Se ela visse Jack

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vinculado a Mimi, e o quão felizes eram, talvez então seu coração começasse a sarar. Schuyler escapuliu por uma porta lateral até um banco na parte traseira atrás de uma coluna. A orquestra tocava Strauss, e havia cheiro de incenso no ar. Os convidados sussurravam um no ouvido do outro enquanto esperavam. Jack já estava parado no altar, e estava tão elegante em seu smoking. Ele levantou seu olhar quando ela chegou, e ela pode sentir o seu olhar por todo o caminho ao longo do corredor. Seus olhos brilharam com esperança. Schuyler escorregou em seu assento. Ele não pode... Deveria ir embora... Mas era tarde demais. Jack a havia visto. Schuyler? É você? O que faz aqui? Oh, merda! Ela bloqueou sua mente para ele. Tinha que sair, isso estava mal. No que estava pensando? Mas enquanto tentava escapulir, se deu conta que estaria entrando justamente no séquito nupcial, mas já havia entrado. Encontrou Bliss entre os presentes. Estava presa. Teria que ficar. Ao menos até a noiva fazer sua entrada, então seria capaz de escapulir sem ser notada. Mas alguém mais a viu também. Alguém que havia sido convidado para a boda. Oliver e sua família haviam entrado pelo porta contrário quando ela entrou, mas ele não reconheceu a sua presença. Ele seguiu o caminho ao seu assento.

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Capítulo Cinquenta e Nove Mimi — Você está linda, querida. Se seu pai estivesse aqui para te ver — disse Trinity Force enquanto ajustava o véu de Mimi no alto de sua cabeça; — Ele não é realmente meu pai. Você sabe disso, não é? — perguntou Mimi. — Da mesma forma que você não é minha mãe e Jack não é meu irmão. Sendo assim, por que eu estaria me vinculando a ele? — Família é família— disse Trinity. — Ainda que sejamos algo diferente nós continuamos sendo uma família. Podemos aprender com os humanos também. — O que seja — disse Mimi revirando os olhos. Então... Finalmente havia chegado. O dia do vínculo. Ela usava o vestido dos seus sonhos. Uma criação feita sob medida: um verdadeiro Balthazar Verdugo. Feito de cinquenta metros da seda mais fina de Paris, tecidas com dezenas de pequenos botões de rosas de seda, renda antiga, e plumas de avestruz, o vestido havia demorado duas mil horas para ser feito, sem contar as mil horas que passaram as monjas Belgas no bordado. Ela levava um rosário em seu pulso, o mesmo que levou em seu último vínculo, em Newport. Brincos de diamantes e pérolas de Buccellati eram suas únicas jóias. Mimi olhou seu reflexo no espelho retrovisor, gostando de como brilhavam seus lábios vermelhos e úmidos em baixo do véu. Estava absolutamente perfeita, apenas se ela se sentisse do mesmo jeito. Em vez disso, Mimi se perguntava se estava cometendo o maior erro de sua vida. Os vínculos foram feitos para serem quebrados. Como as regras. O carro estacionou na igreja. Dentro estavam todos do Coven. Os vampiros celebrariam esta noite. Haveria um baile, fogos de artifícios e muitos presentes para o feliz casal. Tudo estava perfeitamente orquestrado. Tudo o que ela deveria fazer era interpretar o personagem.

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Podia fazer isso, se pudesse deixar de escutar a voz de Kingsley em sua cabeça. Ela saiu do carro, e uma repentina rufada de vento levantou o véu de seu rosto. Sua mãe estava na antessala, de onde Mimi esperaria até que fosse sua hora de entrar. Dentro da igreja, as madrinhas estavam caminhando lentamente pelo corredor, com as crianças pequenas das pétalas. Trinity se voltou para dar a Mimi suas últimas palavras de conselho de mãe: — Ande reta. Não curvada. E por todos os céus, sorria! É o seu vínculo! Então ela também caminhou pela porta e pelo corredor. A porta se fechou atrás dela, deixando Mimi sozinha. Finalmente, Mimi escutou a primeira estrofe da orquestra de “A Marcha Nupcial”. Wagner. Logo os arrumadores abriram as portas e Mimi se moveu até a soleira. Houve um murmúrio apreciativo da multidão enquanto olhavam o vestido de Mimi. Porém, em vez de reconhecer o triunfo de ser a noiva mais bela de Nova York, Mimi olhou diretamente para frente, para Jack, que estava em pé tão alto e reto no altar. Ele encontrou seu olhar e não sorriu. Vamos acabar logo com isso. Suas palavras foram como gelo cortando seu coração. Ele não a amava. Jamais a amou. Não da mesma forma que ama Schuyler. Não do mesmo modo que ele amava a Allegra. Ele havia vindo a cada vínculo com está escuridão. Com este pesar e abalado, com dúvida e desesperança. Ela não podia negá-lo. Conhecia seu gêmeo, e sabia o que ele sentia, e não era alegria ou sequer alívio. O que estou fazendo? — Pronta? — rapidamente Forsyth Llewellyn apareceu ao seu lado. Oh, certo, lembrou, havia lhe dito que sim quando Forsyth se ofereceu para levá-la pelo corredor. Aí vai nada. Aturdida, Mimi tomou seu braço, as palavras de Jack ainda faziam eco em sua cabeça. Ela caminhou, como um zumbi, pelo corredor, nem si quer notou click das câmeras ou os murmúrios de aprovação pela multidão difícil de impressionar. Qual na metade do caminho do corredor, viu alguém que não esperava, e quase que tropeçou com seus sapatos altos. Kingsley Martin estava de pé no final de um banco, com os braços cruzados. Também vestia um smoking. Exatamente como qualquer

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outro convidado. O que está fazendo aqui? Pensei que você estivesse em Paris. Pensei que havia ido! Ele olhou diretamente para Mimi. Ela escutou sua voz forte e clara em sua cabeça. Deixe-o. Por que eu faria isso? O que você me promete? Nada. E tudo. Uma vida de perigo e aventura. Uma oportunidade de ser você mesma. Deixe-o. Venha comigo. Ele realmente era insolente. Ela havia tomado sua decisão! Não podia abandonar seu gêmeo no meio do vínculo, na frente de todo o Coven! Ririam disso por séculos, ela sabia. Quem ele achava que era? Por acaso ele estava sorrindo? Claro que estava. Ele sabia que a fazia ficar com vergonha. Bem, ela então o mostraria. Ela jogaria na sua cara, o faria desejar que... Jamais... No que estava pensando? Kingsley estava aqui. Sem se importar com que dissera, suas ações falavam mais forte que sua falta de sinceridade. Supunha-se que ele deveria estar em Paris, mas no lugar disso ele estava aqui, na igreja, no vínculo, porque queria, somente queria, ele sentia algo por ela, algo verdadeiro e maravilhoso e algo que não podia negar, sem importar com quantas brincadeiras haviam feito disso. Quem sabe ele não estava aqui, porque a amava. Vamos terminar logo com isso, enviou Jack. Jack a amaria uma vez que estivessem vinculados. Mas só por dever. Só porque o vínculo o forçaria a fazê-lo. Mimi sustentou o olhar em Kingsley. Não posso...

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Capítulo Sessenta Bliss O que Mimi estava fazendo? Por que ela estava parada no meio do corredor? Quem ela estava olhando? Kingsley Martin? Bliss não tinha visto Kingsley desde o julgamento... Era muito estranho que ele estivesse vindo para o vínculo. Por acaso ele não era um Venator? Martin! Uma imagem apareceu. Um garoto magro, doente e fraco, seguindo os passos de seu primo maior, mais forte e inteligente. Um garoto que admirava e adorava seu herói de infância, seu Gaius, seu protetor e melhor amigo. Gemullus. Bliss o viu: o imperador Calígula tomando o trono, com seu primo menos e mais fraco ao seu lado. Tiberius Gemellus. O verdadeiro herdeiro. Mas não havia inveja no coração de Gemellus. Somente admiração. Ele o amava tanto. Faria qualquer coisa que seu imperador lhe ordenasse fazer. Inclusive aceitar a corrupção. Ela os viu: Calígula tomando o sangue de Gemellus, e Gemellus se transformando de um garoto doente em um forte. Mais forte do que jamais havia sonhado; mais rápido, e mais poderoso, todo seu ser se transformou. E logo o desespero... A agonia da alma desprendia... Os prantos de muitos mortos-vivos, e logo a penitência diante de Michael... E o perdão... E uma missão. E rapidamente tudo estava claro. A voz do Visitante falava tão rápido que Bliss não entendia o que ele estava dizendo. Lógico. Gemellus. Lógico! Michael foi astuto. Confiar nele para confiar em um traidor. Devemos atacar agora. Agora. Agora. Agora. A igreja incompleta. Nas leis sagradas, uma igreja deve estar completa para ser consagrada completamente. Lógico. Que lugar melhor para esconder um portão que em um lugar sagrado que não era totalmente sagrado? Uma igreja que inclusive um Silver Blood pudesse entrar?

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Sem saber o que ela fazia, Bliss gritou em uma voz mais obscura do que os caminhos mais profundos do inferno. Croatan! A mim! Este é nosso destino! O Portão do Tempo está aqui! Levantem-se, demônios da escuridão profunda! Levantem-se e despertem, o seu tempo já chegou! E rapidamente tudo era nevoeiro enquanto os Silver Bloods entravam na igreja, a única igreja que eles poderiam entrar no universo, e enquanto rodeavam Kingsley, o envolvendo em um nevoeiro cinza, grosso e impenetrável. Eles Envolveram a igreja em escuridão, sua risada insana e agonizante. — A garota! Não esqueçam a garota! — disse uma voz áspera. Bliss olhou. Schuyler corria pelo corredor, correndo para ajudar Kingsley enquanto o Coven estava em choque. Era como se Schuyler estivesse se movendo em câmera lenta por entre a multidão atônita. — Não! Schuyler! Volte! — gritou Bliss, correndo para salvar sua amiga do aperto dos demônios. Porém, o Leviatã chegou lá primeiro.

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Capítulo Sessenta e Um Schuyler Ela estava presa no encantamento e caia, caia, caia. O demônio a segurava em suas garras e a levava para o fundo. Até a escuridão mais profunda do mundo das penumbras. Quando Schuyler finalmente pode abrir seus olhos, viu que estava acorrentada a uma espécie de portão, e havia dois homens de pé em cada lado. Em um lado havia um homem charmoso em um traje branco. Ela o reconheceu imediatamente. Lúcifer, o antigo Príncipe do Céu, a Estrela do Amanhã. Ela nunca pensou que um homem pudesse ser tão oposto; sua beleza era tão deslumbrante que quase doía vê-lo. Como uma faca que corta profundamente a pele, sua beleza cobrava um preço para quem o observasse. Ela entendia a diferença entre ele e a imagem falsa do Corcovado. A verdadeira Estrela da Manhã brilhava com uma luz pura e fatal. Ele estava sobre um caminho de lava fundida, as pedras assobiando com o vapor, e Schuyler sabia: este era o Caminho da Morte. Estava de pé ante o Portão do Tempo, e Lúcifer estava atrás dela. Ao lado do portão estava o Leviatã, o assassino de seu avô. Um demônio encoberto com capa que Schuyler só podia captar o vislumbre de sua pele carbonizada e brasas vivas de fogo como olhos. Ela devia ter medo, mas no lugar do medo só sentia uma fúria assassina. Não sabia como, mas ia sair disso e os faria pagar. Soava absurdo e fraco, mas Schuyler sabia que enquanto estivesse viva, enquanto seu corpo respirasse, faria tudo o que pudesse para lutar com a presença branca brilhante que estava diante dela, tão charmoso como o sol em sua superfície, mas tão horrível como uma pilha de vermes ulcerosos dentro de sua alma imortal. Logo Schuyler viu que havia alguém mais que eles haviam levados com eles a este lugar escuro: um terceiro homem que jazia tombado aos pés de Leviatã. Kingsley Martin se queixava.

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— Gemellus. Claro. Devia ter adivinhado— disse Lúcifer. Sua voz ressoava com delicadeza, hipnótica e autoritária. Soava como uma estrela de cinema. Kingsley abriu seus olhos e tossiu. — Mas não adivinhou. Não por um bom tempo. Bom te ver de novo, primo. Você se importaria de pedir a seu irmão tarado que me deixe? Incomoda estar aqui embaixo— em resposta Leviatã o chutou com crueldade nas costelas. Kingsley ofegou e sufocou, e Schuyler estremeceu. — Diga-me, Gemellus. O Incorrupto ainda está amarrado? Ainda respondendo ante os pedidos de Michael, certo? Mesmo quando fui eu quem fez o que você é hoje. Quem te mostrou o que mais podemos ser quando tomamos o sangue fresco de nossos pares — Lúcifer se apoiou no portão, vendo através das barras. Um animal em uma jaula. — Não tenho ideia... Não sabia o que oferecia — sussurrou Kingsley, — Eu era somente uma criança. Os outros que tomei, ainda estão comigo. Escuto-os. Vivo com seu sofrimento. É... Insuportável. — Era o mais fraco de nós! Uma desgraça para os vampiros. Não era nadasibilou Lúcifer. — E agora sou pior que nada— respondeu Kingsley. — Uma pena que você pense assim. Você jamais entendeu a escala das minhas ambições— Lúcifer suspirou. — Ainda admito que mover o portão de Lutetia foi um movimento sábio. Deixando somente a interseção como uma piada. — Genial, certo? Essa foi ideia minha — sorriu Kingsley, orgulhosamente. — Isso foi o que pensei— Lúcifer assentiu, como se ele estivesse satisfeito. — Michael precisava de um mentiroso da sua espécie para que saísse com a jogada perfeita. Um demônio para pensar como um demônio. Kingsley riu ente dentes. — Você sempre teve facilidade com as palavras. Lúcifer reconheceu o elogio com uma reverencia. — Como está bem enterrado, eu tinha estado esperando bastante tempo por isso. E afinal aqui está a portão. O abriremos? Schuyler se deu conta do que estava acontecendo. Como Allegra havia dito, o portão estava impregnado com o poder celestial. O poder dos Angeles. Esculpido pelo Incorrupto. Mantinha Lúcifer e sua malícia

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longe da terra. Com ele, a Estrela da Manhã estava encarcerada em baixo da terra. Mas uma vez que fosse aberta... Kingsley sorriu. — Sabe que cada portão exige uma vida inocente. E estou muito longe de ser inocente. — Ah! Claro. E trouxemos uma — disse Lúcifer, e Schuyler viu Kingsley levantar o olhar e a notar acorrentada ao portão. Seu rosto declinou, e toda a luta se apagou nele. Logo Schuyler compreendeu porque estava aqui. Ela era o sacrifício.

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Capítulo Sessenta e Dois Mimi Mimi permanecia imóvel no meio do corredor, enquanto todos ao seu redor eram pânico e caos. Podia ouvir alguém gritando em uma parte distante. Que aconteceu? Onde estava Kingsley? Logo Jack estava ao seu lado, uma mão em seu cotovelo. — Croatan! Ao encantamento! Agora! Siga-me! Graças a Deus não levava seu estúpido vestido ao encantamento. Facilitaria mais se precisasse correr. Seu irmão gêmeo correu em grande velocidade até a escuridão como um míssil, e Mimi corria para segui-lo. — Onde estão? — perguntou Mimi. — Levaram Schuyler para a fronteira, para o portão — disse ele enquanto corriam rapidamente pela profunda escuridão, até o lugar onde não existia o tempo nem a lembrança e só havia o caminho de fogo. Schuyler havia estado em seu vínculo! O que fazia ela aqui! Tudo isso provavelmente era sua culpa! Espera! — Sabia sobre os portões? — perguntou. — Sobre a ordem? — Sim — disse Jack. — Charles me contou. Ele suspeitava que depois que o Leviatã foi liberado, os Silver Bloods iriam atrás de Lutetia. — E em vez disso, ele nos levou a intersecção — disse Mimi encaixando tudo o que havia dito para Kingsley com o que Jack estava contando agora. — Certo. — Mas isso não funcionou muito bem, não é? — perguntou Mimi. Ninguém obteve o que queria em Paris. — Não para eles e não para nós — respondeu Jack, tornando-se sombrio. Os Silver Bloods haviam sido incapazes de abrir o portão e Charles havia sido incapaz de atrapalhá-los e agora ele estava praticamente atrapalhado na intersecção.

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Eles chegaram até o portão. Era da forma que Kingsley havia descrito: seis pés de altura, soldada profundamente à crosta terrestre. Mimi supôs que isto era só a manifestação física do encantamento, algo que só eles podiam ver. A verdadeira barreira era o espírito e proteção de Michael que evitava que os Silver Bloods a cruzassem. Mas onde estava Kingsley? Mimi não podia vê-lo, só Lúcifer estava atrás das barras de ferro. Essa estúpida garota Van Alen estava acorrentada ao seu lado. Quando ele os viu chegar, seu antigo comandante sorriu. — Azrael, Abbadon. Que bom de sua parte unir-se a nós. Mimi teve que lutar contra a necessidade de ajoelhar-se. Este era a Luz da Manhã diante dela. Seu verdadeiro príncipe. Quão magnífico se via, quão encantador. Mimi recordava como havia obedecido cada ordem, como os três haviam conquistado o Céu e a Terra pelo Todo Poderoso. Quão gloriosos haviam sido seus triunfos! Quão bonito havia sido, resplandecentes e voando ao Sol. Como puderam falhar por deleitar-se em sua própria bela glória? Como puderam falhar por pensar que a Glória era própria? Mas não, era sua culpa que eles estiveram obstruídos aqui; sua culpa de que foram mantidos a viver suas vidas na Terra. O Paraíso só era uma lembrança fraca, quase um mito, inclusive para eles, isolados do quente amor do Todo Poderoso para sempre. Se só... Tivessem tentado... Tivessem mudado de lado no último momento, escolhido a esse bobo Michael a seu general. Mas foi muito tarde... Havia sido muito tarde, ainda sim, de volta para o precoce começo do mundo, quando ela ainda era jovem... — Liberte-a! — gritou Jack. — Agora, serpente! Mimi olhou para seu irmão, seu gêmeo. Jamais o havia visto tão irado, tão empenhado em destruição. Eles uma vez haviam lutado lado a lado no exército de Lúcifer e haviam lutado contra ele desde então. Jack saltou sobre o portão, sua espada em chamas. Para vencer seu inimigo e resgatar seu amor. Sem duvidar, Mimi o seguiu na batalha.

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Capítulo Sessenta e Três Schuyler Quando Schuyler viu os gêmeos Force, não os reconheceu a princípio. Eles brilhavam tão forte como Lúcifer, e se viam como ele. Por um momento era como se três anjos celestiais estivessem em frente dela, lindos, irreconhecíveis, e remotamente como deuses. Schuyler não estava certa se eles estavam a ponto de lutar com Lúcifer ou inclinar-se diante dele. Mimi certamente se via embelezada. Então Jack se colou no portão do outro lado, e ela soube que haveria uma luta até a morte. Em um piscar de olhos Lúcifer tomou a forma de um dragão, cuspindo fogo carmesim. E Jack também havia se transformado, tomando a forma de Abbadon, elevando seu rudimentar martelo. O dragão e a obscura besta avançavam pesadamente até o outro, concentrados em uma furiosa batalha de garra contra garra, fogo contra fogo, e rodaram e lutaram e cuspiam veneno e ódio. O dragão foi lançado contra o portão, mas em um momento ele tinha a besta entre suas garras. Mas a besta lutou e saiu das garras do dragão, e acertou um golpe com sua arma contra a pele do dragão. Logo eram novamente humanos: o príncipe branco contra o cavaleiro escuro, suas espadas mostrando escuridão em forma de ondas, e Jack se igualava a Lúcifer golpe a golpe, até que com uma repentina e frenética pressa, encurralou Lúcifer contra o portão. — Deixe-a ir — ordenou Jack, sua voz era um grunhido assassino. — Por quê? Sua companheira de jogos? Se parece bastante com as sua mãe, certo? Sempre teve esse estúpido capricho por Allegra— Lúcifer sorriu. — Abbadon, aprenderá alguma vez? As Filhas de Branco não são para a tua espécie. — Faça! — Não — enquanto ele falava, Lúcifer desapareceu em uma fina neve cinza.

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Antes que Jack pudesse se mover, o Leviatã reapareceu, o encapuzado demônio silencioso com sua lança negra brilhante. A mesma lança que havia assassinado Lawrence no Corcovado. A mesma lança que afundou, rapidamente e silenciosamente nas costas de Jack. Schuyler gritou enquanto observava Jack cair, afogando-se no chão. Então Lúcifer parou em frente dela uma vez mais, e desta vez seus dentes brilharam na escuridão como facas. Ele veio por ela. Ele a tomaria em sua consciência, para viver em um milhão de vidas, enlaçada na escuridão que era a sua alma corroída. Então repentinamente, algo passou entre eles, algo que gritou como uma banshee52, que veio com um imponente farfalhar de asas, e o demônio a libertou de suas garras. Schuyler estava livre.

Banshee: segundo a lenda irlandesa, é uma fada que sempre que grita ou chora. Significa que alguém vai morrer. 52

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Capítulo Sessenta e Quatro Mimi Na escuridão do encantamento, Mimi desatou todos os poderes de sua transformação. Podia sentir sair suas asas, podia sentir seus chifres crescendo, enrolando-se em seu rosto. Esta era sua verdadeira forma como a escura e terrível Azrael, a precursora de Hades, dor e ruína. Tudo isso abarcava sua alma e seu ser. Com toda a sua força, se lançou contra a Estrela da Manhã, o apontando contra a rocha negra, mas suas garras não encontraram com nada, e logo estava sustentando uma ilha de poeira. Lúcifer não seria pego tão facilmente. Mas Schuyler estava livre. Eu te devia uma, Schuyler Van Alen. Agora estamos quites, pensou Mimi. — Nada mal, Force. Ela se voltou. Detrás do portão, Kingsley e o Leviatã estavam presos em um ponto morto. O demônio tinha uma lança no pescoço de Kingsley, e Kingsley tinha sua espada prontamente no coração do demônio. Nenhum dos dois cederia uma polegada, Mimi via isso. Mas quem sabe se... — Fique onde você está, Force — disse Kingsley lentamente. Seu rosto impetuoso se voltou para ela detrás das barras de ferro. — Não chegue mais perto. — Por quê? O que você vai fazer? — Mimi gritou, ainda que já soubesse. Podia ver a sua aura branca que começava a rodeá-lo. Estava invocando um subvertio53, criando um agulheiro da morte. — Vou destruir o caminho — disse Kingsley. — É a única maneira. — Não faça isso — Mimi sacudiu a cabeça, seus olhos brilhantes. Kingsley a olhou com a máxima ternura. — Não chore por mim, Azrael. Não desperdice suas lágrimas. Você tomou sua decisão. E esta é a minha. O sacrifício parece ser meu destino. Uma coisa curiosa para 53

subvertio: do latim, significa destruição.

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um homem egoísta, certo? Eles sempre me chamavam de fraco nisso então... Mas quem sabe a fraqueza seja um tipo de força. Mimi pressionou seu rosto contra as barras, tão perto como se pudesse chegar nele. Não podia aguentar que ele se fosse sem saber o que ela estava a ponto de fazer, ela estava planejando deixar Jack para ficar com ele. Ela tinha queria abandonar seu vínculo e lançar seu destino ao vendo. Não pode, ia dizer. Não pode fazer isso. Vou contigo. — Kingsley, eu... Kingsley sorriu com um sorriso de Cheshire54. E sem outra palavra, invocou a escuridão branca, o subvertio, um feitiço que desbloqueava o que podia ser desbloqueado, que destruía o que não podia ser destruído. Houve um profundo estrondo, um tremor, como um forte terremoto, e o portão de ferro desmoronava, e o caminho começava a derreter-se. O demônio se estremecia, mas Kingsley somente olhava Mimi todo o tempo. Azrael... Em um piscar de olhos, eles desapareceram. O caminho, o portão, o demônio, e o Silver Bloods. Kingsley havia ido. Preso no inferno para a eternidade. Mimi caiu no chão, como se seu coração encontrasse em colapso em seu peito.

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Cheshire: É o nome do gato que a Alice encontra no País das Maravilhas.

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Capitulo Sessenta e Cinco Schuyler Ela o havia alcançado. Havia trazido de Jack de volta do encantamento. Estavam de volta na igreja, estendidos a uns pés de distância do outro. Ela tossiu, cuspindo um pó negro e tóxico. Estava coberta de fuligem, como um limpa-chaminé. Perguntava-se se isto era consequência do que havia ocorrido no encantamento ou se era parte da névoa dos Silver Bloods que havia coberto a igreja durante o ataque. — Jack... Jack... — sussurrava, se arrastando para seu lado. Ele sangrava desde o buraco em suas costas... A lança do demônio estava corrompida. Levava fogo negro nela. Jack estava morrendo. Este era o pesadelo que a havia a perseguido por meses... O mesmo desespero que agora a consumia. Estava perdendo ele. O virou, assim poderia embalá-lo em seus braços. Suas lagrimas caíram sobre suas bochechas. Ele não podia escutá-la. — Necessita da Cerimônia. Red Blood, — disse uma voz desde o outro lado da igreja. — É veneno para o Croatan e desviará o fogo. Necessitamos encontrar um humano. Mimi Force ainda usava seu vestido do vínculo, mas igual a Schuyler, estava coberta de fuligem negra, seu rosto estava machucado, e seus olhos estavam vermelhos. Ela caminhou lentamente ate Schuyler. — Sei que funcionará. Kingsley me disse — disse Mimi, abandonando a igreja para encontrar um humano que pudesse salvar seu irmão. Mas não havia tempo. Não havia tempo de seque fazer a invocação. Então Schuyler se deu conta... — Sou humana, — disse ela. — Sou mestiça— metade dela era vampiro, mas a outra metade era mortal e débil, mas cheia de vida, a vida que os vampiros necessitavam tanto para sua espécie. Esta era sua metade, este lado dela que salvaria ao seu amado. — Jack, me escuta, — sussurrou, se inclinando. — Escuta, precisa beber... Precisa beber de mim.

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Jack abriu seus olhos lentamente e a olhou fixamente. — Você está segura?— sussurrou ele. — Sim, você tem que fazê-lo. É a única forma. — Schuyler sabia que Mimi não estava mentindo. E tinha sentido, de alguma forma, que algo tão débil também pudesse trazer tanta vida, porque isso era exatamente o que fazia o sangue. Dava vida. Jack ofegou. — Mas pode te ferir... O rasgo é muito grande. A Corrupção... Posso estar tentado a... Tomar o sangue de outro vampiro era contra o Código. Era o que faziam os Silver Bloods a suas vítimas. Se Jack perdia o controle, ambos estariam amaldiçoados. — Confio em você — disse Schuyler, se inclinando para ele, enquanto ele se levantava e colocou um braço ao redor de seu pescoço. — Não quero te ferir— ele sussurrou, suas presas afiadas e brancas, as bordas tão finas e perigosas como uma lâmina. — Por favor, Jack, — disse Schuyler. Ela fechou seus olhos. — Faça isso agora! Em resposta, Jack enterrou suas presas na base do pescoço e Schuyler mordeu seus lábios ante a repentina intromissão. Ela não esperava que doesse muito, isto era o que experimentavam os humanos? A sensação de enjôo alternante, de doce alívio e deliciosa dor, enquanto um vampiro sugava a força da vida deles? Ela jamais havia sentido tão próxima a Jack em toda sua vida. Era como se ele estivesse tocando cada parte do seu ser, como se suas almas estivessem se fundindo na troca de sangue, como se ele estivesse abrindo cada segredo que ela tinha, como se ele conhecesse cada último resto dela... Provara e revelara nele... Ela desmaiou... Escuro e encantador e precioso... Tão doce... Tão doce... Tão doce...

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Capitulo Sessenta e Seis Bliss O visitante havia regressado. Soava frenético, histérico, gritando ordens que ela não entendia. Bliss estava aturdida. O demônio a havia nocauteado quando ela tentava ajudar Schuyler, e agora sua cabeça estava palpitando. ACORDA FILHA! VEJA! ESTA É A SUA OPORTUNIDADE! O que... O que queria? O que estava acontecendo? Ela olhou ao redor. No meio do corredor, Schuyler sustentava Jack em seus braços, com piedade. Andava aos tropeções, ainda sustentando seu arranjo floral. O que fazia Schuyler com Jack Force? Era para Jack estar vinculado. Mas não, Schuyler jamais havia seguido regra alguma. Os Códigos dos Vampiros jamais se aplicava a ela. Como a havia chamado o Visitante? Egoísta. Medíocre. Uma falsa amiga. Bliss se sentia tão perdida e sozinha. Talvez o Visitante tenha razão. Talvez ele fosse a única pessoa em que realmente podia confiar. Sua mãe nem sequer se havia se preocupado em esperá-la para vê-la, para falar com a filha que a necessitava tanto. E quanto a Dylan, bom, talvez ele também fosse falso, havia desaparecido realmente? Havia estado realmente preso? Ele havia sido capaz de sair antes, o que o deteria agora? Não haveria nada que a detivesse. Talvez o Visitante tenha razão. Não podia pensar mais, não podia ver com claridade. Tudo o que sabia era que estava tão cansada de escutar a voz em sua cabeça. Estava tão cansada de lutar. Faça! FAÇA! MATE-A!

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Tรฃo cansada de resistir e ser boa... E talvez se fizesse o que ele queria, ele deixaria de torturรก-la. Quem sabe se ela fazia o que ele queria, finalmente haveria paz... Bliss caminhou ate onde estava Schuyler e tirou um pedaรงo de vidro de seu arranjo floral.

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Capitulo Sessenta e Sete Schuyler — Você vai ficar bem — murmurou Schuyler. Jack jazia dormindo em seus braços. Ela sabia que ele viveria. Podia senti-lo. Seu sangue o salvaria. Era a única coisa que o salvaria. Traria a vida de volta ao seu corpo e lutaria com o fogo negro da lança de Leviatã. Ela olhou ao redor da igreja vazia. Mimi ainda não voltara. Sua antiga nêmese se via destruída e perdida. Algo havia acontecido durante o encantamento. Schuyler abraçou Jack fortemente, mas escutou uns passos. Alguém estava se dirigindo em sua direção. Alguém estava de pé, ameaçadoramente, em frente a ela. — Bliss, o que esta fazendo? — gritou Schuyler. Sua amiga se via como uma bruxa, com seu cabelo ruivo e selvagem e seu vestido negro feito em tiras, sustentando algo brilhante e ameaçador em sua mão. — Sinto muito Schuyler. Eu sinto tanto — soluçou Bliss. Schuyler moveu Jack para que pudesse estar a salvo. Ela se pôs de pé e o cobriu protetoramente. — Bliss, abaixa essa espada. — Não posso... Tenho que fazê-lo— choramingou Bliss. — Eu lamento, mas tenho que fazer isso. — A que você se refere? O que está acontecendo? O que aconteceu com você? — Meu pai... Está em minha cabeça. Ele me diz coisas. Diz que tenho que fazer isso ou não voltarei a ver Dylan outra vez. — Teu pai? — perguntou Schuyler. Mas ela já sabia a resposta a sua pergunta. O que lhe havia dito Cordelia? Tememos que uma de nossas famílias mais antigas esta abrigando o Príncipe Escuro. Não sabemos como e não sabemos quem, mas suspeito que a traição esta no nível mais alto do Conclave. Bliss Llewellyn era o Silver Blood depois de tudo. Bliss levava Lúcifer nela. Logo Schuyler recordou algo que

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Lawrence também lhe havia dito: sua irmã será nossa morte. Bliss era sua irmã oculta. Bliss havia nascido para matá-la. — Não, Bliss, não tem que fazer isso... Eu posso te ajudar. Podemos fazer algo sobre isso. Não tem que fazer o que ele te disse. Bliss não respondeu. Em lugar disso arremeteu contra Schuyler, que se esquiou a tempo. Mas Bliss agarrou a base da saia de Schuyler e a arrastou para baixo. Schuyler podia sentir a lâmina começando a seguir caminho para seu peito. Isto era tudo... Jack havia arriscado sua vida por ela e ela por ele... Mas foi tudo por nada. Como não pode saber isso? — Bliss! Por favor! — soluçou Schuyler. — Não faça isso! Bliss sustentou a lâmina sobre o coração de Schuyler, a uma polegada de seu peito, mas no último momento, duvidou. — Lamento. Eu lamento tanto! — Bliss gritou enquanto liberava sua amiga, as lágrimas correndo por seu rosto. — Bliss! Pare! O que você esta fazendo?— Schuyler gritou. — Não! Em um poderoso empurrão, Bliss enterrou a lâmina do arcanjo em seu próprio coração, rompendo o vidro em um milhão de pedaços, e acabando com sua vida.

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Capítulo Sessenta e Oito Mimi O Coven estava enaltecido e pronto para lutar. Forsyth Llewellyn havia desaparecido. Sequestrado pelo Croatan? Ou ele era um Croatan? Quem sabia em quem se podia confiar? Mimi se perguntava por que ele havia estado tão entusiasmado pelo seu vínculo. Havia sido realmente pelo Coven ou foi algo mais? Ele sabia o que se escondia debaixo da igreja? Enquanto isso, o Conclave estava arrastando seus pés. Este era o fim de tudo, os Silver Bloods na igreja! No vínculo! Foi uma loucura imperdoável. Teriam que fazer reuniões para discutir o que haveria que fazer. Mais e mais reuniões, e investigações, e sem decisões tomadas. Estavam temerosos e sem um líder. Mimi compreendia que o Coven a necessitava com Jack agora mais que nunca. Inclusive mais que ontem. A igreja havia sobrevivido intacta ao ataque, exceto por uma fina poeira negra que cobria cada superfície. Enquanto Mimi caminhava por suas portas no dia seguinte ao entardecer, estava contente, em certo modo, de que esta vez ela e Jack estariam sós para a cerimônia. Porque seu vínculo não só era sobre os dois, a não ser para a sobrevivência de sua gente. Era seu dever. Ela levava uma camiseta e jeans. Desta vez não haveria fotógrafos, sem convidados honoráveis. Seria justo como foi nos dias de Roma. Não haveria testemunhas no seu vínculo, então não necessitavam ninguém. Tudo o que necessitavam eram dizer as palavras ao outro. Este era seu destino e este era seu caminho. Ela caminhou para frente do altar e ascendeu uma vela. Jack não demoraria. Eles haviam compartilhado um táxi até a igreja, mas ele lhe havia pedido que o esperasse dentro enquanto fazia uma chamada. Mas enquanto os minutos passavam e Jack não caminhava pela porta da igreja, Mimi compreendeu. Ele jamais cruzaria essa porta. Ele havia mentido novamente, por que não era digno dela. Jamais seria digno. Não como... Mas não poderia dizer seu nome em voz alta. Kingsley. Tudo o que lampejava na mente de Mimi: os dois caçando Silver Blood

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juntos... Uma vida de perigo e aventura... Uma oportunidade para ela de ser ela mesma novamente... Seu telefone vibrou. Era uma mensagem de texto de seu irmão. Dizia duas palavras: Sinto muito. Mimi apagou a mensagem. Não havia necessidade disso agora. Então. Tinha razão. Jack havia renunciado a ela para estar com a mestiça. Ele não honraria seu vínculo celestial. Não faria seu dever. Ela havia sacrificado seu amor, mas ele não sacrificaria o seu. Ele havia jogado sua sorte aos ventos, tentando seu destino, morte, se rebelando contra as leis do Céu e às leis de seu vínculo sanguíneos. Ela nunca o perdoaria por isso. Ela poderia ter ido para Paris quando Kingsley lhe pediu. Poderia haver escolhido também a felicidade. Mas não o fez. Ela havia tomado sua decisão muito tarde. E agora estava sozinha. O Código dos Vampiros decretava que todos que violasse a Lei Sagrada eram condenados à morte, a queima de sangue. Charles se havia recusado a submeter a sentença à Allegra. Mas Mimi era um tema diferente. Mimi saiu da igreja, sabendo que se alguma vez voltava a ver Jack, teria que matá-lo.

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Capitulo Sessenta e Nove Bliss Quando Bliss despertou o dia seguinte do vínculo, Bliss estava estendida em uma cômoda cama embaixo um quilt55 de mosaico. Ao outro lado dela estava sentada uma mulher comum com bochechas coradas e uma expressão brincalhona, levando um suéter de caxemira e uma saia de losangos. — Senhorita Murray? — perguntou Bliss. O que fazia sua professora de história sentada na frente dela? — Você teve um momento difícil, querida. Descanse, não se esforce. O quarto era pequeno e acolhedor e Bliss se deu conta que este era todo o apartamento. Jamais havia estado em um espaço tão pequeno. Era praticamente do tamanho de um armário. Só cabia no quarto uma cama, uma estufa e nada mais. Se Bliss queria se esforçar, poderia cozinhar enquanto se encostava à cama ao mesmo tempo. Mas ainda que pequeno, era cálido e cômodo. — O que sou...? O que aconteceu? Onde está...? — Shhhh — disse a Senhorita Murray, pondo os dedos em seus lábios. — Deve descansar. Ela estará aqui daqui a pouco. Quer falar contigo. — Quem...? Uma mulher apareceu do nada. Era loira e de olhos verdes, vestida com roupa branca solta que brilhava suavemente com uma luz branca pura. Logo Bliss a viu, soube. — Allegra — disse. — É você, certo? Onde estou? Estou morta? Allegra Van Alen sorriu serenamente. Via-se muito mais velha do que Bliss recordava no hospital. A mulher na cama parecia congelada no tempo, mas esta Allegra, de pé em frente a ela, tinha linhas no seu 55

quilt: uma espécie de colchão ou almofadão preenchido com algo macio e quente.

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rosto e suas mãos estavam enrugadas. Havia grisalho em seu cabelo loiro. Mas continuava sendo bonita. Vê-la fazia que Bliss quisesse chorar. — Vem— disse Allegra estendendo seus braços. — Vem aqui, minha filha. — Então é verdade — sussurrou Bliss. — Sou sua filha. — Lamento não haver estado aqui para você, mas sua existência foi ocultada de mim por muito tempo — disse ela e a tristeza em sua voz era inconfundível. — Então como? Por quê? — Você veio me visitar faz muito tempo. — Sim— Bliss assentiu. Ela recordada essa visita furtiva ao hospital, enquanto Allegra permanecia imóvel em sua cama. — Quando você veio me ver, senti uma presença que não havia sentido faz muito tempo. Estava bastante temerosa e bastante enojada. Gritei. Acredito que todo o hospital me escutou. Mas agora compreendo que Charles e Lawrence fizeram o que sentiram que deviam fazer. O fizeram por amor e às vezes o amor nos faz fazer coisas irracionais... Inclusive o imperdoável. Mas não sei se os perdoarei alguma vez pelo que tentaram fazer — disse Allegra tranquilamente. Bliss apertou seus punhos em seu quilt. Ela tinha uma mãe, mas ela também havia sido roubada de uma. — Então Lúcifer não mentiu — disse friamente. Sentiu-se em conflito e angustiada. — Não, não o fez. Você é nossa filha. — Mas como? Como? Você estava vinculada com Michael. Allegra assentiu. — Sim. É uma história comprida e dolorosa. Mas sei que te fizemos juntos. Apaixonados. — Onde você está? Está aqui? Está realmente aqui? — Estou dentro de você. Não encontrava o vínculo até agora. Como disse a sua irmã, sempre estarei contigo. — Certo. — Bliss controlou as lágrimas. — Nota algo diferente em você? — perguntou Allegra. — Como o que? — ela não tinha ideia do Allegra estava falando, até que se deteve a pensar. Havia silêncio. Estava sozinha em seu corpo. As vozes haviam ido. O mais importante, o Visitante havia ido.

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— A espada de Michael matou seu vínculo de sangue com Lúcifer. Teu pai estava te utilizando como uma forma de alcançar a fronteira que o mantêm no submundo. — Então não estou morta. Mas meu pai está morto dentro de mim— Bliss estava constrangida com alívio. Tinha de volta sua vida. Havia conseguido, o havia matado com êxito, justo como ela e Dylan sabiam que seria sua tarefa. Havia conseguido... E logo, como se o houvesse conjurado no ar, Dylan apareceu ao lado de Allegra. — Estou orgulhoso de você, Bliss — disse ele. — A espada de Michael liberou as almas que estavam presas em seu sangue. As libertou. Libertou-me. — Mas agora jamais voltarei a te ver, certo? — perguntou. Dylan sorriu. — É pouco provável. Mas nunca diga nunca. — Desejaria que não fosse embora. Sentirei muito a sua falta — disse Bliss. — Eu também sentirei sua falta. Dylan levantou sua mão e também o fez Bliss. Mas em vez detocar o ar, sentiu sua cálida mão agarrando a sua fria. Ela olhou para Allegra. De alguma forma, ela supôs que sua mãe estava fazendo que isso acontecesse. Dylan se inclinou e ela pode sentir seus lábios suaves e tentadores, beijando gentilmente os seus. Logo Dylan desapareceu. Mas Bliss não sentia angústia. Sentia paz. Dylan já não estava destroçado e incompleto. Ele estava completo. — Está curada. — Allegra assentiu. — Você já não é uma Silver Blood — Deteve-se. — Mas tampouco é mais um vampiro. Bliss olhou fixamente. Não era mais um vampiro, mas o que isso significava? Significava que era humana? Agora me escuta atentamente. Bliss escutou a voz de Allegra em sua cabeça, no encantamento, como se tivesse falando diretamente na mente de Bliss. Faz um tempo quando o mundo era jovem e os caminhos entre o Céu e o Inferno estavam abertos, Lúcifer tirou as bestas da terra, os rastreadores do Inferno. Mas sua aliança com os Silver Bloods foi a curto prazo. Os lobos são demônios guerreiros. Estiveram com os Blue Bloods durante a crise. Mas no correr dos séculos nos separamos. Você

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deve encontrá-los. Encontre os lobos. Domestique-os. Traga-os de volta ao redil56. Mas por onde começo? Não te deixei sozinha. Você terá ajuda em sua tarefa. Alguém que te ama e se encarregara de ti já que eu não posso. Bliss compreendeu. A Senhorita Murray estava ao lado de Allegra, e não se via como uma professora de história de bochechas rosadas. Em lugar disso, seus olhos eram cinza e sérios... E Bliss ofegou. Jordan? Conheceu-me por esse nome uma vez. Assentiu sua professora. Mas meu verdadeiro nome é... Sophia. Correto. Boa garota. A Senhorita Murray sorriu. É assim como devo te chamar? Acredito que por agora Senhorita Murray está bom. Ainda que, se você gostar, pode me chamar de tia Jane. A espada de Michael. Foi você que a pôs em meu arranjo. Certo? Perguntou Bliss. Sua professora não negou. Sabia que a usaria de modo correto. Tinha fé em você. Mas já não sou vampiro... Como posso fazer algo? O pensar em ser humana a assustava. Para viver sem as habilidades incríveis outorgadas pelo sangue não morto... Para ser tão frágil e débil... E absolutamente indefesa. Faça o seu melhor. Esta é uma tarefa para você. Disse-lhe sua mãe. — Aonde você vai? — perguntou Bliss, usando agora sua voz. — Para alguma parte onde ninguém pode me seguir. Mas não se desespere. Nós nos encontraremos de novo, Bliss Llewellyn. — Allegra, antes que vá... Pode me dizer... Qual é o meu nome? Quero dizer, Mimi é Azrael e Jack é Abbadon. Mas não sei meu verdadeiro nome. Nunca soube. Sequer tenho algum? — perguntou Bliss.

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redil: Lugar para recolher animais.

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— Os nomes são outorgados no Céu. Teu pai te nomeou Azazel, a Escura. Mas devia te chamar Lupus Thehiel, Anjo do Amor, e minha Cruz de Lobos.

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Capítulo Setenta Schuyler Durante o caminho ao JFK, Schuyler se manteve em silêncio. Ela ainda estava exausta pelos eventos do dia anterior, mas não houve tempo para descansar. Os documentos que Oliver havia encontrado, pelos que ele havia estado tão entusiasmado, estavam em um pequeno pacote de cadernos que havia descoberto em arquivos guardados por Christopher Anderson, o Condutor de Lawrence. Cinquenta e cinco cadernos detalhando tudo o que seu avô havia encontrado concernente ao legado Van Alen. E cada pista possível. Os porteiros do terceiro portão, O Portão da Promessa, estavam provavelmente na cidade de Florença, que era onde se dirigiam agora. A noite, quando finalmente ela chegou em casa, Oliver estava esperando por ela em seu apartamento. Quando entrou, lhe tomou um tempo aceitar o fato de que estava realmente viva e de pé em frente a ele. Ele havia estado convencido de que a havia perdido para sempre. Eles se abraçaram fortemente, mas Schuyler ainda estava muito consternada e confusa por tudo o que havia acontecido com Jack, para dar muita atenção para Oliver. Ela escutava enquanto ele a colocava a par do que lhe havia ocorrido aos demais durante o ataque e as repercussões, a maioria dos Blue Bloods se haviam ido se esconder na Torre Force, enquanto eram instruídos pelo Conclave. Todos saíram ilesos. Mas por quanto tempo? O táxi estacionou no terminal, e Oliver descarregou as malas. Ele também havia estado muito calado durante a viagem. E agora olhou para Schuyler tão intensamente, como se estivesse tentando recordar seu rosto. — O que?— perguntou Schuyler. — Tenho algo em meus dentes ou algo do tipo? Por que me olha dessa forma? — Não vou para Florença — disse Oliver enquanto o táxi se afastava.

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— O que você quer dizer que não vai para Florença... — disse Schuyler, justo enquanto Jack Force entrava no terminal. Ontem, Mimi finalmente havia voltado para a igreja, e havia pegado seu irmão. Jack estava muito fraco para falar quando Schuyler os viu em um táxi. Pela forma possessiva em que Mimi sustentava Jack, Schuyler supôs que de todos os modos não teriam uma oportunidade de dizer as coisas que queriam dizer ao outro. Não havia vestígios da perdida garota destrocada que Mimi havia sido quando ela havia voltado. E Schuyler compreendeu que a luta pelo coração de Jack estava longe do fim. Talvez ela e Jack só não eram um do o outro, e os dois teriam que aceitar isso. Era o suficiente saber que haviam arriscado tudo pelo outro. Talvez a lembrança de seu amor fosse tudo o que tinham permitido. Não sabia. Só sabia que tinha muito que fazer. E sim tinha que deixar Jack como parte dele, então já não havia nada que ela pudesse fazer. Tinha que cumprir com seu legado. Mas quando o viu, e se olharam mutuamente, supôs que jamais seria capaz de deixá-lo. Ele havia se recuperado bem, se via cansado, mas ela também. Haviam passado por muitas coisas nas últimas vinte e quatro horas. Está aqui, ela enviou. Meu amor. Não estaria em outro lugar. — Vim tão logo recebi sua mensagem— disse Jack para Oliver. Oliver lhe entregou sua bolsa. — Seu vôo já está pronto. Sugiro a vocês que entrem, a segurança é uma dor de cabeça nestes dias. Especialmente a internacional. — Você o chamou? Oliver o que acontece? — perguntou Schuyler. — Pedi par Jack que nos encontrasse aqui. Disse-lhe que ia para Florença. Pedi a ele que fosse com você. — Oliver! — Sky... Se detenha — disse Oliver. — E não me interrompa, porque tenho que dizer isso. Sei que jamais me deixaria. Eu sei. E sei que jamais serias capaz de tomar uma decisão, então decidi por você. Precisa ir com ele. Schuyler encontrou seus olhos cheios de lagrimas. — Ollie... — Não podes escolher entre nós. Assim que eu escolho por você. Jack pode te proteger do modo que eu não posso. Ontem, quando Leviatã levou você, em minha vida havia sentido tão inútil... E soube...

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Soube que eu não poderia estar ali por você, não no modo que ele poderia — Oliver tragou saliva. — Preferiria te ver a salvo, completa e viva... Do que comigo. — Oliver... — Agora vai. Antes que mude de ideia. Mas sabe que tenho razão. Sempre tenho razão, Schuyler — Ele nunca lhe chamava de Schuyler, só quando estava sério. Ou irritado. Ou talvez um pouco dos dois. Isso não poderia ser fácil para ele. Não era fácil para ela escutá-lo. — Mas o que será de você? — perguntou. — Te marquei... — o Beijo Sagrado significava que ele suspiraria por ela para sempre. Não poderia deixá-lo viver o resto da sua vida dessa forma. — Estarei bem. Você verá. Não acredito em fatalismo. E me ligará, certo? Uma vez a cada certo tempo? Ainda posso ajudar... Daqui. Acredito que eu posso, de todos os modos. Mas sei que isso é o que tinha que acontecer. Posso sentir... O certo... E como eu disse, jamais me engano — Oliver lhe entregou as passagens nas mãos de Jack. Schuyler se aproximou de Oliver e o abraçou fortemente. — Obrigada— ela sussurrou. Obrigada por me amar o suficiente para me deixar ir. — De nada — disse Oliver. Ele sorria, e ela sabia que ele havia escutado o que havia deixado sem dizer. A conexão entre eles, vampiro e humano familiar, seguia acesa. — Adeus, Ollie — sussurrou Schuyler. — Cuide dela — disse Oliver, estreitando a mão de Jack. — Por mim. Jack assentiu e estreitou a mão e Oliver energicamente. — Sempre. Oliver se despediu, e logo se foi rapidamente, saltando no táxi mais próximo que pode encontrar. Schuyler o observou partir, encontrando que seu coração doía profundamente... Mas não se rompeu. Eles seriam amigos. Sempre seriam amigos. Ela ainda o amava. Ao seu lado Jack estendeu sua mão. Schuyler a agarrou firmemente. Jamais o deixaria ir. Não nesta vida. Ela sabia o que isso significava. Iam correr o risco. Eles iam ir contra o vínculo, o Código, tudo o que se puser em seu caminho, para que pudessem estar juntos. Arriscariam tudo por seu amor. Assim como sua mãe. Assim como Allegra. Ninguém escolheria sua vida, ela havia dito para sua mãe.

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Estava equivocada. Juntos, m達o a m達o, caminharam para o terminal.

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Epílogo Isabelle de Orleans, em CSA se via tão intimidante como na festa. A Condessa os recebeu em sua vila em Saint-Tropez, no terraço onde o sol iluminado e tinha uma vista para o brilhante Mediterrâneo azul. Era sua primeira parada a caminho de Florença, e havia sido idéia de Jack tentar conseguir o que Schuyler havia falhado em realizar meses atrás. — Então, vocês são refugiados da tribo de Michael? — disse Isabelle, sua voz baixa e grave. — O que os faz pensar que lhes deva dar o que pedem? Por que o Coven Europeu deveria sequer se importar por com meninos caprichosos? — Sua Excelência, compreendemos seu ceticismo... Mas estamos desesperados. Sem a proteção dos vampiros não seremos capazes de levar a cabo o grande trabalho de Lawrence Van Alen— disse Jack. A Condessa levantou suas sobrancelhas. — Então estão aqui na Europa para tentar cumprir seu legado? — Sim, sua Excelência — Schuyler assentiu. — Então por que não me mencionaram antes? — exigiu a Condessa, fazendo com que seus dois cachorros em seus colo latissem. Jack e Schuyler trocaram olhares. — Nossas desculpas — disse Jack. — Outorgo-lhes o ingresso ao Coven Europeu, e lhes dou minha bênção. Enquanto estejam dentro de nossas fronteiras, o Coven de Nova York será incapaz de tocá-los. — Obrigada, Condessa. Não sabe o muito que isso significa para nós — disse Schuyler, o alívio e agradecimento eram evidentes em sua voz. A Condessa meditou. — Esta guerra levou a vida de meu amigo mais íntimo. Schuyler assentiu. Havia escutado que o corpo do verdadeiro Barão de Coubertin foi encontrado flutuando no Sena, umas semanas depois do ataque. — Lamentamos tanto ouvir isso, — disse ela. Sabia o que significava perder a um humano familiar.

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A Condessa encolheu os ombros tristemente. — Sabe, sempre fui amiga de Lawrence e Cordelia. Foi Charles o que eu nunca pude entender. — a Condessa suspirou. — Sei que tinha que castigar o meu irmão, mas pensei que o castigo foi desnecessariamente draconiano. Seguramente tinha que fazer uma forma de viver juntos em paz sem recorrer a medidas tão estritas. Bem. Não há muito que possamos fazer agora, certo? — Seu irmão, sua excelência?— perguntou Jack. — Por que Valerius me esqueceu tão rápido?— a Condessa sorriu, se vendo repentinamente pretensiosa. — Oh, quando lutaram por ter três irmãs, quando esteve na idade! Belo Valerius! Mas claro, Agripina ganhou você, como sempre. Bom, ao parecer já não mais — Piscou um olho para Schuyler. — Você é uma menina muito afortunada, querida. — Desculpe-me?— perguntou Jack. — Em Roma, me conheceste como Drusilla. — a Condessa lhes contou enquanto se levantavam da cadeira. — Vamos garotos. Acredito que o almoço esta servido. E meu chefe prepara uma excelente salada de tomate. Vão me acompanhar, certo?

Fim A Série Blue Bloods continua em

Misguided Angel

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Melissa de La Cruz

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Viveu em Manila e depois se mudou para San Francisco, onde estudou em um colégio e freiras. Ela é formada em história da arte e em literatura inglesa pela Universidade de Columbia, em Nova York. Já foi editora de moda e beleza e escreveu para diversas pubicações da imprensa norte-americana. Acesse o site da autora e veja mais informações sobre a série, incluindo trailers dos próxios volumes: www.melissa-delacruz.com

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