Biotecnologia ed. 33

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A Produção na ENTREVISTA

Far-Manguinhos

Entrevista concedida a Edmilson Silva

A Indústria Farmacêutica no Setor Público

Carioca da Penha, Eloan dos Santos Pinheiro, 56 anos, é um dos casos raros em que uma profissional bem-sucedida na iniciativa privada multinacional decide dar uma guinada na carreira e se entregar de corpo e alma ao setor público. E ela fez isso, há 11 anos, por acreditar que, na área em que decidiu trabalhar, a dos medicamentos, a função social devia sempre prevalecer sobre a ânsia por lucratividade a todo custo. Eloan já colhe, há algum tempo, os louros da troca acertada que fez ao deixar uma empresa multinacional pelo Instituto de Tecnologia de Fármacos, mais conhecido por Far-Manguinhos, um complexo que conjuga pesquisa básica, indústria e desenvolvimento tecnológico no campus de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro, onde funciona a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Nesta entrevista que ela deu a Biotecnologia, entre uma reunião com um executivo indiano e um outro compromisso tão importante quanto este em sua agenda sempre apertada, Eloan demonstra estar feliz com as vitórias obtidas pelo Brasil na última reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Doha, capital do Catar, na Arábia Saudita, mas faz questão de chamar atenção para a necessidade de serem criados instrumentos de regulamentação para o setor farmacêutico. Seria necessário vincular uma cota do lucro da indústria farmacêutica para investimento em saneamento básico, por exemplo , diz ela, ao citar proposta que já encaminhou ao Congresso Nacional com essa intenção. Embora comande uma das unidades da Fiocruz que tem funcionado como holofote para os sonhos do Ministro da Saúde, José Serra, Eloan reclama das amarras e dificuldades que tem de enfrentar no setor público para administrar por resultados, razão pela qual defende flexibilidade com responsabilidade , única forma de avançar mais do que já conquistou na administração de iniciativa pública no setor de medicamentos. Neste momento, Far-Manguinhos, cuja carteira de produção envolve 68 medicamentos e último faturamento foi de R$ 140 milhões, desenvolverá sete produtos contra a Aids dos 12 que estão no mercado. No final de 2002, a FarManguinhos perderá Eloan para a área de consultoria. Biotecnologia Você tem pautado a sua administração em padrões privados. Porque o faz dessa forma? Isso é bom para o Brasil? Eloan É bom para o Brasil porque, na verdade, não é uma visão empresarial que busca transformar Far-Manguinhos em uma indústria de alta lucratividade. É bom para a saúde pública porque o setor público tem obrigação de trabalhar pela promoção da saúde do povo brasileiro porque está sendo financiado por essa mesma população. Tenho que buscar resultados benéficos para essa 4

população que nos paga. Biotecnologia Resultados benéficos em que? Eloan O setor público tem responsabilidade de fazer drogas novas, medicamentos com qualidade e a preços absolutamente acessíveis, que possam ser bancados pelo que se recolhe de imposto da população, e que tenham altíssima eficácia. Isto pressupõe responsabilidade de missão, visão de futuro, foco nas doenças que atingem a maior parte da população brasileira,

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decorrentes da pobreza que afeta o nosso povo; tais como malária, tuberculose, Aids. Temos que dar uma solução de qualidade, mesmo estando em uma instituição pública. Biotecnologia Mas pautar-se dessa forma não é fácil, já que sabemos que existem muitas dificuldades no setor público. Eloan Sim, há as amarras e elas não são poucas. Mas, apesar das amarras existentes que o tornam altamente atrasado em seus processos licitatórios, por exemplo, temos que estar atentos para o que precisa ser mudado. Biotecnologia Apesar dessas amarras, você tem obtido um sucesso atrás do outro. Qual deles você destacaria ? Eloan Os sucessos fundamentais foram: haver criado um grupo de pesquisa em Far-Manguinhos, altamente qualificado; haver conseguido trazer para cá profissionais com conhecimento tecnológico muito bom. Também haver conseguido que todo o conjunto de PHDs que trabalha aqui dentro esteja mais intencionado em produzir qualidade para a sociedade muito mais do que desenvolver papers e, dessa forma, estar mais centrado em sua projeção nacional e internacional nesse mercado competitivo; haver conseguido organizar uma produção direcionada a doenças endêmicas e a medicamentos de uso contínuo e trabalhar em formulação que aumentem a adesão dos pacientes aos medicamentos de uso contínuo. Enfim, haver conseguido projetar a Fiocruz internacionalmente, a qual atualmente está participando de dois comitês internacionais, a Global Alliance, para o desenvolvimento de novas drogas que reduzam de seis meses para quatro meses o tratamento da tuberculose área em que há 40


anos não se desenvolve uma droga nova porque não é uma área lucrativa e em outro comitê, este em conjunto com os Médicos Sem Fronteira e também para o desenvolvimento de novas drogas contra malária, Leishmaniose e Trypanossoma Bergei, que atinge mais a população africana e provoca a doença do sono. Além disso, o que considero uma grande vitória foi a sensibilização em torno da Aids e o fato de mostrarmos que, mesmo em um país considerado em desenvolvimento, de Terceiro Mundo, podem-se fazer medicamentos eficazes, monitorar o processo de produção e revelar que os preços cobrados pelos medicamentos anti-retrovirais estavam muito altos se já se tem patente para novas drogas. Biotecnologia São quantas essas patentes? Eloan É uma família de patentes: a dos medicamentos que compõem o chamado coquetel anti-Aids. O melhor disso é não sermos acusados de copiadores simplesmente, uma vez que tivemos que reengenheirar para chegar às drogas, visto que não havia monografias, e isto teve que ser feito por nós, assim como o desenvolvimento dos padrões com esses inibidores de protease. Algumas dessas drogas chegarão ao mercado com a grife de desenvolvimento de pesquisadores genuinamente brasileiros. Nesse trabalho, contamos com a parceria com um grupo de químicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Biotecnologia O caminho para o desenvolvimento de novos produtos de biotecnologia é esse da aproximação de lideranças, ou é possível fazer tudo sozinho? Eloan Tudo o que você tenha que fazer, tem que seguir um esquema matricial, multidisciplinar. Para você chegar ao produto final, partindo de uma pesquisa básica, você, necessariamente, precisará passar por etapas que serão multidisciplinares. É indispensável conhecer bem o seu inimigo, seja ele o vírus HIV, da Aids, seja a micobactéria, da Tuberculose, ou o Plasmódio, da Malária, para, daí, escolher a melhor forma de ataque; uma molécula que pode ser obtida de uma planta, ou desenvolvida através de processos de biotecnologia, de DNA recombinante ou pelo método de análise combinató-

ria de modelagem molecular, processos que a Far-Manguinhos faz, para que você tenha eficácia, atinja o seu alvo e o elimine. Essa molécula terá que ser criada de tal forma a penetrar dentro de uma célula Esse é o desenvolvimento tecnológico; compreende você trabalhar dentro dos guidlines internacionais, tendo em vista a reprodução da eficácia em ensaios repetitivos, mas necessários. Só assim, você determina os parâmetros. Depois disso, temos

que ir para a parte da Farmacologia, estágio em que precisa também ficar demonstrado, de forma inequívoca, que a sua molécula consegue atingir o seu alvo, seja vírus, bactéria ou protozoário, etc. Temos Farmacologia aqui, mas nos sentimos na obrigação de submeter nossas experiências a outros grupos bons nessa ciência. O que nós não estamos bem é na área dos testes toxicológicos, em que temos um gap profundo, uma vez que não dispomos, no Brasil, de áreas de desenvolvimento de ensaios com animais roedores e nãoroedores. E esse é um definidor para a continuidade da pesquisa. Depois de ficar descartada a toxicidade, a carcinogenicidade, é que você pode patentear e partir para estabelecer uma parceria com o setor privado, de forma que produza a droga em larga escala. O passo seguinte é o screening clínico. Trabalha-se com interações, acordos, sigilo, investimento, para se chegar a um produto inovador. Biotecnologia O gap que você aponta na área dos testes de toxicidade aqui no Brasil seria um dos principais problemas contra o desenvolvimento de novas drogas? Eloan Esse gap é crucial, porque só temos um laboratório certificado, credenciado, para trabalhar com guideli-

nes, que é o Unitox, de São Paulo. Temos outros laboratórios no País, mas esses estão capacitados apenas para fazer ensaios de toxicologia sub-aguda e aguda. Você não consegue chegar a um produto novo sem necessariamente passar por essas análises, que chegam a durar um ano. Enquanto tivermos esse gap, seremos obrigados a fazer interações com laboratórios internacionais, como os da Malásia, todos credenciados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Contamos também com o apoio de um ex-presidente da Fiocruz, Carlos Morel, atual presidente do TDR, um comitê voltado para as doenças infecto-contagiosas. Biotecnologia E o apoio interno, por parte do Governo Federal, como está especificamente nessa área da toxicologia? Eloan Estamos batalhando junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia a fim de fazer ver ao Ministério da Saúde a necessidade de que seja criada uma área de serviços que seja ágil, competente, que forme mais toxicólogos para o ensaio de drogas, e que tenha flexibilidade, porque não pode ser uma coisa muito amarrada a processos. Só assim, se chegará lá. Do contrário, não dá. Particularmente, estou muito feliz com a proposta da Lei de Empresas de Inovação Tecnológica, que pressupõe a criação de empresas com toda a flexibilidade possível. Também devo lembrar que, pelo fato de o Brasil ser um país continental, será fundamental criar, ao mínimo, um laboratório desses em cada região. E a criação desses laboratórios será indispensável para que o Brasil pare de enviar essa quantidade absurda de dinheiro para o exterior com a compra de insumos farmacêuticos. Biotecnologia Quanto é que o Brasil gasta com a compra desses insumos? Eloan Mais de US$ 2 bilhões. Biotecnologia Soma esta que poderia ser destinada para a pesquisa, para a formação de recursos humanos para o setor de toxicologia, por exemplo ? Eloan Sim, mas é óbvio que perdemos muito tempo e agora teremos que eleger prioridades dentro do orçamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia e precisamos estar atentos a isso. O que ainda me surpreende até a década de 80, é o fato de que as

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multinacionais ainda fabricavam os insumos aqui no país, mas quando entramos na década de 90, com a abertura total da globalização, elas simplesmente retiraram daqui a produção de antibiótico. Biotecnologia Então, quer dizer que a globalização foi ruim para o Brasil na área da indústria farmacêutica? Eloan A globalização na área de medicamentos foi extremamente maléfica para os países que não tinham nenhum mecanismo de produção local, fossem essas fábricas próprias ou multinacionais. E isso fez com que tivéssemos que nos organizar em um comitê para traçar e propor ao Conselho Nacional de Saúde a necessidade de criar uma política para reverter esse quadro. Mas se isso vai acontecer ou não... Biotecnologia Vai depender dos atores envolvidos no processo e que compreendam a necessidade estratégica proposta por vocês do comitê. Eloan Isso. Dos atores governamentais, mais precisamente do Congresso Nacional, porque é lá que as definições de tarifa, de política, enfim, se decidem. A nossa proposta abrange todas as áreas, com atenção para a necessidade de definição de uma estratégia tecnológica para o setor. Biotecnologia Quais são as principais dificuldade para se levar em frente um trabalho sério como o que você e sua equipe desenvolvem em Far-Manguinhos? Eloan A dificuldade que considero maior é a ausência de flexibilidade, que não tem possibilitado resultados mais rápidos. Disponho apenas de 50 funcionários públicos e tenho 600 pessoas trabalhando diretamente aqui dentro porque não posso contratar diretamente pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Eu considero que quando um instituto como o nosso consegue propiciar uma economia de mais de R$ 400 milhões em internações para o Ministério da Saúde é incompreensível que você tenha que trabalhar com um orçamento por rubricas, algo incrivelmente entravador. Outro grande problema é uma unidade como esta não dispor de uma Procuradoria que possa julgar, com agilidade, os seus processos, o que faz perder 6

tempo. O Governo teria que estudar como flexibilizar estruturas produtoras como a Far-Manguinhos e Bio-Manguinhos (unidade produtora de vacinas). Falo em flexibilidade com responsabilidade, mesmo que tenha que se colocar para fora gerentes que não correspondam, mas que se possa contratar e pagar salários dignos aos bons profissionais. Biotecnologia Não há como falar em dificuldades, sem se pensar nas prioridades para setor tão estratégico quanto o de medicamentos. Quais devem ser essas prioridades neste momento mundial?

...a criação desses laboratórios será indispensável para que o Brasil pare de enviar essa quantidade absurda de dinheiro para o exterior com a compra de insumos farmacêuticos Eloan Produção de antibióticos, porque não tê-los significa estar em uma situação de gargalo estratégico. Sempre. É só olhar para a situação dos Estados Unidos com a questão do antraz, e o que teve que ser feito? A quebra de patente, porque apenas os alemães da Bayer é que a detinham. Quando eu comecei na indústria, a Beecham fabricava no Brasil amoxilina, outros faziam ampicilina, outros ainda penicilina G, mas hoje quem é que está fabricando, aqui no Brasil, os antibióticos de uso em larga escala ? Não me pergunte que eu não sei. Praticamente, ninguém. Eu também daria prioridade aos insumos para os medicamentos de uso contínuo (hipertensão, diabetes, etc). Temos que ter a produção aqui no Brasil porque não se pode deixar uma população à mercê da falta desses produtos. Ainda falando em fármacos, trabalharia para garantir a oferta de medicamentos das chamadas doenças negligenciadas (malária, tuberculose, as hepatites) e os anti-retrovirais, que, graças à nova lei de patentes, são obrigados a produzir aqui, após três anos da concessão. Biotecnologia Já seria possível pen-

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sar em produção com vistas ao mercado externo? Eloan O forte do mercado farmacêutico, ou seja 82% do faturamento, está nas mãos de Europa, Japão, Estados Unidos e Canadá. Mas temos 18% desse faturamento, o que representa US$ 400 bilhões, em que o Brasil é o líder de faturamento e é um país cujo mercado interno é capaz de movimentar US$ 10 bilhões. América Latina, Caribe e África não é um mercado para um grande produtor, mas, para uma empresa tecnológica como a Far-Manguinhos, é desenvolver e transferir a fim de que eles possam fazer a mesma coisa que conseguimos aqui. Para o empresário social, o foco é o do acesso à população e ser referência para outros países com características sócio-econômicas semelhantes às nossas. Biotecnologia Os grandes laboratórios estão se fundindo. Qual é a sua opinião sobre esse processo? Eloan Isso é péssimo para a democratização do acesso aos medicamentos. A indústria farmacêutica tem por característica a excessiva concentração por especialidades. Há grandes fabricantes por classes terapêuticas. Hoje, todos os derivados das penicilinas V e G estão concentrados nas mãos de uma única empresa em todo o mundo. Quem tem a maior força potencial no campo dos beta-lactâmicos é um outro conglomerado. O que isso significa? Um domínio absoluto sobre a disponibilização do conhecimento, porque se eles decidirem não fornecer e se não forem obrigados por uma ONU (Organização das Nações Unidas), eles deixam morrer quem eles quiserem. Nós tínhamos oligopólios e hoje são grandiosíssimos monopólios por classe terapêutica. Biotecnologia A ONU teria um instrumento com poder suficiente para rearrumar essa concentração de empresas para o bem da saúde pública ou seria necessária a criação dessa instância? Eloan Eu não sei. A ONU, pela primeira vez, fez algo fundamental que foi a reunião sobre os medicamentos da Aids. Acho que o caminho é criar, em contraponto ao G7, um G dos outros países em favor dos excluídos, para promoção de direitos a uma vida digna. A ONU está começando a ter uma reflexão maior sobre isso e espero que aumente, que avance. Em termos mun-


diais, a cidadania precisa ser mais e mais difundida, mas a tomada de consciência mundial nessa área de democratização aos medicamentos só vai se ampliar com o trabalho direcionado das organizações não-governamentais. Elas têm liberdade para falar o que pensam e de fazer movimentos. Biotecnologia É caro desenvolver um medicamento? Quanto tempo leva esse processo? Eloan Uma formulação que obedeça a todos os critérios, tais como estudo de estabilidade, biodisponibilidade e bioequivalência leva um ano. O desenvolvimento da formulação não é cara, chega a custar em torno de R$ 400 mil reais, dependendo do valor do insumo empregado. O princípio ativo é que é responsável por cerca de 50% a 80% da formulação e depende da concentração em que ele entra no produto. Biotecnologia E o desenvolvimento tecnológico completo, indo da pesquisa básica até o produto final, quanto custa? Eloan Aqui no Brasil, estimamos que ele custe em torno de US$ 20 milhões a US$ 25 milhões; e temos um parâmetro para chegar a esse valor: um economista de uma organização não-governamental americana, James Lowe, calculou em US$ 58 milhões, para os países da OECD (Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico), versus aqueles US$ 580 milhões apregoados pela indústria farmacêutica . Outro economista, um italiano, Dimasi, calcula que essa soma seja de US$ 100 milhões, isso já incluídos os salários, as perdas e as falhas. Biotecnologia Você é uma personalidade brasileira do setor farmacêutico, uma mulher realizada, reconhecida. Mesmo assim, você acalenta algum sonho para esse setor, algo que você ainda gostaria de realizar? Eloan Meu grande sonho para a indústria farmacêutica, aqui no Brasil, é o de que ela produzisse, pelo menos, aquilo que fosse absolutamente necessário e fundamental para a saúde das pessoas e agisse naquelas patologias que são absolutamente crônicas. Ela precisa refletir para abdicar desse faturamento astronômico, da indústria mais lucrativa de todo o mundo. Isso é resultado de que se consomem medicamentos em demasia, sinal de que não

há prevenção. É preciso lembrar que medicamentos são drogas que curam, mas também que trazem efeitos colaterais.

...e a criação desses laboratórios será indispensável para que o Brasil pare de enviar essa quantidade absurda de dinheiro para o exterior com a compra de insumos farmacêuticos

Biotecnologia A tecnologia aponta para fórmulas criadas em computador. E sobre isso o que temos de novo? Eloan A ponta é a pessoa conseguir ter uma boa prospecção computacional, conhecer bem o DNA do agente causador da doença, e então utilizar as possibilidades de DNA recombinante. É o biofármaco, tecnologia em que se usa uma quantidade pequena de fármaco, mas que vai atingir diretamente o vírus ou bactéria ou protozoário. Caminhamos para o uso da dose única e não mais obrigar o paciente a ficar tomando várias pílulas durante o dia.

...o setor público tem obrigação de trabalhar pela promoção da saúde do povo brasileiro porque está sendo financiado por essa mesma população

Biotecnologia Alguns anti-retrovirais já se incorporam em apenas uma pílula. As associações prometem aumentar? Eloan Sim. Na área de tuberculose, por exemplo, isso já vem sendo feito também com a associação das drogas existentes em apenas um comprimido para aumentar a adesão. Em malária, também há iniciativas nesse sentido, com realização de estudos cinéticos e screening clínico, de forma que se

avalie se estamos no caminho certo. As pessoas costumam abandonar o tratamento se são obrigadas a tomar várias pílulas por dia. Outra tendência é a do microencapsulamento das drogas quase de forma nanométrica, para otimizar a absorção das substâncias, o que pode significar, em futuro próximo, menor teor de dosagem. Biotecnologia Medicamento ou vacina? Eloan Sou mais as vacinas, que são pouco desenvolvidas porque isso não interessa à indústria farmacêutica. Eles retardam o quanto podem o desenvolvimento das vacinas. A prevenção é a coisa mais fundamental, se bem que depois de uma certa idade, os medicamentos passem a ser indispensáveis. E alguns desses medicamentos são extremamente eficazes no crescimento do bem-estar e no prolongamento da vida das pessoas, uma benesse que temos que reconhecer na indústria farmacêutica. O problema é que essa mesma indústria vê medicamento como comércio e não como um bem social, razão pela qual ela precisa ser regulada, uma vez que medicamento não é algo da livre escolha do cidadão, mas sim da necessidade dele. O que tem que ser feito é saneamento, um programa alimentar para as crianças e nutrizes, com incentivo ao aleitamento, com vistas ao fortalecimento imunológico da população. Não consigo dissociar saúde de educação, de alimentação e de saneamento, enfim de condições dignas de vida, o que é obrigação do Estado. Biotecnologia Que benefícios poderiam ser obtidos com a regulação da indústria farmacêutica? Eloan Sou da opinião de que, para conceder patente a uma empresa que desenvolveu um medicamento, o que significa a exploração daquele direito comercial durante 20 anos, deveria ser pré-requisito que essa indústria ficasse obrigada a aplicar um percentual daquele lucro em um fundo de investimento para desenvolvimento. Hoje o que acontece, apesar de algumas políticas equivocadas na área tributária, é que o Estado acaba sendo mais benéfico aos empresários, à medida que perdoa dívidas, renegocia. A indústria precisa ter responsabilidade social e não apenas ganhar mais e mais dinheiro.

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Carta ao Leitor

A Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento, traz nesta edição, importante entrevista com a Dra. Eloan dos Santos Pinheiro, do Instituto de Tecnologia de Fármacos, mais conhecido por Far-Manguinhos, um complexo que conjuga BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento KL3 Publicações

pesquisa básica, indústria e desenvolvimento tecnológico. Nesta oportunidade a Dra. Eloan Pinheiro chama a nossa

Fundador Henrique da Silva Castro

atenção para a necessidade de serem criados instrumentos de

Direção Geral e Edição Ana Lúcia de Almeida

Acreditamos que essa é a melhor forma para alcançarmos

Diretor de Arte Henrique S. Castro Fº Projeto Gráfico Agência de Comunicação IRIS www.agenciairis.com.br iris@agenciairis.com.br

regulamentação para o setor farmacêutico. auto suficiência para a produção dos principais fármacos, notadamente os mais imprescindíveis para a população. Dr. Henrique da Silva Castro

Gerente Administrativo Luiz Dourado Bezerra Secretária Vilma da Silva Duarte E-mail biotecnologia@biotecnologia.com.br Home-Page www.biotecnologia.com.br Departamento Comercial, Redação e Edição: SRTV/Sul - Quadra 701 Ed. Palácio do Rádio II Sala 215 - CEP 70340-902 Brasília - DF Tel.: (061) 225-1512 (061) 225-0976 Fax: (061) 224-2830 Impressão: Gráfica São Francisco Fotolito: Ribelito

Assinaturas O pedido de assinatura é realizado através da carta resposta-comercial encartada em cada revista, por telefonema ou fax diretamente à KL3 ou pela Internet através dos nossos endereços eletrônicos. A revista não tem vendedores autorizados. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. 10

Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001

ISSN 1414-4522


Colaboraram nesta edição:

Conselho Científico Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal Dr. Henrique da Silva Castro - Saúde; Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia; Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal; Dr. Maçao Tadano - Agricultura; Dr. Naftale Katz - Saúde; Dr. Pedro Jurberg - Ciências; Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas; Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos; Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental. Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia Fundação Dalmo Catauli Giacometti Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética; Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico; Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN Dr. José Roberto Rogero Sociedade Brasileira de Biotecnologia - SBBiotec Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ

Adilson Kenji Kobayashi, Alessandra Machado, Alexandre Lima Nepomuceno, Ana Paula Frazzon, Ana Paula Guimarães, Andréa Almeida Carneiro, Andréa C. Fogaça, Andréa Queiroz Maranhão, Antônio Álvaro Corsetti Purcino, Antônio Miranda, Augusto Schrank, Beatriz Dolabela de Lima, Carolina Tereza Cequalini Rohr, César Milton Baratto, Claudia Teixeira Guimarães, Daniel M. Lorenzini, Edmilson Silva, Edilson Paiva, Elaina Daher, Eliane Esteves, Eloan dos Santos Pinheiro, Geraldo M. A. Cançado, Isabel Regina Prazeres de Souza, Janete A. Desidério Sena, João Carlos Bespalhok Filho, João Sarkis Yunes, José Renato Bouças Farias, Lourivaldo S. Pereira, Lucélia Santi, Luciano Nakazoto, Luís Carlos de Souza Ferreira, Luiz Filipe Protásio Pereira, Luiz Gonzaga Esteves Vieira, Luiza Castro, M. Teresa M. Miranda, Marcelo de Macedo Brígido, Marcelo R. Burgierman, Márcia Vanusa da Silva, Marcio de Oliveira Lásaro, Marcio O. Lasaro, Marcos A. Fázio, Maria do Carmo Bittencourt-Oliveira, Maria Helena S. Goldman, Mariana Cabral de Oliveira, Marilene Henning Vainstein, Melissa Camassola, Melissa Franceschini, Newton Portilho Carneiro, Norman Neumaier, Pedro I. da Silva Jr., Philippe Bulet, Sidney Netto Parentoni, Sirlei Daffre, Tetsuji Oya, Valéria Dutra, Vera Maria Carvalho Alves, Viviane Kogler.

Entrevista Eloan dos Santos Pinheiro

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Pesquisa Tolerância à seca em plantas Plantas produtoras de anticorpos A produção de insulina humana por engenharia genética Biotecnologia aplicada ao controle biológico Anticorpos humanizados Cianobactérias tóxicas Peptídeos antibióticos Novas perspectivas para adaptação de culturas ao Cerrado Laranja transgênica Vacinas de DNA multivalentes

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Bio Notícias

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TOLERÂNCIA À SECA EM PESQUISA

PLANTAS

Mecanismos fisiológicos e moleculares

Alexandre Lima Nepomuceno

Pesquisador da Embrapa Soja Ph.D. pela University of Arkansas em Biologia Molecular e Fisiologia Vegetal anepo@cnpso.embrapa.br

Norman Neumaier

Pesquisador da Embrapa Soja Ph.D., pela University of Missouri em Fisiologia Vegetal

José Renato Bouças Farias

Pesquisador da Embrapa Soja Doutorado Pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Agrometeorologia

Tetsuji Oya

Pesquisador do Jircas (Japan International Research Center for Agricultural Sciences) Doutorado pela University of Tokyo em Agronomy

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stresses abióticos, como a seca, podem reduzir significativamente os rendimentos das lavouras e restringir as latitudes e os solos onde espécies comercialmente importantes podem ser cultivadas. As implicações são enormes, uma vez que não somente produtores mas toda a sociedade é afetada. Desemprego, aumento no preço de alimentos e instabilidade no mercado financeiro são somente algumas das conseqüências. Previsões ambientais sinalizam para o aumento do aquecimento global nas próximas décadas. Um aumento dos períodos de seca certamente acompanharão esse fenômeno. O desenvolvimento de cultivares mais tolerantes a períodos de déficit hídrico, bem como o desenvolvimento de tecnologias que auxiliem as plantas a tolerar períodos prolongados de estiagem, serão essenciais na manutenção da produção agrícola brasileira e mundial em níveis que possam alimentar uma população em constante crescimento. A fisiologia das plantas e a biologia molecular desempenharão um papel chave nesse processo. Portanto, entender a tolerância das plantas à seca e como explorá-las, devem ser julgados não só como problemas de ordem agronômica, fisiológica ou ecológica, mas também como importante meta internacional de significância humanitária, econômica e política (van Rensburg, 1994). A identificação e a compreensão dos mecanismos de tolerância à seca são fundamentais no desenvolvimento de novas cultivares comerciais mais tolerantes ao déficit hídrico. A expressão de genes (ainda não caracterizados) em genótipos tolerantes a esse fator pode ser usada no estudo de mecanismos de tolerância à seca e para identificar outros genótipos com características similares. Tolerância das plantas à seca, claramente, não é uma caracterís-

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tica simples, mas uma característica onde mecanismos trabalham isoladamente ou em conjunto para evitar ou tolerar períodos de déficit hídrico. Todas as mudanças fisiológicas, morfológicas e de desenvolvimento em plantas têm uma base molecular/genética. Portanto, genótipos que diferem em tolerância ao déficit hídrico devem apresentar diferenças qualitativas e quantitativas em expressão gênica. Uma resposta fisiológica específica ao déficit hídrico representa, na realidade, a combinação de eventos moleculares prévios, que foram ativados pela percepção do sinal de estresse. Compreender como esses eventos são ativados/desativados e como interagem entre si será essencial no desenvolvimento de novas variedades mais tolerantes a períodos de seca. Evolução: da água para a terra No início da sua evolução, há cerca de 1,5 bilhão de anos (Lehninger et al., 1993), as plantas passaram por inúmeras mudanças na sua estrutura e no processo fisiológico, que as capacitaram para sobreviver em ambientes relativamente secos. Essas mudanças resultaram de mutações genéticas e recombinações, que, através da seleção natural, permitiram às plantas sobreviverem e a se reproduzirem em ambientes com limitação de água. Evidências baseadas em microfósseis mostram que plantas adaptadas à terra originaram-se no início da era Paleozóica, possivelmente cerca de 450 a 470 milhões de anos (Pearson, 1995). É interessante mencionar que, das primeiras plantas terrestres às primeiras plantas com flores, transcorreram mais de 450 milhões de anos (Ingrouille, 1992). Isso é um exemplo dos imensos intervalos de tempo que separam os grandes passos de diferenciação. Esses intervalos possibilitaram a atuação conjunta das mutações genômicas e da seleção natural na constru-


ção da atual diversidade da flora. Modificações drásticas no clima da terra dirigiram a seleção de plantas para uma maior tolerância à deficiência hídrica. Com o clima da terra tornando-se mais severo à medida que os continentes se moviam e que grandes massas de terra se tornavam expostas, desenvolveram-se adaptações estruturais e funcionais entre as plantas. Essas adaptações incluíram raízes, que permitiam a absorção de água e de minerais a partir de grandes volumes de solo; um sistema vascular, que permitia um rápido transporte da água e de produtos da fotossíntese; e uma cutícula bem desenvolvida, com estômatos, que permitia a entrada de dióxido de carbono, mas controlava a perda de água dos tecidos (Kramer e Boyer, 1995). O desenvolvimento de folhas, raízes e de outras estruturas adaptadas ajudou a aumentar a diversidade florística em diferentes ambientes terrestres. Plantas que mostram crescimento continuado ou melhorado sob condições hídricas limitadas são consideradas tolerantes à seca. Algumas espécies podem evitar a seca amadurecendo rapidamente antes que ela se inicie ou reproduzindo-se somente após a chuva (Alvim, 1985). Outras plantas toleram a desidratação, adiando-a através do desenvolvimento de raízes profundas ou fechando-se fortemente contra a transpiração ou acumulando grandes reservas de água em tecidos carnosos (Ingrouille, 1992). Ainda, outras espécies permitem a desidratação dos tecidos e toleram a falta de água, apresentando crescimento continuado mesmo quando desidratadas ou sobrevivendo a desidratações severas. Durante períodos de déficit hídrico, muitas mudanças ocorrem na planta. Essas mudanças dependem da severidade e da duração do estresse, do genótipo, do estádio de desenvolvimento e da natureza do estresse (Kramer, 1983). A maioria dessas modificações visa a manter o crescimento e a reprodução da planta em ambientes com limitações na disponibilidade de água. Melhoramento Genético Do ponto de vista prático é muito difícil a imposição de estresse de seca, de forma controlada e reproduzível, às grandes populações de plantas normalmente usadas em programas de melhoramento. Monitoramentos abrangentes

Figura 1. A perda de água pela célula altera o potencial de pressão (tensão física; turgor) e o potencial osmótico (concentração) dessas células. Isso provoca alterações na membrana celular e em vários de seus componentes assim como na concentração celular de metabólitos. Alterações na conformação da membrana celular provocam mudanças em canais de transporte ativados por pressão, modificam a conformação ou a justaposição de proteínas sensoriais críticas embebidas nas membranas celulares, e alteram a continuidade entre a parede celular e membrana celular. Estas modificações ativam complexos enzimáticos, que iniciam uma cascata de eventos moleculares que levam à indução da expressão de várias categorias de genes do crescimento e de parâmetros fisiológicos raramente têm sido usados para selecionar plantas mais produtivas em ambientes com déficit hídrico (Basnayake et al., 1995). Melhoristas de plantas têm tentado selecionar plantas com tolerância à seca a partir de grandes populações, entretanto, altos rendimentos e resistência a doenças têm sido os alvos finais das análises. Esse enfoque experimental na seleção de plantas para tolerância ao estresse hídrico tem sido o método escolhido na quase totalidade dos casos (Simpson, 1981). A maioria dos enfoques, meramente identifica plantas com altos ou baixos rendimentos, porque o critério final de seleção é um simples índice, tal como rendimento de grãos ou produção de biomassa na época da colheita. Tais enfoques geralmente têm falhado em revelar as características genéticas individuais que afetam a tolerância à seca e que poderiam ser seletivamente orientadas para recombinação adicional. Características genômicas de uma planta que apresenta, por exemplo, tolerância ao estresse de seca na

antese, ou escape ao estresse de seca no enchimento dos grãos, combinado com tolerância a períodos curtos de estresse de pequena magnitude, podem ser perdidas (Simpson, 1981). Um enfoque reducionista terá sucesso limitado porque o balanço ótimo da conservação de água e a absorção de carbono são alcançados, não pela variação de uma única resposta, mas pela combinação de diversas respostas diferentes a um nível que equivale à severidade e à duração do déficit hídrico (McCree e Fernandez, 1989). A maior limitação para o melhoramento genético da tolerância ao déficit hídrico em plantas é o conhecimento insuficiente sobre as bases fisiológicas, moleculares e genéticas das respostas das plantas ao déficit. Essas considerações reforçam a necessidade de um enfoque sistemático nos estudos de estresse hídrico, com maior ênfase nas diferenças genéticas entre os genótipos (van Rensburg, 1994). Respostas Moleculares As plantas contêm cerca de 1010 a

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1011 pares de bases de nucleotídeos nas suas moléculas de ADN, os quais podem representar de 50.000 a 100.000 genes (Lehninger et al., 1993). Entretanto, assim como em outros organismos superiores, somente uma pequena porção desses genes é expressa, num dado momento, pelas células da planta. É a escolha de quais genes serão expressos que determina todos os processos vitais. A comparação da expressão gênica em diferentes células e organismos poderia fornecer a informação básica necessária para a análise dos processos biológicos que controlam a maneira como os organismos respondem a diferentes situações (Liang e Pardee, 1992). O déficit hídrico em plantas inicia um complexo de respostas, começando com a percepção do estresse, o qual desencadeia uma cascata de eventos moleculares que é finalizada em vários níveis de respostas fisiológicas, metabólicas e de desenvolvimento (Bray, 1993). As rotas de transmissão dos sinais moleculares de percepção do estresse (signal-transduction pathways) em plantas não têm sido muito estudadas. Entretanto, os modelos propostos para animais, leveduras e bactérias assemelham-se entre si, sugerindo que, provavelmente, os sistemas vegetais de percepção de estresse também sejam semelhantes aos da maioria dos seres vivos (Shinozaki e Yamaguchi-Shinozaki, 1999). Os modelos de percepção do estresse sendo estabelecidos para vegetais superiores mostram que a mudança no volume de células individuais de uma raiz ou outro órgão submetido à desidratação altera o potencial de pressão (tensão física; turgor) e o potencial osmótico (concentração) dessas células. Isso provoca alterações na membrana celular e em vários de seus componentes, assim como na concentração celular de metabólitos. Alterações na conformação da membrana celular provoca mudanças em canais de transporte ativados por pressão, modifica a conformação ou a justaposição de proteínas sensoriais críticas embebidas nas membranas celulares, e altera a continuidade entre a parede celular e a membrana celular. Essas modificações ativam complexos enzimáticos, que iniciam uma cascata de eventos moleculares e que levam à indução da expressão de várias categorias de genes (Hare et al., 1996; Shinozaki e Yamaguchi-Shinozaki, 1996, 1997, 1999). Alguns dos 14

mecanismos de percepção que estão sendo estudados hoje em plantas são: a atividade de kinases de histidina, envolvendo a proteína sensora EnvZ e o fator de transcrição OmpR (Shinozaki e Yamaguchi-Shinozaki, 1999); as kinases ativadas por Mitogen, MAPK MitogenActivated Protein Kinase (Jonak et al., 1996); as kinases dependentes de cálcio (Urao et al., 1994); a Fosfolipase C, atuando no metabolismo de produção de Inositol di e tri-fosfato e sua função nas liberações de cálcio no citoplasma, onde cálcio e calmodulin funcionariam como uma chave molecular na rota de transmissão do sinal de estresse (Munnik, et al., 1998); as proteínas DREB, que aderem a seqüências de ADN presentes em regiões promotoras de genes expressos durante a desidratação, as Dehydration Responsive Elements Binding proteins DREB proteins (Kasuga et al., 1999); as seqüências promotoras responsivas ao ácido abscísico (Abscisic Acid - ABA)(Abe et al., 1997); etc. Genes induzidos pelo déficit hídrico promovem: tolerância da célula à desidratação; funções de proteção no citoplasma; alterações no potencial osmótico celular para aumentar a absorção de água; controle da acumulação de íons; regulação adicional de expressão gênica; metabolização de compostos degradados pelo estresse; etc (Bray, 1993; Bray, 1997; Nepomuceno et al., 2000). Acredita-se que muitos dos produtos de genes induzidos pelo déficit hídrico possam proteger as estruturas celulares dos efeitos da perda de água (Boyer, 1996; Alvin et al., 2001). Entretanto, a expressão dos genes durante o estresse não garante que um produto gênico promova a habilidade da planta em sobreviver ao estresse (Bray, 1993). A expressão de alguns genes pode resultar de ferimento ou dano que tenha ocorrido durante o estresse. No entanto, alguns genes são necessários para a tolerância ao estresse, e a acumulação dos produtos da expressão desses genes pode tornar-se uma resposta adaptativa (Bray, 1993; Bray, 1997), assim como a desativação da expressão de um gene pode também estar ligada ao aumento da tolerância ao estresse (Nepomuceno et al., 2000). Ajuste Osmótico Uma das mais bem documentadas respostas fisiológicas/moleculares ao déficit hídrico em plantas é a habilidade de

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algumas espécies de ajustar osmoticamente suas células. Durante a seca, plantas superiores ativamente acumulam açúcares, ácidos orgânicos e íons no citosol para diminuir o potencial osmótico e, conseqüentemente, manter o potencial hídrico e o turgor de suas células próximo do nível ótimo (Bray, 1993, 1997). Quando o turgor é mantido, processos como condutância estomática, taxa de assimilação de CO2 e expansão dos tecidos são total ou parcialmente mantidos (Ludlow, 1987; Nepomuceno et al., 1998). Mudanças no potencial osmótico causado pela concentração de solutos, resultante da perda de água e aquelas causadas pela acumulação ativa de solutos são distintas. Na ausência de acumulação de solutos o potencial osmótico é inversamente relacionado com o volume osmótico. Reduções no potencial osmótico ocorrem pelo aumento na concentração de solutos presentes na célula túrgida. O ajuste osmótico, portanto, ocorrerá somente se ocorrer a acumulação ativa de solutos, propiciando, em várias espécies (Guo e Oosterhuis, 1997), o aumento na capacidade de tolerar períodos curtos de seca. Existe considerável variação, entre diferentes culturas, na capacidade de ajuste osmótico e isso deve ser considerado ao se medir a habilidade da cultura em suportar a seca. Tem sido observada alta capacidade de ajuste osmótico em espécies como o sorgo e o algodão; ajustes mais moderados são observados em girassol, enquanto o trigo e a soja normalmente apresentam baixa capacidade de ajuste (Oosterhuis e Wullschleger, 1988). A capacidade de aumentar a tolerância à seca ocasionada pelo ajuste osmótico em algumas espécies tem sido relacionada com a diminuição do potencial osmótico e com a retenção de água dela decorrente (Jamaux et al., 1997). Entretanto, a geração de moléculas que buscam e destroem (scavenging) radicais livres pode, também, ser uma das causas da redução do potencial. O estresse hídrico quebra o equilíbrio oxidativo/redutivo (redox) em várias organelas celulares, como os cloroplastos. O declínio na funcionalidade dos cloroplastos, inevitavelmente, leva à geração de espécies com radicais de oxigênio altamente reativos (Hare et al., 1996). Assim, a real função do ajuste osmótico poderia estar potencialmente ligada à eliminação de radicais livres,


mas gerando, como função adicional, a retenção de água (Hare e Cress, 1997). Proteínas Lea (Late embryogenesis abundant) Um grupo de genes que têm sido considerados como adaptativo à seca e que tem sido identificado em vários trabalhos que analisam respostas de plantas à falta de água, codifica as proteínas Lea. Essas proteínas foram identificadas, pela primeira vez, como genes expressos durante as fases de maturação e dessecação do desenvolvimento de sementes (Bray, 1993; Bohnert et al., 1995; Zhu et al., 1997). A maioria dos produtos dos genes Lea é predominantemente hidrofílica, básica na composição de aminoácidos, sem Cys e Trp e com localização no citoplasma (Dure, 1993). Proteínas Lea podem ser categorizadas em, no mínimo, seis subgrupos, baseados na seqüência de aminoácidos e na sua cinética da expressão (Dure, 1993). Muitos estudos sobre Lea e outras proteínas relacionadas com a desidratação mostram que proteínas similares se acumulam quando o sinal do ambiente é déficit hídrico, baixas temperaturas, pressão osmótica externa aumentada, dessecação do embrião ou aplicação do hormônio vegetal ABA (Shinozaki e YamaguishiShinozaki, 1996). As prováveis funções dos genes Lea são relacionadas com seqüestro de íons, proteção de membranas e naturação de proteínas (chaperonas) e retenção de água (Bray, 1993; Dure, 1993; Zhu et al., 1997). Possivelmente, esse grupo diverso de proteínas serve a mais de uma simples função (Zhu et al., 1997). Entretanto, a extrema hidrofilia apresentada por quase todas as proteínas Lea e sua expressão abundante durante a maturação e o estresse de dessecação celular (Dure, 1993), certamente implica na função de proteção das estruturas celulares. Proteínas de Choque Térmico Proteínas de choque térmico (HeatShock Proteins HSP) são outro grupo de produtos de genes usualmente encontrados em plantas submetidas ao déficit hídrico (Joshi e Nguyen, 1996). Como o nome sugere, HSP foram identificadas pela primeira vez como respostas ao estresse de calor. Entretanto, a habilidade de responder ao choque de temperatura moderada pela síntese

de HSP, dentro de duas horas do choque, é uma resposta geral que tem sido também observada em micróbios, em animais e em plantas submetidas ao déficit hídrico (Harborne, 1997). O tratamento de plantas de soja por duas horas a 40 0C faz com que tolerem temperaturas de 45 0C por outras duas horas. Tipicamente, sem esse pré-tratamento, plantas de soja não sobrevivem a uma exposição direta a 45 0C (Harborne, 1997). As HSP são altamente conservadas e diversas classes têm sido descritas em eucariotos, inclusive em plantas. Elas são designadas pelos seus pesos moleculares aproximados em KDa (e.g., HSP110, HSP90, HSP70, HSP60) (Cooper, 1997). As famílias de HSP70 e HSP60 parecem ser particularmente importantes nas rotas gerais de dobramento (naturação) de proteínas em células de eucariotos e procariotos. Ambas as famílias funcionam ligando-se às regiões não dobradas das cadeias peptídicas, sugerindo que sua função possa estar relacionada com a manutenção da correta estrutura terciária de certas proteínas (Cooper, 1997). A maior parte das HSP provavelmente funcione como chaperones, que ajudam no correto dobramento ou na prevenção da desnaturação das proteínas (Zhu et al., 1993). Apesar de algumas HSP ser normalmente produzidas pela célula, durante situações de estresse há um aumento na produção de HSP. Como o estresse promove a desnaturação e a agregação de proteínas, uma maior síntese de HSP ajudaria a proteger essas proteínas durante o estresse osmótico que ocorre após a desidratação da célula (Zhu et al., 1997). Prolina Uma das mais bem estudadas respostas das plantas ao déficit hídrico é a acumulação de prolina nas células. A acumulação desse aminoácido é resultado do aumento no fluxo de glutamato, que é metabolizado pela Pirrolina-5Carboxilato Sintetase (P5CS), enzima que regula a taxa de biossíntese de prolina (Hare e Cress, 1997), bem como de um decréscimo no catabolismo da prolina (Stewart et al., 1977). A enzima Pirrolina-5-Carboxilato Redutase (P5CR), responsável pela transformação da Pirrolina-5-Carboxilato (P5C) em prolina, tem sua expressão regulada por mudanças no potencial osmótico do cito-

plasma (Williamson e Slocum 1992). Um decréscimo no potencial osmótico da célula leva a um aumento na síntese de P5C e, conseqüentemente, a um aumento na síntese de prolina. A acumulação de prolina em células vegetais submetidas a estresse hídrico tem sido sugerida como um mecanismo de ajuste osmótico (Delauney e Verma, 1993). Entretanto, alguns autores sugerem outras funções para o acúmulo de prolina, como: estabilizador de estruturas sub-celulares (Schobert e Tschesche, 1978); scavenger de radicais livres (Saradhi et al., 1995); depósito de energia (Hare e Cress, 1997); componente da cascata de sinalização molecular do estresse (Werner e Finkelstein, 1995); e constituinte principal de proteínas da parede celular de plantas (Nanjo et al., 1999). Enquanto vários trabalhos indicam uma alta correlação entre o acúmulo de prolina e o aumento da tolerância à seca, outros sugerem que o acúmulo é simplesmente um efeito do estresse (Delauney e Verma, 1993; Madan et al. 1995). Assim como o acúmulo de prolina, o acúmulo de polióis, tais como manitol, sorbitol, inositol, mio-inositol e pinitol (e seus derivados), também tem sido correlacionado com a tolerância à seca e/ou à salinidade (Bohnert et al., 1995; Guo e Oosterhuis, 1997). Aquaporinas (Water Channel proteins) A regulação do potencial osmótico e a compartimentalização de íons ocorre à custa do gradiente eletroquímico de H+ e do controle integrado de diferentes ATPases e de outros transportadores associados com membranas celulares (Bray, 1993). Alguns desses transportadores são proteínas de estrutura semelhante à tubular, que atravessam as membranas celulares. Membros dessa família de proteínas, também chamadas de Aquaporinas, formam canais águaespecíficos para íons ou solutos (Bray, 1993), como observado com a proteína y-TIP (Tonoplast Intrinsic Protein), que forma canais água-específicos quando expressa em células modelo de Xenopus oocytes. À medida que as proteínas canal acumulam-se no tonoplasto (membrana do vacúolo) durante o estresse, o movimento da água e dos solutos do vacúolo para o citoplasma é promovido alterando tanto o teor de água quanto o potencial osmótico do citoplasma (Mau-

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rel et al., 1993). Yamada et al. (1995) identificaram transcritos (ARNm) de proteínas, major intrinsic proteínas (MIP), cuja abundância muda sob estresse de salinidade em plantas de gelo (Mesembryanthemum crystallinum) que são adaptadas ao crescimento em altos níveis de sódio, sob seca e baixas temperaturas. Essas MIP s mostram homologia com aquaporinas de plantas que foram encontradas, principalmente, em células envolvidas no fluxo hídrico, tais como as da epiderme da raiz, as de pontas de raiz, e as de áreas circundantes às células do xilema em raízes (Bohnert et al., 1995). Canais de água facilitam o fluxo hídrico ao longo do gradiente osmótico existente. A expressão de aquaporinas do tonoplasto e da membrana celular (plasmalema) tem sido correlacionada também com a elongação celular (Yamaguchi-Shinozaki et al., 1992; Daniels et al., 1994). Ácido Abscísico Os genes induzidos pela deficiência hídrica estudados até hoje, na sua maioria, são também induzidos pelo fitohormônio ácido abscísico (Abscisic Acid - ABA) (Bray, 1993; Wu et al., 1997). Com base nessa informação, ABA é o melhor candidato a ser visto como um segundo mensageiro na mediação entre o sinal ambiental indutivo e a resposta molecular, fisiológica e/ou morfológica (Bray, 1993). Além das evidências de que o ABA afeta as respostas à seca, à salinidade e ao estresse de frio, também foi demonstrado que está envolvido na embriogênese, na indução de proteínas de reserva da semente, na dormência, na abscisão, na germinação das sementes, no crescimento, no controle da abertura estomática e no geotropismo (Arteca, 1996). Muitas as mudanças nos níveis de ARNm observadas durante a seca refletem ativação transcripcional (Ingram e Bartels, 1996). Tratamento com ABA pode, também, induzir essas mudanças. Assim, seqüências de ADN atuando em cis ou trans (cis- / trans-acting elements) envolvidos na expressão gênica induzida pelo ABA podem agora ser estudadas (Ingram e Bartels, 1996). O elemento cis- mais bem caracterizado no contexto de resposta à aplicação de ABA é o elemento ABRE (ABA Responsive Element), que contém a seqüência palindrômica conservada ACGTGGC (Abe et al., 1997). Essa seqüência tem 16

sido encontrada na região promotora de genes induzidos pelo ABA (Ingram e Bartels, 1996). Shinozaki e YamaguchiShinozaki (1999) sugerem que genes induzidos por deficiência hídrica são ativados por duas rotas de percepção e transmissão do sinal de estresse: uma ABA-dependente e outra ABA-independente. Açúcares Açúcares solúveis têm sido também relatados como agentes protetores durante a desidratação celular (Leprince et al., 1993; Boyer, 1996). A trehalose é um dos mais efetivos osmoprotetores, em termos de concentração mínima requerida. É um disacarídio que, por várias décadas, tem sido relatado em bactérias, fungos e leveduras como um dos responsáveis pela capacidade desses organismos de tolerar altos níveis de desidratação (Müller et al., 1995). Somente no final da década passada foi identificado em plantas superiores (Goddijn et al., 1997). A dificuldade na identificação de trehalose, provavelmente, foi devido à alta atividade da enzima trehalase em plantas superiores. Trehalose liga-se às membranas celulares e diminui sua temperatura de fusão, mantendo-as, assim, na sua fase líquido-cristalina. (Crowe et al., 1993). Além disso, age como estabilizador de enzimas (Carpenter et al., 1987) e vesículas (Crowe et al., 1983) durante a desidratação, o que permite que a célula mantenha suas funções por períodos maiores. Durante déficit hídrico moderado, o potencial hídrico pode ser mantido pelo ajuste osmótico e os açúcares podem servir como solutos compatíveis baixando o potencial. Exemplos disso estão em plantas ressurectas, como Craterostigma plantagineum e plantas sensíveis à seca, como espinafre (Spinacea oleracea), que aumentam a síntese de sacarose durante o déficit hídrico (Ingram e Bartels, 1996). Outra interessante forma dos açúcares protegerem as células durante a desidratação é pela formação de estruturas vítreas. Ao invés da cristalização de solutos, através da presença de açúcares, um líquido supersaturado é produzido com propriedades mecânicas de um sólido (Koster, 1991). Esse tipo de estrutura tem sido associado com a manutenção da viabilidade de sementes de milho (Williams e Leopold, 1989).

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Outros Genes Expressos Durante o Déficit Hídrico Ubiquitina é um polipeptídio com 76 aminoácidos e tem sido encontrado em todos os eucariotos. Sua seqüência de aminoácido é uma das mais bem conservadas na natureza. O seu papel é o de etiquetar proteínas que estão destinadas a ser rapidamente proteolizadas no citosol (Lam, 1997). Assim, sua expressão é usualmente observada durante o déficit hídrico (Bray, 1993; Zhu et al., 1997). Como a degradação de proteínas é geralmente alta durante a desidratação celular, seria de se esperar que sistemas de reparo sejam normalmente expressos durante situações de estresse. Um exemplo que ilustra essa situação é a observação de que a produção da enzima L-Isoaspartil metiltransferase é induzida durante a desidratação celular. Essa enzima converte resíduos modificados de L-isoaspartil em proteínas danificadas, transformando-os novamente em resíduos de L-aspartil e, assim, restabelecendo a atividade da proteína que estava danificada (Mudgett e Clarke, 1994). Considerações Finais Previsões ambientais sinalizam para um recrudescimento do aquecimento global nas próximas décadas e situações de secas, muito provavelmente, acompanharão esse evento. O desenvolvimento de novos genótipos de plantas, mais tolerantes a períodos prolongados de déficit hídrico, será essencial para que a agricultura continue alimentando e vestindo a crescente população mundial, assim como, gerando empregos e movimentando a economia mundial. O uso de técnicas agronômicas novas e tradicionais, que reduzam as perdas na agricultura e aumentem a produtividade deverá ter prioridade entre as estratégias governamentais das nações. Nesse contexto, a biotecnologia, em especial a biologia molecular, terá papel fundamental no futuro da agricultura mundial. O conhecimento nessa área ainda é incipiente. A evolução do conhecimento sobre os mecanismos de tolerância à seca em várias espécies, através do estudo de genomas funcionais e proteomas, fornecerá informações preciosas para o desenvolvimento de genótipos capazes de tolerar períodos de déficit hídrico sem


que a produtividade seja prejudicada substancialmente. A difusão de novas técnicas moleculares, como os microarranjos de ADN (DNA Microarrays), está permitindo a identificação de rotas metabólicas ativadas ou desativadas, assim como, a visualização das centenas de interações que ocorrem, em âmbito transcripcional e proteômico, em resposta a eventos de estresse. Com isso, está sendo possível delinear estratégias que visem a aumentar a tolerância às condições de estresse ambiental. Essas estratégias vêm através de métodos tradicionais de melhoramento genético, facilitadas pelo uso de marcadores moleculares ligados a genes individuais ou ligados a lócus de características quantitativas (QTL) de importância, ou através do uso da engenharia genética. Genes identificados em mecanismos de tolerância têm mostrado potencial para ser usados em estudos de transformação de plantas. As primeiras plantas geneticamente modificadas para tolerância à seca já estão sendo desenvolvidas com sucesso em laboratório. Estratégias como o uso de moléculas chaperonas, que protegem componentes celulares durante a desidratação (Alvin et al., 2001), ou estratégias que amplificam o sinal molecular da percepção do estresse hídrico, permitindo a planta antecipar e acelerar os mecanismos de defesa (Kasuga et al, 1999), já são uma realidade. Entretanto, ainda devem ser testados quanto à produtividade nos campos de produção agrícola. Alcançar esse tipo de resultado e obter plantas cada vez mais eficientes na tolerância aos estresses do ambiente somente está sendo possível devido à compreensão dos mecanismos moleculares de tolerância discutidos nesta revisão e dos mecanismos que serão desvendados nas próximas décadas. REFERÊNCIAS ABE, H., YAMAGUCHI-SHINOZAKI, K., URAO, T., IWASAKI, T., HOSOKAWA, D., SHINOZAKI, K. 1997. Role of Arabidopsis MYC and Homologs Drought - and Abscisic Acid - Regulated Gene Expression. The Plant Cell, 9:18591868. ALVIM, P. T. 1985. Theobroma cacao. In A. H. Halevy (ed.) Handbook of flowering. CRC Press, Boca Raton, FL. ALVIN, F. C., CAROLINO, S. M. B., CASCARDO, J. C. M., NUNES, C. C., MARTINEZ, C. A., OTONI, W. C., FONTES, E. P. B. 2001. Enhanced Accumulation of BiP in Transgenic Plants Confers Tolerance to Water Stress. Plant Physi-

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Plantas produtoras de

ANTICORPOS

PESQUISA

Anticorpos produzidos por plantas de fumo para a detecção de poluentes ambientais

Janete A. Desidério Sena

Professora Doutora do Departamento de Biologia Aplicada à Agropecuária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias UNESP - Campus de Jaboticabal, SP. janete@fcav.unesp.br

Maria Helena S. Goldman

Professora Doutora do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo mgoldman@rge.fmrp.usp.br Fotos cedidas pelas autoras

s plantas transgênicas podem ser exploradas como uma alternativa atrativa e de custo reduzido em relação aos sistemas microbianos e animais para a produção de biomoléculas. Tal sistema de produção possui várias vantagens em potencial sobre aqueles baseados em fermentação microbiológica, células animais e animais transgênicos. Os sistemas microbianos têm uma capacidade limitada para realizar, de forma acurada, as modificações pós-traducionais de proteínas eucarióticas. A fermentação bacteriana freqüentemente resulta na produção de agregados insolúveis, e custos substanciais estão envolvidos em solubilizar e remontar estes agregados em proteínas nativas. As culturas de células animais necessitam de meios de cultura caros, e o uso de animais

transgênicos levanta muitas preocupações públicas e éticas. Por outro lado, plantas transgênicas são facilmente produzidas; linhagens homozigotas podem ser rapidamente obtidas, estocadas como sementes, e posteriormente, propagadas. As plantas são simples e baratas de cultivar, não requerendo recurso especializado ou meio de cultura elaborado. A produção de anticorpos em plantas transgênicas, publicada pela primeira vez em 1989, demonstrou o princípio da coexpressão de dois produtos gênicos recombinantes, que foram corretamente montados em uma molécula que era funcionalmente idêntica àquela originada do mamífero (Hiatt et al., 1989). Desde então, muitos grupos têm procurado expressar outras moléculas de anticorpos em plantas, desde moléculas de cadeia única até anticorpos secretórios multiméricos (Ma et al., 1995). Anticorpos monoclonais e suas aplicações

Figura 1. Modelo da estrutura de uma molécula de anticorpo típico, composta de duas cadeias polipeptídicas leves e duas cadeias pesadas. Pontes dissulfeto inter-cadeias estão indicadas. Dois sítios ativos idênticos de ligação ao antígeno estão localizados nos braços da molécula, formados pelas regiões variáveis 20

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A resposta imune é um sistema de defesa dos vertebrados, altamente sofisticado, capaz de reconhecer substâncias estranhas ao organismo. Essas substâncias estranhas capazes de induzir uma resposta imune são chamadas de antígenos. As proteínas circulantes produzidas pelo sistema imune, e capazes de reconhecer o antígeno de forma específica são as imunoglobulinas (Ig), também denominadas anticorpos. Durante as últimas duas décadas, as pesquisas realizadas revelaram a estrutura das moléculas de anticorpos, os mecanismos complexos pelos quais essas proteínas são sintetizadas e a maneira pela qual elas se ligam aos materiais estranhos, rea-


lizando a defesa bioquímica do organismo. Os anticorpos possuem um núcleo estrutural comum, um tetrâmero composto de quatro cadeias polipeptídicas, duas cadeias leves idênticas e duas cadeias pesadas idênticas. Uma cadeia leve é ligada a uma cadeia pesada por uma ligação covalente S-S (dissulfeto). Pontes dissulfeto também existem entre as duas cadeias pesadas, originando a estrutura esquema-

Figura 2. (A) Esquema do vetor de expressão em plantas pGA748 contendo o cDNA de interesse (cadeia leve ou pesada). BD e BE bordas direita e esquerda do T-DNA de Agrobacterium tumefaciens; P35S - promotor 35S do vírus do mosaico da couve-flor; seta preta - terminador reconhecido em células vegetais; nptII - gene que confere resistência à canamicina; Tc - gene que confere resistência à tetraciclina. (B) cDNAs para as cadeias pesada (A) e leve (B) do anticorpo antidioxinas subclonados no sítio Eco RI do vetor de expressão pGA748, evidenciando as enzimas envolvidas na determinação da orientação de subclonagem. BD- Borda direita. BE- Borda esquerda da região do T-DNA. R- Gene de resistência para a Canamicina. P- Promotor 35S do vírus do mosaico da couve-flor. S- Seqüência sinal de camundongo. IG- Seqüência da imunoglobulina. T- Terminador. VH e VL- Domínio variável das cadeias pesada e leve. CH e CLDomínio constante das cadeias pesada e leve

tizada na Figura 1. Cada cadeia leve tem, aproximadamente, 220 aminoácidos, e cada cadeia pesada possui, aproximadamente, 440 aminoácidos. Essas cadeias possuem, na sua extremidade amino-terminal, uma região variável, composta de aproximadamente 110 aminoácidos, na qual a seqüência de aminoácidos varia bastante entre anticorpos específicos para diferentes antígenos. As regiões variáveis contêm regiões de variabilidade ainda maior as regiões hipervariáveis - que correspondem ao sítio de ligação ao antígeno. A extremidade carboxi-terminal de cada cadeia é referida como região constante, visto que a seqüência de aminoácidos é bastante conservada em todos os anticorpos de uma determinada classe de imunoglobulinas. Além disso, as cadeias pesadas das imunoglobulinas contêm adições de carboidratos; portanto, os anticorpos são moléculas de glicoproteínas. Baseado na seqüência de aminoácidos da região constante, as cadeias leves podem ser classificadas em dois tipos distintos: kappa (κ) ou lambda (λ).As regiões constantes kappa e lambda possuem ao redor de 30 a 40 por cento de homologia. Existem cinco tipos principais de cadeias pesadas (α, δ, ε, γ, µ), que correspondem às cinco classes de anticorpos (IgA, IgD, IgE, IgG, e IgM). Essa classificação é baseada na seqüência de aminoácidos da região constante das cadeias pesadas. As seqüências de aminoácidos das diferentes classes possuem aproximadamente 40 por cento de homologia. Os anticorpos de diferentes classes diferem em tamanho, carga e conteúdo de carboidratos, sendo que anticorpos de algumas classes são compostos de mais de um tetrâmero (Abbas et al., 1994). O uso de anticorpos como reagentes específicos na identificação de antígenos de interesse biológico e/ou médico, é uma prática indiscutivelmente essencial nos laboratórios modernos. Atualmente, talvez seja difícil apontarmos alguma linha de estudos biológicos voltada para diagnósticos que não tenha necessitado ou que necessitará do uso de anticorpos em alguma de suas fases. A própria clínica médica moderna tem planejado esquemas de tratamento oncológico en-

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volvendo anticorpos, como é o caso das imunotoxinas, ou seja, moléculas híbridas anticorpo-toxinas voltadas para reconhecerem células tumorais e exercerem um efeito letal específico sobre essas células (Olnes et al., 1989). Poderíamos comentar também sobre o uso de anticorpos ligados a isótopos radioativos que permitiriam, após a associação com o tumor, sua localização por meio de imagens radiográficas. Além disso, anticorpos monoclonais são usados como vacinas para imunização passiva e são também empregados fora da clínica médica em uma ampla área de separações por afinidade e em numerosos kits de diagnóstico. Portanto, devido ao alto grau de especificidade dessas moléculas, elas podem ser utilizadas como detectoras , tanto para ensaios qualitativos quanto quantitativos, e o campo de aplicação para tais ensaios é quase que irrestrito, dada a grande quantidade de compostos sintéticos que podem ser usados para imunizar os animais, resultando na produção de anticorpos contra muitos compostos de interesse para a medicina e outras áreas da ciência. A maioria dos anticorpos, tais como aqueles usados em imunoensaios, são produzidos em animais e isolados a partir do soro ou fluído ascítico, ou são produzidos em cultura por células especializadas, denominadas células do hibridoma. Para isso, faz-se necessária a fusão de uma célula de mieloma de camundongo (célula tumoral de plasmócitos B) com um linfócito B normal, oriundo de um camundongo imunizado com o antígeno de interesse. A célula híbrida formada é um hibridoma, que conserva a capacidade de divisão exacerbada do mieloma juntamente com a informação para a síntese do anticorpo específico desejado. Como esse anticorpo é originário de um único clone de linfócito B, ficou sendo chamado de anticorpo monoclonal (Milstein, 1986). Vários problemas existem nessa tecnologia. Os hibridomas não são facilmente cultiváveis. É preciso manter toda a tecnologia de cultura de células de mamífero, onde os meios de cultura são caros, o pessoal técnico e o laboratório têm que ser altamente especializados. Mesmo assim, os hibridomas 22

Figura 3. Processo de cotransformação evidenciando o co-cultivo dos discos foliares de N. tabacum com ambas as linhagens de A. tumefaciens, contendo os cDNAS para as cadeias leve e pesada do anticorpo

por vezes cessam de crescer em culturas, ou as mesmas são contaminadas por micoplasma, comprometendo toda uma linha de produção. O desenvolvimento de técnicas recombinantes para a rápida clonagem de cDNAs, codificando as proteínas dos anticorpos tornou possível a expressão e a caracterização destas moléculas em sistemas heterólogos: bactérias, fungos filamentosos, leveduras, células de insetos, células de

mamíferos e de plantas, com vistas à sua produção em larga escala. Esses sistemas heterólogos representam organismos muito mais fáceis de ser manipulados, e com um rendimento em termos de anticorpos funcionais, igual ou muito maior do que o dos clássicos hibridomas. Ao expandir a escolha dos sistemas de produção, as plantas oferecem alternativas únicas para os usuários de anticorpos, não só pela produção em

Figura 4. (A) Calos somáticos de N. tabacum obtidos nos experimentos de transformação mediada por A. tumefaciens (B) Calos em meio de cultura para indução de parte aérea, obtidos nos três experimentos de transformação: cadeia leve, cadeia pesada e cotransformação (cadeia leve + cadeia pesada), mantidos em meio seletivo com canamicina

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larga escala, mas também pela capacidade de montar anticorpos multiméricos complexos completos. Apesar de o investimento inicial de tempo e esforço ser grande se comparado com outros sistemas de expressão, a produção de anticorpos em escala agrícola ou de fermentadores pode ser visualizada, e a economia dessas abordagens abre muitas novas áreas para a aplicação potencial de anticorpos. Aplicações dos anticorpos produzidos em plantas Dos compostos bioativos expressos em plantas transgênicas, os anticorpos muito provavelmente são os que apresentam a maior variedade de aplicações. Plantas transgênicas têm sido geradas para produzir anticorpos monoclonais de uso terapêutico, como reagentes farmacêuticos ou para diagnósticos, ou ainda, visando a modificação de características das próprias plantas. Quanto ao uso terapêutico dos anticorpos, a similaridade entre a maquinaria da célula animal e vegetal permite que as plantas apresentem habilidade em montar cadeias leves e pesadas, formando um anticorpo completo e funcional (Ma & Hein, 1995), que as torna excelente escolha como biorreatores para a produção desses anticorpos. Esses apresentam um particular benefício na área de imunoterapia tópica. A maioria das infecções entram pelo corpo através das mucosas: gastrointestinal, respiratória ou urogenital. Portanto, a imunização passiva dessas mucosas seria uma medida profilática efetiva para um número de doenças virais, bacterianas e fúngicas. Um exemplo bastante interessante de anticorpo produzido em plantas e que apresenta aplicabilidade na imunização passiva é a imunoglobulina multimérica complexa SIgA, que é secretada nas superfícies das mucosas para fornecer proteção local contra toxinas e patógenos. Esse anticorpo é mais efetivo que a classe de anticorpos monoclonais IgG na defesa contra infecções bacterianas, em virtude de ligar-se polivalentemente ao antígeno e, portanto, ser mais eficiente na agregação, na avidez de ligação, e na resistência à proteólise (Ma & Hein, 1996). A SIgA consiste de duas molé-

Figura 5. Plantas transformadas de N. tabacum com desenvolvimento de parte aérea e raízes culas monoméricas de IgA unidas por um pequeno polipeptídeo J e complexada com um polipeptídeo maior, o componente secretório. Todos esses componentes foram expressados individualmente em plantas de fumo e, por sucessivos cruzamentos das plantas transgênicas e seus recombinantes filiais, houve produção de plantas nas quais todas as quatro cadeias de proteínas foram expressadas simultaneamente, resultando em uma molécula de SIgA corretamente montada e extremamente funcional (Ma et al., 1995), mostrando a flexibilidade das células vegetais na montagem de moléculas complexas. A disponibilidade de grandes quantidades de IgA secretória abre um número de novas oportunidades terapêuticas para desordens do sistema imune das mucosas, tais como terapias para patógenos intestinais (E. coli enterotoxigênica, cólera, etc.), patógenos respiratórios (rinovírus e influenza) e doenças sexualmente transmissíveis (Larrick et al., 1998). No caso de modificações causadas na própria planta, as aplicações incluem a resistência de plantas a doenças (Tavladoraki et al., 1993; van Engelen et al., 1994; Fecker et al., 1996; Voss et al., 1994; Yuan et al., 2000) e a modulação das vias metabólicas da planta para produzir novas características nutricionais e de desenvolvimento (Firek et al., 1993; Artsaenko et al., 1995). Segundo De Jaeger et al. (2000) e Conrad & Manteuffel (2001), a imunomodulação pode ser definida como uma técnica molecular que permite interferir no metabolismo celular da planta, ou na infectividade do patógeno, por meio da expressão ectópica de

genes codificando anticorpos recombinantes. Além dessas aplicações, as plantas produtoras de anticorpos poderão ser empregadas em uma potencial estratégia que apresenta um significante impacto: a biorremediação. O seqüestro de poluentes ambientais por plantas expressando anticorpos recombinantes poderia formar a base de um sistema de biorremediação natural. Tal estratégia envolve a expressão de anticorpos recombinantes nas células vegetais e o uso dessas plantas para seqüestrar poluentes presentes no ambiente. Esse seqüestro seria específico para um poluente em particular, e poderia envolver interações de alta afinidade, de maneira que níveis muito baixos do poluente poderiam ser detectados (Hiatt & Mostov, 1993, Owen et al., 1996). A praticabilidade de tal estratégia é apoiada pela demonstração de que anticorpos recombinantes podem ser dirigidos para o apoplasto da planta, e que eles são estáveis e funcionais nesse local (Firek et al., 1993). O diâmetro dos poros na parede celular impõe uma restrição sobre o tamanho das moléculas que podem permeá-la livremente. Esse limite de exclusão corresponde a um peso molecular de 20 kDa para uma proteína globular. Anticorpos são moléculas muito grandes para permearem livremente a parede celular vegetal (Carpita et al., 1979). Consequentemente, a expressão de um anticorpo em uma célula vegetal equivale a produzir uma capacidade de retenção e de ligação dentro de uma membrana semi-permeável. Qualquer antígeno com um peso molecular menor que 20 kDa (como alguns poluentes ambien-

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tais, bioprodutos industriais, pesticidas, herbicidas) poderia ser coletado e retido por uma planta expressando um anticorpo que é funcional in situ e localizado no apoplasto (Firek et al., 1993). Os anticorpos produzidos pelas plantas, após purificação, poderão ainda ser utilizados na preparação de colunas de afinidade, bem como na confecção de kits de diagnósticos, tanto para uso clínico, quanto para a detecção de diversos poluentes ambientais, de forma rápida e menos onerosa. Dioxinas: Perigosos Poluentes Ambientais Há uma extensiva poluição de nossos ambientes por pesticidas orgânicos e outros químicos industriais. Áreas afetadas incluem lagos, rios, água potável, solo, etc. A fabricação de pesticidas, a incineração de químicos contendo halógenos, a fabricação de papel e plásticos, entre outros processos de produção de clorinas, podem resultar na produção não intencional de compostos químicos que são potenciais poluentes ambientais Dentre estes poluentes ambientais destacamse as dioxinas. As dioxinas são hidrocarbonetos aromáticos clorados, que incluem o 2,3,7,8 tetraclorodibenzop-dioxina (TCDD), um dos mais potentes agentes tóxicos. São contaminantes do ecossistema, que, mesmo em baixas doses, são altamente teratogênicos e carcinogênicos (Poland & Knutson, 1982; Stanker et al., 1987, Zober et al., 1990). O fato mais impressionante sobre a TCDD, além da sua teratogenicidade, é a sua potência letal. Em cobaia, a sua LD 50, por via oral, é de, aproximadamente, 1x10-9 mol/Kg (Poland & Kende, 1976). A dioxina existia como contaminante no Agente Laranja, um desfoliante amplamente usado na guerra do Vietnã, nos anos 60, constituído da mistura de dois químicos conhecidos convencionalmente como 2,4,D e 2,4,5,T. Ela é que foi apontada como o agente causal dos vários sintomas descritos pelos veteranos expostos ao desfoliante. A dioxina não é solúvel no ar ou na água, mas é atraída por óleos e gorduras, acumulando-se em níveis altíssimos nos corpos das espé24

Figura 6. Plantas transgênicas de N. tabacum obtidas nos três experimentos independentes de transformação, com os cDNAs para o anticorpo antidioxina, mantidas em casa de vegetação cies que estão no topo da cadeia alimentar, causando efeitos tóxicos que incluem anorexia, severa perda de peso, hepatotoxicidade, hepatoporfiria, lesões vasculares, atrofia do timo e supressão imune, toxicidade reprodutiva e do desenvolvimento, úlceras gástricas, teratogenicidade e morte (Langer et al., 1973). A contaminação pela dioxina tem sido um fato que ultimamente tem alarmado o mundo todo. No Brasil, por exemplo, houve o relato de que a Alemanha, Holanda e Bélgica proibiram a entrada naqueles países de farelo de casca de laranja, usado como matéria-prima na produção de alimentação animal, devido à contaminação por dioxina em dois carregamentos brasileiros destinados à Europa (Folha de São Paulo de 21/4/98). No Japão, um nível recorde de dioxinas foi detectado nas cinzas eliminadas pelo incinerador de lixos do Hospital Kasori, na cidade de Chiba. A quantidade de agentes químicos cancerígenos encontrados totalizaram 19 mil picogramas/grama, o maior nível já encontrado em cinzas liberadas por incineradores (Jornal do Nikkey de 15/5/98). Na Bélgica, mais de 1.100 produtos alimentícios foram retirados das prateleiras por suspeita de contaminação por dioxina (Folha de São Paulo de 9/6/99). Portanto, há necessidade de se adotar um procedimento que seja específico para os congêne-

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res mais tóxicos da dioxina e que seja relativamente simples e rápido na detecção do sítio de contaminação, dados os prejuízos que esses compostos causam ao ecossistema e à saúde humana e animal (Stanker et al., 1987). As técnicas analíticas sofisticadas usadas atualmente, tais como a cromatografia gasosa e a espectroscopia de massa (Crummett, 1983), são de alto custo, e requerem laboratórios dedicados, equipamentos especializados, pessoal altamente treinado e não são disponíveis para a aplicação in situ . O que se faz necessário, portanto, é o desenvolvimento de procedimentos alternativos que possam ser específicos, bastante sensíveis, adaptáveis para a análise de múltiplas amostras e simples de serem manipulados, para a rápida aplicação no sítio de contaminação, quantificação e retirada desses poluentes do ambiente. Os imunoensaios preenchem esses critérios e fornecem provas efetivas na detecção de compostos importantes. Stanker et al. (1987) selecionaram 29 hibridomas originados de camundongos imunizados com 1-N-(adipamino)-2, 3, 7-triCDD- ligado à proteína carreadora BSA. Desses anticorpos monoclonais, cinco clones (DD-1, -3, -4, -5 e -6) reconheceram o 2,3,7,8TCDD e apresentaram-se como reagentes comprovados na detecção de cerca de até 0,5 ng de 2,3,7,8-TCDD e outros congêneres, utilizando-se o teste


de competição por ELISA. Portanto, podem ser úteis para estudos de contaminação ambiental. Os genes para os anticorpos DD1 e DD3 tiveram suas regiões variáveis seqüenciadas por Recinos et al. (1994) e foram licenciados com o objetivo de detectar e quantificar a exposição à dioxina em populações humanas. Pelos motivos expostos acima, pode-se constatar que a produção em larga escala de anticorpos contra dioxina é altamente desejável, visto que o uso de kits de detecção produzidos com esses anticorpos purificados, a partir das plantas transgênicas, bem como o potencial uso dessas próprias plantas em um sistema de biorremediação, parecem ser estratégias bastante promissoras na tentativa de eliminar do ambiente esse perigoso poluente. Expressão de anticorpos antidioxinas em plantas de fumo Com o objetivo de expressar o anticorpo anti-dioxina completo, em plantas de fumo, desenvolveu-se, em nosso laboratório, uma estratégia de clonagem envolvendo os cDNAs para as cadeias leve e pesada do anticorpo IgG1a que reconhece o TCDD. O clone pHC2 (Hibridoma DD-3) contém um cDNA de 1600 pb, apresenta a seqüência líder completa e as regiões variável e constante da cadeia pesada γ (gamma) de camundongo, clonado como um fragmento EcoRI em pUC18 (Recinos et al., 1994). O clone pLCE (Hibridoma DD-1) con-

tém um cDNA de 920 pb, contendo a seqüência líder completa e as regiões variável e constante da cadeia leve κ (kappa) de camundongo, clonado como um fragmento EcoRI em pUC18 (Recinos et al., 1994). Ambos os clones foram gentilmente cedidos pelo Dr. Adrian Recinos III (Dept. of Internal Medicine, Univ. of TX Medical Branch, Galveston, TX.). Os cDNAs denominados DD1 e DD3, com suas seqüências sinal nativas, (Figura 2A) foram subclonados, separadamente, sob o controle do promotor constitutivo 35S do vírus do mosaico da couve-flor (P35SCaMV) no vetor de expressão em planta pGA748, cedido gentilmente pelo Dr. Alexandre S. Conceição (Figura 2B). O conhecimento das seqüências das regiões variáveis de ambos os cDNAs (Recinos et al., 1994) e a análise dos tamanhos dos fragmentos nos ensaios de restrição permitiram a seleção de clones com a orientação correta de subclonagem para ambas as cadeias. As construções resultantes foram introduzidas em plantas de fumo (Nicotiana tabacum Petit Havana SR1), cultivadas in vitro , via transformação mediada por Agrobacterium tumefaciens. Primeiramente, o gene de interesse é clonado em um cassete de expressão flanqueado pelas bordas do TDNA. Em seguida, essa montagem é introduzida em células de Agrobacterium tumefaciens, por eletroporação. As células de Agrobacterium contendo esse vetor de expressão transferem

Figura 7. Vista geral das plantas transgênicas de N. tabacum mantidas em casa de vegetação

o T-DNA para as células vegetais durante a co-cultivação. Três experimentos independentes de transformação foram realizados em nosso laboratório: discos foliares transformados com o vetor contendo somente o gene híbrido para a cadeia leve; discos foliares transformados com o vetor contendo o gene híbrido para a cadeia pesada; e discos foliares transformados com ambas as construções, ou seja, dupla transformação simultânea ou cotransformação, conforme esquematizada na Figura 3. Os discos foliares de todos os três experimentos foram colocados em meio de cultura contendo canamicina até o surgimento dos calos somáticos (Figura 4A), os quais foram, posteriormente, individualizados e colocados em meio de cultura contendo hormônios para indução de parte aérea (Figura 4B). As plantas resistentes à canamicina foram individualizdas e transferidas para caixas Magenta, em meio apropriado para a indução de raízes (Figura 5). Finalmente, as plantas foram levadas para vasos com terra, mantidos em casa de vegetação (Figura 6 e 7), em condições adequadas de luz, temperatura e umidade, até o momento da colheita das folhas para as análises moleculares e a extração de proteínas. A análise do DNA genômico por Southern blot confirmou a presença dos genes esperados, e a detecção do anticorpo nas plantas transgênicas cotransformadas, através da análise imunológica por slot blot , revelou claramente a presença da IgG anti-dioxina em quatro plantas testadas. A revelação foi feita por quimioluminescência, usando-se um anticorpo biotinilado específico para IgG completa de camundongo. Nos extratos da planta controle não houve reação, mostrando a ausência do anticorpo. Esse imunoensaio mostrou que as plantas transgênicas de fumo foram capazes de produzir o anticorpo anti-dioxina. Em nosso laboratório, no momento, estão sendo realizadas pesquisas para verificar os níveis de expressão do anticorpo nas diferentes plantas cotransformadas obtidas, bem como a segregação dos genes na geração T1 das mesmas. O anticorpo anti-dioxina produzido pelas plantas de fumo poderia,

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então, ser utilizado na fabricação de um imunoensaio para a detecção da contaminação por dioxina, após sua purificação. Uma outra intrigante possibilidade para o uso dessas plantas transgênicas, seria a biorremediação das áreas poluídas pela dioxina. Referências Bibliográficas Abbas, A.K.; Lichitman, A.H.; Pober, J.S. Cellular and Molecular Immunology. 2nd edition, edited by W.B. Saunders Company, 457 p, 1994. Artsaenko, O; Peisker, M.; Zur Nieden, U.; Fiedler, U.; Weiler, E.W.; Muntz, K.; Conrad, U. Expression of a single-chain Fv antibody against abscisic acid creates a wilty phenotype in transgenic tobacco. Plant J. 8: 745-750, 1995. Carpita, N.; Sabularse, D.; Montezinos, D.; Helmer, D. P. Determination of the pore size of cell walls of living plant cells. Science, 205: 11441147, 1979. Conrad, U.; Manteuffel, R. Immunomodulation of phytohormones and functional proteins in plant cells. TRENDS in Plant Science, 6: 399402, 2001. Crummett, W.B. Status of analytical systems for the determination of PCDDs and PCDFs. Chemosphere, 12:429, 1983. De Jaeger, G.; De Wilde, C.; Eeckhout, D.; Fiers, E.; Depicker, A. The plantibody approach: expression of antibody genes in plants to modulate plant metabolismor to obtain pathogen resistance. Plant Mol. Biol., 43:419-428, 2000. Fecker, L.F.; Kaufmann, A; Commandeur, U.; Commandeur, J.; Koenig, R.; Burgermeister, W. Expression of single-chain antibody fragments (scFv) specific for beet necrotic yellow vein virus coat protein or 25 kDa protein in Escherichia coli and Nicotiana benthamiana. Plant Mol. Biol. 32: 979-986, 1996. Firek, S.; Draper, J.; Owen, M.R.L.; Gandecha, A.; Cockburn, B.; Whitelam, G.C. Secretion of a functional single-chain Fv protein in transgenic tobacco plants and cell suspension cultures. Plant Mol. Biol., 23:861-870, 1993. Hiatt, A.C.; Cafferkey, R.; Bowdish, K. 26

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A produção de insulina humana por Pesquisa

ENGENHARIA GENÉTICA Bactéria transgênica produz insulina humana

Beatriz Dolabela de Lima

Professora Adjunta - Departamento de Biologia Celular Universidade de Brasília bdlima@unb.br

A engenharia genética e a biotecnologia moderna A tecnologia do DNA recombinante possibilita a obtenção de organismos com características novas ou não encontradas na natureza, o que permite uma nova alternativa para o melhoramento genético de espécies de valor biotecnológico. Desse modo, células de bactérias, leveduras e mesmo eucariontes superiores como plantas podem ser programadas com genes exógenos, abrindo a perspectiva de produção nestes organismos de polipeptídeos de interesse, como o interferon, o hormônio de crescimento, a insulina entre outros. A utilização de microrganismos engenheirados , capazes de sintetizar proteínas em grande quantidade, apresenta, sob o ponto de vista econômico,

uma vantagem considerável em relação aos processos clássicos de produção. A extração de proteínas eucarióticas, como a insulina, requer grandes quantidades de matéria-prima (pâncreas suíno e bovino), que nem sempre estão disponíveis e são, geralmente, de elevado custo. Isso torna o processo extrativo cada vez mais oneroso. Nesse contexto, o emprego de técnicas mais eficientes, como a do DNA recombinante, abriu novas perspectivas de produção. Diabetes mellitus

O diabetes mellitus é um grupo de doenças causadas pela deficiência na secreção ou na ação do hormônio pancreático insulina, o que produz profundas anormalidades no metabolismo. Há duas classes principais de diabetes: o juvenil e o adulto. No primeiro, a doença começa cedo, tornando-se severa e, no último, é lento para se desenvolver, moderado e, freqüentemente, não reconhecido. Os sintomas característicos do diabetes são sede excessiva e frequente micção, levando à injestão de grandes volumes de água. Essas alterações são devidas à excreção de grandes quantidades Figura 1: Estrutura da insulina humana: pró-insulina de glicose na urina (cadeias B, C e A) e insulina (cadeias B e A). Setas (glicosúria). O granpretas indicam o ponto de clivagem para a retirada da de volume de urina cadeia C da pró-insulina, originando a insulina ativa. no diabetes reflete a Cadeia B, em rosa, cadeia C, em azul, e cadeia A, em necessidade do rim de excretar uma ceramarelo ta quantidade de 28

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água junto com a glicose, pois a capacidade do rim de concentrar os solutos na urina tem um limite máximo. Outro sintoma é o nível da glicose sanguínea e como é a resposta à ingestão da glicose. Quando a concentração da glicose no sangue é significativamente alta é chamada de hiperglicemia. O pH do plasma sanguíneo de pessoas severamente diabéticas é freqüentemente menor que o valor normal 7,4, condição esta chamada de acidose. É causada pela superprodução de ácidos metabólicos e o pH do sangue pode cair a 6,8 ou abaixo, e levar a lesões irreparáveis nos tecidos, e à morte. Esse aumento da acidez é um indicativo de alterações profundas no balanço ácido-base do organismo. A acidez aumentada é devido à extensa formação de corpos cetônicos no fígado e à sua liberação no sangue. Como os tecidos não conseguem utilizar a glicose sanguínea, o fígado tenta compensar essa deficiência aumentando a utilização dos ácidos graxos como combustível, mas isso provoca a superprodução de corpos cetônicos, além da capacidade dos tecidos em oxidá-los. A atividade de glicoquinase está diminuída no diabetes já que é a insulina que estimula a biossíntese dessa enzima. Como conseqüência, forma-se pouco glicogênio. Como os carboidratos não estão sendo utilizados, as proteínas do organismo são usadas como combustíveis. Os aminoácidos sofrem perda dos seus grupos amino e os acetoácidos formados podem sofrer oxidação em dióxido de carbono e água, em parte pela via do ciclo do ácido cítrico. A administração de insulina para corrigir a deficiência endócrina e a administração de bicarbonato de sódio para corrigir a perda, tanto do sódio como da capacidade do tampão bicarbonato, podem trazer toda a química do organismo de volta para um balanço quase normal dentro de 12 a 24 horas. Para seguir o curso de tal tratamento, as dosagens de glicose, pH e CO2 sanguí-


neos são realizadas frequentemente. Desse modo, o diabetes juvenil requer terapia com insulina e um cuidadoso controle, por toda a vida, do balanço entre a ingestão de glicose e a dose de insulina injetada (Lehninger, 1984).

indesejada nos mRNAs transcritos a serem produzidos a partir destes genes, o que poderia afetar sua expressão. Para facilitar a clonagem, esse gene sintético para a pró-insulina humana foi predito contendo um sítio para a Insulina humana enzima de restrição Eco RI no início do gene, seguido A insulina humana é de um códon para produzida nas células ß metionina (ATG), da repancreáticas, localizadas gião codante para a cadeia dentro dos conjuntos de B, cadeia C e cadeia A, Figura 2: Comparação entre a seqüência nucleotídica do células de 100 a 200 µm nesta ordem, do códon de conhecidos como Ilhotas término (TAA), e finalmengene sintético (Ec gene) e do cDNA para a pró-insulina de Langerhans. Essas estão te, de um sítio para a enzima humana (Hs cDNA). Protein: seqüência protéica da pródispersas pelo pâncreas de de restrição Bam HI. Ouinsulina muitos vertebrados superitros sítios para enzimas de ores, constituindo cerca de restrição foram adiciona1% da massa do orgão (Steiner et al., Construção do gene sintético dos internamente no gene de modo a 1985). A insulina tem sido isolada de para a insulina humana facilitar modificações posteriores. uma grande variedade de espécies de Após a definição da estrutura do gene vertebrados, sendo que, em todas elas, a Dentre as várias maneiras pelas quais sintético, foi realizada a sua montagem molécula é composta de duas cadeias um gene eucariótico pode ser obtido conforme a estratégia mostrada na figura polipeptídicas (A e B) ligadas por pontes para a expressão em procariotos, a sín3. Quatro oligonucleotídeos foram sintetidissulfídricas. tese química oferece as seguintes vantazados para a cadeia B, quatro para a A insulina humana, como muitos gens: fornece diretamente a seqüência cadeia C e dois para a cadeia A. Esses hormônios protéicos, é sintetizada como exata desejada; as seqüências oligos foram anelados em pares para a uma proteína precursora maior, seguida codificadoras e não codificadoras poformação da fita dupla de DNA e foram de uma clivagem proteolítica, para gerar dem ser desenhadas para a expressão ligados entre si, em duas etapas. Na o hormônio ativo (Wang & Tsou, 1991). procariótica; sítios de restrição podem primeira, foram montadas as cadeias B e Desse modo, a insulina é produzida sob ser removidos ou adicionados, íntrons C e, na segunda, montado o gene da próa forma de um único polipeptídeo, a préretirados; não há necessidade da etapa insulina, sendo que nesta ordem: cadeia pró-insulina, com uma cadeia de 110 de isolamento do mRNA ou DNA B, C e A. Esse gene foi clonado em um aminoácidos. Os vinte e quatro primeigenômico e permite a alteração do gene vetor para a realização do seqüenciamento ros aminoácidos formam o peptídeo de forma mais simples. de DNA e a confirmação da seqüência sinal ou seqüência pré da proteína e têm Desse modo, a construção do gene nucleotídica correta do gene. a função de facilitar a entrada da mesma sintético para a pró-insulina humana foi no retículo endoperiplasmático. Durante iniciada a partir da seqüência de Construção de um vetor de esse processo, o peptídeo sinal é separaaminoácidos dessa proteína descrita por hiper-expressão para E. coli do da proteína, resultando na formação Sures et al. (1980). Utilizando-se os da pró-insulina (figura 1). Essa molécula códons genéticos preferenciais para Nos últimos anos, muitos vetores para resultante, na qual as cadeias A (21 Escherichia coli (De Boer & Katelein, E. coli têm sido construídos com diversas aminoácidos) e B (30 aminoácidos) es1986) para a otimização da expressão do finalidades, entre essas, a clonagem de tão ligadas pelo peptídeo conectante C gene nessa bactéria, foi montado um cDNAs, de fragmentos de DNA amplifica(35 aminoácidos), é a precursora da gene codificando a proteína humana. A dos por PCR, transcrição in vitro e para a insulina. Ela adquire sua conformação figura 2 mostra a comparação da seexpressão e produção de proteínas com a formação de duas pontes qüência de bases na fase de leitura do heterólogas. Para cada finalidade, o vetor dissulfídricas e é transportada para o cDNA da pró-insulina humana (Bell et terá que apresentar determinadas caracteaparelho de Golgi, onde vai ser empacoal., 1979; Sures et al., 1980) com o gene rísticas para otimizar sua utilização. Desse tada em grânulos de estoque. Durante a sintético montado nesse trabalho. Esse modo, para a construção de um sistema formação e maturação dos grânulos gene contém 18,6 % de bases substituíde expressão de proteínas em E. coli, seis secretórios, a pró-insulina é clivada por das, sendo 16,27 %, na terceira base, 1,16 elementos básicos são necessários: enzimas proteolíticas do tipo da tripsina, %, na segunda base, e 1,16 %, na primei- uma região necessária para replicação resultando na liberação do peptídeo C. ra base dos códons. Nenhuma das moestável e controle do número de cópias; Desse modo, as duas cadeias A e B estão dificações feitas nos códons alterou o - um marcador seletivo, como um ligadas entre si por pontes dissulfídricas, aminoácido de correspondência. Após gene conferindo resistência a antibiótico tendo uma outra ponte interna na cadeia análise computacional, a presença de para a hospedeira; A, formando a molécula de insulina seqüências repetitivas, diretas ou inver- um promotor para iniciação da trans(figura 1) (Steiner et al., 1985). sas, maiores do que oito nucleotídeos crição e seu controle; não foi encontrada, evitando assim uma - uma região terminadora da transcripossível estrutura secundária local ção; Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001

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Figura 3: Estratégia utilizada para a construção dos genes para a próinsulina humana para a expressão na bactéria E. coli - um sítio de ligação de ribossomas para a iniciação da tradução em uma trinca ATG apropriada; - e uma região de sítios apropriados para enzimas de restrição, para utilização nas clonagens dos genes a serem expressos. Seguindo esses requisitos para a construção do vetor de expressão pLMT8.5 (figura 4), utilizamos a origem de replicação do plasmídeo pUC8, o gene de resistência à tetraciclina do plasmídeo RP4, o promotor pL isolado do fago Lambda, a região Shine Dalgarno sintética do fago T7, terminador de transcrição Rho-independente sintético, e uma região de múltiplos sítios únicos para enzimas de restrição (figura 4). Para a região de replicação estável e de controle do número de cópias do plasmídeo foi escolhida a origem de replicação do plasmídeo pUC8. Essa origem é derivada do plasmídeo pMB1

(ou ColE1) onde mutações e deleções foram introduzidas de modo a aumentar o número de cópias do plasmídeo dentro da célula. Esses plasmídeos podem estar presentes em mais de 500 cópias por célula. O gene de resistência à tetraciclina foi escolhido e utilizado porque este permite que, além da seleção das bactérias recombinantes, o antibiótico tetraciclina estará constantemente fazendo pressão seletiva durante a fermentação. A resistência à tetraciclina consiste de uma proteína que bombeia o antibiótico para fora da célula, não permitindo sua atuação na inibição da síntese protéica no interior da bactéria. Isso tem como conseqüência, em uma fermentação industrial, que se utilizem menores quantidades do antibiótico, pois este não será inativado pela bactéria resistente e estará constantemente presente na fermentação. Assim, a produtividade no bioreator

Figura 4: Mapa do vetor de expressão pLMT8.5 contruído para a produção da pró-insulina humana em E. coli. TetR: gene de resistência a tetraciclina; ori: origem de replicação; MCS: região de sítios únicos para enzimas de restrição; pL: promotor pL; SD: seqüência ShineDalgarno; e TT: região de terminação de transcrição

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não será afetada devido ao acúmulo de bactérias sem plasmídeos. Esse fenômeno de acúmulo de bactérias sem plasmídeos foi observado por muitos pesquisadores e é responsável por dificuldades no escalonamento requerido para a comercialização de produtos recombinantes (Kumar et al., 1991). Para a iniciação da transcrição foi escolhido o promotor pL do bacteriófago Lambda. Este é um promotor forte e é regulado negativamente pelo repressor codificado pelo gene cI. A mutação cI857 tornou o repressor sensível à temperatura, funcional a 28oC e não funcional a 42oC. Assim, a expressão de seqüências codantes sob o controle desses promotores e pelo repressor cI857 pode ser ativada simplesmente por uma mudança na temperatura da cultura, o que, principalmente em escala industrial, simplifica e barateia o processo. A partir de um promotor e de um início de transcrição, a RNA polimerase transcreve o RNA até o reconhecimento de um sítio de terminação, que funciona como um sinal para o término da transcrição. Dois tipos diferentes de terminadores são encontrados: terminadores simples ou Rho-independentes e terminadores Rho-dependentes (dependentes da proteína Rho). Os terminadores Rho-independentes possuem duas características: uma estrutura em forma de grampo, gerada por pareamento entre repetições invertidas, contendo uma região rica em pares G-C na base do grampo, separadas por uma curta distância, e outra, subseqüente da primeira, que contém uma região de, aproximadamente, seis resíduos de uridina no final da unidade. Esses terminadores parecem ter alguma função na proteção do mRNA, pela sua capacidade de formar uma estrutura em grampo, provavelmente fornecendo uma barreira contra a ação de uma exonuclease 3' (Brawerman, 1987), e não dependem de um fator protéico, proporcionando uma efetiva finalização da transcrição no vetor de expressão. A etapa mais limitante na síntese protéica é a ligação dos ribossomas às moléculas de mRNA. Desde que o número de ribosomas na célula exceda a classe de mensageiros, uma maneira de aumentar a expressão de um gene clonado é aumentar o número dos transcritos correspondentes. Para tal, a maneira mais simples é clonar o gene de interesse em um plasmídeo com grande número de cópias. As duas características dos mRNAs de E. coli , que determinam onde e qual a eficiência do processo de reconheci-


Figura 5: Análise da expressão em diferentes tempos de indução da pró-insulina em E. coli. Gel desnaturante (SDS-PAGE) a 15% dos lisados protéicos totais das culturas, contendo o plasmídeo pLMT8.5 e o plasmídeo pPTA1 (pLMT8.5 + gene da pró-insulina)

mento ribosoma-mRNA, são o códon de iniciação, geralmente AUG ou GUG, e a região Shine Dalgarno (SD), ou sítio de ligação de ribossomas (RBS). Essa região é complementar ao final 3' do RNA ribosomal 16S (Shine & Dalgarno, 1974; Shultzaberger et al., 2001). O SD tem tipicamente de três a seis nucleotídeos de tamanho e está localizado quatro a quinze nucleotídeos antes do códon de iniciação. Essa região tem a função de guiar o ribossoma para o ponto de início correto (Dreyfus, 1988). Olins et al. (1988) descreveram uma região SD a montante do gene 10 do bacteriófago T7 (g 10-L). Esse gene codifica para a proteína da capa, que é a proteína mais sintetizada após a infecção do fago T7. Essa região SD possui um grande potencial para otimizar a eficiência da tradução de genes homólogos e heterólogos clonados em E. coli. Para facilitar a clonagem de genes para a expressão no vetor, uma região apropriada de sítios únicos para enzimas de restrição foi adicionada entre a região promotora e o SD, e a região terminadora da transcrição, onde temos o sítio para a enzima de restrição NcoI contendo o códon ATG de início de tradução (figura 4). Produção da pró-insulina humana Para a produção da pró-insulina, o gene sintético da pró-insulina foi subclonado no vetor de expressão pLMT8.5 e o plasmídeo recombinante foi denominado de pPTA1. Esse plasmídeo foi utilizado para a transformação da cepa E. coli N4830-1, pois essa possui o repressor cI termossensível. A cepa E. coli N4830-1 transformada

com o plasmídeo pPTA1, foi utilizada para a indução térmica da Pró-insulina. Como controle, foi utilizadas cultura da cepa contendo o plasmídeo pLMT8.5 sem o gene clonado. As proteínas induzidas estão mostradas na figura 5. Verifica-se a indução de uma proteína de, aproximadamente, 10.000 dáltons, que corresponde à Pró-insulina na cultura do recombinante pPTA1. Essa proteína corresponde a 20% das proteínas totais da bactéria. Nas amostras com o plasmídeo pLMT8.5, não observamos essa proteína induzida. Podemos concluir portanto, que ocorreu uma hiperexpressão da Pró-insulina a partir do gene clonado no plasmídeo pLMT8.5 construído. Verificou-se também que ocorreu formação de corpos de inclusão da proteína recombinante produzida, o que auxilia a proteção contra proteólise e facilita sua purificação. Eles são formados como agregados citoplasmáticos que podem ser purificados após a lise da célula, centrifugação e solubilização das proteínas com, por exemplo, uréia ou guanidina. A perspectiva de produção a partir dessas bactérias recombinantes, obtidas nesse trabalho, nas condições de cultura utilizadas, é de 1 g de pró-insulina para cada 17 litros de cultura, com uma densidade celular de 109 células por ml. Considerações finais Esse trabalho foi realizado dentro do Projeto Produção de insulina humana através de precursores recombinantes em Escherichia coli , coordenado pelo Prof. Spartaco Astolfi Filho, com financiamento da Biobrás e PADCT/FINEP, dentro do Convênio UnB/Biobrás. Esse

sistema de produção de insulina está patenteado nos Estados Unidos (patentes nos. 6068993, 30/05/2000, e 6281329B1, 28/08/2001) e com pedido de patente no INPI, Brasil. Bibliografia Bell, G.I.; Swain, W.F.; Pictet, R.; Cordell, B.; Tischer, E. & Goodman, H.M. 1979. Nucleotide sequence of a cDNA clone encoding human preproinsulin. Nature, 282, 525-7. Brawerman, G. 1987. Determinants of messenger RNA stability. Cell, 48: 5-6. De Boer, H.A. & Kastelein, R.A. 1986. Biased codon usage: an exploration of its role in optimization of translation. In: Maximizing gene expression; Reznikoff, W. & Gold, L.; eds. Butterworth Publishers, Stoneham, USA. Dreyfus, M. 1988. What constitutes the signal for the initiation of protein synthesis on Escherichia coli mRNAs? J. Mol. Biol., 204: 79-94. Kumar, P.K.P.; Maschke, H.E.; Friehs, K. & Schugerl, K. 1991. Strategies for improving plasmid stability in genetically modified bacteria in bioreactors. Tibtech, 9: 279-84. Lehninger, A.L. 1984. Princípios de Bioquímica. São Paulo, Savier. Olins, P.O.; Devine, C.S.; Rangwala, S.H. & Kavka, K.S. 1988. The T7 phage gene 10 leader RNA, a ribosomebinding site that dramatically enhances the expression of foreign genes in Escherichia coli. Gene, 73: 227-35. Shine, J. & Dalgarno, L. 1974. The 3 terminal sequence of E. coli 16S ribosomal RNA: complementarity to nonsense triplets and ribosome binding sites. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, 71: 1342-6. Shultzaberger R.K., Bucheimer R.E., Rudd K.E. & Schneider T.D. 2001. Anatomy of Escherichia coli Ribosome Binding Sites. Journal of Molecular Biology, 313: 215-28. Steiner, D.F.; Chan, S.J.; Welsh, J.M. & Kwow, S.C.M. 1985. Structure and evolution of the insulin gene. Ann. Rev. Genet., 19: 463-84. Sures, I.; Goeddel, D.V.; Gray, A. & Ullrich, A. 1980. Nucleotide sequence of human preproinsulin complementary DNA. Science, 208: 57-9. Wang, C.C. & Tsou, C.-L. 1991. The insulin A and B chains contain sufficient structural information to form the native molecule. TIBS, 16: 279-81.

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Biotecnologia aplicada ao Pesquisa

CONTROLE BIOLÓGICO O entomopatógeno Metarhizium anisopliae

Grupo de Biologia Molecular de Fungos Filamentosos do Centro de Biotecnologia do Estado do Rio Grande do Sul da UFRGS

Melissa Franceschini

Viviane Kogler

Lucélia Santi

Ana Paula Guimarães

Márcia Vanusa da Silva

Marilene Henning Vainstein

Melissa Camassola

Valéria Dutra

Doutoranda em Biologia Celular e Molecular UFRGS melifran@dna.cbiot.ufrgs.br Graduanda em Ciências Biológicas UFRGS apgm@dna.cbiot.ufrgs.br Graduanda em Ciências Biológicas UFRGS melissa@dna.cbiot.ufrgs.br

Graduanda em Ciências Biológicas UFRGS vkogler@dna.cbiot.ufrgs.br Doutoranda em Biologia Celular e Molecular UFRGS marcia@dna.cbiot.ufrgs.br Doutoranda em Biologia Celular e Molecular UFRGS valdutra@dna.cbiot.ufrgs.br

Ana Paula Frazzon

Luciano Nakazoto

César Milton Baratto

Luiza Castro

Doutoranda em Biologia Celular e Molecular UFRGS apaulagf@dna.cbiot.ufrgs.br Doutorando em Biologia Celular e Molecular UFRGS baratto@dna.cbiot.ufrgs.br

Doutorando em Biologia Celular e Molecular UFRGS lucnak@dna.cbiot.ufrgs.br

Ph.D, Professora Adjunta do Depto. de Microbiologia e Pesquisadora do Centro de Biotecnologia CBiot-UFRGS mhv@dna.cbiot.ufrgs.br

Augusto Schrank (Chefe do Grupo)

Ph.D, Professor Adjunto do Depto. Biologia Molecular e Biotecnologia e Pesquisador do Centro de Biotecnologia CBiot-UFRGS augusto@dna.cbiot.ufrgs.br Fotos cedidas pelos autores

Mestranda em Biologia Celular e Molecular UFRGS luiza@dna.cbiot.ufrgs.br

Controle Biológico Apesar de os defensivos agrícolas terem uma alta e rápida eficiência, são necessárias aplicações repetidas desses produtos, o que representa grandes quantidades lançadas no ambiente e um alto custo. Esses produtos químicos propiciam uma alta produtividade, mas têm efeitos negativos sobre o solo, o clima, a vegetação, as águas, os animais e o homem, e provocam a seleção de mutantes resistentes, resultantes da forte pressão seletiva. Além disso, seu tempo de degradação no ambiente é da ordem de décadas, o que provoca uma concentração elevada dessas substâncias na cadeia alimentar. Nesse contexto, o controle biológico é uma alternativa viável para o combate de pragas e patógenos e vantajosa em relação ao controle químico, especialmente quanto ao impacto ambiental, ao custo, à especificidade e ao desenvolvimento de resistência. Entre os microrganismos patogênicos com aplicação potencial em controle biológico destacam-se os fungos filamentosos. Quando comparados a outros sistemas utilizados em controle biológico, como bactérias produtoras de toxinas, protozoários e vírus, os fungos apresentam como vantagem um mecanismo especializado de infecção, que ocorre pela sua penetração ativa nos hospedeiros, não dependendo, assim, da sua ingestão para que se inicie o processo de infecção. 32

Graduanda em Ciências Biológicas UFRGS lucelia@dna.cbiot.ufrgs.br

O maior entrave para a utilização de fungos filamentosos no controle biológico é o grande lapso de tempo entre a sua aplicação e a morte dos hospedeiros, se comparados com os pesticidas químicos. Durante esse período de tempo, as pragas agrícolas podem causar sérias perdas na produtividade da cultura-alvo. Um dos objetivos comuns no estudo desses microrganismos em controle biológico visa a aumentar a velocidade de morte dos hospedeiros para melhorar a eficiência do biocontrolador. Têm sido feitos esforços no intuito de melhorar a produção, a estabilidade e a aplicação de inóculos desses fungos. O entendimento das características básicas da relação entre o fungo e o inseto hospedeiro tem permitido conhecer a natureza da patogenicidade, possibilitando a introdução de genes específicos, altamente expressos em condições de infectividade, com vistas a acelerar o processo de infecção e de diminuir, assim, o tempo entre o início da infecção e a morte do hospedeiro (ST. LEGER et al., 1996). O Entomopatógeno Metarhizium anisopliae O fungo Metarhizium anisopliae é um Deuteromiceto amplamente distribuído na natureza e pode ser encontrado facilmente nos solos, onde sobrevive por longos períodos (ALVES, 1998). M. anisopliae infecta mais de 300 espécies de insetos das diferentes ordens, incluindo

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Figura 1: Linhagens brasileiras do fungo Metarhizium anisopliae. A) RJc (Deois flavopicta Rio de Janeiro); B) RJd (Deois flavopicta Rio de Janeiro); C) M5 (Deois sp. - Pernambuco); D) AL (Mahanarva postigata Alagoas); E) MT (Deois sp. Mato Grosso); F) E9 (Deois flavopicta Espírito Santo); e, G) E6S1 (Deois flavopicta Espírito Santo). Ambas crescidas em Meio Cove sólido. Entre parênteses está descrito o hospedeiro em que a linhagem foi isolada e o Estado de origem

pragas importantes (ALVES, 1998). Alguns de seus hospedeiros são pragas na agricultura, como a cigarrinha da cana-de-açúcar (Mahanarva posticata), a cigarrinha-das-pastagens (Deois sp e Zulia sp), a lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis), a formiga saúva (Atta sexdens), os térmitas subterrâneos (Isoptera : Rhinotermitidae). Sua patogenicidade tem sido ainda demonstrada para carrapatos de diferentes gêneros e espécies (KAAYA et al., 1996; ZHIOUA et al., 1997; FRAZZON

et al., 2000). Vários fatores têm sido apontados como possíveis determinantes de patogenicidade, entre os quais, a produção de toxinas e a produção e secreção de enzimas hidrolíticas, como quitinases, proteases e lipases (CLARKSON & CHARNLEY, 1996). Alguns autores sugerem ainda que a expressão diferenciada das superóxido dismutases (SODs), enzimas que atuam como um sistema de defesa contra radicais livres de oxigênio (SCHRANK et al., 1993), e a presença

Figura 2: Detalhes morfológicos de Metarhizium anisopliae. A) O fungo M. anisopliae apresenta micélio hialino e septado e esporos de coloração verde. B) Os esporos são cilíndricos. C) Algumas linhagens de M. anisopliae são infectadas por micovírus

de micovírus, com genoma de dsRNA (BOGO et al., 1996b), influenciam a patogenicidade de M. anisopliae. São necessárias, entretanto, confirmações experimentais para essas observações. Por ser considerado um dos agentes mais promissores no controle de pragas, M. anisopliae tem sido um dos modelos mais estudados em relação ao isolamento e à seleção de linhagens do ambiente, ao isolamento de mutantes com características importantes para o controle biológico, ao estudo dos mecanismos de infecção, ao desenvolvimento de metodologias de biologia molecular e a estudos alternativos para produção, manutenção da viabilidade e formulação de biopesticidas. A Figura 1 mostra algumas linhagens brasileiras do fungo M. anisopliae, e suas origens. A Figura 2 mostra detalhes morfológicos do fungo M. anisopliae. O nosso grupo de pesquisa tem estudado alguns aspectos básicos da biologia molecular de M. anisopliae, em especial o desenvolvimento de sistemas de transformação para permitir a re-introdução de genes manipulados in vitro (BOGO et al., 1996a), o estudo da regulação de quitinases (PINTO et al., 1996) e a clonagem e a caracterização do gene chit1, que codifica uma dessas quitinases (BOGO et al., 1998). O grupo dedica-se, ainda, ao estudo da aplicação de M. anisopliae como biocontrolador do carrapato Boophilus microplus (FRAZZON et al., 2000). O processo de infecção O processo de infecção de M. anisopliae em seus hospedeiros ocorre em fases sucessivas de germinação, diferenciação, penetração, colonização, reprodução e disseminação (SCHRANK et al., 1993; ALVES, 1998). O processo de infecção é iniciado pela germinação dos esporos sobre a cutícula do hospedeiro. Na superfície do esporo, ainda não germinado, foi detectada a presença de enzimas (proteases, esterases e N-acetilglicosidases) que têm efeito na adesão, na aquisição preliminar de nutrientes e que também causam modificações superficiais nas camadas mais externas da cutícula do hospedeiro (ST. LEGER et al., 1990). O esporo germina e o tubo germinativo se diferencia por

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dilatação da extremidade Figura 3: Cutícula de teleógina das hifas para a formação de Boophilus microplus do apressório, uma estruinfectada com esporos de tura especializada de peMetarhizium anisopliae. 108 netração, estimulada pelo esporos do fungo foram contato físico com a cutíincubados com cutícula de cula do hospedeiro (ST. carrapato a 28 0C por 24 horas. LEGER et al., 1991b). Esse Fotos de microscopia estímulo também é sensíeletrônica de varredura. A) vel a alterações da superGerminação de esporos com fície, indicando um posaumento de 100 vezes; sível mecanismo pelo qual primeiro detalhe, aumento de o patógeno reconhece 605 vezes; segundo detalhe, seu hospedeiro (ST. LEaumento de 4.900 vezes. B) GER et al., 1990). Preferência dos esporos em Após a formação do germinar próximo a locais apressório, ocorre o deporosos e articulados da senvolvimento de estrucutícula; no caso, pêlos; turas denominadas gramaumento de 2.000 vezes. C) pos de penetração, que Ponta de hifa do acaricida que são caracterizadas por atravessou a cutícula do uma alteração na parede carrapato. Aumento de 1.500 celular da parte do apresvezes sório que está em contato com o hospedeiro, sendo mais fina e saliente (ST. LEGER et al., vários sintomas incluindo inquieta- cobre a superfície do tegumento, re1991b). Evidências obtidas por mi- ção, perda de coordenação e parada sultando na mumificação. Sob condicroscopia eletrônica e histoquímica da ingestão de alimento (LAVERLAM, ções ambientais apropriadas, ocorre a produção de esporos, que poderão sugerem que a etapa de penetração 1999). Após a morte do hospedeiro, que ser disseminados pelo vento para inocorre por uma combinação de degradação enzimática e pressão mecânica ocorre de 4 a 5 dias após a infecção, as fectar outros indivíduos (LAVERLAM, (ST. LEGER et al., 1988a). Nesse pro- hifas se desenvolvem invadindo os 1999). As Figuras 3 e 4 mostram os cesso são produzidas algumas enzi- diversos órgãos internos. Após o es- estágios inicial e final do processo de mas como lipases, quitinases e prote- gotamento dos nutrientes, as hifas se infecção do fungo M. anisopliae em ases (ST. LEGER et al., 1986a, b, 1988b, estendem para fora do corpo do hos- teleógina do carrapato B. microplus. 1991a; PINTO et al., 1996; ALVES, pedeiro, formando um micélio, que As proteases 1998). Após o processo de Foi demonstrado que penetração, o fungo inientre os genes expressacia a etapa de colonizados especificamente dução do hospedeiro. As rante o processo de inhifas que atravessam a fecção de M. anisopliae cutícula do hospedeiro no hospedeiro está o sofrem um engrossagene pr1A, originalmenmento e se ramificam te pr1, que codifica uma inicialmente no teguprotease do tipo subtilimento e, posteriormensina (PR1A), que tem uma te, na cavidade geral do participação marcante na corpo, liberando toxinas penetração da cutícula e ocasionando a morte do hospedeiro pelo fundo hospedeiro devido à go. produção de metabóliST. LEGER et al. tos secundários denoFigura 4: Teleóginas do carrapato B. microplus infectadas (1992) demonstrou que minados destruxinas, com o fungo acaricida M. anisopliae. A) Detalhe de hifas a protease PR1A é mais que afetam os canais de do fungo M. anisopliae se estendendo para fora do corpo efetiva na degradação transporte de íons, enestrutural das proteínas volvidos na resposta de teleógina de B. microplus completamente infectada. B) ligadas a cutícula por muscular e a integridaDetalhe de uma teleógina de B. microplus completamente ligação covalente, devide da membrana celuinfectada pelo fungo M. anisopliae. A cutícula da teleógina do aos resíduos de carga lar. O hospedeiro exibe foi parcialmente retirada 34

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Tabela 1 Quitinases e genes de quitinases isolados de Metarhizium anisopliae. Quitinases CHIT30 CHIT33 CHIT43,5 CHIT45 CHIT60 CHIT110

Indução Quitina Quitina Cutícula Cutícula Quitina Inibida por NAG

Ação Exo / Endoquitinase Endoquitinase Endoquitinase Endoquitinase Exo / Endoquitinase Quitobiase

Linhagem E6 ME1 ME1 ME1 ATCC 20500 ME1

Genes chit1 (42 kDa) chi11 (58 kDa) chi2 (43 kDa) chi3 (34 kDa)

Cópias Única Única -

No de Aminoácidos 423 523 414 317

Linhagem E6 ATCC 20500 ME1 ME1

positivas que se formam na superfície da molécula de PR1A em pH neutro ou alcalino. A Figura 5 mostra a capacidade do fungo M. anisopliae de alcalinizar o meio contendo substrato para proteases, confirmando pH ótimo para proteases sendo igual a 8 (ST. LEGER et al., 1999). O gene pr1A é altamente regulado e somente expressado durante a fase de penetração (ST. LEGER et al., 1992). Esse gene está sob controle duplo de expressão: i) pelo mecanismo de repressão catabólica regulado pelos níveis de carbono e nitrogênio (ST. LEGER et al., 1988b) e, ii) pela indução específica promovida pelas proteínas da cutícula (PATERSON et al., 1994). A protease PR1A hidrolisa de 25% a 30% das proteínas da cutícula dos hospedeiros liberando peptídeos que servirão de nutrientes para o fungo e substratos para a elaboração de outros determinantes da patogenicidade (ST.

LEGER et al., 1986a). PR1A é a única protease de cutícula produzida em quantidade elevada em vários isolados patogênicos de M. anisopliae. Foi observado por ST. LEGER et al. (1987) um aumento da protease PR1A durante a penetração do fungo M. anisopliae na cutícula de larvas de Manduca sexta. O gene pr1A foi clonado sob o controle de um promotor constitutivo e os transformantes, superexpressando PR1A, mostraram-se 25% mais eficientes na infecção de insetos (ST. LEGER et al., 1996). Nesse trabalho, foi definitivamente demonstrado o potencial da manipulação genética para ser efetivamente utilizada na construção de linhagens mais eficientes para o controle biológico a partir do conhecimento dos fenômenos básicos da etapa de penetração. A Figura 6 mostra a superprodução de PR1A de uma linhagem transformada de M. aniso-

pliae em comparação com a linhagem selvagem. JOSHI et al. (1997), investigando genes envolvidos no processo de infecção de fungos entomopatogênicos, descreveram uma nova protease também do tipo subtilisina (PR1B) a partir de genes especificamente expressados por M. anisopliae durante seu desenvolvimento na cutícula de baratas (Blabarus gigantius). A dedução da seqüência de aminoácidos mostrou 54% de similaridade com a subtilisina PR1A. No entanto, a PR1B possui várias substituições na seqüência altamente conservada compreendendo o sítio ativo das subtilisinas. Essas substituições são cataliticamente críticas podendo reduzir a eficiência catalítica da protease. A função da protease PR1B na infecção de hospedeiros ainda não foi determinada. Atualmente se encontram disponíveis no GENBANK seqüências de mais oito genes de proteases da família das subtilisinas PR1 denominados de pr1D até pr1K, que foram isolados de M. anisopliae pelo grupo norte-americano liderado por St. Leger. Sua função ainda não foi estudada. Quitina e Quitinases

Figura 5: Alcalinização de meio contendo substrato para proteases pelo fungo Metarhizium anisopliae. O meio utilizado apresenta como fonte de carbono apenas azocaseína. Para demonstrar em que faixa de pH o fungo cresce quando proteases são requeridas o meio foi complementado com o corante Vermelho de Bromocresol. Esse corante apresenta coloração variando do amarelo até o violeta quando o pH varia do ácido até o alcalino. O pH ótimo para proteases secretadas por M. anisopliae fica na faixa alcalina igual a 8. As setas indicam halo de degradação de azocaseína

A quitina, depois da celulose, é um dos polímeros mais abundantes na natureza (FLACH et al., 1992). É encontrada como constituinte do exoesqueleto de insetos e de crustáceos, em conchas de moluscos e é o maior componente da parede celular de fungos (CABIB, 1987). As quitinases são enzimas hidrolíticas com a propriedade de hidrolisar a quitina em oligôme-

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Figura 6: Halo de degradação em meio com substrato para proteases de linhagens de Metarhizium anisopliae. A faixa mais clara em cada placa demonstra a degradação de azocaseína em meio que contém apenas azocaseína como fonte de carbono, em pH ótimo para proteases igual a 8. A linhagem E6S1 é selvagem de M. anisopliae, enquanto a linhagem T136 é uma linhagem E6S1 selvagens que foi transformada para que superexpressasse a protease PR1A. A linhagem apresentou halo de degradação 4 vezes maior que a linhagem selvagem. Esses dados são estatisticamente significantes (teste de Tukey para α = 0,05) ros de N-acetilglicosamina (NAG), que assim podem ser absorvidos e metabolisados (GOODAY, 1990; GOODAY et al., 1992). Muitos organismos produzem quitinases, entre eles, bactérias, fungos, crustáceos, insetos e plantas superiores. Em fungos, cuja parede celular é composta basicamente por polissacarídeos como quitina e glicanas (GOODAY et al., 1992), as enzimas quitinolíticas estão basicamente envolvidas nos processos de crescimento e diferenciação. Os fungos filamentosos também possuem quitinases que atuam em diferentes processos fisiológicos, como dispersão de esporos, autólise e nutrição (DE LA CRUZ et al., 1992; STIRLING et al. 1979). As enzimas quitinolíticas provavelmente desempenham um papel importante na penetração de fungos filamentosos através da cutícula dos hospedeiros. Essas enzimas se encontram sob forte regulação no fungo M. anisopliae, onde o sistema quitinolítico é regulado por um mecanismo de indução-repressão, tendo a quitina como 36

mas com apenas uma exceção. Essa atividade remanescente foi sugerido ser controlada separadamente das demais (ST. LEGER et al., 1993). Estudos demostraram mais de um gene codificando quitinase em M. anisopliae (Tabela 1). Até o momento, não foi confirmada a participação das quitinases na entomopatogenicidade de M. anisopliae. Apesar dos estudos bioquímicos e do conhecimento acumulado, pouco se sabe quanto aos tipos, a regulação, a localização, as seqüências envolvidas em sua glicosilação, a secreção e a participação das quitinases nos processos fisiológicos. Agradecimentos

Figura 7: Análise da produção de enzimas quitinolíticas por linhagens de Metarhizium anisopliae. As linhagens foram crescidas em meio com substrato para quitinases ligado (B) ou não (A) ao corante Azul de Remazol. A faixa mais clara nas placas representa a degradação do substrato pelo fungo. 1) E9; 2) RJc; 3) MT; e, 4) E6S1. A linhagem E6S1 demonstrou ser a mais promissora para estudos de produção de quitinases indutor tanto da síntese como da secreção de quitinases, e a glicose como repressor da sua síntese. A concentração do monômero NAG também regula a síntese e a secreção das quitinases, sendo que, em baixas concentrações, age como indutor, enquanto em altas concentrações, apresenta papel de repressor (BARRETO, 1996; MOREIRA, 1998; Figura 7). Foi demonstrado em géis de atividade contendo glicol-quitina como substrato que uma linhagem de M. anisopliae altamente secretora produzia uma mistura complexa de enzimas quitinolíticas quando o fungo era cultivado em condições de indução. A presença de, aproximadamente, 10 isoenzimas foi sugerida (ST. LEGER et al., 1993). Inibidores catabólitos reduzem a produção de todas as isoenzi-

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Agradecemos ao Prof. Dr. Elliot Watanabe Kitajima, do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Microscopia Eletrônica Aplicada à Pesquisa Agropecuária (NAP/ MEPA) da USP, pelo auxílio e colaboração na obtenção das fotos por MET. Órgãos financiadores: CAPES e CNPq pelo apoio financeiro.

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ANTICORPOS Pesquisa

HUMANIZADOS

Andréa Queiroz Maranhão

Profa. Dra. em Biologia Molecular-UnB

Marcelo de Macedo Brígido Prof. Dr. em Bioquímica UnB brigido@unb.br Fotos cedidas pelos autores

Humanização de anticorpos de interesse clínico sistema imune dos vertebrados é especializado no reconhecimento de substâncias e organismos estranhos e na sua posterior eliminação. Desse processo participam diversos tipos celulares e moléculas, e, dentre essas últimas, destacam-se os anticorpos ou imunoglobulinas, principais protagonistas da resposta imune humoral. A formação de imunoglobulinas em resposta a um patógeno ou a uma toxina culmina com a produção de moléculas de alta afinidade, com grande capacidade de distinção entre espécies moleculares semelhantes. Essa característica das imunoglobulinas e a possibilidade de se produzirem anticorpos específicos contra antígenos humanos em animais imunizados, levou à proposição de que essas moléculas poderiam ser utilizadas como fármacos, ou ainda para dirigir fármacos a locais específicos do corpo de pacientes. Tal proposição ganhou força com a descoberta de Milstein e Köhler acerca do processo de produção de anticorpos monoclonais1, o que gerou uma grande expectativa por parte da comunidade científica e da mídia. Esse processo envolve a imortalização de células produtoras de anticorpos (oriundas do animal imunizado) por fusão com células tumorais. Com essa tecnologia, que data de 26 anos, partiu-se para uma idéia de que os anticorpos monoclonais poderiam funcionar como balas mágicas, devido à sua especificidade por um dado antígeno, podendo alcançar específica e eficientemente um único tecido ou tipo celular. Esperava-se que, em pouco tempo, os anticorpos monoclonais chegassem à clínica médica como solução para diversos males, expectativa essa que foi exacerbada em 1982, quando um anticorpo anti-idióti38

po mostrou-se eficiente no tratamento de certo tipo de linfoma2. Esse período foi marcado por um investimento maciço por parte de empresas farmacêuticas. Esse entusiasmo inicial deu espaço a uma fase de ceticismo, quando nenhum outro anticorpo testado apresentava resultados clínicos significativos. Ao contrário, observava-se que alguns anticorpos podiam ser muito tóxicos, colocando em cheque a sua viabilidade clínica. Até o ano de 1994, apenas três anticorpos haviam sido aprovados para uso clínico, o Orthoclon, o Panorex e o ReoPro. Foi também na primeira metade da década de 90 que o quadro voltou a ser favorável aos anticorpos monoclonais. Dois fatores foram fun-

damentais nessa mudança de rumo: primeiro, foram obtidos resultados clínicos consistentes para diversos anticorpos monoclonais; o segundo fator foi o aparecimento dos anticorpos recombinantes humanizados3, que prometiam, com a chancela da engenharia genética, revolucionar o cenário de aplicação dos anticorpos monoclonais com uma nova especialidade de pesquisa em Biologia Molecular, a Engenharia de Anticorpos. A flexibilidade na manipulação genética de seu arcabouço peptídico e o acúmulo de informações sobre sua estrutura e função, fez das imunoglobulinas um produto de alto valor econômico e com grandes perspectivas biotecnológicas.

Figura 1.- Representação esquemática da molécula de anticorpo e seus principais fragmentos. Os fragmentos Fab e o Fc derivados da molécula inteira de imunoglobulina podem ser obtidos por clivagem proteolítica. Os fragmentos recombinantes scFv e o FvFc apresentam um peptídeo conector flexível (linha vermelha) unido o carboxi-terminal da cadeia variável pesada com o amino-terminal da cadeia variável leve e são obtidos por manipulação genética dos genes de imunoglobulinas. Ressalta-se o caráter dimérico do fragmento FvFc, apresentando dois sítios de reconhecimento antigênico, como na molécula inteira

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Aspectos Estruturais dos Anticorpos Os anticorpos são proteínas de elevada massa molecular encontrados em abundância no soro de animais vertebrados. A molécula de imunoglobulina (figura 1) é de natureza tetramérica e pode ser caracteristicamente separada em duas cadeias pesadas e duas cadeias leves. Essas moléculas são responsáveis pelo reconhecimento de determinantes antigênicos das substâncias/invasores exógenos e também pela ativação de sistemas efetores celulares, que, em última instância, os eliminam. Devido às funções que desempenham, essas moléculas apresentam uma ambigüidade estrutural: por um lado, sua extremidade N-terminal (Fab fração ligante ao antígeno) apresenta uma variabilidade superficial capaz de interagir com moléculas dos mais variados tipos, enquanto que a porção carboxiterminal (Fc-fração cristalizável) deve ser reconhecida por células efetoras do sistema imune, o que pressupõe uma certa constância estrutural4. É essa região (Fc) que se liga aos receptores de membrana citoplasmática de macrófagos, linfócitos e outras células efetoras, invocando a resposta imune a partir do reconhecimento do antígeno, o corpo estranho . A contribuição de cada uma das cadeias nessas funções é desigual, pois, enquanto a porção ligante ao antígeno (Fv região formada pelos domínios variáveis de ambas as cadeias) é formada pelo domínio aminoterminal de ambas as cadeias, o Fc é formado unicamente pela cadeia pesada. As imunoglobulinas são, provavelmente, as moléculas mais bem estudadas em nível de estrutura tridimensional.5 O acúmulo de informação estrutural facilita a compreensão do funcionamento da molécula e permite estabelecer critérios para manipulação racional. Modelos tridimensionais explicam, por exemplo, como a variabilidade encontrada no amino-terminal da imunoglobulina, co-existe com uma estrutura espacial bastante conservada em todas as Fv que foram estudadas por difração de raios-X. O domínio variável apresenta uma estrutura estendida alternada com alças ( loops ). Seis dessas alças (três em cada cadeia) projetam-se para o solvente e participam com quase a totalidade dos pontos de

Figura 2 Esquematização de processos de humanização de imunoglobulinas. Um anticorpo monoclonal murino (em verde) apresenta limitações quanto ao seu uso repetitivo como fármaco, devido à resposta HAMA (human anti-mouse antibody). As primeiras tentativas de minimizar este potencial imunogênico foram feitas por meio da fusão das cadeias variáveis leve e pesada do anticorpo de camundongo (em verde escuro), com as cadeias constantes humanas (em laranja), formando moléculas quimeras. Estas moléculas eram ainda imunogênicas, assim os protocolos mais modernos de humanização preconizam o transplante das CDR murinas (linhas verdes) para cadeias variáveis humanas (em amarelo). Esta molécula teria ainda as cadeias constantes de imunoglobulinas humanas como na quimera e se apresenta de forma suficientemente invisível para o sistema imune contato, com o antígeno. Essas alças co-localizam-se com as regiões determinantes de complementariedade (CDR), onde está concentrada a diversidade entre as moléculas de imunoglobulinas6. É nessa região que está localizado o paratopo, região complementar ao determinante antigênico (epitopo), responsável pela formação do complexo antígeno-anticorpo. Os anticorpos monoclonais são produzidos a partir de um único clone de linfócito B imortalizado. Durante a resposta imune humoral, cada clone de linfócito B produz um único tipo de molécula reativa a uma única estrutura química. Devido a isso, cada anticorpo apresenta uma única especificidade, ou seja, reage com um único tipo de molécula (antígeno). Por outro lado, durante a evolução da resposta imune, são selecionados clones cada vez mais afins por seu antígeno; dessa forma, anticorpos obtidos de animais hiperimunizados são ditos de alta afinidade, ligando-se fortemente ao antígeno e

dificilmente soltando-o. Isso permite que um anticorpo reconheça e reaja com o antígeno mesmo que esse se encontre diluído em uma mistura complexa. São essas as características que tornam o anticorpo um reagente de escolha para detecção de quantidades ínfimas de antígeno dentro de um organismo. Imunoglobulinas como Medicamentos O interesse biotecnológico pelas imunoglobulinas é secular. A utilização de anticorpos para neutralizar toxinas, proposto por Behringer, gerou uma grande revolução no pensamento científico no final do século XIX. No Brasil, o pioneiro na utilização de soros foi Vital Brasil. Com ele surgiram fazendas para produção de soro anti-ofídico e contra outros venenos de animais peçonhentos, o que fez do Brasil uma referência nessa área. A segunda geração de anticorpos veio com o advento

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dos anticorpos monoclonais, em 1975, o que gerou uma grande perspectiva na comunidade científica devido à possibilidade de criação de reagentes específicos, reativos a diferentes antígenos e com possibilidade, portanto, de resolver problemas, antes de difícil solução, como o ataque a células cancerígenas, a minimização da rejeição a enxertos, entre outros. Diferentemente do soro imune, o anticorpo monoclonal consiste em uma preparação homogênea, monoespecífica, que pode reconhecer um único e específico alvo dentro do organismo do paciente. Os anticorpos monoclonais são hoje uma realidade sendo utilizados para diversos fins: como moduladores da rejeição em pacientes transplantados, para o mapeamento de tumores, desintoxicação por drogas ou mesmo na imunização preventiva. Apesar do amplo potencial de aplicação dos anticorpos monoclonais, a utilização extensiva é limitada pela sua alta toxicidade. Os anticorpos monoclonais são proteínas normalmente produzidas em laboratório a partir de células de camundongos ou ratos, e quando injetados em pacientes humanos acaba gerando uma resposta imune contra a proteína estranha ao organismo. Os anticorpos são reconhecidos como corpos estranhos e podem gerar uma forte reação imune adversa. Esse problema inviabiliza a utilização dos anticorpos de uma forma repetitiva. A produção de anticorpos pelo paciente contra a preparação de anticorpos monoclonais, conhecida como resposta HAMA (do inglês human anti-murine antibodies), normalmente provoca a neutralização da ação do anticorpo, fazendo com que o paciente fique resistente ao medicamento7. Em casos mais severos, a administração desses anticorpos pode resultar em febre, urticárias e, em uma forma extrema, pode redundar em comprometimento renal, devido a uma deposição glomerular de imuno-complexos. Esse efeito é bem conhecido, pois também representa um entrave à utilização repetitiva de soro contra peçonhas, como o anti-ofídico. O soro imune pode ser utilizado com segurança no primeiro acidente, mas pode provocar febre e outras seqüelas mais profundas a partir da segunda utilização. Essa resposta do indivíduo contra a administração de proteína heteróloga acaba por limitar o uso desses medicamentos e vem impedindo a sua popu40

Figura 3 - Esquema geral para humanização de anticorpos. As seqüências codificadoras das cadeias leve e pesada do anticorpo, são obtidas a partir de um clone produtor do anticorpo monoclonal de interesse. Essas seqüências são comparadas com seqüências germinais a partir de um banco de genes germinais humanos utilizando-se do programa FASTA. As seqüências são comparadas e uma seqüência humanizada é proposta. Utilizando-se de um modelo tridimensional, a seqüência proposta é verificada. Esta seqüência proposta é retro-traduzida para seqüência nucleotídica e sintetizada a partir de oligonucleotídeos sintéticos e PCR. O novo gene é clonado em vetor de expressão apropriado e expresso em células de mamíferos em cultura larização na terapia. A melhor maneira de ampliar a utilização dos anticorpos monoclonais na clínica médica é fazer uso de anticorpos humanos em substituição aos derivados de roedores. Em princípio, anticorpos humanos não devem induzir resposta imune significativa por serem reconhecidos pelo sistema imune

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como uma proteína própria do organismo humano. O grande inconveniente é que a produção de anticorpos monoclonais a partir de células humanas é metologogicamente mais complexa que a produção a partir de roedores. Além de mais laboriosa, a imortalização de células humanas produtoras de imunoglobulinas, normalmente implica numa


manipulação com vírus, o que dificulta e até inviabiliza a utilização do produto na clínica médica. Outro problema refere-se à baixa afinidade dos anticorpos gerados, além de as linhagens celulares produtoras serem muito instáveis geneticamente. Portanto, foi só a partir da década de 90, com o progresso da pesquisa em engenharia genética, que se tornou possível a síntese de anticorpos por meio de recombinação gênica in vitro. Isso permitiu a modificação proposital de suas características imunoquímicas. Através da manipulação dos genes codificadores para cada uma das cadeias do anticorpo, é possível alterar a estrutura e a função, e, inclusive, incluir um caráter humano no anticorpo murino. A última geração de fármacos inclui moléculas de anticorpos recombinantes1. Uma grande variedade de moléculas pode ser obtida por esse processo, que permite atender a diferentes funções. Fragmentos reduzidos, contendo apenas a porção da molécula responsável pelo reconhecimento ao antígeno, têm sido utilizados principalmente para o mapeamento de tumores ou para a desintoxicação de fármacos, quando se desejam moléculas menores, com um melhor desempenho farmacodinâmico. Esse procedimento permite ainda que anticorpos de interesse terapêutico, obtidos normalmente de camundongos, tornem-se menos imunogênicos em humanos. O processo consiste em manipulação genética para tornar a estrutura de aminoácidos mais próxima da estrutura encontrada em anticorpos humanos, reduzindo a possibilidade de reações adversas no paciente, ao mesmo tempo em que mantém a especificidade do anticorpo murino original3. A manipulação resolve outro grande problema com os anticorpos monoclonais murinos: a atividade efetora necessária à atividade biológica do anticorpo. Essa atividade efetora é exercida pela porção constante da molécula, e depende do seu isotipo, ou seja, do tipo de cadeia pesada que se associa à região ligante ao antígeno. Alguns anticorpos de camundongo exercem atividade efetora em humanos, mas, em muitos casos, a atividade pretendida depende de cadeias constantes humanas específicas (Fc), como a cadeia γ1, para induzir a lise da célula alvo, ou γ4, para bloquear ou reduzir uma resposta imune exacerbada ou alérgica1. Portanto, torna-se importante a possibilidade

de redefinição da Fc de um anticorpo, a fim de torná-lo atraente para sua utilização clínica. Além disso, é possível alterar deliberadamente a atividade efetora como, por exemplo, pela alteração de resíduos no Fc responsáveis pela reciclagem ( turn-over ) da molécula. Essa mudança não natural permite que o anticorpo mutante tenha uma maior permanência no sangue aumentando a eficácia do tratamento. Tornando Humanos os Anticorpos de Camundongos Existem dois tipos básicos de modificações introduzidas em anticorpos recombinantes para que estes assumam um caráter humano. A primeira delas é a fusão gênica da porção Fv do anticorpo original (de camundongo) à porção constante de uma imunoglobulina humana, formando uma quimera (figura 2). Apesar da introdução de uma porção Fc humana, esse tipo de construção ainda mostra uma grande imunogenicidade devido à preservação da região Fv de camundongo. Para a construção de um anticorpo totalmente humanizado uma porção constante é fusionada a uma Fv desenhada de forma que sua seqüência seja a mais próxima possível de uma Fv de anticorpo humano. Nesse caso, as cadeias leve e pesada variáveis são redesenhadas baseando-se em regiões variáveis leve e pesada de imunoglobulina humana homóloga à imunoglobulina de camundongo. Uma Fv humanizada, com atividade preservada, é conseguida pelo transplante das CDR do anticorpo murino para o anticorpo humano (demais regiões da Fv e regiões constantes), obtendo-se assim uma molécula humanizada (figura 2) que preserva a capacidade de interação com o antígeno. Nessa abordagem, é possível obter um anticorpo bem próximo àquela molécula invisível ao sistema imune do paciente que o receberá. O limite desse processo é obter uma molécula o mais humana possível sem perder a sua atividade biológica original. Esse limite decorre do fato de que a manipulação dos resíduos de aminoácidos das CDR pode levar a uma desestabilização das alças de contato. Essas alças estão envolvidas em um grande número de interações intramoleculares que não necessariamente estarão preservadas quando da introdução de uma nova CDR. Detectar estas interações e saná-

las no sentido de se obter uma afinidade pelo antígeno, a mais próxima possível daquela do anticorpo original, é o desafio desta metodologia1,3,8. Além da preocupação com a manutenção da afinidade original e com a eliminação da imunogenicidade da molécula em si, outro aspecto relevante é a otimização da produção do anticorpo humanizado. Os vetores utilizados para tal propósito servem para dirigir a síntese da cadeia protéica do anticorpo recombinante em um sistema heterólogo (bactérias, leveduras ou mesmo células de mamíferos). Esses vetores são normalmente plasmídios, contendo um cassete de expressão, compatíveis com o tipo celular utilizado como hospedeiro. Para vetores em células de mamíferos, o promotor imediato de Citomegalovirus é o mais popularmente utilizado9. Esses vetores são montados contendo os genes que codificam as cadeias constantes leve e pesada humanas, flanqueadas por sítios de restrição que facilitam a introdução dos domínios variáveis recombinantes humanizados gerados. Esses vetores possibilitam também a manipulação da atividade efetora através da clonagem de cadeias constantes de isotipos específicos. A escolha do isotipo e manipulações pontuais para aumentar a meia vida desses produtos na circulação sangüínea são exemplos de modificações trabalhadas diretamente no vetor. Pela manipulação do vetor, o autor pode escolher a priori a função da molécula a ser sintetizada. Além da indicação de uma resposta efetora específica através da escolha do isotipo de cadeia pesada, durante esse processo é possível manipular a molécula de imunoglobulina para que essa se apresente na forma de fragmentos (Figura 1). A utilização de porções menores da molécula, normalmente Fab ou Fv (este último, em geral, na forma de scFv - de cadeia única, apresentando um peptídeo conector flexível unindo as cadeias variáveis leve e pesada) é a visada, quando se pretende que a molécula tenha alta penetrabilidade, como, por exemplo, na utilização para diagnósticos de marcadores tumorais. Esse tipo de mini-molécula apresenta maior capacidade de penetração; no entanto, tem meia vida reduzida no soro do paciente. Quando se busca um maior tempo de circulação na corrente sangüínea, a opção, normalmente, é fazer a molécula inteira e expressá-la em sistemas eucarióticos,

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para que se consiga a montagem correta da estrutura tetramérica (com duas cadeias leves e duas cadeias pesadas) no retículo endoplasmático das células utilizadas para a expressão. Formas intermediárias, como o FvFc (Figura 2), entre o fragmento variável de cadeia única e o anticorpo inteiro, têm sido propostas mais recentemente10. A Experiência Brasileira No Brasil, o Instituto Butantan de São Paulo foi pioneiro na produção de anticorpos monoclonais com qualidade para utilização clínica. A utilização clínica desses anticorpos já é uma realidade no Brasil. No Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan os anticorpos murinos anti-CD3 e anti-CD18 são produzidos pelo cultivo dos hibridomas em bioreatores de alta capacidade. As normas utilizadas para o processamento dos anticorpos permitem a obtenção de produtos com qualidade para uso injetável humano. O anticorpo anti-CD3 foi testado clinicamente, com êxito, na reversão da rejeição de transplante de rim, fígado e coração e vem sendo utilizado regularmente pelo Instituto do Coração - INCOR . Esse anticorpo já vem sendo distribuído pelo Instituto Butantan e compete hoje com o produto Orthoclone, um anti-CD3 produzido pela Ortho Biotech. O anticorpo anti-CD18 está ainda em fase de testes clínicos, e tem uso potencial em transplante de órgãos, meningite bacteriana11, choque séptico12 e na recuperação de pacientes infartados. O transplante de órgãos representa uma solução clínica para uma série de doenças e diversos órgãos podem ser aproveitados para transplante. Esse procedimento, apesar de eficiente, apresenta dois problemas básicos que são a falta de doadores e a incompatibilidade entre doador e receptor. O primeiro problema deve ser reduzido com a nova lei brasileira de doação presumida de órgãos. O segundo problema depende, cada vez mais, de novos fármacos que consigam modular a resposta imune, de modo que torne o paciente tolerante ao órgão transplantado. Atualmente o tratamento é feito continuamente com corticóides e, de uma forma intermitente, com imunoglubinas policlonais anti-timócito (ATG) ou monoclonais anti-CD3. Ambas as preparações resultam em uma depleção acentuada das células T e, conse42

qüentemente, da resposta imune celular adversa ao enxerto. As duas preparações de anticorpos utilizadas são heterólogas e, portanto, não podem ser utilizadas de uma forma rotineira devido à perda de atividade da droga e à hipersensibilidade causada pela sua administração contínua. Ambos os efeitos são originados de uma resposta imune ao fármaco, que é visto pelo organismo como proteína estranha contra o qual são gerados anticorpos. Com o tempo esses anticorpos gerados pelo paciente acabam por diminuir o efeito do imunosupressor. Além do anti-CD3, primeiro anticorpo monoclonal introduzido na clínica médica, anticorpos alternativos contra outros marcadores celulares são

um papel de destaque como adjuvante no tratamento de transplantados, o anticorpo anti-CD18 ainda se encontra em fase de testes clínicos. Suas aplicações são bastante amplas e incluem a redução do processo inflamatório em doenças infecciosas como a meningite. Nesse caso, a administração do anticorpo monoclonal resulta na prevenção das seqüelas neurológicas criada pelo grande afluxo de leucócitos que atravessam a membrana hemato-encefálica, que causam a resposta inflamatória, grande responsável pelos graves sintomas e mortandade da doença. Em 1997, o grupo de Imunologia Molecular da UnB14 juntou-se ao Instituto Butantan e ao INCOR para desenvolver produtos humanizados para a

Figura 4 - Reconhecimento de linfócitos humanos por fragmentos de anticorpos humanizados. O anticorpo humanizado contra o marcador de superfície de linfócitos, CD18, foi utilizado para corar linfócitos humanos fixados em lamina de microscópio e visualizado com anticorpo anti-Fc humana conjugado a fluoresceína. A imunofluorescência foi observada em microscópio de fluorescência (Ruggierro et al., em preparação). À direita os linfócitos foram corados com anticorpo anti-CD18 e à esquerda com um anticorpo irrelevante também propostos como imunosupressores, entre eles o anti-CD18 e o antiCD4. Diferentemente do marcador CD3, o CD18 é parte de um complexo protéico de adesão (LFA1) envolvido em processos de migração e infiltração linfocitária. Anticorpos anti-CD18 não necessariamente precisam depletar os linfócitos para atuar, sendo capazes de inibir processos inflamatórios em geral, processo este caracterizado por uma arregimentação de linfócitos T, que deixam a corrente sanguínea e migram através do endotélio vascular para o local do processo inflamatório. Anticorpos anti-CD18 foram testados com sucesso na inibição de diversos tipos de processos inflamatórios13. Ao contrário do anticorpo anti-CD3, que já tem

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substituição dos anticorpos produzidos no I. Butantan. Na época, a idéia era criar competência nessa nova tecnologia e, ao mesmo tempo, tentar sanar problemas pontuais, que já estavam sendo alvo de pesquisa clínica no Brasil. Nesse intuito, foi montado um esquema de produção, onde se trabalha independentemente a porção variável e a cadeia constante do anticorpo. Por um lado, trabalhou-se em vetores para a produção dos anticorpos recombinantes que já continham a cadeia constante. Inicialmente foi escolhido o isotipo IgG1 humano, isotipo que tem características de fixação de complemento e arregimentação do sistema efetor (macrófagos e linfócitos T). Os vetores, plasmídios contendo um cas-


sete de expressão heteróloga prevêem a fusão gênica da Fv diretamente à região constante γ1, para a cadeia pesada, e κ, para a cadeia leve. Os vetores estão sendo construídos para permitir a produção de anticorpos recombinantes completos e fragmentos de anticorpos que preservem a sua capacidade ligante. Estão sendo testados dois hospedeiros para a expressão heteróloga: a levedura metilotrófica Pichia pastoris, que vem sendo utilizada com sucesso para a expressão, em grande escala, de proteínas animais; e células de mamífero em cultura, que é uma tecnologia já dominada no Brasil e que permite uma grande produtividade, principalmente para moléculas grandes, como o caso do anticorpo completo (4 cadeias), que tem massa molecular de cerca de 150 kDa. Para o desenvolvimento da Fv, foi criado um protocolo diferente daquele utilizado por outros grupos no exterior (figura 3), onde se enfatiza a comparação entre os genes variáveis murinos (genes que codificam a Fv e que são selecionados durante a resposta a um dado antígeno) utilizados no anticorpo original, com uma biblioteca de genes variáveis germinais humanos (genes que não sofreram rearranjo, nem hipermutação). A utilização de genes variáveis (V genes) germinais (germline) tem sido proposta na literatura como uma alternativa à estratégia best-fit , onde o gene variável humano escolhido é aquele que possui a maior identidade com o gene murino, independente do nível de mutação acumulado em sua região codante. Thomlison e colaboradores15,16 definiram uma biblioteca de seqüências germinais de VH (cadeia variável pesada) e VL (cadeia variável leve), e vários autores vêm testando essa estratégia. No nosso laboratório, estamos desenvolvendo uma estratégia própria, que maximiza o conteúdo de resíduos humanos nas seqüências propostas. Nessa abordagem, procura-se a seqüência germinal mais próxima e inserem-se as seqüências correspondentes às CDR 1, 2 e 3 de ambas as cadeias. Através de modelagem molecular são acompanhados e revistos os possíveis impedimentos estruturais. Em um trabalho desenvolvido em nosso grupo17, mostramos que é possível saturar a região variável pesada com resíduos humanos e manter atividade ligante compatível à do anticorpo original. Atualmente já se encontra disponível

uma versão totalmente humanizada do Freeman and Company, New York, anticorpo anti-CD18. Esse anticorpo, NY, USA. produzido em cultura de células ani- 5-Padlan, E.A. (1 994). Anatomy of the mais, reconhece o antígeno especificaAntibody Molecule. Molecular Immente e com as mesmas características munol. 31: 169-218. de seletividade e afinidade que o anti- 6-Branden, C. & Tooze, J. (1991). Em: Introduction to Protein Structure. Garcorpo original obtido de hibridomas (Figura 4). land Ed.,NY, EUA. 7-McCann, M.C. & Boyd, J.E. (1992) Em: Conclusão Plasma and Recombinant Blood Products in Medical Therapy. Editor: CV A utilização de fármacos à base de Prowse., John Wiley & Sons Ltd ed., anticorpos recombinantes vem-se torNY, EUA nando uma realidade. O mercado mun- 8-Homes, M.A. & Foote, J. (1997) Structural consequences of Humanizing an dial para anticorpos terapêuticos é de Antibody. J. Immunol. 158: 2192-201. cerca de US$ 500 milhões. Os produtos humanizados também já ganham volu- 9-Trill, J.J.; Shatzman, A.R. & Ganguly, S. (1995). Production of monoclonal anme no mercado. Nos EUA vários antitibodies in COS and CHO cells. Curcorpos humanizados já foram liberados rent Opinion in Biotechnology, pelo FDA (Food and Drug Administra6:553-560. tion) ou outros organizações equivalentes de outros países (5 quiméricos e 10-Andrade, E.V.; Albuquerque, F.C.; Moraes, L.M.P.; Brigido, M.M.; Santos3 humanizados) e um grande número Silva, M.A. (2000) Single-Chain Fv with se encontra em fase de testes clínicos ( Fc fragment of the Human IgG1 Tag: a grande maioria humanizados)2. Nos próximos dez anos, o mercado deverá Construction, Pichia pastoris Expressiser invadido por essas imunoglobulion and Antigen Binding Characterizanas de última geração. A perspectiva é tion. J. Biochem. 128, 891-895. de que a tecnologia de anticorpos re- 11-Tuomanen, E. (1993). Breaching the combinantes venha a fornecer insumos blood-brain barrier. Sci Am. 268:80para diversas áreas da medicina, desde 84. agentes imunomoduladores até vaci- 12-Thomas, J.R.; Harlan, J.M.; Rice, C.L. & nas recombinantes. Essa tecnologia tem Winn, R.K. (1992). Role of leukocyte sido utilizada, inclusive, com vistas ao CD11/CD18 complex in endotoxic and tratamento de doenças como o câncer, septic shock in rabbits. J. Appl. Phya AIDS, e na prevenção de infecções siol. 73: 1510-1516. bacterianas18. A manipulação de anti- 13-Stambury et al. (1995) Em: Inborn Ercorpos já utilizados atualmente na merors of Metabolism. Mcgraw Hill ed., dicina, em sua forma murina, que vem NY, EUA sendo realizada por grupos nacionais, 14-www.unb/ib/cel/imol. permitirá a formação de competência 15-Tomlinson, I.M, Walter, G.; Marks, J.D., necessária para o domínio dessa tecnoLlewelin, M.B; Winter, G. (1992) The logia no país, a partir das experiências repertoire of human germline VH sebem sucedidas; outros anticorpos de quences reveals about fifty groups of interesse clínico deverão surgir como VH segments with different hypervaricandidatos à humanização. able loops. J. Molec. Biol. 215: 175182. Bibliografia 16-Tomlinson, I.M.; Cox, J.P.L.; Gherardi, E.; Lesk, ªM.; Chothia, C. (1995) The 1-Winter, G. & Milstein, C. (1991) ManRepertoire of the humans Vk domain. EMBO J. 14:4628-4638. made antibodies. Nature 349: 293299. 17-Caldas, C.A., Coelho,V. P. C. V., Rig2-Gleenie, M.J. & Johnson, P.W.M. den, D. J., Neschich G., Moro A. M. and (2000). Clinical Trials of Antibody Brígido, M. M.. (2000). Design and synthesis of germline-based hemi-huTherapy. Immunol. Today 21: 403410. manized single chain Fv against the 3-Co, M.S. & Queen C. (1991) HumaniCD18 surface antigen, Protein Engineering, 13:353-360. zed Antibodies for Therapy. Nature 351: 501-502. 18-Beninatti et al. (2000). Therapy of mu4-Goldsby, R.A.; Kindt, T.J. & Osborne, cosal candidiasis by expression of an B.A. (2000). Em: Kuby Immunoloanti-idiotype in human commensal bacteria. Nat Biotechnol. 18: 1060-1064. gy. pp: 83-149. 4ª Edição. W. H. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001

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CIANOBACTÉRIAS Pesquisa

TÓXICAS

Maria do Carmo Bittencourt-Oliveira

Profa. Dra. do Dep. Ciências Biológicas da UNESP, campus de Assis,SP. mbitt@assis.unesp.br

Mariana Cabral de Oliveira

Profa. Dra. do Dep. Botânica da USP, SP. mcoliveira@usp.br

João Sarkis Yunes

Prof. Dr. da Unidade de Pesquisas em Cianobactérias, FURG, RS. dqmsarks@super.furg.br Fotos cedidas pelos autores

O uso de marcadores moleculares para avaliar a diversidade genética Em determinadas condições ambientais, tais como temperaturas médias diárias acima de 25o C, concentrações de nutrientes numa razão N:P (nitrogênio:fósforo) entre 20:1 e 10:1 e pH acima de 7.5, algumas populações de cianobactérias apresentam um intenso crescimento, conhecido como florações (Figura 1), as quais podem ser fenômenos naturais regionais de ocorrência sazonal, mas que, na maior parte das vezes, estão relacionadas à eutrofização artificial causada por excesso de nutrientes vindos de efluentes domésticos e rejeitos industriais. As florações de cianobactérias podem causar gosto e odor desagradável na água, além de alterar o equilíbrio ecológico do ecossistema aquático. No entanto, o mais grave é que certas espécies são capazes de produzir toxinas que podem ser acumuladas na rede trófica e produzir diferentes sintomas de intoxicação, atingindo conjuntos de organismos muito além da comunidade aquática. Entre as cianobactérias que podem causar florações em corpos de água continentais, destacam-se aquelas que produzem as cianotoxinas (Figura 2). As cianotoxinas são liberadas para o ambiente quando as células se rompem. Essas toxinas não são retiradas da água pelos tratamentos convencionais das redes públicas de abastecimento e são resistentes à fervura. As cianotoxinas produzem efeitos especiais nos mamíferos, sendo classificadas como neurotoxinas e hepatotoxinas. Foram as hepatoxinas que ocasionaram a morte de mais de 60 pacientes em uma clínica de hemodiálise em Caruaru, estado de Pernambuco, em 1996 (Jochimsen et al. 1998). Monitoramento da água A Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), em colaboração com a Organi44

zação Panamericana da Saúde (OPAS), redigiu uma atualização da portaria 36/ MS/90, que definiu as normas e os padrões de potabilidade da água para consumo humano no Brasil, incluindo a obrigatoriedade do monitoramento da ocorrência de cianobactérias potencialmente nocivas, testes de toxicidade e análises de algumas cianotoxinas (microcistina, cilindrospermopsina, saxitoxina) tanto na água bruta do manancial utilizado para a captação de água, como na água tratada para consumo doméstico (Portaria MS/1.469, de 29 de dezembro de 2000). O monitoramento dos mananciais e reservatórios de água pode incluir a identificação das espécies potencialmente tóxicas e o acompanhamento de sua densidade, através de contagem. No entanto, a identificação desses micror-

ganismos baseada em características morfológicas, apesar de amplamente utilizada e recomendada (Chorus & Bartram 1999), tem-se mostrado inadequada, devido à extensa plasticidade fenotípica de algumas espécies (Figura 3) (Otsuka et al. 2000; Bittencourt-Oliveira 2000). Além disso, o uso de características morfológicas é inadequado, visto que a toxicidade é uma característica intra-populacional (Bittencourt-Oliveira & Yunes 2001). Por isso, outras técnicas também podem ser empregadas, e são recomendadas como padrões: bioensaios com camundongos, detecção de toxinas através de Cromatografia Líquida de Alta Performance (HPLC) ou análises imunoenzimáticas específicas. Porém nenhuma destas análises são preditivas, ou seja, elas só são efetuadas quando a floração tóxica já se estabeleceu. A predição desses fenômenos, porém, torna-se extremamente importante, tendo em vista o aumento da ocorrência de florações tóxicas em grandes sistemas de abastecimento de água e o alto custo da tecnologia atual para remover as toxinas quando implementada na rotina do monitoramento. Portanto, uma das alternativas seria buscar marcadores moleculares que identificassem a presença de cepas de cianobactérias potencialmente tóxicas antes da ocorrência da floração. Diversidade genética de Microcystis aeruginosa

Figura 1. Florações de cianobactérias potencialmente tóxicas. A. reservatório destinado ao abastecimento público, estado de Pernambuco; B. tanque de piscicultura, estado de São Paulo

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Para entender a dinâmica das florações de cianobactérias em ecossistemas eutrofizados, é importante entender sua diversidade genética a fim de monitorar essas populações. Microcystis aeruginosa é uma das espécies potencialmente tóxicas capazes de produzir a microcistina e uma das responsáveis por grande parte dos relatos de intoxicação (CETESB 1997).


Tabela 1. Cepas clonais de Microcystis estudadas indicando a presença do marcador molecular (+) para o gene que codifica para microcistina sintetase e a constatação da toxicidade através da análise de imunoensaio. Cepas pertencentes ao mesmo local e data foram isoladas a partir da mesma população coletada em um único ponto do corpo d´água. LG-SP: Lagoa das Garças, Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, São Paulo, SP; CT-SP: Reservatório do Sistema Cantareira, Mairiporã, SP; LJ-RJ: Lagoa de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, RJ; TB-PE: Reservatório de Tabocas, São Lourenço da Mata, PE; TP: Reservatório de Tapacurá, Vitória de Santo Antão, PE; LS-MG: Lagoa Santa, MG; BB-SP: Reservatório de Barra Bonita, Barra Bonita, SP; TM: Reservatório de Três Marias, BA. FCLA: Coleção de Microrganismos da Faculdade de Ciências e Letras de Assis-UNESP. NPPN: Coleção do Núcleo de Pesquisa em Produtos Naturais-UFRJ. NA: não analisada.

Cepa

FCLA30 FCLA158 FCLA175 FCLA174 FCLA199 FCLA03 FCLA154 FCLA155 FCLA255 FCLA258 FCLA299 FCLA236 FCLA232 FCLA262 FCLA235 FCLA310 FCLA298 FCLA450 NPPN-JB1 FCLA225 FCLA296 FCLA16 FCLA 97 FCLA 98 FCLA 99 FCLA 100 NPPN-LJ4 NPPN-LJ47 NPPN-LS1 FCLA07 FCLA17 FCLA08 FCLA18

Espécie

Localidade Data de Coleta

M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. aeruginosa M. cf. panniformis M. cf. panniformis M. cf. panniformis M. cf. panniformis M. cf. panniformis M. aeruginosa M. aeruginosa Microcystis sp. Microcystis sp. Microcystis sp. Microcystis sp. Microcystis sp.

Bittencourt-Oliveira et al. (2001) analisaram 15 linhagens clonais e não axênicas da cianobactéria M. aeruginosa, coletadas em diversas localidades e em diferentes datas (amostras coletadas por C. Sant´Anna, C. Bicudo e D. Bicudo). Para isso, utilizaram como marcador molecular um fragmento de cerca de 580 pares de bases do operon da ficocianina (cpcBA), que se mostrou adequado em estudos comparativos utilizando espécies e populações. O cpcBA é específico de cianobactérias; dessa

LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP LG-SP CT-SP CT-SP BB-SP BB-SP BB-SP BB-SP BB-SP LJ-RJ LJ-RJ LS-MG TB-PE TP-PE TB-PE TM-AL

Marcador Molecular

Nov.96 Dez.96 Dez.96 Dez.96 Dez.96 Dez.96 Dez.96 Dez.96 Dez.96 Dez.96 Fev. 97 Mar.97 Mar.97 Mar.97 Abr.97 Abr.97 Mai.97 Jul.97 1990 Març.97 Març.97 Nov.99 Abr.00 Abr.00 Abr.00 Abr.00 1995 1996 1993 1997 Set.99 Fev.99 ____

forma, é possível utilizar culturas contaminadas com outras bactérias não-fotossintetizantes, fungos, microalgas verdes ou qualquer outro microrganismo, desde que não possua esse pigmento, e até mesmo em amostras coletadas diretamente da natureza. Constatou-se que as seqüências de DNA do cpcBA nas populações brasileiras de M. aeruginosa são mais diversificadas do que aquelas disponíveis em bancos de dados. A diversidade de populações brasileiras de Microcystis

+ + + + + + + + + + + + + + + +

Toxicidade

Não tóxica Não tóxica Não tóxica Tóxica Não tóxica Não tóxica Não tóxica Tóxica Tóxica Tóxica Tóxica Tóxica NA Tóxica Tóxica Não tóxica Tóxica Tóxica Tóxica NA Não tóxica Tóxica NA NA NA NA Tóxica Tóxica NA Não tóxica Não tóxica Não tóxica Tóxica também foi confirmada com outras 18 cepas utilizando RFLP-PCR (Figura 4) (Cunha 2000). Em uma pequena lagoa ornamental no município de São Paulo, estado de São Paulo, foram detectados 6 genótipos distintos (Figura 5), em coletas realizadas mensalmente em um único ponto amostrado (Bittencourt-Oliveira et al. 2000). Essas alterações nos genótipos podem ocorrer sem alteração correspondente dos fenótipos predominantes. Da mesma forma, fenótipos diferen-

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tes, ou seja, de distintas morfologias de colônias, podem ter genótipos semelhantes (Figura 3).

Microrganismos da Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCLA), da Universidade Estadual Paulista (UNESP) estão sendo analisadas em relação à Marcadores moleculares produção de microcistina, utipara microcistina lizando o método imunoenzimático, com o kit EnviroLogiNos procariotos e em x, correlacionadas com a prealgumas linhagens de eucasença ou a ausência do gene riotos primitivos, pequenos que codifica para a microcistipolipeptídeos de origem na sintetase, o mcyB. não-ribossomal podem ser Utilizando-se a técnica de sintetizados por enzimas dePCR (Polymerase Chain Reacnominadas peptídeos sintetion) com DNA iniciadores tases. A maioria dos genes ( primers ) específicos para o de peptídeos sintetases tem gene que codifica para a miuma estrutura modular, onde crocistina sintetase, observouFigura 2. Cianobactérias potencialmente tóxicas. A. cada módulo codifica uma se que, em cepas que apreMicrocystis aeruginosa; B. Planktothrix agardii; C. sintetase específica. A inatisentaram diferentes níveis de vação de um gene de peptíconcentração de microcistina Cylindrospermopsis raciborskii (tricoma espiralado). D. dio sintetase (mcyB) de uma (µg de toxina/mg de células), Anabaena circinalis cepa hepatotóxica resultou também foi detectada a prena perda da produção de sença de único produto ammicrocistina, demonstrando plificado com, aproximadaque o gene mcyB codifica mente, 780bp (Figura 6), indipara a microcistina sintetase cando a presença do gene (Dittmann et al. 1997). Despara produção de microcistisa forma, a diferença básica na (Tabela 1). entre as populações tóxicas Isolados de uma mesma e não-tóxicas de Microcystis população apresentaram geestaria na presença de um nótipos distintos em relação à ou mais genes que codifipresença ou não do gene que cam para a microcistina sincodifica para a microcistina Figura 3. Colônias de Microcystis aeruginosa mantidas tetase (Nishizawa et al 1999, sintetase. Isso confirma nossa sob cultivo e isoladas de uma mesma população. A iden2000). Sendo assim, as lihipótese de que a população tificação tradicional de cianobactérias baseia-se em caracnhagens tóxicas poderiam é formada por um mosaico de terísticas morfológicas, como a forma da colônia, diâmeser localizadas através de genótipos e a toxicidade é tro celular, espessura da mucilagem, etc. Através da marcadores moleculares uma característica intra-popumorfologia, essas duas colônias (A e B) seriam para genes que codificam lacional. identificadas como duas espécies distintas. O para essas enzimas. A composição desse moseqüenciamento de DNA utilizando o operon cpcBA-IGS Iniciou-se, então, um essaico, com indivíduos genetie regiões adjacentes indica que essas duas cepas pertentudo abordando a possibilicamente diferentes dentro da cem à mesma espécie dade de utilização de marmesma população, cada qual cadores moleculares para cipossivelmente com sua toleanobactérias tóxicas ou porância a fatores ambientais e tencialmente tóxicas, objetivando a deanálise. Tais esforços também foram potencialidade diferenciada de toxicitecção de linhagens cultivadas e de iniciados em outros centros de pesquisa dade, poderia explicar as alterações de populações naturais capazes de expresno exterior (Del Campo et al. 2001, microcistinas em florações já investigasar a microcistina, independentemente Rouhiainen et al. 2001, Song et al. 2001). das (Bittencourt-Oliveira & Yunes 2001) de sua categoria taxonômica e da proLinhagens pertencentes ao gênero e a não correlação entre conteúdo de dução dessa toxina no momento da Microcystis pertencentes à Coleção de microcistina e número de células (Kotak

Figura 4. Perfil eletroforético em gel de agarose mostrando 6 genótipos de Microcystis aeruginosa (1-11 e 14-18) coletadas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco e 1 genótipo de Microcystis wesenbergii. Genótipo A corresponde às canaletas: 1, 3, 7, 10, 11. Genótipo B: 2. Genótipo C: 4, 5, 8, 14. Genótipo D: 6, 9, 15. Genótipo E: 17. Genótipo F: 18. O fragmento, correspondente a um trecho do cpcBA foi digerido com a enzima de restrição MspI. M: marcador molecular (Gibco BRL). Microcystis wesenbergii (12 e 13) 46

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Figura 5. Ocorrência (quadros negros) de seis genótipos distintos (G1 a G6) de Microcystis aeruginosa em uma lagoa eutrófica do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, no município de São Paulo-SP, constatados através do seqüenciamento do cpcBA-IGS. As coletas foram realizadas em um único ponto do corpo d´água. Várias cepas foram isoladas de uma mesma amostra et al 1995). Nem sempre houve correspondência entre as técnicas de imunoensaio e a de marcadores moleculares para a microcistina sintetase (Tabela 1), indicando que outros genes poderiam estar envolvidos na produção de microcistina. Em vista da potencialidade dos recursos genéticos associados à diversidade biológica das cianobactérias no Brasil, faz-se necessário ampliar o estudo da variabilidade genética, bem como zelar pela sua conservação, através da implantação de bancos de germoplasmas de cianobactérias. Essas coleções de germoplasma permitirão assegurar a procura e conservação de novos genes de interesse biotecnológico, como aqueles associados à síntese de substâncias bioativas, tais como as cianotoxinas. Referências Bibliográficas Bittencourt-Oliveira, M.C. (2000). Development of Microcystis aeruginosa (Kützing) Kützing (Cyanophyceae/Cyanobacteria) under cultivation and its taxonomic implications. Algolog. Stud. 99:29-37. Bittencourt-Oliveira, M.C; Oliveira, M.C.; Bolch, C.J.S. (2000). Sucessão de genótipos de Microcystis aeruginosa (Cyanobacteria/Cyanophyta) em um reservatório eutrófico. Resumos do Seminário Internacional do Instituto Internacional de

Figura 6. Identificação do marcador molecular mcyB em cepas de Microcystis aeruginosa. M: Marcador molecular (Gibco BRL). 1, 3 e 5: Cepa tóxica (FCLA236) mostrando o produto amplificado, correspondente ao mcyB (setas), utilizando, respectivamente, 100, 20 e 200ng de DNA. 2 e 4: Cepa não tóxica (FCLA30)

Ecologia, São Carlos, SP, Brasil, p. 46. Bittencourt-Oliveira, M.C; Oliveira, M.C.; Bolch, C.J.S. (2001). Genetic variability of some Brazilian strains of Microcystis aeruginosa complex (Cyanophyceae/Cyanobacteria) using the nucleotide sequence analysis of the intergenic spacer and flanking regions from cpcBA-phycocyanin operon. J. Phycol. 37(5): (in press). Bittencourt-Oliveira, M.C. & Yunes, J.S. (2001). Detecção de cianobactérias hepatotóxicas através de marcadores moleculares: dados preliminares. Resumos do VIII Congresso Brasileiro de Limnologia, João Pessoa, Brasil, p. 230. CETESB-Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. (1997). Manual de Orientações em Casos de Florações de Algas Tóxicas: um Problema Ambiental e de Saúde Pública. Série Manuais, 14/CETESB. São Paulo Chorus I. & Bartram J. (eds). (1999). Toxic Cyanobacteria in water: A guide to the Public Health Consequences, Monitoring and Management. E & FN Spon, London. p.416. Cunha, M.C.C. (2000). Estudo taxonômico de populações de Microcystis spp. (Cyanophyta) utilizando RFLPPCR. Dissertação de Mestrado Universidade Federal Rural de Pernam-

buco, Recife, 2000. 73p. Del Campo, F.F., Sanz-Alférez, S.; Padilla, C.; Hernández, L.E.; Chahlafi, Z.; Foronda, D.; Sanchis, D. (2001). Molecular characterization and peptide toxin analysis of Microcystis strain from a Spanish drinking water reservoir. Fifth International Conference On Toxic Cyanobacteria, Abstract Book, Noosa, Queensland, Australia, Julho 2001. Dittmann, E.; Neilan, B.; Erhard, M.; Von Döhren, H.; Börner, T. (1997). Insertional mutagenesis of a peptide synthetase gene which is responsible for hepatotoxin production in the cyanobacterium Microcystis PCC7806. Mol. Microbiol. 26: 779-787. Jochimsen, E.M.; Carmichael, W.W.; An, J.; Cardo, D.; Cookson, S.T.; Holmes, C.E.M.; Antunes, M.B.C.; Melo-Filho, D.A.; Lyra, T.M.; Barreto, V.; Azevedo, S.M.F.O. & Jarvis, W.R. (1998). Liver failure and death following exposure to microcystin toxins at a hemodialysis center in Brazil. The New England Journal of Medicine. 36:373-378. Kotak, B.G., Lam, A. K-Y., Prepas, E.E., Kenefick, S.L. & Hrudy, S.E. (1995). Variability of the hepatotoxin microcystin-LR in hypereutrophic drinking water lakes. J. Phycol. 31:248-63. Nishizawa, T.; Asayama, M. Fujii, K.; Harada, K.; Shirai, M. (1999). Genetic analysis of the peptide synthetase genes for a cyclic heptapeptide microcystin in Microcystis spp. J. Biochem. 126: 520-529. Nishizawa, T.; Ueda, A.; Asayama, M. Fujii, K.; Harada, K.; Ochi, K. Shirai, M. (2000). Polyketide synthase gene coupled to the peptide synthetase module involved in the biosynthesis of the cyclic heptapeptide microcystin. J. Biochem. 127: 779-789. Otsuka, S., Suda, S., Li, R., Matsumoto, S. & Watanabe, M. M. (2000). Morphological variability of colonies of Microcystis morphospecies in culture. J. Gen. Appl. Microbiol. 46: 39-50. Rouhianien, L. ; Vakkilainen, T.; Siemer, B. Sivonen, K. (2001). Genes Encoding Microcystin Synthesis in Anabaena. Fifth International Conference On Toxic Cyanobacteria, Abstract Book, Noosa, Queensland, Australia, Julho 2001. Song, L.; Pan, H.; Liu, P.; Lei, L. (2001). Detection of hepatotoxic Microcystis strains by PCR with intact cells from both culture and environmental samples. Fifth International Conference On Toxic Cyanobacteria, Abstract Book, Noosa, Queensland, Australia, Julho 2001.

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PEPTÍDEOS Pesquisa

ANTIBIÓTICOS Peptídeos antibióticos produzidos por aracnídeos

Sirlei Daffre

Doutora em Bioquímica Professora Assistente Doutora do Departamento de Parasitologia, ICB, USP sidaffre@icb.usp.br

Antônio Miranda

Doutor em Ciências Professor Adjunto do Departamento de Biofísica, UNIFESP miranda.biof@epm.br

M. Teresa M. Miranda

Doutora em Bioquímica Professora Livre-Docente do Departamento de Bioquímica, IQ, USP mtmirand@iq.usp.br

Philippe Bulet

Doutor em Biologia e Fisiologia Diretor de Pesquisa do Intitut Biologie Moleculaire et Cellulaire, Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), Estrasburgo, França P.Bulet@ibmc.u-strasbg.fr

Pedro I. da Silva Jr.

Doutor em Ciências Pesquisador do Instituto Butantan pisjr@usp.br

Alessandra Machado

Doutora em Química Orgânica Pós-Doutora do Departamento de Bioquímica, IQ, USP Amachado@iq.usp.br

s doenças infecciosas estão entre as principais causas de morte da população humana. Esse fato é devido, em grande parte, ao surgimento de microorganismos multi-resistentes aos antibióticos. Portanto, apesar da disponibilidade de um grande número de antibióticos de última geração, torna-se ainda fundamental buscar compostos que possam atuar como novas drogas a serem utilizadas no combate as doenças infecciosas (Lohner & Staudegger, 2001). O surgimento do grande número atual de cepas bacterianas resistentes pode ter várias origens, sendo uma delas decorrente do próprio tipo de vida do ser humano. O principal fator é, sem dúvida, o consumo excessivo e inapropriado dos antibióticos por homens, outros animais e na agricultura. A prescrição do antibiótico é geralmente empírica e sem a identificação prévia

do agente patogênico através de exames laboratoriais. Além disso, a sua venda sem exigência de uma prescrição médica em alguns países, associada ao suprimento irregular desse medicamento,, à baixa qualidade da medicação e ao seu mal uso pelos pacientes (que muitas vezes não completam o tratamento), contribuem para a seleção de novos microorganismos multiresistentes. Associada a isso, uma grande quantidade de agentes antimicrobianos vem sendo usado na agropecuária para promover o crescimento de plantas e animais, o que ocasiona um aumento da resistência de microorganismos que são transmitidos para o homem. Ao mesmo tempo, o aumento da migração da população e o transporte de animais ou de produtos de origem animal trazem doenças para áreas onde nunca haviam se instalado, resultando no espalhamento de microorganismos resistentes aos antibióticos. Mudanças

Andréa C. Fogaça

Doutoranda em Biologia da Relação Patógeno-Hospedeiro, ICB, USP deafog@usp.br

Daniel M. Lorenzini

Doutorando em Biologia da Relação Patógeno-Hospedeiro, ICB, USP dloren@usp.br

Lourivaldo S. Pereira

Doutorando em Biologia da Relação Patógeno-Hospedeiro, ICB, USP lourival@usp.br

Marcos A. Fázio

Doutorando em Biologia Molecular, UNIFESP fazio.biof@infar.epm.br

Eliane Esteves

Mestranda em Biologia da Relação PatógenoHospedeiro, ICB, USP eli_esteves@hotmail.com

Marcelo R. Burgierman

Mestrando em Biologia da Relação PatógenoHospedeiro, ICB, USP marusso@zipmail.com.br Fotos cedidas pelos autores

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Figura 1. Possíveis mecanismos de ação dos peptídeos antimicrobianos (Lohner, 2001)

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ambientais, tais como desmata50% de aminoácidos hidrofóbimento e alterações climáticas cos (ver revisões em Andreu & também proporcionam contato Rivas, 1998; Bulet et al., 1999; mais íntimo dos homens com Hancock & Diamond, 2000). animais e insetos que transmiApresentam um amplo espectro tem doenças muitas vezes desde atividade contra bactérias, conhecidas (Lohner & Staudefungos, vírus e parasitas. O megger, 2001). canismo de ação mais bem coAssim sendo, várias medidas nhecido é através da sua insersócio-político-econômicas deveção na membrana celular que riam ser tomadas para a contencausa a destruição ou a permeação do desenvolvimento e de bilização da mesma, levando o transmissão de resistência antimicroorganismo à morte (Figura microbiana. Redução do uso ina1). Alternativamente, os peptípropriado e excessivo dos antideos antimicrobianos podem se bióticos no tratamento de doenligar a um receptor da membraças em geral, tanto humanas na, levando a uma perda especíquanto de animais domésticos e fica de sua função. Além disso, Figura 2. Estruturas tridimensionais da da própria agricultura, poderia ao se translocarem através da magainina (Hara et al., 2001). indolicidina ser uma dessas medidas. Paralemembrana, essas moléculas po(Rozek et al., 2000), drosomicina (Landon lamente, para que se consiga um dem atuar intracelularmente, imet al., 1997) e teta-defensina (Trabi et al., efetivo controle das doenças inpedindo a síntese de metabóli2001). Representadas, em amarelo, a fecciosas, tornou-se vital investir tos importantes para o microorestrutura folha β-pregueada e, em rosa, a em pesquisa e em pesquisadoganismo. Por atuarem em difeestrutura α-hélice) res que possam se dedicar à rentes compartimentos celulabusca de substâncias naturais ou res, esses compostos tornam-se sintéticas que exibam atividades antide todas as espécies de ser vivo, cujas candidatos promissores para o desenmicrobianas específicas e, acima de vias de indução são relativamente con- volvimento de drogas importantes no tudo, que as exerçam através de meca- servadas em vertebrados, insetos e plan- combate a patógenos resistentes aos nismos de ação alternativos daqueles tas (Hoffman et al., 1999, Dangl & antibióticos convencionais (Lohner, dos antibióticos disponíveis. Jones, 2001). Recentemente, foi de- 2001). Nesse contexto, a pesquisa, a puri- monstrada a participação deles na Os peptídeos antimicrobianos poficação, e a caracterização química, modulação do processo inflamatório dem ser agrupados de acordo com suas biológica e estrutural de novas substân- de mamíferos (Hancock & Diamond, propriedades químicas e estruturais em cias antimicrobianas provenientes da 2000). 2 classes: lineares e cíclicos. Os lineafauna e da flora brasileira são valiosas, Mais de 700 peptídeos antimicrobi- res, não apresentam o aminoácido cisuma vez que a própria evolução tratou anos já foram identificados em todas as teína em sua composição, e podem ser de selecionar um vastíssimo espectro espécies vivas, incluindo bactérias, fun- subdivididos nos que formam uma αde substâncias eficientes que defen- gos, insetos, moluscos, crustáceos, arac- hélice anfipática após contato com a dem contra infecções. nídeos, plantas, pássaros, anfíbios, pei- membrana celular (por exemplo, maDiariamente, nós humanos estamos xes, mamíferos, entre outros (http:// gainina de sapo, Hara et al., 2001) e os expostos a muitos patógenos em pobbcm1.univ.trieste.it/~tossi/pag1.htm). ricos em um determinado tipo de amitencial através da ingestão, inalação e Em geral, são moléculas pequenas de noácido, tais como prolina, histidina e contato com superfícies infectadas. até 5 kDa que exibem um alto teor de triptofano (por exemplo, indolicidina Como a resposta humoral e celular aminoácidos básicos e, pelo menos, de bovino, Rozek et al., 2000). Os adaptativa requer a expansão clonal dos linfócitos B e T, e leva até 7 dias para poder realmente ficar ativa contra as infecções, ela não é a responsável pelo impedimento inicial da instalação desses organismos. Portanto, dependemos da resposta imune inata para nos defender de infecção (Janeway, 1998). Os efetores da resposta imune inata incluem as células fagocíticas, tais como neutrófilos e macrófagos, de outros leucócitos, incluindo mastócitos, das proteínas do soro, tais como as do sistema de complemento, e dos peptídeos antimicrobianos (Hancock & Dia- Figura 3. Alinhamento da gomesina com outros peptídeos antimicrobiamond, 2000). Esses últimos são elenos: taquiplesina e polifemusina de límulos, androctonina de escorpião e mentos primitivos da resposta imune protegrina de suíno (Silva, Jr. et al., 2000) Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001

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Tabela 1. Peptídeos antimicrobianos isolados da hemolinfa da aranha Acanthoscurria gomesiana

cíclicos são peptídeos que apresentam resíduos de cisteína em sua estrutura, podendo ter as extremidades aminoterminal abertas (por exemplo, drosomicina da mosca Drosophila melanogaster, Landon et al.1997) ou as extremidades fechadas (por exemplo, tetadefensina de macaco, Trabi et al. 2001) (Figura 2).

Gomesina e outros peptídeos antimicrobianos da aranha caranguejeira Entre os invertebrados, os estudos que visam caracterizar a estrutura e a atividade dos peptídeos antimicrobianos, assim como a regulação gênica deles concentram-se, principalmente, no grupo dos insetos (Bullet et al.,

Figura 4. Estrutura tridimensional da gomesina determinada por ressonância magnética nuclear (RMN). À direita, a representação esquemática da molécula (Mandard et al., 2001) 50

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1999). Já há alguns anos, o grupo de pesquisa da Dra. Sirlei Daffre (Departamento de Parasitologia, ICB-USP) vem trabalhando ativamente na identificação e caracterização de peptídeos em duas espécies de aracnídeos: a aranha caranguejeira Acanthoscurria gomesiana e o carrapato de boi Boophilus microplus. Esses peptídeos são importantes para a defesa desses animais contra infecções e, como tal, poderão ser usados no desenvolvimento de novas drogas para uso na medicina e na agricultura. Nos últimos anos, o referido grupo passou a contar com a colaboração de outros três grupos de pesquisa: o da Dra. M. Teresa M. Miranda (Departamento de Bioquímica, IQ-USP), o do Dr Philippe Bulet (Centre National de la Recherche Scientifique, CNRS, Estrasburgo, França) e o do Dr. Antonio Miranda (Departamento de Biofísica, UNIFESP). Quatro peptídeos foram isolados da hemolinfa (sangue) da aranha caranguejeira (Tabela I; Silva Jr., 2000). Um deles, denominado gomesina, apresentou um amplo espectro de atividade contra bactérias, fungos e o parasita causador da leishmaniose (Silva Jr., 2000; Sil-


va Jr. et al., 2000). É um octadecapeptídeo de massa molecular equivalente a 2270,4 Da apresentando quatro resíduos de cisteína envolvidos em duas pontes dissulfeto (2-15 e 6-11), um ácido piroglutâmico na extremidade N-terminal e uma arginina α-amidada como resíduo C-terminal. Sua estrutura cícli-

mente (cinco argininas e uma lisina). Apresenta um alto grau de similaridade com a família dos peptídeos básicos dos límulos: taquiplesinas e polifemusinas (50%; Nakamura et al., 1988; Miyata et al., 1989), da androctonina isolada do escorpião (23%; EhretSebatier et al, 1996) e da protegrina presente em leucócitos de suínos (17%; Kokryakov et al., 1993) (Figura 3). A disposição das pontes dissulfeto, Cys1-Cys4 e Cys2-Cys3, é idêntica para todos estes peptídeos, sugerindo que a gomesina pode adotar uma estrutura β-hairpin como a encontrada nas taquiplesinas (Kawano et al., 1990; Tamamura et al., 1993), protegrinas (Aumelas et al., 1996; Fahrner et al., 1996), e androctonina (Mandard et al., 1999). Resultados recentes da análise da Figura 5. Atividades gomesina por ressonânantimicrobianas dos análogos cia magnética nuclear sintéticos de gomesina (Gm). (RMN) em solução comAs atividades são expressas provam a ocorrência através da concentração mínidessa estrutura na moléma do peptídeo que causa cula (Mandard et al., 2001; Figura 4). A gome100% de inibição de crescisina forma uma estrutumento. PB1= 217 mOsM; 1.0 ra do tipo β-hairpin g de Peptona + 86 mM NaCl com folhas beta pregueem 100 mL de H20. PB2= 367 adas anti-paralelas ligamOsM; 1.0 g de Peptona + das por uma volta β esta137 mM NaCl em 100 mL de bilizada por duas pontes H20. ½ PDB3 = 79 mOsM; 1.2 dissulfeto. Ela ainda g de dextrose de batata em apresenta uma caracte100 mL de H2O). ½ PDB4 = rística anfipática bem de333 mOsM; 1.2 g de dextrose finida, de forma similar de batata em 100 mL de H2O às estruturas determina+ 137 mM NaCl das para seus análogos taquiplesina e protegrina. Esse tipo de estrutura foi observado tamca com terminação aberta apresentanbém em vários outros peptídeos antido um ácido piroglutâmico N-terminal microbianos, cujos aminoácidos básie a amidação C-terminal possivelmente cos (carregados positivamente em pH protegem o peptídeo contra degradafisiológico) seriam responsáveis pela ção por proteases. A gomesina é um interação inicial eletrostática com os peptídeo altamente básico (pI calculagrupos carregados negativamente dos do de 12,7), pois contém seis resíduos lipídeos das membranas dos microorde aminoácidos carregados positivaganismos. Posteriormente, ocorreria a Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001

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inserção da porção hidrofóbica dos peptídeos na membrana, promovendo a sua uma desestabilização (Oren & Shai, 1998). A gomesina mostrou uma forte ação antimicrobiana contra 14 bactérias Gram-positivas, 10 bactérias Gram-negativas, 9 fungos filamentosos e 5 leveduras (Silva Jr. et al., 2000). Entre esses microorganismos, existem várias bactérias causadoras de infecções hospitalares, tais como a Staphylococcus aureus, a Staphilococcus saprophiticus, a Streptococcus pyogenes e a Pseudomonas aeruginosa. Além de causadoras de infecções hospitalares, a Staphylococcus aureus causa meningite e furúnculos, a Staphilococcus saprophiticus provoca infecção no trato urinário e a Streptococcus pyogenes, a febre reumática. Ainda como patogênicas aparecem a Klebsiella pneumoniae, causadora da pneumonia, a Listeria monocytogenes, associada à meningite e pneumonia, a Candida albicans, responsável pela candidíase, a Cryptococcus neoformans, causadora da meningite, a Salmonella thyphimurium, responsável pela salmonelose e a Tricophyton mentagrophytes, causadora da micose superficial. Embora apresente uma certa atividade hemolítica (Silva Jr. et al., 2000), a gomesina tem-se mostrado um antimicrobiano com um grande potencial para aplicações terapêuticas em humanos, outros animais e em plantas. Essa afirmação decorre da combinação das seguintes propriedades: amplo espectro de atividade, rápida ação antimicrobiana e características estruturais que conferem alta estabilidade à molécula. Gomesina: importância das pontes dissulfeto para sua atividade Com o objetivo de elucidar a importância das pontes dissulfeto na expressão da atividade biológica desse peptídeo e, ao mesmo tempo, buscar análogos mais seletivos e/ou mais estáveis à degradação enzimática que ele, foram sintetizados manualmente pelo método da fase sólida, os compostos listados na Figura 5. Esses compostos foram purificados por cromatografia líquida de fase reversa (RP-HPLC) e caracterizados por RP-HPLC e cromatografia liquida acoplada a um espectrômetro de massa do tipo electrospray (LC/MS). As atividades antimicrobianas foram 52

Figura 6. Processamento da Gomesina. O transcrito do gene da gomesina é traduzido em uma proteína precursora de 9,7kDa. Essa proteína apresenta um peptídeo sinal (amarelo) e uma região carboxi terminal carregada negativamente (azul). A proteína precursora é processada pela remoção do peptídeo sinal e da região carboxiterminal, a glutamina da extremidade amino-terminal é modificada em ácido piroglutâmico e a arginina carboxi-terminal é amidada

determinadas pelo ensaio líquido de inibição de crescimento contra Micrococcus luteus (bactéria Gram-positiva), Escherichia coli (bactéria Gram-negativa) e Cândida albicans (levedura),

para os três microorganismos testados, tanto nos meios com baixa concentração de NaCl (86 mM; PB1) ou sem sal (PDB3), como naqueles com uma concentração fisiológica de NaCl compará-

Figura 7. Possível mecanismo de processamento da cadeia α da hemoglobina bovina no intestino do carrapato de boi B. microplus e geração do fragmento antimicrobiano 33-61. A cadeia α é clivada entre os resíduos de metionina (32) e de fenilalanina (33) pela enzima 1 e entre os resíduos de lisina (61) e valina (62) pela enzima 2, gerando o peptídeo antimicrobiano sendo expressas através da concentração mínima do peptídeo que causa 100% de inibição de crescimento (Silva Jr et al., 2000). Como pode ser observado na Figura 5, os análogos que apresentam somente uma das pontes dissulfeto, os monocíclicos {[Cys(Acm)6, 11], [Cys (Acm) 2,15], [Ser6,11] e [Ser2,15] - Gomesina}, foram de 2 a 4 vezes menos ativos que a gomesina nativa

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vel ao do soro humano (137 mM NaCl; PB2 e PDB4). Já os análogos sem as duas pontes dissulfeto, os lineares {[Ser2,6,11,15] e [Cys(Acm)2,6,11,15] Gm} foram de 2 a 16 vezes menos ativos que a gomesina nativa, na ausência e em baixa concentração de NaCl, sendo essa atividade reduzida mais ainda nos meios com uma concentração de 137 mM de NaCl (cerca de 4 a 64 vezes).


Observamos que há uma variação nesta redução dependendo do microorganismo, sendo significativamente maior para E.coli (32 a 64 vezes). A influência do sal na atividade da gomesina pode ser explicada pelo fato de o sódio estar competindo com os grupos carregados positivamente da gomesina durante a interação inicial eletrostática entre estes e os grupos carregados negativamente da membrana celular do microorganismo (Fázio et al., 2001). É extremamente importante esclarecer que embora os análogos sintetizados tenham apresentado atividades antimicrobianas mais baixas do que a gomesina nativa, eles exibiram atividades hemolíticas reduzidas em relação à dela: de 2 a 11 vezes na concentração de 100 µM. Esses resultados sugerem que ambas as pontes dissulfeto são importantes para a expressão da atividade antimicrobiana da gomesina e que os análogos estudados apresentam uma especificidade de ação diferenciada contra certos microorganismos. Isso ocorre, muito provavelmente, devido às variações da composição da membrana de cada microoorganismo, afetando na interação inicial eletrostática entre os grupos carregados positivamente da gomesina com os grupos negativos da membrana, e/ou na inserção da gomesina na porção hidrofóbica da membrana. Estudos envolvendo modificações adicionais da gomesina estão sendo realizados com o objetivo de se obter em análogos mais ativos e seletivos não hemolíticos. Precursor da gomesina Através da clonagem do cDNA da gomesina, verificamos que esse peptídeo é traduzido na forma de uma proteína precursora de 9,7 kDA (Figura 6, Lorenzini et al., 2001). Essa proteína apresenta um peptídeo sinal, indicando que o precursor da gomesina é direcionado ao retículo endoplasmático, que está provavelmente ligado à via de transporte para vesículas exocíticas para a liberação do peptídeo no meio extracelular. A região carboxi-terminal da proteína precursora é composta de aminoácidos ácidos, enquanto que a região que corresponde ao peptídeo maduro é composta de aminoácidos básicos. A porção carboxi-terminal carregada negativamente pode interagir com a parte catiônica do peptídeo para estabilizar a conformação do precursor

Aranha caranguejeira Acanthoscurria gomesiana e permitir o processamento proteolítico ou ainda proteger a célula produtora de interações de suas membranas com a região básica do peptídeo, evitando assim a atividade tóxica contra a mesma. A gomesina encontra-se armazenada nos grânulos dos hemócitos, como evidenciado por técnicas de imunofluorescência usando o anticorpo antigomesina, sendo secretada para o plasma da aranha pelo menos 2 horas após uma infecção experimental. Verificouse que o gene que codifica para o peptídeo é transcrito predominantemente nos hemócitos de animais não infectados experimentalmente, tendo uma baixa expressão nos outros tecidos analisados: coração, intestino, hepatopâncreas, ovários, músculos e glândula de veneno (Lorenzini et al., 2001). Fragmento da hemoglobina bovina com atividade antimicrobiana no intestino do carrapato A investigação da produção de peptídeos antimicrobianos em outro aracnídeo, o carrapato de boi Boophilus microplus, feito no nosso laboratório, forneceu-nos um resultado surpreendente. Foi identificado um fragmento da cadeia α da hemoglobina bovina referente à região compreendida entre os resíduos 33 ao 61, com propriedades antimicrobianas (Fogaça et al., 1999). Esse peptídeo, com massa molecular de 3.205,6 Da, foi inicialmente isolado

do intestino do carrapato. Para determinar seu espectro de ação, sintetizou-se quimicamente o mesmo que, após caracterização apropriada, foi testado contra várias cepas de bactérias e de fungos. Observou-se que o fragmento da cadeia α da hemoglobina bovina age em concentrações micromolares apenas contra bactérias Gram-positivas e contra fungos, não tendo sido ativo contra bactérias Gram-negativas. No entanto, a molécula da hemoglobina intacta não apresenta atividade antimicrobiana quando testada em concentrações superiores à do fragmento 3361 da cadeia α da hemoglobina bovina. Verificou-se também que esse fragmento apresenta atividade hemolítica baixa, descartando uma possível função digestiva. Dados na literatura mostram que a hemoglobina é digerida dentro dos eritrócitos de mamíferos gerando fragmentos com diferentes atividades biológicas, tais como liberação de corticropina in vitro e a marcação das doenças Alzhzeimer e isquemia, entre outras (Ivanov et al., 1997). Recentemente, foi descrita a geração de fragmentos de hemoglobina com atividade antimicrobiana após seu tratamento in vitro com enzimas comerciais (Mak et al., 2000; Froidevaux et al., 2001). No entanto, até o momento, o único fragmento antimicrobiano da hemoglobina que é gerado fisiologicamente é o 33-61 da cadeia α da hemoglobina bovina, detectado no intestino do carrapato B.

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microplus (Fogaça et al., 1999). Com base nessas informações, foi analisado se os eritrócitos bovinos rompidos in vitro apresentavam atividade antimicrobiana. Nenhuma atividade foi detectada, sugerindo que a hemoglobina dever estar sendo processada no intestino do carrapato por enzimas produzidas neste órgão, gerando assim o fragmento 33-61 com propriedades antimicrobianas (Figura 7). Iniciou-se a investigação das enzimas intestinais de B. microplus responsáveis pela clivagem da hemoglobina e a geração do fragmento ativo. Após a incubação da hemoglobina bovina com um extrato de intestino de carrapatos, foi observada a expressão de atividade antimicrobina. Essa foi inibida pela incubação simultânea com um inibidor de áspartico-proteinase (pepstatina) e um inibidor de cisteino-proteinase (E-64). Esse resultado sugere que, pelo menos, duas enzimas - uma áspartico e uma cisteíno-proteinase - estejam envolvidas na geração do fragmento antimicrobiano a partir da proteólise da hemoglobina. A purificação e caracterização dessas enzimas estão sendo realizadas. A presença de uma atividade antimicrobiana no intestino dos carrapatos é de extrema importância para a defesa contra infecções desses animais, uma vez que as fêmeas podem ingerir bactérias do couro do hospedeiro durante a alimentação. Além disso, após a alimentação, as fêmeas se desprendem do couro do bovino caindo ao solo, colocando seus ovos em um ambiente muitas vezes bastante contaminado por microorganismos. No entanto, não só o intestino dos carrapatos é susceptível às infecções. A presença de outros três peptídeos antibacterianos, contendo cisteína, na hemolinfa desses animais foi também detectada (Fogaça et al., 2001). A presença de vários peptídeos antimicrobianos em um mesmo animal é importante para garantir um espectro de ação amplo contra vários tipos de patógenos, garantindo assim a sobrevivência do animal alvo. Além disso, os peptídeos podem atuar sinergisticamente durante o combate às infecções. Conclusão Além de vitais para o entendimento da ação antimicrobiana fisiológica desempenhada nos aracnídeos estudados, os peptídeos detectados também poderão ser usados como moléculas54

base para o desenvolvimento de novas drogas antibióticas. Como já descrito acima, não há dúvida de que, com o surgimento de novos microorganismos resistentes à antibióticos, existe a necessidade urgente de se desenvolverem novas classes de antibióticos. Peptídeos antimicrobianos purificados, de diversas espécies de animais, apresentam características desejáveis a uma nova classe de antibióticos: um largo espectro de atividade, incluindo isolados resistentes a antibióticos convencionais; matam rapidamente, evitando a seleção de mutantes resistentes; apresentam sinergia com outros antibióticos; neutralizam endotoxinas e, portanto, bloqueiam a resposta septicêmica; e podem matar microorganismos em animais modelos. No entanto, vários problemas precisam ser resolvidos para serem produzidos em escala industrial. Um deles é por apresentarem uma massa molecular relativamente grande em relação aos antibióticos usados comercialmente; terão então, que ser produzidos por técnicas de biologia molecular, de modo a obter-se moléculas recombinantes, com um custo mais baixo. Apesar de várias metodologias terem sido descritas, nenhuma delas até agora foi usada em escala industrial (Hancock & Scott, 2000). Uma alternativa seria a produção por recombinação em genética em plantas (Parizotto et al., 2000). Outro problema é a toxicidade que alguns desses peptídeos apresentam contra células de mamíferos. Como citado anteriormente, isso poderá ser conseguido por meio de modificações químicas na estrutura dessas moléculas. Outro aspecto a ser considerado é a resistência desses peptídeos à ação proteolítica do nosso organismo. No entanto, existem estratégias para proteger os peptídeos contra proteases, tais como a de incorporálos em lipossomos ou a de usar modificações químicas (Hancock & Scott, 2000). Já existem, pelo menos, cinco empresas no mundo trabalhando na produção e estabelecimento de peptídeos antimicrobianos como novos antibióticos: Magainin (EUA), PPL Therapeutics (Inglaterra), Intrabiotics (EUA), Micrologix (Canadá) e Entomed (França), o que indica ser esse um campo bastante promissor. Portanto, os peptídeos antimicrobianos não são somente importantes como componentes do sistema imune inato participando do combate às infecções, mas seus análogos

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químicos ou recombinantes apresentam um grande potencial para serem aplicados como antibióticos no combate contra microorganismos resistentes a antibióticos conhecidos ou mesmo contra novos alvos. Agradecimentos Os autores agradecem o suporte técnico dado por Susana Pessoa de Lima e o trabalho dos alunos de Iniciação Científica Ernesto S. Nakayasu, Aline H. Fukuzawa e Luciana M. Kaku. Sirlei Daffre, M. Teresa M. Miranda e Antônio Miranda recebem bolsa produtividade do CNPq. Alessandra Machado, Andréa C. Fogaça, Daniel M. Lorenzini, Eliane Esteves, Lourivaldo dos Santos Pereira são bolsistas da FAPESP. Marcelo Russo Burgierman recebe bolsa da CAPES. Marcos Antônio Fázio é bolsista do CNPq. Este trabalho recebe apoio financeiro da FAPESP através do projeto Temático 98/11372-4 e do projeto individual 00/03642-3. Bibliografia Andreu, D.; Rivas, L. Animal antimicrobial peptides: an overview. Biopolimers 47: 415-433, 1998. Aumelas, A.; Mangoni, M.; Roumestand, C.; Chiche, L.; Despaux, E.; Grassy, G.; Calas, B.; Chavanieu, A. Synthesis and solution structure of the antimicrobial peptide protegrin1. Eur J Biochem 237:575-583, 1996. Bulet, P.; C. Hetru; J. L. Dimarcq; D. Hoffmann. Antimicrobial peptides in insects; structure and function. Dev Comp Immunol. 23:329-44, 1999. Dangl, J.L.; Jones, J.D.G. Plant pathogens and integrated defence responses to infection. Nature 411: 826-833, 2001. Ehreth-Sabatier, L.; Loew, D.; Goyffon, M.; Fehlbaum, P.; Hoffmann, J.A.; Van Dorsslaer , A.; Bulet, P. Characterization of novel cysteine-rich antimicrobial peptides from scorpion blood. J. Biol. Chem. 27147:2953729544, 1996. Fahrner, R. L.; Dieckmann, T.; Harwig, S. S.; Lehrer, R. I.; Eisenberg, D. & Feigon, J. Solution structure of protegrin-1, a broad-spectrum antimicrobial peptide from porcine leukocytes. Chem Biol. 3:543-550, 1996. Fázio, M.A.; Daffre, S.; Miranda, M.T.M.; Bulet, P.; Miranda, M. Importance


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Novas perspectivas para adaptação de Pesquisa

Culturas ao Cerrado

Contribuição da biologia molecular na compreensão e solução dos efeitos tóxicos do alumínio em plantas Geraldo M. A. Cançado,

Engo Agrônomo, M.S., EPAMIG. cancado@epamigcaldas.gov.br

Newton Portilho Carneiro, Biólogo, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS newtonc@cnpms.embrapa.br

Andréa Almeida Carneiro,

Bióloga. Ph.D. EMBRAPA/CNPMS andreac@cnpms.embrapa.br

Antônio Álvaro Corsetti Purcino, Engo Agrônomo, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS corsetti@cnpms.embrapa.br

Claudia Teixeira Guimarães,

Enga Agrônoma, D.S. EMBRAPA/CNPMS claudia@cnpms.embrapa.br

Vera Maria Carvalho Alves,

Enga Agrônoma, D.S. EMBRAPA/CNPMS vera@cnpms.embrapa.br

Sidney Netto Parentoni,

Engo Agrônomo, M.S. EMBRAPA/CNPMS sidney@cnpms.embrapa.br

Isabel Regina Prazeres de Souza, Enga Agrônoma, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS isabel@cnpms.embrapa.br

Edilson Paiva,

Engo Agrônomo, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS edilson@cnpms.embrapa.br Fotos e ilustrações cedidas pelos autores

acidez do solo é um dos principais fatores que limitam a produção agrícola nos trópicos. O Cerrado brasileiro ocupa 205 milhões de hectares do território nacional (fig. 1) e, apesar de apresentar excelentes qualidades no que se refere à topografia, luminosidade, temperatura e estrutura física do solo, se caracteriza por possuir baixa fertilidade, pH ácido e elevada saturação de alumínio (Al) (Embrapa/CNPAC, 2000). O Al é tóxico para a grande maioria das espécies de plantas cultivadas, promovendo a paralisação do crescimento radicular e, conseqüentemente, prejudicando o desenvolvimento das plantas. O Cerrado tem sido considerado como uma das últimas grandes fronteiras mundiais disponíveis para a expansão agropecuária, assumindo importância estratégica para o Brasil. Entretanto, para que seu uso possa ocorrer de forma cada vez mais eficiente e racional, é imprescindível que juntamente com as atuais práticas utilizadas na exploração agrícola dessa região, novas alternativas sejam criadas para amenizar ou mesmo eliminar as adversidades impostas por aquele ambiente. As alternativas de manejo mais utili-

zadas para contornar a toxidez provocada pelo Al fundamentam-se no uso de duas práticas. Uma delas é o processo da calagem, que consiste na precipitação do Al solúvel pela adição de calcário ao solo. Embora seja uma prática corriqueira na agricultura, sua eficiência limita-se à camada superficial do solo, já que a incorporação do calcário em profundidades maiores é economicamente inviável. Assim, a calagem favorece o desenvolvimento radicular apenas na camada superficial do solo, o que torna a planta mais susceptível aos períodos de veranicos, muito comuns na região. Além disso, os efeitos da calagem nas camadas superficiais são ainda mais reduzidos sob plantio direto , onde não se utiliza implementos agrícolas para revolver o solo. Outra prática que vem sendo bastante enfatizada é a utilização de cultivares mais tolerantes ao Al. Hoje a Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas-MG, tem identificado e caracterizado, em seu germoplasma, milho e sorgo tolerantes a níveis que variam de 40% a 60% de saturação de Al no solo. Os níveis de saturação são calculados em função da concentração de cátions no solo. Métodos de seleção e variabilidade genética em milho são mostrados na

Figura. 1 - Área do Cerrado brasileiro. Fonte: Embrapa Cerrados (2000) 56

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Figura 2 Métodos de seleção de milho tolerante a Al e variabilidade genética em milho. A = Comprimento da raiz seminal; B = Ensaio em casa de vegetação de uma variedade tolerante e uma susceptível ao Al; C =. Variabilidade genética em milho figura 2. A idéia desse artigo é descrever sucintamente como a biologia molecular tem contribuído para aumentar os conhecimentos relacionados com os mecanismos de tolerância das plantas ao estresse de Al. Além do que, com a integração de técnicas da biologia molecular nos programas de melhoramento genético, espera-se que o desenvolvimento de cultivares com melhor adaptação aos ambientes desfavoráveis seja mais rápido e eficiente. Dessa forma, a utilização da prática de calagem, associada ao uso de genótipos mais adaptados às condições de solo ácido com elevada saturação de Al serão estratégias de maior potencial para a utilização sustentável do Cerrado.

Efeitos do Al em plantas - O Al, terceiro elemento mais abundante na crosta terrestre, quando em soluções ácidas (pH<5,0), apresenta-se principalmente na forma de Al(H2O)63+, a qual é tóxica para as plantas. O primeiro sintoma de toxidez é a inibição do elongação da raiz, que ocorre cerca de 1-2 h após a exposição a Al (Kochian, 1995). Este cátion, quando em contato com as raízes, promove rapidamente a paralisação do crescimento radicular, tornando-as atrofiadas em função da morte do meristema radicular. Freqüentemente, plantas afetadas pelo Al apresentam sintomas de deficiência de nutrientes, tais como P, Ca, Mg, K e Mo, devido à interferência do Al nos proces-

Figura 3 - Mecanismo proposto para explicar tolerância ao Al baseado na exudação de ácido orgânico pela raiz: plantas de milho tolerantes ao Al exudam suficiente ácido orgânico para quelatizar o Al e impedir sua penetração na raiz. As raízes demonstradas nas fotos foram coradas com hematoxilina para detecção do Al (Cançado et al., 1999)

sos de absorção, transporte e uso destes nutrientes. Tais deficiências aparentemente ocorrem porque o Al induz a deposição de calose nos canais plasmodesmáticos, inibindo fisicamente o transporte simplástico entre células (Sivaguru et al., 2000). A parte distal da zona de transição no ápice das raízes, onde as células estão entrando em fase de alongamento, é o sítio da ação tóxica primária do Al (Sivaguru e Horst, 1998). Outro efeito prejudicial do Al está na mudança da homeostase celular do Ca2+ e da competição por canais de Ca2+. A inibição da absorção celular de Ca2+ pelo Al3+ afeta, em maior ou menor intensidade, vários processos celulares, tais como, mitose, citocinese, gravitropismo, crescimento polar, correntes citoplasmáticas e sinalização celular (Huang et al., 1996). Estudos recentes têm indicado que interações do Al com elementos envolvidos na transdução de sinais, responsáveis pela comunicação da célula com o ambiente são, aparentemente, eventos primários da toxidez causada pelo Al. O Al teria como alvos no interior da célula, o fosfatidilinositolbifosfato e a proteína Gp, moléculas responsáveis pela produção de dois importantes mensageiros secundários, o inositol-1,4,5-trifosfato e o diacilglicerol. Desta forma, o Al interferiria nos processos de transdução de sinais, que, por sua vez, ocasionariam rápidas disfunções metabólicas na planta (Jones e Kochian, 1995; Haug et al., 1994; Shi et al., 1993). O Al também possui efeitos prejudiciais sobre moléculas de ácidos nucléicos, principalmente por modificar a conformação espacial da dupla hélice, devido a interações com as cargas residuais dos grupamentos fosfato. O Al

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Figura 4 Trabalhos de modificação da expressão do gene da citrato sintase em planta. A: Mapa do plasmídio pCAMBIA C2 (1303); B: Construção gênica Citrato Sintase (CS); Promotores CAMV35S e ToRB7; AC: CS de Dauca carota com peptideo sinal de mitocôndria; AD: CS de Dauca carota sem peptídeo sinal de mitocôndria; AE: CS de Escherichia coli ; NOS: Sítio de poliadenilação NOS ; E: EcoRI; B: BamHI; H: HindIII pode ainda promover alterações na permeabilidade da membrana plasmática devido a alterações na fluidez e na densidade do empacotamento dos fosfolipídeos, aumento na síntese de lignina, prejudicando o processo de elongação celular, inibição da absorção de O2 nos ápices radiculares devido a interferência no fluxo de elétrons na mitocôndria e a danos ao fotossistema II, reduzindo a taxa fotossintética (Jones e Kochian, 1995). A elucidação dos processos bioquímicos e fisiológicos que atuam no processo da tolerância ao Al, principalmente no que se refere à identificação e à compreensão da regulação dos genes envolvidos a partir de técnicas moleculares é de fundamental importância para o melhoramento genético. Mecanismos de tolerância ao Al Nem todas as espécies de plantas respondem de forma semelhante ao estresse causado pelo Al. Ao que parece, as plantas utilizam-se de vários mecanismos para contornarem os efeitos tóxicos do Al. Os mecanismos de tolerância ao Al propostos na literatura podem ser classificados em dois grupos: i) mecanismos de exclusão ou apoplásticos, com a imobilização ou neutralização do Al externamente à célula, e ii) mecanismos simplásticos, decorrentes da imobilização ou neutra58

lização do Al dentro da célula (Taylor, 1991; Kochian, 1995). Várias formas de ação, distribuídas entre estes dois mecanismos, têm sido propostas, na tentativa de explicar como as plantas podem se desenvolver na presença do Al, sendo a maioria delas apenas especulativa. Entretanto, alguns dos mecanismos citados com maior freqüência na literatura serão descritos sucintamente a seguir. A baixa Capacidade de Troca Catiônica (CTC) da parede celular da raiz tem sido associada à tolerância ao Al. Segundo este modelo, plantas com elevada CTC radicular adsorvem mais Al, elevando a concentração desse metal próximo às células. No entanto, para algumas espécies de plantas, não há nenhuma relação entre a CTC radicular e a tolerância ao Al. Embora a membrana plasmática seja considerada como um dos alvos do Al, em alguns casos, ela pode atuar como uma barreira à absorção deste elemento para o interior da célula. Foi observado que a densidade de cargas elétricas negativas presentes em membranas das células do ápices radiculares de trigo eram, em média, 26% superior no genótipo sensível em relação ao tolerante (Yermiyahu et al. 1997). Assim, alterações na composição de fosfolipídeos da membrana plasmática podem contribuir para a tolerância ao Al, por dificultar a interação deste com a membrana plasmática. O aumento de pH na região da

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rizosfera também é uma forma de exclusão do Al, pois leva à formação de uma zona de precipitação deste elemento. Certas plantas absorvem nitrogênio preferencialmente na forma de NO3-, em relação à forma de NH4+ e, como conseqüência dessa absorção diferencial, há um maior efluxo de íons OH- pela raiz, o que promove a elevação do pH na rizosfera. Outra barreira que o Al pode enfrentar para atingir as regiões sensíveis do meristema radicular é a mucilagem, substância formada por polissacarídeos, que reveste a superfície radicular. Em plantas de trigo tolerantes ao Al, a síntese contínua de mucilagem nos ápices radiculares dificulta a penetração do Al, protegendo as regiões de crescimento da raiz. Já foi demonstrado que a mucilagem pode ser responsável por reter até 35% do Al presente no apoplasto (Archambault et al., 1996). A síntese de calose, um poliglicosídeo formado por unidades de 1,3-βglucano que se acumula na parede celular, também é uma resposta das plantas aos diversos tipos de estresses (Simmons et al., 1992). Genótipos de trigo sensíveis ao Al produzem mais calose do que genótipos tolerantes quando expostos a este elemento (Horst et al., 1997; Zhang et al., 1994; Llugancy et al., 1994). A enzima 1,3-β-glucanase está incluída na família das proteínas PR (pathogenesis related), já que muitas de suas isoformas são induzidas durante


infecções fúngicas. Análises do padrão enzima citrato sintase foi também au- los sob vegetação de cerrado. Para tal, de síntese do mRNA da 1,3-β-glucanamentada pela exposição de plantas de diversos estudos têm sido conduzidos se, isolado de ápices radiculares de centeio ao Al (Li et al. 2000). Por outro no intuito de elucidar a genética da trigo, demonstram que a expressão deste lado, evidências recentes indicam que tolerância ao Al em milho, trigo, sorgo gene é fortemente regulada pela preas enzimas envolvidas na síntese dos e soja, espécies cultivadas, de grande sença de Al (Cruz-Ortega et al., 1997). ácidos orgânicos, como malato desidrointeresse econômico para o Cerrado. Desta forma, o padrão de síntese de genase e citrato sintase não são induziTrabalhos sobre genética da tolerância calose pode ser um bom indicativo do das pelo Al em cultivares de milho mais a Al abrangem alguns tópicos envolgrau de injúria que o Al causa nas raízes, tolerantes (Alves et al., dados não publivendo a identificação de fontes de tolepodendo, inclusive, ser utilizado como cados, Embrapa Milho e Sorgo). rância e a avaliação de populações um parâmetro de seleção. A indução da síntese de proteínas segregantes em cruzamentos contrasDentre os mecanismos de exclusão, específicas pode também estar relaciotantes, que culminam em estudos de a exudação de moléculas quelantes que nada com a resposta de plantas ao herança e do tipo de ação gênica assocomplexam o Al tem sido o mais estuestresse causado pelo Al. Basu et al. ciada com a tolerância (Cançado e Paidado. Tais quelantes são liberados no (1994) observaram o acúmulo significava, 1999). apoplasto e/ou na rizosfera, impedindo tivo de proteínas em solução nutritiva A grande maioria dos estudos de que o Al alcance seus sítios de toxidez. contendo Al, onde um genótipo tole- herança da tolerância ao Al tem sido O Al, uma vez complexado com a rante de trigo havia sido cultivado, em conduzida em trigo, onde os resultados molécula exudada pela raiz, perde seu comparação com o sensível. Segundo sugerem que um pequeno número de efeito fitotóxico. Uma importante classe os autores, tais proteínas poderiam ter genes controlariam esta característica. desses quelantes são os ácidos orgâniuma ação semelhante aos ácidos orgâ- Em milho, os resultados quanto ao cos de baixo peso molecular proveninicos, quelando o Al solúvel. Vários número de genes e ao tipo de ação entes do ciclo dos ácidos tricarboxílitrabalhos demonstram alterações na síngênica são conflitantes, mas parece exiscos. Um modelo do mecanismo de tese de proteínas em ápices radiculares tir um consenso quanto à existência de como ácidos orgânicos podem se compara diferentes espécies de plantas, poucos genes envolvidos na expressão plexar com íons de Al no solo é descrito quando expostas ao Al (Cançado e da tolerância. No entanto, a tolerância na figura 3. Em trigo, o Al pode estimuPaiva, 1999). Tais alterações vão desde ao Al em sorgo parece ser uma caractelar a exudação do ácido málico e succía indução até a inibição completa de rística dominante e monogênica, ennico (Delhaize et al. 1993a; 1993b), já determinados polipeptídeos, sendo que, quanto que, em arroz, tem sido consiem milho, foi observada a exudação de na maioria das vezes, apresentam paderada como herança poligênica, com ácido cítrico, málico e trans-aconítico drões de expressão diferenciados entre efeitos aditivos significativos. Adicio(Pellet et al., 1995, Jorge e Arruda, os genótipos tolerantes e sensíveis. nalmente à existência de genes maiores 1997). Trabalhos semelhantes na Emexplicando grande parte da variação brapa Milho e Sorgo observaram que Genética da tolerância ao Al - O para tolerância ao Al, existem evidênciplântulas de milho tolerantes ao Al uso de cultivares mais tolerantes à toxias sugerindo que genes modificadores exudavam ácido cítrico e ácido málico dez do Al apresenta-se como uma solu- podem ter papel importante na moduem concentrações superiores às plântução sustentável, propiciando ganhos lação do efeito desses genes maiores. las sensíveis ao Al. Parece que nos permanentes de produtividade em soQuanto ao modo de ação gênica, em genótipos tolerantes à Figura 5 Atividade do GUS em plantas transgênicas de tabaco (A); plantas presença do Al regula o de tabaco transformadas (B); Gradiente de Al (0 and 6 ppm) Placa (C):, Tubo surgimento de canais ani(D); Plantas transgênicas de tabaco crescendo em 6 ppm, em teste de hemaônicos que facilitam a toxilina (E); Southern blot de algumas plantas transformadas; sonda higromiexudação destes ácidos cina (F), sonda factor de elongamento 1 alfa (G) das células do tecido apical (Piñeros e Kochian, 2001). Uma das evidências mais convincentes sobre o envolvimento da exudação de ácidos orgânicos na tolerância ao Al foi apresentado por Fuente-Martínez et al. (1997), com a produção de plantas de tabaco e mamão, superexpressando a enzima citrato sintase. Em função dessa super produção e exudação de citrato, as plantas transgênicas apresentaram aumento significativo na tolerância ao Al. A atividade da Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001

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geral, a tolerância ao Al tem sido reportada como característica dominante, podendo variar de acordo com o nível de Al utilizado na solução nutritiva. Com o advento dos marcadores moleculares, tornou-se possível identificar e mapear regiões genômicas associadas com a tolerância, o que pode ser utilizado como estratégia alternativa para clonagem dos genes de interesse e para dar suporte aos estudos sobre os mecanismos envolvidos nos processo da tolerância. Dentre os cinco QTLs explicando 60% da tolerância ao alumínio em milho, dois deles estavam mapeados próximos aos genes da isocitrato desidrogenase e malato desidrogenase (Ninamango-Cárdenas, 2000), enzimas que atuam na via metabólica dos ácidos orgânicos, um dos principais mecanismos propostos para a tolerância ao alumínio em plantas (Kochian, 1995). Outro QTL, identificado por Ninamango-Cárdenas (2000) foi mapeado próximo ao Alm2, um QTL também associado com a tolerância ao alumínio, em milho (Sibov et al., 1999). O desenvolvimento da raiz seminal de plântulas crescidas em solução nutritiva na presença de níveis tóxicos de Al tem sido um índice fenotípico bastante utilizado na avaliação da tolerância ao Al, em milho, por apresentar alta herdabilidade e baixo coeficiente de variação ambiental (Martins et al., 1999). O mapeamento comparativo pode também fornecer informações complementares sobre a conservação de genes e de mecanismos de tolerância ao alumínio entre espécies relacionadas. Existem, hoje, evidências de uma possível conservação de alguns genes de tolerância ao alumínio entre gramíneas correlacionadas como trigo, aveia e cevada. Prospecção de genes induzidos pelo Al - Alterações na expressão de genes induzidos por estresses ambientais vêm sendo relatadas para várias espécies vegetais. Projetos de seqüenciamento genômico e técnicas de análise de expressão diferencial de genes como microarrays e RT-PCR têm auxiliado a identificação de genes cuja expressão é alterada por estresses ambientais. Recentemente, com o uso de mutantes de Arabdopsis thaliana tolerantes e sensíveis ao Al, tem sido possível identificar genes que têm sua expressão alterada pelo Al, como é o caso do mutante tolerante ao Al (alr-104), cuja tolerância baseia-se na elevação do pH da rizosfera. Muitos destes genes poderão ser 60

utilizados em transformação genética de plantas, na tentativa de tornar culturas de interesse agronômico mais tolerantes ao Al, ou ainda, serem utilizados como marcadores moleculares em programas de seleção genética. Recentemente, sete clones de cDNA induzidos pelo Al foram isolados em ápices radiculares de trigo cultivado, sendo que alguns dos clones apresentavam elevado grau de homologia com genes que codificam para inibidores de proteinases, fenilamonioliases (PAL) e proteínas do tipo PR (Snowden et al., 1995, Richards et al., 1994, Snowden et al., 1993). Em tabaco, foi isolado um clone (pAl 201), induzido pela presença do Al e pela supressão de fósforo inorgânico (Pi), cuja seqüência completa demonstrou homologia com genes que codificam para peroxidases (Ezaki et al. 1996). Estudos com as linhagens de milho L-36 (sensível) e a Cateto 237 (tolerante) mostraram que o Al diminuiu a atividade da peroxidase somente no ápice das raízes da linhagem sensível. Independente da presença de Al, observou-se ainda que as duas linhagens apresentavam polimorfismo para duas isoenzimas aniônicas da peroxidase no ápice radicular. Tais observações sugerem que a peroxidase faça parte de um mecanismo constitutivo que confere proteção ao tecido radicular da cultivar tolerante quando exposta ao Al (Souza et al., dados não publicados). Em Arabidopsis thaliana, observouse a indução transiente de cinco genes nos ápices radiculares, poucas horas após sua exposição ao Al. Outros quatro genes, cuja transcrição aumentou por períodos de tempo mais longos, também foram isolados, enquanto outros dois genes apresentaram níveis de expressão reduzido ao longo do tratamento com Al (Richards et al. 1998). Alguns desses genes mostram homologia com genes induzidos pela presença de ozônio, um forte oxidante, assim como com peroxidases, BCB (Blue Copper Binding Protein) e GST (Gluthatione-S-transferase), sugerindo uma relação entre a toxidez por Al e o estresse oxidativo. Na linhagem de milho Cateto 237 (tolerante), o Al induziu a expressão dos genes da ascorbato peroxidase, da metionina sintase, de uma hemoglobina, do gene vivíparo 3, de uma proteína associada com a senescência e de uma invertase da parede celular (Purcino et al., dados não publicados, Embrapa Milho e Sorgo). É interessante notar que, como observado em Arabidopsis, alguns dos genes estão também ligados a mecanismos fisiológicos que conferem proteção contra o

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estresse oxidativo, confirmando uma possível participação deste mecanismo como um componente importante da reação das plantas a níveis tóxicos de Al (Richards et al., 1998). Em trigo, genes induzidos por Al possuem elevada homologia com genes de peroxidases (war4.2), proteinases de cisteína (war5.2), fenil-amonia liase (war7.2) e oxalato oxidases (war13.2) (Hamel et al. 1998). Estratégias moleculares para aumento da tolerância ao Al em plantas - As técnicas de DNA recombinante têm permitido a identificação de genes relacionados com a tolerância à toxidez de Al de uma série de espécies vegetais. Esses genes são os primeiros candidatos para serem mapeados em populações segregantes para a tolerância ao Al, assim como fontes para construções gênicas em teste com transgênicos. Baseando na estratégia proposta por Fuente-Martinez et al. (1997), onde plantas transgênicas superexpressando o gene da citrato sintase (CS) isolado da bactéria Pseudomonas aeruginosa, aumentaram os níveis de tolerância ao Al, trabalhos vêm sendo desenvolvidos na Embrapa Milho e Sorgo. Plantas de tabaco estão sendo transformadas com o gene da citrato sintase isolado de Escherichia coli e de cenoura (Daucus carota), regulados por promotores constitutivos (CaMV 35S) e raizespecíficos. O grande objetivo da pesquisa é gerar uma tecnologia que possa ser transferida para culturas de maior importância para a região do Cerrado, tais como o milho e a soja (Fig. 3 e 4). Referências Bibliográficas ARCHAMBAULT, D. J., ZHANG, G., TAYLOR, G. J. Accumulation of Al in root mucilage of an Al-resistant and an Al-sensitive cultivar of wheat. Plant Physiology, v.112, n.4, p.1471-1478, 1996. BASU, U., BASU, A., TAYLOR, G. J. Differential exudation of polypeptides by roots of aluminum-resistant and aluminum-sensitive cultivar of Triticum aestivum L. in response to aluminum stress. Plant Physiology, v.106, n.1, p.151-158, 1994. CANÇADO, G.M.A., LOGUERCIO, L.L., MARTINS, P.R., PARENTONI, S.N., LOPES, M.A., PAIVA, E.; BORÉM, A. Hematoxylin staining as a phenotypic index for aluminum tolerance selection in tropical maize. Theoretical and Applied Genetics, v.99, p.747754, 1999.


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Pesquisa

Laranja TRANSGÊNICA

Transformação de laranja visando resistência ao cancro cítrico usando genes de peptídeos antibacterianos

Brasil é o maior produtor mundial de laranja, com 355 milhões de caixas produzidas em 2000/ 01, o que corresponde a cerca de 30 % da produção mundial. Além disso, o país é responsável por, aproximadamente, metade da produção mundial de suco concentrado (61 o Brix), um dos principais produtos agrícolas exportados pelo Brasil. O volume de recursos movimentados pelo agronegócio citrícola supera R$ 5 bilhões por ano, gerando cerca de 400 mil empregos diretos, somente no estado de São Paulo, o maior produtor do Brasil. A citricultura nacional apresenta vários problemas fitossanitários, entre os quais se destacam a larva minadora dos citros (Phyllocnistis citrella), a pinta preta (doença fúngica provocada por Guignardia citricarpa), a clorose variegada dos citros (CVC, causada pela bactéria Xyllela fastidiosa) e o

cancro cítrico (causada pela bactéria Xanthomonas axonopodis pv. citri). Cancro cítrico O cancro cítrico tem provocado grandes prejuízos tanto no Brasil como em outros países produtores de citros. Essa doença afeta toda a parte aérea da planta, causando lesões em frutos, folhas e ramos (Figura 1). Os frutos ficam depreciados e caem precocemente, reduzindo a produção da planta. As portas de entrada para a bactéria do cancro são ferimentos em folhas causados pelo vento ou pelo ataque da larva minadora dos citros. O controle do cancro cítrico tem sido realizado através de medidas para prevenir a introdução da bactéria e da erradicação das plantas contaminadas. Para isso, são realizadas por agências fiscalizadoras, inspeções periódicas em pomares comerciais e domésticos. As plantas cítricas contaminadas, bem

João Carlos Bespalhok Filho

IAPAR, Laboratório de Biotecnologia, bespa@hotmail.com

Adilson Kenji Kobayashi

IAPAR, Laboratório de Biotecnologia, adilson@sercomtel.com.br

Luiz Filipe Protásio Pereira

IAPAR, Laboratório de Biotecnologia, lpereira@pr.gov.br

Luiz Gonzaga Esteves Vieira

IAPAR, Laboratório de Biotecnologia, lvieira@pr.gov.br Fotos cedidas pelos autores

Figura 1. Frutos de laranja apresentando sintomas de cancro cítrico (Foto gentilmente cedida pelo Dr. Rui Pereira Leite) 62

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Figura 2. Expressão do gene marcador gus em plantas transgênicas de laranja Pêra

como as não contaminadas, num raio de 30 metros, são cortadas e incineradas. Somente no ano de 1999, foram gastos cerca de R$ 33 milhões na erradicação de pomares infectados nos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Entretanto, a presença e o progresso epidêmico do cancro cítrico em diversas regiões produtoras de citros ao redor do mundo, e a sua recente introdução e reintrodução em vários países têm levantado dúvidas quanto à eficiência da adoção exclusiva de medidas para impedir a sua introdução em novas áreas e para a erradicação completa da doença em regiões onde ela foi introduzida (Leite, 1990). O desenvolvimento de variedades cítricas agronomicamente aceitáveis com adequado nível de resistência, é ainda a forma mais econômica e eficiente de controlar o cancro cítrico. Entretanto, o melhoramento de citros é um processo longo, principalmente pelos aspectos botânicos desse gênero. Grande parte das espécies apresenta poliembrionia e longo período juvenil, o que dificulta a seleção de genótipos por hibridação. A obtenção de uma nova variedade é um processo que leva em média 30 anos. Os principais avanços têm sido obtidos pela seleção de mutações naturais. Frente a esses problemas, a transformação genética da laranjeira mos-

tra-se como uma estratégia de melhoramento muito promissora, podendo ser utilizada para a introdução de novas características em variedades elite, reduzindo o tempo necessário para o lançamento de novos cultivares. Transformação genética de citros Plantas transgênicas de citros já foram obtidas por meio da introdução direta de DNA em protoplastos (Vardi et al., 1990); por co-cultivo de segmentos internodais ou de epicótilo com Agrobacterium (Moore et al., 1992; Kaneyoshi et al., 1994; Peña et al., 1995; Gutiérrez et al., 1997; Cervera et al., 1998), e por bombardeamento de partículas em suspensões embriogênicas de nucelo (Yao et al., 1996). Atualmente, o método mais utilizado de transformação genética em citros é a transformação mediada por Agrobacterium, utilizando-se segmentos de epicótilo de 1 cm como explantes. Usando esse sistema, já foram obtidas plantas transgênicas de laranja doce (C. sinensis;) (Peña et al., 1995; Bond & Roose, 1998), C. aurantifolia (Peña et al., 1997), C. aurantium (Gutiérrez et al., 1997), Carrizo citrange (C. sinensis X Poncirus trifoliata; Moore et al., 1992), P. trifoliata (Kaneyoshi et al., 1994) e grapefruit (C. paradisi; Luth & Moore, 1999.

Figura 3. Construção usada nos experimentos de transformação

Entretanto, a eficiência de transformação utilizando esse protocolo de regeneração ainda é baixa. Isso se deve, principalmente, ao pequeno número de brotos obtidos por explante e ao grande número de escapes. Além disso, as plantas transgênicas obtidas por esse sistema são juvenis, sendo necessário vários anos para que se possa avaliar algumas de suas características comerciais (produtividade, qualidade de fruto etc). Com vistas a contornar esse problema, Cervera et al. (1998) utilizaram internódios de plantas maduras de laranja doce cultivar Pineapple como explantes para transformação, conseguindo que as plantas transgênicas florescessem após 14 meses. A falta de técnicas adequadas de cultura de tecidos de cultivares de laranja doce adaptados às nossas condições agroecológicas tem dificultado o uso da tecnologia de transformação de plantas nessa cultura. Visando a minimizar esse problema, o Laboratório de Biotecnologia Vegetal do IAPAR desenvolveu novos protocolos de regeneração de laranja doce Pêra, usando segmentos finos transversais tanto de tecidos juvenis (Bespalhok et al., 2001) quanto de maduros (Kobayashi et al., 2001). Esses novos protocolos permitem a transformação de laranja, tanto através de Agrobacterium tumefaciens como também via biobalística. Essa metodologia foi utilizada em experimentos preliminares para a otimização do sistema de transformação, utilizando o plasmídeo pBE2113, que contém o gene gus sob controle de promotores constitutivos (Figura 2). Uso de peptídeos antibacterianos Várias estratégias têm sido utilizadas para aumentar a resistência de plantas a doenças bacterianas através da engenharia genética. Entre essas estratégias destacam-se: a produção de peptídeos antibacterianos, a inibição de fatores de virulência e o aumento das defesas naturais e morte celular programada no local da infecção (Mourgues et al., 1998). Todos os organismos superiores possuem sistemas de proteção contra infecções por microorganismos. Os insetos possuem um eficiente sistema de defesa contra bactérias e outros parasitas. Esse sistema, que foi bastante estu-

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dado em Hyalophora cecropia, é responsável pela produção de peptídeos com potente atividade antitibacteriana, tais como as cecropinas. Cecropinas pertencem a uma família de pequenos peptídeos, isolados da hemolinfa de insetos, que exibem atividade lítica e antibactericida contra muitas bactérias gram-positivas e gramnegativas (Boman & Hultmark, 1987). Estruturalmente, esses peptídeos têm uma região N-terminal bastante básica e uma longa seqüência hidrofóbica na região C-terminal. Essas características são necessárias para a ação antibacteriana das cecropinas através da formação de canais nas membranas, provocando o vazamento de componentes celulares e, conseqüentemente, a morte da bactéria (Christensen et al., 1988). Vários trabalhos de transformação de espécies vegetais com peptídeos antibacterianos foram publicados nos últimos anos. Batata e fumo foram as espécies mais utilizadas, principalmente pela facilidade de cultura de tecidos e a importância das bacterioses. Montanelli & Nascari (1991) transformaram batata com um gene responsável pela produção de cecropina e encontraram resultados positivos contra Ralstonia solanacearum em testes preliminares in vitro com extratos de plantas transgênicas. Jaynes et al. (1993), utilizando o gene Shiva-1 (um análogo sintético da cecropina), controlado pelo promotor do inibidor de proteinase II de batata, obtiveram alta expressão em plantas transgênicas de fumo que mostraram um aumento de resistência a R. solanacearum. Por outro lado, Florack et al. (1995) transformaram fumo com genes de cecropina B, mas não conseguiram aumentar a resistência dessa espécie contra R. solanacearum e P. syringae pv. tabaci. A rápida degradação da cecropina por proteases endógenas foi apontada como responsável pela baixa detecção do peptídeo nas plantas transgênicas, apesar da correta transcrição do gene inserido. Também, Hightower et al. (1994) não conseguiram aumentar a resistência de plantas de fumo a P. syringae pv. tabaci com a introdução de um gene quimérico de cecropina A/B. Além das cecropinas, outros tipos de peptídeos têm sido utilizados em plantas com vistas a controlar doenças bacterianas. Norelli et al. (1994) observaram que plantas transgênicas de maça 64

Figure 4. Análise de PCR de plantas transgênicas de laranja Pêra. O DNA foi isolado de folhas e amplificado com primers específicos para o gene da sarcotoxina dando um produto de 268 pb. Coluna M, marcador 100 pb; coluna C, controle negativo, laranja Pêra não transformada; colunas 1-10, plantas transgênicas; coluna P, plasmídeo pST10 expressando o gene da atacina E mostraram maior resistência a Erwinia amylovora. Plantas transgênicas de batatas com resistência a Erwinia amylovora foram obtidas por Düring et al. (1993) através da inserção do gene da lisozima do bacteriófago T4. Os resultados até agora relatados na literatura indicam que a transformação com peptídeos antibacterianos tem grande potencial para ser usada no melhoramento vegetal, principalmente através do uso de construções gêni-

cas capazes de expressar esses peptídeos extracelularmente e, também, pela modificação desses peptídeos visando a conseguir a sua maior estabilidade frente à degradação por proteases endógenas. Sarcotoxina A sarcotoxina é um peptídeo antibacteriano isolado de larvas de Sarcophaga peregrina pelo grupo do Dr. Natori, Universidade de Tókio (Japão).

Figura 5. Processo de obtenção de plantas transgênicas de laranja Pêra a partir de tecido maduro

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Esse peptídeo possui 39 aminoácidos e pertence ao grupo das cecropinas. Em estudos in vitro, a sarcotoxina mostrou-se altamente eficiente na inibição do crescimento de algumas bactérias causadoras de doenças em plantas, especialmente para X. axonopodis pv. citri (Ohshima et al., 1999). A expressão da sarcotoxina em plantas de tabaco sob controle de um promotor constitutivo aumentou a resistência a duas bactérias fitopatogênicas: P. syringae pv. tabaci e E. carotovora subsp. carotovora (Ohshima et al., 1999). Também, plantas de tabaco transformadas com o gene da sarcotoxina sob o controle de um promotor induzido por ácido salicílico (PR1a) apresentaram um aumento na resistência tanto a bactérias fitopatogênicas como a fungos Rhizoctonia solani e Pythium aphanidermatum (Mitsuhara et al., 2000). Apesar de ainda serem necessários mais estudos sobre a segurança alimentar da sarcotoxina, resultados recentes mostram que a sarcotoxina tem pouca ação sobre microrganismos benéficos que fazem parte da flora intestinal humana (Mitsuhara et al., 2001). Transformação de citros com o gene da sarcotoxina A obtenção de plantas transgênicas de laranja doce de cultivares plantados no Brasil com o gene da sarcotoxina é uma estratégia muito promissora para aumentar a tolerância à bactéria do cancro cítrico. Assim, foram realizados trabalhos de transformação de plantas de laranja com o gene da sarcotoxina no Labotatório de Biotecnologia Vegetal do IAPAR. O plasmídeo utilizado para transformação (pST10) contém o gene da sarcotoxina (stx IA) ligado a um peptídeo sinal que tem a função de exportar o peptídeo para o espaço intercelular sob controle do promotor constitutivo 35S, do vírus do mosaico da couve-flor e o gene da neomicina fosfotransferase (npt II), que confere resistência ao antibiótico canamicina (Figura 3). Esse plasmídeo foi cedido ao IAPAR através de um convênio científico com o Instituto Nacional de Recursos Agrobiológicos (NIAR, Japão). A metodologia de transformação de laranja usou a estirpe EHA-105 de Agrobacterium tumefaciens como ve-

Figura 6. Plantas inoculadas com isolado de X. axonopodis pv. citri (104 cfu/ml) após 26 dias. Planta não transgênica utilizada como controle (esquerda) e planta transgênica expressando sarcotoxina (direita) tor para inserção do gene da sarcotoxina. Um aspecto inovador da metodologia é a utilização de segmentos finos de material vegetal maduro para a transformação, o que reduz em, pelo menos, cinco anos o início de produção e avaliação das plantas transgênicas. Em experimentos preliminares, plantas de laranja Pêra regeneradas a partir de tecido maduro floresceram após 12 meses em casa de vegetação. Internódios de mudas de laranja Pêra mantidas em casa de vegetação foram utilizados como explantes iniciais. Esses internódios foram desinfestados, cortados transversalmente em segmentos de 1-2 mm e imersos em meio contendo Agrobacterium. Os explantes foram então co-cultivados por 72 horas e transferidos para meio de indução de gemas com 200 mg/l cefotaxima, 200 mg/l timetina e 25 mg/l canamicina. Após três semanas no escuro, os segmentos que apresentavam gemas foram transferidos para meio de alongamento ainda com a presença de antibióticos. Após 3-4 semanas no meio de alongamento, as gemas regeneradas maiores que 1 mm foram microenxertadas em plântulas de Carrizo citrange germinadas in vitro. Quando os enxertos apresentavam de 3 a 4 folhas, pequenos segmentos de tecido foliar

foram utilizados para detecção da presença do gene da sarcotoxina através de PCR. Enxertos apresentando a banda correspondente ao gene da sarcotoxina (Figura 4) foram então transplantados diretamente em solo ou novamente enxertados em plantas de limão cravo em casa de vegetação (Figura 5). Foram obtidos diversos eventos de laranja Pêra transgênica contendo o gene da sarcotoxina. As plantas transgênicas foram clonadas através de enxertia em porta-enxertos de limão cravo para serem inoculadas com a cepa 306 da bactéria de X. axonopodis pv citri. A inoculação das plantas transgênicas com a bactéria do cancro cítrico é feita pelo método de infiltração em folhas novas utilizando-se seringas hipodérmicas. A avaliação da resistência é feita após três semanas através da contagem de lesões por área foliar e do re-isolamento da bactéria. A análise de Western blot em folhas mostrou que há uma variação na expressão da sarcotoxina nos diferentes eventos. Os resultados da inoculação das plantas transgênicas com a bactéria do cancro cítrico mostraram que as plantas apresentando maiores quantidades de sarcotoxina foram mais

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resistentes ao cancro cítrico (Figura 6). Considerações finais O projeto para o desenvolvimento da laranja transgênica foi iniciado em 1999 e tem sido financiado pelo CNPq, através do programa RHAE, e pela Fundação Araucária (Governo do Estado do Paraná). Deverão ser feitos ainda, estudos necessários para se conhecer o efeito da introdução do gene da sarcotoxina nas plantas, na segurança alimentar e o seu impacto no ambiente, antes que essa tecnologia possa ser utilizada de maneira mais ampla. A grande eficiência do protocolo de transformação de laranja desenvolvido torna possível a inserção de novos genes que podem contribuir para minimizar outros problemas da citricultura, tais como o ataque de pragas e a resistência a estresses abióticos. Além do Instituto Agronômico do Paraná, através do Laboratório de Biotecnologia, outras instituições brasileiras que atuam no desenvolvimento de plantas transgênicas de laranja são: o Centro de Citricultura do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em Cordeirópolis (SP), a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) e o Centro de Energia Nuclear (CENA), da USP, em Piracicaba (SP). Referências bibliográficas Bespalhok F.; Kobayashi, A.K.; Pereira, L.F.P.; Hissano, Z. & Vieira, L.G.E. (2001) In vitro adventitious shoot regeneration from sweet orange using thin epicotyl sections. Crop Breed Appl Biotech 1:27-34. Boman, H.G. & Hultmark, D. (1987) Cell-free immunity in insects. Ann Ver Microbiol 41:103-126. Bond, J.E. & Roose, M.L. (1998) Agrobacterium-mediated transformation of the commercially important citrus cultivar Washington navel orange. Plant Cell Rep 18:229-234. Cervera, M.; Juarez, J.; Navarro, A.; Pina, J.A.; Duran-Vila, N.; Navarro, L. & Peña, L. (1998) Genetic transformation and regeneration of mature tissues of woody fruit plants bypassing the juvenile stage. Transgenic Res 7:51-59. Christensen, B.; Fink, J.; Merrifield, R.B. & Mauzerall, D. (1988) Channel-forming properties of cecropins and 66

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Vacinas de DNA Pesquisa

MULTIVALENTES Pesquisas abrem caminho para a vacina ideal

Marcio de Oliveira Lásaro

Aluno de doutorado do curso de Pós-graduação do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho UFRJ molasaro@biof.ufrj.br

Carolina Tereza Cequalini Rohr

Aluna de Biologia - Universidade Presbiteriana Mackenzie carolzinhar@hotmail.com

Luís Carlos de Souza Ferreira

Professor Titular Departamento de Microbiologia, Instituto de Ciências Biomédicas- USP lcsf@usp.br

Figura 1: Estratégia para a geração de vacinas de DNA multivalente baseada em mistura de plasmídeos que codificam para antígenos diferentes. Cada um dos genes x e y são clonados em diferentes plasmídeos e inoculados juntos na mesma formulação. As proteínas expressas são processadas individualmente e apresentadas ao sistema imune por moléculas de MHC 68

pós cerca de 180 anos da descoberta e aplicação da vacina contra a varíola, feita pelo Dr. Edward Jenner, em Gloucestershire, um pequeno município a oeste de Londres, a doença foi considerada erradicada do planeta, em 1977. Esse evento celebrou de forma definitiva o papel das vacinas como um dos principais instrumentos na prevenção de doenças infecciosas e consagrou-as como uma das mais importantes descobertas na área médica de todos os tempos. Entretanto, a vitória contra a varíola representou apenas uma batalha vencida em uma guerra, na qual, a cada ano, milhões de vidas ainda são perdidas, sobretudo de crianças, vítimas de doenças que poderiam ser evitadas caso dispuséssemos de formulações vacinais contra diversos patógenos que afligem a humanidade. Em 1974, a Organização Mundial da Saúde estabeleceu como prioridade a implantação do Programa Ampliado de Imunização com vistas a permitir à população infantil ter acesso a vacinas eficazes contra algumas das principais doenças infecciosas (pólio, tuberculose, difteria, tétano, coqueluche, sarampo, cachumba, rubéola, hepatite). Outras vacinas capazes de prevenir doenças que ainda apresentam elevados índices de mortalidade e morbidade são aquelas desenvolvidas para o controle das meningites bacterianas (meningocócica e a causada pelo H. influenza do tipo B), a catapora (varicela), a pneunonia bacteriana e a gripe. A maioria dessas vacinas são administradas em regime de múltiplas doses, com intervalos definidos e em diferentes momentos da vida do indivíduo, o que aumenta os custos e pode levá-lo à desistência du-

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rante os programas de imunização. Uma alternativa para esse problema são vacinas multivalentes, isto é, formulações que contenham em sua composição antígenos capazes de gerar proteção contra diversas doenças. O sucesso dessa abordagem foi demonstrado por exemplos como a vacina tríplice viral (sarampo, cachumba e rubéola), a tríplice bacteriana (difteria, coqueluche e tétano), ou ainda as vacinas multivalentes contra meningites meningocócicas e pneumonia pneumocócica, todas utilizadas com sucesso há vários anos. Infelizmente a estratégia não é universal e algumas limitações não puderam ser superadas. Restrições relacionadas com a solubilidade dos antígenos vacinais e a competição antigênica, quando a presença de um antígeno suprime ou diminui as respostas imunológicas induzidas contra outro antígeno co-administrado, impediram o desenvolvimento de novas formulações multivalentes ativas contra um maior número de doenças. Recentes descobertas na área de pesquisa vacinal reacenderam as esperanças que novas formulações multivalentes, ativas contra um número ilimitado de doenças, possam ser criadas em um breve futuro. Dentre essas novas tecnologias, destacam-se as vacinas genéticas, ou vacinas de DNA. Essas vacinas são formadas por plasmídeos capazes de induzir respostas imunológicas em indivíduos inoculados com DNA purificado, reflexo da transfecção de células que passam a produzir os antígenos responsáveis pela proteção contra um patógeno específico (Azevedo & Oliveira, 1997; Silva, 1997; Lásaro & Ferreira, 1999). Ao contrário das vacinas convencionais, que se baseiam na inoculação de microrganismos mortos, atenuados ou de frações acelulares purificadas para induzir uma resposta imunológica, as vacinas de DNA empre-


minimizados problemas relacionados com a competição antigênica. As pesquisas para o desenvolvimento de vacinas de DNA multivalentes avançam em ritmo acelerado e três estratégias principais são investigadas por grupos de pesquisa que trabalham nessa área: (i) vacinas baseadas em mistura de plasmídeos, (ii) vacinas baseadas em politopos ou minigenes e (iii) vacinas que codificam proteínas híbridas. Vacinas de DNA multivalentes baseadas em mistura de plasmídeos

Figura 2: Estratégia para geração de vacinas de DNA multivalente baseada em minigenes ou politopos. Regiões de genes que codificam epitopos específicos para linfócitos T citotóxicos, B ou T auxiliares (T, B, Th; na figura) são clonados na mesma fase de leitura em um único plasmídeo. Após a inoculação do plasmídeo no hospedeiro, o minigene expresso é processado e os epitopos são apresentados ao sistema imune por moléculas de MHC

gam um protocolo único para sua produção, o que resulta em considerável redução de custos, além de evitar o contato direto com o patógeno ou com produtos dele extraídos. Pela própria composição e mecanismo de ação, as vacinas de DNA mostram grande potencial para a elaboração de formulações multivalentes. Como não se trabalha com os microrganismos ou com produtos deles isolados, as limitações ficam eliminadas quanto à solubilidade antigênica. Com o auxílio de técnicas de clonagem gênica, é possível inserir em um mesmo plasmídeo, ou em plasmídeos diferentes, vários genes que codifiquem para antígenos oriundos de um mesmo patógeno ou de patógenos diferentes. Por outro lado, como as células transfectadas do próprio indivíduo se encarregam de produzir os antígenos codificados pelos genes nelas introduzidos, espera-se que sejam

Nesse tipo de estratégia, dois ou mais plasmídeos, cada um deles codificando para um antígeno específico, são combinados em uma única formulação (Figura 1). Animais inoculados com a mistura de plasmídeos desenvolveram resposta imunológica e/ou proteção tão eficientemente ou melhor do que aqueles indivíduos imunizados com apenas um plasmídeo que dirige a expressão de um único antígeno. Vacinas baseadas nessa metodologia podem empregar um mesmo tipo de vetor plasmidial ou plasmídeos diferentes, desde que estes sejam capazes de promover a expressão dos antígenos necessários à indução da resposta imunológica. Por exemplo, uma vacina de DNA composta por plasmídeos diferentes que codificavam para as proteínas ESAT-16, MPT64, MPT-63 e KatG do Mycobacterium tuberculosis, resultou na indução de respostas imunológicas específicas a cada um dos antígenos em níveis semelhantes aos observados em animais imunizados com cada um dos plasmídeos isoladamente (Morris et al., 2000). Outro estudo baseado no vírus influenza mostrou que a mistura de dois plasmídeos, que codificavam para a hemaglutinina (HA) e a neuroaminidase (NA) virais conferiu maior proteção em camundongos do que aquela obtida com os mesmos plasmídeos aplicados isoladamente (Chen et al., 1999). Além disso, a adição de um terceiro plasmídeo que codificava para outra proteína viral não interferiu nas respostas imunológicas obtidas para as proteínas HA e NA. Essas observações demonstram que vacinas de DNA multivalentes baseadas na mistura de plasmídeos podem ser feitas sem o comprometimento da resposta induzida por cada um dos antígenos codificados. Entretanto, o uso de plasmídeos que

possuem promotores com atividade muito diferente pode acarretar diferença nas quantidades de antígenos e resultar em resposta imune induzida diferenciada frente aos respectivos antígenos codificados. A produção de um determinado antígeno sob o controle de um promotor forte pode gerar um quadro semelhante à competição antigênica em função do maior recrutamento de células apresentadoras de antígenos (APC, do inglês antigen-presenting cells). Essa competição pelas APCs pode resultar em resposta imunológica maior e mais rápida em relação ao(s) antígeno(s) presente(s) em maior quantidade. Talvez um reflexo de um microambiente induzido pela produção de mediadores químicos da resposta imune (citocinas), que, por sua vez, influenciam a resposta imune tanto em magnitude (produção de anticorpos) como em população de linfócitos T ativados (padrão Th1/Th2). Tais desdobramentos indicam que as vacinas de DNA multivalentes baseadas em mistura de plasmídeos devem, sempre que possível, utilizar um mesmo plasmídeo para a construção das formas recombinantes, presentes na formulação final. A inoculação de vacinas de DNA pode ser feita de várias maneiras: a biobalística emprega partículas de ouro revestidas com DNA introduzidas através da pele por gases sob pressão. O DNA pode ser encapsulado em partículas lipídicas (lipossomos) e administrado por via intranasal, ou, ainda, bactérias atenuadas, como Salmonella ou Shigella, que podem ser administradas por via oral e, após destruição por células fagocitárias, acabam por liberar o DNA, que conduzirá a expressão do antígeno pelas células do hospedeiro (Azevedo & Oliveira, 1997, Lásaro & Ferreira, 2000). No entanto, a inoculação intramuscular ainda representa a forma mais usual de aplicação de vacinas de DNA, tanto em animais como em humanos, e a quantidade mínima de DNA capaz de induzir resposta imune protetora representa uma grande preocupação para aqueles que trabalham no desenvolvimento de formulações multivalentes. A dose de DNA a ser inoculada não pode ser tão baixa a ponto de mostrar-se incapaz de induzir resposta imune no hospedeiro mamífero, nem tão alta a ponto de saturar a capacidade do indivíduo em responder ao estímulo, o que acarretaria desperdício do material vacinal. Alguns pesquisadores,

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Figura 3: Estratégia baseada na expressão de proteínas híbridas. Genes que codificam para proteínas inteiras ou somente domínios imunologicamente importantes são clonados na mesma fase de leitura, em um único plasmídeo. Após a inoculação do plamídeo no hospedeiro, a proteína híbrida é processada e apresentada ao sistema imune por moléculas de MHC preocupados com essa questão, demonstraram que cobaias imunizadas com pequenas quantidades (13 µg) de uma mistura de plasmídeos que codificavam para glicoproteínas do vírus herpes simplex do tipo 2 (HSV-2), agente causador do herpes genital, obtiveram uma proteção tão boa quanto aquelas observadas em animais imunizados com doses maiores (McClements et al., 1996). Estes resultados, assim como outros trabalhos baseados em diferentes vacinas de DNA, demonstram que formulações multivalentes podem ser aplicadas em quantidades relativamente pequenas sem o comprometimento das respostas imunológicas induzidas. Vacinas de DNA multivalentes baseadas em minigenes Vacinas de DNA multivalentes também podem ser geradas a partir da 70

construção de minigenes ou politopos. Essa estratégia consiste na utilização de oligonucleotídeos que, uma vez clonados em ordem contígua e no mesmo referencial de tradução em um mesmo plasmídeo, codificam para epitopos derivados de antígenos oriundos de um ou mais patógenos (Figura 2). Uma vantagem inerente a essa estratégia é o fato de ser possível expressar epitopos específicos para linfócitos B, T ou citotóxicos e excluir seqüências não relevantes para gerar resposta imunológica, ou mesmo seqüências responsáveis pela indução de respostas cruzadas com antígenos do próprio indivíduo, o que poderia resultar em doença auto-imune. Em um estudo baseado em uma vacina que continha dez epitopos oriundos de antígenos do vírus influenza, citomegalovírus murino, vírus da coriomeningite linfocitária, adenovírus e vírus Sendai, mostrou que essa estratégia é capaz de ativar resposta citotóxica e de memória até um ano após a imunização de camundongos (Thomson et al., 1998). Em outro estudo, uma vacina de minigenes composta por seis epitopos específicos para linfócitos B, T citotóxicos e T auxiliadores, derivados dos vírus da estomatite vesicular, sincicial respiratório, coriomeningite linfocitária, mengovírus e vírus Sendai, além de antígeno da bactéria Mycobacterium tuberculosis, foi capaz de gerar resposta imunológica em todos os camundongos imunizados, sem indícios de competição antigênica. Além disso, os animais imunizados com a vacina de DNA multivalente desenvolveram resposta protetora para o mengovírus e o vírus da coriomeningite linfocitária (Ling Ling & Whitton, 1996). Na estratégia de minigenes podem ser incorporados aminoácidos que atuem como espaçadores para os diferentes epitopos expressos pela vacina de DNA, de modo que lhe confira uma maior flexibilidade estrutural do produto e permita sua apresentação mais eficiente pelas APCs. Essa hipótese foi testada com plasmídeos que expressavam vários epitopos de diferentes proteínas do vírus do papiloma humano (HPV), o principal agente etiológico do câncer cervical uterino (Velders et al., 2001). Tais plasmídeos diferiam entre si

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quanto à presença de nucleotídeos que ladeavam os minigenes e codificavam para a seqüência de aminoácidos AlaAla-Tyr. A incorporação dessas seqüências espaçadoras melhorou o processamento e a apresentação dos epitopos pelas APCs, e aumentou a proteção conferida pela vacina de 50% para 100% dos animais imunizados quanto ao desenvolvimento de tumores ainda não estabelecidos. Para animais que já tinham um tumor estabelecido, a vacina com os minigenes e os espaçadores resultou na cura de 90% dos animais imunizados. Esses resultados atestam o potencial profilático e terapêutico das vacinas de DNA multivalentes e ressaltam a importância dessa estratégia vacinal, tanto para o controle de doenças infecciosas como para a erradicação de certos tipos de câncer. No entanto, para que seja possível empregar a estratégia vacinal multivalente baseada em minigenes, é imprescindível que os diferentes epitopos tenham sido previamente definidos e caracterizados quanto ao seu potencial imunogênico. Além disso, o polimorfismo natural das populações humanas para moléculas do sistema de histocompatibilidade principal (MHC), responsável pela apresentação de epitopos processados na superfície de APCs, representa uma potencial limitação capaz de influir negativamente na eficácia dessas vacinas. Entretanto, essas dificuldades podem ser contornadas com a expressão de um maior número de epitopos ou pelo emprego de seqüências protéicas maiores que englobem vários epitopos. Vacinas de DNA multivalentes baseadas em proteínas híbridas Nessa estratégia, genes que codificam para proteínas inteiras, ou para domínios estruturais importantes, de um ou mais patógenos, são clonados em um único plasmídeo (Figura 3). Desaa forma, não há necessidade de localizar ou caracterizar os epitopos presentes e, dependendo da construção a ser feita, torna-se possível preservar, pelo menos em parte, epitopos não contíguos ou conformacionais. Nessas construções, a restrição imposta pela variabilidade natural do MHC é minimizada, pois, a partir de seqüências protéicas maiores, o processamento e a apresentação pelas APCs ocorrerá na grande maioria dos indivíduos imunizados.


Uma vacina de DNA multivalente capaz de conferir proteção contra diferentes sorotipos do vírus da raiva exemplifica a estratégia baseada na expressão de proteínas híbridas (Jallet et al., 1999). Nesse trabalho, foram construídos plasmídeos capazes de codificar proteínas híbridas oriundas da fusão de diferentes regiões de proteínas G do envelope de diferentes sorotipos virais. Algumas dessas construções foram capazes de induzir respostas imunológicas contra as diferentes proteínas G e conferir proteção a vários sorotipos virais em camundongos imunizados. Em nosso laboratório trabalhamos com um protótipo de vacina de DNA bivalente baseada na expressão de uma proteína híbrida, resultado da fusão da glicoproteína D (gD) do vírus herpes simplex tipo 1 (HSV-1) e uma adesina fimbrial (CFA/I), responsável pela aderência ao epitélio intestinal humano da Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC), um dos principais agentes causadores da diarréia dos viajantes. A estratégia empregada consistiu na substituição de uma seqüência central da proteína gD do HSV-1 pela seqüência do antígeno CFA/I de ETEC. A administração intramuscular dessa vacina de DNA bivalente em camundongos foi capaz de gerar anticorpos contra os dois antígenos (Figura 4). Experimentos adicionais indicaram que os anticorpos anti-gD gerados nos animais imunizados com a vacina bivalente foram capazes de bloquear a infecção viral enquanto os anticorpos contra a porção CFA/I reconheciam a proteína expressa pela ETEC. Além disso, a utilização dessa vacina bivalente em consórcio com uma outra vacina baseada em linhagem atenuada de Salmonella, capaz de expressar o antígeno CFA/ I, ocasionou em marcante efeito sinérgico, tanto para a resposta de anticorpos sistêmicos, mas, sobretudo, para a resposta local, com a produção de anticorpos do isotipo IgA, específicos para o CFA/I, resposta essencial para uma efetiva proteção contra patógenos entéricos, como a ETEC (Lásaro & Ferreira, 2000). Esses resultados abrem perspectivas interessantes para o desenvolvimento de vacinas de DNA multivalentes contra patógenos que possuam estratégias de virulência distintas e exigem, portanto, a indução de uma ampla gama de respostas imunológicas.

vacinas é criar uma formulação multivalente ideal que seja segura mesmo para indivíduos imunocomprometidos, e capaz de induzir níveis de proteção elevados e duradouros contra um grande número de doenças infecciosas, em uma única dose. Embora a vacina ideal ainda não possa ser obtida com a tecnologia atualmente disponível, o impressionante avanço das pesquisas nesse campo, como a descoberta das vacinas de DNA, nos levam a crer que esse sonho está cada vez mais próximo da realidade.

Conclusões e perspectivas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

O principal objetivo da pesquisa em

Figura 4: Resposta de anticorpos séricos em camundongos imunizados com vacina de DNA bivalente baseada na fusão da proteína gD de HSV-1 e a proteína CFA/I, de ETEC. O soro de animais imunizados com duas doses (100mg) da vacina por via intramuscular, foram testados em reações em que a proteína CFA/I, isolada de ETEC, ou a proteína gD, do HSV, foram submetidas à eletroforese em gel de poliacrilamida e, posteriormente, transferidas para membranas de nitrocelulose. A presença de bandas reativas, após a ligação dos anticorpos, foi demonstrada com o uso de anticorpos de coelho conjugados com a peroxidase, capazes de reconhecer imunoglobulinas de camundongos

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Pesquisadores identificam fruta riquíssima em vitamina C Imagine uma frutinha que tenha uma concentração de vitamina C cem vezes maior que a da laranja e quatro vezes maior que a da acerola. Esse fruto é o camu-camu (Myrciaria dubia), pertencente à família Myrtaceae e é encontrado às margens dos rios e lagos de águas pretas, na região amazônica. Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA/MCT) demonstraram que o camu-camu tem a maior concentração de vitamina C encontrada na natureza: 6.000 miligramas em 100 gramas do fruto. Segundo o coordenador de Pesquisa do INPA, Wanderli Pedro Tadei, com o trabalho de engenharia genética, seria possível transferir o complexo gênico do camu-camu para a laranja, por exemplo, proporcionando uma rica e acessível fonte desta vitamina, principalmente para as populações mais carentes. Este efeito na saúde pública é incalculável, uma vez que a vitamina C reforça o sistema imunológico e torna o organismo humano mais resistente à contaminações por vírus e bactérias , diz o pesquisador. Tadei ressalta, ainda, os resultados econômicos que o camu-camu pode gerar, seja por meio da exportação do produto geneticamente modificado ou do desenvolvimento de novas tecnologias, gerando divisas para o País. Esse é apenas um dos muitos produtos da Amazônia cuja pesquisa pode resolver uma série de problemas nacionais, de áreas tão diversas quanto saúde e nutrição, desemprego ou balança comercial. O potencial do camu-camu foi apresentado pro Wanderli Pedro Tadei, na reunião de dirigentes das Unidades de Pesquisa ligadas ao MCT, realizada nos dias 20 e 21 últimos e no debate Ciência Amazônica, na Câmara dos Deputados, no dia 22. Nos dois eventos, ele afirmou que a Biodiversidade da Amazônia é nosso ouro verde. Estima-se que o Brasil possua entre 15% e 20% de toda a biodiversidade mundial e o maior número de espécies endêmicas (que só ocorrem naquele local) do planeta. São 55 mil espécies vegetais ou 22% do total no planeta, 524 mamíferos (sendo 131 endêmicos), 517 anfíbios (294 endêmicos), 1.622 aves (191 endêmicas) e 468 répteis (172 endêmicos), além 72

de 3 mil espécies de peixes de água doce (três vezes maior que em qualquer outro país) e provavelmente entre 10 e 15 milhões de insetos. Somente a Amazônia responde por cerca de 26% das florestas tropicais remanescentes no planeta. Somos o primeiro mundo em biodiversidade, comenta Tadei, temos que ser também na exploração dessa biodiversidade. Hoje, o conhecimento faz a diferença; temos que investir e formar competências locais. Esse investimento, em sua análise, dará retorno ecológico, econômico e social imprescindíveis para região e para o país. Tadei explicou que a demanda por alta competência ocorre em conseqüência de trabalhos que vêm sendo desenvolvidos na região, nos últimos 47 anos. O INPA, juntamente com outras Instituições, realizou o mapeamento da biodiversidade amazônica e, mesmo que 60% da área ainda não tenham sido visitados por um pesquisador, está cientificamente comprovada uma evidência: seu enorme potencial. Elaina Daher Fonte: MCT

www.tulane.edu/~dmsander/Big_Virology/ BVHomePage.html Book Pictutres of Virus tem várias imagens e informações sobre o mundo dos vírus que podem ser úteis na preparação de aulas e apresentações. www.microbelibrary.org/Visual/page1.htm Visual Resources é oferecido pala Sociedade Americana de Microbiologia (ASM) e dispõe de imagens, animações e vídeos de vários microrganismos. vector.cshl.org/resources/ BiologyAnimationLibrary.htm Gene Almanac tem animações de reações de PCR, Southern blot e seqüenciamento, muito úteis para alunos e professores. Fique Atento! O uso educacional de imagens, animações e vídeos é geralmente permitido, mas fique atento aos direitos autorais. BioDicas é assinada por Marcio O. Lasaro marciolasaro@hotmail.com

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EMBRAPA (Repete Fotolito 3º capa última edição)

Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001

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