Intervozes por um sistema público de comunicação

Page 1

Por um Sistema Público de Comunicação O Fórum de TVs Públicas é uma experiência importante de elaboração e debate de propostas sobre a comunicação pública no Brasil. Mais do que a criação de uma emissora ou da melhoria pontual da situação dos veículos integrantes do chamado campo público, o Fórum deve assumir o compromisso de apontar as bases para o Sistema Público de Comunicação previsto na Constituição Federal de 1988.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a organização do setor de comunicação social se faria observada a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal (Artigo 223). No entanto, o que se vê hoje é um cenário diferente daquele estabelecido pela Carta Magna. As comunicações brasileiras são caracterizadas por forte predominância do sistema de comunicação gerenciado por empresas privadas, que reforçam o modelo comercial. No caso da televisão, este tipo de mídia detém cerca de 80% das emissoras, mais de 90% da audiência e 95% das receitas. Já os que integram o chamado campo público sofrem com o pouco número de canais e com a falta de recursos. Modalidades importantes de emissoras, como as legislativas, as universitárias e as comunitárias, são ainda mais excluídas já que só a TV a cabo tem obrigação de veiculá-las. Esses são alguns desafios que motivaram a organização do Fórum Nacional de TVs Públicas. Recentemente, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social apresentou documento de contribuição a este espaço. No texto, defendemos o que para nós deve ser o objetivo central do Fórum: mais do que delinear os contornos de uma rede de TV ou resolver a situação precária e de exclusão na qual se encontram as emissoras do chamado campo público, ele deve apontar para a criação do Sistema Público de Comunicação. Os pontos apresentados a seguir são um breve resumo deste documento (disponível na íntegra em www.intervozes.org.br), que se apresenta como mais uma das várias contribuições disponíveis para o debate. Cremos na disposição dos atores que estarão no Fórum Nacional de TVs Públicas em apontar para o cumprimento desta agenda represada há quase duas décadas. Por isso nos somamos aos esforços destes para construir uma forte e efetiva comunicação pública no Brasil. Entre os princípios do Sistema Público de Comunicação devem estar: 1. a afirmação da Comunicação como um Direito Humano, central para a consolidação de uma sociedade democrática; 2. o direito à informação plural, diversa, independente e que contemple as diferentes características regionais; 3. o direito à liberdade de expressão e sua realização por todos os cidadãos e cidadãs através dos meios de comunicação de massa; 4. o direito a participar da esfera pública midiática; 5. o direito a uma programação que não viole os direitos humanos, que não atente contra a dignidade humana, que contribua com o acesso à cultura e com a formação crítica; 6. a primazia do interesse público, em vez dos fins comerciais; 7. a liberdade de criação e o estímulo a práticas colaborativas e ao compartilhamento do conhecimento; 8. a mídia como um espaço de promoção e defesa dos direitos humanos e de exercício do direito humano à comunicação; rua dr. paulo vieira, 134 São Paulo–SP 01257-000 SIG Quadra 2 n° 430

Brasília-DF 70610-400

www.intervozes.org.br

(11) 3877-0824 (61) 3341-3637

intervozes@intervozes.org.br


9. a independência de gestão em relação aos governos e ao mercado; 10. a participação popular na gestão do Sistema e das emissoras. A partir destes pressupostos, este Sistema deve cumprir os seguintes objetivos: 1. garantir a complementaridade definida no artigo 223 da Constituição Federal entre os sistemas público, estatal e privado (os dois últimos já existentes no país), visando ao seu equilíbrio; 2. garantir que a diversidade cultural (especialmente étnico-racial, de gênero e regional) presente na sociedade brasileira se reflita nos conteúdos das emissoras de rádio e televisão, conforme previsto no artigo 221 da Constituição; 3. estimular a pluralidade de meios e canais; 4. estimular a diversidade de formatos, abordagens e gêneros; 5. democratizar e garantir igualdade de acesso aos meios de produção e veiculação da comunicação de massa, corrigindo distorções históricas, como a sub-representação de negros e de mulheres, dando visibilidade a novos sujeitos de comunicação; 6. fomentar e dinamizar a economia da cultura e da comunicação como forma de fortalecer e ampliar a cadeia produtiva do audiovisual, consolidando uma rede solidária de produção e distribuição de bens simbólicos; 7. estabelecer novos modelos de negócio baseados na dissociação entre produção e distribuição, por meio da associação entre as emissoras públicas e os produtores independentes; 8. promover a descentralização da produção, viabilizando a veiculação nacional de produções regionais; 9. atuar onde as emissoras comerciais e estatais não o fazem e, ao atuar em campos semelhantes, fazê-lo a partir de um ethos diferenciado, sob o princípio do interesse público; 10. promover a apropriação do conhecimento e de uma visão autônoma da população em relação à mídia, visando à formação de espectadores críticos. Defendemos que o Sistema Público de Comunicação seja composto de emissoras públicas e de vocação pública (tais como comunitárias e universitárias), com diferentes direitos e deveres em relação à gestão, financiamento e programação. Já emissoras legislativas, dos governos e do Judiciário, embora de interesse público, devem ser entendidas como integrantes do sistema estatal, sendo submetidas a outras regras e modelos de funcionamento. Gestão, financiamento e programação A existência de um sistema significa mais do que a operação de um conjunto de veículos. Por isso entendemos ser fundamental a construção de iniciativas referentes aos outros elementos que constituem este organismo. Um dos desafios centrais desse sistema é possibilitar à sociedade condições técnicas e materiais para a produção e distribuição de conteúdo. Para viabilizar esta demanda, devem ser criadas Centrais Públicas de Comunicação, espaços nos quais a população poderia ter acesso a formação, capacitação e produção de conteúdo. A produção realizada nessas centrais será veiculada por meio de canais locais e nacionais, que selecionarão a programação levando em conta a pluralidade e a diversidade. A infra-estrutura e a distribuição dos sinais deve ser feita por meio de operadores de rede públicos. Este mecanismo otimiza recursos e garante a isonomia, impedindo um desequilíbrio interno ao Sistema Público. A gestão do Sistema terá como elemento central Conselhos de Comunicação Pública, que garantam a participação popular na definição, monitoramento e avaliação das diretrizes, políticas e planos (nacional e estaduais) do Sistema. A regulação e fiscalização rua dr. paulo vieira, 134 São Paulo–SP 01257-000 SIG Quadra 2 n° 430

Brasília-DF 70610-400

www.intervozes.org.br

(11) 3877-0824 (61) 3341-3637

intervozes@intervozes.org.br


devem se dar a partir de uma Agência Reguladora, que tratará dos serviços, da infraestrutura e do conteúdo. O financiamento é elemento fundamental nesta nova organização da comunicação pública. Sua robusteza deve garantir meios e condições de veicular uma programação de qualidade, viabilizar a produção nas Centrais Públicas e estimular a produção independente. Seu caráter estável e vinculado permitirá que as emissoras preservem sua autonomia e não sejam permeáveis a pressões nem de gestões governamentais nem do mercado. Estes preceitos se traduzem na proposta de um Fundo de Comunicação Pública, que deve ser formado por verbas dos orçamentos da União e das Unidades da Federação, da taxação do lucro das emissoras comerciais e da compra de aparelhos de TV acima de 20”, doação de pessoas físicas e jurídicas. Compõem também a cesta de receitas apoios culturais, evitando qualquer influência editorial no programa, e a reserva de um percentual das verbas destinadas à publicidade governamental. A programação deve responder à demanda da população por informação plural e diversa e garantir a representação da pluralidade e diversidade cultural brasileiras. Além disso, o Sistema Público dará oportunidade à reflexão sobre os problemas da nação, com a veiculação dos diversos projetos e alternativas em debate. Em relação aos formatos, a programação deve equilibrar diferentes tipos de conteúdo (jornalístico, dramatúrgico, culturais, educativos e recreativos) e incentivar a experimentação de abordagens e linguagens. A audiência deve permanecer como referencial, mas não pode aprisionar as emissoras públicas. Transição Para que o Sistema Público seja uma realidade, o Fórum Nacional de TVs Públicas deve aprovar medidas que apontem para a sua constituição. Isso passa por mudanças na legislação, redefinição das outorgas e da ocupação do espectro, pela estruturação das atuais e novas emissoras e a criação de uma efetiva política de financiamento para o setor. As emissoras educativas devem ser um embrião das futuras emissoras públicas, significando no caso Federal o aproveitamento da estrutura da Radiobrás e das TVEs do Rio de Janeiro do Maranhão para constituir a cabeça-de-rede nacional. Todas as medidas devem ser promovidas à luz da digitalização por que passa o setor. No caso específico das emissoras públicas, é preciso revogar os quatro canais “de exploração da União” previstos no Decreto 5820/2006 (pensados sem o arcabouço que este Fórum está produzindo), estabelecendo novos a partir das definições conceituais, políticas e jurídicas definidas neste espaço. O plano de canalização também deve atender à demanda por canais estabelecida pelo Fórum, mesmo que para isso as decisões preliminares precisem ser revistas. Somente assim será possível garantir espaço no espectro para estas emissoras durante a transição à tecnologia digital.

rua dr. paulo vieira, 134 São Paulo–SP 01257-000 SIG Quadra 2 n° 430

Brasília-DF 70610-400

www.intervozes.org.br

(11) 3877-0824 (61) 3341-3637

intervozes@intervozes.org.br


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.