Circulo vicioso

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Eu acordo. São 7h da manhã de uma segunda-feira, dia 07 de agosto, e eu preciso me apressar, pois a aula começa daqui a meia hora. Corro até a escola como sempre faço apenas paro para esperar um caminhão passar uma rua antes do prédio escolar, mas mesmo assim não consigo chegar a tempo e o último sinal toca quando ainda estou passando os portões. Decido esperar pelo próximo período na biblioteca, então me encaminho até lá andando calmamente pelos corredores cinza vazios, cheios de portas de madeira trancadas atrás das quais professores imploram silêncio para suas turmas barulhentas. Quando chego até a grande e amplo cômodo com as paredes pintadas de bege e enormes janelas por onde por onde posso ver um céu extremamente nublado e um pátio escolar vazio percebo que não sou a única a chegar atrasada naquele dia e minhas pernas tremem. Sentado em uma das mesas redondas de madeira perto das enormes estantes abarrotadas de livros está o garoto alto e loiro com fones de ouvido com quem eu estudei durante sete anos e por quem eu sou platonicamente apaixonada a quase cinco. Atrás de mim a porta se bate fazendo um som alto que ressoa por todo o ambiente. Quero me virar e sair correndo para a sala de aula subitamente cheia de coragem para enfrentar a irá do meu professor de matemática, mas antes que realmente possa fazer isso ele levanta seus enormes olhos castanhos do livro onde estava concentrado e me encara. Ele sorri. Meu coração acelera. E quando ele faz um gesto com a mão me chamando para sentar com ele eu sigo como se estivesse em transe. — Oi – ele diz quando eu me sento no acento a sua frente. — Oi – eu respondo com a voz mais baixa do que pretendia – atrasado também? – perguntei com um tom mais normal. — Na verdade me distraí com isso – explicou apontando para o livro – quando eu vi o último sinal já havia tocado e era tarde demais – completou fazendo uma careta de desgosto. Não me controlo e começo a rir de sua expressão, porque ela foi realmente engraçada, e como recompensa acabo recebendo uma advertência da bibliotecária velha e gorda sentada atrás de um balcão a alguns metros de distância. Agora é a vez dele rir da minha expressão envergonhada. — Você costuma chegar bastante atrasada, não é? – ele questiona alguns segundos depois.


— Na verdade não... só algumas vezes – digo enrolando uma mecha do meu cabelo castanho em volta do meu dedo para disfarçar a vergonha que sinto sobre o meu mau hábito. — Algumas vezes durante a semana durante todas as semanas do ano? – ele insiste e eu faço outra careta. Eu estava prestes a responder sua brincadeira com uma das minhas desculpas quando algo novo chamou nossa atenção. Um enorme estrondo vindo do corredor. A biblioteca dividia seu prédio com as salas de arte e ciência, mas como quando passei antes por elas e não vi nenhum sinal de aulas ocorrendo ali aquele som era muito estranho. Nathan levantou-se parecendo curioso. — Eu já volto – ele disse dirigindo-se a porta. Eu apenas observei imóvel. Eu não imaginava que algo aconteceria, eu apenas pensei que ele voltaria dali a alguns minutos me contando o que havia encontrado. Mas eu errei. Minutos depois um novo som ressoou, muito mais alto que o anterior. Uma explosão. Tanto eu quanto a bibliotecária nos levantamos ao mesmo tempo. Eu corro até a porta, quando tento a abrir percebo como a maçaneta está quente, mas nenhum sinal me prepararia para o que eu veria a seguir. O corredor, o lugar onde antes havia a sala de artes e a sala de ciências haviam simplesmente se transformado em um inferno de fogo e destroços. Inconscientemente tentei dar um passo para frente, mas antes que pudesse realmente fazer isso um braço enorme e gordo me puxou para trás com força. — Você enlouqueceu garota? Precisamos sair pela saída de emergência e rápido. Eu vou ligar para os bombeiros, vá logo! – a bibliotecária falou empurrando-me de volta para dentro da biblioteca, mas no momento tudo que eu conseguia pensar era em uma coisa: Nathan. Eu precisava salva-lo, eu precisava... dar um jeito. E então enquanto a enorme mulher gorda a minha frente procurava seu telefone celular dentro de uma enorme bolsa de um horrível couro marrom. Eu acordo. São exatas 7 horas da manhã e hoje é dia 7 de agosto. Eu respiro com dificuldade ainda desorientada pelo sonho que havia tido, mas logo que me recupero, não há tempo para sonhos quando se está atrasada para a escola. Mesmo correndo o mais rápido que podia não consegui chegar a tempo, então decido esperar pelo próximo período na biblioteca.


Abro a porta e meu coração acelera. Lá está ele, exatamente de como eu me lembro. Ele me encara, eu engulo em seco. Ele sorri e me chama para ir me sentar com ele e eu vou, sentindo como se estivesse me encaminhando para a forca. — Oi – ele diz quando eu me sento no acento a sua frente. — Oi – eu respondo com a voz mais baixa do que pretendia – atrasado também? – perguntei com um tom mais normal. — Na verdade me distraí com isso – explicou apontando para o livro – quando eu vi o último sinal já havia tocado e já era tarde demais – completou fazendo uma careta de desgosto. Sorrio fraco. Meu coração permanece desenfreado. — Você costuma chegar bastante atrasada, não é? – ele questiona alguns segundos depois. — Só algumas vezes – digo enrolando uma mecha do meu cabelo castanho em volta do meu dedo para disfarçar meu desconforto. — Algumas vezes durante a semana durante todas as semanas do ano? – ele insiste e eu faço uma careta. Estou prestes a responder quando novamente o estrondo nos interrompe. Meu corpo perde suas forças e tenho certeza que se já não estivesse sentada teria caído. Nathan se levanta e o desespero toma conta de mim. — Não! – eu exclamo segurando seu braço – Por favor, não vá lá – imploro deixando o medo transparecer em minha voz. — Calma. Eu só quero ver o que aconteceu, não deve ser nada – ele responde rindo, mas olhando-me de uma maneira que demonstrava claramente que na verdade ele estava pensando que eu havia enlouquecido. Eu o solto. O que poderia fazer? Dizer que sonhei com tudo aquilo? Que ele morreria se fosse até lá? Quem acreditaria em algo assim? Então apenas continuo imóvel e espero, espero o que sei que está por vir. Logo ele chega. O som tão alto que faz meus tímpanos doerem e a bibliotecária se levantar. Eu por outro lado permaneço na mesma posição, apenas fecho meus olhos com força e no instante seguinte... Eu acordo.


São 7 horas da manhã do dia 7 de agosto e eu estou tremendo, mas não há tempo para isso, apenas visto meu uniforme e corro o mais rápido que consigo. Quando chego até a biblioteca o terceiro sinal acabou de tocar, entro nela como um furacão e lá está ele, concentrado em seu livro, alheio a tudo. — Precisamos ir – eu digo parando ao seu lado, ainda tentando recuperar o fôlego – Agora! – completo agarrando seu braço e colocando-o de pé. — O que? – ele me pergunta confuso, mas não a tempo para responder. Recomeço a correr puxando-o atrás de mim. Surpreendentemente ele realmente me segue. Só paro de correr quando atravessamos a rua para fora da escola. — O que foi isso? – ele pergunta tentando controlar sua respiração – Se você queria companhia para matar aula era mais fácil ter pedido. Eu estou prestes a comentar que não faço o tipo que mata aulas quando ouvimos o barulho da explosão. — Isso foi na escola? – ele pergunta surpreso. — Acho que sim – respondo finalmente podendo respirar aliviada. — Eu vou voltar para ver o que aconteceu – ele avisa começando a ir em direção a escola. — Não. Espere! – eu grito, mas ele já está atravessando a rua. — Você pode esperar aqui se quiser, eu já... Antes que ele pudesse terminar novamente fomos interrompidos por um som, o som de freios. Tudo aconteceu rápido demais, em um segundo nos viramos para ver o caminhão e no outro o impacto. Alguém do outro lado da rua gritou. Eu não pude fazer nada além de permanecer imóvel, até que por fim meus joelhos perderam a força me fazendo ir de encontro ao chão, mas antes que eu pudesse senti-lo em minha pele... Eu acordo. Não tentei me levantar desta vez, eu não tinha forças. Então apenas permaneci ali, olhando para o teto do meu quarto. Quanto tempo se passou eu não sei, mas em algum momento entre o fim da manhã e início da tarde meu telefone tocou. Eu atendo, é Ana minha amiga. Ela parece nervosa e eu já sei por que.


Então ela fala, sobre o acidente, sobre a explosão na sala de ciências... sobre a vítima. Eu não quero mais ouvir, por isso simplesmente solto o celular e espero que ele caia no chão, mas nunca chego a ouvir o impacto. Antes que isso aconteça, eu acordo. Desta vez algo esta diferente. Desta vez eu sei que não posso salva-lo, não da maneira que desejo. Desta vez eu sei o que fazer. Então eu corro, corro mais rápido do que me lembro de já ter corrido. Quando chego até a biblioteca ele ainda não esta lá. Sento-me no lugar que deveria ser seu, coloco meus fones de ouvido, tiro um livro da minha mochila e começo a lê-lo. Algum tempo depois ouço a porta bater. Olho para cima e lá está ele, encarando-me. Sorrio e aceno chamando-o para se sentar comigo. — Oi – eu digo quando ele se aproxima. — Oi – responde-me com a voz baixa – Atrasada também? – questiona logo depois em um tom mais normal. — Na verdade me distraí com isso – explico apontando para o livro – quando eu vi o último sinal já havia tocado e era tarde demais – completo fazendo uma careta de desgosto. Então ele ri, e recebe uma advertência da bibliotecária, o que faz com que seu rosto comece a ficar vermelho. Desta vez sou eu que sorrio pela sua expressão envergonhada. — Você costuma chegar bastante atrasada, não é? – questiono alguns segundos depois. — Só algumas vezes – ele diz coçando a cabeça e parecendo um pouco desconfortável. — Algumas vezes durante a semana durante todas as semanas do ano? – insisto e ele faz outra careta. Ele estava prestes a responder-me quando o estrondo chamou sua atenção, mas não a minha. Eu me levantei fingindo curiosidade. — Eu já volto – falei dirigindo-me a porta e deixando-o para trás confuso.


Quando abri a porta o corredor estava quieto como um cemitério que logo se tornaria. Foi apenas quando passei pela sala de ciências que notei algo estranho, cheiro de gás. Voltei e me postei diante da porta. Eu sabia o que aconteceria quando a abrisse e minhas mãos tremiam, mas já não podia voltar atrás agora. Fui em frente. No mesmo instante que a porta se abriu pude ver o clarão vindo em minha direção como um raio, quente como o inferno. Não havia mais tempo para nada, nem para desistir ou fechar os olhos, nem ao menos para pensar sobre ele. Aquele inferno estava prestes a levar-me embora, a tocar minha pele e me tornar cinzas. Bastava mais um segundo e tudo estaria acabado. Um segundo e... Eu acordo.


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