Projeto de Dissertação - Formação em Saúde e Articulações Possíveis: VER-SUS - Jean Jeison Führ

Page 1

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS NIVEL MESTRADO

JEAN JEISON FÜHR

FORMAÇÃO EM SAÚDE E ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS: AS VIVÊNCIAS E ESTÁGIOS NA REALIDADE DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – VER-SUS

SÃO LEOPOLDO 2014


Jean Jeison Führ

FORMAÇÃO EM SAÚDE E ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS:

As Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde – VER-SUS

Projeto de qualificação apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Área de Concentração: Identidades e Sociabilidades Orientação: Prof. Dr. Nadir Lara Junior

São Leopoldo 2014


JEAN JEISON FÜHR

FORMAÇÃO EM SAÚDE E ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS: AS VIVÊNCIAS E ESTÁGIOS NA REALIDADE DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – VER-SUS

Projeto de qualificação apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Área de Concentração: Identidades e Sociabilidades Orientação: Prof. Dr. Nadir Lara Junior

Qualificado em ____ de _______________ de 2014.

Banca Examinadora:

___________________________________________________________________________


4

Mas é isto possível? Pode haver vivência sem alguém que a vivencie? O que seria de toda esta encenação sem um espectador? Pode haver uma dor sem alguém sem alguém que a tenha? O ser sentido é algo que pertence necessariamente a dor, e o ser sentido pertence por sua vez a alguém que a sinta. Mas então existe algo que não é minha ideia e que ainda assim, pode ser objeto de minha contemplação, de meu pensar, e eu sou algo dessa espécie (FREGE, 2002, p.31).


5 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1: Mapa dos coletivos estudantis em saúde no estado do Rio Grande do Sul. ...... 25 Ilustração 2: Tabela com número e percentual de IES por organização acadêmica: .............. 37 Ilustração 3: Tabela com percentual de matrículas de graduação presencial: ........................ 38 Ilustração 4: Tabela com percentual de matrículas e concluintes segundo áreas gerais: ....... 38 Ilustração 5: Gráfico com percentual das ocupações nas atividades de saúde: ...................... 39 Ilustração 6: Gráficos com total de atividades e vínculos em saúde: ..................................... 40 Ilustração 7: Gráfico com postos de trabalho de nível superior em saúde: ............................ 41 Ilustração 8: Gráfico dos resumos sobre o VER-SUS nos Congressos Rede Unida: ............. 44


6 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACD AD AIE ARE CAPS CEBES CMS CNPJ CNS ENEV ESP/RS ESF DEGES DENEM FEAB FIOCRUZ FGTS IAP‟s IBGE IES ME MEC MOS MS OMS ONU OPAS PET-Saúde PRO-Saúde PSF SGTES SUS RS TCC UBS UFRGS UNE UNISINOS UPA VER-SUS

Análise Crítica do Conteúdo Análise do Conteúdo Aparelhos Ideológicos de Estado Aparelhos Repressivos de Estado Centro de Atenção Psico-Social Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Conselho Municipal de Saúde Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica Conferência Nacional de Saúde Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul Estratégia de Saúde da Família Departamento de Gestão da Educação na Saúde Direção Executiva Nacional de Estudantes de Medicina Federação dos Estudantes de Agronomia no Brasil Fundação Osvaldo Cruz Fundo de Garantia do Tempo de Serviço Aposentadorias e Pensões Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituição de Ensino Superior Movimento Estudantil Ministério da Educação e Cultura Movimento de Saúde Ministério da Saúde Organização Mundial da Saúde Organização das Nações Unidas Organização PanAmericana de Saúde Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde Programa de Saúde da Família Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde Sistema Único de Saúde Rio Grande do Sul Trabalho de Conclusão de Curso Unidade Básica de Saúde Universidade Federal do Rio Grande dos Sul União Nacional dos Estudantes Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unidade de Pronto Atendimento Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde


SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 JUSTIFICATIVA ................................................................................................................... 10 1 TEMA DE PESQUISA........................................................................................................ 17 1.2 O ESTADO BRASILEIRO E O CAMPO DA SAÚDE .................................................... 28 1.2 A UNIVERSIDADE BRASILEIRA E O CAMPO DA SAÚDE ...................................... 35 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................... 42 3. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ......................................................... 45 3.1 O CAMPO DE PESQUISA................................................................................................ 49 3.2 O CAMPO DA TEORIA.................................................................................................... 57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 63 APÊNDICES: .......................................................................................................................... 69 A) CRONOGRAMA FÍSICO .................................................................................................. 69 B) CONDIÇÕES DE EXEQUIBILIDADE DA PESQUISA .................................................. 69


8

INTRODUÇÃO Analisar as articulações discursivamente estabelecidas por coletivos estudantis durante as Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS) é o que o presente projeto de pesquisa qualitativa de mestrado pretende investigar enquanto objetivo geral. Entender quais são os discursos sociais existentes na organização; relacionar as práticas sociais desenvolvidas nas IES; e compreender quais são as relações discursivamente estabelecidas entre os coletivos estudantis e os aparatos estatais e sociais que se envolvem na realização das Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde são os objetivos específicos da presente pesquisa de mestrado em Ciências Sociais. Após delimitarmos o que se entende por VER-SUS em termos descritivos que se encontram inscritos nas produções científicas já publicadas sobre o tema, apresentaremos brevemente os referenciais metodológicos e teóricos que utilizaremos e que julgamos apropriados para alcançarmos os objetivos propostos. Consideramos que tal investigação se mostra apropriada para com o programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), através da Linha 1: Identidades e Sociabilidades, no que tange a temática das Políticas de Identidade e Movimentos Sociais, considerando que o foco de pesquisa será justamente a constituição das dinâmicas de interação e sociabilidade, em suas implicações teóricas e políticas, relacionadas à constituição de identidades nas práticas sociais de formação dos estudantes que participam do VER-SUS. Para podermos investigar tal recorte de pesquisa, deveremos aprofundar teoricamente alguns conceitos que possibilitem alcançar o objetivo proposto tais como discurso, identidade, ideologia, aparato estatal e outros correlatos. Antes de procedermos aos aprofundamentos bibliográficos, teóricos e conceituais que pretendemos desenvolver no percurso da presente pesquisa, abordaremos em que campo se insere, o que são, e como se estruturam as Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde. Procederemos a tais elucidações ao abordar respectivamente o tema, o assunto e o contexto no qual o VER-SUS se inscreve. Esclarecidos estes detalhes específicos do nosso objeto de pesquisa, procederemos também à revisão bibliográfica do que já foi produzido em termos de elaborações científicas, com a subsequente argumentação dos referenciais teóricos que utilizaremos e no que eles se distinguem das análises anteriores.


9 O primeiro aprofundamento teórico que pretendemos abordar tratará de como o campo da saúde, tanto público quanto privado, se desenvolveu historicamente em território brasileiro. Quais foram às relações estabelecidas entre as esferas estatais e as realidades sócio-sanitárias brasileiras no que concernem não somente aos aspectos da formação e ordenação de recursos humanos (tema de nossa pesquisa), mas também no que concerne ao momento em que de fato a atenção à saúde começa a ser motivo de preocupação dos agentes estatais, explicitando como foi emblemática a criação de um sistema universal, integral, igualitário, equitativo e com participação social como em princípio o Sistema Único de Saúde (SUS) deveria ser. O segundo aprofundamento teórico que tencionaremos discorrer tratará sobre como os projetos de implantações universitárias nacionais estabeleceram ou não relações contextuais com as realidades sócio-sanitárias brasileiras. Tentaremos suscintamente demonstrar como o surgimento e a elitização do acesso as universidades públicas, e posteriormente privadas, colaboraram para que a descontextualização da formação universitária, em geral e também no campo da saúde, se estabelecesse com relação à realidade social e sanitária brasileira. Dentro deste escopo ainda, elencaremos suscintamente, quais são as atuais políticas de formação acadêmica no campo da saúde, dentre elas o VER-SUS concebido apenas como projeto político e não programa específico como o são o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRO-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde).

Tracejados estes aprofundamentos teóricos, bibliográficos e conceituais que julgamos pertinentes a nossa pesquisa, apresentaremos a metodologia a ser utilizada. Optamos metodologicamente em proceder ao tratamento dos dados colhidos se utilizando da Análise do Discurso (AD) das entrevistas e observações participantes que serão realizadas. Nossa opção metodológica decorre em função de que a AD se coaduna de forma muito propícia para pesquisarmos que identidades de sujeitos são estas constituídas nas relações de sociabilidade junto ao VER-SUS. Acreditamos que temos um acúmulo teórico e metodológico sobre a AD, já que, utilizamos tal abordagem em nosso Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) de Graduação em Ciências Sociais. Além disso, nosso vínculo ao Grupo de Estudos Ideologias Políticas e Movimentos Sociais, organizado pelo o Prof. Dr. Nadir Lara Júnior, nos propiciou um embasamento bibliográfico e de discussões muito importante para que fosse possível procedermos a AD daquele que era então o nosso objeto de pesquisa. Seguindo a mesma linha fiduciária, justificando a realização desta pesquisa na mesma abordagem teórica e metodológica aprofundando o diálogo com outras perspectivas e autores.


10 JUSTIFICATIVA Durante a realização do TCC de Graduação em Ciências Sociais, começamos a nos interessar pelos problemas de representação e participação nos embates sobre a saúde pública junto à realidade social brasileira. Escolhemos então abordar as disputas entre o discurso privatista e público junto ao uma realidade municipal de saúde. Esta experiência motivou o aprofundamento dos estudos sobre as problemáticas existentes junto à saúde pública brasileira também no que concerne aos discursos presentes na formação de recursos humanos desse campo. Na atual conjuntura dos estudos em Saúde Coletiva, a perspectiva ampliada de conceituar a saúde, leva em consideração o papel dos determinantes sociais; tornando pertinente, portanto o olhar das Ciências Sociais e suas abordagens: No Brasil e na América Latina o objeto tradicional denominado Saúde Pública passa a merecer tratamento, denominação e conotação que traz do inespecífico “público” referente à política de prevenção proposta pelo Estado, para o coletivo, que sugere direitos, situação histórica, comprometimento de condições de vida social e uma crítica ao indivíduo como responsável único por sua saúde / doença. A nova disciplina e campo de intervenção Saúde Coletiva incorpora definitivamente as Ciências Sociais no estudo dos fenômenos da saúde (MINAYO, 2000, p. 79).

Os conceitos paradigmáticos que permeiam as questões da Saúde Pública e Coletiva tais como Estado, Controle Social e Ideologia foram então o objeto de estudo no TCC intitulado “O privado suplantando o público: o SUS no Município de Nova Hartz”. Trabalho este que foi aprovado com distinção e que foi posteriormente publicado sob a forma de livro com o título “Repensando o público e o privado junto ao SUS” (ISBN: 978-85-7843-3147) lançado pela Editora Oikos de São Leopoldo em 2013. Na pesquisa que fundamentou a publicação do livro, analisamos quais são os elementos ideológicos que conduzem os sujeitos sociais partícipes de um Conselho Municipal de Saúde (CMS) a se posicionarem de forma favorável a uma crescente terceirização na área de pronto atendimento em saúde pública. Partimos de uma bibliografia que problematiza o conceito de saúde para além de uma simples oposição ao nexo da doença e elencamos o conceito proposto pela Organização Mundial da Saúde1 (OMS) onde “(...) a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de distúrbios ou doenças” aprofundando a noção dos determinantes sociais da mesma que conforme Brasil (2006, p. 18), a saúde deve ser “considerada na sua complexidade, colocando-se como um bem econômico não restrito ao mercado (...), com 1

Organização Mundial de Saúde. Documentos básicos. 26. ed. Genebra: OMS, 1976 (nota nossa).


11 dimensões de garantias de acesso universal, qualidade, hierarquização (...)”. Tendo percorrida esta fundamentação primeira, passamos então a discorrer como essas noções historicamente se efetivaram através do Movimento de Saúde (MOS), pelo menos em termo de garantias legais junto ao território brasileiro através do SUS. O MOS, considerado então como um legítimo movimento social, que em plena vigência da Ditadura Militar, conseguiu através de suas formulações, inspiradas na Reforma Sanitária Italiana, a efetivação do SUS tendo em sua conceituação características distintas dos demais movimentos sociais da época em questão: Considerando as características do movimento sanitário, Sarah Escorel2, inclusive, refuta essa denominação e essa ideia. E assinala que o movimento sanitário “não é partido, não é coisa institucionalizada, organizada, muito pelo contrário, é uma coisa que cresce, que flui, que diminui, aparece e desaparece, como ondas. Ou seja, tem todas as características de um movimento social. (BRASIL, 2006, p. 66, grifos do autor).

Doimo (1995, p.112) inclusive reforça este caráter alternativo que o MOS conseguiu influir junto as: “(...) associações médicas, os centros estudantis e os grupos de bairro presentes (...) que viriam a imprimir a fisionomia do MOS ao longo dos anos 80”. O MOS através de suas mobilizações conseguiu a efetivação através da Constituinte de 1988, das Leis Complementares nº.8080/90 – nº.8142/90 e das normatizações posteriores; a inscrição da saúde como um “direito do cidadão e um dever do Estado” com amplas e profundas implicações legais: No Brasil assistimos, no final dos anos de 80 e início da década de 90, à incorporação legal de um sistema de saúde baseado no modelo de reforma sanitário proposto pelo Movimento Sanitário – que se inspirou no modelo italiano, com princípios de universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social. E em paralelo a este modelo, tem se colocado em prática o propugnado pela proposta de reforma do Estado que, por sua vez, cumpre as exigências impostas pelos organismos internacionais (CORREIA, 2000, p. 39).

Universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social se configuraram então como os princípios legais de organização do SUS. Inspirada na Reforma Sanitária Italiana, a participação social ficou conhecida como sendo o controle social a ser exercido por parte da população para com as políticas sanitárias implementadas pelo Estado através dos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde e também através das Conferências Nacionais de Saúde. 2

Sarah Escorel – Médica Sanitarista; Doutora em Sociologia na Universidade de Brasília –UnB; Presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES (2003-2006); Pesquisadora Titular Fundação Osvaldo Cruz – FIOCRUZ [entrevistada em 06/01/2006 pelo autor citado] (nota introdutória do autor citado).


12 O conceito de controle social que é ambientado junto aos CMS obteve essa guinada teórica que ampliou sua noção conceitual. De um conceito percebido na lógica teórica hobbesiana3 – do Estado que controla socialmente os indivíduos – para uma lógica teórica gramsciana4 – onde os indivíduos organizados em suas posições controlam socialmente o Estado – imiscuída de noções políticas muito recentes da democracia participativa: Na sociologia a expressão controle social é, geralmente, utilizada para designar os mecanismos que estabelecem a ordem social disciplinando a sociedade, submetendo os indivíduos a determinados padrões sociais e princípios morais. Para alguns autores da área da ciência política e econômica, o controle social é realizado pelo Estado sobre a sociedade através da implementação de políticas sociais amenizando propensos conflitos sociais, contratando os efeitos da expansão do capital. O campo das políticas sociais é contraditório, pois, através delas, o Estado controla a sociedade, ao tempo em que incorpora suas demandas. É neste campo contraditório que nasce um novo conceito de controle social em consonância com a atuação da sociedade civil organizada na gestão das políticas públicas no sentido de controlá-las para que atendam as demandas e os interesses da coletividade. É nesta perspectiva que o controle é realizado pela sociedade sobre as ações do Estado (CORREIA, 2000, p. 11).

Ao adentrarmos no tema das diferentes acepções do conceito de controle social, embrenhamo-nos também nos debates teóricos que o campo das Ciências Sociais visa elucidar no que concerne a que “padrões sociais e princípios morais” são estes que articulam a relação entre o Estado e a referida “Sociedade Civil”. “Padrões sociais e princípios morais” lembram e muito a imprecisão com que foram muitas vezes significados o conceito de ideologia ao longo das diferentes linhas teóricas que pretendiam dar conta de explicitar o campo das ideias e sua relação com o contexto social. A diversa configuração do contexto social e das próprias abordagens teóricas que visam explicar a realidade e os objetos do conhecimento apresenta para qualquer pesquisador uma problemática significativa. Como nossa pesquisa se tratava de um estudo de caso preferimos apresentar a complexidade do conceito de ideologia e logo em seguida apresentar a historicidade do conceito desde Destutt de Tracy:

3

Referente Thomas Hobbes (1588-1679): Matemático, teórico político, e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1651). Na obra Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a necessidade de governos e sociedades. De acordo com Hobbes, as sociedades necessitam de uma autoridade que possa assegurar a paz interna e a defesa comum com controle social centralizador (nota nossa). 4 Referente a Antonio Gramsci (1891-1937): Teórico italiano em que o avanço e a consolidação do movimento dos trabalhadores, numa sociedade de tipo “ocidental”, depende de uma sempre difícil “guerra de posições”, depende de um bom planejamento, de uma eficiente organização, quer dizer, depende de conhecimentos, necessita de uma sólida preparação. Ao contrário da “guerra de movimentos”, que se faz muitas vezes com manobras súbitas de pequenos grupos, com ações fulminantes de minorias (agindo em nome da maioria), que se serve de golpes de mão, a “guerra de posições” exige participação ampliada, a construção do consenso (nota nossa).


13 O primeiro problema enfrentado por qualquer discussão sobre a natureza da ideologia é que não existe uma definição estabelecida ou acordada para o termo, mas apenas um conjunto de definições concorrentes. Conforme disse David McLellan (1995), “ideologia é o conceito mais impreciso das ciências sociais”. Poucos termos políticos foram motivo de polêmicas tão intensas e acaloradas. Isso ocorreu por dois motivos. Em primeiro lugar, como todos os conceitos de ideologia admitem uma relação entre teoria e prática (...). Em segundo lugar, o conceito de ideologia não conseguiu se dissociar do embate contínuo entre as ideologias políticas. Durante grande parte de sua história, o termo “ideologia” foi usado como arma política, um instrumento para condenar ou criticar conjuntos de ideias ou sistemas de crenças rivais (HEYWOOD, 2010, p. 18).

Assim desde quando Destutt de Tracy concebeu pela primeira vez a utilização do termo ideologia, seu conceito já se encontrava envolto em disputas políticas de como cada abordagem teórica viria a configurá-la. O conceito de ideologia proposto por Destutt de Tracy, como um subcampo de estudo da zoologia (relacionado com o estudo de como nos organismos vivos através de percepção sensorial seriam conduzidos a formulação das ideias) foi significado por Napoleão, e posteriormente resignificado por Marx e outros autores, sempre como um conceito que se estabelece entre a teoria e a prática: Quando Marx, na primeira metade do século XIX, encontra o termo em jornais, revistas e debates, ele está sendo utilizado em seu sentido napoleônico, isto é, considerando ideólogos aqueles metafísicos especulativos, que ignoram a realidade. É nesse sentido que Marx vai utilizá-lo a partir de 1846 em seu livro chamado A Ideologia Alemã (LÖWY, 1996, p.12, grifos do autor).

Desde então muitos teóricos vão propor inúmeros significantes para o termo ideologia. Alguns como Mannheim (1986) vão propor uma separação entre ideologia e utopia. Outros como Eagleton (1997) vão propor uma Grande Teoria Global que dê conta das diversas acepções significantes do termo ideologia. Outros ainda vão reforçar concepções do termo ideologia “como uma forma de cimento social, fornecendo a grupos sociais, ou mesmo a sociedades inteiras, um conjunto de crenças e valores unificadores” como Heywood (2010) defende de um modo geral. Em nossa pesquisa anterior preferimos a concepção althusseriana de ideologia porque em sua abordagem conseguimos analisar o Estado, o SUS, e o próprio MOS em suas relações. Na concepção de Althusser (1985), instâncias como o Estado, o SUS, o MOS, a Igreja, a Família entre outras esferas se constituiriam como Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE) porque seriam “instrumentos institucionais de disseminação da ideologia” e não necessariamente contraditórios em suas ações práticas e rituais.


14 O que se segue é o passo que vai do „em-si‟ ao „para-si‟, para a ideologia em sua alteridade-externalização, momento sintetizado pela noção althusseriana de Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), que apontam a existência material da ideologia nas práticas, rituais e instituições ideológicas (ZIZEK, 2003, p. 18).

Assim em Althusser (1985) temos uma noção de como a ideologia se configura institucionalmente no Estado e nas diversas instâncias que se conformam como AIE e que exercem de igual modo uma imposição. Assim como também os Aparelhos Repressivos de Estado (ARE) tais como a Polícia, o Exército, o Judiciário e outros que são concebidos desde o princípio com esta intencionalidade. A ideologia se configuraria então em dois modos muito entrelaçados e simbióticos que não refutariam a concepção marxiana de uma ilusão imaginária que os indivíduos estabelecem em as suas condições reais de existência; mas que também ela mesma engendra uma existência material de como as condições reais se efetivam junto às relações com as quais os indivíduos se estabelecem: TESE I: A ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência (ALTHUSSER, 1985, p. 88). TESE II: A ideologia tem uma existência material (ALTHUSSER, 1985, p. 91).

Entretanto, a abordagem althusseriana não compreende somente uma complexidade materialista do conceito de ideologia. Ela vislumbra também uma possibilidade de sujeito que é interpelado pela ideologia, ou seja, de que a noção de indivíduo se perde no momento em que sempre exista alguma ideologia sendo relacionada discursivamente entre os sujeitos: Podemos agora abordar a nossa tese central: A ideologia interpela os indivíduos como sujeitos. Esta tese vem simplesmente apenas explicitar a nossa última proposição: só há ideologia pelo sujeito e para sujeitos. Ou seja: a ideologia existe para sujeitos concretos, e esta destinação da ideologia só é possível pelo sujeito: isto é, pela categoria de sujeito e de seu funcionamento (ALTHUSSER, 1985, p. 93, grifos do autor).

Entendendo estes pressupostos do conceito de ideologia, concluímos nosso estudo anterior respondendo a nossa problematização que objetivamente pretendia responder a seguinte questão: Quais são os elementos ideológicos que conduzem os sujeitos partícipes de um CMS a se posicionarem de forma favorável a terceirização do atendimento público em saúde municipal? Após a realização da pesquisa documental em atas, das observações participantes nas reuniões e da realização de entrevistas semi-estruturadas com os conselheiros municipais de saúde, concluímos que existem dois campos de explicação que possibilitaram responder a nossa questão.


15 Um primeiro campo de explicação se referindo às condições ideológicas de organização, mobilização e formação dos próprios conselheiros do CMS. Pois apesar de todos os conselheiros possuírem vínculos diretos com a área da saúde em seu histórico pessoal de vida, isso às vezes é insuficiente para problematizarem enquanto sujeitos as posturas privatizantes adotadas pelo Estado nas figuras de seus representantes: o Governo e sua administração. A prerrogativa do “não há alternativa” sem ser o conveniamento privado de saúde parece obliterar o campo de escolhas que se aventam no horizonte dos conselheiros municipais de saúde: Em primeiro lugar, deve-se enfatizar que a expressão “limites absolutos” não implica algo absolutamente impossível de ser transcendido, como os apologistas da “ordem econômica ampliada” dominante tentam nos fazer crer para nos submeter à máxima do “não há alternativa”. Esses limites são absolutos apenas para o sistema do capital, devido às determinações mais profundas de seu modo de controle sociometabólico (MÉSZÁRUS, 2002, p.220).

Como segundo campo de explicação, a pesquisa apontou que às condições ideológicas de estruturação que o SUS apresenta em sua realidade pública de atendimento em saúde engendram tal postura. Condições estruturais que denotam ideologicamente em vários sentidos a não intencionalidade material com que determinadas instâncias do Estado e seus governos administrativos possuem por decisões e escolhas ideológicas ou de ineficiência burocrática de seus arranjos internos. Ideologia então que assim como Althusser (1985) defende se apresentam em sua existência material A política do Estado capitalista se configura como um conjunto de estratégias mediante as quais se produzem e reproduzem constantemente as contradições de classe e a intensidade das lutas políticas. [...] No caso da burocracia, as determinantes da ação são expressas por elementos estruturais de tipo ideal, conforme o modelo weberiano. A ação intencional está relacionada com a ideia de planejamento e racionalidade técnica no caso do consenso, o determinante principal da ação administrativa é o conflito ou o acordo de interesses comuns, seja no ambiente administrativo, seja entre os membros da esfera administrativa. Decorre disto uma tensão fundamental entre as funções que o Estado capitalista deve realizar e sua estrutura interna (JACOBI, 1993, p. 07).

Tendo desenvolvido este estudo inicial, que nos possibilitou um referencial básico sobre a saúde pública brasileira e suas implicações sociais, pretendemos agora desenvolver e aprofundar questões que ficaram latentes sobre outros aspectos que o campo da saúde possibilita problematizar em termos sociológicos. O tema da formação em saúde é um destes importantes aspectos que de forma direta e indireta transparece junto à realização do VERSUS.


16 Quando passamos a integrar o grupo de pesquisas Ideologias Políticas e Movimentos Sociais, composto por professores e estudantes, ligados de alguma forma a Linha Identidades e Sociabilidades, percebemos que esta linha teórica é correlata com as perspectivas de pesquisa que são empreendidas quanto aos aspectos ideológicos presentes junto aos discursos dos sujeitos sociais da saúde pública brasileira. Produções teóricas diversas abordam de diferentes modos recortes muito próximos dos motes de pesquisa que aqui propomos em suas relações com o Movimento Estudantil (ME), a formação acadêmica, o Estado, a programas públicos, os sujeitos, suas sociabilidades e suas identidades. Existem pesquisas acadêmicas sendo realizadas e outra sendo avaliadas e / ou publicadas que se posicionam na grande maioria dos casos na posição de validação e de anuência perante programas públicos de educação acadêmica e similares na área da saúde tais como o VER-SUS. Entretanto das pesquisas de que temos conhecimento, tanto das realizadas como das que estão sendo avaliadas e / ou publicadas, não conhecemos nenhuma que tenha se proposto um olhar sociológico sobre as implicações discursivas e ideológicas que tais propostas engendram com relação aos modos de organização coletiva dos estudantes. Aproximações teóricas e de análise partindo de estudiosos do campo da saúde, em suas diversas origens disciplinares e profissionais, discorrem em algumas pesquisas sobre as implicações da educação universitária no campo da saúde. Mas poucas se propõem, através dos sujeitos implicados em tais propostas públicas ou institucionais, a tentar analisar a apreensão que os mesmos concebem quanto às implicações discursivas e ideológicas que os aparatos estatais e universitários possibilitam ou restringem numa perspectiva sociológica. As produções científicas que partem do campo sociológico, e que tratam das questões específicas do campo da saúde fomentam possibilidades ampliadas das abordagens utilizadas para se pensar à realidade sanitária brasileira. Entretanto, mesmo partindo desta base e dessas apropriações conceituais que as Ciências Sociais legaram ao campo da saúde, muitas não expressam o que está por detrás destas defesas e construções teóricas em termos ideológicos. Os discursos que defendem ou não a utilização de termos significantes, que não operam a transformação dos indivíduos em sujeitos de suas ações e práticas em saúde, é a reflexão acadêmica com estreito diálogo prático, que esta pesquisa visa elucidar junto à análise do VER-SUS e das suas relações com os aparatos estatais e universitários. Tal elucidação além de possibilitar um avanço acadêmico junto à formação em saúde, também apresentaria ao longo de sua divulgação possibilidades de se repensar apropriações sociais de alguns nexos atualmente não muito problematizados pelos sujeitos das ações em saúde.


17 1 TEMA DE PESQUISA A saúde tomada como principio fundamental do ser humano, seja em termos de uma condição elementar, um direito do cidadão, um dever do Estado ou ainda como um bem a ser comercializado (como é concebida em algumas abordagens); não deveria mais ser conceituada na sua forma reducionista de oposição à condição de doença. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu que “saúde é o completo bemestar físico, mental e social e não a simples ausência de doença”. Esse avanço no conceito de saúde circunscreve percepções sobre os determinantes sociais, ambientais e culturais que influem sobre o estado de bem estar físico, mental e social dos sujeitos. Esta complexidade leva a considerar a necessidade de ações intersetoriais que possibilitem condições de vida saudáveis. O campo da saúde em sua configuração legal nacional brasileira deveria abarcar uma série de ações de vínculo direto ou indireto com um conceito ampliado de sua natureza. Sua configuração legal fundamenta-se nos artigos do nº. 196 a 200 da Constituição Nacional Brasileira e através das Leis Orgânicas da Saúde, as Leis nº. 8.080/90 e nº. 8142/90 que criaram o SUS. A Lei nº. 8080/1990 regula as ações e os serviços em saúde executados em todo o território nacional brasileiro. A Lei nº. 8142/1990 foi necessária para tratar da participação da comunidade na gestão do SUS e das transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, uma vez que foram vetadas e suprimidas do texto original da Lei nº.8080/1990, pelo então presidente da república Fernando Collor de Mello. Nestes parâmetros a saúde brasileira é tomada como um princípio fundamental, direito de todos e um dever do Estado Nacional Brasileiro em suas diferentes esferas. Possui como princípios doutrinários legais a universalidade, a integralidade, a igualdade, a participação da comunidade e a descentralização político administrativa. Muita produção teórica e conferencial posterior amplia o princípio da igualdade para o prisma da equidade e o princípio da participação da comunidade para o prisma de uma real democratização dos aparatos de saúde pública brasileiros. Financeiramente o SUS, enquanto sistema governamental encarregado de promover a saúde pública, se estrutura tendo como base os impostos e as contribuições sociais da população arrecadados pelos governos federal, estaduais e municipais. Por sua vez, os governos federal, estaduais e municipais possuem diferentes responsabilidades em cada nível de complexidade na disponibilidade das ações em saúde.


18 Uma

importante

ação

que

se

estabelece

com

intenções

intersetoriais

e

interdisciplinares na área da saúde é a ordenação de recursos humanos e a sua abrangência. Realizada principalmente nas IES, a formação de recursos humanos na área da saúde é por primazia o local onde os sentidos dos discursos e das práticas sanitárias deveriam refletir uma perspectiva ampliada do conceito de saúde. Obrigatoriamente conforme estabelece o artigo nº. 200 § III da Constituição Nacional Brasileira, o SUS tem o dever de promover ações de ordenação na formação de recursos humanos. As ações desenvolvidas pelas diferentes instâncias (União, Estados e Municípios) sempre foram muito tímidas no que se refere à institucionalização de políticas públicas articuladas de formação dos profissionais em saúde pública e coletiva. Segundo os autores que organizaram o Caderno de Textos do VER-SUS 2013, o ME apesar de seu aparente e criticado recrudescimento vem por diferentes experiências, desde a década de 1980, tentando reverter este quadro não só da formação e ordenação de recursos humanos no campo da saúde, mas da formação universitária como um todo que é promovida pelas universidades públicas e privadas: A iniciativa dos estágios de vivência deu-se no final da década de 80, quando estudantes de agronomia realizaram as primeiras experiências junto a assentamentos rurais A Federação dos Estudantes de Agronomia no Brasil (FEAB) e a Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária (ENEV) utilizaram esta metodologia no debate das questões agrárias e a partir destas experiências ocorreu a inserção dos estudantes da saúde (...). Surge, neste contexto, a metodologia dos estágios de vivência buscando aproximar o estudante universitário da realidade econômica, social, política e cultural do campo (FERLA et al., 2013, p. 8).

Os estágios de vivência seriam então o desenvolvimento de uma proposta de metodologia ativa concebida pelo ME para possibilitar aos estudantes em geral uma aproximação com a realidade econômica, social, política e cultural primeiramente do campo rural, e que depois foi realocada para outros contextos como o campo da saúde e outros em que a formação universitária aparentemente não possibilitava. No campo da saúde a experiência que vem se consolidando na mesma perspectiva dos estágios de vivência que se iniciaram na década de 80 com os estudantes da Agronomia, são as Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde – VER-SUS. O VER-SUS vem ocorrendo com este nome desde 2002 e inscrevendo novas articulações entre o ME e o Estado brasileiro em suas diferentes instâncias. O VER-SUS conta atualmente com diversos agentes: o ME, Esferas de Governo (Municípios, Estados, Nação), a Organização PanAmericana da Saúde (OPAS), Associação Rede Unida, IES, entre outros.


19 A metodologia dos estágios e vivências iniciados junto ao ME dos cursos de Agronomia e Veterinária não ficou restrito aos estudantes destas áreas. Assim como acontece hoje com o VER-SUS, que não se restringe aos estudantes da área da saúde. Alguns estágios e vivências proporcionados pela Federação dos Estudantes de Agronomia no Brasil (FEAB) e pela Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária (ENEV) contaram com a participação de

estudantes que compunham a Direção Executiva Nacional de Estudantes de Medicina (DENEM): Dos estágios de vivência da agronomia, organizados pela FEAB, participaram, também estudantes dos mais variados cursos, inclusive estudantes de medicina da Direção Executiva Nacional de Estudantes de Medicina (DENEM). Com base na metodologia dos estágios de vivência, estes estudantes propuseram, na última década, os estágios de vivência no Sistema Único de Saúde (SUS) em diversos municípios brasileiros (FERLA et al., 2013, p.9).

Conforme o Caderno de Textos do VER-SUS de 2013, a crítica que o Movimento Estudantil propunha então a formação tradicional em saúde proporcionou a insurgência de formas metodológicas que visavam se aproximar do “locus de atuação profissional, como forma de se aproximar do usuário deste sistema” que é a saúde pública brasileira estruturava através do SUS. Essa metodologia dos estágios e vivências começaram então a ser utilizadas pelo ME no campo da saúde. Inclusive apropriadas por algumas IES em suas realidades sanitárias contextuais e acadêmicas. Com as mudanças administrativas junto à Governo Federal Brasileiro em 2003, através da eleição de Luís Inácio Lula da Silva, ocorreram consequentes alterações junto aos aparatos estatais ministeriais e infra ministeriais. Mudanças que além de alterarem a classe dirigente das funções administrativas do Estado, também incorporaram alterações nas políticas desenvolvidas. Junto ao Ministério da Saúde (MS) surgiram algumas iniciativas no que condiz a formação de recursos humanos no campo da saúde pública. Assim além do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - PRO-Saúde, do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde e de outras propostas menores,

as metodologia das vivências junto às realidades sanitárias foram incorporadas como projeto político dos aparatos estatais brasileiros: Em 2003 os estágios de vivência no SUS foram incorporados como projeto político do governo federal, o Projeto Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde no Brasil (VER-SUS/ Brasil), desenvolvido pelo Departamento de Gestão da Educação na Saúde, da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde em parceria com as representações estudantis de 14 cursos da saúde (FERLA et al., 2013, p.9).


20 Foram experienciadas várias propostas estatais similares anteriores ao que se configurou depois como sendo o VER-SUS/Brasil, tais como a Escola de Verão e o VERSUS/RS que aconteceram através da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (ESP/RS). A proposta metodológica das vivências adquiriu uma importância tamanha para ser incorporada junto ao Governo Federal. Mas esta incorporação foi paliativa, já que não se tornou programa políticos como o são o PRO-Saúde e o PET-Saúde, que também se ambientam no espetro da formação e ordenação de recursos humanos para a saúde pública: O projeto VER-SUS/RS – Vivência-Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde do Rio Grande do Sul foi uma proposta da ESP/RS que se caracterizou pela ampliação do seu projeto antecessor, o projeto Escola de Verão. A partir do VERSUS/RS, a ESP/RS, em parceria com os estudantes universitários da saúde organizados no Núcleo Estudantil de Trabalhos em Saúde Coletiva (NETESC), pretendeu difundir a oferta sistemática desta vivência-estágio aos estudantes dos diferentes cursos de graduação do setor da saúde (BRASIL, 2004b, p.7).

VER-SUS, como a sigla explicita, são vivências e estágios com imersão (leia-se dedicação e disponibilidade quase total) dos estudantes de graduação e pós-graduação que aceitem permanecer de 10 (dez) à 15 (quinze) dias conhecendo e debatendo sobre as realidades municipais e / ou distritais (divisão política infra municipal de capitais onde também se territorializa a proposta) de saúde que visitam e conhecem: Com a finalidade de aproximar os estudantes das diversas realidades sociais o movimento estudantil propôs os estágios de vivência, como alternativa de prática da formação que utiliza a metodologia problematizadora. Os estágios se caracterizam por permitir espaços de encontros entre estudantes e determinadas realidades, de modo que os mesmos possam refletir sobre as ações sociais ali desencadeadas com base nas realidades vividas. Apresentam característica de imersão, na qual determinado grupo de estudantes convive por um período de tempo (aproximadamente 15 dias) em um mesmo espaço físico, com a expectativa de que a cotidianidade imprima uma marca fundamental à vivência. Este processo utiliza metodologias ativas de ensino-aprendizagem, facilitadas por um estudante qualificado previamente por experiência de estágio de vivência ou por envolvimento nas causas sociais do movimento estudantil (FERLA et al., 2013, p.7).

As realidades municipais e / ou distritais de saúde são conhecidas em suas diversas configurações de atendimento público e / ou privado de saúde - Unidades Básicas de Saúde (UBS), Estratégias de Saúde da Família (ESF), Unidades de Ponto-Atendimento (UPA), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), hospitais, entre outros - assim também como outros locais que possuam alguma interface com um conceito ampliado de saúde - reservas indígenas, quilombos, museus, escolas, entre outros espaços abertos, públicos e / ou estatais nas suas relações com os movimentos sociais:


21 A participação popular tem potencial para gerar empoderamento dos diversos atores e para promover a sua organização nas mais variadas formas de movimentos sociais. O processo de Reforma Sanitária Brasileira é um exemplo de participação intersetorial de diversos atores sociais, inclusive de estudantes, que no interior de seus processos organizativos têm atuado de forma sistemática no avanço das reformas em saúde. O meio acadêmico conta com a participação de estudantes da área da saúde organizados a partir de Diretórios Acadêmicos (DAs) e Centros Acadêmicos (CAs) representados nacionalmente por Executivas e Direções de curso. Para além do movimento estudantil de área, também ocorrem as organizações gerais de estudantes compreendidas nos Diretórios Centrais de Estudantes (DCE), nas universidades; nas Uniões Estaduais de Estudantes (UEE); e na União Nacional de Estudantes (UNE) (FERLA et al., 2013, p.6).

Por envolver estruturas estatais dos municípios, os sujeitos que organizam a proposta (sujeitos oriundos do próprio ME que em sua grande maioria estão organizados em coletivos de estudantes) dialogam inicialmente com os gestores municipais de saúde (secretários municipais de saúde, prefeitos e demais servidores públicos municipais implicados) para serem formulados cronogramas plurais e pactuados que contemplem diferentes perspectivas sócio-sanitárias das realidades que serão visitadas pelos estudantes que se inscrevem e participam da proposta. Para tanto se tornam necessárias a integração entre diferentes aparatos do Estado e organizações da sociedade civil plenamente organizadas e estruturadas: Assim, a proposta do Ministério da Saúde, em parceria com a Rede Unida, a Rede Governo Colaborativo em Saúde / UFRGS, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Conselho de Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), e o apoio da Organização PanAmericana da Saúde (OPAS), visa realizar estágios de vivência para que estudantes universitários/as tenham a oportunidade de vivenciar a realidade do SUS e, assim, qualificar-se para a atuação no sistema de saúde (FERLA et al., 2013, p.4-5).

O VER-SUS então conforme seus próprios manuais e formuladores se trata de um projeto político desenvolvido por inúmeros aparatos estatais e organizações da sociedade civil com ampla desenvoltura de sujeitos advindos do ME; e não como programa político sistematizado através de legislações e normatizações burocráticas tais como o PRO-Saúde e o PET-Saúde. Entretanto, para além desta definição funcionalista, o VER-SUS apresenta inúmeras situações em que as relações e sociabilidades dos sujeitos representantes de cada uma destas esferas citadas a pouco estão em diferentes perspectivas de ação e prática. As ambivalências, as fronteiras e os conflitos nas abordagens de como a formação em saúde é encarada pelos diferentes sujeitos da sociedade civil organizada e pelas diferentes instâncias estatais, sociais e universitárias presentes na realização VER-SUS é o mote de nossa pesquisa.


22 De 2003 (quando o VER-SUS foi incorporado como projeto político ao Governo Federal) até os dias de hoje, as vivências sofreram algumas modificações nas articulações estabelecidas ideologicamente estre os aparatos estatais e o conjunto de representações da sociedade civil que se fizeram presentes na formulação de ações de formação e ordenação de recursos humanos junto ao campo da saúde: Como parte da aposta na aproximação do estudante aos desafios inerentes à implantação do SUS nasce a estratégia nacional de Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde do Brasil: VER-SUS/Brasil, enquanto agenda de compromissos com o movimento estudantil nacional da área da saúde, visando realizar um trabalho articulado entre as diferentes instâncias do SUS e as instituições de ensino (BRASIL, 2004a, p. 14).

A articulação inicial do VER-SUS/Brasil congregou as Executivas Nacionais dos 14 cursos que conforme a Resolução 287/98 do Conselho Nacional de Saúde eram e são definidas como as profissões da área da saúde: Biologia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Terapia Ocupacional e Serviço Social; que conjuntamente com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), e nesta o Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES) formularam o que veio a ser considerado o Projeto Piloto do VER-SUS: Para a efetivação da proposta do VER-SUS/Brasil realizou-se inicialmente um Projeto-Piloto envolvendo estudantes considerados orgânicos do Movimento Estudantil, com o objetivo de que o Piloto servisse como atividade de capacitação para os facilitadores e se constituísse como um laboratório do Projeto VERSUS/Brasil. Para tanto, construiu-se parceria com os Municípios colaboradores de Educação Permanente em Saúde, ao todo 10 cidades em todo o país, para acolher a proposta do Projeto-Piloto VER-SUS/Brasil construindo em conjunto com o Ministério da Saúde e o Movimento Estudantil da Saúde os projetos locais, realizados entre os meses de janeiro e fevereiro de 2004 (FERLA et al., 2013, p. 2425).

O Projeto-Piloto foi pensado como um laboratório para aqueles estudantes que já eram implicados com o ME e que faziam parte das Executivas Nacionais dos Cursos do campo da Saúde e que se articularam com a SGTES e a DEGES no Ministério da Saúde para repensarem as metodologias de suas formações acadêmicas em saúde. A proposta era de que estes estudantes após a conclusão de suas experiências junto ao Projeto-Piloto viessem a ser os “facilitadores” veteranos de outros “viventes” calouros nas futuras vivências de realidade que viessem a ser articuladas entre o ME e os aparatos estatais.


23 Logo em seguida realmente aconteceram mais duas edições do VER-SUS/Brasil. A primeira edição do VER-SUS/Brasil foi realizada nos meses de julho a outubro de 2005, abrangendo 1067 estudantes e contando com a participação de 51 municípios e 19 estados do país. A segunda edição do VER-SUS/Brasil aconteceu entre os meses de julho a setembro de 2005, abrangendo 251 estudantes e contando com a participação de 10 municípios e 6 estados brasileiros. Com a mudança que ocorreu na gestão da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde “não houve continuidade do projeto em nível nacional, no entanto, muitas experiências locais continuaram sendo organizadas” conforme nos informa o Caderno de Textos do VER-SUS 2013. A publicação em questão chega inclusive a explicitar

que o VER-SUS impregnou uma identidade e que mesmo sem o aporte do Governo Federal, as vivências continuaram a acontecer como aconteciam antes do Projeto VER-SUS/Brasil, através do próprio ME ou do aporte de algumas IES implicadas com a experiência: Como experiências locais relevantes e sintonizadas com essa experiência, podemos citar a realização do Estágio Interdisciplinar de Vivência na Rede de Saúde Mental (RS) realizado anualmente na cidade de São Lourenço do Sul; o Estágio de Vivência em Comunidades Rurais organizado com frequência na Paraíba junto com os movimentos sociais e o movimento de educação popular em saúde; o Estágio de Vivência da Medicina em Vitória da Conquista que é organizado anualmente para a recepção dos calouros de medicina da UFBA; os Estágios de Vivência no SUS/Bahia que ocorrem desde 2009, sendo que hoje já se realiza a 6ª. edição; o VER-SUS/Rio de Janeiro realizado em janeiro de 2011 com parceria do projeto OTICS; os estágios de vivência tradicionalmente organizados pela UNISC no Rio Grande do Sul como atividade de extensão universitária; e a experiência do VERSUS organizado pelo Grupo Hospitalar Conceição para seus residentes conhecerem melhor o SUS. Portanto, a realização dos estágios de vivência não é novidade no campo da saúde; sua história é antiga e já contou com inúmeras experiências. Aqui chamados de VER-SUS, os estágios de vivência já têm nessa marca uma identidade construída a partir da realização do VER-SUS/RS em 2002, do VER-SUS/Brasil em 2004 e 2005, do VER-SUS/Rio de Janeiro em 2010 e do VER-SUS/GHC (Grupo Hospitalar Conceição) também em 2010. Após esse período, inúmeras iniciativas locais e regionais continuaram sendo desenvolvidas, mas somente agora o projeto é retomado pelo Ministério da Saúde para ser realizado em grande escala pelo país (FERLA et al., 2013, p. 3, grifos nossos).

No entanto o Governo Federal retomou a iniciativa do Projeto VER-SUS/Brasil em 2011, ainda como projeto político estratégico e não como programa. Além disso, diferente do que acontecia em 2003, quando os aparatos estatais da SGTES/DEGES/MS se articulavam com as Executivas Nacionais dos Cursos do campo da saúde e com a União Nacional dos Estudantes (UNE); na configuração atual existem outros intermediários na relação entre o ME e os aparatos do Estado: a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), a Rede Unida, IES, e o apoio da OPAS:


24 Desde meados de 2011 está sendo organizado o novo Projeto VER-SUS/Brasil com a rede parceiros do Ministério da Saúde, No período de janeiro/fevereiro de 2012 ocorreu a 1ª edição do projeto como uma experiência piloto que mobilizou mais de 4300 estudantes, 9 estados e 70 municípios. De fato participaram dessa experiência 915 estudantes nas diferentes experiências. Na 2ª edição de julho e agosto de 2012, participaram efetivamente 1640 estudantes de 11 estados e 114 municípios (FERLA et al., 2013, p.4).

Em outras palavras, ao invés de continuar com a metodologia de reunir as Executivas Nacionais dos cursos de Biologia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Terapia Ocupacional, Saúde Coletiva e Serviço Social para juntos com a SGTES/DEGES/MS pensarem como se estruturaria as próximas vivências; a articulação agora se realiza entre a Rede Unida (organização histórica da sociedade civil junto ao campo da saúde) e Esferas de Governo (que reúne agentes das diferentes instâncias governamentais dos municípios, estados e nação) para que conjuntamente com coletivos estudantis possam organizar o VER-SUS/Brasil. Coletivos estudantis estes que não necessariamente estavam articulados junto ao ME antes destes virem a participar da proposta do VER-SUS/Brasil. Assim, a participação junto ao ME e de suas articulações através das Executivas de Curso do campo da saúde ou da UNE foram relegadas a segundo plano. Nesta nova forma de organização do VER-SUS/Brasil surgiram novas formas de articulações entre a Sociedade Civil e o Estado. Os coletivos estudantis tomaram o lugar das Executivas de Curso do campo da saúde e da própria UNE. Articulam eles mesmos as estruturações necessárias para que junto ou a margem dos aparatos estatais o VERSUS e outras atividades do campo da saúde ocorram. Outra questão pertinente ao contexto de pesquisa se refere ao financiamento do projeto político em questão. A proposta vem sendo financiada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) - organismo internacional de saúde pública latino-americana - que por intermédio da organização jurídica da Rede Unida financia a maioria das experiências de VER-SUS/Brasil pelo país a fora. Algumas poucas vivências são financiadas por seus governos estaduais ou de outras formas como é o caso do que acontece no interior do estado do Rio Grande do Sul. Mesmo assim, o fato de alguns governos estaduais financiarem o VERSUS, não tornam esta condição a regra por excelência, mas sim a exceção da regra. Na sua grande maioria, e inclusive na Região Metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Rio dos Sinos, onde também acontece o VER-SUS/Brasil, o financiamento ocorre via OPAS/Rede Unida constituída através de seu Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).


25 Assim mesmo sendo uma proposta que leva a participação e o emblema do Governo Federal, sua estruturação material acontece através de vias supra estatais, e não através de uma destinação planejada dos recursos federais específicos para a formação e a ordenação dos recursos humanos em saúde como prevê a Constituição Federal e as Leis Nacionais nº. 8080/90 e nº. 8142/90; e que poderiam ser preconizados para este projeto político estratégico como é concebido o VER-SUS/Brasil através de suas próprias publicações e documentos. Dessa forma, hoje diferente do que acontecia nas primeiras edições do VERSUS/Brasil, ao analisarmos a participação do ME neste projeto político não se visualiza mais as Executivas de Curso ou a UNE (mesmo que esta seja entidade parceira da Rede Unida). Visualizam-se coletivos estudantis que vieram a se estruturar a partir de grupos de estudantes na retomada do projeto VER-SUS/Brasil. Vários coletivos vieram a se organizar no país como um todo a partir da existência das vivências nos diferentes estados da federação. No estado do Rio Grande do Sul, segundo mapa construído pelos próprios estudantes na última vez em que se reuniram estadualmente, existiam 12 coletivos estudantis gaúchos que participam da construção do VER-SUS/Brasil e outras atividades espalhados por todo o território estadual: Ilustração 1: Mapa dos coletivos estudantis em saúde no estado do Rio Grande do Sul.


26 Destes coletivos excetuando-se o Elos Coletivo que participa da construção da vivência na Região de Porto Alegre e Vale do Rio dos Sinos, todos os demais vinham pelo menos até as últimas vivências recebendo financiamento público do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Deste modo nas cidades do interior, em razão do financiamento (contingenciado por pactuações com as instâncias de controle social dos recursos estaduais em saúde) e das realidades universitárias (poucas ou únicas IES para grandes regiões de abrangência) as vivências são organizadas pelos coletivos estudantis para grupos que variam de dez a trinta participantes em média. As vivências nestas cidades do interior percorrem na grande maioria das vezes mais de um município em suas realidades sanitárias. Isso se deve ao fato de que um único município não apresenta em princípio situações de vivência para os dez a quinze dias de vivência. Diferente dessa situação, a realidade contextual do Elos Coletivo se diferencia dos demais coletivos estudantis gaúchos, em detrimento do próprio financiamento que ocorre via Rede Unida, que por sua vez recebe o financiamento para as vivências através de projetos e editais constituídos junto a OPAS. Também se diferencia em função de que a realidade da Região Metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Rio dos Sinos, onde o Elos Coletivo atua, é muito mais populosa e apresenta uma realidade universitária muito mais abrangente (várias IES e pólos universitários existentes). As vivências são organizadas para um grupo de aproximadamente 160 estudantes que são divididos em aproximadamente 16 equipes que participam das vivências nos 8 distritos sanitários de Porto Alegre e em aproximadamente mais 8 cidades da região Metropolitana e do Vale do Rio dos Sinos. Estes números podem variam um pouco para mais ou um pouco para menos, mas em síntese são estas as informações quantitativas que servem de base para a organização das vivências por parte do Elos Coletivo nesta região do estado gaúcho. O que deve ficar claro é que apesar do financiamento que existe através da Rede Unida/OPAS, ou ainda através do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, tanto para as vivências do VER-SUS, que acontecem na Região Metropolitana de Porto Alegre e Vale do Rio dos Sinos, como para aquelas que acontecem no interior; existe uma série de práticas e discursos que são necessariamente realizados tanto na realidade do Elos Coletivo como na realidade dos demais coletivos estudantis gaúchos, para que as vivências possam ocorrer sem contratempos. Práticas e discursos que também são realizados por outros agentes das IES, dos governos municipais e do próprio governo estadual que também são indispensáveis para que a realização das vivências sejam possíveis e realizáveis na prática.


27 Os coletivos estudantis tanto do interior como da capital e região são responsáveis por várias práticas e discursos que são essenciais para a realização da vivência desde antes que a mesma aconteça. Dentre as práticas que os coletivos estudantis ficam responsáveis podemos elencar: a) solicitarem e retirarem no mínimo três orçamentos carimbados em documentos oficiais para as alimentações, hotéis e empresas de transporte que são necessárias para que ocorram as vivências; b) reunirem e contatarem os gestores distritais e municipais das cidades em questão para organizarem a programação e demais questões pertinentes para as vivências; c) divulgarem e mobilizarem dos estudantes e IES da região para que saibam da proposta das vivências; d) selecionarem e notificarem os candidatos escolhidos para participarem da proposta de vivência, já que na maioria das vezes a demanda é maior que a oferta de vagas nas vivências que ocorrem. Todas estas práticas se desenvolvem e transcorrem em aproximadamente seis meses de reuniões e organizações práticas necessárias para que as vivências aconteçam tanto nas férias de inverno como nas de verão. Os gestores / representantes municipais / distritais por sua vez participam de reuniões quinzenais organizadas pelos coletivos estudantis para definirem não somente a programação das vivências, mas também outras questões que são pertinentes ao bom andamento das vivências (locais visitados, equipes visitadas, condições de visitação, entre outros detalhes). As IES aparecem como apoiadoras do projeto político com graus diferentes de participação e envolvimento. Enquanto algumas IES dificultam até mesmo a informação de que existe uma organização estudantil para a vivência; outras IES oferecem toda uma disponibilidade de estruturação para que as vivências possam acontecer: transporte, disponibilização de material didático e informacional, preparação de espaços acadêmicos para discussões, entre outras disponibilidades oferecidas aos coletivos estudantis. O VER-SUS/Brasil a nível federal, estadual e local pode apresentar alguns detalhes que não explicitamos, mas que no conjunto não desfocam a delimitação que majoritariamente se propõe este projeto político. O VER-SUS/Brasil em suas diferentes realidades e contextos se propõe a ser uma metodologia estratégica de aproximação do estudante universitário para com a realidade econômica, social, política e cultural do contexto territorial em que ocorre a sua formação universitária, sendo-lhe problematizada tanto em termos científicos e teóricos, como em termos realistas e materiais. O VER-SUS seria então, segundo seus proponentes, um projeto político estratégico, que somado a outros programas sociais, tais como o PRO-Saúde e PET-Saúde, propostas governamentais mínimas de articulação com a sociedade civil e IES para

promoção de ações de ordenação e formação de recursos humanos para a saúde pública.


28 1.2 O ESTADO BRASILEIRO E O CAMPO DA SAÚDE Utilizamos até aqui inúmeras vezes o termo aparelho / aparato estatal sem propriamente enfocarmos o que entendemos pelo conceito de Estado que lhe é anterior. Em nossa pesquisa anterior (FÜHR, 2013) fizemos uma pequena digressão sobre como o conceito de Estado foi desenvolvido junto as Ciências Sociais e Humanas. Entretanto não podemos nos contentar nesta pesquisa em citar nossos apontamentos anteriores. Tentaremos sucintamente apresentar abaixo alguns nexos que pretendemos aprofundar teoricamente entre as relações que a idéia de Estado têm junto a Saúde Pública e Coletiva. O conceito de Estado para além de qualquer perspectiva histórica que tente remontar suas vertentes teóricas desde Hobbes, ou antes deste autor, sobre como deva ser encarado este verbete, segundo nossa presente construção, não devem mais deixar de levar em conta as implicações da Teoria do Discurso que apresentaremos em seguida. Para além de qualquer debate sobre as condições do Estado ser considerado infraestrutura ou superestrutura perante as diversas correntes da teoria marxiana e pós-marxiana, o Estado precisa ser problematizado enquanto prática discursiva dispersa e não fixada em uma identidade essencializada. Os debates das relações entre o Estado, a Sociedade Civil e a Saúde Pública ou Coletiva, na qual estaremos inseridos na presente pesquisa de uma forma ou de outra, em maior ou menor medida, tentam muitas vezes de forma direta ou indireta classificar o quanto estabelecidas instâncias estatais estão seguindo determinadas orientações ideológicas em detrimento de outras. Não podemos é claro deixar de realizar estas considerações à cerca de como se estabelecem as relações estatais junto à sociedade civil e vice-versa no que condiz as formas de orientação ideológica em questão. Entretanto não podemos essencializar de forma a fixar uma identidade amalgamada de Estado perante posições ideológicas A ou B de sua orientação governamental. As análises sob o prisma da Teoria do Discurso podem elucidar que as imbricações e a nuances das práticas discursivas engendradas pelos diferentes agentes sociais em relação com o Estado são heterogêneas, homogêneas, convergentes e divergentes dependendo de cada situação em questão. Apesar da problematizações à cerca do modelo discursivo do Estado de Bem-Estar Social estarem presentes em inúmeros produções acadêmicas que tentam descortinar os avanços que foram a implantação do SUS e de outras políticas de igual monta no Brasil, tal noção sempre pode ser confrontada com situações e realidades que desmantelam qualquer concepção essencializada da identidade ideológica que o Estado Brasileiro se apresentou.


29 Mesmo sendo possível a adoção do modelo do Estado de Bem-Estar Social por parte de alguns países (onde tal adoção foi possível) ter se dado a partir da metade do século XX, as noções de tal modelo são bem anteriores e remontam ao 2º Reich alemão insurgido por Otto von Bismarck, o chanceler de ferro como era chamado, que por sinal não era considerado um governante nenhum um pouco socialdemocrata ou algo próximo disso (Kerstenetzky, 2011). O mesmo ocorre com a categoria de Saúde Pública. Apesar das grandes medidas estatais numa perspectiva de saúde pública terem se aprofundado a partir de meados do século XX, conforme Rabello (2010, p. 67) desde o século XVI, quando a produção começa a se tornar eixo central na Inglaterra, e depois em outros países que se inserem na lógica capitalista, passa o trabalho “a ser essencial para a geração da riqueza, o que transformou qualquer perda decorrente de doenças em problema econômico potencial”. Afinal, como Marx (1985, p. 141) já enunciava no século XVIII, se “o proprietário da força de trabalho trabalhou hoje, ele deve poder repetir o mesmo processo amanhã, sob as mesmas condições de força e saúde”. Nessa lógica a importância da saúde do proprietário da força de trabalho (seja ele trabalhador fabril, agrícola ou intelectual) se torna questão central de preocupação na lógica da economia vigente para uma efetiva potencialidade de expropriação da mais-valia. Mas não é somente a preocupação com a expropriação de mais-valia (na qual a condição de saúde do proprietário da força de trabalho é fiduciária) que levam os Estados Nacionais a conceberem projetos políticos que circunscrevam a possibilidade de uma saúde pública. No Brasil, por exemplo, o fator que desencadeou as primeiras iniciativas do poder público para com a oferta de algum tipo de serviço em saúde pública – os institutos de profilaxia rural e urbana - foram resultado de amplos debates promovidos pelo Movimento Sanitarista, deste a República Velha, que conseguiram demonstrar e comprovar perante as elites dirigentes e a opinião pública vigente sobre as implicações que a interdependência social das doenças e epidemias causavam: Trata-se de período de um período de crescimento de uma consciência entre as elites em relação aos graves problemas sanitários do país e de um sentimento geral de que o Estado nacional deveria assumir mais a responsabilidade pela saúde da população e salubridade do território. (...) A partir das demandas de um movimento sanitarista ativo e de caráter nacionalista – que vinculava a constituição da nacionalidade à superação das doenças endêmicas – e de grandes debates e decisões políticas em torno de soluções dos problemas sanitários, considerando a ordem políticoconstitucional pactuada em 1891, os serviços sanitários foram reformulados e ampliados (HOCHMAN, 2006, p. 40).


30 Hochman (2006, p.26) nos aponta em seu estudo que os primórdios, da saúde pública e do saneamento a nível nacional brasileiro, que o “crescimento da interdependência humana trouxe a ampliação e a intensificação dos efeitos externos da ação, ou da própria existência, de uns, pobres, sobre outros, ricos”. Dessa forma principiam-se as primeiras intencionalidades do Estado Nacional Brasileiro no sentido de promover ainda que tímidas as primeiras movimentações no sentido de instituir projetos políticos de saneamento (= saúde pública) que dessem conta ao menos de evitar que as doenças comuns das camadas baixas da população não se alastrassem a ponto de atingir também as camadas mais altas de forma epidêmica. Tais iniciativas, entretanto estavam longe de minimizar o impacto dos diversos determinantes sobre o estado de bem-estar físico, mental e social (= saúde) da população em geral. As tímidas mudanças ocorridas durante o governo Vargas nos modelos tecno-assistenciais em saúde já não davam mais conta das demandas que a população ansiava. O que se buscava nas lutas sociais desta fase eram novas relações entre o Estado e o conjunto dos grupos sociais, fato que se prolongou por todos esses anos, até 1937. A superação do Estado oligárquico de base regional, pelo corporativista e populista, acabou por implicar a construção de uma nova forma de Estado capitalista no Brasil, processo que foi seguindo o caminho das reformas produzidas no interior do aparelho de Estado (...) (MERHY, 1992, p.148).

Ainda que o Estado Nacional Brasileiro deste período seja marcado pelo diálogo vertical e centralizado das políticas sociais na área da saúde e outras, começaram-se as primeiras iniciativas de instituição das políticas de saúde assistenciais previdenciárias. Mediante contribuições trabalhistas de algumas categorias profissionais o Estado foi chancelando modalidades de assistência médica que davam conta apenas da população trabalhadora. O processo se intensifica no final da década de 40 com a criação do primeiro Conselho Nacional de Saúde (1948), demonstrando que mesmo timidamente já existia alguma parcela da Sociedade Civil Brasileira que estava organizada pra pleitear ter uma estrutura como esta junto ao aparato estatal existente. Os anos seguintes a 1948 foram marcados por um intenso crescimento da medicina previdenciária e pela expansão da rede local de Centros de Saúde. O crescimento acelerado do processo de industrialização, que teve como contrapartida um desmesurado desenvolvimento das cidades que serviram de suporte para aquele processo e a “complexificação” da estrutura de classes sociais da sociedade brasileira, levou a um aprofundamento das relações político-sociais do Estado populista com as massas urbanas e com a ampliação do processo de “cidadania fragmentária” (MERHY, 1992, p.211).


31 Reflexo e permeado por processos históricos mundiais (I e II Guerras Mundiais, Grande Depressão, Declaração dos Direitos Humanos, etc.) e nacionais (Tenentismo, Revolução Constitucionalista de 1932, Problemas na Exportação da Cafeicultura, etc.), o período do governo de Getúlio Vargas instituiu um mínimo de garantias trabalhistas que diretamente tiveram influência na saúde através dos aparatos previdenciários que foram insurgidos como os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP‟s). A saúde vai se tornando cada vez mais importante para o desenvolvimento econômico: os poderes públicos passam a combater agravos sociais e sanitários como o alcoolismo, a sífilis e a tuberculose; leis estatuídas sobre a vida nas cidades, as condições de saneamento e a saúde das crianças. Dessa aliança entre políticos e higienistas resultam leis que antecipam o que se chama atualmente de proteção social, a concepção do Estado moderno – o Estado de Bem-Estar Social. Até meados do século XX, a seguridade social é instituída em vários países (RABELLO, 2010, p. 44).

O longo período do governo de Vargas com o interstício do governo de Dutra, o “progressismo” de Juscelino Kubitscheck, a renúncia de Jânio e a meteórica tentativa presidencial de Jango não conseguiram implementar no Brasil um real modelo do Estado de Bem-Estar Social que ampliasse a assistência para além dos cidadãos trabalhadores. Amplas camadas de idosos, inválidos, desempregados e correlatos permaneciam dependendo da caridade hospitalar de instituições religiosas, particulares ou de curandeira. Este modelo não se modificou durante a Ditadura Militar Brasileira. Na verdade se intensificou e se aprofundou uma estruturação que ainda hoje molda a configuração do atendimento público em saúde. Através do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), instituído em 1966, os governos militares que se sucederam até 1984, financiaram a fundo perdido a construção de alguns hospitais totalmente públicos e uma grande maioria de hospitais privados que se vincularam temporariamente ao aparato estatal de previdência vigente na época. Desse modo a assistência em saúde no Brasil se engendrou assistencial e centralizada nas grandes capitais e financiou com o dinheiro dos trabalhadores a estrutura hospitalar particular que hoje não se encontra mais vinculada a qualquer iniciativa de atendimento público em saúde que não seja o conveniamento onerante aos cofres públicos em termos de isenção fiscal ou financiamento público. Na reborda dessa estruturação, as IES‟s públicas e privadas foram ofertando vagas para formação de profissionais na área da saúde de forma concentrada nas grandes capitais num modelo de atendimento assistencial e não preventivo. Lógica preventiva esta que o próprio Banco Mundial a partir da década de 1990 passou a preconizar como sendo a de melhor efetivação.


32 O Brasil, diferente dos demais países da Europa e da América do Norte, não perpassou a adoção conjuntural por excelência de um modelo do Estado de Bem-Estar Social. Foi necessário este modelo já se encontrar revisionado no exterior para que alguns princípios deste modelo fossem imiscuídos nas formulações propostas pelo Movimento Sanitário Brasileiro, que na derrocada da Ditadura Militar pleitearam um modelo de saúde pública inspirada no modelo italiano de Saúde Pública. A constituição de um Sistema Único de Saúde ao final dos anos 80 foi a mais importante decisão de reforma na área social daquela década. Não apenas porque foi a única das políticas sociais em que se reuniram condições institucionais para que se tomassem decisões em favor de uma reforma efetiva. Mas também pelo conteúdo desta reforma, vale dizer, pela natureza, importância e extensão das decisões tomadas. A implementação desta reforma vem redesenhando o modelo de prestação de serviços de saúde, tal como este havia se configurado ao final dos anos 60, e – o que interessa aqui particularmente – vem redefinindo a distribuição das funções a serem desempenhadas por cada nível de governo (ARRETCHE, 2000, p. 197).

Com alguns anos de atraso, em função da interrupção nos avanços políticos que a Ditadura Militar legou, o Brasil pós Constituinte institui o SUS em 1990 através de uma implantação gradual. Apesar de todas as críticas realizadas pelo ordenamento social vigente, o SUS segundo dados internacionais e sua concepção adota princípios que numa perspectiva ampliada do conceito de saúde dão conta de um país de proporções continentais como o Brasil. A contradição na saúde pública brasileira se acentuou ainda mais, quando na década de 1990 (em plena década comumente atribuída como a década do neoliberalismo) o Banco Mundial (considerado por muitos como um dos arautos do capitalismo hegemônico mundial) indica para o Brasil a adoção de algum programa de prevenção familiar em saúde. O programa adotado na época foi o então Programa de Saúde da Família (PSF). Programa que hoje se tornou política nacional através das Estratégias de Saúde da Família (ESF). Política nacional que como estratégia atualmente é paulatinamente implementada nas realidades municipais em confronto com as antigas lógicas assistenciais de atendimento: as UBS: Esta perspectiva tornou-se universal, nas origens do Estado moderno, interessado nas necessidades individuais, familiares e comunitárias, de seguridade social e de serviços organizados. Para Rosen (1994), nada pode ser tão fascinante quanto a transformação do Estado Liberal, não intervencionista, „vigia noturno‟ do século XIX, para o Estado do Bem-Estar Social. Estruturam-se os departamentos de saúde preventiva (Elias, 2004), os currículos de cursos de saúde pública nas escolas médicas (Fonseca, 1997), os órgãos de saúde previdenciária, os programas de controle das patologias de transmissão populacional, entre outros (RABELLO, 2010, p. 70).


33 Atualmente vivenciamos este confronto entre modelos assistencial versus preventivo na saúde pública brasileira. Após quase meio século de uma política de atendimento assistencial e centralizado, as medidas de atendimento preventivo e fracionada em níveis de complexidade (primária, secundária e terciária) sofre críticas da população não acostumada com esta nova lógica de atendimento em saúde pública. Para, além disso, a iatrogênese social que delega a primazia do ato médico sobre todas as demais medidas sanitárias possíveis engendra um ordenamento social espúrio. Um ordenamento social que elitizou o atendimento médico em clínicas particulares altamente rentáveis. Relegando aos demais profissionais de saúde receberem em média quatro vezes menos do que os demais profissionais médicos que possuem igual nível de formação acadêmica que os mesmos. Não conhece o SUS, ou o que seja promover saúde. Saúde pública é para sanitaristas. Desconhece ou nega que epidemiologia é a base de seu raciocínio. Acredita que, se a maioria da categoria médica pensa de uma forma, nada vai mudar nas políticas de saúde (nem para ele), por isso não precisa estar atualizado nelas. O melhor lugar para pedir exames é uma clínica que já tenha laboratório ou um hospital (DA ROS, 2004, p.239).

Nessa conjuntura de formação e profissionalização dos profissionais da área de saúde, surge a necessidade de novas abordagens que deem conta não somente dessa guinada que ocorreu junto ao modelo de saúde pública adotada pelos governos. Mas também que deem conta de novas relações que devam ser estabelecidas entre a Sociedade Civil e o Estado que possam resolver não somente as demandas epidemiológicas, mas também as projeções estatísticas que demandarão novas posturas de promoção da saúde nos próximos anos: Tal conflagração de um novo paradigma em saúde, da incorporação dos conteúdos sociais nesta abordagem, como uma tentativa efetiva dos atores sociais de ampliarem a apropriação da interdisciplinaridade em seu processo de trabalho cotidiano, possibilita a compreensão de que o tema da saúde é social e não somente uma questão técnica e está diretamente relacionado com a forma de sociedade e de Estado (RABELLO, 2010, p. 21).

A relação entre a Sociedade Civil e o Estado Brasileiro no que tange a saúde pública é um território em disputa. Na saúde pública brasileira existem inúmeros aparatos de controle social por parte da população para com as políticas acionadas nos governos atuantes dentro do Estado. Entretanto como já apontamos em nosso estudo anterior (FÜHR, 2013), estes espaços se encontram fragmentados em função de suas condições de mobilização, organização e estruturação estarem debilitados e não contarem com aporte de uma sociedade civil organizada de forma que amparem estes espaços na maioria das realidades municipais.


34 O SUS como aparato ideológico do Estado, tal como Althusser (1985) concebe, deveria ser resignificado pela sociedade civil como um importante instrumento de sua promoção da saúde. Se não o for, em um curto período histórico de tempo, sua significação enquanto promotor da saúde pública em perspectiva ampliada; perderá o seu sentido completo em função das constantes privatizações, delegações e terceirizações que são realizados em seu meio por parte dos agentes do Governo que administram o Estado. Se, por um lado, o papel do Estado nesse novo cenário vem sendo questionado, é necessário, por outro, reafirmar sua importância e acima de tudo a centralidade do espaço público como conquista da democracia e do exercício da cidadania (RABELLO, 2010, p. 99).

Não queremos com isso defender que o SUS seja tomado em seu escopo como uma nova reconfiguração de um Estado de Bem-Estar Social, que como elencamos acima, nem esteve presente, apenas foi introjetado na configuração e nos embates propugnados pelo Movimento Sanitário junto ao Estado Brasileiro quando da gênese deste sistema. As oposições discursivas entre as práticas de assistencialismo ou de promoção de saúde junto aos espaços de diálogo da Sociedade Civil para com o Estado Brasileiro, estão longe de alcançar uma resolução, já que a implementação da estrutura preventiva em saúde ainda está muito longe de oferecer serviços que correspondam à demanda existente junto à população. O aprofundamento desta e outras questões se fazem muito pertinentes para que Sociedade Civil e o Estado Brasileiro possibilitem uma Saúde Pública efetiva. Recorrentemente as produções de Teoria Política junto as Ciências Sociais se fundamentam em conceitos e categorias basilares tais como Sociedade Civil e o Estado. Não fugimos a esta recorrência. Entretanto, tencionamos demonstrar que mesmo a revelia das recorrências, uma ambientação simplória do campo da Saúde Pública Brasileira junto ao modelo do Estado de Bem-Estar Social é muito mais um recurso discursivo que foi adotado pelo Movimento Sanitário e o Estado Brasileiro em redemocratização, do que realmente uma intencionalidade concreta que se estabeleceu entre a sociedade civil brasileira e os governos atuantes junto aos aparatos estatais. A adoção desta intencionalidade não deixou de ser significativa ao conseguir inscrever o princípio do controle social da referida Sociedade Civil para com o Estado Brasileiro. Princípio este que quando realmente apropriado junto às Sociedades Civis organizada teria possibilidade de circunscrever novas lógicas na relação que os aparatos estatais estabelecem em suas ações de saúde pública e demais áreas de atuação governamental.


35 1.2 A UNIVERSIDADE BRASILEIRA E O CAMPO DA SAÚDE Ao tratamos sobre a formação na área da saúde, não podemos somente discorrer sobre o sistema de saúde pública brasileira (SUS), mas também devemos analisar o sistema de ensino universitário existente em nosso país e também sobre suas relações ou não com a Saúde Pública e o Estado. Apesar da realidade estatística e numérica demonstrar a quase total ausência do Estado Brasileiro durante séculos perante um ensino superior democrático e plural, mesmo assim as relações que se estabeleceram entre a universidade brasileira e o Estado sempre foram estreitas: Importante ressaltar ainda que essa Universidade foi para o Brasil um empreendimento educacional, um acontecimento histórico, mas não transcendente. Foi uma organização auspiciada pelo Governo que, por vicissitudes políticas, teve o curso de seu projeto interrompida e posteriormente modificado (FÁVERO, 1977, p. 43).

As vicissitudes políticas engendraram um modelo de ensino superior brasileiro que intencionalmente restringiu o acesso do ensino superior público a pequenas parcelas da elite brasileira. A margem e a reborda disso estruturou-se uma demanda de ensino superior privado que abarcou a classe média ascendente e emergente e que mesmo nessa condição se tornou hegemônica em número de instituições e matrículas existentes. Embora só a usassem raramente e em fins limitados as nossas “escolas superiores” nasceram, cresceram e se expandiram sob um clima de grande liberdade intelectual. Elas exprimiram de tal modo os interesses sociais e os valores culturais, que impregnavam a concepção do mundo das classes sociais dominantes e dirigentes, que não havia a necessidade de levantar-se o problema de saber-se o que elas deveriam representar como força social, cultural e política. Aquilo que os sociólogos norte-americanos chamam de controles reativos, que operam de modo espontâneo e indireto, mas contínuo e profundo, era suficiente para ajustá-las às expectativas dos referidos círculos sociais. A diferenciação recente da sociedade, com suas repercussões na organização do poder econômico, social e político, fez com que essa homogeneidade fosse condensada e desaparecesse aos poucos. Não só setores extensos dos corpos docente e discente passaram a ser recrutados em várias camadas sociais (...) (FERNANDES, 1975, p.30).

Os números demonstram que infelizmente por inúmeras condições sociais o acesso, permanência e conclusão do ensino superior brasileiro foi recurso escasso e prerrogativa de pequena parcela da população em idade propícia para a oferta desta modalidade de educação:


36

Ano 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Evolução das Estatísticas do Ensino Superior - Brasil 1962 – 1998 Docentes Matrícula Vagas Inscrições (B/A) Concluintes (D/C) Ingressos (A) (B) Oferecidas (D) 25.213 28.944 30.162 33.135 36.109 38.693 44.706 49.547 54.389 61.111 67.894 72.951 75.971 83.386 86.189 90.557 98.172 102.588 109.788 113.899 116.111 113.779 113.844 113.459 117.211 121.228 125.412 128.029 131.641 133.135 134.403 137.156 141.482 145.290 148.320 165.964 165.122

107.509 124.214 142.386 155.781 180.109 212.882 278.295 342.886 425.478 561.397 688.382 772.800 937.593 1.072.548 1.096.727 1.159.046 1.225.557 1.311.799 1.377.286 1.386.792 1.407.987 1.438.992 1.399.539 1.367.609 1.418.196 1.470.555 1.503.555 1.518.904 1.540.080 1.565.056 1.535.788 1.594.668 1.661.034 1.759.703 1.868.529 1.945.615 2.125.958

4,3 4,3 4,7 4,7 5,0 5,5 6,2 6,9 7,8 9,2 10,1 10,6 12,3 12,9 12,7 12,8 12,5 12,8 12,5 12,2 12,1 12,6 12,3 12,1 12,1 12,1 12,0 11,9 11,7 11,8 11,4 11,6 11,7 12,1 12,6 11,7 12,9

... 19.049 20.282 22.291 24.301 30.108 35.947 44.709 64.049 73.453 96.470 135.339 150.226 161.183 176.475 187.973 200.056 222.896 226.423 229.856 244.639 238.096 227.824 234.173 228.074 224.809 227.037 232.275 230.206 236.377 234.267 240.269 245.887 254.401 260.224 274.384 ...

... ... ... ... ... ... ... ... 145.000 202.110 230.511 261.003 309.448 348.227 382.418 393.560 401.977 402.694 404.814 417.348 421.231 ... ... 430.482 442.314 447.345 463.739 466.794 502.784 516.663 534.847 548.678 574.135 610.355 634.236 699.198 776.031

... ... ... ... ... ... ... ... 328.931 400.958 449.601 574.708 614.805 781.190 945.279 1.186.181 1.250.537 1.559.094 1.803.567 1.735.457 1.689.249 ... ... 1.514.341 1.737.794 2.193.861 1.921.878 1.818.033 1.905.498 1.985.825 1.836.859 2.029.523 2.237.023 2.653.853 2.548.077 2.711.776 2.858.016

... ... ... ... ... ... ... ... 2,3 2,0 2,0 2,2 2,0 2,2 2,5 3,0 3,1 3,9 4,5 4,2 4,0 ... ... 3,5 3,9 4,9 4,1 3,9 3,8 3,8 3,4 3,7 3,9 4,3 4,0 3,9 3,7

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 356.667 357.043 361.558 ... ... 346.380 378.828 395.418 395.189 382.221 407.148 426.558 410.910 439.801 463.240 510.377 513.842 573.900 651.353

Fonte: MEC/INEP/SEEC

Na profusão dessa conjuntura do ensino superior brasileiro, com a derrocada da Ditadura Militar e a reestruturação do neoliberalismo democrático na década de 90 do século passado, o Estado Brasileiro através do Ministério da Educação – MEC facilitou de forma desregulamentada a profusão de Instituições de Ensino Superior – IES‟s privadas com baixo nível de exigências legais para suas aparições junto ao mercado do ensino superior brasileiro.


37 O modelo emergente de relação entre os sistemas de ensino superior, as suas instituições e o Estado pode ser mais claramente compreendida se comparada com os modelos anteriores: os modelos do Estado facilitador e do Estado interventor (MAGALHÃES, 2004, p. 101).

O Estado Brasileiro assume então uma postura que os estados nacionais da Europa e América do Norte haviam adotado já na década de 1960. Ao invés de somente facilitar a instalação das IES‟s privadas, o Estado Brasileiro começa a intervir não como um agente indutor do ensino superior através de sua própria estrutura, mas como um abalizador da qualidade do ensino superior ofertado pelas instituições privadas de ensino. Surgem instrumentos de avaliação estatal das IES‟s como o Exame Nacional de Cursos (Provão), realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP de 1996 até 2003. Em 2004 começaram a ser realizados: o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES, que direta ou indiretamente forneceram e fornecem dados para o Censo Universitário, a Avaliação Institucional e a Avaliação dos Cursos de Graduação. Todos eles instrumentos estatais realizados pela INEP para aferição da qualidade do ensino superior ofertados pelas IES‟s. O Censo Universitário de 2011, cujos dados estão disponíveis, demonstram a hegemonia privada na oferta do ensino superior brasileiro. Apesar das universidades públicas terem uma relativa vantagem em número, se levarmos em conta o número total de IES‟s (o que contempla além das universidades, também os centros universitários, as faculdades, os Institutos Federais de Educação – IF‟s e os Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFET‟s), a categoria administrativa privada perfaz aproximadamente 88% do número de IES‟s, enquanto a categoria administrativa pública aproximadamente apenas 12%. Ilustração 2: Tabela com número e percentual de IES por organização acadêmica:


38 Quanto às matrículas existentes tendo como base a categoria administrativa, aproximadamente 5 milhões de estudantes ou aproximadamente 74,63% dos graduandos cursam em IES‟s privadas, perante apenas 1,7 milhão de estudantes ou aproximadamente 25,37% dos graduandos que estudam em IES‟s públicas. Ilustração 3: Tabela com percentual de matrículas de graduação presencial:

Também conforme o Censo Universitário de 2011, a área genérica de Saúde e BemEstar Social é a terceira categoria de matrículas mais abrangente no Sistema de Ensino Superior Brasileiro. A área corresponderia a aproximadamente 13,9% das matrículas existentes (aproximadamente 936.817 matriculandos e 326.191 ingressantes) e 14,9% do percentual de concluintes (aproximadamente 151.491 formandos) somente no ano de 2011. Ilustração 4: Tabela com percentual de matrículas e concluintes segundo áreas gerais:


39 Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE em termos das ocupações e atividades de saúde no Brasil, a saúde pública brasileira corresponde por 32,8% do total de ocupações deste ramo de serviços. Isso a torna a primeira atividade em termos percentuais das ocupações existentes na área da saúde brasileira. Ilustração 5: Gráfico com percentual das ocupações nas atividades de saúde:

Entretanto conforme o próprio IBGE ressalta, a distribuição das faixas conforme o percentual de ocupações na área da saúde é muito imbricante e relativa, já que o SUS estabelece várias relações com a iniciativa privada. Relações estas que em algumas áreas tais como o comércio de produtos ortopédicos, fabricação de aparelhos para usos médicos hospitalares e odontológicos, assistência médica suplementar e fabricação de produtos farmacêuticos em várias realidades municipais e estaduais chegam a cobrir a totalidade de préstimos financiados pelo aparato público estatal. Além de produzir serviços de saúde e medicamentos e de distribuir medicamentos que a própria administração pública fabrica ou compra da indústria farmacêutica, a administração pública também adquire serviços de prestadores privados no mercado. Esses serviços, ofertados gratuitamente à população, são computados como despesa de consumo mercantil das administrações públicas. Constituem uma produção das atividades integrantes dos serviços de saúde privados financiada pela saúde pública (IBGE, 2008, p.18).


40 Dessa forma a saúde pública acaba não sendo apenas a primeira colocada na área percentual de ocupação da saúde brasileira, mas acaba também sendo indiretamente a majoritária financiadora e agenciadora dos profissionais de saúde brasileiros. Outros dados estatísticos recentes do IBGE também demonstram o crescimento tanto do vínculo formal quanto geral na área da saúde pública brasileira nos últimos anos em que tais dados foram medidos estatisticamente pelo instituto oficial. Ilustração 6: Gráficos com total de atividades e vínculos em saúde:

O crescimento dos postos de trabalho no nível superior também obtiveram um crescimento bem interessante nos últimos anos conforme medição realizada pelo IBGE (20002005). Isso ocorreu não somente em função do aumento no múmero de matrículas nas IES‟s, mas também em função do surgimento de novos cursos na área (quiropraxia, biomedicina e formações específicas em saúde coletiva), assim como a abertura de cursos na área que até então eram concetrados nas grandes capitais ou regiões brasileiras e que foram interiorizados por IES‟s ou campis novos tanto de universidades privadas como públicas: Os estabelecimentos de saúde ofertaram 870 361 postos de nível superior em 2005, passando para 1 104 340 em 2009, crescimento de 26,9% no período (...). O aumento dos postos de trabalho de nível superior foi mais acentuado na Região Norte, onde se observa acréscimo de 42,0% entre 2005 e 2009. Nas demais regiões, o crescimento de postos de trabalho de nível superior está entre 21,8% e 28,3% (IBGE, 2010, p. 45).


41 Até o ano de 2005, conforme o IBGE existiam 1.271.483 profissionais trabalhando junto a saúde pública brasileira. Um crescimento perceptível desde o ano 2000, que segundo as estimativas não parou de crescer desde então até os dias de hoje. Ilustração 7: Gráfico com postos de trabalho de nível superior em saúde:

No computo total dos postos de trabalho no País, as atividades de saúde correspondem a 4% do total existente. Os dados apresentados demonstram que a área da saúde e da saúde pública como um todo deverão crescer consideravelmente em nosso país por vários motivos sociais. Um fator populacional implicará drasticamente não somente na área da saúde pública, mas também no campo da saúde como um todo, inclusive na área da saúde privada, que será a drástica inversão na pirâmide populacional brasileira a partir de 2030 e acentuando-se drasticamente a partir de 2050. As atividades de saúde foram diretamente responsáveis por mais de 4% do total de postos de trabalho no País entre 2000 e 2005. Houve um pequeno aumento proporcional dos postos de trabalho na saúde em relação às demais atividades econômicas, e as ocupações em saúde passaram de 4,1% do total de ocupações, em 2000, para 4,3 %, em 2005. Em números absolutos, em torno de 660 mil novos postos de trabalho foram criados pelas atividades de saúde no período (IBGE, 2008, p.47).

Os dados acima apresentados demonstram o reflexo de uma realidade social em que o estudo da educação no ensino superior e sua relação com a saúde pública no ordenamento dos recursos humanos pra essa área é importante não somente enquanto estudo das determinadas políticas públicas que estão sendo implementadas nesse sentido, mas também em função dos discursos e das práticas suscitados pelos sujeitos que participam nas mesmas e seus reflexos diretos.


42 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Conforme levantamento bibliográfico prévio realizado e publicado por Maranhão (2013, p.4) para sua dissertação de mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), existem atualmente: “3 (três) dissertações e teses, 4 (quatro) artigos científicos, 8 (oito) Trabalhos de Conclusão de Curso - TCC de graduação e pós-graduação, e 173 (cento e setenta e três) resumos em anais de eventos” que tratam sobre o VER-SUS. Maranhão (2013) diferente de nossa perspectiva de pesquisa que se focaliza nos sujeitos que participam do VER-SUS atualmente pretende resgatar a trajetórias dos sujeitos que participaram do Projeto-Piloto do VER-SUS em 2003 e edições iniciais que foram logo posteriores. Os autores das dissertações: Torres (2009), Valença (2011); e da tese: Bilibio (2009); estiveram implicados com o processo de organização das experiências VER-SUS/RS 2002, VER-SUS/RN 2006-2009 e VER-SUS/Brasil 2003-2005 que analisaram respectivamente e apontam na: “(...) tese de Bilibio (2009, p.5) vem no sentido de realizar um exercício de problematização (...) de encontros oportunizados pelo VER-SUS, formulação na perspectiva da micropolítica do processo de trabalho em saúde e que podem ser endereçadas à formação de profissionais de saúde. Como principais resultados e/ou considerações acerca da temática VER-SUS Torres (2005) e Valença (2011) elaboraram acerca de elementos como: caracterização dos estágios de vivência; proposição metodológica dos estágios; relação do VER-SUS com os cenários e práticas de ensino/aprendizagem tradicionais; contribuições do VER-SUS para mudanças na formação de profissionais de saúde e aproximação com a comunidade; relação do VER-SUS com metodologias ativas e/ou problematizadoras de aprendizagem; e importância dos estudantes facilitadores no VER-SUS como condutores da aproximação dos estudantes com o SUS (MARANHÃO, 2013, p. 45).

Nestas produções os autores apresentam o VER-SUS como: “espaços de encontros entre estudantes e determinadas realidades (Torres, 2005, p.71)” de experimentações micropolíticas que deixam “um rastro de signos e serem traduzidos, a serem interpretados” (Bilibio 2009, p.30) em “contextos que envolvem a formação de profissionais de saúde com corações e mentes voltados para o SUS” (Valença 2011, p. 26). Dos artigos publicados, três deles: Alves; Cardoso; Dimkoski (2005); Canônico; Brêtas (2008); e Mendes et al. (2012) tratam do relato de experiências; e o quarto Riquinho; Capoani, (2002) se trata de uma pesquisa realizada com estudantes egressos da experiência VER-SUS de forma qualitativa. Os resultados explicitados pelos mesmos indicam que:


43 Os principais resultados e/ou considerações apresentadas nos artigos sugerem a importância da vivência no cotidiano de sistemas e serviços de saúde proporcionada pelo VER-SUS; além da necessidade de mudança na formação profissional dos estudantes de graduação, no sentido de estimular o compromisso com o SUS, com a comunidade, com trocas de saberes entre diferentes profissionais; que a participação no VER-SUS acrescenta conhecimento individual aos estudantes no que se refere à discussão do SUS como política pública; que amplia a formação dos estudantes na medida em que este se aproxima de outras formações, pelo contato com estudantes, trabalhadores e com usuários; que promove uma formação comprometida por meio da articulação de aspectos éticos, técnicos, políticos e de relacionamento interpessoal; e por fim, reforça a importância do movimento estudantil na construção das experiências VER-SUS, assim como a experiência VER-SUS incentiva o estudante a participar de movimentos sociais, em especial, movimento estudantil (MARANHÃO, 2013, p. 6).

Quanto as Trabalhos de Conclusão de Curso - TCC, Maranhão (2013) denota que teve problemas em ter acesso porque 4 (quatro) dos 8 (oito) TCC‟s que abordam o VER-SUS “quatro não disponibilizam sequer o resumo pelo sitio da biblioteca, o que dificultou a análise de revisão”. Mesmo assim, pode-se perceber de que se tratavam de 5 (cinco) trabalhos de graduação: Souza (2004); Leal (2005); Garcia (2005); Guimarães (2006); e Tomimatsu (2006); e de 3 (três) de especialização Rocha (2004); Souza (2009); e Santos (2009). Maranhão (2013) com base nisso aponta que das produções de que teve acesso: Quanto aos objetivos e metodologias não foi possível analisar pela indisponibilidade de acesso aos textos completos e/ou resumos das obras. Pode-se supor, analisando os títulos dos trabalhos3, que a discussão sobre o VER-SUS ocorreu nos TCC‟s, tanto a partir de perspectivas estudantis como de gestões municipais. Além disto, houve proposta de análise comparativa entre VER-SUS e Projeto Rondon (MARANHÃO, 2013, p. 7).

No que se refere aos 173 (cento e setenta e três) resumos em anais de eventos que Maranhão (2003, p.8) analisou por tratarem sobre o VER-SUS, a autora explicita que não “(...) houve sucesso nessa pesquisa porque a organização da busca dos trabalhos aprovados solicita o preenchimento de no mínimo três itens dos cinco possíveis, sendo eles: palavra contida no título, palavra contida no resumo, autor, coautor e instituição”. Ora, a pesquisadora não sabendo de antemão o nome dos autores, dos coautores e instituição de origem de quem escreveu os resumos não pode ter acesso a possíveis resumos e anais que tenham abordado o VER-SUS. Entretanto, a própria Associação Brasileira Rede Unida, um dos agentes implicados na realização do VER-SUS, vem organizando congressos para debater a parceria entre as IES, serviços de saúde e organizações comunitárias. Com isso então Maranhão (2003, p.8) teve acesso e pode realizar a análise específica sobre resumos e anais:


44 Os resumos apresentados do 6º ao 8º congresso são referentes às experiências do VERSUS/ Brasil de 2003-2005; os resumos do 9º Congresso tratam, em sua maioria, de duas vivências específicas - VER-SUS/GHC (julho de 2009 - RS) e VERSUS/UNISC (janeiro de 2010-RS), e ainda do EVSUS (dezembro de 2009 – BA); os resumos do 10º Congresso, onde é possível observar um aumento expressivo no número de trabalhos, se referem em grande parte, as experiências do VERSUS/Brasil 2011-2012, também apresentando outras modalidades de VER-SUS. É necessário informar que no último congresso da Rede Unida analisado houve um evento específico para apresentação de trabalhos sobre VER-SUS, intitulado Mostra de Experiências VER-SUS/Brasil, que contemplou 140 trabalhos do total de 148 apresentados em todo o 10º Congresso (Maranhão, 2003, p.8).

Maranhão (2003) classificou os artigos com base então nas suas ênfases de estudo vindo a elaborar o seguinte gráfico: Ilustração 8: Gráfico dos resumos sobre o VER-SUS nos Congressos Rede Unida:

Fonte: Congressos Rede Unida – 6º ao 10º- junho de 2013. Elaboração: Maranhão, 2013. Após esta breve revisão bibliográfica de como vem sendo abordado o assunto VERSUS nos meios acadêmicos; percebemos que existem algumas contribuições que uma análise sociológica pode vir a contribuir para que se descortine uma análise crítica das relações de sociabilidade e constituição de identidades dos sujeitos em formação na área da saúde no que condiz aos discursos ideológicos que são referendados através dos aparatos estatais e universitários na realização das Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde. Pelo que se percebeu através da revisão bibliográfica realizada por Maranhão (2003), ainda não foi proposto uma “relacionabilidade”, ao invés de generalizações, conforme concebe Bell (2008, p.18), de que discursos estão estes assumidos como sendo dos aparatos estatais, sociais e das próprias IES no que condiz a formação de recursos humanos no campo da saúde nestes espaços que se alcunham ser de vivência e estágios da realidade.


45 3. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO Depois de termos evidenciado o que entendemos por aparatos estatais e universitários que estão relacionados ao nosso objeto de pesquisa; julgamos importante apresentar sucintamente quais são as vertentes teóricas e metodológicas que nos abalizam em nossas construções conceituais. A vertente teórica da “virada linguística” ou do “giro linguístico” (dependendo de como é nomeado/a pelos diferentes autores e teóricos) é uma vertente teórica que “foi precipitada por críticas ao positivismo, pelo prodigioso impacto das idéias estruturalistas e pós-estruturalistas e pelos ataques pós-modernistas à epistemologia (GILL in BAUER; GASKELL, 2002, p.245)”: “Giro linguístico" e uma expressão que esteve em moda nos anos 1970 e 1980 para designar uma certa mudança que ocorreu na filosofia e em várias ciências humanas e sociais, e que as estimulou a dar uma atenção maior ao papel desempenhado pela linguagem, tanto nos próprios projetos dessas disciplinas quanto na formação dos fenômenos que elas costumam estudar (GRACIA in IÑIGUEZ, 2004, p.19).

Descendendo de várias correntes teóricas que lhe foram anteriores, o giro linguístico tem na verdade uma origem muito anterior às décadas de 70 e 80 do século passado. Ela já insinua sua gênese no século XIX com Ferdinand de Saussure, que imiscuído de pressupostos hegelianos vai tencionar estudar a língua por si mesma e em si mesma: A primeira dessas rupturas, liderada por Ferdinand de Saussure (1857-1913), instituiu, na verdade, a linguística moderna, dotando-a de um programa de alguns conceitos e de uma metodologia que viabilizavam o estudo rigoroso da língua considerada “por si mesma e em si mesma” (GRACIA in IÑIGUEZ, 2004, p.21).

A segunda contribuição para que o “giro linguístico” viesse a ser concebido, partiu da escola descritivista proposta por Gottlob Frege e Bertrand Russel, que segundo Laclau in Amaral & Burity (2006, p. 26), apregoava que os “nomes se referem às coisas através da mediação dos conceitos” e não como a escola anti-descritivista viria a criticar posteriormente formulando que se “aplicamos um nome a um objeto sem que o nome implique em quaisquer características descritivas”: A segunda ruptura, iniciada por Gottlob Frege (1849- 1925) e por Bertrand Russell (1872-1970), fez com que o olhar da filosofia, até então voltado para o mundo interior e privado das entidades mentais, se voltasse para o mundo passível de ser objetivado e público das produções discursivas. Assentavam-se, assim, as bases para uma nova forma de entender e de praticar a filosofia que, sob a denominação de "filosofia analítica", dominaria o cenário da filosofia anglo-saxã durante mais de meio século (GRACIA in IÑIGUEZ, 2004, p.21).


46 Desse modo a linguística passa a ser mote de interesse de diversas vertentes teóricas e disciplinares que percebem a importância que a linguagem e suas utilizações implicam em seus estudos e formulações. Nas Ciências Sociais e Humanas não foi diferente. Por diferentes influências o giro linguístico influenciou autores como Ludwig Wittgenstein (1889-1951), Gilbert Ryle (1900-1976), John Austin (1911-1960), Peter Strawson (1919), Paul Grice (1913-1988), Noam Chomsky (1928-) e outros em diferentes vertentes teóricas: Os sucessos alcançados pela linguística moderna, tanto no marco da orientação estruturalista iniciada com as contribuições de Ferdinand de Saussure, quanto no marco da orientação generativa elaborada fundamentalmente por Noam Chomsky (1928-) no final dos anos 1950, tiveram ampla repercussão em vastos setores das ciências sociais e humanas que viram na linguística um modelo exemplar ao que podiam recorrer diretamente quando abordavam os objetos de suas próprias disciplinas (GRACIA in IÑIGUEZ, 2004, p.21-22).

A recorrência da linguística, segundo Gracia in Iñiguez (2004, p.46), priorizaria a substituição da “relação „ideias/mundo‟ pela relação „linguagem/mundo‟ e. afirma que para entender tanto a estrutura de nosso pensamento quanto o conhecimento que temos do mundo e preferível olhar para a estrutura lógica de nossos discursos”. Desse modo o papel da linguagem junto as Ciências Sociais foi reconhecido de diferentes maneiras e modos nos aspectos teóricos e metodológicos de utilização da mesma: O papel da linguagem nas ciências sociais foi reconhecido inicialmente quando se percebeu que leva-la em consideração poderia ter um grande interesse metodológico para o desenvolvimento da ciência e dos pensamentos sociais. Naquele momento, aproveitaram-se das experiências acumuladas da linguística e dos estudos da comunicação para completar, e as vezes substituir, o arsenal de técnicas e procedimentos metodológicos disponíveis. Surge assim o uso de métodos como a Análise de Conteúdo (...) e as várias modalidades da Análise do Discurso (...) (IÑIGUEZ, 2004, p.97).

A linguagem então “não é vista como um mero epifenômeno, mas como uma prática em si mesma. As pessoas empregam o discurso para fazer coisas (...). Realçar isto é sublinhar o fato de que o discurso não ocorre em um vácuo social (GILL in BAUER; GASSKELL, 2002, p.248)”. Desse modo a “expressão processo discursivo passará a designar o sistema de relações de substituição, paráfrases, sinonímias, etc., que funcionam entre elementos linguísticos – “significantes” – em uma formação discursiva dada (PÊCHEUX, 1995, p.161)”. Os diferentes processos discursivos podem então ser utilizados para análise das relações que se estabelecem no social através das práticas significantes dos indivíduos. Essas relações demonstrariam a existência material da ideologia junto aos processos discursivos:


47 A existência da ideologia é, portanto, material porque as relações vividas, nela representadas, envolvem a participação individual em determinadas práticas e rituais no interior de aparelhos ideológicos concretos. Em outros termos, a ideologia se materializa nos atos concretos, assumindo com essa objetivação um caráter moldador das ações (BRANDÃO, 1993, p.23).

Retomamos aqui então as teses de Althusser sobre a ideologia que já utilizamos em nossa publicação anterior (FÜHR, 2013). Elas agora são transpostas para a linguagem em função do giro linguístico que Michel Pêcheux possibilitou a análise estruturalista de Althusser. O interessante é que com este giro temos também a retomada do que seria indivíduo, ou melhor do indivíduo que já é sempre sujeito em função da ideologia que o interpela desde sempre a posição de sujeito através do efeito retroativo: Na verdade, o que a tese “a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos” designa é exatamente que “o não-sujeito” é interpelado-constituído em sujeito pela ideologia. Ora, o paradoxo é, precisamente, que a interpretação tem, por assim dizer, um efeito retroativo que faz com que todo indivíduo seja “sempre-já-sujeito”; ao examinar os diferentes elementos com os quais nos deparamos no começo da segunda parte deste trabalho (PÊCHEUX, 1995, p.155).

Segundo Brandão (1993, p.63), Pêcheux parte das teses de Althusser para demonstrar que a ideia de sujeitos “implicam uma dimensão social mesmo quando no mais íntimo de suas consciências realizam opções morais e escolhem valores que orientam sua ação individual” denotando em suas práticas discursivas e materiais a interpelação ideológica que lhes reinscrevem. Para Pêcheux (1995, p. 73) o “ideológico, enquanto “representação” imaginária, está, por essa razão, necessariamente subordinada às forças materiais que dirigem os homens (as ideologias práticas, segundo a terminologia de Althusser), reinscrevendo-se nelas”. Desse modo as ideologias não representam puras concepções de ideias que estabelecem uma mediação entre teoria e prática. As ideologias tem uma materialidade prática e discursiva que lhes são inerentes. Nesse sentido, não há um discurso ideológico, mas todos os discursos o são. Essa postura deixa de lado uma concepção de ideologia como “falsa consciência” ou dissimulação, mascaramento, voltando-se para outra direção ao entender a ideologia como algo inerente ao signo em geral (BRANDÃO, 1993, p.27).

O giro linguístico desenvolvido por Pêcheux através de Althusser avança para além da concepção negativa que se convencionou formular da ideologia através das leituras marxianas. Não que a concepção marxiana de ideologia deva ser relegada, mas sim de que a


48 percepção de que a ideologia extrapola o mascaramento, a “lente invertida” ou da “falsa consciência”; e alcança os signos em geral que estão presentes nos diferentes processos discursivos existentes junto ao meio social em que os indivíduos desde sempre já sujeitos se encontram. Os sujeitos, desde sempre já sujeitos, perpassariam então um processo de sua identificação com determinadas formações discursivas em detrimento de outras: A identificação do sujeito do discurso com a formação discursiva que o domina constitui o que Pêcheux chama a “forma-sujeito”. A forma-sujeito é, portanto, o sujeito que passa pela interpelação ideológica ou, em outros termos, o sujeito afetado pela ideologia (BRANDÃO, 1993, p.65).

Os diferentes discursos existentes interpelam através da ideologia a “forma-sujeito” que a identificação possibilita resultar. A posição então fica clara como afirma Orlandi (1987, p. 224) quando “(...) todo discurso deve ser referido a uma formação ideológica, isto é, há uma relação necessária entre discurso e ideologia”. Desse modo não existe dicotomia entre discurso e prática ou entre ideologia e sujeito. Sendo todo sujeito desde o princípio um sujeito em razão da ideologia expressada em práticas e rituais que o sobredeterminam, a noção de indivíduo da modernidade é suplantada já que a noção moral independente e autônoma não é possível em seu âmago: Podemos pensar então que o individualismo é uma ideologia moderna que apregoa a subordinação do indivíduo à totalidade social, assim se divulga um ser moral independente e autônoma sem qualquer responsabilidade ou implicação com as questões sociais e políticas, características essas, por assim dizer, do indivíduo moderno (LARA JR., 2010, 75-76).

Dessa forma as noções de indivíduo e sociedade não são possíveis em suas essências positivistas tal como havia sido criticado nas postulações de Adorno (2008). Elas são construções teóricas somente possíveis enquanto práticas articulatórias e de relação. A ideologia se evidencia nos discursos que definem as relações estabelecidas nas práticas dos indivíduos desde sempre já sujeitos. Esta é a proposição radical que a dialética presente na Escola de Frankfurt e em releituras pós-estruturalistas do giro linguístico apresentam. A identificação dos sujeitos com determinadas práticas e discursos são sobredeterminadas pelas ideologias e não dadas pelo acaso. A sobredeterminação não atua no cerne, mas no limite do social em que os discursos e as práticas são ritualizados e estabelecidos reciprocamente e não essencializados de forma a prezar a conservação positivista.


49 3.1 O CAMPO DE PESQUISA Apresentamos anteriormente a importância que as Ciências Sociais possibilitam para os estudos e os debates atuais do campo da saúde. A saúde em sua abrangência ampliada de implicações e determinantes permitem inúmeros canais de diálogo não somente com as Ciências Sociais, mas com outros campos disciplinares correlatos. Uma aparente dicotomia se apresenta aos pesquisadores tanto das Ciências Sociais como do campo da saúde. A dicotomia inexata entre qualitativo – quantitativo se insurge como se ambos fossem totalmente contraditórios e como se nas pesquisas qualitativas não houvesse nenhum tipo de dado quantitativo e vice-versa: Trazendo o debate do “qualitativo” para o campo da Saúde presencia-se o eclodir de questões semelhantes às do âmbito maior das Ciências Sociais. Isso se deve ao fato, em primeiro lugar, de que a saúde não institui nem uma disciplina nem um campo separado das outras instâncias da realidade social (...) (MINAYO, 2000, p. 21).

Por isso a denotação “qualitativa” em nossa perspectiva metodológica de pesquisa, se refere muito mais a uma predisposição do pesquisador em si do que uma oposição contraditória as pesquisas “quantitativas” por excelências assim descritas. Ao inserirmos o termo “qualitativo” em nossa abordagem de pesquisa, estamos nos predispondo a uma relação atitudinal de abertura, flexibilidade, capacidade de observação e principalmente de interação com o grupo de sujeitos sociais envolvidos durante o percurso do estudo agora apresentado. A investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais a abertura, a flexibilidades, a capacidade de observação e de interação com o grupo de investigadores e com os atores sociais envolvidos. Seus instrumentos costumam ser facilmente corrigidos e readaptados durante o processo de trabalho de campo, visando às finalidades da investigação. Mas não se pode ir para a atividade de campo sem se prever as formas de realiza-lo. Improvisá-lo significaria correr o risco de romper os vínculos com o esforço teórico de fundamentação, necessário e presente em cada etapa do processo de conhecimento (MINAYO, 2000, p. 101).

Tendo por base a proposta de pesquisa elencada, denota-se que o estudo aqui apresentado se delineará como sendo de forma descritiva e elucidativa. Nessa configuração, optamos pela modalidade de pesquisa que julgamos mais apropriada a ser utilizada que acreditamos ser a AD porque em nossa abordagem teórica “dissemos mais acima que “os indivíduos são „interpelados‟ em sujeitos falantes (em sujeitos de seu discurso) por formações discursivas que representam „na linguagem‟ as formações ideológicas que lhe são correspondentes” tal como Pêcheux (1995, p.214) nos permite pensar:


50 O conceito básico para a AD é o de condições de produção. Essas condições de produção caracterizam o discurso, o constituem e como tal são objeto da análise. Essa modificação na perspectiva do objeto traz consigo a necessidade de se ver a enunciação não como desvio mas como processo constitutivo da matéria enunciada (ORLANDI, 1987, p.110).

Ao utilizarmos então a AD, como modalidade de pesquisa, não adentramos numa perspectiva estreita como uma crítica rápida poderia auferir. Ao enfocarmos as condições de produção não nos limitamos à perspectiva estruturalista do “sujeito da produção”, mas também potencializamos uma perspectiva pós-estruturalista da “produção do sujeito” em seus contextos de discursividades e práticas materializadas tal como Zizek (2003) propõe esta superação dicotômica e conceitual hoje presente nos debates teóricos e metodológicos: O que também nos permite colocar a questão do sujeito de maneira radicalmente diferente em relação ao “pós-estruturalismo”. O gesto fundamental do “pósestruturalismo” é a inversão do tema do “sujeito da produção” na “produção do sujeito”: “o sujeito da produção” (centro autônomo, ativo, produtivo, que se objetiva e produz seu mundo) é ele mesmo, produzido, efeito específico do processo textual trans-subjetivo – o efeito-sujeito, que são as diversas “posições do sujeito”, os diversos modos da “vivência”, da cegueira com que os indivíduos se concebem como “autores” do processo histórico (ZIZEK, 2003, p.207).

Ainda conforme Orlandi (1987, p.13), “a AD problematiza a atribuição de sentido(s) ao texto, procurando mostrar tanto a materialidade do sentido como os processos de constituição do sujeito, que instituem o funcionamento discursivo” presentes nos diversos modos de “vivência”. Nesse enfoque, nosso objeto de estudo, o VER-SUS, através da abordagem da AD, seria analisado justamente nas atribuições de sentidos discursivos e práticos presentes nos diversos textos que são produzidos pelos sujeitos antes, durante e após a “vivência” ora pesquisada. Na perspectiva metodológica da AD quando se especifica o termo texto, não se faz menção exclusivamente aos textos escritos. A Escola Francesa da AD, seguindo os pressupostos de Pêcheux, veio a propiciar a abrangência de outros elementos discursivos e textuais na constituição de um corpus composto de diversas fórmulas. Sejam elas escritas ou transcritas em documentos, oralidades ou formulações: Como enfatizou a Escola Francesa, qualquer tipo de produção discursiva pode constituir um corpus, embora os aspectos que são mais enfatizados pelas distintas práticas de análise variem. (...) De forma sucinta, podemos dizer que o corpus corno materialização do texto admite uma grande diversidade de fórmulas. Assim, são possíveis conversações transcritas, interações institucionais transcritas, entrevistas transcritas. Ou seja, enunciados totalmente orais ou textos previamente escritos como artigos, documentos, informes, comunicados, estudos, formulários, etc. (IÑIGUEZ, 2004, p.131).


51 A constituição de um corpus abrange, portanto uma gama bem variada de tipos textuais, que para além dos documentos escritos, também incorpora todos os documentos transcritos a partir de entrevistas em suas diferentes formas de obtenção. A AD enquanto um tipo específico de pesquisa consegue através da textualidade dos diferentes documentos escritos e transcritos comporem um corpora linguístico com os dados obtidos: A palavra corpus (latim; plural corpora) significa simplesmente corpo. Nas ciências históricas, ela se refere a uma coleção de textos. (...) Em resumo, embora signifique em textos mais antigos um “corpo de um texto”, implique a coleção completa de textos, de acordo com algum tema comum, mais recentemente o sentido acentua a natureza proposital da seleção, e não apenas de textos, mas também de qualquer material com funções simbólicas (...). O corpus linguístico, contudo, oferece uma discussão mais sistemática. O que são corpora de linguagem? Corpora no sentido linguístico, são coleções de dados de linguagem que servem para vários tipos de pesquisa (BAUER; GASKELL, 2002, p.44-45).

Em nossa pesquisa pretendemos compor um corpus com um corpora no sentido linguístico do termo que contemple entrevistas semi-estruturadas e observações participantes inscritas em diário de campo com sujeitos que estejam à frente do VER-SUS. Sujeitos que estejam participando junto aos coletivos estudantis da região gaúcha metropolitana e interiona do RS. Pretendemos também contemplar os sujeitos que direta ou indiretamente representem os diferentes aparatos estatais e sociais (representantes municipais, estaduais, nacionais e da Rede Unida) que atuam ou atuaram (memória discursiva) na realização do VER-SUS: Mobiliza-se, assim, no interior da Análise do Discurso, a noção de memória discursiva. Essa noção implica o estatuto histórico do enunciado inserido nas práticas discursivas reguladas por aparelhos ideológicos de Estado (BRANDÃO, 1993, p.79).

Conforme Bell (2008, p.136) uma “das principais vantagens da entrevista é sua adaptabilidade”, assim como também a AD é bem adaptável aos diferentes textos discursivos circunscritos a um objeto de estudo. Essa adaptabilidade deve estar vinculada também ao princípio ético na conduta das entrevistas. A ética ao entrevistar deve nos guiar nesta trajetória de interação que é a premissa do termo “qualitativo”. Premissa esta que defendemos como sendo a relação atitudinal que teremos não somente com os sujeitos envolvidos, mas também com as situações práticas e discursivas que dela decorrerem: A premissa básica, em ambos os casos, é de que entrevista não é simplesmente um trabalho de coleta de dados, mas sempre uma situação de interação na qual as informações dadas pelos sujeitos podem ser profundamente afetadas pela natureza de suas relações com o entrevistador (MINAYO, 2000, p. 116).


52 Mesmo não sendo a entrevista uma técnica de fácil manejo, iremos a utilizar de um modo mais espontâneo que é a sua configuração semi-estruturada. Configuração esta que potencializa ao entrevistador a condição de explorar questões que em princípio não haviam sido aventadas quando estruturou as questões prévias das entrevistas. Ao nos ambientarmos no escopo das pesquisas qualitativas, e na modalidade da AD para tratamento dos dados, temos que ter em mente que os sujeitos participantes da pesquisa enquanto entrevistados não representarão estatiscamente o universo existente dos coletivos estudantis que realizam e organizam o VER-SUS junto aos aparatos estatais brasileiros. A escolha de nossos sujeitos de pesquisa tentará alcançar oito indivíduos que sejam interpelados em seus papéis de membros atuantes tanto nos coletivos estudantis assim como o de membros que atuam ou atuaram em aparatos estatais, universitárias e da sociedade civil presentes na realização e organização do VER-SUS: Na AD, "representativo" não significa que o/a participante é estatisticamente representativo/a da população considerada, ou que esteja próximo a média em idade, status socioeconômico, etc. Ao contrario, significa que o/a participante esta atuando como se estivesse no "papel" no sentido de que o que é importante sobre essa pessoa em concreto que participa de uma interação não são suas qualidades pessoais e sim o fato de que e membro de um grupo ou coletivo (IÑIGUEZ, 2004, p.136-137).

Além das entrevistas semi-estruturadas, pretendemos examinar as percepções dos sujeitos sociais partícipes do VER-SUS. Intenção esta alcançada em certa medida nas entrevistas, mas que pretendemos aprofundar nas observações participantes das vivências. Segundo Minayo (2000, p.101) a “investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais a abertura, a flexibilidades, a capacidade de observação e de interação com o grupo de investigadores e com os atores sociais envolvidos”: Os discursos articulam o conjunto de condições que permitem as práticas: constituem cenários que passam a facilitar ou a dificultar as possibilidades, que fazem surgir regras e mantém relações. Definitivamente, as praticas discursivas deixam claro que falar não só e algo mais como também e algo diferente de exteriorizar um pensamento ou descrever uma realidade: falar e fazer algo, e criar aquilo de que se fala, quando se fala (IÑIGUEZ, 2004, p.94-95).

A observação participante em diário de campo virá preencher uma função muito importante em nossa pesquisa. Logo após a realização de nossas entrevistas semi-estruturadas pretendemos ir a campo para que junto às reuniões dos coletivos estudantis e durante a própria vivência do VER-SUS que acontecerá nas férias de verão de 2015, possamos de fato confrontar as produções discursivas transcritas e escritas dos sujeitos com as produções


53 discursivas dos sujeitos em suas ações e práticas que também evidenciarão um corpus de corpora linguístico: Com outras palavras, se por um lado devemos ser diferentes, dignos, independentes, por outro somos iguais aos demais, semelhantes a eles em quase tudo e dependentes deles/delas. Como manter essa contradição? Como as práticas sociais mantêm e propagam as enormes diferenças que estão a base da relação social? Definidos esses extremos, já podemos buscar o material que exemplificará os discursos que se relacionam com a construção da identidade (IÑIGUEZ, 2004, p.136).

Com os dados obtidos nas entrevistas semi-estruturadas e nas observações participantes pretendemos tratar os mesmos com um tipo de análise que vá de encontro com uma abordagem ampliada das relações possíveis que se estabelecem no campo da Saúde com o das Ciências Sociais: a Análise do Discurso. Fundada pelo filósofo francês Michel Pêcheux na década de 60, a AD propicia realizar um tratamento dos dados que dê conta não somente de refletir sobre a produção de determinados discursos, mas de compreender as condições que possibilitaram sua emissão: O objetivo básico da Análise do Discurso é realizar uma reflexão geral sobre as condições de produção e apreensão da significação de textos produzidos nos mais diferentes campos: religioso, filosófico, jurídico e sócio-político. Ela visa a compreender o modo de funcionamento, os princípios de organização e as formas de produção social do sentido (MINAYO, 2000, p. 211).

Assim a AD está muito mais voltada para o contexto e a produção de sentidos que os diferentes discursos suscitam junto aos sujeitos. Aponta Minayo (2000, p.212) que AD articula três regiões do pensamento: 1) o Materialismo Histórico (como teoria das transformações e da ideologia presente nas formações sociais); 2) a Linguística (enquanto teoria dos processos de enunciação e dos mecanismos sintáticos); 3) e a Teoria do Discurso (enquanto teoria dos processos semânticos e sua determinação histórica). Esta articulação entre as abordagens do Materialismo Histórico, a Linguística e propriamente uma Teoria do Discurso, possibilitariam revelar quais são as condições materiais com que discursos e práticas são produzidos. Em outras palavras quais seriam os significantes utilizados em detrimento de outros possíveis e no que eles implicam em termos de apropriação por parte dos sujeitos que sequenciam os enunciados em questão: Todo enunciado, toda sequência de enunciados é, pois, linguisticamente descritível como uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar a interpretação. É nesse espaço que pretende trabalhar a análise de discurso (PÉCHEUX, 1990, p.53).


54 Assim, principiando em Althusser, em diálogo com Lacan e demais autores que abordam as implicações da Linguagem em seus estudos, Michel Pêcheux e demais intelectuais adeptos da AD visam ressaltar os efeitos ideológicos que uma cadeia de significantes (não mais percebidos como significados, já que todo significado corresponde a outro significante e não a outro significado), com os quais as palavras são empregadas nos discursos e em seus contextos: Como todas as evidências, inclusive aquelas que fazem com que uma palavra „designe uma coisa‟ ou „possua um significado‟ (portanto inclusas as evidências da „transparência‟ da linguagem), a evidência de que vocês e eu somos sujeitos – e que isto não constitua um problema – é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar (ALTHUSSER, 1985, p. 88).

Os efeitos ideológicos elementares se constituiriam então na utilização de palavras significantes junto aos discursos que somente refletiriam intencionalidades, mas não se refletiriam em práticas reais das materialidades constituídas dos contextos reais em que os sujeitos atuam. O campo da saúde assim como outros campos do conhecimento e suas intersecções poderiam em estudos similares, dependendo do recorte de pesquisa realizado, evidenciar estes efeitos ideológicos elementares que a AD propõem como abordagem de análise dos dados obtidos em seus campos de estudo diversos. Orlandi (1987, p.11-13), que contribuiu para divulgar a AD no Brasil, ressalta a especificidade com que esta teoria cinde os sentidos tendo uma abordagem em que vise “(1) procurar problematizar as evidências e explicitar seu caráter ideológico, revela que não há discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia; (2) denuncia o encobrimento das formas de dominação política que se manifestam numa razão disciplinar e instrumental”. Assim a abordagem proposta pela AD possibilita revelar os sentidos aparentemente cindidos do caráter ideológico do discurso e do encobrimento político que espaços discursivos possibilitam na sua lógica de conservação / estabilidade e não da de transformação / desestabilidade: Nesses espaços discursivos (que mais acima designamos como “logicamente estabilizados”) supõe-se que todo sujeito falante sabe do que se fala, porque todo enunciado produzido nesses espaços reflete propriedades estruturais independentes de sua enunciação: essas propriedades se inscrevem, transparentemente, em uma descrição adequada do universo (tal que este universo é tomado discursivamente nesses espaços) (PÉCHEUX, 1990, p.31).

Nossa intenção de estudo ao pretender pesquisar e revelar o que o que está “(...) em jogo é a identidade de um sujeito, de uma coisa ou de um acontecimento com respeito à


55 questão da interpelação identificação ideológica (...)” (PÊCHEUX, 1995, p.156) que ocorre com os estudantes que participam do VER-SUS, optamos por analisar em termos discursivos os elementos ideológicos das práticas estatais e universitárias presentes em sua formação conforme os dados obtidos em campo elucidará. Todas essas regras, as que são explicitas e as que não o são, são construídas e mantidas pelo discurso. No exemplo de uma instituição como a universidade, tanto os/as alunos como o corpo docente utiliza esse discurso. Mas na construção dessas regras também desempenha um papel importante o discurso implícito que mantém suas próprias identidades sociais como alunos/as e professores/as – por exemplo, o discurso da universidade, da sociedade que permite e privilegia essa educação, o pensamento racional, o respeito as pessoas mais velhas e mais qualificadas, etc. Esse aspecto nos leva a uma questão-chave: não existe nenhum discurso que seja independente dos demais, um discurso nunca existe por si mesmo sem estar ancorado em algum outro. Em quase todas as correntes discursivas aceita-se a idéia de que cada discurso esta relacionado com outros. Esse fenômeno e conhecido pelo termo "intertextualidade" e é uma característica importante do material com que se realiza uma AD (IÑIGUEZ, 2004, p.135).

A intertextualidade que propomos abordar em nossa pesquisa se vincula aos diversos discursos que se apresentam na formação em saúde e que estão presentes na produção discursiva dos sujeitos inscritos junto aos aparatos estatais e universitários. Uma intertextualidade que se imbrica no VER-SUS já que os sujeitos que participam das vivências continuam estudantes de suas IES e discursos, mas também entram em diálogo com os aparatos estatais municipais, estaduais e nacionais que se articulam para a efetivação do projeto político em questão nesta pesquisa. Tentamos descrever de forma mais sucinta possível do que se trata ser o VER-SUS nas páginas acima. O prosseguimento de nossa pesquisa pretende fomentar a alternância entre os aspectos descritivos e interpretativos que se evidenciarão a partir da AD dos dados obtidos nas entrevistas semi-estruturadas e nos registros do diário de campo produzido a partir das observações participantes realizadas: Desse ponto de vista, o problema principal é de determinar nas práticas de análise de discurso o lugar e o momento da interpretação, em relação aos da descrição: dizer que não se trata de duas fases sucessivas, mas de uma alternância ou de um batimento, não implica que a descrição e a interpretação sejam condenadas e se entremisturar no indiscernível (PÉCHEUX, 1990, p.54).

Por Gill (in BAUER, GASKELL, 2002, p.246) nos indicar que embora “existam provavelmente ao menos 57 variedade de análise de discurso, um modo de conseguir dar conta das diferenças entre elas é pensar em tradições teóricas amplas”, seguimos a classificação proposta por Iñiguez (2004, p.111) que segmenta a AD em cinco grandes tradições metodológicas desta modalidade de pesquisa: “a) a Sociolinguística Interacional; b)


56 a Etnografia da Comunicação; c) a Analise Conversacional; d) a Analise Crítica do Discurso (daqui em diante, ACD); e f) a Psicologia Discursiva”. Destas cinco tradições preferimos nos orientar pela ACD porque nela o discurso não só está determinado pelas instituições e estruturas sociais, mas é parte constitutiva delas. Ou seja, que o discurso constrói o social: (...) a ACD constitui uma estratégia para abordar os discursos segundo a qual a teoria não pré-configura nem determina a maneira de enfocar as analises, nem delimita o campo da indagação e da exploração. Ao contrario, a teoria é utilizada como uma caixa de ferramentas que permite formar e abrir novas visões e novos enfoques e onde o/a analista se converte em artífice graças a seu envolvimento com aquilo que estuda (IÑIGUEZ, 2004, p.118).

Ao propormos nossa vinculação estratégica de pesquisa junto a ACD reafirmamos nossa proposição inicial da ambientação metodológica qualitativa. Além de nos predispormos ao envolvimento e a participação junto aos sujeitos da pesquisa, também deixamos aberta as visões e os enfoques de análise junto ao campo de pesquisa a que nos propomos. Continuamos fiduciários da abordagem proposta pela AD, mas por acreditarmos que todo discurso seja uma prática social inscrita historicamente e espacialmente em uma dada conjuntura concreta e material, percebemos que a ACD seja das tradições gerais da AD, aquela que mais reflita tanto nossa predisposição de pesquisa, assim como também melhor se efetive junto ao nosso campo de pesquisa: Todo discurso é uma pratica social. De acordo com essas propostas, diremos que não estaremos falando tanto de discursos e mais de práticas discursivas que, como já observamos, são regras anônimas, históricas, determinadas temporal e espacialmente. Essas regras definiram, em uma época determinada, para comunidades concretas, as condições de qualquer enunciação daquilo que pode ser dito. Nessa mesma direção, diremos também que a AD e uma pratica e é uma pratica que não só desmascara ou identifica outras praticas discursivas, como também - e sobretudo - abre todo um caminho para sua transformação (IÑIGUEZ, 2004, p.147).

A ACD também se coaduna em grande medida com nossa perspectiva teórica porque não deixa de possibilitar a análise da interpelação ideológica que os discursos estatais e universitários possam suscitar junto aos sujeitos tanto dos coletivos estudantis, como também dos próprios sujeitos que articulam as práticas junto aos aparatos estatais. Portanto, a “análise de discurso é uma leitura cuidadosa, próxima, que caminha entre o texto e o contexto, para examinar o conteúdo, organização e funções do discurso (GILL in BAUER; GASKELL, 2002, p.266)” independente de onde ele proceda. Nosso foco será fazer o mesmo junto ao VER-SUS.


57 3.2 O CAMPO DA TEORIA Se tivéssemos possibilidade, teríamos que aqui aprofundar as questões latentes que Jacques Lacan (1901-1981) desenvolveu sobre o processo de identificação e demais contribuições importantes da Psicanálise desenvolvida por ele em diálogo com leituras marxianas. Pretendemos ainda ao longo de nossa pesquisa aprofundar leituras de Lacan que possam auxiliar em nossa pesquisa quanto aos processos de identificação dos sujeitos e outras contribuições pertinentes. Outro importante autor que desenvolveu teoricamente implicações que se tornaram pertinentes ao giro linguístico e sua virada junto as Ciências Sociais e Humanas foi Michel Foucault (1926-1984). Segundo Iñiguez (2004, p.92) “a partir de Foucault (1969), não se falará mais tanto de discursos e mais de práticas discursivas. Por práticas discursivas Foucault compreende regras anônimas, constituídas no processo histórico”. Mesmo tendo criticado fortemente os postulados estruturalistas, Foucault não teria desmerecido as historicidade dos processos, das práticas e das formações discursivas segundo Iñiguez (2004): Se renunciará, portanto, a ver no discurso um fenômeno de expressão, a tradução verbal de uma síntese efetuada por outra parte; ao contrario, se buscará nele um campo de regularidade para várias posições de subjetividade. O discurso assim concebido não e a manifestação, majestosamente desenvolvida, de um sujeito que pensa, que conhece e que o diz: é, ao contrário, um conjunto onde e possível determinar a dispersão do sujeito e sua descontinuidade consigo mesmo. É um espaço de exterioridade onde se desenvolve uma rede de âmbitos distintos (FOUCAULT, 1972, p.90).

As postulações de Foucault se concentram na verdade no descentramento do sujeito do discurso. Foucault (1972, p.122-123) postula inclusive que “em sua individualidade singular, um sistema de formação, portanto, é caracterizar um discurso ou um grupo de enunciados pela regularidade de uma prática”, ou seja, em sua crítica o pensador, assim como outros pósestruturalistas, não rechaça a relação entre os discursos e as práticas dos sujeitos, mas sim evidenciar no que eles se contextualizam: O pós-estruturalismo não rejeita simplesmente as coisas. Ele trabalha dentro delas para desfazer seus postulados exclusivistas de verdade e pureza. Assim, não é que o pós-estruturalismo rejeite o caráter [self], o sujeito, o “Eu” ou a intersubjetividade, como alguns afirmaram. Ao invés disso, eles devem ser vistos como tomando lugar em contextos históricos, linguísticos e experienciais mais amplos. Não é que não exista um “Eu”, é que ele não pode reivindicar-se como um âmago seguro. Outros sujeitos, a linguagem além do nosso controle e experiências que abalam nossos sentidos, operam sob nossas mais íntimas percepções e intuições (WILLIAMS, 2012, p.23).


58 Iñiguez (2004, p.91) chega inclusive a afirmar que para Foucault “o discurso é algo mais que a fala, algo mais que um conjunto de enunciados. O discurso é uma prática, e como no caso de qualquer outra prática social e possível definir as condições de sua produção”. Percebemos nas diferentes acepções teóricas do giro linguístico que os seus pensadores extrapolaram e muito as concepções saussureanas da língua por si mesma e em si mesma. Estudiosos passam a buscar uma compreensão do fenômeno da linguagem não mais centrado apenas na língua, sistema ideologicamente neutro, mas num nível situado fora desse pólo da dicotomia saussureana. E essa instância da linguagem é a do discurso (...). O ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos linguísticos é, portanto, o discurso (BRANDÃO, 1993, p.12).

Das diferentes postulações que generalissimamente são designadas como sendo fiduciárias do giro linguístico, uma delas em especial tenta dar conta da articulação dos processos ideológicos do discurso. Trata-se da Teoria do Discurso e das formulações sobre antagonismo, agonismo e articulação que vieram a ser elaboradas a partir da publicação da obra “Hegemonía y Estrategia Socialista: Hacia una radicalización de la democracia” de Ernesto Laclau (1935-2014) e Chantal Mouffe (1943-) publicada em 1985 em espanhol e inglês, mas que não conta ainda com uma tradução para o português. Nosso interesse por esta obra e suas elucubrações teóricas e conceituais decore e muito do diálogo que propomos em nosso trabalho anterior (FÜHR, 2013). Como já explicitado na justificativa do presente projeto, havíamos estudado um aparato estatal de fortes conotações com a perspectiva gramsciana do conceito de controle social: um CMS. Para procedermos à análise teórica e metodológica utilizamos o conceito althusseriano de ideologia. Desse modo aparentemente confrontamos duas vertentes teóricas e conceituais que eram distintas em suas percepções perante o Estado. Enquanto Gramsci tencionava em seus escritos formular uma teoria da hegemonia para superação dos aparatos estatais através da guerra de posições; Althusser posteriormente denunciou a profundidade com que os aparatos repressivos do Estado, e para além dele dos aparelhos ideológicos do Estado (que a priori não compunham sua estruturação) propiciavam a conservação das condições sociais tal como se encontravam. Dessas posições decorre que: (...) a ideologia é uma vã tentativa de impor um fechamento a um mundo social cuja característica essencial é a articulação infinita das diferenças e a impossibilidade de qualquer fixação última do sentido – expressa-se num quadro de referências em que a distinção tradicional do marxismo entre o conhecimento e o “desconhecimento” ideológico é preservada (para alguns, paradoxalmente) (BARRETT, 1996, p.259).


59 Entretanto se formos buscar em Laclau & Mouffe (1985) e sua obra já citada, perceberemos que a aproximação entre Gramsci e Althusser é muito mais plausível do que apenas sua ambientação junto ao campo marxiano de análises teóricas do social: Duas importantes consequências se seguem desta: a primeira, que a materialidade do discurso não pode encontrar o momento de sua unidade na experiência ou na consciência de um sujeito fundante, já que o discurso tem uma existência objetiva e não subjetiva; pelo contrário, diversas posições de sujeito aparecem dispersas no interior de uma formação discursiva. A segunda consequência é que a prática da articulação como fixação/deslocação de um sistema de diferenças tampouco pode consistir em meros fenômenos linguísticos, mas que deve atravessar toda a espessura material de instituições, rituais, práticas de diversas ordens, através das quais uma formação discursiva se estrutura. O reconhecimento desta complexidade e do caráter discursivo da mesma se foi abrindo caminho obscuramente no campo da teorização marxista, e adotou uma forma característica: a afirmação crescente, de Gramsci a Althusser, do carácter material das ideologias, no entanto que estas não são simples sistemas de ideias, mas que se encarnam em instituições, rituais, etc. (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 148) 5.

Tanto Gramsci como Althusser apesar de suas distâncias estão propondo indícios de que a ideologia não reflete apenas uma relação entre teoria e prática, mas que ela está intimamente ligada ao caráter material com que elas se encarnam em materialidades através de instituições, práticas e rituais. Gramsci já demonstra indícios de que a teoria marxiana precisa ser extrapolada para além de seus constructos teóricos básicos, para que possa explicar nuances sociais dos avanços da sociedade capitalista na primeira metade do século XX. Althusser, no início da segunda metade do século XX, tentou demonstrar o quanto poderia ser problematizado para além das relações entre sociedade política e sociedade civil em termos de sobredeterminação. Ambos, portanto, tentam evidenciar uma dispersão da materialidade ideológica com a qual o regime capitalista se hegemoniza. Tanto Gramsci quanto Althusser estão chamando a atenção para o fato de que de algumas categorias da análise marxiana precisam ser descentradas: O que, sem embargo, constituí um obstáculo para a plena explicitação teórica desta instituição foi que, em todos os casos, ela era aplicada às ideologias¸ é dizer, a formações cuja unidade era pensada sob o conceito de “superestrutura”. Se tratava, portanto, de uma unidade apriorística à respeito da dispersão de sua materialidade, o que exigia apelar já seu papel unificante de uma classe (Gramsci), já aos requerimentos funcionais da lógica da reprodução (Althusser). Mas uma vez que esta suposição essencialista é abandonada, é o status teórico da categoria de articulação que muda: a articulação é uma prática discursiva que não tem um plano de constituição a priori ou à margem da dispersão dos elementos articulados (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 149) 6.

5 6

Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado. Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado.


60 Laclau & Chantal (1985) após realizarem uma profunda revisão crítica das respostas revisionistas, que foram dadas pelos diferentes teóricos das vertentes marxianas, perante os problemas da relação entre a sociedade política e a sociedade civil, postulam que algumas categorias do pensamento gramsciano (tais como hegemonia, articulação e bloco histórico) somadas às de pensamento althusseriano (tais como sobredeterminação e aparatos repressivos e ideológicos do Estado) podem potencializar uma proposta de radicalização da democracia: Devemos, pois, começar analisando a categoria de articulação, que haverá de dar o ponto de partida para elaborar o conceito de hegemonia. A construção teórica desta categoria requer dois passos: fundar a possibilidade de especificar os elementos que entram na relação articulatória e determinar a especificidade do momento relacional em que a articulação como tal consiste. (…) Consideraremos, em tal sentido, a trajetória da escola althusseriana: radicalizando alguns de seus temas em uma direção que faça romper seus conceitos básicos, tentaremos estabelecer um terreno que nos permita construir um conceito adequado de “articulação” (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 133) 7.

Diferente do que propunha Durkheim (2002) onde “(...) as instituições se impõe a nós, aderimos a elas; elas comandam e nós as queremos; elas nos constrangem, e nós encontramos vantagem e seu funcionamento e no próprio constrangimento”; ou do que propunha Weber (1999, p.12) onde “(...) não são outra coisa que desenvolvimentos e entrelaçamentos de ações específicas de pessoas individuais, já que apenas elas podem ser sujeitos de uma ação orientada pelo seu sentido”; o debate da Teoria do Discurso que segue a vertente pós-Marx formulada por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, a partir de Gramsci e Althusser, adota uma abordagem dialética e relacional que não sobrepõe nem a sociedade e nem o indivíduo, agora já sujeito, mas sim, que estabelece uma relação recíproca e aberta entre ambos. Algumas abordagens explicativas refutam essa distinção realizada entre os três autores clássicos das Ciências Sociais. Concebem que Durkheim e Marx partem e estão na mesma premissa de que a sociedade interfere no indivíduo através da totalidade ou da estrutura. Por outro lado estaria Weber a defender a premissa oposta de que o indivíduo interfere e influi na sociedade. Discordarmos de tais abordagens porque as leituras acuradas dos escritos marxianos demonstram no quanto a dialética, desenvolvida por Marx em sua crítica inicial a Hegel, propicia a superação de qualquer abordagem que valorize em demasia o fator da estrutura perante as constituições dos indivíduos, hoje percebido como sujeito pelas teorias pós-estruturalistas que lhe sucederam. Por isso, Laclau & Mouffe (1985), enquanto pósestruturalistas avançam no sentido de refutar a ortodoxia de fixação de postulados marxianos: 7

Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado.


61 E, sem embargo, na formulação althusseriana original havia o anúncio de uma façanha teórica muito distinta: a de romper com o essencialismo ortodoxo, não através da desarticulação lógica de suas categorias e da consequente fixação da identidade dos elementos desagregados, mas da crítica a todo tipo de fixação, da afirmação do carácter incompleto, aberto e politicamente negociável de toda identidade (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 142) 8.

Desse modo as contribuições althusserianas propiciam o rompimento com o essencialismo ortodoxo de perceber as identidades dos indivíduos de forma fixa, possibilitando de contraponto a sutura entre incompletas identidades negociáveis e nunca fixas de indivíduos que se tornam sujeitos desde sempre em função da ideologia. Este pressuposto althusseriano é concebido sobre a ideia de sobredeterminação que o autor vai buscar da Psicanálise para dar conta desta concepção não essencialista do conceito de identidade. Frente a esta concepção que, ao identificar as diferenças com mediações necessárias na auto implantação de uma essência reduz o real ao conceito, a complexidade althusseriana é de natureza muito distinta: é a complexidade inerente a um processo de sobredeterminação. Este é o conceito chave introduzido por Althusser e, dado o uso indiscriminado e impreciso que posteriormente se tem feito do mesmo, é necessário precisar seu sentido originário e os efeitos teóricos que estava chamando a produzir no discurso marxista (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 134) 9.

Partindo destes aprofundamentos teóricos que as postulações pós-estruturalistas de Laclau e Mouffe propõem das releituras de Gramsci e Althusser, acreditamos que nos possibilitará referenciar teoricamente sobre aquilo que os coletivos estudantis que promovem o VER-SUS vem designando sobre o nome de articulação: A prática da articulação consiste, portanto, na construção de pontos nodais que fixam parcialmente o sentido; e o carácter parcial dessa fixação procede da abertura do social, resultante por sua vez do constante desdobramento de todo discurso pela infinitude do campo da discursividade (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 154) 10.

Os discursos presentes no campo da saúde influenciam de sobremaneira o campo da discursividade da formação em saúde. Os discursos hegemônicos que centram o sujeito médico e o espaço hospitalar articulam suas práticas, suas regras e seus rituais em fixações materiais de como os aparelhos ideológicos do estado, das instituições de ensino superior e da própria sociedade civil organizada em instituições sociais de saúde devem se estruturar para que estes dispositivos ideológicos continuem vigentes. Entretanto, mesmo sendo hegemônicos, estes dispositivos não abrangem a totalidade dos campos e suas discursividades. 8

Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado. Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado. 10 Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado. 9


62 O significante “formação em saúde” é significado de diferentes maneiras pelos diferentes elementos / momentos envolvidos em seu acontecimento. Os elementos do ensino e dos serviços são relacionados de forma precária e contingente na grande maioria das formações em saúde praticadas em território brasileiro. Entretanto, alguns sujeitos mobilizados em alguns aparelhos ideológicos estatais, universitários e sociais tencionam articulações que superem apenas esta relação dual e estreita da formação em saúde. Os elementos do controle social e da gestão em saúde são buscados e defendidos em práticas discursivas esparsas e ainda não constituídas em vários elementos / momentos que os diferentes sujeitos que participam do VER-SUS explicitam em suas lógicas discursivas: Pois bem, a partir da categoria discurso, podem-se compreender fenômenos sociais cuja constituição se dá através de uma lógica de articulação de elementos diferentes. No nosso exemplo, os elementos são diferentes grupos de estudantes ou se pensarmos de outra maneira, os diferentes discursos sobre a educação que esses grupos de estudantes representam (BURITY, 2008, p.45).

Os diferentes elementos do ensino, do serviço, da gestão e do controle social são ou não articulados de diferentes maneiras pelos diferentes contextos em que o significante da formação em saúde acontece e é significado junto aos diferentes aparatos ideológicos universitários, estatais e também sociais que disputam o campo desta discursividades existente. O VER-SUS enquanto projeto político se apresenta enquanto uma prática discursiva que pretende articular estes diferentes elementos da discursividade em saúde que estariam faltantes na articulação hegemônica da formação em saúde que se é teorizada na IES‟s e praticada junto ao SUS (leia-se Estado e seus âmbitos público e privado já que o sistema detém o controle de ambas as instâncias): Os acúmulos proporcionados pelo VER-SUS/Brasil ainda estão em fase de absorção pelo SUS, porém já se faz possível estimar a acentuada participação de estudantes em espaços de gestão, atenção, educação e controle social, articulada à política de implantação dos Pólos de Educação Permanente em Saúde (FERLA et. al., 2013, p.25).

A análise das práticas discursivas presentes na constituição identitária dos coletivos estudantis poderá revelar se as mesmas chegam ou não a se constituírem enquanto uma verdadeira articulação política e os seus graus de heterogeneidade ou homogeneidade com os aparatos ideológicos estatais, universitários e sociais que estão presentes na estruturação do VER-SUS, já que na “articulação política temos que uma certa heterogeneidade é irresistível, mas lógicas homogeneizantes, no entanto, a partir desta mesma heterogeneidade, podem criar novas identidades coletivas (LACLAU in AMARAL; BURITY; 2006, p. 36)”.


63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. 6. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1992. 127 p. ALVES, L. V. V.; CARDOSO, L. S.; DIMKOSKI, E. D. Percepção do Programa Saúde da Família a partir de estagiários do Projeto VER-SUS: vivências e estágios na realidade do Sistema Único de Saúde. Família, saúde e desenvolvimento, v.7, n.3, p.266-271, set.-dez. 2005. AMARAL JUNIOR, Aécio; BURITY, Joanildo A. (Org.). Inclusão social, identidade e diferença: perspectivas pós-estruturalistas de análise social. São Paulo: Annablume, 2009. 326 p. ARRETCHE, Marta. Estado federativo descentralização. Rio de Janeiro: Revan, 2000.

e

políticas

sociais:

determinantes

da

BARRETT, Michele. Ideologia, Política e Hegemonia: de Gramsci a Laclau e Mouffe. In: ADORNO, Theodor W. et al.; ZIZEK, Slavoj (Org.). Um Mapa da Ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p.235-264. BELL, Judith. Projeto de pesquisa: guia para pesquisadores iniciantes em educação, saúde e ciências sociais. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. 224 p. BILIBIO, Luiz Fernando Silva. Por uma alma dos serviços de saúde para além do bem e do mal: implicações micropolíticas à formação em saúde. 2009. 191 f. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2009. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/34741/000699267.pdf?sequence=1>. Acesso em: 26 maio 2013. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1993. 96 p. BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. 2. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2013. BURITY, Joanildo Albuquerque. Discurso, política e sujeito na teoria da hegemonia de Ernesto Laclau. In: MENDONÇA, Daniel; RODRIGUES, Léo Peixoto (Orgs.). Pós Estruturalismo e Teoria do Discurso: em torno de Ernesto Laclau. Porto Alegre, 2008, p.35-51. BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 jun. 2012. BRASIL. Lei nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm>. Acesso em: 17 jun. 2012.


64

BRASIL. Lei nº 8142, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8142.htm>. Acesso em: 17 jun. 2012. BRASIL. Ministério da Saúde Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa; FALEIROS, Vicente de Paula (Org.). A construção do SUS: histórias da reforma sanitária e do processo participativo. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 297 p.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Comissão de Representação do Movimento Estudantil da Área da Saúde. Projeto VER-SUS/Brasil: vivências e estágios na realidade do Sistema Único de Saúde. Brasília, 2004a. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Projeto VER-SUS/Brasil: relatório de avaliação do Projeto-Piloto. Brasília, 2004b. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa; FALEIROS, Vicente de Paula (Org.). A construção do SUS: histórias da reforma sanitária e do processo participativo. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 297 p. CANÔNICO, R. P.; BRÊTAS, A. C. P.. Significado do Programa Vivência e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde para formação profissional na área da saúde. Acta paulista de Enfermagem, v.21, n.2, p.256-261, 2008. CARVALHO, Guido Ivan de; SANTOS, Lenir. Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica de Saúde - Leis n. 8.080/90 e 8.142/90. 4. ed. São Paulo: UNICAMP, 2006. 271 p. CHAUI, Marilena. O que é ideologia? Editora Brasiliense, 22ª edição (1ª Ed. De 1980), São Paulo, 1986. CORREIA, Maria Valéria Costa. Que Controle Social? Os Conselhos de Saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. 162 p.

DA ROS M. A. A ideologia nos cursos de medicina. In: Marins J. J. N., Rego S., Lampert JB, Araújo J.G.C. (Orgs.). Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. São Paulo: Hucitec, 2004. p.224-244. DOIMO, Ana Maria. A voz e vez do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: ANPOCS, 1995. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 17. ed. São Paulo: Nacional, 2002. 128 p. ISBN 85-04-00226-8 EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 1997. 204 p.


65 FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A universidade em busca de sua identidade. Petrópolis: Vozes. 1977. FERLA, A. A., et al. Caderno de Textos do VERSUS/Brasil. Porto Alegre: Rede Unida, 2013. FERNANDES, Florestan. Universidade Brasileira: Reforma ou Revolução? São Paulo: Alfa – Ômega, 1975. 269 p. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1972. 256 p. FREGE, Gottlob. Investigações lógicas. Porto Alegre: PUCRS, 2002. 112 p. FÜHR, Jean Jeison. Repensando o público e o privado junto ao SUS. São Leopoldo: Oikos, 2013, 184 p. GRACIA, Tomas Ibanez. O "giro linguistico". In.: IÑIGUEZ, Lupicínio. Manual de análise do discurso em Ciências Sociais. Petropolis, RJ: Vozes, 2004. 312 p. GARCIA, A.R. O impacto do VER-SUS na minha formação. Monografia (graduação não informada) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, 2005. GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em ciências sociais. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. 107 p. GUIMARÃES, A. R. Novos sujeitos para novas práticas: a experiência gaúcha do VERSUS/Brasil. 2006. Monografia (Graduação em Farmácia) - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, RS, 2006. HEYWOOD, Andrew. Ideologias políticas: do liberalismo ao fascismo. São Paulo: Ática, 2010.

HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. 261 p. IBGE. Economia da saúde : uma perspectiva macro-econômica 2000-2005 / IBGE, Diretoria de Pesquisas Coordenação de Contas Nacionais. - Rio de Janeiro : IBGE, 2008. 137p. IBGE. Estatísticas da saúde : assistência médico-sanitária 2009 / IBGE, Departamento de População e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro : IBGE, 2010. 167p. INEP. Censo da educação superior: 2011 – resumo técnico. – Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2013. 114 p. ; tab. ISBN: 978-85-7863022-5 IÑIGUEZ, Lupicínio. Manual de análise do discurso em Ciências Sociais. Petropolis, RJ: Vozes, 2004. 312 p. JACOBI, Pedro. Movimentos sociais e políticas públicas: demandas por saneamento básico e saúde : São Paulo 1974-84. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993. 174 p.


66 KERSTENETZKI, Celia Lessa. Welfare State e Desenvolvimento. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 54, no 1, 2011, pp. 129 a 156. LACLAU, Ernesto & MOUFFE, Chantal. Hegemonía y Estrategia Socialista: Hacia una radicalización de la democracia. Londres: Verso, 1985. 246 p. LARA JUNIOR, Nadir. A Mística do MST como Laço Social. 2010. 158 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Pontífica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, 2010. LEAL, M. B. Da realidade aos desafios: efeitos da iniciativa VER-SUS/Brasil na formação de trabalhadores para o SUS. 2005. Monografia (Graduação em Administração de Sistemas eServiços de Saúde) – Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2005. LÖWY, Michael. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 11. ed. São Paulo: Cortez, 1996. 112 p. MAGALHÃES, António M. A identidade do ensino superior: política, conhecimento e educação numa época de transição. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 2004. 411 p. ISBN 972-31-1087-3 MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. 330 p.

MARANHÃO, Thaís. Vivências e estágios na realidade do Sistema Único de Saúde: um “garimpo” bibliográfico. RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v.7, n.4, dez., 2013 MARX, Karl. A ideologia alemã. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. xlv, 119 p. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política; GORENDER, Jacob (apres.); SINGER, Paul (Coord. e Rev.); BARBOSA, Regis; KOTHE, Flávio R. (Trad.). 2. ed. – São Paulo: Nova Cultural, 1985. v. I. seção II, cap. 3. MELUCCI, Alberto. O jogo do eu: A mudança de si em uma sociedade global. São Leopoldo: UNISINOS, 2004. 184 p. (Focus) ISBN 85-7431-227-4 MENDES, Eugênio Vilaça. Os grandes dilemas do SUS. Salvador: Casa da saúde, 2001. 2 v. MENDES, F. M. S. et. al. Ver-Sus: relato de vivências na formação de Psicologia. Psicologia, ciência e profissão, v.32, n.1, p.174-187, 2012. MERHY, Emerson Elias. O capitalismo e a saúde publica, a emergência das praticas sanitárias no estado de São Paulo. 1. ed. São Paulo: Papirus, 1985. 116 p. MERHY, Emerson Elias. A saúde pública como política: São Paulo, 1920-1948 : os movimentos sanitários, os modelos tecno-assistenciais e a formação das políticas governamentais. São Paulo: Hucitec, 1992. 221 p. ISBN 85-271-0190-4 MERHY, Emerson Elias. O trabalho em saúde: olhando e experienciando o sus no cotidiano. São Paulo: Hucitec, 2003. 296 p. ISBN 85-271-0614-0


67 MERHY, Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo em ato. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2007. 189 p. (Saúde em debate ; 145) ISBN 852715802 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002. 1102 p. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. MOURA, Demócrito. Saúde não se da, conquista-se. 1. ed. São Paulo: Hucitec, 1989. 225 p. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Declaração dos Direitos Humanos. Adotada e Proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por>. Acesso em: 26 maio 2012. ORLANDI, EniPulccineli. A linguagem e seu Funcionamento. As formas do discurso. Campinas. Ed. Pontes. 1987. PÊCHEUX, Michel. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 1999. 68 p. PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da Unicamp, 1995 317 p. RABELLO, Lucíola Santos. Promoção da Saúde. A construção social de um conceito em perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010. REDE UNIDA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA REDE UNIDA. Disponível em: <www.redeunida.org.br>. Acesso em: 21 de Junho de 2013. RIQUINHO, D. L., & CAPOANI, D. S. (2002). VER-SUS/RS: um olhar de estudantes universitárias sobre o Sistema Único de Saúde no Rio Grande do Sul. Boletim da Saúde, 16(1), 147-152. ROCHA, C. M. F. A experiência da realização do Projeto Piloto do VER-SUS/Brasil na visão das “equipes coordenadoras” municipais. 2004. Monografia (Especialização emEquipes Gestoras de Sistemas e Serviços de Saúde) – Universidade Federal do Rio Grande doSul, Porto Alegre, RS, 2004. SANTOS, F. M. D. A esfera municipal da reorientação da formação profissional em saúde: contribuições ao debate. 2009. Monografia (Especialização) - Escola Nacional de SaúdePública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2009. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil : 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 287 p. ISBN 85-7164-329-6


68 SOUZA, A. C. VER-SUS: do ato de aprendizagem à transformação. 2004. Monografia (Graduação em Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS 2004. SOUZA, P. W. G. Projeto VER-SUS e Projeto Rondon: uma colaboração para a formação dos novos profissionais da saúde. 2009. Monografia (Especialização em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2009. TOMIMATSU, T. C. O VER-SUS/Brasil e a formação em saúde dos estudantes de Serviço Social. 2006. Monografia (Graduação em Serviço Social) – Universidade de Brasília, Brasília,DF, 2006. TORRES, O. M. Os estágios de vivência no Sistema Único de Saúde: das experiências regionais à (trans)formação político-pedagógica do VER-SUS/Brasil. 2005. Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Gestão de Sistemas de Saúde) – Universidade Federal da Bahia, Salvador. VALENÇA, C. N. Corações e mentes desvendam o Sistema Único de Saúde: visões e vivências de estudantes de enfermagem. 2011. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2011. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Universidade de Brasileira, 1992. WILLIAMS, James. Pós-Estruturalismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. 256 p. ZIZEK, Slavoj. Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. 197p. ZIZEK, Slavoj. O mais sublime dos histéricos: Hegel com Lacan. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. 230 p.


69 APÊNDICES: A) CRONOGRAMA FÍSICO

Revisão Bibliográfica Fundamentação Teórica e Metodológica Embasamento Saúde Pública e Estado Embasamento Universidade e Clínica Embasamento Ideologia e Discurso Qualificação Revisão Pós-Qualificação Observações Participantes Entrevistas SemiEstruturadas Análise dos Dados

Ago Set 2013

Out Nov 2013

Dez Jan 2013-4

Fev Mar 2014

Abr Mai 2014

Jun Jul 2014

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

Ago Set 2014

Out Nov 2014

Dez Jan 2014-5

Fev Mar 2015

X

X

X

X

X

Abr Mai 2015

Jun Jul 2015

Ago 2015

X X X

X

Confrontamento dos Dados com os Embasamentos

X

Elaboração Textual Final da Dissertação Defesa da Dissertação

X

X

B) CONDIÇÕES DE EXEQUIBILIDADE DA PESQUISA Teremos dispêndios em nossa pesquisa principalmente quanto aos deslocamentos para participação das reuniões quinzenais que serão observadas. A análise documental se procederá de forma quase gratuita (excetuando o dispêndio do acesso a internet) através dos anexos encaminhados pela coordenação dos coletivos estudantis para nosso e-mail. Quanto as entrevistas semi-estruturadas serão realizadas durante a realização do VER-SUS Verão 2015 no qual participarei de forma também custeada pelo próprio projeto político estatal. Deslocamentos Quinzenais Novo Hamburgo - POA Ida e Volta por 3 meses

+/- R$ 150,00

Acesso a Internet 3G Mensal

R$ 100,00

Deslocamentos pré-pós VER-SUS e preparação

+/-R$ 100,00


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.