Casal destaca a importância da adoção tardia ao acolher três irmãos no RS Foram dias de ansiedade até a chegada dos meninos adotados com amor. Texto: Jeize Segatto “Quem disse que precisávamos dar um ponto final, quem disse que o sonho da sua vida não é viável? Talvez a forma não seja a tradicional, mas precisa ser?”. Depois de planejar filhos biológicos, Karen Boelter, 38 anos, e o marido Diogo Prates, 36, mudaram de ideia depois de várias tentativas de fertilização sem sucesso. “A adoção já era uma opção: nesse instante, passou a ser prioridade. Nosso sonho não era de ter aquele barrigão de mulher grávida, ou de passar por um parto. Nosso sonho sempre foi uma família, linda, numerosa, unida e feliz’’, conta Karen. Adoções tardias por muito tempo foram descartadas, pois aproximar o processo do ciclo biológico dá a sensação de uma aproximação maior entre pais e filhos. Hoje, a transformação da cultura da adoção busca superar esse aspecto, destacando o direito de uma criança crescer dentro de uma família, com amor, carinho e atenção. Longe da solidão dos abrigos. A decisão do casal foi tomada em outubro de 2014 junto à Vara da Infância e Juventude da cidade gaúcha de Cachoeirinha. “Num primeiro momento, tu sente culpa por ter de colocar um perfil, mas hoje vemos que é necessário, é preciso estar preparado e de coração aberto, e, para isso, é sim necessário descrever um perfil’’, explica o casal. O perfil de Karen e Diogo era um trio, qualquer sexo, branco ou pardo, idades entre zero e oito anos, das regiões sul e sudeste do Brasil. Depois de passarem por avaliação com uma psicóloga e uma assistente social, além passarem por um curso preparatório, os dois foram habilitados em outubro de 2015 e incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) dois meses depois. ‘’Nós já estávamos grávidos, mas não sabíamos quanto tempo levaria essa gestação do coração. Nossa habilitação e inclusão no CNA levou um ano e dois meses’’. Durante esse período, muita apreensão. Karen e Diogo se reuniram com um grupo de amigos que também são pais adotivos, muitos juntos com seus filhos, outros ainda aguardando o momento tão esperado. A partir destes encontros, fundaram o ELO – Conversando sobre adoção, um grupo que tem como objetivo debater temas
relacionados à adoção com o foco principal no que acontece depois do processo. “Isso fez com que nós lêssemos e nos preparássemos muito para a chegada dos nossos filhos, não estávamos brincando, eram vidas que viriam para nossa responsabilidade, e deveríamos estar preparados’’, afirma Karen. Os dias e meses foram passando, e a ansiedade aumentava. O dia tão esperado chegou em 15 de março deste ano. Apenas quatro meses após serem incluídos no CNA, o telefone da casa deles tocou. ‘’O coração parou, parece que foram horas’’, relata Karen, descrevendo a emoção de receber a notícia. ‘’Olá, aqui é da Vara da Infância de uma cidade no interior do estado do Paraná. Gostaríamos de saber se vocês ainda estão aguardando a adoção, porque temos crianças no perfil que vocês estão inscritos no CNA’’. Naquele momento, o casal diz ter sentido que seus filhos estavam chegando. ‘’Um momento indescritível. Precisei tomar fôlego depois de ouvir todas as informações que ela me passou’’. E foi um sim, um sim tão simples que mudou a vida dos dois. Karen e Diogo viajaram cerca de 900 km para ler a ficha das crianças, saber de todo seu histórico e dizer um sim bem grande aos três irmãos. ‘’Só depois de já termos dito isso é que vimos as fotos dos anjos, três meninos, Ysrael, dois anos, Joaquim, quatro, e Vitor, oito, lindos e encantadores’’’, afirmam. Mas ainda não era hora de levá-los. Com o coração apertado, voltaram para casa sem conhecer pessoalmente os meninos: a adaptação seria a distância, e levaria tempo. Depois de quatro meses de fotos, vídeos, áudios, ligações e um álbum que o casal enviou aos meninos, eles chegaram. O casal esperava o trio com roupas e brinquedos. Oito de julho de 2016, numa sala no interior do Paraná, os meninos chamaram pai e mãe pela primeira vez. ‘’Ajoelhados só sabíamos chorar e abraçar nossos filhos que tanto esperamos. Sentimentos indescritíveis’’. Muita gratidão pela oportunidade de ter os filhos da forma perfeita, a forma que deveria ser. Esse era o sentimento. Naquele dia, voltaram para casa com o coração transbordando de amor, de mãos dadas com os filhos. “São apenas crianças” Hoje, há quase dois meses com os meninos em casa, o casal por vezes esquece que estão
com eles há tão pouco tempo. ‘’Os meninos se parecem muito com o pai, é um reencontro, estava escrito que seria assim’’, diz Karen. Muitas pessoas nos perguntam, qual o motivo da adoção tardia, eles respondem. ‘’São crianças. Apenas crianças’’. O juiz da cidade de Farroupilha Mario Maggioni, explica que há uma grande dificuldade nos processos quando se trata de adoções tardias. A cidade da Serra tem conseguido encaminhar crianças para adoção de forma rápida e ágil. Mesmo assim, as pessoas ficam com receio. “Hoje temos uma menina de 14 anos, por exemplo. Quando recebo uma mensagem de pessoas dizendo que estão há anos esperando para adotar, eu falo sobre a menina e eles logo mudam de assunto’’. Ele esclarece que a adoção de uma criança pequena também demanda um período de adaptação, mas que mesmo assim os habilitados tendem a preferir recém nascidos. De acordo com o Cadastro Nacional de Adoções (CNA), quase 7.000 crianças e adolescentes estão acolhidos em lares e orfanatos. Dos 35 mil habilitados, praticamente ninguém tem interesse em adotar crianças com mais de oito anos. Só na região sul são mais de 2.000 aptos para adoção. O número de crianças que podem ser adotadas entre 12 e 17 anos passa de 500. O magistrado explica que crianças aptas para adoção também são as destituídas do poder familiar. ‘’Eu entendo que se um pai e uma mãe não tem a capacidade de cuidar de um filho, devem ter o seu direito tirado’’. Mas a lei insiste que as crianças devem ficar com a família biológica. Para o juiz, a adoção está totalmente ligada a este campo. A violação dos direitos da criança pode ocasionar na perda da guarda pelos pais, levando os menores para abrigos e orfanatos. ‘’Perante a lei é preciso se esgotar todas as possibilidades para acontecer a destituição, mas isso é algo muito subjetivo. Isso varia da flexibilidade e entendimento de cada juiz’’, pontua. Maggioni não vê adoções tardias de forma complicada. ‘’Eu vejo muitas crianças ficando em casas de acolhimento cinco, seis, dez anos sem sequer dar um andamento sério’’, conta. ‘’Toda criança e adolescente, de qualquer idade, que venha de um abrigo já está com uma carga de abandono, mesmo aqueles que a mãe consente com a adoção, mas o adolescente já tem isso muito mais consciente’’, finaliza. Segundo o juiz titular do 2º Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Marcelo Mairon Rodrigues, em maio, 1.000 crianças e adolescentes estavam prontos
para a adoção. Destes, 350 já estavam vinculadas a pretendentes. Os outros 650 estavam aptos a serem adotados, mas não estavam vinculados com possíveis adotantes. Aproximadamente 90% deles têm dez anos ou mais. ‘’Em maio o número era de 5.800 pretendentes, destes só 2% tinham a intenção de adotar crianças com idade acima dos dez anos’’, afirma. Atualmente, em Porto Alegre, cerca de 200 crianças e adolescentes que estão prontos para serem adotados normalmente não se encontram habilitados pela questão etária. Para Rodrigues, a criança pode ter menos que dez anos, mas se faz parte de um grupo de irmãos, nesse caso, não se indica a separação, o que dificulta ainda o processo adotivo. ‘’Só ocorre à separação quando há uma grande diferença de idade entre eles, um com três ou quatro anos e o outro está com 12 ou 13. Pela diferença de idade e de interesses, os acolhidos não mantêm um vínculo tão grande, em uma situação como essa se pode separar, dando chances maiores aos dois de adoção’’. Os casos de destituição familiar em Porto Alegre tramitam fora dos prazos. Um dos motivos é a dificuldade de localização dos pais da criança para que o processo ocorra. ‘’Um dos exemplos são aquelas crianças acolhidas nas maternidades, em função da mãe não ter feito o pré-natal, ser usuária de drogas, moradora de rua. Existem muitas diligências para buscar essa mãe, retardando assim o andamento do processo’’, comenta. De repente a família de Karen e Diogo aumentou. Um exercício diário, onde ambos vivem juntos, na maior felicidade do mundo. ‘’O amor supera qualquer adversidade e felicidade é a recompensa diária ao ver o sorriso dos nossos três anjos’’. Para eles, adoção é uma forma de gerar um filho. Uma forma legítima e linda. “Estamos completos, felizes e realizados. Não poderia ser de outra forma, foi da forma perfeita, a forma do amor’’, relata o casal.