Jennifer Ernesto
todo mundo escreve.
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Sumรกrio
TODO MUNDO ESCREVE............................. 5 SOBRE A AUTORA ...................................... 15
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Para as minhas avรณs.
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TODO MUNDO ESCREVE Eu tenho lido e escrito e ouvido podcasts. Eu tenho trabalhado, estudado, tentado estipular metas. Eu tenho feito muita coisa, mas, ao mesmo tempo feito muito pouco em prol daquilo que de fato eu sempre quis fazer: escrever e publicar. Eu escrevo desde que eu me entendo por gente e eu não dou conta de organizar tudo o que eu já escrevi. Eu fui intensamente incentivada pela minha falecida avó que era analfabeta, eu escrevia até não ter mais folhas, pintava até não ter mais livros e consertava os gibis que minha 5
avó me presenteava – aqueles que ela catava nos lixos e me dava de presente. Ela me lembra Carolina de Jesus, mas a diferença é que ela quem não pôde
estudar
e
repudiou
quando eu quis ensinar, passou o exercício da escrita para mim, sua neta. Izabel
Valentim
Ernesto teve a sua vida ceifada pelo câncer poucos dias antes do meu aniversário em março de 2019. Há pouco mais de um ano de seu falecimento, eu não consigo
conceituar
significado
do
luto.
o Mas,
vivendo de mãos dadas com 6
ele, nós construímos uma relação. Com altos e baixos, brigas e pesadelos e sei que ele – o luto – se esconderá de mim por mais vezes do que eu possa interferir. E, sei também, que ele não chegará atrasado ao compromisso de estar comigo assim que a dona morte acompanhar mais algum dos meus, com ou sem aviso prévio. Um dos aprendizados da perda foi sentir o meu universo
parando
e
eu
finalmente entrada no processo de entender o que significa morrer. Concluí que eu nunca mais veria a minha avó em vida, que eu não voltaria a ouvir o 7
som de sua risada, nem suas críticas, nem suas dores, nem nada. Ela havia sido apagada da existência física. Tal situação quase significou o apagamento da minha própria existência. Ainda que eu tivesse perdido o meu avô – marido da Izabel, em 2003 – o que uma criança de 5 anos pode contar sobre a morte, se nem eu mesma tinha o entendimento de minha própria existência? Agora eu entendo é morrer. Eu não lembro da voz do meu avô. Do seu cheiro. Isso é agonizante. Se ele me chamasse em meio a uma multidão, eu sequer saberia que ele fez parte da minha infância. Será que eu sentiria 8
algo? Por enquanto, eu não sou capaz
de
responder
essa
questão. No entanto, perder a minha avó fez com que eu me desse conta da minha própria existência. Eu caí na piscina funda sem saber nadar, sem ter prendido a respiração e sentir o meu corpo afundar e afundar e nunca mais quaisquer vestígios de ar. Minha avó Maria está viva e exerce sua existência de mais de nove décadas. Talvez eu só me dê conta de que sua vida tem prazo, quando o luto mais uma vez bater em minha porta.
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Não
que
a
minha
própria existência de quase vinte e três anos de idade não seja temporária. É que estamos socialmente acostumados com a ideia de produtividade e longevidade, morrer jovem é uma tragédia. Eu vi essa tragédia de perto quando um amigo ceifou a própria vida, e alguns meses atrás,
uma
distante
jovem
também
prima decidiu
falecer. Ambos com menos de vinte e cinco anos e a agonia de viver. A avó que eu perdi cuidou
de
mim
quando
criança, me presenteou com os meus
primeiros
livros
e
cadernos. Me incentivou a ler, 10
mesmo
que
ela
fosse
analfabeta. Minha falecida avó era bruxa. E minha viva avó era benzedeira. Dona
Izabel
sabia
quando havia uma mulher grávida. Ela fazia simpatias e jogava sal grosso pela casa. Ela tinha os seus momentos, os seus tempos e ela falava de todo mundo por todos os cotovelos possíveis. Era o seu jeito
torto
de
demonstrar
cuidado pelos outros. Ela realmente cuidava mais dos outros do que de si mesma. Colocar os outros à frente de si mesma era a marca 11
dela. Tanto sofrimento em vida,
que
ela
decidiu
se
abandonar. Inclusive, a doença que a levou foi uma expressão dessa dor, desse rancor, desse abandono de si mesma. A minha avó viveu anos de sua vida com o tumor que a levou. Ela só pediu ajuda frente ao tumor que ela morreu sem saber que tinha, quando ele a impediu de alimentar a própria existência. Todo mundo escreve. Contar
cantar
falar
escrever ler viver histórias é algo que alimenta a minha alma desde que me entendo por gente. É semente para dar fruto 12
àquilo
que
vivência
chamamos
para
além
de do
sobreviver. Minha
avó
não
escreveu sua existência em palavras, mas em ações. Ela trabalhou muito para alimentar seus filhos e para que seus filhos pudessem bem alimentar e criar os seus netos, e assim por diante. Ainda que um ensaio em primeira pessoa sobre a intimidade de uma perda possa não satisfazer os meus desejos megalomaníacos com a escrita, mais do que regada a incentivos para publicar eu entendi que não escrever/falar seria um desrespeito com o trabalho da minha avó. 13
Entendo que morte e perda podem exprimir um pouco das reminiscências de escuta e amor que ficam escondidos
e
empoeirados
pelas máscaras de força e continuidades. ainda
que
Escrevam, sejamos
alfabetizados ou não, a nossa existência imprime todo tipo de história e sempre vamos encontrar formas de comunicála.
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SOBRE A AUTORA
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Jennifer Ernesto nasceu em 1997, na Zona Sul de São Paulo e desde então vem transitando em diversos espaços geográficos na capital Paulista. Mais velha de quatro filhos, formou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2019. Escreve desde sempre, no entanto, a pandemia provocada pelo COVID19 acelerou a decisão de publicação, melhor maneira de comunicar suas reflexões as pessoas próximas e distantes.
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Copyright © 2020 by Jennifer Ernesto
Capa Jennifer Ernesto ISBN – 978-65-00-02348-0 Todos os direitos desta edição reservados à Jennifer Ernesto. Contato: alineernesto@icloud.com https://instagram.com/paulist4na
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