Terror além da imaginação.

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Terror além da imaginação

Contados por:

Edgar Alan Poe Contado por...

Felipe AG Joyce Aniceto Edgar Alan Poe Geroge dos Santos Pacheco Felipe AG Charles Berlitz Joyce Aniceto

Geroge dos Santos Pacheco Charles Berlitz Liliana

Editora Young

Editora Young



Contado por... Edgar Alan Poe Felipe AG Joyce Aniceto Geroge dos Santos Pacheco Charles Berlitz

Natal/2013 Editora Young


Organização Ana Luísa Lincka Ana Paula Araújo Jéssica Vale Oliveira Diagramação Ana Luísa Lincka Ana Paula Araújo Jéssica Vale Oliveira Revisão Ana Luísa Lincka Ana Paula Araújo Jéssica Vale Oliveira Pesquisa de contos e autores Ana Luísa Lincka Ana Paula Araújo Jéssica Vale Oliveira Terror além da imaginação. Terror além da imaginação/Edgar Alan Por, Felipe A. G, etal. Ana Luísa Lincka, Ana Paula Araújo, Jéssica Oliveira (orgs). __ Natal: Young, 2013. 63p.: il: 24 cm.

ISBN XX-XXXX-XXX-XX I.Literatura infanto-juvenil. II. Ficção. III. Terror. IV. Título Todos os direitos desta edição reservados à Editora Young R. Canarinho azul,7568 – Praça dos flamingos, Brasil. E-mail: editorayoung@yahoo.com.br, créditos


Sumário Capitulo I

O Barril de Amontilladopor

Edgar Allan Poe .................................... 2

Capitulo II

A Máscara da Morte Escarlate

por Edgar Allan Poe .............. 12

Capitulo III

Leonor

por Edgar Allan Poe .............................................................. 20

Capitulo IV

A Velha Casa no Fim da Rua

por Felipe AG .......................... 28

Capitulo V

Terror na Estrada

por Felipe AG .................................................. 32

Capitulo VI

A Carta de Despedida

por Felipe AG .......................................... 36

Capitulo VII

O Assassino da Rua 23

por Joyce Aniceto ................................. 40

Capitulo VIII

O Mal de Sepúlveda

por Geroge dos Santos Pacheco................... 46

Capitulo IX

Ruídos da Morte

por Charles Berlitz ............................................ 56


CapĂ­tulo I

Vingança e castigo! Quem nunca passou por isso!


O Barril de Amontillado

S

uportei o melhor que pude as injúrias de Fortunato; mas, quando ousou insultar-me, jurei vingança. Vós, que tão bem conheceis a natureza de meu caráter, não havereis de supor, no entanto, que eu tenha proferido qualquer ameaça. No fim, eu seria vingado. Este era um ponto definitivamente assentado, mas a própria decisão com que eu assim decidira excluía qualquer ideia de perigo. Assim devia apenas castigar, mas castigar impunemente. Uma injúria permanece irreparada, quando o castigo alcança aquele que se vinga. Permanece, igualmente, sem reparado, quando o vingador deixa de fazer com que aquele que o ofendeu compreenda que e ele quem se vinga. É preciso que se saiba que, nem por meio de palavras, nem de qualquer ato, dei a Fortunato motivo para que duvidasse de minha boa vontade. Continuei como de costume, a sorrir em sua presença, e ele não percebia que o meu sorriso, agora, tinha como origem a ideia da sua imolação. Esse tal Fortunato tinha um ponto fraco, embora, sob outros aspectos, fosse um homem digno de ser respeitado e, até mesmo, temido. Vangloriava-se sempre de ser entendido em vinhos. Poucos italianos possuem verdadeiro talento para isso. Na maioria das vezes, seu entusiasmo se adapta aquilo que a ocasião e a oportunidade exigem, tendo em vista de enganar os milionários ingleses e austríacos. Em pintura e pedras preciosas, Fortunado, como todos os seus compatriotas, era um intrujão; mas, com respeito a vinhos antigos, era sincero. Sob este aspecto, não havia grande diferença entre nós – pois que eu também era hábil conhecedor de vinhos italianos, comprando-os sempre em grande quantidade, sempre que podia. Uma tarde, quase ao anoitecer, em plena loucura do carnaval, encontrei o meu amigo. Acolheu-me com excessiva

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cordialidade, pois que havia bebido muito. Usava um traje de truão, muito justo e listrado, tendo à cabeça um chapéu cônico, guarnecido de guizos. Fiquei tão contente de encontrá-lo, que julguei que jamais estreitaria a sua mão como naquele momento. - Meu caro Fortunato – disse-lhe eu -, foi uma sorte encontrá-lo. Mas, que bom aspecto tem você hoje! Recebi um barril como sendo de Amontillado, mas tenho minhas duvidas. - Como? – disse ele. – Amontillado? Um barril? Impossível! E em pleno carnaval! - Tenho minhas dúvidas – repeti – e seria tolo que o pagasse como sendo de Amontillado antes de consultá-lo sobre o assunto. Não conseguia encontrá-lo em parte alguma, e receava perder um bom negócio. - Amontillado! - Tenho minhas dúvidas. - Amontillado! - E preciso efetuar o pagamento. - Amontillado! - Mas, como você esta ocupado, irei à procura de Luchesi. Se existe alguém que conheça o assunto, esse alguém é ele. Ele me dirá… - Luchesi é incapaz de distinguir entre um Amontillado e um Xerez. - Não obstante, há alguns imbecis que acham que o paladar de Luchesi pode competir com o seu. -Vamos, vamos embora. - Para onde? - Para as suas adegas. - Não, meu amigo. Não quero abusar de sua bondade. Penso que você deve ter algum compromisso. Luchesi… 3


- Não tenho compromisso algum. Vamos. - Não, meu amigo. Embora você não tenha compromisso algum, vejo que esta com muito frio. E as adegas são insuportavelmente úmidas. Estão recobertas de salitre. - Apesar de tudo, vamos. Não importa o frio. Amontillado! Você foi enganado. Quanto a Luchesi, não sabe distinguir entre Xerez e Amontillado. Assim falando, Fortunato tomou-me pelo braço. Pus uma máscara de seda negra e, envolvendo-me bem em meu roquelaire, deixei-me conduzir ao meu palazzo. Não havia nenhum criado em casa, pois que todos haviam saído para celebrar o carnaval. Eu lhes dissera que não regressaria antes da manhã seguinte, e lhes dera ordens estritas para que não arredassem pé da casa. Essas ordens eram suficientes, eu bem o sabia, para assegurai o seu desaparecimento imediato, tão logo eu lhes voltasse as costas. Tomei duas velas de seus candelabros e, dando uma a Fortunato, conduzi-o, curvado, através de uma sequência de compartimentos, à passagem abobadada que levava à adega. Chegamos, por fim, aos últimos degraus e detivemo-nos sobre o solo úmido das catacumbas dos Montresor. O andar de meu amigo era vacilante e os guizos de seu gorro retiniam a cada um de seus passos. - E o barril? – perguntou. - Está mais adiante – respondi. – Mas observe as brancas teias de aranha que brilham nas paredes dessas cavernas. Voltou-se para mim e olhou-me com suas nubladas pupilas, que destilavam as lágrimas da embriaguez. - Salitre? – perguntou, por fim. - Salitre – respondi. – Há quanto tempo você tem essa tosse? 4


Meu pobre amigo pôs-se a tossir sem cessar e, durante muitos minutos, não lhe foi possível responder. - Não é nada – disse afinal. - Vamos – disse-lhe com decisão. – Vamos voltar. Sua saúde é preciosa. Você é rico, respeitado, admirado, amado; você é feliz, como eu também o era. Você é um homem cuja falta será sentida. Quanto a mim, não importa. Vamos embora. Você ficará doente, e não quero arcar com essa responsabilidade. Além disso, posso procurar Luchesi. . . - Basta – exclamou ele. – Esta tosse não tem importância; não me matará. Não morrerei por causa de uma simples tosse. -É verdade, é verdade – respondi. – E eu, de fato, não tenho intenção alguma de alarmá-lo sem motivo. Mas você deve tomar precauções. Um gole deste Medoc nos defenderá da umidade. E, dizendo isto, parti o gargalo de uma garrafa que se achava numa longa fila de muitas outras iguais, sobre o chão úmido. - Beba – disse, oferecendo-lhe o vinho. Levou a garrafa aos lábios, olhando-me de soslaio. Fez uma pausa e saudou-me com familiaridade, enquanto seus guizos soavam. - Bebo – disse ele – à saúde dos que repousam enterrados, em torno de nós. - E eu para que você tenha vida longa. Tomou-me de novo o braço e prosseguimos. – Estas cavernas – disse-me – são extensas. - Os Montresor – respondi – formavam uma família grande e numerosa. - Esqueci qual o seu brasão. - Um grande pé de ouro, em campo azul. O pé esmaga uma serpente ameaçadora, cujas presas se acham cravadas no salto. - E a divisa? 5


- Nemo me impune lacessit. - Muito bem! – exclamou. O vinho brilhava em seus olhos e os guizos retiniam. Minha própria imaginação se animou, devido ao Medoc. Através de paredes de ossos empilhados, entremeados de barris e tonéis, penetramos nos recintos mais profundos das catacumbas. Detive-me de novo e, essa vez, me atrevi a segurar Fortunato pelo braço, acima do cotovelo. - O salitre! – exclamei. – Veja como aumenta. Prende-se, como musgo, nas abóbadas. Estamos sob o leito do rio. As gotas de umidade filtram-se por entre os ossos. Vamos. Voltemos, antes que seja tarde demais. Sua tosse… - Não é nada – respondeu ele. – Prossigamos. Mas, antes, tomemos outro gole do Medoc. Parti o gargalo de uma garrafa de vinho De Grâve dei-a a Fortunato. Ele a esvaziou de um trago. Seus olhos cintilaram com brilho ardente. Pôsse a rir e atirou a garrafa para o ar, com gesticulação que não compreendi. Olhei-o, surpreso. Repetiu o movimento, um movimento grotesco. - Você não compreende? – perguntou. - Não, não compreendo – respondi. - Então é porque você não pertence à irmandade. - Como? - Não pertence à maçonaria. - Sim, sim. Pertenço. - Você? Impossível! Um maçom? - Um maçom – respondi. - Prove-o – disse ele.

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- Eis aqui – respondi, tirando de debaixo das dobras de meu roquelaire uma colher de pedreiro. - Você está gracejando! – exclamou recuando alguns passos. – Mas prossigamos: vamos ao Amontillado. - Está bem – disse eu, guardando outra vez a ferramenta debaixo da capa e oferecendo-lhe o braço. Apoiou-se pesadamente em mim. Continuamos nosso caminho, em busca do Amontillado. Passamos através de uma série de baixas abóbadas, descemos, avançamos ainda, tornamos a descer e chegamos, afinal, a uma profunda cripta, cujo ar, rarefeito, fazia com que nossas velas bruxuleassem, ao invés de arder normalmente. Na extremidade mais distante da cripta aparecia uma outra, menos espaçosa. Despojos humanos empilhavam-se ao longo de seus muros, até o alto das abóbadas, à maneira das grandes catacumbas de Paris. Três dos lados dessa cripta eram ainda adornados dessa maneira. Do quarto, os ossos haviam sido retirados e jaziam espalhados pelo chão, formando, num dos cantos, um monte de certa altura. Dentro da parede, que, com a remoção dos ossos, ficara exposta, via-se ainda outra cripta ou recinto interior, de uns quatro pés de profundidade, três de largura e seis ou sete de altura. Não parecia haver sido construída para qualquer uso determinado, mas constituir apenas um intervalo entre os dois enormes pilares que sustinham a cúpula das catacumbas, tendo por fundo uma das paredes circundantes de sólido granito. Foi em vão que Fortunato, erguendo sua vela bruxuleante, procurou divisar a profundidade daquele recinto. A luz, fraca, não nos permitia ver o fundo. - Continue – disse-lhe eu. – O Amontillado está aí dentro. Quanto a Luchesi. . . - É um ignorante – interrompeu o meu amigo, enquanto avançava com passo vacilante, seguido imediatamente por mim. Num momento, chegou ao fundo do nicho e, vendo o caminho interrompido pela rocha, deteve-se, estupidamente perplexo. Um

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momento após, eu já o havia acorrentado ao granito, pois que, em sua superfície, havia duas argolas de ferro, separadas uma da outra, horizontalmente, por um espaço de cerca de dois pés. De uma delas pendia uma corrente; da outra, um cadeado. Lançar a corrente em torno de sua cintura, para prendê-lo, foi coisa de segundos. Ele estava demasiado atônito para oferecer qualquer resistência. Retirando a chave, recuei alguns passos. - Passe a mão pela parede – disse-lhe eu. – Não poderá deixar de sentir o salitre. Está, com efeito, muito úmida. Permita-me, ainda uma vez, que lhe implore para voltar. Não? Então, positivamente, tenho de deixá-lo. Mas, primeiro, devo prestar-lhe todos os pequenos obséquios ao meu alcance. - O Amontillado! – exclamou o meu amigo, que ainda não se refizera de seu assombro. - É verdade – respondi -, o Amontillado. E, dizendo essas palavras, pus-me a trabalhar entre a pilha de ossos a que já me referi. Jogando-os para o lado, deparei logo com certa quantidade de pedras de construção e argamassa. Com este material e com a ajuda de minha colher de pedreiro, comecei ativamente a tapar a entrada do nicho. Mal assentara a primeira fileira de minha obra de pedreiro, quando descobri que a embriaguez de Fortunato havia, em grande parte, se dissipado. O primeiro indício que tive disso foi um lamentoso grito, vindo do fundo do nicho. Não era o grito de um homem embriagado. Depois, houve um longo e obstinado silêncio. Coloquei a segunda, a terceira e a quarta fileiras. Ouvi, então, as furiosas sacudidas da corrente. O ruído prolongou-se por alguns minutos, durante os quais, para deleitar-me com ele, interrompi o meu trabalho e sentei-me sobre os ossos. Quando, por fim, o ruído cessou, apanhei de novo a colher de pedreiro e acabei de colocar, sem interrupção, a quinta, a sexta e a sétima fileiras. A parede me chegava, agora, até a altura do peito. Fiz uma nova pausa e, segurando a

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vela por cima da obra que havia executado, dirigi a fraca luz sobre a figura que se achava no interior. Uma sucessão de gritos altos e agudos irrompeu, de repente, da garganta do vulto acorrentado, e pareceu impelir-me violentamente para trás. Durante breve instante, hesitei… tremi. Saquei de minha espada e pus-me a desferir golpes no interior do nicho; mas um momento de reflexão bastou para tranquilizar-me. Coloquei a mão sobre a parede maciça da catacumba e senti-me satisfeito. Tornei a aproximar-me da parede e respondi aos gritos daquele que clamava. Repeti-os, acompanhei-os e os venci em volume e em força. Fiz isso, e o que gritava acabou por silenciar. Já era meia-noite, a minha tarefa chegava ao fim. Completara a oitava, a nona e a décima fileiras. Havia terminado quase toda a décima primeira – e restava apenas uma pedra a ser colocada e rebocada em seu lugar. Ergui-a com grande esforço, pois que pesava muito, e coloquei-a, em parte, na posição a que se destinava. Mas, então, saiu do nicho um riso abafado que me pôs os cabelos em pé. Seguiu-se lhe uma voz triste, que tive dificuldade em reconhecer como sendo a do nobre Fortunato. A voz dizia: - Ah! Ah! Ah! . . . Eh! Eh! Eh! . . . Esta é uma boa piada… uma excelente piada! Vamos rir muito no palazzo por causa disso. . . ah! ah! ah! . . . por causa do nosso vinho… ah! ah! ah! - O Amontillado! – disse eu. - Ah! Ah! Ah! . . . Sim, sim. . . O Amontillado. Mas não está ficando tarde? Não estarão nos esperando no palácio. . . a Sra. Fortunato e os outros? Vamos embora. - Sim – respondi -, vamos embora. - Pelo amor de Deus, Montresor! - Sim – respondi -, pelo amor de Deus!

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Mas esperei em vão qualquer resposta a estas palavras. Impacienteime. Gritei alto: - Fortunato! Nenhuma resposta. Tornei a gritar: - Fortunato! Ainda agora, nenhuma resposta. Introduzi uma vela pelo orifício que restava e deixei-a cair dentro do nicho. Chegou até mim, como resposta, apenas um tilintar de guizos. Senti o coração opresso, sem dúvida devido à umidade das catacumbas. Apressei-me para terminar o meu trabalho. Com esforço, coloquei em seu lugar a última pedra – e cobri-a com argamassa. De encontro à nova parede, tornei a erguer a antiga muralha de ossos. Durante meio século, mortal algum os perturbou.

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Capítulo II

Uma história de mistérios!

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Máscara da Morte Escarlate

A

“Morte Escarlate” havia muito devastava o país. Jamais se viu peste tão fatal ou tão hedionda. O sangue era sua revelação e sua marca? A cor vermelha e o horror do sangue. Surgia com dores agudas e súbita tontura, seguidas de profuso sangramento pelos poros, e então a morte. As manchas rubras no corpo e principalmente no rosto da vítima eram o estigma da peste que a privava da ajuda e compaixão dos semelhantes. E entre o aparecimento, a evolução e o fim da doença não se passava mais de meia hora. Mas o príncipe Próspero era feliz, destemido e astuto. Quando a população de seus domínios se reduziu à metade, mandou vir à sua presença um milhar de amigos sadios e divertidos dentre os cavalheiros e damas da corte e com eles retirou-se, em total reclusão, para um dos seus mosteiros encastelados. Era uma construção imensa e magnífica, criação do gosto excêntrico, mas grandioso do próprio príncipe. Circundava-a muralha forte e muito alta, com portas de ferro. Depois de entrarem, os cortesãos trouxeram fornalhas e grandes martelos para soldar os ferrolhos. Resolveram não permitir qualquer meio de entrada ou saída aos súbitos impulsos de desespero do que estavam fora ou aos furores do que estavam dentro. O mosteiro dispunha de amplas provisões. Com essas precauções, os cortesãos podiam desafiar o contágio. O mundo externo que cuidasse de si mesmo. Nesse meio tempo era tolice atormentar-se ou pensar nisso. O príncipe havia providenciado toda a espécie de divertimentos. Havia bufões, improvisadores, dançarinos, músicos, Beleza, vinho. Lá dentro, tudo isso mais segurança. Lá fora, a “Morte Escarlate”. Lá pelo final do quinto ou sexto mês de reclusão, enquanto a peste grassava mais furiosamente lá fora, o príncipe Próspero brindou os mil amigos com um magnífico baile de máscaras. Era um espetáculo voluptuoso, aquela mascarada. Mas antes vou descrever onde ela aconteceu. Eram sete? Um suíte imperial. Em muitos 12


palácios, porém, essas suítes formam uma perspectiva longa e reta, quando as portas se abrem até se encostarem-se às paredes de ambos os lados, de tal modo que a vista de toda essa sucessão é quase desimpedida. Ali, a situação era muito diferente, como se devia esperar da paixão do duque pelo fantástico. Os salões estavam dispostos de maneira tão irregular que os olhos só podiam abarcar pouco mais de cada um por vez. Havia um desvio abrupto a cada vinte ou trinta metros e, a cada desvio, um efeito novo. À direita e à esquerda, no meio de cada parede, uma alta e estreita janela gótica dava para um corredor fechado que acompanhava as curvas da suíte. A cor dos vitrais dessas janelas variava de acordo com a tonalidade dominante na decoração do salão para o qual se abriam. O da extremidade leste, por exemplo, era azul? E de um azul intenso eram suas janelas. No segundo salão os ornamentos e tapeçarias, assim como as vidraças, eram cor de púrpura. O Terceiro era inteiramente verde, e verde também os caixilhos das janelas. O quarto estava mobiliado e iluminado com cor alaranjada? O quinto era branco, e o sexto, roxo. O sétimo salão estava todo coberto por tapeçarias de veludo negro, que pendiam do teto e pelas paredes, caindo em pesadas dobras sobre um tapete do mesmo material e tonalidade. Apenas nesse salão, porém, a cor das janelas deixava de corresponder à das decorações. AS vidraças, ali, eram escarlates? Uma violenta cor de sangue. Ora, em nenhum dos sete salões havia qualquer lâmpada ou candelabro, em meio à profusão de ornamentos de ouro espalhados por todos os cantos ou dependurados do teto. Nenhuma lâmpada ou vela iluminava o interior da sequência de salões. Mas nos corredores que circundavam a suíte havia, diante de cada janela, um pesado tripé com um braseiro, que projetava seus raios pelos vitrais coloridos e, assim, iluminava brilhantemente a sala, produzindo grande número de efeitos vistosos e fantásticos. Mas no salão oeste, ou negro, o efeito do clarão de luz que jorrava sobre as cortinas escuras através das vidraças da cor do sangue era desagradável ao extremo e produzia uma expressão tão desvairada no semblante do que entravam que poucos no grupo sentiam ousadia bastante para ali penetrar.

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Era também nesse apartamento que se achava, encostado à parede oeste, um gigantesco relógio de ébano. Seu pêndulo oscilava de um lado para o outro com um bater surdo, pesado, monótono; quando o ponteiro dos minutos completava o circuito do mostrador e o relógio ia dar as horas, de seus pulmões de bronze brotava um som claro e alto e grave e extremamente musical, mas em tom tão enfáticos e peculiares que, ao final de cada hora, os músicos da orquestra se viam obrigados a interromper momentaneamente a apresentação para escutar-lhe o som; com isso os dançarinos forçosamente tinham de parar as evoluções da valsa e, por um breve instante, todo o alegre grupo mostrava-se perturbado; enquanto ainda soavam os carrilhões do relógio, observava-se que os mais frívolos empalideciam e os mais velhos e serenos passavam a mão pela testa, como se estivessem num confuso devaneio ou meditação. Mas, assim que os ecos desapareciam interiormente, risinhos levianos logo se riam do próprio nervosismo e insensatez e, em sussurros, diziam uns aos outros que o próximo soar de horas não produziria neles a mesma emoção; mas, após um lapso de sessenta minutos (que abrangem três mil e seiscentos segundos do Tempo que voa), quando o relógio dava novamente as horas, acontecia à mesma perturbação e idênticos tremores e gestos de meditação de antes. Apesar disso tudo, que festa alegre e magnífica! O gosto do duque era estranho. Sabia combinar cores e efeitos. Menosprezando a mera decoração da moda, seus arranjos mostravam-se ousados e veementes, e suas ideias brilhavam com um esplendor bárbaro. Alguns podiam considerá-lo louco, sendo desmentidos por seus seguidores. Mas era preciso ouvi-lo, vê-lo e tocá-lo para convencer-se disso. Para essa grande festa, ele próprio dirigiu, em grande parte, a ornamentação cambiante dos sete salões, e foi seu próprio gosto que inspirou as fantasias dos foliões. Claro que eram grotescas. Havia muito brilho, resplendor, malícia e fantasia? Muito daquilo que foi visto depois no Hernani. Havia figuras fantásticas com membros e adornos que não combinavam. Havia caprichos delirantes como se tivessem sido modelados por um louco. Havia muito de beleza, muito de libertinagem e de extravagância, algo de terrível e um tanto daquilo que poderia despertar 14


repulsa. De um ao outro, pelos sete salões, desfilava majestosamente, na verdade, uma multidão de sonhos. E eles? Os sonhos? Giravam sem parar, assumindo a cor de cada salão e fazendo com que a impetuosa música da orquestra parecesse o eco de seus passos. Daí a pouco soa o relógio de ébano colocado no salão de veludo. Então, por um momento, tudo se imobiliza e é tudo silêncio, menos a voz do relógio. Os sonhos se congelam como estão. Mas os ecos das batidas extinguem-se? Durou apenas um instante?E risos levianos, mal reprimidos, flutuam atrás dos ecos, à medida que vão morrendo. E logo a música cresce de novo, e os sonhos revivem e rodopiam mais alegremente que nunca, assumindo as cores das muitas janelas multicoloridas, através das quais fluem os raios luminosos dos tripés. Ao salão que fica o mais oeste de todos os sete, porém, nenhum dos mascarados se aventura agora; pois a noite está se aproximando do fim: ali flui uma luz mais vermelha pelos vitrais cor de sangue e o negror das cortinas escuras apavora; para aquele que pousa o pé no tapete negro, do relógio de ébano ali perto chega um clangor ensurdecido mais solene e enfático que aquele que atinge os ouvidos dos que se entregam às alegrias nos salões mais afastados. Mas nesses outros salões cheios de gente batia febril o coração da vida. E o festim continuou em remoinhos até que, afinal, começou a soar meia-noite no relógio. Então a música cessou como contei, as evoluções dos dançarinos se aquietaram, e, como antes, tudo ficou intranquilamente imobilizado. Mas agora iriam ser doze as badaladas do relógio; e desse modo mais pensamentos talvez tenham se infiltrado, por mais tempo, nas meditações dos mais pensativos, entre aqueles que se divertiam. E assim também aconteceu, talvez, que, antes de os últimos ecos da última badalada terem mergulhado inteiramente no silêncio, muitos indivíduos na multidão puderam perceber a presença de uma figura mascarada que antes não chamara a atenção de ninguém. E, ao se espalhar em sussurros o rumor dessa nova presença, elevou-se aos poucos de todo o grupo um zumbido ou murmúrio que expressava a reprovação e surpresa?E, finalmente, terror, horror e repulsa. Numa reunião de fantasmas como esta que pintei, pode-se muito bem supor que nenhuma aparência comum poderia causar tal sensação. Na 15


verdade, a liberdade da mascarada dessa noite era praticamente ilimitada; mas a figura em questão ultrapassava o próprio Herodes, indo além dos limites até do indefinido decoro do príncipe. Existem cordas, nos corações dos mais indiferentes, que não podem ser tocadas sem emoção. Até para os totalmente insensíveis, para quem a vida e morte são alvo de igual gracejo, existem assuntos com os quais não se pode brincar. Na verdade, todo o grupo parecia agora sentir profundamente que na fantasia e no rosto do estranho não existia graça nem decoro. A figura era alta e esquálida, envolta dos pésa cabeça em veste mortuária. A máscara que escondia o rosto procurava assemelhar-se de tal forma com a expressão enrijecida de um cadáver que até mesmo o exame mais atento teria dificuldade em descobrir o engano. Tudo isso poderia ter sido tolerado, e até aprovado, pelos loucos participantes da festa, se o mascarado não tivesse ousado encarnar o tipo da Morte Escarlate. Seu vestuário estava borrifado de sangue?E sua alta testa, assim como o restante do rosto, salpicada com o horror escarlate. Quando os olhos do príncipe Próspero pousaram nessa imagem espectral (que andava entre os convivas com movimentos lentos e solenes, como se quisesse manter-se à altura do papel), todos perceberam que ele foi assaltado por um forte estremecimento de terror ou repulsa, num primeiro momento, mas logo o seu semblante tornou-se vermelho de raiva. - Quem ousa…?Perguntou com voz rouca aos convivas que estavam pertos?Quem ousa nos insultar com essa caçoada blasfema? Peguem esse homem e tirem sua máscara, para sabermos quem será enforcado no alto dos muros, ao amanhecer! O príncipe Próspero estava na sala leste, ou azul, ao dizer essas palavras. Elas ressoaram pelos sete salões, altas e claras, pois o príncipe era um homem ousado e robusto e a música se calara com um sinal de sua mão. O príncipe achava-se no salão azul com um grupo de pálidos convivas ao seu lado. Assim que falou, houve um ligeiro movimento dessas pessoas na direção do intruso, que, naquele momento, estava bem ao alcance das 16


mãos, e agora, com passos decididos e firmes, se aproximava do homem que tinha falado. Mas por causa de certo temor sem nome, que a louca arrogância do mascarado havia inspirado em toda a multidão, não houve ninguém que estendesse a mão para detê-lo; de forma que, desimpedido, passou a um metro do príncipe e, enquanto a vasta multidão, como por um único impulso, se retraía do centro das salas para as paredes, ele continuou seu caminho sem deter-se, no mesmo passo solene e medido que o distinguira desde o inicio, passando do salão azul para o púrpura?Do púrpura para o verde ?Do verde para o alaranjado?E desse ainda para o branco?E daí para o roxo, antes que se fizesse qualquer movimento decisivo para detê-lo. Foi então que o príncipe Próspero, louco de raiva e vergonha por sua momentânea covardia, correu apressadamente pelos seis salões, sem que ninguém o seguisse por causa do terror mortal que tomara conta de todos. Segurando bem alto um punhal desembainhado, aproximou-se, impetuosamente, até cerca de um metro do vulto que se afastava, quando este, ao atingir a extremidade do salão de veludo, virouse subitamente e enfrentou seu perseguidor. Ouviu-se um grito agudo?E o punhal caiu cintilando no tapete negro, sobre o qual, no instante seguinte, tombou prostrado de morte o príncipe Próspero. Então, reunindo a coragem selvagem do desespero, um bando de convivas lançou-se imediatamente no apartamento negro e, agarrando o mascarado, cuja alta figura permanecia ereta e imóvel à sombra do relógio de ébano, soltou um grito de pavor indescritível, ao descobrir que, sob a mortalha e a máscara cadavérica, que agarravam com tamanha violência e grosseria, não havia qualquer forma palpável. E então se reconheceu a presença da Morte Escarlate. Viera como um ladrão na noite. E um a um foram caindo os foliões pelas salas orvalhadas de sangue, e cada um morreu na mesma posição de desespero em que tombou no chão. E a vida do relógio de Ébano dissolveu-se junto com a vida do último dos dissolutos. E as chamas dos braseiros extinguiram-se. E o domínio ilimitado das Trevas, da Podridão e da Morte Escarlate estendeu-se sobre tudo.

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Capítulo III

Essa é uma história de alucinação!

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Leonor

S

ou oriundo duma raça caracterizada pelo vigor da fantasia e pelo ardor da paixão.

Os homens chamaram-me louco; mas ainda não está resolvido o problema? Se a loucura é ou não a suprema inteligência? Se muito do que é glorioso? Se tudo o que é profundo? Não tem a sua origem numa doença do pensamento? Em modalidades do espírito exaltadas a custa das faculdades gerais. Aqueles que sonham de dia sabem muitas coisas que escapam àqueles que somente de noite sonham. Nas suas vagas visões obtêm relances de eternidade e, quando despertam, estremecem ao verem que estiveram mesmo à beira do grande segredo. Penetram sem leme nem bússola, no vasto oceano da “luz inefável”; e de novo, como os aventureiros do geógrafo núbio, agressi sunt mare tenebrarum, quid in eo esset exploraturi. Diremos, então, que estou doido. Concordo, pelo menos, em que há dois estados distintos da minha existência mental? O de uma razão lúcida que não pode ser contestada, e pertence à memória de acontecimentos que constituem a primeira época da minha vida? E um estado de sombra e dúvida, que abrange o presente e a recordação do que constitui a segunda grande era do meu ser. Por consequência, acreditai tudo o que eu disser do primeiro período de minha existência; e dai ao que eu vier a contar dos derradeiros tempos o crédito que se vos afigurar justo; ou ponde-o completamente em dúvida; ou, se não puderes duvidar, fazei como Édipo e procurai decifrar o seu enigma. Aquela que na minha mocidade amei, e de quem agora, serena e lucidamente, estou traçando estas recordações, era a filha única da única irmã de minha mãe havia muito falecida.

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Minha prima chamava-se Leonor. Havíamos sempre vivido juntos, sob um sol tropical, no vale de Many-Coloured Crass. Jamais viandante algum aventurou seus passos por aquele vale; pois se estendia por entre uma cadeia de montes gigantescos, que sobre ele debruçavam as suas escarpas, vedando o acesso dos raios solares aos seus mais aprazíveis recônditos. Nas suas proximidades atalho algum jamais fora trilhado, e, para chegarmos ao nosso lar, não precisávamos afastar, com força, a folhagem de milhares de árvores, nem esmagar milhões de fragrantes flores. Assim vivíamos nós sozinhos, nada sabendo do mundo para além do vale? Eu, minha prima e sua mãe. Das obscuras regiões de além dos montes, no extremo superior de nossos domínios, descia um estreito e profundo rio, que excedia em brilho e limpidez tudo menos os claros olhos de Leonor; e, serpenteando furtivamente em intrincados meandros, embrenhava-se por fim através de uma sombria garganta, por entre montes ainda mais negros do que aqueles de que brotara. Denominávamo-lo o “Rio do Silêncio”, pois as suas águas pareciam ter a faculdade de tudo emudecer. Do seu leito nenhum murmúrio se erguia, e tão de mansinho ia desfiando seu curso que os diáfanos seixinhos que esmaltavam o fundo e que nós tanto gostávamos de contemplar, permaneciam absolutamente imóveis, refulgindo eternamente no lugar onde um dia se quedaram. A margem do rio e de muitos cintilantes riachos que, por tortuosos rodeios, a ele afluíam, bem como os espaços que as margens desciam até o leito de seixos do fundo das águas? Todos estes lugares, não menos de que toda a superfície do vale, desde o rio até as montanhas que o circundavam, era tapetada por uma relva verde, macia, espessa, curta, perfeitamente lisa e perfumada, mas tão profusamente matizada com botões de ouro, margaridas, violetas e asfódelos que a sua extraordinária beleza dilatava nossos corações com eloquência e paixão, do amor e da glória de Deus. E, aqui e além, em maciços que se diriam antes matas de sonhos, brotavam fantásticas árvores, cujos altos e esguios troncos se não erguiam a prumo, mas, torcendo-se, inclinava-se para a luz que ao meio-dia

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irrompia pelo centro do vale. A sua casca apresentava ao mesmo tempo o esplendor do marfim e da prata, e seria mais suave do que tudo não fosse a suave face de Leonor; de sorte que, se não fora o verde brilhante das enormes folhas que das suas copas se alastravam em linhas compridas e trêmulas, embaladas pelos zéfiros, poderia alguém imaginá-las gigantescas serpentes da Síria, prestando homenagem ao seu soberano, o Sol. De mãos dadas, durante 15 anos, vaguei com Leonor por este vale, antes de o Amor penetrar em nossos corações. Era uma tarde, ao cerrar-se o terceiro lustro da sua vida e o quarto da minha: estávamos sentados, abraçados, debaixo das árvores-serpentes e contemplávamos as nossas imagens refletidas no espelho das águas do rio. Nem mais uma palavra pronunciamos durante o resto daquele doce dia, e na manhã seguinte ainda as nossas palavras eram trêmulas e raras. Do fundo das águas havíamos tirado o deus Eros, e agora sentíamos que havíamos ateado dentro de nós as almas ardorosas dos nossos maiores. As paixões que durante séculos haviam caracterizado a nossa raça acudiam agora de tropel com as fantasias que os haviam igualmente distinguido e bafejavam venturas e bênçãos sobre o vale de Many-Coloured Crass. Tudo como por encanto mudou. Sobre as árvores onde jamais se conhecera uma flor desabrocharam agora estranhas flores em forma de estrela. Tornaram-se mais carregados os tons das alfombras de verdura; e quando uma a uma murcharam as brancas margaridas, surgiram em seus lugares, dez a dez, os asfódelos da cor dos rubis. E a vida brotava em nossos atalhos; pois o alto flamingo, até aqui nunca visto, com todas as álacres e variegadas aves, ostentava ante nós a sua plumagem escarlate. Peixes de ouro e de prata acorriam agora ao rio, de cujo seio se erguia, de mansinho, um murmúrio que, por fim, foi engrossando até se transformar numa suave melodia mais divina de que a da harpa de Éolo, mais doce do que tudo, não fosse a voz de Leonor. E agora, também uma enorme nuvem, que por muito tempo dominara as regiões do Hesper, avançara num deslumbramento carmesim e ouro e viera pairar serenamente sobre nós, descendo dia a dia até pousar sobre os cumes dos montes, transfigurando-os com o seu glorioso esplendor e encerrando-nos, como que para sempre, dentro duma mágica prisão de magnificência e glória.

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O encanto de Leonor era o de um Serafim, mas ela era uma adolescente ingênua e simples como a curta vida que vivera entre as flores. Nenhum artifício mascarava o amor que lhe estuava no coração, e ela examinava comigo os seus mais íntimos recessos, quando passeávamos no vale de Many-Coloured e conversávamos sobre as notáveis transformações que nele ultimamente se haviam operado. Um dia, finalmente, tendo falado, banhada em pranto da triste e derradeira transformação que a Humanidade deve sofrer, nunca mais deixou de discutir este doloroso assunto, intercalando-o em todas as nossas conversas, como nos cantos do bardo de Schiraz estão constantemente ocorrendo às mesmas imagens, a cada passo repetidas em cada impressionante variação de frase. Ela tinha visto que o dedo da morte se lhe cravara no seio?Que, como o efêmero, ela fora feita perfeita em encanto e beleza somente para morrer; mas para ela os terrores do túmulo apenas consistiam numa apreensão, que uma tarde, ao crepúsculo, ela me revelou, passeando comigo pelas margens do Rio do Silêncio. O que a penalizava era pensar que, após havê-la sepultado no vale de Many-Coloured, eu abandonaria para sempre aquelas ditosas paragens, transferindo o amor, que só dela tão apaixonadamente agora era para alguma jovem do mundo exterior e banal. E, então, ao ouvir-lhe expressar este pesar, atirei-me aos pés de Leonor e jurei que nunca me ligaria pelo casamento a filha alguma da Terra?Que jamais eu, fosse de que maneira fosse, trairia a sua querida recordação. Invoquei o Onipotente Senhor como testemunha da pia solenidade do meu juramento. E a maldição de que Deus e dela impetraram, no caso de eu atraiçoar meu juramento, envolvia uma pena cujo extraordinário horror me não permite referi-la aqui. Os olhos de Leonor se tornaram mais claros, quando eu assim exprimi o carinho que a prendia à minha vida; como se do peito arrancassem um peso mortal; tremeu e chorou amargamente; mas (que era ela senão uma criança?) aceitou o juramento, que lhe tornava mais suave o leito de morte. E disse-me, não muitos dias depois, finando-se tranquilamente, que, em vista do que eu fizera para alívio e consolo do seu espírito, velaria

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sempre por mim depois de morta, e se tal lhe fosse permitido, voltaria visivelmente a visitar-me nas vigílias da noite; se, porém, isto ultrapassasse o que às almas no Paraíso é permitido, dariam, pelo menos, frequentes indicações de sua presença, suspirando sobre mim nos ventos da tarde ou enchendo o ar que eu respirasse com o perfume dos turíbulos dos anjos. E, com estas palavras, exalou a sua inocente vida, ponto termo à primeira época da minha. Até aqui é fiel o relato que fiz. Mas, quando transponho a barreira formada pela morte de minha amada e penetro na segunda era da minha existência, sinto uma sombra empolgar-me o cérebro e não confio na perfeita sanidade das minhas palavras. Mas, prossigamos. Os anos foram-se arrastando pesadamente e eu continuei habitando no vale?Mas uma segunda transformação se operara em todas as coisas. As flores em forma de estrela secaram nas árvores e não mais reapareceram. Apagaram-se os matizes do verde tapete de relva; e, um a um, murcharam os rubros asfódelos e, em seu lugar, surgiram, dez a dez, escuras violetas sempre carregadas de orvalho. A vida desapareceu dos nossos atalhos; o alto flamingo já não exibia ante nós a sua plumagem escarlate, mas tristemente fugiu do vale para os montes com todas as álacres aves multicores que em sua companhia tinham vindo. Os peixes de ouro e prata nunca mais esmaltaram o nosso doce rio. A suave melodia que encantara mais do que a harpa e Éolo e fora mais divina do que tudo menos a voz de Leonor, foi-se pouco a pouco extinguindo, sumindo-se em murmúrios cada vez mais débeis, até que, por fim, o rio voltou à solenidade do seu primitivo silêncio. E então se ergueu de novo a enorme nuvem e, abandonando os píncaros dos montes à sua antiga tristeza, recuou para as regiões de Hesper, e consigo levou o áureo esplendor e todas as magnificências que por alguns anos transfiguraram o vale de Many-Coloured Crass. Todavia, as promessas de Leonor não ficaram no olvido; pois eu ouvia os sons do balouçar dos turíbulos dos anjos; correntes dum sagrado perfume flutuavam permanentemente sobre o vale; nas horas ermas, quando meu coração palpitava pesadamente, os ventos que me 24


refrescavam a fronte vinham carregados de brandos suspiros; indistintos murmúrios?Oh, mas só uma vez! Fui desperto de um sono, que se me afigurava o sono da morte, pela pressão de uns lábios espirituais sobre os meus. Mas o vácuo dentro do meu coração recusava-se, ainda assim, a ser preenchido. Tinha saudades do amor que o enchera a transbordar. Por fim o vale fazia-me sofrer pelas recordações, e abandonei-o então para sempre, trocando-o pelas vaidades e pelos turbulentos triunfos do mundo. Encontrei-me dentro duma estranha cidade, onde todas as coisas podiam ter servido para me apagaram da lembrança os doces sonhos que por tanto tempo sonhara no vale. O luxo e a pompa de uma corte majestosa, o doido clangor das armas e a radiosa beleza das mulheres desvairaram-me e embriagaram-me o cérebro. Até aqui, porém, ainda a minha alma permanecera fiel aos seus juramentos, e nas horas silentes da noite ainda até mim chegavam as revelações da presença de Leonor. De súbito, cessaram estas manifestações; mundo escureceu de todo ante os meus olhos, e quedei-me espavorido ante o escaldante pensamento que me possuía?Ante as terríveis tentações que me empolgavam; pois de muito longe, de uma terra distante e ignota, viera para a alegre corte do rei que eu servia uma donzela a cuja beleza todo o meu perjuro coração imediatamente se rendeu?A cujos pés me curvei sem uma luta, no mais ardente, no mais abjeto culto de amor. Que era, na verdade, a minha paixão pela adolescente do vale comparada com o fervor e o delírio, o alucinado êxtase de adoração com que eu depunha toda a minha alma em pranto aos pés da etérea Hermengarda? Oh, que deslumbrante era a angélica Hermengarda! E na minha alma para ninguém mais havia lugar. ? Oh, que divina era a celestial Hermengarda! E quando eu sondava as profundezas dos olhos inolvidáveis, só neles pensava?Só neles e nela! Casei; não me arreceei da maldição que invocara; nem senti o amargor de haver infringido um juramento solene.

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Mas uma vez, no silêncio da noite, chegaram até mim, através das minhas persianas, os brandos suspiros que havia muito eu já não ouvia e, numa voz familiar e doce, percebi estas palavras que jamais esquecerei: - Dorme em paz! ? Pois o Espírito do Amor reina e governa e, acolhendo no teu apaixonado coração aquela que se chama Hermengarda, tu és absolvido, por motivos que só no céu serão explicados, dos juramentos que fizeste a Leonor!

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CapĂ­tulo IV

Uma casa assustadora! Disposto a conhecĂŞ-la?

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A Velha Casa no Fim da Rua

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lbert vive com sua família em um dos bairros mais calmos de sua cidade. Na rua em que Albert reside praticamente todos os vizinhos se conhecem e quase sempre viveram tranquilamente. Apenas uma coisa vem incomodando os moradores. É uma casa que fica no fim da rua e que já está abandonada há muito tempo. Os moradores mais antigos dizem que a família que lá morava, um dia saiu e nunca mais voltou. Não houve mudança e nenhum outro parente apareceu por lá. Desde então, pessoas dizem ouvir gritos, outras relatam ver alguém na janela, alguns dizem sentir uma sensação estranha e ruim ao passarem em frente a casa. Até o parque que se localiza próximo a casa, que as pessoas usam para se exercitar e as crianças para brincar, estão sendo evitado. Pois falam que os brinquedos se mexem sozinhos. Até uma pista de corrida que passa ao lado da casa e é cercada por muitas árvores, as pessoas que lá correm, sentem-se perseguidas, mas quando olham para trás, não há ninguém. E assim continua dia após dia. Certo dia, alguns parentes de Albert foram visitar sua família. Lenny, primo de Albert, é um garoto que gosta muito de aprontar, e sabendo do que ocorria por lá, esperava uma oportunidade para entrar na casa “assombrada”. E a oportunidade veio. Depois de muita insistência, convenceu Albert e mais um colega, que na noite do dia seguinte, eles entrariam na casa. Nesse meio tempo, arrumaram lanternas e uma filmadora só para registrar tudo o que ocorreria lá dentro. Na madrugada de quinta para sexta-feira, depois que os seus pais foram dormir, Albert e Lenny saíram para se encontrarem com Alex, que já os esperava na rua. Alex estava acompanhado de seu pai, um homem com certa idade, mas com espírito jovem. Os quatro se dirigiram até a casa no fim da rua. Nesse horário, como a rua estava deserta, os rapazes pularam o muro com facilidade. A grama e as plantas do jardim haviam crescido 28


muito, e havia também alguns brinquedos e até uma bicicleta largada próxima a porta de entrada da casa. Ficaram forçando a porta até que ela cedesse e eles pudessem adentrar a casa. Ao entrar, um forte cheiro de mofo foi sentido. Com as lanternas os garotos iluminavam todo o ambiente, enquanto o pai de Alex começou a filmar tudo. Todos os móveis e eletrodomésticos estavam no lugar, apenas cobertos por uma densa camada de poeira. Um clima tenso pairava no ar, mas mesmo assim eles não desistiram e continuaram a andar pela casa até chegar a uma escada que levava ao andar de cima. Quando se preparavam para subir, começaram a ouvir um barulho como se alguém estivesse correndo lá em cima. Todos sentiram um terrível frio na espinha. Ficaram na dúvida se subiriam ou não. O medo foi se misturando com a curiosidade, e com a insistência do pai de Alex, começaram a subir bem devagar. No andar de cima havia dois quartos e um banheiro, todos com as portas fechadas. Os rapazes foram caminhando lentamente pelo corredor onde também havia uma janela em que era possível avistar a rua. Alex lembrou que uma vizinha disse ter visto alguém naquela janela enquanto passava pela rua. Isso deixou todos mais assustados ainda. Na parede ao lado da janela, várias fotos de família, a maioria delas com um casal e três crianças. O pai de Alex continuava a filmar tudo. Ainda morrendo de medo, Albert forçou as maçanetas das portas dos quartos e do banheiro, mas não conseguiu abrir nenhuma delas. E quando eles pensaram que não havia mais nada para ver e já estavam preparados para ir embora, ouviram um leve ranger na porta de um dos quartos. E quando clarearam a porta com a lanterna, havia uma garota olhando para eles. Ela tinha uma aparência muito estranha. Tinha a aparência de alguém muito doente. Ela era magra e usava um pijama amarelo contendo algumas manchas escuras que pareciam ser sangue. A menina fez um olhar de alguém muito triste e fechou a porta batendo-a violentamente. Os quatro correram e desceram as escadas rapidamente. Albert que estava por último, tropeçou, caiu e fraturou o braço, mas no seu desespero, conseguiu junto com os outros sair da casa e pular o muro. O susto foi tão grande que Albert desmaiou e

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tiveram que acordar os seus pais no meio da madrugada para levá-lo ao hospital. Depois do susto, os rapazes contaram tudo o que aconteceu naquela casa. Mostraram até a gravação que fizeram lá dentro. No áudio da gravação, os sons de passos no andar de cima foram captados, mas no momento em que a garota apareceu, o pai de Alex tremeu tanto que só um vulto foi registrado no vídeo. Lenny disse que a garota parecia com uma das crianças que estavam nas fotos na parede da casa. Ninguém voltou a entrar naquela casa. Também nunca descobriram o que aconteceu com a família que lá morava e quem realmente era aquela garota. Os “fenômenos” não só continuaram a acontecer, mas aumentaram ainda mais.

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CapĂ­tulo V

Cuidado aonde vai, as estradas escondem segredos!

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Terror na Estrada

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m carro parado na beira de uma estrada. Dentro, um casal discutia. A garota perguntava incessantemente o porquê de seu namorado não ter parado em um posto de gasolina. O rapaz se defendia dizendo que já havia enchido o tanque no dia anterior, e achava que com o combustível que tinha daria para viajar tranquilamente. O casal estava indo para uma cidade litorânea, era uma viagem muito esperada por eles, mas foi interrompida justamente pela falta de combustível. Para piorar o que já era ruim, o carro parou em um local bem afastado de tudo, por onde se olhava apenas se podia ver a vegetação e as grandes árvores que cercavam a estrada, e os poucos carros que trafegavam por lá, ninguém podia dar a ajuda que eles precisavam. Como não havia alternativa, o casal ficou do lado de fora do veiculo esperando e torcendo para que logo aparecesse alguém que pudesse ajudá-los. Mas passaram-se os minutos, horas e nada. Além de não conseguirem ajuda, logo anoiteceria, e não havia iluminação naquela parte da estrada. Isso deixou os jovens muito preocupados. Tentaram também fazer ligações para familiares e amigos, mas, naquela área, o telefone celular não tinha sinal algum. A garota continuava culpando o namorado por eles estarem naquela situação, ele, só se desculpava. Alguns minutos depois, a garota se lembrou de ter visto uma pequena casa na beira da estrada, mais ou menos uns quinze a vinte minutos antes de o carro parar. Pelo tempo, deduziram que essa tal casa não ficava longe dali, então, decidiram ir até lá, pois naquele momento, era a única maneira de encontrar ou conseguir ajuda. Mas teriam que ir depressa, logo anoiteceria e a estrada ficaria uma total escuridão. E lá foram eles. Andando pelo acostamento, o casal partiu em direção a pequena casa, levando consigo uma pequena lanterna para quando escurecesse, e um galão vazio, na esperança de conseguir um pouco de 32


gasolina. Durante esse longo e imprevisível trajeto, o rapaz falava e brincava bastante, tudo para fazer com que a garota se sentisse bem. E assim foi indo. Mas o percurso era maior do que eles imaginavam. Logo anoiteceu e eles tiveram que usar a lanterna, essa que, não durou cinco minutos e parou de funcionar. O casal praticamente se viu perdido no meio daquela quase total escuridão, quase porque o brilho da lua cheia clareava levemente a estrada. Mesmo assim continuaram andando, voltar não adiantaria nada, ir até aquela pequena casa, ainda era uma esperança. Andando apressadamente e praticamente em silêncio, o jovem casal desejava mais do que nunca chegar logo a essa pequena casa. Mas eles andavam, andavam e nada de chegar. De repente, começaram a ouvir sons que vinha de dentro do matagal. Parecia que alguém ou algo estivesse quebrando os galhos das árvores. No começo o som parecia distante, mas pouco a pouco foi ficando mais alto. O que quer que fosse aquilo, estava vindo do meio da mata rumo à estrada, bem na direção do casal. Os jovens apertaram ainda mais o passo, pois nessa altura já estava muito assustados. Aquilo que estava na mata parecia acompanhar os passos do jovem casal. Sem pensar duas vezes, o rapaz pegou na mão da namorada e os dois saíram correndo, quase que desesperadamente. Correram por muitos metros, mas, a garota não conseguia mais acompanhar seu namorado. Então eles pararam de correr, e notaram que aqueles sons haviam cessado. Por um instante se viram livres daquilo que na verdade nem sabiam o que era. Foi nesse momento que algo chamou a atenção do rapaz. Ele pediu para que sua namorada olhasse para o topo de uma árvore na beira da estrada. A garota olhou e se apavorou com o que viu. Não só ela, mas também, o rapaz ficou apavorado ao ver um vulto em pé em cima de um dos galhos bem no alto da árvore. Apoiando uma das mãos sobre o tronco, aquilo que observava o casal, percebeu que o casal havia notado a presença dele, e de uma forma espantosa e uma velocidade impressionante começou a descer da árvore. Mais uma vez o rapaz pegou na mão da namorada e os dois saíram correndo desesperadamente. 33


Aquela coisa, o vulto, ou o que quer que fosse aquilo, desceu da árvore e passou a perseguir o casal pela estrada. A sua velocidade era tão impressionante que logo alcançou a casal. O rapaz, em um instinto de sobrevivência e um ato de proteger a namorada, tentou lutar contra aquele ser estranho. Durante a tentativa do jovem se defender, e em meio a gritos desesperados da garota, pode ser comprovado que aquilo de fato era um homem, ou pelo menos parecia ser. Mas apesar de sua aparência esquelética, esse tal homem tinha muita força. O rapaz não conseguiu resistir por muito tempo, logo aquele homem o derrubou e no chão, o atacou violentamente com uma mordida no rosto. A garota desesperada, ao ver aquela terrível cena, voltou a correr, e não demorou muito e ela conseguiu enfim chegar até essa pequena casa. A jovem bateu várias vezes na porta enquanto gritava por socorro. Logo, um senhor abriu a porta e puxou a garota para dentro. Esse senhor parecia saber o porquê do desespero da garota, ela, que mal adentrou a casa e desmaiou. Já havia amanhecido quando a jovem acordou, e ainda chorando muito contou ao senhor e a esposa dele o que havia ocorrido na estrada. A policia foi chamada. Fizeram uma busca por todo o local, fizeram todo o trajeto antes feito pelo casal, mas não encontraram o rapaz. A única coisa que tinha, eram as marcas de sangue, muito sangue que borrava o asfalto, bem aonde o rapaz havia iniciado a luta com aquele ser. Mas um dos policiais percebeu que as marcas de sangue adentravam a mata. Aos poucos que os policiais iam se embrenhando no matagal, iam achando os pedaços do corpo do rapaz. Mas para a garota e a família do jovem, eles disseram que não encontraram nada. A policia também parecia saber o que aconteceu por lá, parece que esse foi só mais um caso trágico que encobriram. Sabiam que algo provocava aquelas mortes terríveis, mas não sabia quem ou o que era esse assassino. Em depoimentos, a garota disse que não se lembrava muito bem de como era aquele sinistro homem, só soube dizer que era muito magro, com ossos protuberantes sob a pele e que parecia ter presas como as de um animal selvagem.

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Capítulo VI

Um erro, um tormento, uma solução!

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Carta de Despedida

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ma mulher desesperada ligou para a policia. Ela chorava muito e mal conseguia falar, os policiais só conseguiram o endereço da casa através de identificador de chamadas. Ao chegarem, encontraram a mulher abraçada a uma criança, ambas chorando. Essa mulher, apenas disse para os policiais olharem no quarto. Ao adentrarem o quarto, eles se depararam com um terrível cenário. Um homem havia atirado contra a própria cabeça com uma arma de grosso calibre, não sobrou praticamente nada do crânio. Havia sangue por toda parte, o homem, em uma das mãos ainda segurava a arma, e na outra segurava um envelope. Só depois que passaram os enjoos e as náuseas, que um dos policiais pegou o envelope, nele estava escrito o nome da esposa e dentro, havia uma folha de caderno com alguma coisa escrita. O policial começou a ler e se surpreendeu com o conteúdo. “Querida Julia me perdoe, por favor, cuide bem da nossa Jéssica”. “Eu não sei mais o que fazer, não consigo me livrar disso, ela está em toda parte, ela me persegue até nos meus sonhos e ouço sua voz a todo o momento. Foi meu pior erro, não devia ter me envolvido com outra mulher. Era para ser apenas uma noite, mas ela não parava de me ligar, começou a ir no meu trabalho, e até aqui na nossa casa ela veio. E quando ela ameaçou te contar tudo, eu decidi dar um fim nisso. Chamei ela aqui em casa, e enquanto eu fingia que arrumava o jardim, aproveitei um momento de distração dela e a golpeei com a pá, ela desmaiou. Eu fiquei muito assustado, e nesse meu momento de desespero, eu a enterrei no quintal da casa vizinha, meu Deus, eu a enterrei viva. Desde então as coisas só pioraram, essa mulher chamada Rose, vive me assombrando. Eu posso vê-la em todos os lugares, o sangue ainda escorre pelo seu rosto, seu choro me atormenta. Eu tentei pedir perdão, mas ela fica lá, parada, apenas olhando para mim, ela deve estar me punindo. Não aguento mais, 36


nunca vou conseguir conviver com isso, fiz uma grande besteira e mereço castigo. Vou fazer justiça, vou acabar com o nosso sofrimento. Julia, eu te amo, amo a Jéssica, mas não mereço vocês, por favor, me perdoem”. Algum tempo depois, um pouco mais calma Julia disse a policia que a cerca de um mês, o comportamento de seu marido mudou completamente. Ele andava nervoso, apreensivo, e só dormia a base de calmantes. Que ela perguntava o que havia de errado, mas ele nunca dizia nada. A policia vasculhou o quintal da casa vizinha e encontrou uma cova onde estava o corpo da mulher, já em avançado estado de decomposição. Dias depois, enquanto recordavam do marido através de algumas fotos tiradas em uma festa realizada alguns dias antes do suicídio, Julia percebeu algo muito estranho e assustador. Todas as fotos em que seu marido se encontrava, bem atrás dele, havia a imagem de uma mulher chorando. Ela tinha um sério ferimento na cabeça que sangrava muito.

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CapĂ­tulo VII

Nem sempre sabemos quem somos. Ele, ĂŠ a prova disso!

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O Assassino da Rua 23

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ra uma noite fria durante o inverno de 1834. As notícias repentinas de haver um assassino vagando por este bairro faziam meu estômago embrulhar ao me lembrar de Clarisse, pois as vitimas eram sempre mulheres ricas, jovens e atraentes, assim como minha linda Clarisse. O vento bateu forte em meu rosto, me obrigando a segurar meu chapéu coco para impedir que voasse, enquanto caminhava em direção á casa dela, como me acostumei a fazer toda noite desde que decidimos nos casar a pouco menos de um mês. – Clarisse, estou dizendo, você deveria ficar em casa. Pelo menos até a polícia encontrar este assassino. – Disse enquanto ela enchia minha xícara com chá. – Não seja bobo. Sabe que minha tia precisa de mim. Está em seus últimos dias. Além disso, deveria se preocupar mais com você. Já não lhe disse para não andar desacompanhado? Eu sofria de narcolepsia. Não eram raras as ocasiões em que cochilava durante o dia, tendo todo o meu corpo paralisado e indefeso. Estava acostumado á isso desde criança e já nem me importava se ficasse inconsciente a qualquer hora do dia. Não podia evitar. – Clarisse... As vítimas são mulheres. Faça isso, por favor. – Não vou me trancar em casa por causa de um assassino. Tenho certeza de que a polícia irá cuidar disso antes que mais alguém saia ferido. Ferir, ela dizia como se fosse o pior que pudesse acontecer, quando na verdade todas as vítimas eram brutalmente assassinadas. Suspirei

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enquanto pegava meu chapéu e meu casaco, sabendo que nada a faria mudar de ideia. – Venha jantar aqui amanhã. Vou pedir para que façam seu prato preferido. – Ela disse quando sai pela porta, acenando para mim. Em algum momento da volta, eu sabia que minha visão estava começando a embaçar, senti meus membros pesados e sei que me escorei em um muro e dormi. Era tarde e meu sono se intensificava por causa de minha doença. Tive um sonho inquieto, intensificado por meu medo de perder Clarisse, ouvi gritos e vultos estranhos, acordando assustado ao imaginar sua imagem ensanguentada. Não sei como cheguei a minha própria casa, pois ao acordar em minha cama não me lembrava de como havia chegado ali. Talvez fosse algum outro sintoma da doença, eu não podia saber, mas quase sempre quando eu acordava, me via em algum lugar diferente do qual eu estava ao dormir. Era um incômodo, tenho que dizer, as pessoas se afastavam de mim por isso, como se fosse algo contagioso. Em várias oportunidades tive ajuda de conhecidos que me traziam até a presença de algum familiar, mas com o tempo, até estes se afastaram. Mas Clarisse jamais se deixara afetar por meus problemas de saúde e sempre esteve comigo, mesmo quando ainda éramos criança. Sabia que ela era a pessoa certa e não havia nada que eu não faria por ela. E por isso me preocupei ao ler os jornais no dia seguinte ao descobrir que mais alguém havia sido vítima do sanguinário assassino da Rua 23, como passou a ser conhecido. A rua que dera nome á ele era justamente aquela que Clarisse morava. A pobre mulher foi encontrada morta, esquartejada em um beco e os pedaços haviam sido abandonados ali mesmo, para quem quisesse ver. Saber que eu havia estado naquela rua, naquela noite, e poderia ter cruzado com o assassino era o pior para mim. Podia ter sido Clarisse. O que eu faria sem ela?

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Preocupado, sai de casa, disposto a convencê-la a morar comigo, pelo menos até que os crimes terminassem. Pouco me importava o que fossem achar se uma mulher solteira fosse morar com um homem sem terem se casado. Embora quisesse encontrá-la, sabia que não estaria em casa tão cedo então me contive até que anoitecesse e desse o horário do jantar. Estava tão frio que comecei a sentir meus dedos formigarem. O vento batia nas folhas das velhas árvores da rua com seu assobio choroso, dando certo ar lúgubre á paisagem. Olhei em volta, encarando aqueles que passavam por mim e imaginando qual deles poderia ser o assassino. O toque de recolher não me permitiria demorar muito mais se quisesse ter tempo para convencer Clarisse a morar comigo. Era preciso apertar o passo. – Você se preocupa demais. Está tarde para sair perambulando pela rua cheia de malas. Estou segura em casa. Eu a encarava seu rosto por cima do vaso de flores na mesa. Ela se manteve calma durante todo o jantar e nada do que eu dissesse parecia fazê-la mudar de opinião. – Morando sozinha? Clarisse! Por que tem que ser tão cabeça dura? Venha comigo por hoje e amanhã voltamos para buscar suas coisas. – Estou tão cansada... Se estiver tão preocupado, por que não fica aqui esta noite? – Ela inclinou a cabeça e deu um meio sorriso para mim. – Estarei segura com você. Eu não podia deixá-la sozinha. Não parecia certo. Iria então velar seu sono e impedir que qualquer mal á atingisse. Era a única solução. Sentei-me em uma poltrona em seu quarto, abusando da intimidade que nós ainda não devíamos ter. Observei enquanto ela se deitava e se virava para mim, sorrindo e murmurando boa noite ao se cobrir.

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A noite avançava e sua escuridão forçava meus limites. Não iria resistir por muito tempo ao sono, sabia que a qualquer momento poderia ficar inconsciente tendo em vista o mal que me afligia. Pensamentos de morte inundavam meu cérebro, me mantendo acordado por alguns instantes. Porém, no momento em que consegui raciocinar direito sem me deixar levar por sentimentalismos, percebi que não era mesmo necessário me manter acordado. Eu estava sendo um bobo super-protetor, é claro, o assassino só atacava mulheres que andavam noite afora, não senhoras seguras em suas próprias casas. Eu havia me deixado levar pelo medo, pois ele não era um invasor, apenas um sanguinário sem escrúpulos. Clarisse estava deitada. A luz do luar que entrava pela janela iluminava seus cabelos loiros caídos no rosto, enquanto sua mão pousada sobre o corpo suavemente acompanhava o ritmo de sua respiração lenta de quem já sonha. Eu a olhei com ternura, momentos antes de fechar meus olhos ao perceber que a sensação de dormência causada por meu sono anormal estava começando a me atingir e relaxei na poltrona, sorrindo ao perceber que ela estava segura. Ainda estava escuro quando meus olhos se abriram. Ao meu lado jazia Clarisse, ainda dormindo. De alguma forma eu havia me movido até sua cama e me sentado ao seu lado. Mas algo estava diferente. A posição de seu corpo não parecia natural. Ouvi ruídos de passos e ao olhar para frente, havia um homem parado na porta e o coro de uma multidão revoltosa soava pela janela entreaberta. Meus extintos despertaram para um possível suspeito de assassinato fugindo e adentrando na primeira residência que encontrasse. Eu poderia defendê-la. Lembrava-me de ter visto uma faca na cômoda perto da cama. Ele caminhou até a janela em passos rápidos e bruscamente puxou as cortinas permitindo que toda a luz da lua entrasse no aposento e em seguida se virou, mostrando seu rosto. Eu assistia aquilo sem saber o que deveria fazer ao me deparar com o próprio Chefe da Polícia.

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– O que foi que você fez? – Ele perguntou se dirigindo á mim. – O que foi que você fez? – Ele repetiu mais uma vez. Olhei-o sem entender o que queria dizer, por mais que gesticulasse com as mãos e me olhasse incrédulo. Vendo minha reação, ele caminhou até mim, furioso, me obrigando a buscar a faca na cômoda para o caso de algo sair do controle. Mas ela não estava lá. Olhei para Clarisse e seus cabelos loiros estavam manchados de vermelho, que também se espalhava por toda a cama. Estava morta ao meu lado, inerte. Sua respiração havia cessado para sempre, porém seu coração ainda forçava o líquido escarlate para fora do corpo, jorrando sobre a cama. Seus olhos me encaravam abertos e apavorados numa expressão de dor e traição que eu jamais poderei me esquecer. Não se tratava mais de um caso de narcolepsia, eu logo percebi ao despertar neste cenário. Era um caso de dupla-personalidade em que todo o mal que havia sido acumulado em meu ser havia despertado, de uma forma que eu jamais poderia ter imaginado nem em meus piores pesadelos. Encarei a faca, que ainda segurava em uma das mãos, horrorizado ao perceber os fatos e enterrei-a em meu peito.

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CapĂ­tulo VIII

Ela possui um segredo, preparado para descobrir?

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O Mal de Sepúlveda

A

s coisas não iam nada bem Abaruna, uma pequena cidade encravada na serra fluminense. Um lugar aprazível, de clima ameno, com rios e cachoeiras onde muitos mergulhavam a fim de restabelecer suas forças, exauridas pelo trabalho diário. Com essas qualidades, havia ganhado o apelido de “Pedaço do Céu”, que estava grafado em uma placa, no pórtico da cidade. Sua economia girava em torno da pecuária, onde os mais ricos criavam bois, enquanto os mais pobres, cabras. Sepúlveda era um deles. Havia se mudado para lá há um ano com Margarete, sua esposa, buscando uma vida melhor. Levantava todos os dias às cinco da manhã. Ordenhava algumas cabras, depois soltava todo o rebanho para pastar, recolhendo-os à tardinha. Com o leite, sua dedicada esposa fabricava queijos que eram vendidos na cidade. À noite costumava ir à venda tomar uma pinga, jogar sinuca e conversa fora, enquanto Margarete ficava em casa rezando. O assunto da vez era o aparecimento de uma onça na região. Dezenas de animais estavam aparecendo mortos nos sítios, com os corpos dilacerados. Não sobrava quase nada. – Bota mais uma, Chico! – disse ele, segurando o taco em uma das mãos. – Então compadre, devemos formar um grupo para caçar essa onça. Senão, dentro de pouco, nós mesmos correremos perigo... – disse Sebastião dando uma golada na cachaça, deixando escorrer pelo canto da boca, que ele eventualmente limpava com a manga da camisa. – De acordo compadre! – disse o Dr. Nunes, o único fazendeiro presente. Falava como se também fosse integrar o grupo. Não iria. Com certeza seria um empregado seu...

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– Devemos ter cuidado senhores... Afinal, ninguém viu ainda a tal onça... – disse Zaqueu, o mais moço, que era filho de Sebastião. – Não entendo o porquê dessa sua insegurança... O compadre Moura viu a onça devorando uma de suas cabras, não foi Moura? – disse o pai de Zaqueu. – Na verdade... Não tenho certeza se era uma onça... – disse Moura abaixando a cabeça. – Apesar de a noite estar clara pela lua cheia, o bicho estava longe e eu não pude ver mais que seus olhos vermelhos. Mas era grande, do tamanho de uma onça ou maior. – Você disse Lua Cheia? – perguntou Dr. Nunes. – Sim doutor... – respondeu Moura. – Temo estarmos lidando com uma criatura do mal... – disse ele limpando o suor da testa. – Não entendo o que quer dizer com isto... – disse Moura. Os outros escutavam atentos. Ele não era de falar bobagens. – Isso que o compadre Moura viu, realmente não era uma onça. Era um lobisomem... – Mas isso não é possível! Nunca tivemos isso por aqui... – reclamou Sepúlveda. Fez movimento como se fosse sair, mas pareceu desistir no caminho. – Também nunca tivemos onças... – disse Zaqueu, que também não parecia acreditar no que ouvia... O assunto era fantasioso demais, mas não havia explicação coerente para os animais mortos. – Isso não existe gente! Vocês estão malucos? – disse Chico, o dono da venda. Até agora tinha ficado quieto, mas o teor das últimas palavras o incomodou. Como podem achar possível uma coisa dessas? – pensava ele. – O fato é que se não fizermos nada, um dia pode ser um de nós que amanhecerá morto pela criatura, seja ela onça ou lobisomem... – disse Dr.

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Nunes seriamente. Era o único que parecia acreditar plenamente na existência das tais criaturas. – Para mim chega! Vocês estão todos bêbados, a começar pelo doutorzinho! – disse Sepúlveda, ao sair do bar, cambaleante. – Me respeite Sepúlveda! Volte aqui seu borra botas! – disse ele levantando-se. Cuspia ao falar, e seu rosto havia corado. – Acalme-se homem... – disse Chico. – Façamos o seguinte, senhores: Iremos todos para casa hoje, e pensaremos no assunto. Amanhã nos reuniremos mais uma vez e decidiremos o que fazer... – disse Dr. Nunes com uma autoridade que nenhum outro tinha. Os homens saíram um a um da venda, calados e preocupados. Suas casas ficavam a léguas dali e a noite ia alta. Por mais que não acreditassem na história, os sons dos animais noturnos e o vento que sibilava nas árvores assustavam. Mas eles fingiam não se abater... – Então pai... Acredita nessa história? – perguntou Zaqueu enquanto caminhavam pela estrada empoeirada. – Olha filho, seu avô contava essas histórias desde que eu era moleque. Mas eu só vou acreditar no dia em que eu vir um... – disse ele saindo da estrada e pegando uma pequena trilha que dava em sua casa. Caminharam em silêncio até que ouviram um animal rosnando. Pelo som, grave e alto, parecia grande. Pararam de caminhar, mas continuavam a ouvir o rosnado. Ambos sentiram um arrepio percorrer a espinha. A morte parecia iminente. Ousaram dar mais passos, mas a criatura rosnava mais. Não tiveram coragem de olhar para trás. Decidiram correr. As passadas do bicho batiam pesadas ao chão, e Sebastião foi ficando cada vez mais para trás. A criatura de quase dois metros, pelos marrons e olhos vermelhos, que estava ofegante e babando, alcançou o homem, dando-lhe um violento golpe, derrubando-o ao chão.

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Sebastião lançou um olhar suplicante para o filho que não pode fazer nada. O lobisomem lançou-se sobre o homem e mordeu diretamente no pescoço, enquanto ele gritava desesperadamente. Seu sangue quente jorrava e a criatura parecia se divertir com seu corpo, arrancando-lhe pedaços de carne, uivando e rugindo. – O Senhor é meu pastor, nada me faltará... – recitava o rapaz correndo e chorando. Sepúlveda cambaleava de um lado a outro da rua. Sua roupa estava suja e rasgada, provavelmente devido a algum tombo. Não temia nada. Talvez não fosse coragem, apenas a bebida, que demorava a lhe fazer efeito, mas quando fazia, era devastador. Abriu a porta de casa, que rangia sombriamente, quebrando o silêncio que insistia em permanecer ali. Ouviam-se apenas os grilos, os sapos e as folhagens que batiam uma à outra com o vento. Descalçou-se e entrou lentamente, temendo acordar a mulher, que estava no quartinho. Uma semana por mês ela dormia separada do marido. Coisas de mulher... Chegando a seu quarto conferiu as janelas. Pelo caminho vinha pensando na história do Dr. Nunes. Era melhor se precaver. Fechou a porta e trancou-a, pegando uma espingarda que havia atrás dela. Colocoua ao seu lado na cama e dormiu. No dia seguinte, a notícia sobre a morte de Sebastião espalhou-se como rastilho de pólvora. Não que ele fosse muito querido. Aliás, ele era muito conhecido pela ignorância com que tratava seus empregados. O que chamou a atenção do povo foi a brutalidade de sua morte. Sepúlveda chegou da venda com o pão debaixo do braço e com os olhos arregalados. – Que cara é essa, bem? – perguntou Margarete, que o aguardava no quintal. Tinha por volta de um metro e sessenta, pele pálida e olhos lânguidos.

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– O compadre Sebastião morreu! – disse ele com a voz baixa. Nem ele mesmo conseguia acreditar no que dizia. – Ara! Mas morreu de quê? – perguntou ela tomando o pão de suas mãos. – Ah mulher! Um bicho atacou a ele o filho no caminho de casa ontem à noite. O Zaqueu disse que foi lobisomem... – Mas que absurdo! – disse ela levando as mãos ao rosto. – Não acho que isso exista... – Ah mulher! Mas agora a coisa é séria... – disse ele pegando um martelo e alguns pregos no armário. – O compadre Moura já havia visto a criatura, mas ninguém tinha morrido ainda. E eu mesmo não acreditava, mas depois dessa... – disse ele saindo de casa. Voltou minutos depois com algumas tábuas debaixo do braço. – O que vai fazer? – perguntou Margarete, confusa. – Você não me abra às portas nem as janelas desta casa por nada esta noite! – disse ele enquanto pregava as tábuas nas janelas. – Hoje vamos caçar a criatura! Ficou quase o dia todo reforçando as portas e janelas e depois limpando a espingarda, que não podia falhar quando fosse necessária. O sol já estava no horizonte e Sepúlveda precisava estar pronto para a caçada. Aproximou-se da mulher, deu-lhe um beijo e a abraçou. – Eu te amo! Se algo me acontecer, saiba que sempre te amei e para sempre te amarei! – disse ele com os olhos marejados. – Eu também te amo querido! Não há de te acontecer nada! – disse ela com ar tristonho. O grupo encontrou-se na venda, como combinado, e saiu com armas em punho atrás da criatura. Inclusive Zaqueu, que havia perdido o pai recentemente, estava lá, prometendo vingança. Dr. Nunes realmente não havia ido. Mandou avisar que tinha um sério compromisso e que

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infelizmente não poderia ir. Mas seu mais valente capataz faria às vezes dele. Caminharam mata adentro em meio ao silêncio, tendo somente a lua como farol. Preparavam uma armadilha para o monstro. Carregaram uma cabra que prenderam numa estaca fincada ao chão, ficando eles à espreita. Chico, o dono da venda, rasgou a perna do animal, crendo que o cheiro de sangue atrairia o lobisomem. Estava certo. Puderam perceber o movimento brusco dos arbustos por onde ele passava a respiração ofegante e suas passadas que ficavam cada vez mais fortes e próximas. Finalmente ele saltou sobre a cabra, mordendo ferozmente seu pescoço. Mal podiam acreditar no que viam... – Desgraçado! – gritou Zaqueu saindo da tocaia na direção do monstro, com a espingarda apontada para ele. A criatura deu um forte rugido e saltou para o meio da mata novamente. – Não Zaqueu! – gritaram eles. A atitude do moço estava pondo tudo a perder. Já o tinham na mira das armas e agora começariam do zero novamente. O monstro agitava as folhas ao redor do rapaz e toda a equipe se aproximou. Temiam pelo pior. A criatura parecia estar se preparando para o ataque. – Volte aqui seu desgraçado! – disse ele disparando um tiro na direção da mata. Não ouviram mais som nenhum. Nem dos galhos quebrando, nem da criatura ofegante. De repente, os outros, que estavam a uma distância considerável de Zaqueu, avistaram o monstro que caminhava lentamente e silencioso. – Não! – gritou Chico, mas era tarde. Zaqueu teve tempo apenas de virar-se e desferir-lhe um tiro, e a criatura o devorou assim como fez com seu pai. Os homens atiraram nela e acreditaram ter acertado tamanho o rugido do monstro, que fugiu para a mata.

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– Minha casa fica para lá! – disse Sepúlveda preocupado. Começou a pensar em sua mulher, sozinha em casa. Ela poderia estar correndo perigo! Correram atrás do bicho. Parecia que o terror de Abaruna estava prestes a acabar. Avistaram-no caído à sua frente, já no quintal da casa de Sepúlveda. O primeiro a se aproximar foi ele, que logo viu a janela do quarto de sua mulher, completamente destruída. – Seu grande filho da mãe! – esbravejou ele. – O que fez com minha mulher? - disse ele apontando a arma em sua direção. A criatura estava ofegante e ferida, parecendo se arrastar para a casa. Seus olhos lacrimejavam e ele rugia baixinho, como um filhote na presença da mãe. – Volte para as trevas, monstro! – disse Sepúlveda atirando no lobisomem. Ele deu um grande grito e ficou encarando-o, com a respiração rápida e curta. Aquele olhar lhe era familiar... A criatura foi perdendo tamanho. Seus pelos sumiam rapidamente. As feições femininas não demoraram a surgir e o corpo esguio de Margarete jazia moribundo em frente a seu marido, que não podia fazer mais nada. Tudo então começou a fazer sentido. As noites que ela preferia passar sozinha eram exatamente as sete noites da lua cheia... – Não! Margarete! – disse ele jogando a arma ao chão e abraçando o corpo nu da esposa, chorando copiosamente. – Me perdoe... – disse ela, expirando em seus braços. – O que estão esperando? – esbravejou ele com o rosto banhado em lágrimas. - Terminem logo com isso! – disse ele desesperado, abraçando ainda mais o corpo flácido da esposa. Sua vida agora não fazia mais sentido. O capataz de Dr. Nunes tentou detê-lo, mas Chico e Moura o impediram, pois entenderam a súplica do amigo. Sepúlveda não queria que sua mulher ficasse conhecida como o monstro. Entregou então a sua vida, para que salvasse ao menos a reputação dela. Seus amigos, com as armas, o livraram do martírio e ele tomou o lugar de Margarete. Ficou

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conhecido como o terr铆vel lobisomem de Abaruna, morto enquanto devorava a pr贸pria mulher.

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Capítulo IX

Atenção ao que ouve, pode ser a morte chamando.

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Os ruídos da morte

O

s habitantes das ilhas Samoa acreditam que, quando a morte se aproxima, pancadas secas paranormais são ouvidas na casa da vítima.

Esse estranho fenômeno já foi chamado de ruídos da morte, e sua existência representa mais do que mero folclore. Genevieve B. Miller, por exemplo, sempre ouviu esses estranhos ruídos, principalmente na infância. As pancadas ocorreram durante o verão de 1924 em Woronoco, Massachusetts, quando sua irmã, Stephanie, ficou acamada com uma doença misteriosa. Enquanto a menina permanecia na cama, ruídos estranhos, semelhantes a batidas feitas com os dedos, ecoavam pela casa. Eles soavam de três em três, sendo que o primeiro era mais longo do que os outros dois. Certa vez, o pai de Sra. Miller ficou tão irritado com os ruídos que arrancou todas as cortinas das janelas da casa, culpando-as por aquele barulho infernal. Contudo, essa demonstração de nervosismo de pouco adiantou para terminar com aquele sofrimento. No dia 4 de outubro, já se sabia que Stephanie estava morrendo. Quando o médico chegou, ele também ouviu as pancadas estranhas. - O que é isso? - perguntou, voltando-se para tentar descobrir a fonte do barulho. Quando se virou novamente para a pequena paciente, ela pronunciou suas últimas palavras e morreu. As pancadas diminuíram a atividade após a morte de Stephanie, porém nunca chegaram a parar de todo. Elas

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voltaram, ocasionalmente, quando a família se mudou para uma casa nova. Então, em 1928, o irmão de Stephanie morreu afogado quando a superfície congelada de um rio, sobre a qual caminhava, quebrou-se. A partir dessa época, os ruídos da morte nunca mais foram ouvidos.

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Editora Young R. Canarinho azul, 7568 – Praça dos flamingos, Brasil – 2013 Impresso em papel off-white 80g/ms

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Terror além da imaginação é um livro com uma coletânea de contos de terror e suspense que vai te prender do inicio ao fim com acontecimentos imprevisíveis, fantasmas, lugares diferentes, onde jamais sua imaginação foi um dia. Vai te proporcionar medo como nunca sentiu antes.

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