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Suspicious Minds

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By Jéssica Blanch

Prólogo História de Lilith Rouen - França 1987 É noite na cidade de Rouen e também é uma grande noite de festa num dos maiores casarões da família Seydoux conhecida pelas suas posses de terra e pelo Senhor Seydoux ser um milionário dono de empresas por vários outros países. O Senhor Seydoux também chamado de Franz Donnel Seydoux é um homem arrogante de barba grisalha bem feita, nariz torto por uma “aparente” briga na juventude. 3


Não é muito conhecido por sua gentileza e boa vontade, muito pelo contrário, sua aspereza e rudeza só fazem acumular adjetivos e reclamações dos empregados, não é a toa que este ainda se encontra até hoje na presidência das empresas Seydoux. Os olhos azul safira eram a única fonte de beleza que encimava seu rosto carrancudo quadrado marcado pelo tempo, uma vez que isso era tudo para mostrar-nos que ele não era mais aquele rapaz de antes. Sua idade assomava-se aos sessenta e oito anos. Por outro lado a sua esposa Natasha O’brien Seydoux, uma bela mulher de cabelos ondulados e de belos olhos castanhos era mais jovem que o marido uns vinte e cinco anos, portanto alcançava a casa dos quarenta e três anos. Vai se entender o que se passa na cabeça de certas mulheres hoje em dia certo? Natasha bebericava de seu cálice de vinho tinto da Borgonha escolhido a dedo por ela mesma para a ocasião visto que os seus gostavam da mesma safra, os lábios finos contorciam-se em um sorriso suntuoso onde seus dentes perfeitos ficavam expostos a maior parte do tempo enquanto conversava num círculo com outras mulheres da sua casta. Dos três filhos dois são de outro casamento do Sr. Seydoux 4


enquanto a mais nova era filha única do recente casamento do mesmo com Natasha. Começaremos então com as apresentações... Andrew Lantanum Seydoux é o filho mais velho e adorado pelo pai no auge dos seus trinta e dois anos, tem belos olhos verdes que mais pareciam esmeraldas, talvez o único herdeiro dos genes da mãe já a tanto falecida. Sua boca era mais volumosa, um misto dos lábios finos de sua mãe e lábios grossos do pai. Exibia cabelos cortados rentes à cabeça muito bem penteados e moldados com gel que erguia a frente de seu rosto um topete com algumas faixas grisalhas difusas. Por ser o mais velho e único filho homem já presidia uma das empresas do pai e por esta razão era recebido em grandiosa festa por seu bom rendimento como vicepresidente numa das empresas do norte. Passemos então as atenções para Annabell Lantanum Seydoux a então filha do meio de Franz. Annabell tem vinte e seis anos e sempre se assentava próximo de outros de mesma faixa etária para conversas típicas, negócios. Seus cabelos eram lisos e cortados num tipo de corte antiquado visto somente naquela época com bons olhos, esse mesmo corte mediano e reto diminuía 5


consideravelmente o volume do rosto tornando-o ainda mais alongado e fino totalmente desproporcional para a pouca beleza que lhe restara. O nariz era semelhante ao de seu pai, reto e torto meio adunco, talvez a história da briga de juventude fosse uma mentira inventada pelo velho a fim de esconder a genética ali envolvida. Porém ela não tinha em si características rústicas e feias, ainda havia o que se salvar em sua aparência. Os olhos... Estes eram pequenos e de um profundo azul celeste espantoso, uma beleza inconfundível, talvez mais bela que o de seu velho pai, era magra elegante e cheia de pompas em si além de invejosa e ranheta. Ambos os filhos mais velhos conversavam com pessoas celebres da cidade, os de mais alta classe em toda a França e na sua maioria conversavam sobre exportações, outras firmas que seriam abertas em outras partes da cidade ou até mesmo fora do país... Chatices cotidianas, apenas isso... Agora a mais jovem dos três com então vinte anos de idade Lilith O’brien Seydoux era talvez a única que não se importava muito com tais assuntos e sempre se mantinha a margem da situação preferindo o silêncio da noite e a companhia da lua no terraço de sua casa com 6


vista para um belo jardim soturno e aparentemente descuidado a noite. Era a mais bela garota da cidade sobrepujando a beldade que era Annabell para os outros, o que era um dos muitos motivos de inveja da mesma. Tinha um belo nariz fino e reto proporcionais aos olhos amendoados de um azul safira mais que profundo, seus cabelos eram negros como o ébano cintilando na luz da noite um tom azulado único, sua magreza não a enfeava como a magreza de Annabell fazia a ela, suas maçãs do rosto eram discretas diferentes das maçãs do rosto de sua irmã que eram secas. Em muitos detalhes incontáveis Lilith acumulava beleza diferente de sua irmã sempre de aparência mediana e sempre mais velha. Lilith estava sozinha no pátio externo do casarão e como citado antes esta se encontrava totalmente alheia aos acontecimentos no interior de sua então chamada casa. Um pesar afundava-lhe os ânimos justamente pelo seu pai se importar mais com as grandiosas festas e bajulações aos filhos mais velhos do que simplesmente prestar atenção nela. Apesar de sua mãe sempre lhe agradar com mimos aqui e ali ela não se sentia em si completa, não sem o carinho paternal que era o que ela 7


mais queria realmente. Esse tipo de assunto sempre a levava aos prantos em noites relativamente frustradas em que se aprisionava em seu quarto no segundo andar, mas desta vez ela queria a companhia da lua, a sua única companheira menos em dias de lua nova onde ela ainda mais se sentia abandonada. Nos jantares não sociais ela nunca o via estando sempre na companhia de Annabell e sua mãe, a ostentação pelos bens materiais obrigava-o a ficar longe de seu “palácio” por assim dizer. Porém ela era de tamanha inteligência e astúcia que às vezes, “às vezes” impressionava grandiosamente seu pai, porém estragava-lhe o romantismo exacerbado e a crendice ferrenha de que existiam príncipes encantados. Tola garotinha rica era mais um caso perdido numa das melhores famílias e ela mesma não sabia... Aquela noite não era uma noite diferente das tantas com as quais ela passava solitária no pátio externo pertencente ao casarão, de todas as noites insignificantes recheadas de pomposas festas ostentadas pelo puro luxo e irrigadas com champanhe ou vinho tinto ela sempre estava lá a admirar a lua em suas mais variadas fases já que era composta de apenas quatro, nova, cheia, 8


crescente ou minguante. Não importava a ela, pelo menos tinha companhia. Os olhos da cor de pedras safiras raras cintilavam assim como o brilho das mais altas estrelas e em dias de chuva suas lágrimas cristalinas assemelhavam-se e muito as gotas frias d’água da chuva que caía, os céus também choravam em devoção a jovem que se lamuriava consternada e agoniada. Ela não tinha muitos amigos, pelo menos não na casa ou mesmo de fora, não se pode dizer que aqueles acompanhantes de festa que sua mãe trazia para perto dela quando esta queria forçá-la a ficar e prestigiar os eventos sediados por seu pai fossem amigos, pois não o eram. Sempre conversavam sobre as mesmas coisas e quando não conversavam sobre negócios ou dinheiro conversavam sobre futilidades, isso sempre espantava Lilith da roda o que reforçava o caráter sempre tão ingênuo que ela tinha. - Sabias que podes encontrar diversão fora das paredes desta amarga prisão minha cara jovem? – Falou uma suave e um tanto sedutora voz. Lilith voltou-se a fim de encontrar a fonte de tal bela voz. – Ficar aqui só irá lhe trazer mais angustia pequena Lily! 9


Este era Angus um belo rapaz de nariz reto e pontudo não era tão belo quanto o restante dos jovens de sua idade, porém alguns pequenos traços em seu rosto lhe conferiam alguma graça. Os lábios eram finos na parte superior, mas grossos na inferior, tinham o tom rosa típico dos corados naturais e tão atraentes quanto pêssegos e sua camada doce de veludo. A pele de sua face era lisa e macia como a pele de um bebê, não havia rugas e nem sequer marcas de espinhas o que o tornava ainda mais jovem e de exuberante beleza. - E para onde achas que vou caro cavalheiro? É noite e logo chegará à hora de meu descanso! Lilith encarou Angus se aproximando, um sorriso faceiro meio que derradeiro saltou-lhe os lábios finos, amostra de que aquele era o único que lhe interessava realmente. Angus McKellen como era seu nome era filho de uma prestigiosa família também abastada dona de fazendas e plantações na região sul. Tinha os mais belos olhos verdes que ela já vira e eram tão claros ao anoitecer que era possível ver riscos em sua pupila e a íris contraindose e relaxando-se com o breve fulgor das lâmpadas ao seu redor. 10


- Basta me permitir alguns instantes com sua presença e eu a levarei a um lugar que fará valer a pena sua breve fuga. - E que lugar nobre é esse que tanto enalteces? - É um segredo, pegue um casaco, logo esfriará mais e não quero vê-la doente. Seu sorriso era encorajador, um jovem atraente e cheio de uma autoconfiança como Angus não passaria despercebido com seu belo cabelo engomado como os cabelos de James Dean, rebelde sem ser tanto. Lilith rapidamente correu para dentro de seu casarão passando por uma multidão que vinha contrária a sua direção, subiu as escadas rapidamente e indo até o seu quarto puxou um casaco de lã de fina estirpe, porém não tão chamativo que com certeza lhe aqueceria os braços naquela noite e depois de vesti-lo por sobre o belo vestido azul como seus olhos varou a correr para fora dos aposentos sem despertar as atenções dos convidados ou sequer de seus pais ou mesmo irmãos. Mais do que amigos Lilith e Angus eram apaixonados um pelo outro, ele sempre tinha lugares exóticos para mostrar-lhe e ela sempre tinha o seu humor para agradálo nos momentos mais sórdidos e silenciosos da noite. 11


Rouen era uma cidade como qualquer outra, não tinha atrativos perfeitos como em Paris ou outra metrópole de igual aspecto, mas algumas praças e parques ainda eram belos pontos de encontro para casais. Nesta lúgubre noite ele escolheu a beira de um rio a dez minutos do casarão para levar sua amada, dava para ver vaga-lumes vagando pelo bosque àquela hora e o lugar era de uma beleza tão sublime que faria qualquer leigo se apaixonar. Assim se sentia Lilith que ao contemplar a noite a céu límpido e aberto quase caiu no chão gramado bem atrás de si. - Opa... Calminha ai cara senhorita Seydoux, não vá cair neste solo imundo, não estragues o vestido de festa! - E se eu o quisesse? Iria você me impedir? Ele sorriu para ela e soltou-lhe a mão. Angus tinha um costume único, atirar pedras no lago fazendo-as saltitar sobre o espelho d’água, isso atraia as atenções de Lilith que via em seu curioso modo de se divertir encantamento. - Deveria tentar. É divertido! – Ele estendeu vários seixos a ela. - Eu não sei, tudo com você parece mais fácil! 12


- Mas é fácil, não custa nada tentar! Ela o encarou um tanto que confusa e tímida, um curioso sorriso formoso no rosto pálido ao luar atraia as atenções do jovem adiante. Ela esticou as mãos por sobre as dele e mesmo receosa pegou um dos seixos e tentou. Mirou e até tentou fazer igual a Angus, mas a pedra mal subiu ao primeiro toque e afundou em seguida. Ela não conseguia fazer como ele, sua coordenação motora não era lá uma das melhores coisas. - Viu, eu não consigo fazer como você! - É só uma questão de treino, não se preocupe! Continue treinando e logo pegara o jeito pra coisa. Mas naquela noite, algumas semanas depois daquela festa ele a convidou para ir a outro lugar diferente e assim por varias noites foi encantando-a, engabelando-a, tornando sua visão de príncipes e princesas de contos de fadas cada vez mais real e quanto mais ele a convidava mais os lugares iam se tornando distantes e sombrios. Aquela noite era uma das noites mais especiais para a moça, um momento tão esperado por ela que seu coração chegava a pular dentro de seu peito causandolhe aflição pura, seu amor nunca a decepcionaria ela pensava, era perfeito, muito perfeito. Porém a perfeição 13


às vezes leva a conseqüências muito ruins, isso ela não sabia ver! Ela se encontrava escondida entre a rachadura no muro de concreto e um muro vivo de plantas olho-de-gato que cresceram desordenadamente sobre um rochedo a poucos centímetros de distância de onde ela se escondia, um carro não muito caro, porém muito requisitado por sua beleza e conforto estacionou bem enfrente do mesmo rochedo alguns centímetros antes do portão, ela saltou pela estrada dando a volta no carro e eles partiram para um lugar ainda mais distante, o frio não lhes remetia medo algum só aquecia os ânimos sobressaltados. - Tem certeza de que está pronta? - Sim estou... – Disse ela confiante até demais. – Nunca estive tão segura de minhas ações como estou hoje! – Sorriu ela um tanto afetada. Ambos tinham nos olhos aquela mancha de cumplicidade, estavam presos juntos numa cova repleta de desafios maiores do que poderiam suportar e talvez eles gostassem realmente do perigo constante. A cobiça, o desejo e a vaidade exagerada faria com que esta noite gerasse algo que talvez fosse mudar suas vidas de uma 14


maneira um tanto drástica, porém com certeza seria um grande susto. Dito e feito um mês depois do ocorrido às conseqüências já batiam as portas da casa dos Seydoux. Lilith encontrava-se quase sempre enjoada, sem fome ou por vezes com uma estranha fome assim como súbitos desejos. Suas regras estavam atrasadas há quase três semanas e sua mãe já se preocupava de que sua filha pudesse estar sofrendo de algum mal de saúde o que Franz discordava na maior parte das vezes. O médico da família fora acionado e logo veio a casa consultar a jovem e o diagnostico não poderia ser mais simples e ao mesmo tempo tão complicado... Ela estava grávida de quase um mês! Natasha quase desmaiou ao saber, os irmãos muito mais experientes e sábios na questão deixaram-se golpear pela nova notícia permitindo que seus queixos deliberadamente caíssem e a pior de todas as manifestações reservava-se somente a Franz pai da menina que lhe ameaçou dar uma surra e ao rapaz que a desvirtuara. Era de se esperar uma reação dessas de um pai, mas ele era na maior parte o culpado de toda essa surpreendente história com sua arrogância, negligência e desamor para 15


com a mais jovem das crias. Se ele procurasse devotar mais atenção a ela talvez toda essa desgraça não lhe teria sobrevindo e sua família não teria sido manchada pelo corrupto pecado da luxuria. Algumas semanas mais tarde numa noite muito chuvosa Lilith passava pelos corredores quando escutou uma discussão varar-se no escritório de seu pai e o que mais lhe atraiu a atenção foi o fato de sua mãe estar dentro dele a sós com o velho marido, mas esta não era uma conversa própria para que ela ouvisse o que a deixou ao mesmo tempo em que chocada, muito nervosa e assustada. “Eu não posso deixar que faças isso com a nossa filha Franz! Ela é uma menina ainda, só tem vinte anos”. “Oh agora ela é a miss inocência? – Indagou Franz com ironia. – Por favor, Natasha, ela já é bem grandinha pra saber o que faz e quando ela resolveu se deitar com aquele moleque do McKellen sabia o que estava fazendo. Não acoite a sua filha desta vez”. “Minha filha não Franz, nossa filha! Ela é NOSSA filha e, aliás, ela está grávida e precisa de nós e ainda mais de você...”. 16


“Ela é sua filha Natasha, por que minha ela não é mais... A não ser que ela tire essa criança e limpe o nosso nome ela não é mais a minha filha...”. “Franz!”. “Ou ela tira, ou adeus à boa vida!”. Antes mesmo de a conversa terminar Lilith já havia se afastado o suficiente da porta do escritório. Soluços irrompiam de sua boca semiaberta e não fosse pela intensidade da chuva e pelos trovões extremamente altos e constantes ela teria sido descoberta por seu velho pai ali. Ela correu para longe de volta para o seu quarto, qualquer desejo manifestado por ela no momento foi desfeito como torrões de açúcar numa tempestade, lágrimas perscrutaram sua bela face levemente descorada. Atirando-se em sua confortável cama ela chorou e chorou e perguntou-se o por que de Angus o seu amado cavalheiro não voltava para vê-la. Fazia quase um mês que ele não aparecia nem sequer ligava para a moça e ela se perguntava se isso era realmente justo, que seu tão formoso príncipe encantado pudesse lhe fazer tamanha injuria...

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‘Onde você está Angus? Onde você está quando mais preciso?’ Perguntava-se Lilith na escuridão de seu silencioso quarto. No dia seguinte ela foi procurá-lo pela cidade, buscou-o no ringue de patinação, nas lanchonetes mais badaladas por ele e seus amigos, nas praças, parques e bosques, mas nada... Sua busca fora infrutífera, nem mesmo seus amigos se encontravam presentes para que ela pudesse perguntar-lhes o que houve. Em sua casa sua irmã queria distância como se ela fosse uma leprosa e ela chegou a ouvir comentários sórdidos sobre sua gravidez o que só serviu para piorar toda a situação já instável. - Mas o que fazes aqui? – Chiou Annabell. - Eu só vim buscar meu livro... - Cai fora daqui garota, não queremos contagiarnos com a sua doença! - Eu não estou doente! - Ah não... Então a burrice não gerou o que estamos vendo agora? Poupe-me! Seu queixo caiu, Lilith podia esperar qualquer coisa de Annabell, podia ouvir qualquer tipo de desaforo de sua parte menos isso... Ser tachada de burra pela própria irmã e uma doente qualquer. Os olhares recriminadores 18


dos vários amiguinhos metidos a ricos e o de sua própria meia-irmã era tudo o que ela menos queria e esperava ter de suportar. Mas não foi isso que a chocou mais, não foi o fato de sua gravidez ser encarada como uma doença e que sua ingenuidade pudesse ser interpretada como burrice, não, o pior estava por vir e como num grande teatro alardeado por vários diabretes Annabell ateou a faísca que precisava para arruinar os ânimos já em frangalhos da jovem moça a sua frente. - O seu príncipe encantado só brincou com você queridinha... Ele agora vai casar e adivinha... – Ela caiu na risada junto com os vários amiguinhos que ela tinha, o sangue no rosto de Lily fugiu totalmente e ela sentiuse realmente doente. – você não é a noiva! As gargalhadas explodiram pela grande sala de estar por onde um sublime vento soprou balançando as cortinas carregando os sons das hienas para além corredores, meses haviam se passado e a barriga de Lily já era bastante evidente para ser disfarçada com tecidos grossos. E como era esperado ela não poderia acreditar em toda aquela estranha história contada por sua maldosa irmã. 19


Furiosa e não mais chorosa ela foi mais uma vez trancarse em seu quarto onde decidiu cuidadosamente que iria atrás de Angus e questioná-lo quanto a essa horrível e impiedosa historinha fútil. Mais uma vez a ingenuidade feminina era posta a prova e Lilith era um modelo ambulante do mesmo. Num momento consternado ela tentou varias vezes ligar para ele, mas em todas às vezes desligava temerosa de que a história pudesse ser verdade e que sua reputação realmente pudesse declinar então aterrorizada sentava-se diante do telefone em silêncio esperando a iniciativa dele, mas ela só podia esperar sentada realmente, pois ele nunca o faria. Na semana seguinte ela levantou-se, pegou um grosso casaco, uma saia de linho preta que ia até um pouco abaixo dos joelhos e saiu na calada da noite para ir de encontro com o seu amado. Na porta de sua casa ele veio atendê-la, não tinha um bom humor aparentemente, estava mais carrancudo do que o habitual e menos gentil para com a pequena jovem a sua frente. - O que você quer aqui? – Perguntou ele com uma estranha indiferença e rudeza. - O que aconteceu? Eu te esperei e você não foi me ver! – Ele respirou fundo, não era um bom sinal. 20


- Lilith eu... Não posso mais te ver, vou me casar dentro de um mês e meio e não posso permitir que os outros vejam que ainda converso com você! - O que? Como... Angus eu estou grávida e a criança é sua, como podes fazer isso comigo? Você me prometeu... - Er... Desculpe-me! Eu simplesmente não posso estar com alguém que... - O que Angus? Ela estava preparada pra tudo, diríamos que quase tudo, mas nem tudo era o que ela queria realmente ouvir. - Eu não posso sair mais com alguém que se entrega tão fácil! O mundo caiu, o chão se abriu e ela caiu... Era demais para um coração solitário e cansado como o dela. Lilith sentiu-se como uma desfrutável, alguém qualquer depois do que Angus, seu melhor amigo e antigo amor dissera. Ela ainda foi muito humilhada pela sociedade, agredida pelo pai, ofendida pelos irmãos e somente protegida pela mãe. Maldita hora em que veio a nascer numa família rica, maldito momento em que foi se apaixonar por Angus McKellen, maldito dia em que foi se entregar tão fácil... 21


Depois dessa sua mãe se viu dentro de um trem embarcando para outra região da França onde pegariam uma conexão para Londres onde ela viveria e teria o seu bebê... Foram dias ruins, sem dinheiro, sem comida... Quase morrera doente não fosse pelas irmãs de caridade da igreja de São Paulo acolher a ela e a mãe. - Irmã Consuelo, irmã Consuelo... – Uma freira baixinha e atarracada chamava aos berros uma senhora que se encontrava a caminho da diretoria. – A menina irmã Consuelo, a jovem O’brien está para ter a criança, está quase na hora! - E qual é o estado dela? - Não muito bom irmã, a sua febre aumenta gradativamente e já está começando a ter alucinações. - Ai, ai... Eu não sei por que, mas alguma coisa me diz que dessa noite a menina não passa! Teremos muita sorte se a menina não tiver seqüelas, mas quanto a jovem Lilith... – Ela se auto-interrompeu, as palavras rebateram na parede de seus pensamentos tão pesadas quanto uma rocha, seus passos diminuirão até um estado de total inércia diante de um longo corredor de arcos por onde uma fina luz acendia no mais alto poste próximo, a 22


lua estava renascendo no alto céu, mas acho que isso não era nem um pouco relevante agora, a jovem Lilith estava muito mal. - E o que faremos? Ela pede a presença da mãe insistentemente... Não podemos negar isso à moribunda! - Vá mandar chamar o garoto dos recados, ele agora deve com certeza estar de folga e poderá ir até onde a mãe da jovem se encontra. - Sim senhora... A jovem Lilith tinha acessos de calafrios terríveis que por vezes a obrigava a agarrar o colchão de espuma abaixo de seu corpo com tanto vigor que a força escapava simplesmente assim por entre os seus dedos, sua alma assim como o corpo estava cansados e a criança lutava mais do que ela mesma para manter-se viva, algo que ela já não tinha mais esperança nem mesmo em sonhos. Quem dera, o seu coração estava mais do que quebrado, tinha pedaços dele espalhados por vários outros cantos e nem queira contar, são tão minúsculos quanto os grãos de areia do mar. Agora mais do que nunca ela queria uma companhia, ela necessitava, ansiava por isso e tudo o que ela podia dizer era mãe! 23


“Mãe... Mãe...”. - Delírios e mais delírios... Tragam mais água morna, por favor! “Mãe...”. - Onde está a mãe dela? – Uma irmã de meia idade questionou as outras que estavam lhe auxiliando. Ninguém soube responder à irmã que cuidava da jovem ali naquela cama sobre o paradeiro da mãe de Lilith, até então faltava pouco para a criança nascer. Há quase um mês na cidade Natasha só havia conseguido um emprego comum como ajudante num sacolão a algumas quadras da igreja de São Paulo, não era muito, mas ela podia se virar com Lilith mesmo que estivessem morando de favor nos fundos da capela, era um tanto que degradante chegar a um estado assim tão decadente, mas quem poderia redargüir? O garoto que além de ser o mensageiro das freiras também trabalhava como jornaleiro todas as manhãs pela cidade, correu com sua bicicleta através de ruas e vielas cortando caminho entre pessoas e coisas quase caindo ao desviar de um caminhão de mudanças, o vento frio soprava ao seu redor e machucava-lhe o rosto tornando suas maçãs da face rosadas além do natural, ele 24


conseguiu chegar ao sacolão e contatou a mãe da jovem Lily que apressadamente pegou carona na garupa da bicicleta e ambos dirigira-se a igreja. Os berros de Lilith eram altos e falhos, a garganta ferida de tanto gritar e murmurar estava mais seca que em dias realmente cálidos pouco podia pronunciar mais do que um gemido ou mesmo murmúrio, Natasha agora se encontrava a correr por dentro da igreja vazia, era quase causticante a sensação de profunda dor e desespero, a criança estava prestes a nascer e mesmo assim ainda encontrava resistência na fraqueza de sua jovem mãe moribunda. - LILY... LILY... Os gritos de Natasha não eram maiores ou tão altos quando os calejados de sua única filha, os corredores da igreja nunca pareceram tão compridos em toda a sua vida o que justificava os passos ritmados e muito rápidos pelo piso quadriculado. Era de arrepiar até os últimos fios de cabelo a sensação de angustia e puro sofrimento da menina, seu coração batia acelerado e meio fraco já por causa da febre que lhe sobrevinha, o sangue estava contaminado os tremores já quase incessantes.

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Natasha conseguiu chegar até o quarto onde ela residia com a menina e encontrou uma atmosfera doentia de medo, ansiedade e culpa, assim que a menina a viu logo lhe pediu para estar com ela e assim feito aos poucos à dor foi se tornando menos intensa. Um choro de criança afundou os corredores da capela numa profunda mescla de alegria e saúde, uma criança saudável com um choro forte e força incomparáveis, essa sim lutou até o fim para viver e assim o conseguiu, porém não se podia dizer a mesma coisa da frágil mulher estendida sobre a cama. - Nasceu a menina... – A irmã que trabalhou no difícil parto gritou. Natasha arregalou os olhos para a bela menina diante de seus olhos, sua neta, a única que ela podia vislumbrar encarava-a chorosa como se pedindo por misericórdia, sua filha sorria muito fraca para a criança e ofegava quase como se estivesse se afogando mesmo que o ambiente não fosse propicio. - Aqui está a sua neta senhora... É uma linda menininha! - Oh sim, sim... Bela muito bela!

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Natasha tomou a criança em seus braços e se aproximou de Lilith que logo veio a pegar a menina em seus braços famintos por alento, ter uma criança nos braços era-lhe acalentador, um ultimo sopro de vida para lhe alegrar eternamente. - É sua minha filha... Sua... Sua menina! “Minha menininha... Só minha!”. - Sim, sim é... Agora descanse você vai ficar bem, ela precisa muito de você... Lilith encarou a mãe um tanto deprimida e ainda assustada, novamente seus olhos perscrutaram a bela imagem da digna inocência diante em seus braços, a menina parecendo reconhecer a sua genitora também parou de se agitar e a fitou nos olhos, mesmo que os seus ainda estivessem muito sensíveis e ofuscados pela iluminação ao seu redor, ela sorriu para a menina e balbuciou algumas palavras próximas a sua testa antes de beijá-la com o maior afinco e vigor que podia, voltouse para sua mãe sem olhá-la e sorrindo lhe disse o nome que queria dar a menina. “O nome dela vai ser Erin mãe... Erin Rosálie McKellen!”. - Filha... 27


E em meio a suspiros ela entregou de volta a menina a sua mãe e disse sinceramente que precisava de um tempo para descansar antes de pensar em segurar a menina novamente. Aparentemente ela passava a sua mãe uma espécie de tranqüilidade natural, instintos de alguém que queria proteger a terceiros de algum mal já a muito escrito. Sua mãe não acreditou muito e assim que sua menina fechou os olhos e soltou um único último suspiro ela chorou... - Lilith... Lily! O frio e o silêncio afundaram o quarto numa penumbra não física, mas sim espiritual tão grande que fazia parecer à noite o pleno alvorecer de um novo dia, um dia onde não se veria mais os belos olhos azuis abertos, o sorriso catedrático da menina Lilith ou mesmo ouvir-seia sua voz... Natasha chorou assim como muitas ali presentes, nem a madre superiora escaparam de derramar lágrimas pelo ocorrido. Rezaram o terço, Ave Maria, Pai Nosso... Tudo para dizer de um modo bem singelo, um último adeus a Lilith O’brien Seydoux...

Rouen 1989 28


O velho senhor Seydoux encontrava-se em um estado lamentável. Sofria de varias enfermidades, uma úlcera estomacal que lhe impossibilitava de se alimentar do que ele mais amava: coisas gordurosas assim como de beber seus vinhos preferidos além de sua vodka. Os pulmões estavam fracos por causa do fumo, o fígado já não funcionava direito. O velho estava pela hora da morte. - Ele não vai agüentar muito tempo Annabell, os médicos já lhe disseram que resta poucas semanas! - Eu devia saber! Ele estava se matando com aqueles charutos, agora está ai, com um pé na cova chamando pela imprestável da nossa irmã! O velho Sr Seydoux hoje com 70 anos, muito doente delirava e em seus devaneios chamava por Natasha e Lilith, mal ele sabia que sua filha mais nova estava já a sete palmos debaixo da terra. Talvez lhe esperasse do outro lado, ou talvez ele nem fosse para onde ela estava agora... - Mande chamá-las ora... Deixe-o se despedir pelo menos, elas não vão disputar a herança, se é isso que estás pensando! 29


- Não irão entrar na disputa? Você ficou louco Andrew! Aquela mulher era uma aproveitadora e a filha dela arranjou uma criança pra também disputar, quem vai saber o que elas fariam com o velho prestes a bater as botas. - Annabell nosso pai esta morrendo, seja compreensiva pelo menos uma vez na sua vida! Annabell era cega, não queria compreender algo que seu irmão mais velho aprendera com a doença de seu pai. Ele mais do que o próprio pai sentia a falta da irmã mais nova e de sua madrasta, mas só sabiam do antigo endereço e mesmo assim mandaram procurá-la onde quer que esteja.

Manchester – Inglaterra 1989 As coisas não foram tão fáceis quanto Natasha pensava que poderia ficar para ela e a pequena Erin. Depois de enterrar sua única filha no cemitério da cidade londrina mudou-se julgando que ali não poderia criar a menina e também por ter tantas lembranças de sua filha morta. Lilith deixara no coração de sua mãe um buraco

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do tamanho do universo, todas as noites ela chorava por Lily e acendia uma vela. A pequena Erin agora tinha dois anos, brincava sozinha alheia a tudo que acontecia a sua volta assistindo a tevê. Desde nova já demonstrava um caráter excepcional, totalmente diferente de sua mãe, e sua avó percebia isso quando reparava nela vendo filmes antigos sobre espionagem, o que era o seu habitual costume. - Essa menina só sabe ver isso Natasha? Por que não coloca desenhos ou programas infantis? - Tenta... Se você conseguir Many! Many era um apelido carinhoso para Marina uma moça de 30 anos baixinha de cabelos curtos castanhos claros e belo rosto em forma de pêra, os olhos cor de mel cintilavam e às vezes com a mudança de tempo ou de humor pareciam mais escuros ou claros. Esta se levantou e tratou de mudar de canal, passava um programa infantil do Barney, se é que é possível que isso pudesse existir ainda. A garota fechou a cara num bico que até assustou Many que foi obrigada a voltar ao canal onde passava o tal filme de espiões.

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- Credo. Essa garota é totalmente o contrário de minha pequena Lahana! - Eu te disse! – Respondeu Natasha com um sorriso. Em meio às preocupações do dia, organizando um apartamento pequeno com apenas um quarto que esta dividia com a pequena Erin, Natasha se viu atrasada para o trabalho de meio expediente na Briks Store uma lojinha de artigos esportivos na esquina de seu apartamento. Mas antes de sair alguém batera em sua porta, era estranho, ninguém batia àquela hora em sua casa não tão cedo! - Atende pra mim Many, eu tenho de terminar de arrumar o quarto ainda! - Ta. Many abriu a porta, dois homens que nem foram convidados a entrar por esta saíram entrando no pequeno e desorganizado apartamento olhando este de cima a baixo como se não acreditassem que ali morassem três pessoas. Olharam para Many, mas sabiam que ela não poderia ser a filha mais nova de Franz e nem mesmo a ex-senhora Seydoux, olharam para a menina sentada no pequeno 32


sofá assistindo a um filme, esta olhou da tevê para eles séria e calada como sempre e voltou a assistir a tevê. - Er... Vocês não podem sair entrando assim no apartamento dos outros sabiam? É invasão de domicilio. - Quem é Ma... Natasha congelou assim que chegou a sala, os dois homens encararam-na com um semblante mais contentados de quem acabara de encontrar a fonte da juventude. Um deles adiantou-se a dizer: - Senhora Seydoux! - Não... O’brien apenas senhora O’brien! Eu deixei de usar aquele maldito nome há muito tempo. Como vocês me acharam? – Rosnou ela, seu semblante cada vez mais frio e rígido. Erin olhou de sua avó para os homens aparentemente apreensiva uma vez que o ambiente tornou-se mais hostil do que as cenas do filme de espionagem. - Many tira a Erin daqui, leve-a para o seu apartamento, por favor! - Sim Nat. Vem Erin, a Lahana vai gostar de ter alguém para brincar!

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Erin olhou de volta para os rostos dos dois homens, estes a encararam com um breve sorriso, mas a pequena não lhes correspondeu. - O que vocês vieram fazer aqui? Como me acharam? - Não foi tão fácil, mas conseguimos informantes para nos dizer onde estavam! - E o que vieram fazer aqui em Manchester? Não acham que estão um pouco longe de suas casas agora não! - O seu marido quer vê-la assim como a sua filha e neta senhora O’brien... Natasha riu... Riu de nervoso, riu por achar graça, mas no fim não ria e sim lacrimejava de raiva e ódio. - Dois anos se passaram e agora ele quer ver a filha e a neta? Rá... O que ele tem? Está pela hora da morte é isso! O maior dos dois homens, mais carrancudo e sério respondeu com um pouco de pesar. - Sim senhora... Era nítido que o patrão não estava bem aos olhos dos dois homens o que era transmitido para Natasha claro.

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- Só podia... Um homem como Franz não costuma voltar atrás em suas ameaças... Só estando mesmo à beira de morrer! - Ele necessita ver a senhora, Lilith e a menina e é urgente senhora. Antes que ele faleça. - Diga que chegou tarde... Muito tarde! A minha menina morreu e foi por culpa da negligência dele como pai! Lilith morreu há dois anos dando a luz a minha neta... Os dois homens se entreolharam eles não haviam prestado atenção direito nos fatos. Baixaram a cabeça em tom de reverência. - Desculpe-nos por nossa insensatez senhora. Não sabíamos! - Vocês não tem culpa da morte de minha menina e sim o patrão de vocês! Eu não quero nada que venha dele estão me entendendo, nada! Mais uma vez entreolharam-se temendo que ela não viesse a aceitar vir com eles para Rouen novamente onde provavelmente o velho morreria e seria velado. - Senhora... Ele precisa vê-las, pelo menos a você e a menina, é o seu último pedido.

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- Pois diga que quando ela morreu, morreu sofrendo, humilhada, magoada, depreciada pelos próprios irmãos... Eu não quero que a minha neta sofra o mesmo! Por mim aquela corja pode morrer e carregar todo o ouro e jóias com eles! Eu não quero nada daquela família... O mais baixo pediu para usar o telefone, esta relutou, mas acabou cedendo e logo o homem atarracado ligava para os patrões ou de preferência o filho mais velho. Por um tempo os dois ficaram ali discutindo sobre o que poderia ser feito até que Andrew pediu para falar com Natasha. Alguns instantes, alguns míseros instantes de discussão e tentativas e na última ela cedeu mais uma vez, mas não deixaria que ele se apoderasse da menina e era essa a sua única objeção. Eles não tinham do que reclamar, o velho apenas iria vê-las por uma única e última vez. Como a urgência era de ela ir para lá naquela mesma noite, os homens hospedaram-se num hotel barato no fim da rua enquanto Natasha trabalhava na Briks Store e a pequena Erin se via sentada sozinha na sala...

22h00min 36


- Vó, para onde vamos? - Vamos apenas viajar, só fazer um passeio não se preocupe minha querida! - Vai demorar? Natasha olhou para Erin e viu nela os traços de sua filha refletidos em seus olhos verdes. Sorriu tocando-lhe o rostinho ainda de um bebê e lhe abraçou apertado nos braços. - Não minha menina, não vamos demorar eu juro! Erin retribuiu o abraço dado por sua avó apertando mesmo que fraco seus bracinhos pequenos em volta do pescoço e nuca de sua vó.

Rouen 1989 00h50min A viagem longa cansou a menina de apenas dois anos, mas à volta à cidade de origem de sua avó não. Seus olhos eram fitos em cada ponto da cidade onde olhos curiosos observavam o luxuoso conversível preto passar pela rua. Uma nevoa fininha encobria a estrada 37


em seu tortuoso percurso, o frio lá fora não era capaz de assustar aos que dentro do automóvel se encontravam por este ter um sistema de aquecimento perfeitamente instalado mesmo que fosse um artigo de luxo. O casarão erguia-se imponente como ela se lembrava, dois anos não foram o suficiente para acabar com a fachada de marfim com altos pilares brilhantes que sustentavam uma bela varanda pertencente ao quarto do Sr Seydoux. Os familiares, todos os Seydoux possíveis encontravamse a chorar na ante-sala no andar de baixo, quando viram a ex-mulher torceram os lábios em atitude de repúdio, não queriam uma mulher como ela e nem sua filha ali, mas onde estava a sua filha e mãe da bastarda que quase pôs toda a família na lama? Ela olhou a todos com o mesmo olhar que estes lhe encararam e seguiu a pedido dos dois homens para o andar de cima. O quarto estava pouco iluminado, as poucas vê-las que se encontravam acesas dançavam sobre o pavio ao soprar de um vento gélido da noite. O homem gemia e respirava pela boca, mas não adiantava tanto quanto respirar pelo nariz normalmente. 38


Seus olhos vaguearam do teto para a porta de onde surgia sua ex e uma menina de colo a dormir. - Onde... Onde ela... Está? Ele tentava falar, mas estava fraco demais, Natasha não sabia se deveria ser tão fria ou se contava devagar que a menina Lilith já falecera, ela sabia que se o contasse diretamente sem esperar poderia matá-lo mais rápido. Não que isso lhe atormentasse, mas ela não queria ser o pivô da morte mais rápida e letal de seu ex. Ela teve de ser cautelosa até conseguir lhe contar que Lilith estava morta e enterrada em Londres. A dor era clara e expressamente visível nos olhos agora pálidos do homem doente, o brilho da safira se fora há muito tempo com a doença e agora só dava lugar a um tom borrado opaco. Mas antes de Franz vir realmente a falecer viu o rosto da neta desmaiada de sono. - Ela tem os traços da mãe... – Tosse – O nariz, as maçãs do rosto... – Tosse – Como pude me deixar levar pela ira, uma menina tão saudável como nossa – tosse produtiva – Lilith... – Inspirando profundamente – eu fui um insensível um irresponsável!

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- Ainda bem que reconheces que fizera um grande mal, mas agora é um pouco tarde. Ela já morreu e não há como voltar atrás. - Deixe-me remediar pelo menos, deixe-me dar o que é dela por direito! Deixe que eu a torne minha herdeira... Pelo menos ela não viverá sem provisão. - Não... Se tiver algo que eu jurei a mim mesma quando sai desta casa Franz foi a de não aceitar um só centavo de suas mãos. Esse dinheiro só viria a trazer mais desavenças e seus filhos mesmo o dizem quase gritando na sua cara. Eu não preciso do seu dinheiro e nem a minha neta! - Nossa neta... Nossa neta Natasha! - Aé... Agora ela é sua neta! Você é incrível Franz. Quando nossa filha apareceu grávida aqui você só faltou espancá-la e deserdá-la agora acha que vai ser redimido de seus pecados passando o que era de Lilith por direito a ela? Não... Agora é tarde pra dizer que Lilith é sua filha, é tarde para reconhecer Erin como sua neta... Chega. - Natasha eu... - O que? O que vais me dizer agora que se arrependeu que merece outra chance antes de morrer? – 40


Natasha encarou o moribundo sobre a cama séria e não lhe deu outra chance de resposta. – Acredito que desperdiçastes a sua chance quando nos deixou partir daqui. Talvez Lilith não tivesse sofrido tanto, acredito que ela sofreu até mais que você nessa cama agora... Você não é digno do amor de uma menina tão doce como a Erin assim como não é digno do amor de nossa filha. Eu não tenho que perdoá-lo de nada, quem tem que te perdoar é ela de onde quer que ela esteja... Ele conformou-se com toda aquela resposta dada por Natasha, lágrimas rolaram por sua face enrugada e ele avistou os olhinhos verdes de sua neta a encará-lo inexpressiva. Mas ele também só vira aquele último olhar, seu coração começou a dar sinais de colapso e ele apenas balbuciava uma palavra... Perdão! Os médicos entraram em ação ao chamado rápido de Natasha, mas já era tarde, ele não iria se salvar e Erin viu tudo acontecer com seus olhinhos de menina...

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Capitulo 01 Missão Liverpool – Inglaterra Tempos modernos 2009 Abrir os olhos, sentir a brisa fresca ao cair da noite e ter acima de sua cabeça as estrelas incontáveis é uma das melhores coisas que se pode obter esteja onde estiver. Elas não mudam, não são inconstantes e insondáveis como o temperamento humano, não são tão imprevisíveis quanto. Mas há quem acredite que as estrelas nos escondam segredos, pois bem, que mal há esconder segredos uma vez na vida? Eu não sei... Talvez elas queiram que seja assim! Assim como minha avó Natasha que nunca me explicou os motivos de me tirar do país aos dois anos para dirigir-se até aquela suntuosa mansão cheirando a coisa velha e fumaça de charutos. Ela pensa que eu esqueci, mas se há coisas que o tempo não consegue apagar são fatos como este. Todas as vezes que fecho os olhos e me concentro parece que 43


ainda consigo ver aqueles olhos azuis opacos. Seria de incomparável beleza se já não estivessem mortos a uns dois segundos quando o encarei. Ainda é possível escutar os berros dos médicos exigindo que ela deixe o recinto, ainda é memorável o ar de espanto estampado na face já a tanto maltratada... Eu nunca entendi e sinceramente não sei se faria alguma diferença entender o que se passou por lá daqueles cantos. Não faz a mínima pra mim, não me afeta... Mas ainda tenho a impressão de olhos me seguindo durante as missões e se agrava quando estou sozinha por muito tempo em lugares abertos e ainda mais com o fator “noite” para atiçá-los. Eu assisti a uma morte quando era menina, tinha apenas dois anos, mas sei exatamente o que é estar morrendo, ou pelo menos eu espero ter uma idéia de como é. Bom... Na realidade não sei nada sobre morte vendo por esta margem da história. Eu ainda era menina, pequena demais, ingênua demais para isso não há como opinar, como sugerir como é a morte... Apenas posso dizer que aquela atmosfera lúgubre e provocativamente tensa me dava calafrios todas as madrugadas quando acordava do mesmo pesadelo. 44


Eu não posso dizer que sofri por que nem ao menos sei se ter pesadelos é uma forma de sofrer, mas sei exatamente que aquilo abalou profundamente minha tão cansada avó Natasha O’brien. Acho na realidade que isso nunca fez diferença, minha mente é uma verdadeira bagunça quanto ao caso, pra mim hoje esse assunto realmente morreu e foi enterrado junto com o fantasma do velho homem agonizante sobre aquela cama... Menos um na lista dos ricos mais orgulhosos do planeta... Eu não sinto apresso algum por pessoas que ostentam belos carros esportes ou jóias, isso tanto faz, não trará felicidade mesmo! Tem-se algo de que eu tenha que me orgulhar na mulher que minha avó se tornou com os anos é a força e a determinação dela... Não fosse por ela eu não teria um apartamento aos dezoito, não fosse por ela não teria estudado o ensino primário e secundário... Bem! Acho que devo muito mais do que esperava a ela ainda mais agora tendo eu as chances que ela sempre almejou. Um destino que minha mãe nunca pode compartilhar de igual pra igual comigo... Não compartilhou simplesmente por que ela já faleceu há muitos anos...

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Voltemos ao assunto “Natasha”... Ela era uma das únicas pessoas em quem conseguia e podia confiar na face da terra, é claro que não só ela era uma grande amiga como também Lahana e Many eram para mim. Aliás, elas não eram apenas mãe e filha ou mesmo apenas vizinhas do apartamento ao lado, eram como se fossem minha mãe e irmã por tamanho tempo de convivência. Vivi tanto tempo entre meu próprio lar e o de outra pessoa que isso até soa estranho, era como não ter uma identidade real, como não viver e ao mesmo tempo viver... Isso não se explica com palavras, nunca foi o meu feitio. De resto o mundo estava simplesmente tomado por pragas e nada mais do que pessoas orgulhosas, pessimistas, psicóticas, assassinas, pilantras e toda uma outra sorte de denominações possíveis de se existirem em um dicionário. O orgulho é uma arma mirabolante, fascinante e ao mesmo tempo aterrorizante, com ela o homem pode pisar sobre os mais fracos, atravessar fronteira e até ir aos extremos da violência e crueldade matando apenas por dinheiro, por ostentar luxos que em seus próprios países já não existem mais. São coisas deste tipo que abomino, riquezas só servem para destruir o povo, rebaixar a auto-estima já denegrida e flagelada. 46


Só aumenta a sensação de abandono e vazio que povoam nossas mentes e nos tira a paz. O canto dos pássaros cessou no mais além bosque, o que era uma pena, pois havia estado todo esse tempo na tranqüila companhia do mesmo o que me indicava que o tempo estava muito próximo agora, e que logo a verdadeira noite iria pronunciar-se em todo o céu. Eu não gosto da sensação que é ficar só em um lugar onde o frio e a escuridão imperam junto a árvores de ramos folhosos secos, era outono em Liverpool e mesmo assim tornava o ambiente sinistramente sombrio. E a sensação de estar sendo vigiada? Ninguém sabe o quão perturbador isso é para mim. Mexi a ponta dos pés a fim de aquecê-los até por que estive com eles descobertos fora das botas especiais de couro negro e cadarços. A pedra fria atrás de minhas costas tornara-se desconfortável agora enquanto o tapete de folhas uma armadilha ruidosa perfeita para denunciar a minha posição aparentava umidade. Olhei para o relógio. - Anda Ax... Não quero virar um sorvete aqui fora! – Murmurei contra o vento frio que soprava por

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entre as árvores enquanto massageava os braços na tentativa de aquecê-lo. Como eu estava cansada céus ninguém tem noção disso. Mas não pensem que eu estou cansada de esperar, não... Estou cansada de pensar, de lembrar coisas que me fizeram tremer de medo e chorar como uma criança, estava entediada por não ter nada mais do que à tarde de outono sozinha para curtir no meio de uma missão... Além do mais estava também cansada de viver em meio à ignorância, insensatez e imprudência. Resolvi levantar-me e sacudir a poeira impregnada em minhas vestes, as folhas secas esmagaram-se por baixo de meus pés trazendo uma má perspectiva a estes do frio circundante. Agulhas de gelo flutuaram através de minhas veias o que doeu no fundo do coração. Não queiram me tachar de louca. Não, não... Eu não sou louca, apenas gosto de ficar descalça sobre folhas secas, o som que elas produzem é inebriante, plausivelmente silencioso e não me é desagradável como o silêncio em si. No todo me faz sentir como se estivesse realmente acompanhada o que era muito bom. A natureza viva é a melhor companhia quando se está sozinha no meio de um bosque à noite. 48


Trato de calçar minhas botas com rapidez e destreza, meus dedos agem rápido sobre os cadarços finos de algodão, meus cabelos presos no alto por um rabo de cavalo, balançam ao vento singelamente enquanto me esgueiro entre os ramos mais baixos para observar o movimento mais adiante dentro do suntuoso casarão. Deitada de barriga para baixo em seu sofá encontrava-se Salina Harnoi uma bela jovem de cabelos longos loiros como o trigo, a pele branca ficava ainda mais acentuada pela escuridão apenas iluminada por um fraco feixe de luz artificial, porém o que às vezes era facilmente perceptível era o fato de ela apresentar maçãs do rosto pouco rosadas e lábios da cor de pêssegos. A lua certas vezes agia sobre sua pele quando ela cismava de olhar pela janela, sorte a minha de me encontrar escondida tanto pelas plantas quanto pela escuridão causada pelas sombras das muitas árvores atrás de sua casa, de certo a sua palidez lhe conferia uma fraca aparência de doença. Volta e meia Salina alternava entre deitar, se atirar no sofá ou ficar de pé andando de um lado a outro na pequena sala de estar enquanto conversava e suspirava ao telefone com alguém que só podia de ser uma de suas tantas amigas de colégio, chega a ser irritante observar 49


uma garota da alta classe fazendo caras e bocas diante de um telefone como se o que escutasse fosse a fofoca do século, porém eu percebia que certas vezes ela agia como eu, solitária, um aspecto de indefesa e ingenuidade atípicas para uma personagem tão ativa em sua vidinha corrida, algo que às vezes, confesso, eu mesma sinto em meu íntimo. Eu sei como é estar sozinha a metade do tempo, sem atenção dos pais, de outros amigos ou até mesmo de empregados, eu sei como é chato ficar entre pessoas e ao mesmo tempo não estar, poder falar quando não posso ou me calar quando era pra falar... Não a culpo por ter nascido numa família esnobe e tampouco me culpo por ter perdido minha mãe ou não ter um pai, às vezes é bom e eu não sei como explicar os meus motivos para tal caso. É como se a liberdade agisse sobre nós duas como uma espécie de gaiola, estamos livres, porém ao mesmo tempo encarceradas em nossas próprias regras e ditames pessoais. Aqueles olhos gentis, meio infantis do mais puro tom mel observavam o brilho longínquo das estrelas, meio sonhadora, brevemente sedutores e loucos eles vasculhavam os céus a procura de um sentido para a sua vida enquanto sorrisos iam e

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vinham com uma estranha sutileza e facilidade. Eu acho que essa garota é bipolar isso sim! Como um vaga-lume piscando ao longe percebi a presença de um rapaz com uma lanterna na entrada dos fundos da suntuosa casa, era um empregado muito bem trajado por sinal cujos olhos verdes da cor da pedra jade cintilavam ao menor contato com a luz do luar, os belos cabelos loiros e bem penteados tremulavam ao vento. Este parecia vitorioso de poder estar sinalizando, talvez fosse um sinal realmente de vitória, pois era a minha liberação para poder entrar no casarão sem ser notada. Rapidamente antes de sair de minha posição procurei observar novamente a figura da jovem garota de cabelos cor de trigo, ela agora estava atirada sobre o sofá de barriga para cima e pernas para o ar, parecia entretida enquanto observava as unhas dos pés. Essa era a minha deixa. Esgueirei-me por entre os rançosos ramos verdes dos pinheiros e atravessei o pequeno quintal tomando a devida precaução de não marcar muito o solo arenoso com minhas pegadas algo que Axel, o rapaz vestido de empregado, não tinha nenhuma intenção de fazer aquela noite. - Caramba, demorou hein? 51


- Hei me desculpe senhorita perfeição, quando patrões exigem não posso exatamente negar meus serviços! Sou um empregado esqueceu? Fiz uma careta pra ele, mas na realidade eu nem estava realmente prestando atenção no que ele dizia e sim prestava atenção na movimentação e no falso silêncio que corrompia o interior da grande e mobiliada cozinha do casarão. Axel não fazia o tipo discreto como qualquer outro rapaz, pouco se podia fazer por ele e sua estonteante beleza ainda mais estando ele fazendo um serviço como esse tudo isso lhe era um estranho e convidativo atrativo. Falo isso por que da primeira vez em que tentamos a mesma missão a garota, Salina, descobriu-o e quase, digo quase que ele põem toda a missão em risco. - Você tem certeza que desta vez ela não vai perceber? - Não se preocupe ela está ocupada demais agora e mesmo que ela tente deixar a sala eu a distrairei! - Sei... Conheço muito bem a sua técnica de distração! Da última vez quase que pões a missão a baixo. 52


- Não é minha culpa ser tão irresistível! Só você parece não perceber isso! - Poupe-me! – Resmunguei com uma careta. A voz de Salina ficou próxima de uma identificação concreta. - A sala do computador fica no final do corredor à direita. - Sim eu sei, faça o seu trabalho que eu faço o meu... – Voltei-me para a saída da cozinha e iniciei minha jornada a fim de cumprir com o que me foi ordenado, porém parei e me voltei para Ax que encostava a porta dos fundos lentamente. – Oh e Ax... - Sim mamãe! Eu o encarei profundamente irritada com a comparação que ele fez de mim. Os olhos estreitos o fitaram quase a ponto de desejar queimá-lo ali e agora. - Procure fazer seu trabalho direito desta vez... - Claro, como quiser meu bem! – Debochou. Segurei-me para não responder a altura, pois há essa hora eu tinha o desejo mais impertinente de matá-lo com minhas mãos, meus dedos afundaram sobre as palmas lisas de minhas mãos recobertas pelas luvas de couro enquanto voltava meus olhos para o corredor diante de 53


meus pés e olhos, a iluminação básica infundia-se através do mesmo guiando-me enquanto a voz insidiosa de Salina ressoava como uma breve onda no oceano em plena calmaria. Lentamente comecei a destrinchar o plano em minha mente, primeiro copiar os arquivos de “maior” importância para a E. A. diretamente do computador presente no escritório, segundo instalar grampos no telefone pessoal de Hector Harnoi pai de Salina e terceiro instalar câmeras e escutas em pontos indistintos. Seria um trabalho bem complicado até então e eu contava com Axel para a carga mais pesada disso tudo que era manter vigilância constante sobre a patricinha mimada na sala quinze passos de distância do escritório. Adentrei a pequena saleta cuja mobília muito bem lustrada reluzia debaixo de uma fraca luz pertencente a uma luminária muito cara, um computador desktop encontrava-se desligado coberto por uma proteção contra poeira em seu canto, apressei-me e pulei sobre a cadeira giratória acolchoada tendo o maior cuidado quando o liguei. - Vamos lá, vamos lá... É isso ai belezinha mostre os seus segredos só pra mim! – Sussurrei com 54


um sorriso nos lábios, liguei a escuta atrás de minha orelha e compartilhei meu achado pessoal assim que descobri a senha do velho Harnoi com Ax. – Blackgirl para Surfista, consegui! - Surfista? – Escutei um risinho sádico do outro lado, com certeza era uma forma de debochar do apelido que encontrei para ele. - É isso ou ser chamado de Big foolish, escolhe! Um longo silêncio seguiu-se da parte dele e eu temi ter dito alguma besteira. - Ora vamos Ax foi só uma brincadeira! Surfista me veio à mente por que você me lembra um deles. - Enquanto a Blackgirl? De onde tirou isso? – Seu tom de voz era enigmático e distante o que me deixou de certo modo tensa. - Falta de idéias, sou boa com eletrônicos não com apelidos! - Então cairia melhor Sexy girl ou Leather girl. Não encare com maus olhos, foi só uma sugestão! Sugestão essa que me levou a refletir sobre o esdrúxulo comentário, nem sequer vestida com couro eu estava! Porém a roupa negra colante era um indício do que ele haveria de estar pensando no primeiro caso. Garota sexy 55


não era bem o que eu esperava, no entanto por que eu deveria de estar me irritando por tanto? Ele estava certo, eu é que encarei com maus olhos. - Está bem estamos quites se é isso que você quer dizer agora será que dá pra me dizer como anda as coisas ai? - Tudo na maior tranqüilidade Rose, a Alice no País das Maravilhas continua tagarelando ao telefone. Estremeci quando sua voz sussurrou meu nome. Bem, não diria de certo que tenha sido meu nome e sim uma forma carinhosa que só duas pessoas conheciam e me chamavam da mesma maneira, minha avó Natasha e Many a minha vizinha e antiga babá. De alguma forma Ax sabia disto e ousou me chamar pela carinhosa forma e eu tremi por dentro com a profundidade de sua voz quanto a isto. Quando ele o fez eu terminava de conectar o pendrive no computador e ia descarregar os arquivos quando estanquei como uma estatua, ser chamada de Rose, diminutivo de Rosálie que era o meu segundo nome era tenso, me deixava arrepiada e sem ação, nenhum homem jamais pronunciou o diminutivo de meu nome nem sequer de brincadeira.

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- Rose... Rose por favor, responda! Você está ai? Rose. – Perdi totalmente a noção por um breve instante, Ax parecia realmente louco do outro lado me chamando quase aos berros. - Sim estou aqui... – Arfei. - O que foi que houve? Fiquei falando sozinho na escuta, achei que tinha acontecido alguma coisa! - Não aconteceu nada Ax, sossega o seu facho e fica de olho na patricinha. - Ta... Mas tem certeza de que está tudo bem mesmo com você? Eu posso terminar o serviço pra você se quiser! - Não Ax, eu preciso de você ai fora de olho na garota, não posso pôr a perder a missão uma segunda vez! - Está bem... Se é o que quer mesmo! - Sim é o que eu quero. A escuta ficou muda por alguns instantes, acho que Ax refletia sobre o caso enquanto eu tentava relembrar os parâmetros da missão, pois com a falta de ação meu cérebro apagou literalmente todos os planos. Cocei a testa e um dos olhos enquanto recuperava lentamente as funções mais básicas de meu corpo, a 57


respiração voltou ao normal enquanto a movimentação dos dedos preparava os arquivos para serem copiados e descarregados no pendrive, a primeira etapa já estava em andamento, faltava a segunda e terceira etapas. Ergui-me da cadeira com um leve ranger que espero do fundo de minha alma não ter atraído as atenções de ninguém na casa e dirigi-me até os pontos estratégicos do escritório, pequenas câmeras com escutas integradas foram cuidadosamente plantadas entre jarros, livros e quadros, eu tinha de agradecer a tecnologia por cada vez mais inventar câmeras como estas que estou usando, as lentes eram tão simplórias e invisíveis que era o mesmo que não ter nada em mãos. Segunda fase terminada preparei-me para a terceira, mas uma surpresinha acabou com o meu terceiro plano, onde estaria o telefone do escritório? - Blackgirl para Surfista falando! - Sexy girl já de volta? Pensei que não quisesse mais falar! - Quer parar de me chamar dessa maneira? - Desculpe-me, não era a minha intenção zangála!

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- Cala a boca e me escuta, a garota está com o telefone do escritório, o plano não vai concretizar-se se ela continuar grudada nele! - Calminha ai, deixa-me ter certeza de que ela está mesmo com o telefone! - Mas é claro que ela está idiota, o pai dela não está em casa lembra? Outra vez um silêncio assustador invadiu meus ouvidos e agora eu não tinha tempo para esperar uma reação boa ou ruim da parte dele. Detestava quando não conseguia fazer algo direito! - Axel, por favor, faça essa garota largar o telefone ou dê a missão por perdida! - Deixa que eu me viro, sai daí eu deixarei o telefone livre! A escuta ficou no mudo de novo de sua parte, porém não fora desligada, acho que ele queria exatamente que eu escutasse o que ele iria dizer a patricinha tagarela que mesmo com a chegada dele continuava a falar ao telefone. Ax chamou-lhe a atenção uma vez, mas ela aparentemente não o correspondeu, pois bem ele fez pela segunda vez e nada, na terceira vez ele já havia tirado o

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telefone da mão dela pelo modo com que a mesma veio a resmungar. - Está na hora da senhorita ir dormir não acha? – O tom de voz dele era desejoso e vulgarmente gentil. Típico de Axel. - Oh, por favor, Ax só mais alguns minutinhos, devolva-me o telefone, por favor! - Ah, ah, ah! Não, não senhorita, é hora de ir pra cama, não me faça agir a favor disto. Um click e o telefone havia desligado debaixo de seus dedos, seja lá quem for que estivesse do outro lado fora atordoantemente cortado no meio de um implorar que mais lembraria aos meus ouvidos um irritante mosquito a cantarolar aquela irritante e irônica sinfonia desafinada. Com passos lentos e cautelosos atravessei o corredor a fim de me encontrar na cozinha de novo e assim que o fiz me localizei estrategicamente conseguindo visualizar Ax parado diante da jovem loira de olhos cor de mel que por coincidência estavam focados nele de maneira apaixonada e sonhadora. - Estou aqui no corredor, o que faço agora? - Que tal a senhorita ir subindo? Eu levarei um suco até o seu quarto... 60


- Deixa de conversa Northon, meus pais não estão em casa desta vez você sabe que não há mal algum em um pouco de companhia! - Senhorita Harnoi... – Ele chamou-lhe a atenção de maneira muito séria e composta. - Northon! Nenhum de nós dois é mais criança, por favor! Por que negar fogo? Meu Deus a garota era pior do que eu imaginei! Lá se foi a teoria de que ela fosse ingênua, pra mim agora aquilo se saiu muito mais do que uma mulher já vivida, mesmo que a garota tivesse apenas dezessete anos! - Senhorita Harnoi! – Ele chamou-lhe a atenção mais consternado que eu mesma. - Cai fora Ax, a missão acabou, falhou vamos! - Sabe... – Disse Salina enquanto deslizava os dedos por sobre o uniforme dele. – Há muito tempo eu esperei por um dia em que nem meus pais e nem mais ninguém viria a nos atrapalhar, eu esperei por uma noite como essas onde eu e você estaríamos sozinhos em minha casa e poderíamos fazer o que quiser! - Salina não... – Percebi quando ele oscilou e começou a se afastar dela, mas a cada passo dado por ele ela se aproximava duas vezes mais rápido e adiantado. 61


Ax caiu sentado sobre a poltrona o telefone pendeu para o lado e voou através do corredor que ligava a sala até próximo da cozinha quicando como se fosse uma bolinha de pingue-pongue parando centímetros antes da minha rota de fuga. Não podia simplesmente fugir dali levando o telefone comigo, ela iria me ver se o fizesse. - Ax não... Sai daí agora! - Salina não, por favor! - Não precisa ficar com medo, ninguém vai saber de nada! - Por favor, eu lhe peço que não faça uma besteira dessas! - Oh garota chave de cadeia... Eu vou pegar o telefone Ax. - NÃO... Ax instantaneamente estava novamente de pé e segurava Salina pelos braços enquanto empurrava-a para longe de minhas vistas. Eu me lancei para fora do corredor em direção ao telefone e agarrei-o de mão cheia carregandoo comigo para fora da casa enquanto um som estranho veio da escuta nele escondida. Só fui entender o que estava acontecendo quando o vi pela janela. - Não Axel... 62


Não tinha nem como obrigá-lo a sair quanto mais chamar sua atenção para o que eu acabava de ver com meus próprios olhos, só podia continuar com a missão e quanto mais rápido pudesse agir mais rápido poderia nos livrar daquela situação, isso se a virtude do “bom moço” não fosse corrompida pela falsa ingenuidade de nossa anfitriã. A operação demorou por volta de uns dez minutos até que consegui terminar com o trabalho, até lá muita coisa já havia acontecido como, por exemplo, Axel terminar sem a camisa sentado no sofá onde ela estivera deitada tendo Salina sentada sobre suas pernas, aquilo me tirou o ar e eu só pude largar o telefone no lugar onde ele tinha estado e me lancei para fora da casa. - Dá um jeito de sair daí logo Axel, pois eu já terminei o serviço! Estou indo para a estrada pegar o carro estou esperando por você... – De repente me lembrei de algo, algo que eu nunca deveria me esquecer! – Oh droga... Droga, droga, droga! Só não bati em mim mesma, pois não seria uma boa idéia, o que eu havia esquecido era muito simples, o pendrive conectado no computador do escritório, eu não

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acredito que minha cabeça estava tão longe assim! Nunca acreditei que isso algum dia pudesse acontecer. - Mudança de planos meu caro... – Suspirei. – Continue distraindo a nossa amiguinha enquanto eu volto ai para pegar o pendrive! Ouvi o que me pareceu um gemido, talvez fosse Axel exasperado, pois pra ele tudo tinha dado certo, quem dera, minha memória ultimamente não tem andado muito boa! Com passos rápidos me infiltrei novamente no casarão só que desta vez descalça, minhas botas estavam sujas com migalhas de folhas partidas e flocos de terra, não poderia deixar rastros, nunca poderia fazêlo, aliás, era a pior gafe cometida por um agente no século! Deslizei pelos corredores quase a correr e voltei a entrar no escritório onde uma mensagem sinalizava o termino da copia de arquivos feita para o pendrive, fechei o programa e fiz com que parecesse que nunca aquele computador fora invadido, desliguei-o imediatamente e me retirei da casa. Porém assim que o fiz eu ouvi um som não muito distante de um carro entrando, de muito longe eu vi uma luz fraca de um Mercedes adentrando a cancela passando pela guarita onde um segurança bem 64


uniformizado encontrava-se aguardando a chegada do chefe, seria um longo caminho até a entrada, porém um curto tempo pra mim até o carro da agencia e um quarto plano de investida contra os ataques de Salina, precisava agir rápido! Corri com as botas nas mãos através do bosque, gravetos e pedras machucaram meus pés por baixo, mas eu estava mais preocupada em tirar Ax daquela enrascada em que tinha se metido era a segunda vez que quase ou praticamente tudo iria dar errado caso eu não conseguisse interceder por ele, àquele inútil sedutor de uma figa eu acabaria com ele em menos de três tempos, deixa ele, por enquanto eu tenho que pular aquele muro e pegar o carro em menos de cinco minutos antes que o mal seja consumado! Lancei as botas e elas atingiram algo metálico do outro lado, a estrada estivera todo esse tempo deserto e na escuridão quase não dava para perceber o grande carro preto cedido pela agencia a nós, saltei o muro com a ajuda de um tronco tombado de árvore e contornei o carro, as chaves estavam escondidas debaixo dele então foi fácil me livrar das trancas até ai. Abri a porta e me lancei para dentro do carro soltei os cabelos e remexi-os 65


a fim de parecerem “legais” para a ocasião e voltei a me olhar no espelho esperando que a minha aparência demonstrasse alguma coisa interessante e dei partida no carro, enquanto dirigia pensava no trajeto que o carro de Hector Harnoi faria com sua esposa ao lado, o que ele viria a fazer com Ax se o descobrisse agarrando a sua filha tão jovem e “pura”? Com certeza mataria-o por desvirtuá-la e isso eu não estava apta a permitir. A cancela estava baixa assim como o portão fechado buzinei para o guarda que deixou a cabina para me observar com sua lanterna ligada. - O que a senhorita deseja? - Ah... – A princípio não soube o que dizer, depois a coisa fluiu como uma chuva de idéias incomuns. – Eu vim buscar meu namorado, ele trabalha aqui. - Desculpe-me senhora, mas não posso deixá-la entrar sem qualquer identificação! Merda... - O senhor queira me desculpar, mas eu sai de casa apressada e não tive como trazer os documentos, meu namorado se chama Northon e começou a trabalhar aqui acho que a umas duas semanas se não me engano! 66


- Acho que temos um Northon sim trabalhando aqui, mas no máximo posso interfonar lá para dentro para que o patrão possa vir a chamá-lo... - NÃO... Pelo amor de Deus não faça isso! O guarda ficou me olhando com uma cara muito, muito estranha, acho que exagerei na atuação. - Como senhora? - Desculpe-me... – Fingi que iria chorar, a atuação tinha que ser pelo menos 99,9% perfeita. – A noticia que eu tenho para dar a ele não é muito boa então eu tenho que buscá-lo e levá-lo até o hospital. O guarda se assustou e talvez tenha sido por isso que tenha se compadecido de minha “falsa” dor. - Alguém se acidentou senhora? Fingindo soluçar eu disse. - O pai dele sofreu um derrame enquanto escovava os dentes. Sabe como é né, caiu no banheiro e bateu com a cabeça... – Teve um momento em que tive de parar, lágrimas de verdade estavam escapando pelos meus olhos, perfeito... - Calma senhora, eu vou deixá-la passar, se é um caso urgente não há necessidade de fazê-la esperar. Pode ir! 67


- Muito obrigado senhor, muito obrigado mesmo! – Lágrimas continuaram a descer pelo meu rosto e acumularam-se em minha camiseta preta que apesar do frio deixava transparecer o suor da corrida inicial até o carro do outro lado. Dirigi apressadamente até a entrada da casa, uma mulher estava prostrada sobre alguns vasos onde ela mexia e remexia a terra com a ponta dos dedos, aquela era a senhora Elizabeth Harnoi ou Beth como todos costumavam chamá-la, mas eu não seria uma dessas pessoas, nem louca me entregaria assim. Ela me encarou quando entrei com o carro na vaga atrás do carro de seu marido e logo se levantou e eu pude contemplar seu belo vestido de noite. - Pois não senhorita? – Ela disse elegantemente. - Meu namorado Northon... – Respondi meio que em soluços. – O pai dele está no hospital! - Oh céus, meu marido irá chamá-lo espere um momento! - Não senhora, eu o chamo, por favor... Acho que ele merece pelo menos que alguém próximo da família o chame e conte o que aconteceu! Eu preciso senhorita, por favor... 68


- Tudo bem, tudo bem... A porta encontra-se aberta! Mas é claro que ela desconfiou de alguma coisa, só que mulheres são assim, solidárias com as dores dos outros. Eu é que me vi como uma aberração, chorando por um fato que nem sequer é real tanta encenação para tirar Axel de uma enrascada daquelas. Assim que entrei pela porta da frente liguei para o celular de Ax que tocou no andar de cima, não podia ser, ele não podia ter levado aquela história adiante. No terceiro toque ele atendeu. - Alô? - Acho melhor você sair agora de onde quer que esteja, seus patrões acabaram de chegar! Ouvi um tropeçar, alguém murmurando alguma coisa e logo uma porta se fechou, o telefone desligou logo em seguida enquanto eu me apressava por tentar alcançar o infeliz de meu companheiro de missões. - Mas o que pensas que estava fazendo? – Disse assim que o vi, as calças estavam desabotoadas e a blusa solta sobre o tórax desnudo. - O que pensas que eu estava fazendo? Distraindo a garota! - Oh meu Deus não me diga que... 69


- Não pense besteira, eu não fiz mais do que um... Ah, não precisa saber o que! - Pois é acho que não... Trate de se recompor e finja que eu acabei de te avisar que seu pai sofreu um derrame! - Um o que? - Só faça o que eu mandei, por favor! - Isso são lágrimas? - Não me provoques Ax! Eu já me meti em muita enrascada até agora para livrá-lo de uma pior! - Isso foi muito gentil de sua parte, Sexy girl! Eu o olhei, mas olhei mesmo com uma vontade enorme de esganá-lo, mas aqueles olhos ali era pura ingenuidade, um sorriso seu bastava para me desmantelar por inteiro, mas eu não deixei que ele percebesse o mesmo, até por que isso não tinha nada a ver com o caso. Meus olhos produziram mais lágrimas e no exato instante em que senti que a porta abrira-se lá no corredor eu o forcei a me abraçar. - Finja que estás chorando... - O que?

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- Eu sinto muito, muito mesmo Nort, quando chegamos na casa de seu pai ele já estava desacordado... Sinto muito, desculpe! Eu senti que atrás de mim, não muito distante estavam o senhor e senhora Harnoi, a filha deles acabava de aparecer no alto da escadaria vestida com uma camisola de renda, os cabelos em cascata caíram-lhe por sobre os ombros. - Mas o que está havendo? - Shhh... Tenha um pouco de educação Salina! - Mas o que foi que aconteceu? – Perguntou desta vez o senhor Harnoi a sua esposa. - O pai do Northon sofreu um derrame e está no hospital... Eu ouvi o sussurrar da singela conversa entre Hector e Beth no canto inferior da pequena ante-sala e o bufar da garota loira no alto da escadaria, eu só queria sair logo daquele lugar, mas a cada instante que tentava sorrateiramente puxar Axel para longe este me apertava como se quisesse realmente passar a idéia de dor, ele mal sabia que provocava dor em mim com aquele estranho, porém muito significativo gesto.

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- Vão, se precisam ir podem ir eu libero você dos serviços está noite Northon, depois eu deixo sua gratificação com alguém da agência. - Muito obrigado senhor... – Ele fungou o nariz e usou a manga da própria camisa para secar as lágrimas que escorriam por sua face amorenada de sol. Eu mal podia acreditar que ele estivesse realmente chorando, mas já que era pra fingir tinha de ser sério mesmo. Sem voz alguma para agradecer eu apenas acenei com a cabeça e balbuciei uma boa noite a todos me apressando a sair da casa puxando pela mão Axel que não negava nem mais um passo a mim permitindo-me carregá-lo para fora e assim que chegamos às portas do carro entramos e partimos. - Boa encenação a sua lá dentro! Até achei mesmo que estava chorando. - Concentração, só mais um de meus truques. – Ele deu de ombros, vislumbrei um sorriso faceiro em seus lábios enquanto este observava o caminho, lágrimas brilhavam ainda em sua face. - Quantos truques ainda têm escondido que eu não sei hein Ax? – Curiosidade espetava-me a língua quando fiz essa pergunta a ele. 72


- Olha, a gatinha manhosa permitiu-me a graça de contemplar um sorriso! Olhei para ele de soslaio enquanto lançava um sorriso enigmático à la Monaliza, o segurança abriu os portões e suspendeu a cancela permitindo a nós escapar daquele lugar fantasmagoricamente lúgubre. - O que houve lá em cima? Será que posso saber agora? - Pensava que isso não importava mais! - Preciso saber até que ponto você possa ter avançado o sinal, só por precaução! - Lá vem à senhorita perfeição outra vez. Vem cá, será que nunca se cansa desse teatrinho todo não? – Seu corpo estava praticamente inclinado para o meu lado, os olhos cor de jade fixos em mim quase tiravam de mim o fôlego natural. - Eu não faço teatrinho algum, você é que está ficando maluco! - Eu maluco? Sério? – Ele riu enquanto voltava a se recostar em seu banco. - Coloque o cinto de segurança, por favor! – Disse assim que analisei a situação toda. - Não começa... 73


- Axel! – Chamei-lhe a atenção. - Sabe por que lhe dei o apelido de garota sexy? - Não quero saber... – Disse enquanto aprofundava minha atenção na estrada, minhas mãos estranhamente apertaram o volante, minha face aqueceu tão rápido que eu mal podia controlar o vermelho crescente. - Pois eu vou contar mesmo assim! – Ele disse enquanto posicionava o cinto de segurança no lugar. – Todos na agência lhe acham a mais atraente e quente agente especial, talvez mais até que a Marcie Traigher ou a Natalie Spencer. Portanto me achei no direito de endereçar-lhe um apelido que combinasse com o seu perfil ainda mais acentuado hoje com essas roupas tão... – Eu senti o peso de seus olhos sobre o meu corpo e só não parei o carro, pois acabava de entrar na rodovia que nos levaria de volta a cidade. – Justas! Senti meu rosto tão quente, mas tão quente que minhas bochechas deveriam de estar parecendo tomates de tão vermelhos, estaria eu ficando sem graça ou seria só uma mera impressão? - Não vai falar nada mesmo ou vai corar mais do que já está corada? 74


- Você percebeu que tudo com você dá errado? Você quase pôs a missão a perder outra vez Axel, é por essas e outras razões que prefiro trabalhar sozinha! - Como daquela vez em que você quase foi pega pelos dobermanns do Quenty? Poupe-me Rose. Não desconverse! - Se você não estivesse me azucrinando aquela vez teria dado tudo certo e eu não estou desconversando! - Aham, sei! Toda vez que eu tento estabelecer uma conversa que realmente vale a pena você arranja uma desculpa para não me responder, é sempre a mesma história, sempre os mesmos modelos nada gentis, bem típicos de alguém como você Rose! - Pare de me chamar pelo diminutivo de meu nome... - Por que? Por algum acaso a dondoca vai fazer alguma coisa é? Não me controlei, quando fui ver ele segurava minhas duas mãos e o carro estava parado no acostamento no meio de uma estrada praticamente deserta, a escuridão era amainada apenas pela luz do luar que eu particularmente estava começando a detestar, pois se refletia naqueles belos olhos verdes. Tentei recapitular o 75


que tinha acontecido, como havia ido parar ali e como havia me deixado ser pega por ele dessa maneira até que ele soltou minhas mãos não por instinto e sim por cautela e educação. - É feio tentar agredir alguém como tentastes agora mocinha. – Sibilou ele tão próximo de meu rosto que dava pra sentir seu hálito em meus cabelos. - Pare de me irritar! – Rosnei entre os dentes. - Quando aprender a agir e a falar como mulher sobre esse tipo de assunto eu irei parar de lhe irritar com certeza! Literalmente o tempo fechou entre nós, pois assim que ele me livrou de seus apertões eu danei a disparar com o carro para fora do acostamento de novo, meu sangue por dentro estava com certeza fervendo, meu coração batia acelerado enquanto minha mente relembrava tais palavras, eu queria tanto ficar sozinha agora que nem percebi quando o painel de controle marcava cem por hora. - Agora está tentando nos matar. Ótimo! – Resmungou ele enquanto uma das mãos batia sobre uma das pernas.

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Antes mesmo que eu pudesse vir a respondê-lo a altura o meu telefone celular tocou dentro do bolso de minha jaqueta que se encontrava jogada no chão atrás do banco onde me encontrava, dei quase graças a Deus por ter me livrado do assunto, porém um arrepio gelado me obrigava a pensar que meus problemas estavam só começando. - Será que você poderia...? - Claro senhora! Ele estava me testando só podia, pois minha paciência estava prestes a ruir, ele apanhou o celular de dentro do bolso da jaqueta e atendeu-o dali mesmo, ao longe pude avistar um hotel de beira de estrada qualquer, ótimo ponto de parada para um descanso antes de seguir. - Correu tudo bem sim chefe, Erin foi perfeita na instalação do grampo no telefone e na copia dos arquivos, aposto cada centavo que agorinha mesmo o senhor e todos os da agência estão vendo o cretino do Hector pelas câmeras e se não com certeza elas trabalham perfeitamente bem como o esperado... Não, não, não houve problema algum, a missão correu perfeitamente bem como todos esperavam... Claro, claro eu passo pra ela. – Ele voltou os olhos pra mim 77


novamente e estendeu o telefone na minha direção. – Vou comprar alguma coisa pra gente, ele quer falar com você agora! - Ótimo... O que será agora? – Resmunguei. Tudo o que eu menos queria era falar com o nosso chefe naquele exato instante, que ele ligasse no dia seguinte, daqui a uma semana ou sei lá meses, mas não me perturbasse justamente no momento em que tentava me controlar para não acertar a mão na cara de meu companheiro de trabalho. Abri a porta do carro e retireime deste para respirar o ar puro e arejado de beira de estrada tomando claro a coragem para atender meu patrão, Ax a todo instante olhava pra mim enquanto distanciava-se cada vez mais do veículo a fim de se infiltrar no bar para conseguir alguma bebida e petiscos para continuar a viagem. - O que desejavas falar de tão importante comigo chefe? - A noticia que tenho pra te dar não é nada boa Erin, espero que possa suportar! - Mas... Por que? O que foi que houve? - Hoje mais cedo houve uma invasão ao seu apartamento, aparentemente nada foi roubado, mas... 78


Estremeci, parecia que já sabia o que ele tinha pra dizer desde muito tempo antes de iniciarmos a conversa por telefone, meu espírito se agitou assim como meu coração que com pequenas pontadas saltou dentro do peito. - Droga Stein, não me diga que minha avó... - Não, não... Sua avó estava no serviço há essa hora... - Então? - É sobre a Many Erin. Sua vizinha estava no seu apartamento, me parece que ela esqueceu algo lá e voltou minutos antes para buscar o objeto quando foi surpreendida pelos bandidos... Eu sinto muito Erin, muito mesmo... Meus olhos fecharam-se enquanto em contra partida minha boca escancarou-se, tremores subiam e desciam pelo meu corpo e eu senti que ia cair com as próximas palavras ditas por Stein meu chefe. - Como? Diga-me como... - Ela foi baleada e achamos que possa ter sido um engano... Não consegui escutar mais nada depois das últimas palavras pronunciadas por Stein do outro lado do telefone, minha cabeça começou a rodar e eu perdi a 79


força que tinha em minhas mãos o que fez o telefone terminar no chão assim como meus joelhos enfraquecidos. Podia ter ouvido qualquer coisa da parte dele, que o mundo estava ruindo, que uma terceira guerra mundial estourara no oriente, mas não que minha querida Marina estivesse morta a apenas algumas semanas antes de minha volta. Não podia ser verdade, eu só poderia estar sonhando não é possível, lágrimas escaparam de meus olhos assim como um breve silvo de dor, uma de minhas mãos elevou-se até o peito e comprimindo-o tentei fazer a dor parar, mas era praticamente impossível, quanto mais eu apertasse mais doía assim como também as pedras debaixo de minha mão livre. Meu coração parecia querer explodir, minha alma ia rasgar-se ao meio eu sentia isso era quase palpável. - ERIN... Algo caiu metros à frente e um chiado surdo de líquido vazando irrompeu dentro de minha mente como um zumbido produzido por um irritante mosquito em meus ouvidos, passos rápidos alcançaram-me e mãos quentes me reergueram do chão até ficar sentada tendo como apoio para a cabeça pesada o seu peito, seus braços 80


envolveram-me a cintura enquanto este tentava me fazer falar. - Que foi? O que aconteceu Rose? Mas quem disse que eu conseguia respondê-lo? Após algumas tentativas frustradas ele resolveu me tirar dali, pôs-me sentada dentro do carro enquanto conversava com o dono do hotel barato, não havia condições de deixar a cidade não agora a essa hora e muito menos com uma garota em crise como eu. No fim ele conseguiu um quarto de casal até por que todos os outros estavam ocupados e fora que eu não poderia ficar só no estado de choque em que me encontrava. Carregou-me até lá e me deitou sobre a cama ficando comigo ali por um longo tempo. Pergunto-me como Lahana estaria agora, como ela deve de estar se sentindo, como ela reagiu ao saber sobre! Pergunto-me sobre minha avó e como todos estão, eu só sabia responder a uma única questão, eu não estava nada, mas nada bem mesmo!

Capitulo 02 81


“Quase...”. Quando entramos no quarto de hotel era completamente difícil de se respirar, eu mal conseguia ordenar a minha mente para que parasse de me mandar àquelas imagens quanto mais pedir para que meu organismo respondesse satisfatoriamente as solicitações de meu cérebro. Meu corpo inteiro tremia, meu coração acelerado parecia machucado, pois doía mais do que agulhas fininhas perfurando-me o peito, era uma dor constante que parecia não estar ali antes, porém eu me enganei, sempre estivera. Parecia haver algo o espremendo e esta sensação me deixava sufocada. Eu não deveria estar aqui, a princípio deveria de estar chegando ao nosso hotel de verdade, aquele onde nos cadastramos e passamos há primeira semana inicial de quando chegamos à cidade de Liverpool, retirando talvez as roupas sujas e suadas e separando-as em sacolas para enfim guardá-las dentro da mala para pô-las pra lavar no dia seguinte em nossas pequenas locações dentro da agência, mas eu me via num estado tão deplorável que acredito não ter nem forças para fazer tais coisas quando chegar ao meu destino real. Ao 82


contrário de tudo o que estava pensando teria de acabar, deixar Liverpool o mais rápido possível para ir até a cidade onde vivi por anos a fim de ainda assistir ao enterro de Marina minha tão grande amiga, confidente e, além de tudo, mãe. Eu sei, ela não era minha mãe de sangue, minha mãe de verdade, a biológica falecera quando nasci vítima da fraqueza que a dor lhe impusera. Many como eu a chamava era uma boa mulher por volta de seus cinqüenta ou sessenta anos eu não sei, mas tinha uma extensa lista de acontecimentos, uma verdadeira história pra contar da época de seus pais, de sua época. Eu gostava muito de quando ela ia me buscar para ficar em sua casa quando minha avó saia para o trabalho passava horas brincando com Lahana sua filha, distraíamo-nos com seus quitutes já que era descendente de pais cozinheiro de mãos cheias, amava quando ela cantava musicas de ninar para que pudéssemos ter bons sonhos... E agora o que me restaria? Lembranças? Momentos únicos onde eu pude ter a chance de demonstrar sem palavras o meu amor por ela? Não era justo! Não é justo... Eu ainda tremo até agora e acho que não me recuperarei até o outro dia se completar.

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Eu nunca mais poderia dizer um “te amo” a ela como eu deveria ter tentado antes de partir, eu nunca mais vou ter a chance de poder chegar a minha cidade de origem e abraçá-la tão forte que seus músculos gritariam de dor em meus ouvidos sensíveis, nunca mais poderia ouvir o som de sua respiração aguda e lenta, tão lânguida quanto o chacoalhar da calda de uma serpente. Oh dor que me consome, oh raiva que me tira o sossego e não me deixa fechar os olhos... Pesadelos e mais pesadelos antes de realmente poder dormir. De longe sentado em sua cama encontrava-se Axel e ele me observava com seus estreitos e delirantes olhos cor de jade, aqueles antes derradeiros olhos ferinos que agora me imploravam uma explicação para o meu estado emocional rompido igual a um vaso quando cai e se quebra, aquele mesmo olho gentil que tentavam compreender a situação me guiavam na escuridão ambiente iluminada apenas pela luz dos postes lá fora. Geralmente ele me via tentando evitar a exteriorização de sentimentos profundos como os que eu tinha e agora se espantava com a intensidade com as quais expelia-as através das lágrimas e do silêncio. Aliás, silêncio este incorruptível da qual nunca se ouviu falar na história, nenhum drama fictício ou não 84


conseguiria manifestar a dor que sentia agora, nenhum romance de Shakespeare seria capaz com seus Macbeth’s ou qualquer outra obra reluzir ou mesmo tremeluzir a essência do que era a morte no meu âmbito visual, nenhuma telenovela captaria o meu temor tão bem quanto eu mesma captaria... Aos poucos o silêncio atordoador foi deixando de ser apavorante para transformar-se num aconchegante momento, o sono estava me cobrindo como um cobertor de lã tão grosso e quente que a friagem não seria capaz de penetrar, os olhos de meu cavalheiresco companheiro estavam transformando-se em borrões de tinta verde e quando dei por mim estava a dormir, a cabeça, porém não parava de sacolejar mesmo sobre o travesseiro. Uma bruma cinza encobria as cenas que hipoteticamente acabavam de se formar e me traziam ao menos um pouco mais de paz, porém não seria suficiente, eu me conheço, eu sei que quando é pra ter pesadelos eu os tenho e sem nenhuma piedade... Acordei subitamente na primeira hora daquela nova manhã, o coração disparado parecia ressoar em meus ouvidos como tambores alardeados por uma suposta invasão de novas cenas, visões do que possivelmente 85


possa ter acontecido a minha tão saudosa amiga Many, Axel mal conseguia cochilar tendo-me a acordá-lo, ele acalmava-me e trazia as minhas mãos frias um copo d’água e enquanto bebericava ele me fazia relaxar e deitar novamente a cabeça no travesseiro e assim depois de alguns instantes estava eu a dormir novamente, o sono era ainda mais pesado do à vontade de continuar acordada. A segunda vez foi no meio da noite e desta vez o sonho era diferente, Many estava sorrindo, porém com aqueles traços tristes voltados pra mim, ela falava algo para mim, algo que eu não consegui traduzir em seus lábios ou sequer escutar com meus ouvidos, e mais uma vez estava lá meu companheiro me aquietando, confortando e acalmando. Pela terceira vez na noite eu acordei e mantive-me acordada desta vez, o sono se fora assim como qualquer vestígio de forças que se acumulara durante os fragmentos de sono que pude ser capaz de reunir e por mais que eu tentasse não conseguiria mais fechar os olhos em paz. Sabe aquela sensação de dèjá vu que você tem quando olha para algum lugar em especifico? Era essa a sensação que eu tinha quando olhava para Axel sentada a beira de minha cama. 86


- Está tudo bem... Shhh, shhh... Acalme-se! – Disse-me ele com a sua mais calma voz. - Que horas são? – Arfei. - São quase cinco da manhã. Quer alguma coisa? Uma água com açúcar? - Não obrigado... – Franzi o cenho repentinamente e Axel seguiu-me com a mesma expressão exasperada na face, não era à toa, eu nunca o agradecia por nada. Axel é meu companheiro de missões há quase um mês e nunca, eu digo, nunca me viu realmente agradecendo a alguém, acredito que deveria ter uma curiosidade escondida dentro de seu peito por saber os motivos que me levavam a ser tão fechada, mas nunca cometeu o desatino de me questionar, ele não era louco tampouco sua curiosidade era afiada quanto à de um gato, porém eu sabia que ele tinha paciência e sabia esperar pelo momento certo. Mais uma vez estava ele sentado ao meu lado na cama seu semblante cansado seguia meus movimentos como mariposas na luz e mesmo que fizesse um frio desgraçado lá fora este não parecia incomodá-lo do lado de dentro do quarto inteiramente fechado, ao contrário, o 87


brilho de sua pele nua chegava a ser sedutor aos meus olhos, mas contive-me e detive meus olhos longe de seu peito desnudo por mais que isso me fosse convidativo, cheguei a pensar que era um erro estar dividindo um quarto com ele. - Por quantas vezes o acordei está noite? – Perguntei com uma voz mansa. - Erin não... - Por favor, Ax, seja sincero eu lhe peço... – Implorei, a voz quase não saiu por causa da secura em minha garganta. - Três vezes... - Como? – Ele me encarou sério. – COMO? - Você gritava, se sacudia e chorava nas duas últimas vezes antes desta terceira vez acontecer... Depois apenas ficou sentada estático ai na cama olhando para fora da janela como se estivesse reparando em algo ou alguém a nos espiar. - Desculpe-me, eu não queria acordá-lo tantas vezes e ainda mais desta maneira! - Nada... Eu preciso ficar alerta mesmo! – Bufei. Estava cansada e podia notar que ele também estava exausto. – Olha. Se não me disser o que aconteceu não 88


poderei ajudá-la! Vamos lá confie em mim pelo menos desta vez! – Aqueles olhos verdes agora brevemente obscurecidos pela falta de iluminação, sondavam-me e algo me dizia que poderia inventar qualquer coisa que ele saberia que seria mentira na mesma hora. – Erin... Mais uma vez fui capturado por aquele olhar sereno e desejei do fundo de minha alma que aqueles fortes braços desnudos pudessem me abraçar. Era como se aquele gesto fosse me proteger do resto do mundo. Sem que antes pudesse ousar refrear qualquer um de meus instintos meus braços fecharam-se à volta de sua nuca, meu rosto enterrou-se em sua pele e o doce perfume que ele usava veio a entrar por minhas narinas como um rastro de pólvora queimada, ao mesmo tempo em que tão perigoso e sedutor. Pelo modo como ele hesitou em envolver-me com seus braços no início achei até que tivesse cometido um erro mais do que grave, mas segundos depois suas mãos vieram a repousar sobre minha cintura enquanto os braços aqueciam-me abaixo da linha das costelas. Eu não queria falar, essa era a verdade, mas ele esperava loucamente por explicações e não poderia deixá-lo

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esperando, aliás, precisava contar, desabafar antes que pudesse vir a ficar louca. - Many está morta! – Balbuciei. O medo aflorou dentro de mim a cada instante que tornava a lembrar de cada palavra dita por Stein aquela noite sobre ela. - Quem? – Perguntou-me Ax sinceramente. Eu sabia que ele tinha interesse até por que sua voz me funcionava como um calmante. - Marina Saunders, a mulher que cuidou de mim quando era menina como se fosse minha mãe... Ela era minha vizinha e às vezes cuidava de meu apartamento... – Parei no exato momento em que disse “apartamento” uma imagem horrível formou-se dentro de minha mente e juro que a sensação que tive seria capaz de congelar a mais frágil das espinhas dorsais humanas. – Agora ela... Ela... – Era duro ter de assimilar tudo aquilo, mas a cada instante que passa me sinto mais insensível, eu tenho que evitar isso ao máximo ou então terei problemas mais tarde. – Morreu. – Baixei a cabeça. - Olha... Eu sei que não entendo nada disso, que não sei como é ou não ter alguém com que se preocupar, mas eu realmente sinto muito, sinto muito mesmo por sua amiga. 90


Quando ele diz que “não entende” é por que o pobre coitado não entende mesmo nada relacionado à família etc e tal. Na realidade Axel veio pra agência muito cedo e acredito que por abandono de seus únicos familiares vivos na época. Eu tinha uma certa impressão de que ele havia bloqueado as imagens boas de sua vida antes da agência, mas que agora elas tentavam voltar e ele silenciosamente refreava-as. - Olha Axel eu não quero que se chateie comigo pelo que acabei de lhe contar, esse assunto só tem a ver comigo e com mais ninguém. Você não merece escutar esse desatino todo, perdão. - Não... Não, não e não mocinha, a partir do momento em que atendi àquele telefonema este assunto tornou-se por direito meu também. Não queira carregar este fardo sozinha, isso não lhe fará nada bem. – Ele me trouxe de volta pra frente onde poderia encontrar com os meus olhos, suas mãos quentes estavam fechadas às voltas de meu braço e nesse momento lutei contra um arrepio. – Posso não ter conhecido sua amiga, mas sei que ela deve ter sido alguém muito importante pra você, e se lhe fez bem tê-la por perto a mim o fez. Espera... Eu não entendi essa! 91


Uma linha áspera parecia nos unir através do olhar, breves tremores que lembravam uma leve corrente elétrica desceram de seus braços viajando através de suas mãos até mim e cada vez mais arrepios sobrevinham ao meu corpo e eu desejava mais do que nunca poder me afastar, mas como dizer isso para o meu cérebro? Parecendo notar que tinha dito algo descabido demais, Axel soltou-me e o impacto da separação foi tanto que quase perdi o equilíbrio mesmo estando apenas de joelhos sobre a cama. - Desculpe... – Afastou-se ele com um sorriso desajeitado. Eu o encarei surpresa e sem fala, mas ele não fez o mesmo, ao contrário, Axel afastou-se da cama tornando a voltar para a sua enquanto deitava a cabeça sobre o travesseiro e fechava os olhos. O tão indesejado silêncio retornou ao quarto arrastando-se entre nós como um animal pronto para atacar, era estranho ao mesmo tempo em que angustiante não podermos conversar e mais estranho que isso era o fato de estar sentindo o que eu nunca imaginei que iria sentir por alguém do sexo oposto. Bem, eu não sei exatamente se o que estou 92


sentindo é isso, mas já que é para arriscar... Pois bem, eu sentia alguma afeição por ele, mas não era afeição entre amigos apenas ou irmãos, mas sim uma afeição, ou melhor, um apego físico, algo que me soou mais do que perigoso. Era quente e eu sabia de algum modo que ele também se sentia assim. Novamente forcei meus olhos a encarar na escuridão e sua silhueta deitada sobre a cama eu pude vislumbrar. - Ax... – Chamei-lhe. - Sim? – Respondeu-me alarmado. Levantei-me diante de uma penumbra acolhedora desejando que ele não pudesse ver a ansiedade que se escondia por trás de meus olhos nem os tremores que se faziam presentes em meus músculos. - Me abraça! A princípio ele não me entendeu, mas assim que me viu de pé saltou de sua cama e permitiu a eu vir aninhar-me em seu peito desnudo. Por um breve momento ele ficou ali apenas de braços estendidos me encarando imponente enquanto eu o apertava forte com meus frágeis braços, seu calor amenizou os tremores assim como sua essência expulsou todo e qualquer sinal de ansiedade que antes sentira. Aos poucos suas mãos retornaram ao nível de 93


seu corpo e lentamente ele permitiu-se me envolver com seus calorosos e musculosos braços, era realmente estranho tal fato estar acontecendo, mas era necessário, completamente. Eu não sei, talvez aquela experiência fosse a mais conflitante de todas as que já tive ou desejei ter, ouvir o seu coração batendo contra o peito era gratificante assim como para ele deveria de estar sendo interessante sentir-me tão de perto, eu gosto disso, realmente gosto da sensação que é abraçar alguém e ser assim retribuída, só não sabia se realmente podia fazê-lo.

06h15min Os primeiros raios de sol adentraram o quarto fechado através de uma única janela que no momento encontrava-se semi coberta por uma fina cortina de crepe de um tom surrado de vinho brilhoso o que anunciava aos meus olhos que o dia enfim raiara no horizonte longínquo. Era hora de me levantar e organizar todas as coisas necessárias para a viagem de volta para casa era hora de me preparar mental, física e de certa forma espiritualmente para o que iria ver afinal de contas 94


estava voltando obrigada para Manchester a fim de ver o enterro de minha babá Marina, mas assim que me pus sentada também me pus a pensar em onde teria Axel se metido logo tão cedo, eu estava deitada em sua cama não na minha enquanto esta se encontrava impecavelmente arrumada coisa dele talvez, se não fosse coisa de alguma empregada, o que até em sonhos acreditarei ser surreal para um lugar tão barato. Tão rápido quanto uma bala disparada a porta se abriu revelando um exterior branco luminoso em excesso, uma fina e aguda dor despontaram do interior de meu globo ocular algo totalmente novo pra mim uma vez que nunca me descobri com problemas de fotossensíbilidade na vida. Literalmente me senti como uma pessoa que acaba de ficar cega com aplicação de luz cauterizante diretamente nas vistas. - Oh pelo amor de Deus Ax fecha essa porta! – Ordenei, com um bom reflexo encobri meus olhos com o braço. - Desculpe-me, não queria causar-lhe problemas! – Rapidamente Ax obedeceu-me e fechou com um chute a porta atrás de si. O quarto retornou a pouca claridade de antes. 95


- Mas o que é isso? - Café da manhã! Achei que precisava comer alguma coisa antes de pensar em sair deste lugar. – Respondeu-me enquanto repousava a bandeja sobre a cama ao meu lado. - Que gentil de sua parte... – Disse-lhe, meu estômago revirou assim que o cheiro adocicado do café fora às outras guloseimas que residiam ali subiu as minhas narinas. – Mas acho que não vou aceitar. - Sem desculpas mocinha, eu sei que mais do que eu você precisa pôr algo nesse estômago. Lembre-se: saco vazio não para em pé! – Brincou ele no seu tom mais sério. Eu sorri ainda que de nariz torcido, o cheiro estava me incomodando mesmo e acredito que os motivos sejam justamente à volta para Manchester e a possível visão de minha melhor amiga num caixão. - Vai tomar um banho, eu vou comer algo por enquanto. - Espero mesmo que coma alguma coisa hein! Eu vou saber se comeu ou não de qualquer jeito. - Ta, ta... Eu vou comer agora vai tomar seu banho e se arrume. 96


- Estou de ouvidos em você... – Ele fez um gesto mostrando que estaria não só de olho como também de ouvidos atentos. Ele deixou o quarto para se dirigir ao banheiro e antes de sumir de vez porta adentro do recinto golpeou de leve a cama apontando para a bandeja sobre onde deveria ser sua cama horas antes. Eu concordei com a cabeça e obriguei-o a entrar no banheiro e me deixar em paz e quando finalmente consegui voltei a encarar a bandeja que continha frutas, suco, café e leite e um pão com manteiga. - Bela organização! – Cochichei pra mim mesma. Tornei a sentar agora em minha cama por direito enquanto observa a bandeja sem ao menos estar com as atenções voltadas para ela. Minha mente vagueava na expressão física e facial de Axel, ele estava tão apagado, tão aparentemente cansado que me fez sentir pena de não tê-lo dado tempo para descansar. Minha cabeça doeu assim como meu estômago que começou a reclamar de fome, a primeira coisa que peguei foi um mamão e depois disso todas as frutas e gelatina já haviam sido extintos praticamente da travessa. Do suco apenas beberiquei um gole e logo abandonei percebendo que era 97


inútil ficar disfarçando a tensão que me acometia. Tudo o que sobrou sobre a travessa e que eu não tive interesse em comer deixei para Axel que mais do que eu mesma necessitava. Comecei então a separar uma roupa limpa para quando fosse assumir o lugar de meu companheiro no banheiro, mas enquanto ele não saia algo me impulsionou a ir até a janela a fim de abri-la uma vez que permanecera toda a noite fechada tornando o ambiente claustrofóbico, o que de certo modo não era nada bom pra mim assim como a claridade em excesso não me fora boa. Tudo estava aparentemente normal, o sol no céu azul parecia mais uma bola de fogo flutuante pronta para deixar os desavisados que tentassem encará-la cegos ou apta para causar lesões na pele logo tão cedo com o seu calor abrasivo, o vento fresco adentrou o ambiente e brincando com os meus cabelos os jogou para trás emaranhando-os, eu sorri, o dia estava encantador, mas a dor me fez franzir o cenho, o dia não seria completamente feliz, não até pisar em Manchester. Estava tudo usualmente normal como quando chegamos aquele lugar, o nosso carro nos esperava na garagem junto a uns outros dois carros convencionais, os outros 98


quartos estavam em silêncio, também quem dera todos acordassem as sete da manhã, para os preguiçosos aquilo ali seria uma tortura, aliás, o que me atraiu mais a atenção não foi todo o bom dia com seu atraente vento fresco ou sol quente no alto céu azul, mas sim uma figura branca pálida recostada à beira da saída da garagem, forcei meus olhos a encará-la de maneira mais nítida, mas a sua brancura excedia qualquer claridade, seus cabelos negros estavam presos num trançado perfeito e brilhavam a luz do sol, era uma garota, uma bela garota, aliás, com seus olhos claros indistintos daquela distancia. Ela me encarava, me olhava fixamente nos olhos com aqueles afiados e estreitos olhinhos de gata e tudo aquilo era tão estranho que me admiraria em não ter tido um acesso de arrepios antes. - Algum problema Rose? Meu coração foi a mil por hora, gosto de dizer às vezes que quando sou pega no susto minha alma vai até o teto e volta, isso é ser meio dramática, mas é a mais pura verdade até agora. Eu não tinha percebido, mas Axel havia deixado o banheiro há algum tempo e encontravase posicionado atrás de mim olhando através da janela também, mas o que eu via ele não conseguia ver. Sacudi 99


a cabeça tentando entender, mas no fim desisti uma vez que percebi que era loucura imaginar estar vendo gente onde elas não deveriam de estar. Talvez fosse um forte delírio, vindo de mim isso não seria surpresa alguma. - Você por algum acaso quer me matar de susto Ax? - Desculpe-me, mas eu a vi ai encarando o nada tão compenetrada que eu queria saber o que estava acontecendo já que não me respondeu! - Você me chamou? – Perguntei confusa. - Sim chamei... – Respondeu ele. – Duas vezes exatamente! O que tinha lá fora? Eu o encarei pelos breves três minutos e depois deste prazo voltei-me para encarar o estacionamento vazio, a figura de belos e longos cabelos negros, olhos acinzentados e pele pálida havia desaparecido misteriosamente assim como havia aparecido a mim, mas o que era mais incrível é que a sensação não me abandonou uma vez sequer. Será que seria assinar um atestado de loucura dizer que vi uma garota observando aquele quarto? - Acho que me enganei com algo, nada demais! – Respondi recobrando a postura original. – Deixei 100


algumas coisas pra você comer. Vou tomar o meu banho, não entre. - Até parece... – Revirou os olhos. Eu ri, mas foi um riso de quem faz graça aos olhos de outra pessoa, ele sabia disso, mas não compreendia muito bem o meu estilo de humor. Claro eu fazia tudo parecer forçado demais para o gosto dele ou propriamente dizendo pro meu gosto mesmo. Fechei a porta assim que entrei, mas por mais precaução do que por confiança, eu nunca fui dada a essas coisas de deixar a porta do mesmo aberto, nem com minha avó ou Lahana ou mesmo Many. Pendurei as roupas que viria a usar num gancho afixado a porta e novamente olhei para a bancada da pia de mármore branco amarelado. Através do espelho pude me encarar e percebi o quão arrasada eu estava depois de praticamente uma noite e parte de um dia inteiro sem sequer ter ousado me ver em qualquer reflexo, era a própria imagem do cansaço e derrota físicos impostos pela trágica noticia da noite anterior, ao fim tudo isso me levava a um único caminho a falta de sono. Sorri forçosamente para a minha própria imagem refletida no espelho e assim dei a mim mesma as costas 101


enquanto voltava-me para o boxe e me despia, liguei a água do chuveiro e o choque foi instantâneo, natural como de todas as outras vezes até que a água pudesse tornar-se mais aquecida. Entrei com tudo não me importando com os cabelos, se limpos ou não iria ser lavado de novo. Enquanto permitia-me sentir as águas mornas do chuveiro escorregando pelo meu corpo pensei. Pensei se era loucura ver pessoas onde elas nunca estiveram, pensei se ela seria um fantasma e se fosse eu realmente estaria ficando louca, porém quanto menos pensasse nisso mais rápido terminaria eu o meu banho e sairia daquele fim de mundo. Nas últimas missões eu venho percebendo que coisas esquisitas acontecem e não são apenas visões as coisas que tenho não, eu tenho sentido e pressentido que coisas aconteceriam e na sua maior parte são reais, começo a temer algo pior muito mais à frente e a pior de todas as hipóteses seria a estafa emocional provocada pelo excesso de trabalho. - Puxa mais que demora, já ia bater na porta pra perguntar se estava tudo bem! - Rá, rá, rá... Muito engraçadinho!

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- Ouça, o chefe ligou outra vez pra dizer que nossas passagens estão com um agente disfarçado, se não me engano o nome dele é Malcon. – Por que aquele nome não me causa estranheza? – Ele vai estar esperando por nós dentro do aeroporto aos meio dia. - Ta... A partir de então fiquei inteiramente em silêncio enquanto terminava de secar e pentear os cabelos, Axel já havia se organizado por inteiro naquele meio período enquanto tomava meu banho e até sua tradicional roupa social já estava grudada em seu maleável corpo escultural. Eu o observei em silêncio enquanto dentro de minha cabeça passava e repassava idéias absurdas sobre coisas ainda mais estranhas para minha tão lenta concepção, minha mente me obrigou a relembrar o que tinha visto mais cedo do lado de fora do quarto. Aquela garota de semblante confuso e vazio estivera nos vigiando, seus olhos estiveram tão ligados aos meus que eu poderia acreditar que quase conseguia ver seus pensamentos, mas tudo se desfez como uma cortina de pó que cai de sobre lençóis, tudo não passou de uma mera ilusão de ótica. Trim... Trim... 103


Como um despertador o tilintar do telefone sobre a mesa fez com que eu voltasse à realidade na base do susto cortando a idéia de questionar Ax sobre coisas além do alcance da imaginação. Talvez fosse um sinal eu não sei, ou talvez algo não quisesse que eu entrasse neste assunto com ele. - Quem será? – Ele perguntou aparentemente distraído com o barulho. - Tsc... Deixa. Eu atendo! Não sei como, mas já havia me adiantado muito antes de ele pensar em alcançar o telefone, lancei minha mão livre sobre o aparelho e retirei-o do gancho enquanto me preparava para atendê-lo. - Alô? Cc-hhhh... Cc-hhhh... - Outch! – Exclamei batendo com o fone no gancho novamente. - O que foi? – Perguntou ele claramente confuso com a minha reação. Dei de ombros. - Maldita estática... Quase fico surda! – Respondi enquanto coçava o ouvido e movia o maxilar de um lado a outro. Ele me encarou estranhando toda aquela 104


situação, mas eu o adverti a continuar com os seus preparativos, até por que não podíamos nos atrasar para a viagem. Axel terminava de calçar os sapatos enquanto eu tornava a inspecionar o fone descobrindo que o som não vinha dele, comecei a pensar no que teria levado o telefone a reproduzir tal som, mas no fim acabei por ter uma dor de cabeça de tanto raciocinar sobre. Alguém com certeza estava a fim de brincar com a nossa cara e essa brincadeira era uma das mais idiotas de todo o século. Bufei irritada enquanto dava a volta na cama a fim de calçar minhas botas, os cabelos ainda úmidos estavam jogados sobre os ombros. Quando dei por mim mais tarde, tinha esquecido o que queria perguntar a Ax, melhor não achar que o caso era importante ou iria partir dali direto para um manicômio!

10h25min Algumas horas na estrada e já nos encontrávamos quase próximos do aeroporto da cidade. As ruas estavam como de costume bastante movimentadas e constatamos que o aeroporto também estava como as estradas. O 105


estacionamento estava abarrotado como um formigueiro variado, o sol quente acima de nós aquecia o metal sobre nossas cabeças abafando o interior do veículo enquanto Axel desligava o motor e junto o ar condicionado. - Minha nossa... Será possível que possa fazer tanto calor como hoje? – Perguntei não esperando ser respondida, há essas horas a revista que eu tinha separado para uma agradável leitura – não feita por sinal – transformara-se em um abanador. Axel apenas me encarou profundamente animado como que se estivesse preparando algo para o fim de semana que se seguiria, aquele sorriso morno só fazia a minha sensação térmica aumentar, percebi isso quando me encarei no espelho e vi as maçãs do rosto corarem. Sacudi a cabeça e respirando fundo procurei soltar o ar assim que abri a porta do carro. A claridade banhou-me como que disposto a cegar-me, o vento era tão quente quanto se pode imaginar de um dia tumultuado. Acima de nós um avião alçava vôo, suas enormes asas tingidas de azul brilhante desenharam no solo uma sombra idêntica não fosse por ela se perder entre os muitos automóveis amontoados em vagas muito próximas, o som das turbinas era ensurdecedor. 106


Abaixo de meus pés o chão pareceu tremer, não sei se foi impressão minha, mas quando me voltei para ver o que era lá estavam minhas malas repousando com as alças erguidas. Ergui uma sobrancelha ao me encontrar com os olhos dele tão divertidos quanto já pude ser capaz de ver. - O tempo não vai parar pra esperar por você! – Exclamou ele divertidamente fazendo piada com a minha cara. Torci o lábio num falso sorriso exprimindo a idéia de que achava graça de suas gracinhas, mas na realidade tinha vontade de respondê-lo com o dedo feio. Nem em um milhão de anos o faria na realidade, minha educação não o permite mesmo que meu desejo por fazê-lo seja altíssimo. - Anda vamos. Malcon deve de estar a nossa espera há essas horas. – Disse ele novamente e desta vez estava falando um pouco mais sério do que antes. - O que pensas que estou fazendo afinal de contas? – Respondi enquanto erguia a mala do chão surpreendendo-me com o peso da mesma e pela falta de cavalheirismo da parte de Ax em não carregá-la.

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Nosso vôo era o de número 1105, um jatinho próprio para viagens como essa e costumeiramente eram fretados pela agência, não me lembro uma vez sequer de ter entrado em um mesmo tendo tantos serviços a serem feitos em outros lugares que não sejam em Manchester, mas estava vibrando só em pensar que não teria de entrar na lista de check in, tudo o que precisávamos fazer era esperar pelo agente mandado por Lawrence e seguir nossos caminhos. - Urg... – Grunhi. – Como odeio lugares cheios! – Disse do nada enquanto parava no meio do caminho, os olhos estavam fechados como que evitando ver o caminho à frente. - Erin... – Eu ouvi Axel me chamar, seus passos se pronunciavam ainda mais altos que os das outras pessoas circulando ao nosso redor. – Que foi? Se sente mal? – Por que será que senti uma nota de preocupação deixar seus lábios finos? Sacudi a cabeça um tanto que confusa, os sons estavam todos misturados dentro de minha cabeça enquanto as imagens tentavam se encaixar a minha frente. Aqueles belos olhos verdes estavam fixos em mim assim como suas mãos segurando-me pelos braços. 108


- Não é nada... – Disse num arfar. – É só a maldita da crise atacando de novo! - Que crise? Você não me contou que tinha uma! - Pois eu tenho e não achei necessário contar. – Respondi com voz ácida, mas me arrependi duramente por cada palavrinha dita. - Venha, sente-se aqui. Tente respirar com calma e logo tudo vai voltar ao normal! - Igual que isso vai dar certo! – Resmunguei e temo tê-lo feito em voz não tão baixa quanto deveria ser. - Tudo bem que não vai com a minha cara desde a época do internato, mas não precisa me responder de maneira tão ácida como está fazendo agora. - Ax eu... - Está bem, eu vou deixar você aqui enquanto se recupera, não vou mais irritá-la com a minha preocupação exagerada. - Ax... – Chamei-o em voz alta, mas quando a visão se ajustou ele já estava se misturando com todas aquelas pessoas. Maldita claustrofobia que me impedia de respirar quando mais precisava, maldita era a minha língua que só sabia lançar palavras duras contra as pessoas. De que 109


me serve o orgulho numa hora dessas? O zumbido dentro de minha cabeça estava aumentando a medida que meus ouvidos e outros sentidos embaralhavam-se, um forte enjôo queria obrigar-me a pôr todo o conteúdo de meu estômago para fora mas eu obriguei-me a controlar tais sensações e me recostei ao banco acolchoado esperando que realmente a crise passasse. Engoli em seco enquanto tentava fixar meus olhos no teto, mas isso só pareceu piorar minha tontura, meus pulmões pareciam que iam rebentar a qualquer instante e o nervosismo só me fez piorar. Numa hora dessas minha avó e Many saberiam o que fazer comigo, elas me ensinaram exercícios de respiração e relaxamento dos músculos, mas que foi que disse que me lembro de como era? Ninguém. Tentei por a cabeça para baixo enquanto prendia a parte occipital com as plantas das mãos e forçava a cabeça para cima, mas nem isso adiantou muito. Algo subiu queimando pelo meu esôfago, meu peito doeu, queria vomitar, mas ali era o lugar menos indicado, foi quando captei os olhos de um homem de terno. O homem era alto, tinha cabeça raspada e brilhante, os olhos eram de um castanho profundo enquanto sua pele 110


era de um marrom sedutor, o cavanhaque perfeito lhe conferia charme. Tudo nele era proporcional o ângulo de seu rosto forte, os lábios grossos e o nariz achatado, não havia nada fora do lugar nem mesmo as orelhas. Não entendi a principio o que fez o homem – que eu associei como sendo Malcon – correr, mas logo entendi, eu estava caindo, estava tombando de lado e por um triz não acerto em cheio minha cabeça no piso encerado. - Uh-oh, uh-oh, uh-oh... Vamos com muita calma ai garota! - Malcon? – Minha garganta estava seca, mas eu consegui esboçar alguma reação enfim. - Afinal de contas o que ela tem? – Malcon questionou Axel. - Eu não sei? Por que supõem que eu saiba de alguma coisa? Sou só o parceiro de missões dela não uma babá! Vi quando Malcon o encarou de cara amarrada e eu sabia exatamente que ele estava repreendendo Axel pela atitude mesquinha. Não fosse pela minha situação atual teria rido da cara que Axel fez ao levar uma bronca, mas eu mal conseguia respirar quanto mais rir. Alguma coisa estava muito errada, eu não sentia mais minhas mãos, ao 111


contrário, sobre elas se assentou um estranho formigamento além de um peso incomum, minhas pálpebras caíram de repente enquanto meus ouvidos emudeceram-se, acho que desmaiei, pois não me lembro de mais nada desde então. - Se continuar assim ela não poderá viajar! Não nesse estado. - Como assim não? É o enterro da mulher que praticamente a criou. Você não pode fazer isso, não a ela... - Mmmm... – Eu gemi. Por um longo tempo estive desacordada, estava ciente de alguma maneira e quando recuperei os sentidos me vi deitada sobre um confortável sofá dentro de uma sala privada tendo dois homens a discutirem sobre algo que eu não consegui entender, eles não me virão, mas eu os via discutir. - E o que você quer que eu faça? O chefe foi bem taxativo. ‘Não a deixe embarcar do jeito que está!’. Você não pode passar por cima das ordens de um superior! - Oh não. Sei... Vocês e suas regras, malditas regras! – Bufou Ax levantando as mãos no ar e 112


brandindo-as de uma maneira tão bruta que quase era possível ver as ondas de poeira dançando ao redor delas. - Sobre o que vocês estão falando? Ambos pararam no mesmo instante tendo os olhos fitos em minha pessoa, nada de afirmações ou negações, nada de ar para respirar nem para expulsar. Tudo ficou no silêncio devastador de sempre, eu não gosto disso. - Pessoal? Olhei de um para o outro inquieta querendo saber o que estava acontecendo, mas a minha maior frustração foi à cara de susto de ambos, foi como se tivessem sido pegos no flagra fazendo algo de errado ou falando alguma besteira. - Eu não estou bem Malcon? É isso que está dizendo? O chefe acha que não estou bem? - Ah... E... Am... - Eu escutei tudo rapazes, não precisam mais esconder nada de mim, mas eu tenho uma coisa a dizer se é que ainda tenho voz para isso aqui. Eu vou sim para Manchester, eu tenho que ir, por que dentro de algumas horas uma grande amiga minha será enterrada e eu quero pelo menos estar presente neste momento! Entendeu? – Rosnei a última frase. 113


Malcon apenas acenou com a cabeça em afirmação, gosto da reação que os rapazes tem quando descubro alguma coisa, gosto de mandar neles assim como eles se acham no direito de se meter com a minha vida. Ainda zonza esforcei-me por me colocar de pé diante deles bambeando para o lado uma vez e conseguindo que Axel se preocupasse com uma nova queda. Afastei sua mão mostrando que não precisava de sua ajuda, ele recuperou a pose galante e assim como Malcon ficou lá paralisado, estóico como uma rocha. - Será que vocês teriam algum remédio para dor de cabeça no jatinho? A minha intenção não foi de provocar risos como acabei provocando, mas no final até o mais ranzinza de todos nós estavam sorrindo estridente um para o outro. - Sim senhorita Rosálie, nós temos sim. – Respondeu Malcon sorridente. - Mas então... O que estão fazendo ai parados ainda? Peguem logo essas malas temos um avião pra pegar! Novamente Axel e Malcon se entreolharam e rapidamente tomaram em mãos as bagagens e automaticamente seguiram adiante através da porta 114


aberta, um vento morno tocou nossas peles, o céu azul faiscado por nuvens brancas anunciava uma boa viagem entre as cidades hoje e assim eu esperava que fosse! O jatinho por dentro era acolchoado a ponto de não se escutar o som de minha bota no seu chão tão fofo, os assentos separados em dois e bem dispostos um ao lado do outro aparentavam ser mais confortáveis que os que eu conheci as janelas mostravam a movimentação ao longe, aviões que chegavam do outro lado e os que já haviam decolado, carrinhos equilibrando escadas de embarque comandados por motoristas atentos e coordenados, o pessoal da frente de comando no alto da torre central faziam os últimos ajustes para fazer mais um avião alçar vôo tranqüilamente. Tudo ocorrendo em perfeita harmonia, incluindo a boa vontade de meu companheiro de missões Ax, que, aliás, estava já me enchendo a paciência e por vários motivos indetermináveis. Sentei-me em uma das poltronas evitando que Axel viesse a me acompanhar assim como Malcon, eles me conheciam perfeitamente bem, sabiam que não gostava de homens sentados ao meu lado, mas algo me apunhalou por dentro dizendo a minha mente que isso 115


era errado, muito errado. Senti olhos sobre mim, mas ao inspecionar o ambiente vi que era minha imaginação. - Aqui está o seu remédio Rose! – Malcon apareceu de repente trazendo consigo um comprimido e um copo pela metade com água. - Obrigado! – Agradeci com um aceno de cabeça, um fio de cabelo se soltou de meu rabo de cavalo. Mandei o comprimido para dentro e junto deste um bom gole de água, a cápsula deslizou garganta abaixo travando no meio do caminho causando um breve mal estar até que não senti mais nada. Devo crer que ele seguiu o seu trajeto como imaginei. Malcon pegou o copo de minha mão e desapareceu atrás das cortinas com ele voltando em seguida com um ar pensativo, ele esfregava as mãos e sorria na minha direção. - Prepare-se, ponha o seu cinto! Devolvi-lhe o sorriso enquanto caçava pela poltrona o meu cinto, arrisquei uma última olhada na direção do banco onde Axel estava sentado, seus olhos estavam fixos em algo do lado de fora da janela, um jornal repousava sobre suas pernas. Tornei a olhar para frente enquanto fechava com um click o cinto a tempo de ouvir o piloto nos desejar uma boa viagem e exigir que 116


fizéssemos uso dos cintos como Malcon havia alertado antes. Bastou alguns minutos até que o remédio fizesse efeito e como efeito adverso a sonolência me abateu como a uma mosca intoxicada por inseticidas, arrisquei olhar por uma última vez na direção dos bancos onde Ax encontrava-se e com grande surpresa encontrei seus olhos a me encarar, rapidamente tratei de me sentar direito no meu canto, meu rosto aqueceu de repente e eu percebi que estava corando e sem motivo, sacudi a cabeça e preferi sucumbir ao sono uma vez que seria muito melhor dormir que ter de ficar encarando aqueles olhos encantadores.

11h00min Abri os olhos e tudo o que posso dizer que vi foram àqueles belos olhos verdes fixos nos meus, o silêncio dentro do avião era instigante o que me levou a crer que só eu e Ax nos encontrávamos acordados. De fato quando busquei por Malcon o encontrei aos roncos em seu banco, seu corpo relaxado estava encoberto por uma manta grossa. Eu mal notei que fazia frio, talvez 117


por que acabara de ter o corpo coberto por uma grossa manta já aquecida antes, o perfume presente nela me diziam de modo gritante que ela estava sobre Axel até muito antes de acordar. - Não precisa me agradecer... Descanse! Quando eu ia abrir minha boca para retrucar ele se levantou e com longas passadas retornou a sua poltrona, por um único instante imaginei-me beijando aqueles lábios, mas fui obrigada a sacudir a cabeça e afastar o pensamento antes que cometesse o pior desatino de todos. Mas como não pensar naquilo tudo quando o seu perfume estava impregnando minhas narinas? Boa pergunta, mas a resposta não cabia a eu ter. Ajeitei-me em meu lugar afrouxando o cinto preso a minha cintura, uma pequena turbulência sacudiu o avião os roncos de Malcon cessaram fazendo com que eu acreditasse que ele tinha enfim acordado, mas o remelexo apenas o fez virar para o lado como uma criança. Axel sorriu quando o encarei de novo, acredito que estivera me espionando como antes. Suas mãos ergueram-se no ar e junto das pontas de seus dedos surgiu um jornal cujo artigo ilustrado na capa me atraiu e muito a atenção. As letras de forma estavam tingidas 118


de vermelho e fotos vinham logo abaixo num quadro. Um dos rostos naquele quadro me atraiu a atenção, mas eu não o liguei a nada. Me voltei para frente, mas algo, talvez a minha curiosidade estava me fazendo ficar inquieta. Barulho de papel sendo dobrado me alertou, ele ia deixar de lado o jornal, mas antes que ele o fizesse me adiantei. - Ax! Ele olhou do jornal para mim, seus olhos pareciam me perguntar em silêncio “o que?”, enquanto eu apontava para o jornal como que para respondê-lo. Ele olhou novamente para o jornal e pra mim entendendo o meu pedido silencioso, enrolou o papel e esticou para que eu pudesse pegar e assim feito eu o abri rapidamente a tempo de ler o título da manchete.

Assassinatos em Rouen. O letreiro era bem especifico assim como as fotos das pessoas que foram assassinadas, uma delas me parecia com alguém que conheci, mas poderia ser impressão minha quem poderia dizer o contrário? Tudo poderia ser uma mera coincidência! 119


- Todas essas pessoas mortas e todas eram pessoas de bem! Eu não compreendo como tudo isso pode acontecer! – Sabe um daqueles dias em que você aparentemente está susceptível a emoções fortes? Então... Levantei a cabeça para ver de quem se tratava e lá estava meu chefe de pé, olhando de maneira tão vaga quanto já pude presenciar em outras ocasiões àquelas fotos. Eu quase tive a impressão de que ele sentia dor por alguém em especial dali. Agora o que eu tinha curiosidade em saber era como ele tinha entrado naquele jatinho sem que percebêssemos? - Mas por que estão fazendo tal coisa? O que essas pessoas fizeram de tão mal para merecer isso? Por qual castigo estão pagando? - Hmm... Castigo? – Ele parecia rir da minha cara por ter usado o termo “castigo”. Lawrence Stein é um executivo alto e magro de cabelos quase totalmente grisalhos com algumas nuances negras. O nariz era reto, pontudo e fino o que equilibrava o tamanho do rosto em forma de pêra. Os olhos azuis eram francos e gentis assim como a sua expressão facial para mim e o sorriso nos lábios muito finos lembravam mais 120


uma linha desenhada em sua face. Por um momento fiquei em silêncio, temi ter falado alguma besteira da qual ele não pudesse se orgulhar como quase sempre eu o fazia. Aqueles pequenos e frios olhos me fitavam como que em tom de bronca. - Essa era Nicole Fridenbharg, morava na França há uns seis anos. Com certeza pode tê-la conhecido em uma de suas missões lá. Nicole Fridenbharg... É isso! A bela francesa de 25 anos, cabelos logos e lisos sempre presos em uma trança perfeita, maçãs do rosto salientes e rosadas de belos e místicos olhos azuis perolados e dona de um sorriso perfeito que se assemelhava ao de uma ingênua menina do campo. Era ela que estava na entrada do estacionamento do lado de fora do hotel, foi ela que eu vi nos espiando do lado de fora... Mas como se ela estava morta? Eu nunca imaginaria isso. - E como foi que tudo isso aconteceu? Por que estão matando essas pessoas? – Perguntei. - Digamos que seja um extermínio... – Começou ele a explicar. - Extermínio? – Interroguei, confusão adornando meus pensamentos. 121


- Sim extermínio! – Afirmou ele completamente vago em suas explicações. - Mas... Como isso pode? É injusto? É como um tiro à queima roupa, desleal! - Entendo a sua exaltação, mas é o que acabou de ouvir... Estão matando os nossos agentes como se faz a moscas e em troca como vingança culpam-nas de crimes que nunca sequer pensariam em cometer. O jornal embaixo de minhas mãos começou a amassar lentamente, um estranho furor me fez fechá-lo mesmo não tendo concluído a leitura. Era tudo mentira então? Tudo o que se encontrava escrito naquele pedaço de papel não passavam de depoimentos falsos? Pessoas estão morrendo simplesmente pelo que são e por causa de seus trabalhos? - Bem... Seja lá como for eu preciso voltar à cabine. Só passei para ver se estava tudo bem com vocês! – Ele alteou a cabeça voltando-se para trás. Axel o encarou com um sorriso educado e aquilo de alguma forma mexeu comigo. – Qualquer coisa de que precisarem é só bater na porta da cabine. Certo? Acenamos para Stein que aos poucos foi se distanciando até sumir atrás das cortinas azuis na interseção da 122


pequena cozinha com os corredores. Escorreguei em meu canto e apoiei a cabeça no banco procurando olhar o teto não o fitando realmente, respirei fundo neste intervalo enquanto soltava o carregado ar acumulado em meu peito. Estava a pensar em qual cretino inescrupuloso estaria por trás disso tudo, e nem queria saber os motivos que o estava levando a uma verdadeira carnificina. De certa forma era uma covardia assassinar espiões colocando sobre eles uma culpa que nada tinha a ver, não tinha nexo, não havia razão alguma. Onde já se viu ser assassinada e constar na ficha que é uma ladra ou ladrão? Que tipo de ser humano faz isso com o outro? - Tudo bem Erin? – Aquela voz veio para quebrar o silêncio que minha mente criara. Olhei de volta para Ax quase não compreendendo como ele fez para chegar tão perto de mim. Neste exato momento ele se ajeitava ao lado no banco vago, o jornal já havia sumido há muito tempo. - Sim está! Só estava..., – Não consegui mentir, mas pelo menos amenizaria a resposta. – pensando! Com licença. Tratei de tirar o cinto já solto de cima das minhas pernas e deixei meu lugar para ir me refugiar dentro de uma 123


cabine sanitária. Fechei a trava giratória e em seguida sentei-me na tampa do vaso fechado. Não previ ficar por muito tempo, portanto não era de se surpreender que alguém viesse até onde eu estava me procurar. De certo modo precisava de tudo isso, precisava colocar minhas emoções de volta no lugar e o que fosse demais excluiria ou trocaria por outra sensação. O fato era que, não conseguia ficar parada e logo me levantei enquanto me colocava diante do espelho. A imagem que encontrei era de uma garota desanimada, vazia e desacreditada, a visão da garota – Nicole Fridenbharg – no estacionamento do hotel de beira de estrada, os assassinatos... Isso começava a mexer comigo. Sacudi a cabeça na tentativa frustrada de afastar tais pensamentos, com um passo para trás apoiei o peso do corpo contra a parede jogando um pouco a cabeça para trás ainda de frente para o espelho, meu reflexo abatido estava um tanto que diferente e eu não sabia dizer em que ponto havia se tornado tão decidido. Pelo que eu tenho de lembranças dela, Nicole era do tipo de garota simples que encantava a todos ao seu redor com o seu jeitinho clássico, ela nunca se gabou de nada mesmo sendo quase perfeita em suas missões, lembro124


me dela me dando instruções certa vez, mas o que eu tinha agora? Uma manchete de jornal sensacionalista que anunciava sua morte. - Erin? Pulei de susto, havia me esquecido que ainda estava trancada dentro do sanitário. - O que é? – Respondi quase sem paciência. - Está tudo bem? Tem certeza de que não precisa de nada? Ele levou um susto quando de repente abri a porta e o encarei. Estava irritada demais e seria capaz de qualquer besteira só para me libertar da raiva presa no peito. - Se você me perguntar mais uma vez se estou ou deixo de estar bem eu juro que arrebento com todos os seus dentes! – Tentei passar o mínimo de sutileza com minhas palavras, mas a agressividade era tão direta quanto. Os olhos de Axel cresceram demonstrando o claro espanto formado dentro dele, isso me fez sorrir e de certo modo me aliviou o peso dentro do peito. Mas o meu desejo real assim que percebi que sobrara apenas uma fina linha de espaço entre nós era o de puxá-lo para dentro da pequena cabine e sei lá fazer o que. Talvez 125


tenha sido isso que me fez ficar com o rosto quente, talvez tenha sido por isso que minhas bochechas coraram trazendo aos olhos dele um ar de curiosidade. Ele não falou nada apenas abriu caminho para que eu pudesse passar e só. Lentamente deixei o sanitário não tirando os olhos dos dele, senti um puxão dentro de mim como que nós dois fossemos pólos diferentes se atraindo magneticamente falando, mas controlei meus impulsos e segui até a interseção e no carrinho de bebidas peguei uma pequena garrafa de soda. Nunca fui adepta de bebidas alcoólicas nem de fumo, eu tenho consciência do quanto isso me faria mal. Respirei fundo, mas não foi o suficiente para me fazer sentir mais calma. Axel reapareceu atravessando a cortina entrando no pequeno espaço reservado a copa, seus olhos me fitaram como um jovem curioso. Por um longo tempo nos encaramos e podia dizer claramente que só agora percebia como ele realmente era. Seus olhos eram pequenos e verdes como pedra jade, seus lábios eram finos, o nariz reto, sua pele de um branco amorenado de sol típico daqueles surfistas, os cabelos arrepiados eram de um loiro trigo perfeito e o queixo quadrado com um discreto furinho que costumava aparecer apenas quando 126


sorria. Sorriso este que eu tive de concordar que adorava em segredo. De altura possivelmente ele tinha 1,82m ou menos alguns centímetros considerando que eu tinha perto de 1,70m. Ele era tão belo... Por esta razão as mulheres e garotas nas três missões quase colocavam tudo a perder, motivos tinham de sobra. Mas por que eu estava sentindo tudo isso? Por que? Por que o estava olhando dessa forma? - Que quer aqui? – O questionei enquanto viravame de costas. - Não sei... Acho que quero que me arrebente os dentes! – Debochou. - Não teria coragem de procurar encrenca, não comigo! – Tentei ser ácida, mas estava claro que não conseguia. - Você tem razão... – Eu sabia. – Eu só quero saber realmente se você está bem! - Huh... – Eu ri nervosamente enquanto tentava me controlar para não cometer uma besteira, não queria no fim que ele fosse o próximo da lista dos mortos. - Olha. Você pode me chamar de chato e dizer que grudei no seu pé como chiclete, mas é para isso que 127


estou aqui, eu sou seu companheiro e é para você conversar comigo, não reprimir o que lhe faz mal. Não importa se você vai me dar o fora uma, duas ou três vezes, nem mesmo que me arrebente os dentes. Eu vou ficar aqui até que me responda. Quando ele terminou as palavras pareceram me atingir como uma fina chuva que quando cai caminha sobre a pele bem devagar traçando um rumo reto e direto. Eu quase podia sentir a sua respiração por trás de meu ouvido, quase podia senti-lo muito próximo a mim, mas tudo o que consegui fazer naquele momento foi deixar o ar sair por entre meus lábios, apoiar a garrafa de soda sobre o tampo de mármore da pequena bancada e tentar ao máximo relaxar. De alguma forma isso me ajudou a relaxar, ajudou meus nervos a se acalmarem, mas eu sabia que não seria por muito tempo, eu sempre sabia que minha calma iria me abandonar, escapar pelos dedos como a água ou o vento. Tentei me virar, olhar para ele e responder a sua ousadia a altura, mas tudo o que consegui fazer foi ficar parada no mesmo lugar apertando os dedos contra o tampo de mármore enquanto escutava o som do ar escapando pelos seus lábios. Uma estranha sensação fez com que cada grama 128


de meu corpo se arrepiasse, mas não de uma maneira ruim, era uma maneira gostosa, cálida e terna. Para me despertar, me resgatar de meus próprios pensamentos percebi um pouco tarde que ele estava bem atrás de mim, tão perto que era quase palpável o seu calor. - Rose... – Fechei os olhos e prendi a respiração. Sua mão tão quente e tão real estava sobre meu ombro. Engoli em seco tentando controlar a onda de arrepios que seu simples toque me causou, o calor depositado momentaneamente sobre meus músculos me queimaram por dentro como aço em brasa, meu coração acelerou o ritmo enquanto minha inspiração se tornava lenta e ofegante. Mas eu podia enfeitar tudo dizendo mil coisas sobre ele ou sobre o que eu sentia, mas não iria nunca afastar a idéia de sua voz meio que rouca a me chamar pelo meu apelido cujo só minha avó, Lahana e Many me chamavam. Rose. Não vem muito ao caso, mas Rose é diminutivo de Rosálie que também vem a ser meu segundo nome. Lentamente como que adivinhando que eu me desviaria caindo em mais um pensamento sem importância, Ax agiu movendo sorrateiramente a mão de sobre meu ombro, esta escorregou e deslizou lentamente por meu braço como que necessitando daquele toque, 129


minha pele formigou com o contato tão lânguido e eu me vi lutando para não deixar que minhas defesas baixassem. - Vamos lá Rose, fale! Estou aqui... Confia em mim! – Eu queria dizer que confiava, queria falar que precisava de alguém como ele para me consolar, mas o meu maior defeito me forçava a calar. Mordendo o lábio desta vez um pouco mais forte, me obriguei silenciosamente a controlar meus impulsos mesmo que aquele sotaque, não sei se escocês ou dinamarquês, tivesse sobre mim um efeito desarmador. Inspirei profundamente enquanto tentava me centrar em coisas mais importantes sem, claro, muita exatidão. Ele podia fazer quantas gracinhas quisesse como sempre fez, mas desta vez estava falando sério como se realmente se interessasse pelo que se passava comigo, mas ainda não havia conseguido conquistar minha confiança. Não de todo. Mãos com mãos, eu lamentei isso profundamente assim como desejei isso da forma mais ardente possível. Meu coração parecia que iria parar de bater com o seu simples toque, seus dedos entrelaçaram-se com os meus inocentemente e não fosse por estar forçando os olhos a 130


continuarem olhando para outro lado juraria que estava lhe correspondendo trazendo a ponta de seus dedos para dentro fechando-a entre a palma e meus próprios dedos. O calor que irradiava em ambas era envolvente e traziam uma ponta de mistério e isso me fez pensar no por que de ser tão fria e áspera com relação aos homens, algo me fez relembrar o que minha avó contava e talvez tenha sido por esta razão que me afastei. Levemente puxei minha mão de baixo da mão dele e voltei a tomar de posse a garrafa de soda em mãos tornando a antes tão cálida sensação agora fria como gelo, eu estava disposta a não lhe dar mais ouvidos, as veias em minhas têmporas estavam saltando inquietas enquanto um rubor estranho tentava se fazer presente em minhas bochechas, uma pontada de dor lançou em minha mente uma pergunta. Porque? Antes que uma série de respostas me sobreviesse o chão abaixo de nossos pés oscilou, todo o avião inclinou de repente e uma pequena turbulência fez com que eu perdesse totalmente o equilíbrio, foi ai que ele com seus largos passos me alcançou e me trouxe para muito perto, tão perto que seria necessário um bom motivo para tê-lo afastado. Outro forte solavanco o fez perder também um 131


pouco do equilíbrio, senti quando suas costas atingiram em cheio o armário que estalou brevemente como que quebrado, um suspiro escapou de meus lábios enquanto ele me abraçava e protegia. Há tempos minha garrafa de soda havia caído e agora o carpete azul felpudo continha uma extensa mancha mais escura que o próprio tecido. - Shhh, shhh... Calma, foi só uma turbulência, vai passar você vai ver. – Tentou ele amenizar a situação enquanto apertava meu contra seu peito curvando sua cabeça na direção da minha. Como que não querendo ver, lutei para manter meus olhos fechados, ao mesmo tempo em que não queria ficar olhos nos olhos com ele também queria me proteger, mas os meus comandos eram bem diferentes do que eu estivera imaginando. Meus olhos se abriram lentamente enquanto devagar alteava a cabeça, nossos olhos se encontraram, um estranho frio subiu pela espinha eriçando os pelos de minha nuca enquanto suas mãos envolviam minhas costas, um revirar diferente abateu sobre o meu estômago enquanto seu hálito fresco tocava suavemente meu rosto. Eu ofeguei. Ele sorriu. Ou pelo menos pensei que aquilo era um sorriso. 132


Céus o que há comigo? Seu rosto estava tão próximo do meu que quase podia sentir seus lábios tocando os meus, um braço seu estava me sustentando a cintura enquanto o outro com sua delicada e quente mão se perdia em meus cabelos brevemente bagunçados, como ela foi parar ali eu não sei dizer. Novamente sua respiração estava contra minha pele, ele tocou-me os lábios pronto para me beijar com uma leveza irreconhecível e isso estava me levando a beira de um abismo sem volta. - Meu Deus mais o que está acontecendo? – Resmungou uma voz grossa que se encaminhava naquela direção. – Oh... Ah... Podem continuar, eu não pretendia estragar nada. Mais do que imediatamente me soltei sem nenhum cuidado de seus braços incrivelmente fortes e deslizei suavemente para longe sem encará-lo realmente nos olhos, estive perto de cometer um erro, um erro que com certeza me faria imaginar pelo resto do dia como seria beijá-lo. Antes de sumir através da cortina busquei rapidamente visualizar a expressão de Malcon e aquilo me trouxe evidencias de que ele não me deixaria em paz, não contaria ao chefe, mas não me deixaria em paz. 133


- Me desculpem se atrapalhei... – Ele disse em voz mais alta. Eu quase voltei atrás para obrigá-lo a se calar, mas seria entregar o ouro aos bandidos, tudo o que eu menos precisava era ter alguém como Malcon no meu pé. Estava na cara dele e em sua voz sarcástica que não iria deixar um minuto sequer a história. Estava mais do que na cara que ele parecia ter gostado da situação toda que não passava de puro constrangimento. - Credo que humor hein! - Você esperava o que dela? Gentileza? Malcon encarou Axel de maneira inquisitiva. - Eu hein... O que foi que eu fiz? Caminhando pesadamente através do corredor até o final do jatinho particular da agência, busquei um lugar longe de todos, não queria ser atormentada por mais ninguém e principalmente, não queria ter que ver Axel pelo resto da viagem. Logo me sentei próximo à janela e prendi o cinto sobre minhas pernas. Passos largos e pesados entraram em cena, mas preferi não notar, ou fingir que não notei sua aparição diante da interseção, senti que seus olhos estavam me encarando de longe, porém continuei dando preferência ao 134


esquecimento. Como pude me deixar levar assim desse jeito tão fácil? Ax é meu colega de trabalho e nada mais que isso e eu quase me deixei levar... Sacudi a cabeça com a estranha reflexão. Isso me faz lembrar que devo anotar mentalmente que não devemos confiar nos homens, nem mesmo aqueles que são nossos companheiros de trabalho.

CAPÍTULO 3 O enterro Manchester 13h00min

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