O Lugar da Criança

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O LUGAR DA CRIANÇA


Jéssica de Oliveira Barbosa 12/0055741 Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Ensaio Teórico Orientadora: Claudia da Conceição Garcia Banca examinadora: Ana Suely Zerbini Isolda de Araújo Julia Issy


A todos os envolvidos nessa etapa da minha vida, muito obrigada, sem o apoio de vocês não seria possível. À professora (tia e madrinha) Marinalva, e às professoras Beatriz e Fernanda, por cederem um pouco de suas aulas para uma atividade diferente. Às melhores amigas que a FAU poderia me dar, Iara, Luisa C., Luisa S., Marina e Rayssa, e ao melhor namorado do mundo, Ivan, eu amo vocês!


“O caminho que leva à droga não está pavimentado de excentricidades de uma categoria particular de crianças e adolescentes essencialmente marginais, mas de todo um conjunto de problemas estreitamente relacionados condições de habitações subumanas, impossibilidade de expandir-se por meio de jogos, um sentimento generalizado de alienação e isolamento, no seio da família, na escola [...] um trabalho obstinado de recalcamento dos jovens pelas ‘pessoas respeitáveis’ da sociedade dita normal. ” Eberhard Richtter (prefácio do livro “Eu, Christianne F., 13 anos, Drogada, Prostituída...” – F. Christianne)


Ă?ndice


1.

Introdução

1.1.

Apresentação

1.2.

Justificativa

1.3.

Objetivos

1.4.

Metodologia

2.

A Psicologia

2.1.

A Psicologia do Desenvolvimento

2.2.

A Psicologia do Espaço

3.

O Lugar do Brincar

3.1.

Panorama Geral

3.2.

O Lugar no Plano Piloto

3.3.

O Lugar na Ceilândia

4.

A Criança

4.1.

A Criança da Escola Pública

4.2.

A Criança da Escola Particular

4.3.

A Comparação

5.

Conclusão

6.

Bibliografia


INTRODUÇÃO


APRESENTAÇÃO Embora exista uma tendência contemporânea de valorizar os espaços infantis, há ainda, principalmente no Brasil, certa tradição em propor espaços “seguros” para que as crianças possam brincar, sem se preocuparem com o real interesse delas. A imposição existe na sociedade desde sempre, uma vez que os adultos, considerados mais fortes e poderosos ditam as regras dos menores, as crianças. Arquitetos não estão imunes deste sentimento de grandeza, fazendo famílias inteiras viverem em 20 m², ou criando dependências de empregadas de 5m². Lima (1989) afirma que isso se dá por um processo não de despojamento, mas sim de redução, sendo esta redução de áreas, cultural e material, onde os arquitetos passam por cima das necessidades dos clientes. O próprio Le Corbusier já foi criticado por Marie Jaoul, que cresceu em um de seus projetos (Maison Jaoul), afirmando que a casa, apesar de bela, era muito triste, onde cada móvel e decoração tinha seu lugar de estar, sem se preocupar com a vontade dos moradores, ou suas individualidades, que viviam como esculturas, como parte de uma exposição. A imposição dos adultos com as crianças não podia ser diferente. Em nome de uma desejada segurança, por serem maiores, mais velhos, “mais sábios”, adultos esquecem de como era sua infância e ditam as mais diversas regras as suas crianças. Para Lima (1989), “a liberdade da criança é nossa insegurança, e, em nome da criança, buscamos nossa tranquilidade, impondo-lhes até os caminhos da imaginação”. Alguns adultos criam brinquedos repetitivos para atividades padrões, sem preocupações com as proporções ou com a liberdade de diversificar as brincadeiras. Quando as crianças quebram as barreiras, conseguindo ver além dos padrões preestabelecidos, os adultos conseguem impor novas barreiras para “garantir a segurança” das mesmas, sendo que na verdade, é apenas para encobrir a insegurança do adulto. De acordo com Lima (1989), a insegurança não se refere ao medo de acidentes físicos, pois estes são reais e controláveis, mas sim do desconhecido, das descobertas, da necessidade de repensar, fazendo com que elas detenham o poder. Logo, deixar as crianças seguras


dentro de suas bolhas repelentes de criatividade, significa garantir mais adultos dentro de certos padrões de segurança e comportamento. Sommer (1973) afirma que “quando as regras dos adultos obrigam a criança a ficar passivamente olhando seu meio ambiente, proibindo-a de arranjar sua sala de aula ou playground, ela provavelmente não terá papel ativo na solução dos problemas”. Jaoul, por sua vez, diz que a experiência de viver na casa projetada por Corbusier influenciou na escolha de viver sozinha. Explorar o espaço é de extrema importância para o desenvolvimento das crianças, pois nele são adquiridas as primeiras noções de distância e equilíbrio, e é onde elas exploram novas formas, cores, texturas, temperaturas e sons, que são estímulos para a curiosidade e a imaginação. Porém, pela redução dita anteriormente, veio a redução dos espaços, das praças, dos pátios, deixando as crianças muitas vezes sem ter onde brincar e explorar novas possibilidades, ficando trancadas em casa ou nas salas de aula. Para as crianças a percepção de espaço é bastante diferente, existindo espaços-sentimentos ao invés de espaços-função. Desta forma podemos perceber os espaço-alegria, espaço-mistério, espaço-medo, e assim por diante, se diferenciando em duas categorias, de acordo com Lima, espaço-liberdade ou espaço-opressão. Como dito, os pais exercem tal poder e opressão sobre as crianças, mas não sozinhos, pois ao passar dos anos, eles vão perdendo o totalitarismo contra seus filhos, e então surge o papel do poder público, de continuar corrigindo e mantendo os novos adultos na linha, seguindo os padrões impostos pela sociedade de um modo geral. Logo, os novos adultos também serão pais e seguirão a mesma linha acreditando estarem fazendo o correto para seus filhos, criando trabalhadores produtivos e não pensantes. Lima (1989) comenta que a infância é tratada como uma doença a ser curada ou um estado de desvio a ser corrigido, no qual crianças que possuem comportamento semelhante aos adultos são premiadas e aquelas que se afastam do padrão estabelecido são punidas.


Christianne (1982) afirma que, quando criança, se mudou de uma pequena cidade no interior para uma grande metrópole, mas além disso, se mudou de uma casa para um edifício em altura. Quando se mudou, o conjunto habitacional ainda estava em construção, logo, os espaços para as crianças brincarem eram todo e qualquer lugar, como um monte de areia solta e terra batida, que apesar de simples, serviam para um universo de aventuras nas mentes infantis. Com a conclusão da obra, os espaços próprios para as crianças foram criados, e com eles vieram uma série de regras e restrições. Os jardins e praças possuíam avisos de “Não pise na grama”, e os locais para as crianças possuíam horário de funcionamento, que era o mesmo horário escolar, impossibilitando o uso. Além disso, ele era resumido a um tanque de areia malcheiroso, algumas barras de ginastica e escorregador, quase sempre meio quebrados, e cercados por uma grossa grade. Crianças precisam de espaços que atendam as suas necessidades, que tenham participação ativa delas na criação, que estejam na escala ideal e permitam as descobertas e aventuras através da imaginação. Esse ensaio pretende questionar os espaços, playgrounds e mobiliários infantis atuais na busca de sair do tradicional e estimular o desenvolvimento. Com a intenção de que essa criança venha a ser um adulto mais criativo e que questione os padrões existentes.


JUSTIFICATIVA Desde 2007 pratico patinação artística, e por alguns meses fui monitora nas aulas dedicadas às crianças. Sempre tive contato com elas e é engrandecedor fazer parte do desenvolvimento já que o esporte colabora diretamente com o crescimento pessoal. Além disso, as áreas relacionadas com a psicologia me chamam muita atenção, pois a mente humana é algo que, apesar de muito estudada, ainda não está compreendida por completo. Ainda mais a das crianças, que estão passando por um período intenso de descobertas e aprendizagem. Entretanto, não seria exagero dizer que há uma necessidade emergente de olhar para as demandas das crianças, pois há, de certa maneira, um descuido por parte da sociedade em geral, incluindo arquitetos. E como desafio profissional, busco a qualidade dos espaços aliada ao desenvolvimento infantil. Desde sempre e, principalmente, no Brasil os equipamentos de lazer infantil, ou playgrounds, são objetos padrões que não se adequam as diversas necessidades infantis (altura, dimensionamento etc.), que mudam rapidamente em relação à idade. As crianças utilizam os brinquedos (trepa-trepa, escorregador, balanço e tanque de areia, em sua maioria) com prazer, mas eles não permitem que a brincadeira avance, que a imaginação flua e as leve para outro lugar. Segundo Lima (1989) “é preciso deixar o espaço suficientemente pensado para estimular a curiosidade e a imaginação da criança, mas incompleto o bastante para que ela se aproprie e transforme esse espaço através da sua própria ação”. A integração das crianças com seus espaços retoma também a reapropriação das ruas, que vem sendo cada vez mais abandonadas no sentido de espaço de estar, e se tornando cada vez mais um espaço apenas de passagem. Farge (1976) afirma que as ruas eram os universos das crianças, e que

elas o utilizavam à sua maneira, como uma extensão de suas casas, que não tinham espaço para as atividades infantis. Mas, cada vez mais, a insegurança dos adultos aumenta, e as crianças perdem seu espaço, sendo confinadas em casa ou nas escolas.


Crianças precisam de atenção, estímulos e espaços adequados para se expressarem, e para isso é preciso quebrar certos pensamentos conservadores de que elas não são capazes. É preciso oferecer as ferramentas corretas para que elas mostrem do que são capazes. Elali (2002) afirma que a convivência com diferentes “grupos e tipos” de pessoas é essencial para o desenvolvimento, pois através do convívio que são adquiridas experiências que levam à autonomia. Crianças precisam ser livres.


OBJETIVO GERAL O principal objetivo deste Ensaio Teórico, com base em pesquisas realizadas foi verificar como a sociedade e, principalmente, os arquitetos, reconhecem o papel das crianças no contexto coletivo da vida urbana, com a premissa de que as crianças são parte fundamental da dinâmica das cidades. Nesse sentido busca-se valorizar essa relação sem que as crianças sejam subjugadas e deixadas a margem das decisões, pois tendo sua criatividade melhor estimulada tornam-se adultos mais participativos e efetivos na sociedade.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1. Revisão dos conceitos relacionados ao espaço e ao desenvolvimento infantil na visão de psicólogos e estudiosos da área; 2. Revisão a partir de um panorama geral acerca dos espaços infantis relacionados ao espaço urbano; 3. Avaliação dos espaços infantis no Plano Piloto e na Ceilândia; 4. Identificação e análise de bons exemplos da arquitetura para crianças; 5. Coleta de dados sobre os interesses das crianças a respeito do espaço delas; 6. Identificar diferenças e semelhanças do pensamento no universo das crianças de uma escola particular no Plano Piloto e uma escola pública na Ceilândia por meio dos seus desenhos.


METODOLOGIA A estrutura do Ensaio Teórico será feita em quatro partes principais que buscarão atender os objetivos específicos, gerando um documento que, em seu todo, atenda ao objetivo geral. A primeira parte, que é essa, será introdutória, contando com a apresentação, justificativa, objetivos e metodologia. A segunda parte abordará conteúdos sobre o desenvolvimento infantil e sua inter-relação com espaço a luz da perspectiva visão psicológica, sendo uma parte técnica que apresentará uma introdução acerca da psicologia do ambiente e do desenvolvimento, atendendo ao primeiro objetivo. Para tais informações, será consultada a tese de Gleice Azambuja ELALI, além de suas próprias referências, que também trata sobre a psicologia infantil como um de seus temas; O segundo, terceiro e quarto objetivos serão atendidos na terceira parte. Este tratará sobre um panorama geral sobre os espaços infantis no Brasil. Além disso, pesquisar referências positivas que são adotadas, no Brasil e pelo mundo em detrimento a realidade das áreas estudadas. Para isso as obras de Mayumi Souza LIMA, Giselle Arteiro Nielsen AZEVEDO, e Walkyria Mollica AMARANTE serão consultadas, incluindo suas referências; A quarta parte será o estudo de caso, onde o quinto e sexto objetivos serão atendidos. Nesta etapa será realizada uma pesquisa de campo com crianças entre 6 e 8 anos, no auge da criatividade, para identificar como seus desejos e necessidades podem ser relacionadas aos espaços de brincar. A pesquisa será realizada em duas escolas, sendo uma delas pública, localizada em uma cidade satélite (Ceilândia) e a outro particular, localizada no Plano Piloto (Asa Sul). Nesta etapa também serão analisados os resultados da pesquisa, comparando as semelhanças e diferenças entre as crianças pelo meio em que estão inseridas e pelas oportunidades a elas relacionadas. O estudo de caso será baseado nos estudos feitos pela Mayumi Souza LIMA e pela Giselle Arteiro Nielsen AZEVEDO, assim como suas motivações;


A PSICOLOGIA


De acordo com Kramer (1999), durante os 7 primeiros anos de vida a trajetória de desenvolvimento humano é constituído por mudanças e progressos notáveis. Existem várias teorias e classificações que explicam esse desenvolvimento, discutindo-o a partir de aspectos físico-biológicos, sociais, afetivos e cognitivos. De fato, ao falar-se em psicomotricidade, linguagem ou brinquedo, por exemplo, faz-se referência a vários desses aspectos, pois, de modo direto ou indireto, todos estão presentes em qualquer atividade da criança. Para a elaboração de espaços adequados as crianças, é preciso entender o que elas estão passando no âmbito psicológico e na sua relação com o ambiente que as cerca. Desenvolvimento é, de acordo com o dicionário, ação de crescer ou progredir, aumento das características relacionadas ao corpo, crescimento dos atributos individuais, entre outros. Elali (2002) classifica como o conjunto das transformações pelas quais passa um indivíduo no decorrer de sua vida.


A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO Muitos são os estudiosos e as teorias acerca do desenvolvimento humano, assim como suas classificações. Apesar dos diversos estudos e vertentes, nenhuma consegue explicar com precisão o processo, pois não existe uma teoria que englobe todos os aspectos do desenvolvimento, cada uma tem um foco especifico. Alguns teóricos focam na semelhança entre as crianças, enquanto outros focam nas suas diferenças, mas, entre as teorias escolhidas, todos acreditam que é possível explicar o desenvolvimento infantil por um pequeno conjunto de passos.

Teoria Psicanalítica Sigmund Freud foi o criador da abordagem psicanalítica e o primeiro a afirmar que os primeiros anos da vida são os mais importantes para o desenvolvimento. Ele afirma que o comportamento humano é governado por processos conscientes e inconscientes, no qual a libido (ou pulsão sexual) é o principal processo. Em sua teoria, Freud (1923) define que a personalidade parte da relação entre três elementos: Id, Ego e Superego. A criança, até os 2 anos, é totalmente Id, ou seja, formada pelas pulsões, instintos, impulsos e desejos inconscientes. O Id desconhece o juízo, lógica e valores éticos, e é dirigido apenas pelo prazer. Após os 2 anos, o Ego começa a se desenvolver com o objetivo de permitir que os impulsos sejam eficientes levando em conta o contato com o mundo externo, a satisfação é retardada por ele até o momento em que a realidade permita extrair o máximo de prazer com o mínimo de consequências negativas. O Superego é formado durante o esforço da criança para introjetar os valores recebidos pelos pais e sociedade a fim de receber amor e atenção. A sua consolidação é dada próxima à idade escolar ou no início da mesma. Ele reprime através de punições ou sentimento de culpa, força o ego a se comportar de maneira moral e conduz o indivíduo à perfeição.


Elali (2002) afirma que, segundo Freud, as relações entre estas três instancias durante o desenvolvimento do indivíduo permitem diferentes formas de manifestações da libido, o que define os cinco estágios do desenvolvimento da personalidade. Esse desenvolvimento se dá em fases ou estados psicossexuais, desta forma, Freud foi o primeiro autor a afirmar que crianças possuem sexualidade. A transição de uma fase para outra é biologicamente determinada, de tal forma que uma nova fase pode iniciar sem que os processos da fase anterior tenham se completado. A primeira fase é a Oral, que se estende do nascimento aos 2 anos de idade. Nela, a criança vivencia prazer e dor pela boca. O principal processo é a criação da ligação entre mãe e filho, de acordo com Miller (1993). A segunda é a fase Anal, que vai do primeiro ao terceiro ano. Nesta fase, a satisfação das pulsações se direciona ao controle intestinal. A fase Fálica, ou terceira fase, vai dos três a cinco anos e se caracteriza pela importância da presença (ou ausência, no caso das meninas) do pênis. Freud desenvolveu sua teoria baseando-se no sexo masculino, sendo que esta fase se apresenta de maneira mais banda nas meninas. Miller (1992) diz que as resoluções dos conflitos dessa fase estão relacionadas ao complexo de Édipo. A quarta fase, ou período de Latência, é uma fase tranquila, comparada com as primeiras, e segue até a puberdade. Nesta fase, a libido se direciona para o desenvolvimento cognitivo, aprendizado, assimilação de valores, entre outros, fazendo com que o desenvolvimento do Ego e Superego prossigam. A última fase é a Genital, que acontece durante a adolescência. Nela, as pulsões sexuais retornam, acompanhadas das mudanças corporais e direcionadas ao sexo oposto.


Teoria Cognitiva Da mesma forma que Freud é a figura central na teoria psicanalítica, Jean Piaget é a figura central na teoria cognitivo-desenvolvimental. Elali (2002) afirma que Piaget concluiu que o desenvolvimento é um processo ativo através do qual o indivíduo compreende e se adapta ao ambiente. O meio não modela a criança, ao contrário, as crianças interferem no meio da mesma forma que os adultos. Sua observação das crianças de diferentes idades surgiu do fato de que todas elas parecem seguir o mesmo padrão sequencial de descobertas, com os mesmos erros e mesmos tipos de soluções. Partindo deste conceito, Piaget define quatro estágios de desenvolvimento. O primeiro estágio é o Sensório Motor, que vai do nascimento aos 18 meses, nele o conhecimento da criança é privado e sem interferência de outras pessoas, elas aprendem sozinhas e através de suas próprias ações. O segundo estágio, ou Pré-Operacional vai dos 18 meses aos 7 anos e coincide com a fase pré-escolar da criança. Neste período a criança desenvolve a linguagem e a capacidade de manipular símbolos para objetos e ações, ambos ainda egocêntricos e limitados, mas mesmo assim, há muito desenvolvimento conceitual e linguístico. No estágio Operatório-Concreto, ou Operacional, a criança, entre 7 e 12 anos, desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade, ordem, entre outros, e organizam o mundo de maneira lógica, sendo capaz de estabelecer compromissos, compreender regras e obedece-las. O último estágio, Operatório-formal ou Operacional-Formal, vai dos 12 anos em diante e é onde a criança atinge seu nível mais elevado de desenvolvimento. Neste estágio, elas tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico em todas as classes de problemas, além de poder compreender perspectivas além das suas próprias. Bee (1997) afirma que Piaget dirigiu quase toda a sua atenção ao desenvolvimento mental da


criança ele tem pouco a dizer a respeito do desenvolvimento emocional ou da personalidade e quase nada a dizer sobre as formas pelas quais as crianças diferem umas das outras — exceto apontar que, como o desenvolvimento da criança resulta de explorações e interações com o ambiente, um ambiente rico e variado fornece mais material para a criança lidar e pode, assim, ajudá-la a se desenvolver mais rapidamente.

Teoria Maturacional Arnold Gesell (1934) foi um dos pioneiros a tratar sobre as teorias de desenvolvimento que colocam maior ênfase no papel da maturação. Como Piaget, Geseil impressionou-se pela enorme semelhança entre as crianças em seus padrões de desenvolvimento, mas, diferentemente de Piaget, ele concluiu que tais semelhanças tinham uma origem biológica. Bee (1997) diz que ele acredita que nós somos iguais porque nosso código genético nos faz iguais ou, usando o termo da pesquisa, nossa “maturação” é a mesma. Castro (2006) afirma que para Gesell o ambiente tinha uma importância pequena no desenvolvimento. Fadiman (1986) diz que Gesell incentivava os pais a deixarem as crianças desenvolverem-se sozinhas e sem qualquer ajuda, pois acreditava que sem a ajuda dos adultos os comportamentos normais como falar, brincar e raciocinar surgiriam com a naturalidade da idade, através da maturação. Ele divide o desenvolvimento em quatro dimensões: motora, verbal, adaptativa e social. Bee (1997) explica que a palavra maturação é frequentemente usada como sinônimo da palavra crescimento, mas elas não significam exatamente a mesma coisa. O crescimento se refere a algum tipo de mudança gradual em quantidade como, por exemplo, no tamanho. O corpo de uma criança pode aumentar de tamanho porque sua dieta, que é um fator externo, ou em consequência de mudanças no tamanho de seus ossos e músculos, que consiste em uma programação maturacional, pode herdar a


tendência a ser alta, que são características dos genes, mas se ela não tiver uma dieta adequada, ela não alcançará sua altura potencial. Assim, em muitos casos, a bagagem genética e o mapa maturacional de uma criança criam um tipo de armação, mas os detalhes que preencherão esta armação são uma função da experiência e não da hereditariedade. A respeito das teorias, não existe uma correta e as apresentadas não são as únicas existentes. Elas são apenas vertentes diferentes, que geram estudos direcionados a diferentes pontos do desenvolvimento. A respeito de Piaget, seu pensamento sobre a criança não ser um recipiente passivo de eventos é muito interessante, pois a criança é curiosa, gosta de explorar e comparar suas experiências, a partir daí ela consegue organizar suas próprias noções sobre o que a cerca, sendo o desenvolvimento um processo de descobertas. Desta forma, o ambiente em que ela se insere é fundamental, pois para que ela explore é preciso ter o que explorar. O local deve conter brinquedos, objetos, pessoas e eventos para que ela possa manipular e descobrir. O desenvolvimento infantil também está diretamente relacionado com o desenvolvimento físico, já que suas ações são comandadas de acordo com as limitações do corpo. Tudo é uma sequência, que, apesar de uma não precisar acabar para a outra começar, deve ser respeitada. Afinal, como Bee (1997) cita, não se pode correr antes de andar.


A PSICOLOGIA DO ESPAÇO Barracho (1989) diz que as investigações acerca da psicologia do espaço, ou psicologia ambiental, começaram por volta dos anos 60, e pelas definições de Fisher, Bell & Baum (1984) ela pode ser definida como o estudo do inter-relacionamento entre comportamento e ambiente físico, tanto o construído quanto o natural, o que não deixa de ser uma variação da definição de ecologia. Correspondentemente, encontra-se no Brasil o termo relações indivíduo-ambiente. O local onde o ser humano se insere é de extrema importância para o desenvolvimento mental, e para caracterizar a psicologia ambiental Fisher, Bell & Baum determinam seis aspectos: Gestalt, Inter-relação, Psicologia Social, Interdisciplinaridade, Multi-Metodológico e Pesquisa-Ação.

Gestalt A Gestalt, ou psicologia da forma, foi criada por Max Wetheimer, Wolfgang Köhler e Kurt Koffka no início do século XX e é uma posição teórica que defende que, para se compreender as partes, é preciso compreender o todo antes. Ela é constituída de 7 fundamentos básicos, que são: • Segregação: desigualdade de estímulo, gerando hierarquia, importância e ordem de leitura; • Semelhança: elementos da mesma cor e forma tendem a ser agrupados e constituir unidades, e estímulos mais próximos e semelhantes, possuem a tendência de serem mais agrupados; • Unidade: um elemento se encerra nele mesmo fazendo com que vários elementos possam ser percebidos como um todo; • Proximidade: elementos próximos tendem a ser agrupados visualmente gerando uma unidade de dentro do todo; • Pregnância: é a lei básica da percepção da Gestalt, a palavra tem o significado de “boa forma” ou “boa figura”, ela defende que objetos no ambiente são vistos de modo que se constituam o mais simples) possível. • Continuidade: tendência à harmonia e ao equilíbrio visual; • Fechamento: elementos diferentes são visualizados juntos se parecem


completar alguma imagem ou forma conhecida. Nossa mente frequentemente ignora informações contraditórias e completa um fechamento na informação;

Inter-relação Günter & Rozestraten (2005) afirmam que tanto o ambiente influencia o comportamento, como o comportamento influencia o ambiente. Ou seja, todos os fenômenos devem ser estudados dentro de seus contextos, estudando suas inter-relações e a relações reciprocas.

Psicologia Social A Psicologia Ambiental é derivada, em muitos conceitos, da Psicologia Social, isso se deve ao fato de que os temas como espaço pessoal, superpopulação e alguns procedimentos metodológicos são


provenientes da área social. Ela está centrada na interação entre o indivíduo e outros indivíduos, uma análise muito parecida com a relação entre indivíduo e espaço, que é estudado na área ambiental. A Psicologia Social também surgiu no séc. XX, apresentada inicialmente por Gustave Le Bom (1895), e sua formação acompanhou os movimentos ideológicos e conflitos do século, tais como a ascensão do nazifacismo, as grandes guerras e luta do capitalismo contra o socialismo. Seu estudo acerca do assunto influenciou inclusive o estudo sobre Psicologia de Grupo de Freud (1921), e Piaget (1970) afirma que é tarefa desta disciplina conhecer o patrimônio psicológico hereditário da espécie e investigar a natureza e extensão das influencias sociais.

Interdisciplinaridade Devido às características peculiares e os temas estudados, é necessário sempre a presença de múltiplas áreas do conhecimento. Essa interdisciplinaridade ocorre principalmente com profissionais que, de acordo com Günther & Rozestraten (2005), estudam o “mundo real” dos seus respectivos pontos de vista. Para eles, estudar a inter-relação entre ambiente e indivíduo exige um trabalho colaborativo com especialistas das demais áreas do conhecimento, tais como engenheiros, arquitetos, biólogos, urbanistas, paisagistas, juristas, climatologias, médicos, entre outros, a depender do tema estudado.

Multi-Metodológico Por se tratar de uma área interdisciplinar, que abrange inter-relações, e possuir vasta extensão quanto aos assuntos que podem ser tratados, também não existe um único método para se chegar aos resultados. Günther & Rozestraten (2005) afirmam que a escolha da metodologia (e, implicitamente, a escolha do local da pesquisa como campo ou


laboratório) é o problema, e muitos deles se beneficiam com a utilização de uma pluralidade de métodos, podendo-se agregar método observacionais, experimentais e/ou de entrevistas. Entretanto, Stokols (1987) e Sommer (1983) concluíram que a tendência da pesquisa ambiental seja primeiro estudar o mundo real e somente ir ao laboratório quando necessário. Apesar da tendência, pesquisas laboratoriais não são excluídas.

Pesquisa-Ação O último elemento que caracteriza a psicologia ambiental é o seu posicionamento em relação à pesquisa. Existem duas vertentes principais de pesquisa, a básica e a aplicada, enquanto a básica foca no comportamento genérico, a aplicada foca em um problema concreto, afim de prever e/ou controlar um comportamento especifico. Na psicologia em geral, estas definições não atendem aos objetivos das pesquisas, na psicologia ambiental faz ainda menos sentido, já que a maioria das pesquisas são orientadas para um problema ou visam solucionar algo prático. Por estas peculiaridades, o modelo mais adotado pela psicologia ambiental é a Pesquisa-Ação. Segundo Elliot (1997), a pesquisa-ação é um processo que se modifica continuamente em espirais de reflexão e ação, onde cada espiral inclui: aclarar e diagnosticar um problema ou situação prática que se quer melhorar ou resolver; formular estratégias de ação; desenvolver estas estratégias e avaliar sua eficiência; ampliar a compreensão da nova situação; e proceder aos mesmos passos para a nova situação prática. Kemmis e Mc Taggart (1998) definem pesquisa-ação como uma forma de investigação baseada em uma autorreflexão coletiva empreendida pelos participantes de um grupo social de maneira a melhorar a racionalidade e a justiça de suas próprias práticas sociais e educacionais, como também o seu entendimento dessas práticas e de situações onde essas práticas acontecem. Também afirmam que a


abordagem de uma pesquisa-ação apenas acontece quando ela é colaborativa. Acerca da psicologia ambiental, é uma área ampla e complexa, onde cada uma de suas características são relacionadas e se complementam. Sua relação com a psicologia do desenvolvimento é mais importante do que muitos estudiosos da área consideram, referindo-se muitas vezes ao espaço físico apenas de modo indireto. De acordo com Elali (2002), tanto em termos individuais quanto coletivos, o entendimento da dimensão ambiental no desenvolvimento humano, ou seja, o que é estudado pela área com a aplicação dos conceitos acima, é fundamental. Alguns dos conceitos-chave na área das relações entre pessoa e ambiente são:

Espaço Pessoal É a área ao redor do corpo, cujos limites e forma mudam a todo tempo, dependendo das experiências anteriores e condições de cada um, a cada situação. É a zona mais rica de interações significativas e a mais ativamente protegida, ou seja, apenas quem for autorizado a entrar poderá se aproximar.

Distâncias Interpessoais O espaço informal, caracterizado por Hall (1997), é o elemento-chave para a delimitação dos quatro tipos de distancias interpessoais especificadas pelo autor. As distancias intima, pessoal, social e publica se referem às faixas de afastamento crescente entre pessoas, o que ocorre em função das características contextuais e comportamentais, relacionando aspectos que envolvem o conteúdo e o tipo de contato permitido em cada caso.


Territorialidade No caso do ser humano, embora a territorialidade envolva, necessariamente, um espaço físico bem marcado, com cercas, muros, pintura, entre outros, ela acontece de modo mais sutil que em outros animais, já que também está relacionada a fatores como tempo de ocupação, propriedade e exclusividade do uso. Desta forma, o individuo não tem que estar sempre no local, podendo utilizar tais marcadores para garantir seu direito de posse.

Lugar O conceito está intimamente relacionado ao espaço, de um modo que só é possível tratar de um em relação ao outro. Tuan (1983) define que espaço é um local não diferenciado e que se transforma em lugar à medida que o conhecemos melhor e dotamos de valor. Sendo assim, a experiência individual torna-se indispensável na definição.

Apropriação O conceito relaciona outros dois, a territorialidade e o lugar. A apropriação envolve a posse do território, mas não em termos jurídicos, e sim relacionado ao apego e identificação do indivíduo ao ambiente e à liberdade para interferir e deixar sua marca pessoal.

Privacidade Altman (1975) descreve privacidade como a busca do equilíbrio entre ficar isolado e tornar-se acessível aos outros, sendo um modo da pessoa ponderar sua interação com as demais. É o confronto entre forças de aproximação e afastamento interpessoais, sendo o que a estabilização é o desejado pelo individuo ou grupo. Fora do equilíbrio, o indivíduo se sentirá violado ou isolado.


Aglomeração Stokols (1977) define aglomeração como um estado experimental em que os aspectos restritivos de limitação espacial são percebidos pelos indivíduos a eles expostos. Relaciona-se com a privacidade, mas se refere a quantidade de espaço disponível ser aparentemente inferior à necessidade do indivíduo, envolvendo também a sensação de estar sendo observado, seja real ou não.

Adaptação É a capacidade a um meio ambiente variável, sendo uma característica essencial dos sistemas vivos e sociais, de acordo com Capra (1997). A facilidade de se adaptar permitiu aos seres humanos um maior desenvolvimento, “dominando” o planeta, mas por outro lado, o mesmo fator pode fazer com que as pessoas se acomodem em situações que as prejudicam.


O LUGAR DO BRINCAR


PANORAMA GERAL Rolim (2008) diz que existem várias definições sobre o brincar, sendo que a maioria delas está vinculada de alguma forma com o conceito de diversão, entretenimento, distração e agitação. A brincadeira nada mais é do que colocar o lúdico em ação, expressar a linguagem, por meio de gestos e atitudes, que estão repletos de significação. Ela permite que as crianças explorem o ambiente ao seu redor, bem como interagir com pessoas próximas, familiares ou amigos, além disso, possibilita o desenvolvimento de habilidades cognitivas e permite a elaboração de questões emocionais. Atualmente a preocupação com o desenvolvimento infantil relacionado ao seu espaço pessoal e suas brincadeiras vêm crescendo, entretanto, no Brasil, ainda existe uma defasagem sobre o assunto. Existe também um aumento de grupos especializados em locais infantis, que não levam em consideração apenas a opiniões de adultos que julgam saber o que é melhor para os menores, mas sim estudos a respeito. No Brasil, um local de grande referência é o SESC Pompéia (São Paulo), que já abrigou diversas instalações de playgrounds que fogem do convencional e não chamam a atenção apenas das crianças, mas também dos adultos que as estão acompanhando. Um exemplo de instalação do tipo foi a instalada pela casa de brincar Cadê Bebê, que contava com chão macio, pufes gigantes para os pais, brinquedos educativos, experiências sensoriais, entre outros. A interação com os adultos faz com que a barreira da insegurança seja quebrada, fazendo com que eles permitam a livre brincadeira infantil, além de estreitar os laços de relacionamento entre o adulto e a criança. Fora do Brasil, existem diversos grupos especializados em crianças. Fundado em 2003 pelos sócios Ole Barslund Nielsen e Christian Jensen que se conheceram criando cenários para teatros dinamarqueses, o grupo Monstrum cria playgrounds temáticos, que não são apenas escorregas e balanços, mas elementos que juntos criam uma história com bastante espaço para a imaginação. A oficina em Copenhague produz todos os projetos à mão em madeira.




Para eles, o objetivo principal de um playground é desafiar as habilidades motoras da criança, como cada faixa etária possui suas limitações e desafios diferentes, as instalações possuem um grupo etário definido ou são divididas em áreas separadas para atender às necessidades. Também empregam em seus projetos o máximo de acessibilidade possível, para que ele seja um ponto de encontro social e físico para todas as crianças. O brincar é como uma ferramenta de grande utilidade para exteriorizar as emoções infantis, lidar com as angústias, medos e problemas que as mesmas enfrentam ao se deparar-se com o mundo adulto. Nas brincadeiras as crianças criam suas próprias regras que permitem que elas fujam da realidade cotidiana, na qual elas devem adequar-se às normas que regem a sociedade em que vivem. Santos, Sobrosa, Dias, Oliveira & Santos (2010) afirmam em seu texto que a esfera imaginária ativada pelo brincar proporciona às crianças um auxílio na estruturação de sua personalidade, fazendo com que as mesmas suportem melhor suas angústias. A brincadeira não só permite a criança um contato maior com seus sentimentos, como também desenvolve sua atenção, concentração e autoestima, auxiliando no desenvolvimento de habilidades interpessoais. Rolim (2008) diz que Vygotsky observa que a situação imaginária de qualquer brincar está vinculada a padrões de comportamento exigidos pela sociedade. Dessa forma, não existe brinquedo sem regras, pois o brincar está envolvido em regras da sociedade. Uma maneira muito clara de visualizar, isto é, o modo como as meninas costumam brincar com suas bonecas, em que elas são as mães e as bonecas são suas filhas. Os vários tipos de brinquedos, segundo Bee (1997), geralmente, desenvolvem-se da seguinte maneira: brinquedo sensório-motor (crianças com 12 meses, que passam a maior parte do seu tempo explorando e manipulando objetos), brinquedo construtivo (crianças com mais de 12 meses até os 6 anos de idade, em que elas se utilizam de objetos para montar e construir coisas, tais como quebra-cabeça, lego, entre outros), primeiro brinquedo de “faz-de-conta” (crianças com mais de 12


meses, onde ainda utilizam os brinquedos para seus propósitos reais ou costumeiros, e o recebedor do “faz-de-conta” são elas mesmas; entre os 15 e 21 meses de idade, o recebedor do “faz-de-conta” passa a ser outra pessoa ou o próprio brinquedo, sendo as bonecas são um ótimo brinquedo para representar o “faz-de-conta”), brinquedo “faz-de-conta” substituto (entre os 2 e 3 anos de idade, em que as crianças começam a usar os objetos para uma finalidade diferente, tal como uma vassoura que pode transformar-se em cavalo) e brinquedo sócio-dramático (entre 3 e 4 anos de idade, onde começam a desempenhar papeis dizendo ser “mãe”, “pai”, “mocinhos” entre colegas e grupos, e com isso tornam-se mais conscientes de como as situações podem parecer para as demais pessoas e reduzem sua abordagem egocêntrica do mundo).


O LUGAR NO PLANO PILOTO Lucio Costa, no Relatório do Plano Piloto de Brasília, não fala especificamente de espaços infantis, mas define a presença de áreas internas nas superquadras com chão gramado e densamente arborizadas, oferecendo aos moradores faixas de passeio e lazer. Além disso, também determina que cada quadra possua uma escola primária, o que geralmente está atrelado a presença de um parquinho. Também estão determinadas as escolas secundarias, mas estas, por possuírem crianças maiores, geralmente não apresentam brinquedos. Entretanto, na área intermediária, também há a presença dos clubes de juventude, que, de acordo com ele, com campo de jogos e recreio. “16. Quanto ao problema residencial, ocorreu a solução de criar-se uma sequência continua de grandes quadras dispostas, em ordem dupla ou singela, de ambos os lados da faixa rodoviária, e emolduradas por uma larga cinta densamente arborizada, arvores de porte, prevalecendo em cada quadra determinada espécie vegetal, com chão gramado e uma cortina suplementar intermitente de arbustos e folhagens, a fim de resguardar melhor, qualquer que seja a posição do observador, o conteúdo das quadras, visto sempre num segundo plano e como que amortecido na paisagem. Disposição que apresenta a dupla vantagem de garantir a ordenação urbanística mesmo quando varie a densidade, categoria, padrão ou qualidade arquitetônica dos edifícios, e de oferecer aos moradores extensas faixas sombreadas para passeio, e lazer, independente das áreas livres previstas no interior das próprias quadras. Dentro destas “super-quadras” os blocos residenciais podem dispor-se da maneira mais variada, obedecendo porem a dois princípios gerais: gabarito máximo uniforme, talvez seis pavimentos e pilotis, e separação do tráfego de veículos de transito de pedestres, mormente o acesso à escola primaria e às comodidades existentes no interior de cada quadra. Ao fundo das quadras estende-se a via de serviço para o tráfego de caminhões, destinando-se ao longo dela a frente oposta às quadras, à instalação de garagens, oficinas, depósitos do comercio em grosso etc., e reservando-se uma faixa de terreno, equivalente a uma terceira ordem de quadras, para floricultura, horta e pomar,


entaladas entre essa via de serviço e as vidas do eixo rodoviário, intercalam-se então largas e extensas faixas com acesso alternado, ora por uma, ora por outra, e onde se localizaram a igreja, as escolas secundárias, o cinema e o varejo do bairro, disposto conforme a sua classe ou natureza. O mercadinho, os açougues, as vendas, quitandas, casa de ferragens, etc., na primeira metade da faixa correspondente ao acesso de serviço; as barbearias, cabelereiros, modistas, confeitarias, etc., na primeira seção da faixa de acesso privativa dos automóveis e ônibus, onde se encontram igualmente os postos de serviço para venda de gasolina. As lojas dispõem-se em renque com vitrinas e passeio coberto na face fronteira, as cintas arborizadas de enquadramento dos quarteirões e privativas dos pedestres, e o estacionamento na face oposta, contigua às vias de acesso motorizado, prevendo-se travessas para ligação de uma parte a outra, ficando assim as lojas geminadas duas a duas, embora o seu conjunto constitua um corpo só. Na confluência das quatro quadras localizou-se a igreja do bairro, e aos fundos dela as escolas secundárias, ao passo que na parte da faixa de serviço fronteira à rodovia se previu o cinema a fim de torna-lo acessível a quem proceda de outros bairros, ficando a extensa área livre intermediária destinada ao clube da juventude, com campo de jogos e recreio. ”

O projeto de Lucio Costa, apesar de ter sido muito respeitado, não foi inteiramente construído como o previsto. No mapa abaixo foram situados os locais designados para as brincadeiras infantis dentro de um raio de aproximadamente 1km da escola estudada (609 sul), nele não estão só os playgrounds, mas também as quadras poliesportivas, que também são bastante utilizadas por crianças. Todos os locais marcados são públicos, já que há, ainda, parquinhos e quadras cercados que pertencem a escolas, clubes, ou algum bloco residencial específico.


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Dentro do raio existe ainda o Clube Vizinhança 01 que, apesar de estar no plano apresentado e possuir parquinhos e quadras, não foi marcado devido ao caráter privado que apresenta, onde apenas sócios tem acesso as instalações. A maioria dos parques apresenta os mesmos brinquedos, tais como balanço, gangorra e escorrega, feitos de metal ou madeira. Alguns se encontram em péssimo estado, principalmente os metálicos, sendo um risco para as crianças. Em muitas quadras não existe interesse da população em manter os parquinhos, já que muitos se sentem incomodados pelo barulho das brincadeiras, consideram os parquinhos sujos (devido aos animais de rua), ou perigosos, mas a maioria das quadras possuei playgrounds em bom estado. A maioria das escolas possui playgrounds, o que faz com que as crianças brinquem apenas lá, no horário que é determinado, desta forma, elas não brincam em suas quadras, já que os pais não permitem que elas desçam. Com o abandono das crianças, os parques são tomados e depredados por vândalos, e sem o interesse da população para reivindicar o local, eles permanecem de tal forma.


O LUGAR NA CEILÂNDIA Ceilândia é a 9º Região Administrativa do DF. Originalmente possuía 4 subdivisões (Sul, Norte, Centro e Guariroba), hoje em dia a cidade se divide em diversos bairros, que representam as quadras, tais como Setor O (QNO), P Sul (QSP), P Norte (QNP), entre outros. É uma cidade com bastante identidade de cultura, esporte e lazer, sendo uma das mais férteis em manifestações do tipo, entretanto, de acordo com o Documento de Memória do Plano Diretor Local da cidade, tais manifestações ocorrem de maneira informal, já que existem poucos locais ligados a cultura. Faltam também espaços como teatro, centros culturais e praças, mas em compensação, há centenas de campos de futebol espalhados pela cidade. Pela análise do Plano Diretor Local, faltam espaços para esporte e lazer, apesar de grande quantidade de espaços abertos que foram destinados a equipamentos públicos. Tais espaços ociosos, quando não são usados como campos de futebol, estão sem conservação e quase sempre servem como deposito de lixo. O PDL descreve que os parquinhos, e espaços públicos em geral, existentes não são atrativos, voltados para fechadas cegas, sem iluminação e malconservados, o que gera insegurança e afasta ainda mais a população. No mapa foram localizados, da mesma forma que o anterior, parquinhos, quadras poliesportivas e campos a partir de um raio de aproximadamente 1km da escola analisada (EQNN 2/4).


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Os mobiliários infantis estão, dentro do raio analisado, praticamente todos circunscritos em uma faixa central localizada a cada duas quadras, geralmente próximo a escolas. Nesta área também se localizam comercio, batalhão de polícia, e outros serviços. A quantidade de parquinhos é muito pequena, ainda mais se comparado com a quantidade de campos de futebol e quadras poliesportivas. Todos eles são metálicos e possuem os mesmos brinquedos das quadras na Asa Sul (escorrega, balanço, gangorra, entre outros), e, infelizmente, alguns se encontram em péssimo estado. Na frente da escola analisada, existe um destes parquinhos, provavelmente o mais bem conservado, sendo que os cuidados devem partir da própria escola, para que seus alunos também utilizem o espaço. As quadras em geral estão em boas condições, apresentando pintura no piso e cerca. Os campos de futebol variam, podendo ser de grama, com boas condições, ou de terra batida com duas traves. Não foram considerados os espaços sem traves, embora também sejam utilizados como campos. Uma das quadras poliesportivas encontra-se fora dessa região, estando em uma outra zona livre paralela às quadras, também próximo a uma escola. Em geral, o que foi descrito no PDL ainda predomina na cidade, que possui muitos vazios, que, quando não ocupados por entulhos, viram campos de futebol. Apesar da região possuir uma grande quantidade de escolas, o mobiliário urbano não é voltado para as crianças, principalmente as menores.


A CRIANÇA


Para entender melhor o universo infantil, saindo da teoria, meninos e meninas do 1º ano (alfabetização) de ambas as escolas, com idade entre 6 e 7 anos foram analisadas através de seus desenhos. A idade foi escolhida por representar o fim da primeira infância, onde, de acordo com muitos pesquisadores, são onde ocorrem as maiores mudanças relacionadas ao desenvolvimento infantil. Depois desta idade, as crianças já estão com seu desenvolvimento cognitivo praticamente completo. A pergunta foi simples: “ONDE VOCÊ GOSTA DE BRINCAR? ”, afim de entender se a diferença entre o local onde estudam (já que algumas podem morar em outra região) e a educação que recebem (privada ou pública) se apresentaria no desenho. Um total de 44 crianças foram “entrevistadas”, 22 alunos de escola particular (sendo 10 meninos e 12 meninas) e 22 alunos de escola pública (sendo 13 meninos e 9 meninas).


A CRIANÇA DA ESCOLA PARTICULAR A experiência foi realizada no Colégio Maristinha Pio XII (609 Sul), no dia 18/11, na turma da professora Fernanda Marra. Os meninos possuem um amigo especial entre eles, um dos alunos possui Síndrome de Down, e, por isso, é o mais velho da turma (9 anos). Apenas dois deles desenharam edificações, indicando que devem brincar no quintal ou na rua de casa, ou no parquinho da escola. Outros dois alunos desenharam o mesmo local, o que provavelmente indica que seja algum brinquedo presente na escola. Apenas um aluno desenhou a sala de aula com seus amigos, outro retratou um desenho de piso, com formas geométricas e uma “amarelinha”. Um dos alunos que desenhou edificações, escreveu o nome de todas elas, sendo “escolinha”, “hospital”, “mercado” e “oficina”, o desenho também possui um carro e um semáforo. Muitas das meninas desenharam amigas, sendo que na maioria delas, não existe um local ou mobiliário especifico. Quatro delas apresentaram edificações nos desenhos, sendo que duas delas escreveram “shopping” em uma das edificações. Uma das garotas que desenhou edificação, desenhou-se dentro dela, ou seja, provavelmente goste de brincar dentro do seu quarto. Uma outra aluna desenhou o mesmo brinquedo dos outros dois meninos, reforçando a ideia de que seja um mobiliário da escola. Apenas uma aluna se desenhou em casa lendo, com a frase “bom final de semana, segue o kit leitura”, o que indica que sua brincadeira favorita seja ler. Pelos desenhos, os alunos, apesar de não retratarem muitas edificações nos desenhos, gostam de brincar na escola, já que um mesmo playground se repete em alguns deles, os amigos estão frequentemente presentes, e há, inclusive um desenho da sala de aula. Nenhuma criança desenhou celular, computador, tablet ou videogame, indicando que essa tecnologia ainda não está presente. Entretanto, nenhum aluno retratou algum brinquedo tradicional, como bola, boneca ou carrinho.


A CRIANÇA DA ESCOLA PÚBLICA Os desenhos foram feitos na Escola Classe 20 (EQNN 2/4), no dia 17/11, com a ajuda da professora Marinalva. Dentre os meninos, a maioria desenhou a casa ou a escola junto ao desenho, o que indica que brincam no quintal de casa (ou parquinho do prédio) ou no parquinho localizado na frente à escola. Quatro deles incluíram (ou focaram) na brincadeira com bola, outros três brincando com carrinhos. Um único aluno desenhou um celular, e também incluiu em seu desenho o “Livro de Deus”, segundo ele próprio, escreveu no desenho que gosta de regar e cuidar das plantas e que “a coisa mais legal do mundo é ir para escola”. Outro aluno também foi o único que desenhou a praia como seu local favorito. Com as meninas, metade delas desenhou uma edificação (casa ou escola), mas todas incluíram vegetações nos desenhos, seja só uma grama no chão ou acompanhada de árvores e flores. Entretanto, apenas duas desenharam os brinquedos dos playgrounds, sendo que uma delas desenhou o “foguetinho” do parque Ana Lídia, no Parque da Cidade. Apesar disso, apenas uma desenhou casinha de brinquedo e bonecas, juntamente com amigas pulando corda. Uma outra aluna desenhou ela e uma amiga soltando pipa. O que se pode concluir é que os alunos da Ceilândia brincam bastante fora das quatro paredes de casa, ao ar livre, podendo ser desde o parquinho do prédio, até o campo de futebol da rua. Computadores, tablets, celulares e videogames estão fora (excluindo um aluno) dos desenhos, o que indica que tal tecnologia ainda não está presente na vida delas. Brincadeiras tradicionais, como pular corda, soltar pipa e pique-esconde também estão presentes, mas em poucos desenhos, assim como brinquedos (bonecas e carrinhos).


A COMPARAÇÃO Considerando que as crianças moram perto do seu local de estudo, já que não se pode determinar o local de moradia delas, a similaridade dos desenhos impressiona. Não apenas pelo seu conteúdo, mas também pelo traço. Crianças que vieram de famílias diferentes, moram em locais diferentes e possuem uma educação diferente, apresentam muita similaridade em seus desenhos. Isso pode ser proveniente de um modelo padrão de educação, que apresenta os mesmos “desenhos-base” para indicar como as coisas são através da reprodução de desenhos infantis, feito por adultos. Como uma criança da Asa Sul, que sempre morou em um edifício em altura com pilotis, desenha sua residência como uma caixa quadrada e um telhado triangular, se não pela influência do desenho-base que mostra que aquilo é uma casa, e vale para todos os alunos? O desenho-base tem função de simplificar e facilitar o entendimento das coisas, mas também influencia a visão das crianças em relação ao mundo. Acerca do conteúdo, a ausência dos computadores, tablets, videogames e, principalmente, celulares em ambas as escolas foi surpreendente, já que as crianças são inseridas cada vez mais cedo nesse mundo tecnológico, principalmente por conta da preocupação dos pais, que dão celulares para poder localizar e saber todos os passos dos seus filhos. Inclusive, a demanda por tecnologia para o público infantil aumenta cada vez mais, com empresas especializadas em brinquedos criando tablets educativos e resistentes aos cuidados dos pequenos. Mas, pela ausência da tecnologia, pode-se perceber que a demanda por playgrounds ainda é significativa. As crianças ainda gostam de brincar ao ar livre, nos brinquedos que estão à disposição delas, que, apesar de serem padrões, agradam ao público. A principal diferença percebida foi a presença de brinquedos tradicionais nos desenhos das crianças da Ceilândia, tais como bola, bonecas e carrinhos, o que não acontece nos desenhos das crianças da Asa Sul. E a presença do shopping em alguns desenhos da Asa Sul, o que não acontece em nenhum da Ceilândia, apesar da cidade também possuir um.


CONCLUSÃO


Tendo em vista os aspectos observados, tanto teóricos quanto os desenhos infantis, percebe-se que as informações apresentadas e “descobertas” não são desconhecidas do público geral. Entretanto, também não são frequentemente aplicadas às crianças e os locais onde estão inseridas. Na relação entre criança-ambiente, buscando sempre atingir o total potencial de desenvolvimento infantil, os locais devem possuir certas diretrizes, tais como: • Desenvolver a criatividade, participação e exploração, para que a fantasia e iniciativa seja estimulada; • Possuir uma história, mas que possa ser facilmente transformada em outra, afim de que a brincadeira não se repita ou fique entediante; • Contato com diferentes objetos, lugares e possibilidades, sem a constante supervisão do adulto; • Engajamento no ambiente, desenvolvendo o senso de natureza; • Promover o contato com outras crianças de diferentes idades, estimulando a interação social; • Desafiar fisicamente e mentalmente, para o aumento da coragem e orgulho de suas ações; • Possibilitar a participação no planejamento, criando um senso de comprometimento e preservação do local; • Reconhecer que a presença do adulto é indispensável e que ao participar da brincadeira, diminui a insegurança que possui em relação à criança; Tais indicações, apesar de incisivas, possuem cunho geral, sendo que, cada projeto, uso, objetivo ou público acarreta na adição, subtração ou divisão das diretrizes, afim de tornar cada espaço único. Crianças, novamente, brincam satisfeitas com o que lhes é ofertado, porém, um espaço com melhores condições, pensados juntamente às necessidades delas, possibilita um maior aprendizado e desenvolvimento, refletindo diretamente na vida adulta.


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