JUNTA DE FREGUESIA DE ALVALADE|
/ CULTURA
RODRIGO COSTA FELIX “AS PALAVRAS TÊM MÚSICA NELAS” Antes de chegar a pandemia que paralisou quase tudo, conversámos com o fadista Rodrigo Costa Félix na esplanada de um conhecido café/frutaria da Av. de Roma. Na altura, início de março, o músico estava prestes a lançar o seu novo disco, “Tempo”, que já pode ser ouvido nas plataformas digitais de streaming.
O seu novo disco intitula-se apenas “Tempo”. Que tempo é este? RCF — São vários tempos. A começar pelo que levo a concretizar os meus projetos. Eu faço sempre intervalos grandes entre os discos porque o fado não se rege pelas mesmas regras da pop, ou do rock. Os discos de fado querem-se intemporais. É por isso que toda a gente continua a ouvir os clássicos da Amália Rodrigues, do Carlos do Carmo, do Alfredo Marceneiro, ou os primeiros discos do Camané. Outra dimensão do tempo tem a ver com o meu processo criativo. Eu preciso de amadurecer as ideias. E este disco reflete muito o que foi a minha evolução, artística e pessoal, nestes últimos anos. No single de lançamento, “Lisboa É Assim”, fala-se de samba e de morna, de jindungo e caril, de muitas fés e culturas misturadas... RCF — Sim. A letra foi escrita pelo José Fialho Gouveia e a ideia foi mesmo essa: mostrar como a nossa cidade é cosmopolita, multicultural, com inúmeras nacionalidades a conviver dentro dela. Em relação ao disco anterior (“Fados de Amor”, de 2012), quais são as principais diferenças? RCF — Eu diria que este é um disco mais meu, mais intimista. Fala muito dos meus medos, das minhas inseguranças, dos meus amores, dos meus desamores. E investi mais na escrita.
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Metade das letras são de sua autoria. RCF — Sim. Eu não sou propriamente poeta. Não sinto aquela necessidade de me sentar a escrever. Mas gosto de fazer letras para fado. E tenho picos de criatividade. Há alturas em que escrevo três ou quatro letras de seguida. Onde é que busca a inspiração? RCF — Em tanta coisa. O ponto de partida pode ser um momento de maior fragilidade. Ou de maior alegria. Também podem ser desabafos, ou algo que alguém me disse. Aconteceu, por exemplo, quando escrevi para a Sandra Correia um tema que ela gravou, chamado “Das Horas Abandonadas”. A ideia surgiu depois de uma conversa que tivemos, numa casa de fados, e quando fui para casa pus-me a escrever e meia-hora mais tarde enviei-lhe os versos, porque saíram logo assim, quase sem pensar. É engraçado porque as ideias chegam-me logo em verso. E geralmente até já sei em que fado é que vou encaixar as palavras. Porque as palavras também têm música nelas. Como foi o trabalho com os compositores convidados para este disco? RCF — Muito estimulante. Por exemplo, quando olhei para a letra do “Lisboa É Assim”, disse logo: isto sabe a morna, sabe a ritmos africanos. Queria que houvesse ecos disso e de samba, não deixando de ser fado. Achei que a música podia ter umas nuances rítmicas. E então
Nº 20 | ABRIL — JUNHO