A Autobiografia de Alcipe

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A Autobiografia de Alcipe

Joana Maria


Ao folhear a edição que Hernâni Cidade compilou nos Clássicos Sá da Costa da obra literária da Marquesa de Alorna, o leitor depara-se com um objecto de indagação – uma autobiografia de Alcipe, pseudónimo da Marquesa, que, classificada pelo editor enquanto «apêndice», surte um efeito semelhante ao das notas explicativas que D. Leonor de Almeida adicionava aos seus poemas. Sendo a sua linguagem poética tão codificada, dada toda a ambiência que a tentava vetar ao silêncio, os resquícios autobiográficos são inexistentes, revelando-se frequentemente necessário o uso de esclarecimento do sentido dos poemas no seu fim, pelo meio de notas. Enquanto uma extensa e literária nota explicativa acerca de toda a obra da Marquesa, e consequentemente, da sua própria vida, sobrevém então a Autobiografia de Alcipe. Duas se afiguram as premissas que suscitam algumas interrogações na Autobiografia – a língua e a data. Se afirmar que uma língua é a tradução do povo que a utiliza se transforma já num lugar-comum, não é menos verdade aceitar que nem todos se revêem nessa concepção. Não só politicamente encarcerada se encontrou a Marquesa de Alorna, mas também ideologicamente exilada da sua pátria das luzes, França, como sugere o facto de a sua autobiografia ter sido escrita em Francês, segundo o apurado pelos manuscritos até hoje encontrados e que não concluem se esta versão (a única conhecida) é a original ou uma tradução. A ser a original, prova-se a sua pátria como seu exílio, tendo D. Leonor de Almeida escrito o correr da sua vida na língua que melhor a vertia, a francesa, libertadora, educadora, sinédoque dos seus anseios, e língua dos seus escritores que a ensinaram a pensar o mundo. Sendo uma mera tradução, coloca-se a questão do propósito desta autobiografia. Se o seu intuito ao retroverter a sua vida para o Francês seria inscrever-se na tradição do iluminismo francês ou apenas comunicá-la a alguém que não lesse o Português só poderia ser desvendado se existisse um dicionário de intenções que simplificasse a hermenêutica. Embora menos difícil

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de aferir (visto que será muito possível que figure no manuscrito ainda não encontrado) é a data da composição da Autobiografia, facto que imediatamente revelará a idade da Marquesa de Alorna quando a escreveu. O título de Autobiografia terá sido acrescentado mais tarde, provavelmente por Hernâni Cidade, visto que este conceito de alguém narrar a sua própria vida ainda não existe aquando desta produção literária. Escrito na terceira pessoa, refere-se ao objecto da biografia como Alcipe e não Marquesa de Alorna, embora o narrado acerca do sujeito poético e pseudónimo corresponda inteiramente ao ocorrido durante a vida da pessoa que o criou, embora com uma maior encenação do que a constatada, por exemplo, nas cartas que trocava com Lília, a sua amiga Teresa de Mello Breyner, que eram já muito trabalhadas retoricamente, devido ao mútuo encantamento que sustentavam entre si. Anunciando imediatamente na primeira frase da biografia que um berço de ouro não protege do azar –

«Le berceau d’Alcipe, quoique entouré de tout l’éclat que donne la fortune et la grande naissance, ne l’a pás garantie des plus grands desastres»1

– D. Leonor de Almeida discorre acerca da cronologia do seu encerramento, da sua vida familiar, das suas leituras, e do seu amor à poesia, numa narrativa pontilhada por pormenores que ajudam a caracterizar o trajecto do seu intelecto e paixões, naquilo a que Hernâni Cidade chama de «autobiografia espiritual»2, já que nada nos revela acerca dos factos que teceram a sua vida após a saída do convento, tais como as suas viagens pela Europa ou o seu polémico casamento contra a vontade paterna, ideia corroborada por Clara Crabbé Rocha quando afirma

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ALORNA, Marquesa de, Inéditos: cartas e outros escritos / Marquesa de Alorna ; selec., pref. e notas do prof. Hernâni Cidade.- Lisboa : Sá da Costa, 1941, P. 201 2

Idem, p. 213

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que este texto «é mais uma espécie de “Bildungsroman” da progressão das suas leituras e da sua formação mental»3. Célebre é o facto de, com apenas oito anos de idade, a que viria a ser a Marquesa de Alorna ter sido encarcerada no Convento de São Félix em Chelas, acompanhada pela sua mãe e irmã, a mando do Marquês de Pombal, devido à suspeita de a sua família ter estado implicada no assassinato dos Távoras, mais concretamente o seu pai, D. João de Almeida Portugal, Segundo Marquês de Alorna, «acusado de ter emprestado uma espingarda caçadeira a um dos conjurados» nas palavras de Hernâni Cidade, e assim tornado cúmplice do crime. É a partir desse acontecimento que é estruturada a vida de Alcipe:

«Un massacre général la priva de ses plus proches parents. Son père fut jeté sans crime dans un affreux cachot; sa mere, la plus belle et la plus intéressante des femmes, enfermée dans un convent avec Alcipe et une autre petite fille, dont par la suite des grâces, la beauté et l’esprit firent un modèle d’amabilité.»

Caracterizando o pai como um inocente injustamente preso e a mãe como a mais bela e interessante das mulheres, caracteriza-se também a si e à sua irmã, de modo subtil, como um modelo de amabilidade. E este paradigma relacionar-se-ia com a serena fusão que concedia entre os labores naturalmente femininos para a época e a intelectualidade a que não conseguia resistir – que, mais tarde, já na vida adulta, tentará impregnar na sociedade escalabitana – através de um rol de leituras que vai aclarando ao longo da autobiografia. Presa na infância, consciente do facto de ser uma vítima, encontra conforto nos livros e nas rezas, afirmando ser necessária uma procura interior de uma via para fugir à prisão, e todos os sentimentos de revolta e tédio daí sucedâneos, de que era vítima. Nesta procura

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Clara Rocha, Máscaras de Narciso. Estudos sobre a literatura autobiográfica em Portugal, Coimbra, Almedina, 1992, p. 95

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interior conheceria as suas faculdades, a possibilidade das suas faculdades, as suas paixões com todas as suas utilizações e perigos. Aí descobre a poesia. Mesmo que soubesse possuir algum talento para as composições poéticas, que agradavam à sua mãe, conhecia as suas limitações –

«elle ne chantoit que comme les anciens bardes.»

Seria precisamente a sua mãe a sua primeira doadora de objectos de leitura, que a Marquesa lista como «toutes les Poétiques, connues, tous les poètes latins, françois, italiens». Mas, com uma «curiosité avide», depois de conhecer os autores clássicos canónicos, iniciou uma viagem anual pelo estudo de John Locke e Condillac, numa primeira fase, passando depois a Helvetius com De l’esprit e Leibnitz. No entanto, a sua verve de «troublée mélancolique» não permite a sua entrega à Filosofia Racionalista. Será com a Recreação Filosófica do Padre Teodoro de Almeida que se apaixona pelas ciências da Natureza, que rapidamente porá de lado para se dedicar ao estudo da História, História Sagrada, História Antiga, História Moderna, e História de vários países europeus, que se lhe apresenta como um ineficaz «étalage de savoir». Numa delicada comparação, Clara Rocha interpreta a índole narcísica da Marquesa de Alorna caracterizando a sua visão na Autobiografia «como um jardineiro» que «contempla o florescer do seu próprio espírito, considerando que “l’hommage le plus pur qu’on peut offrir à la divinité c’est la culture de l’esprit”»4, constituindo aqui o narcisismo o orgulho na perfeição espiritual, e residindo a importância do texto na particularidade de retratar não um percurso de matéria mas um percurso anímico. Depois do conhecimento das referidas obras, e sendo aluna do poeta Filinto Elísio, que a visitava e ensinava na sua cela, entusiasmou-se, muito provavelmente pela mão do seu

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Idem, p. 96

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mestre, por «tous les miracles et accidents» do Iluminismo, através de livros como o Dictionnaire de Rousseau, bíblia do proibido devido ao seu conteúdo subversivo, inverso à religiosidade inerente a um local como um convento, obras não nomeadas de Gessner, e, muito sumariamente, de todos os nomes pomposos da Filosofia Racionalista, confessando a sua predilecção autoral pelos franceses Corneille e Racine, e pelo italiano Petrarca. Influenciada por estes autores, que previam a possibilidade do progresso através do advento e crença total na razão, como Sócrates apontara muitos séculos antes, D. Leonor de Almeida compreendia a importância da racionalidade «num lugar tão frágil como o mundo», nas palavras de Sophia, tão cheio de imperfeições, injustiça, e erros cuja existência aprendera ainda menina, com a prisão de toda a sua família, e morte de sua avó, a Marquesa de Távora. E traduz os anseios de verdade e luz em perguntas tão sentidas como

«Quand est-ce que je serai assez géomètre assaz mécanicienne, pour approfondir tous cês lois du mouvement, calculer les forces qui soutinnent et dirigent ces corps immenses dont se remplit l’espace que j’aperçois…Quand saurai-je mesurer leur distance, leurs masses, leurs courses?»5.

Apesar de um pensador como Laclos ter tentado a libertação intelectual feminina em famigerados tratados como Da Educação das Mulheres, a crença geral, e que é passível de se comprovar enquanto presente no Portugal de Setecentos, através da correspondência entre Lília e Tirse, a dado de exemplificação, seria a de a leitura feminina enfraqueceria as mulheres que a praticassem, transformando-se num móbil de doença. Atentando nesta concepção machista e estranguladora da sociedade, se compreende a segunda comparação que Clara

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ALORNA, Marquesa de, Inéditos: cartas e outros escritos / Marquesa de Alorna ; selec., pref. e notas do prof. Hernâni Cidade.- Lisboa : Sá da Costa, 1941

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Rocha estabelece entre a Marquesa de Alorna e «uma Joana d’Arc de vontade determinada»6, visto que num acto feminista e revolucionário, ainda que secreto, a jovem D. Leonor insiste em desvendar, num meio profundamente conservador, os mistérios da Física, as leis da razão, num desejo de ser tão geómetra quanto mecânica, num claro gesto de superação das grades que a cerceavam, provando que «la raison triomphe des forts»7, constituindo esta fortaleza uma categoria psicológica em que se deseja inscrever. Nestas bases filológicas se fundou o seu pensamento, de outras bases se terá gerado a delicadeza das suas emoções. «Rien est plus à ménager qu’un coeur sensible et une imagination ardente» traduz a dificuldade que teria em conciliar a intelectualidade com a vida conventual e toda a religiosidade que pode engolir todo o ser que viva mais de quinze anos enclausurada num local semelhante. Na verdade, ao início do encarceramento, o seu coração, sinédoque de toda a sua afectividade, seguia os conselhos maternos, não ousando a discussão, ainda que a sua razão encontrasse falhas e discordâncias quanto ao ensinado pela mãe. No entanto, com as leituras de Condillac e Locke os seus olhos abriram-se para um novo mundo, onde a «métaphysique ambitieuse» não tinha lugar. Acreditando piamente que «la vertu n’est pas une chimère»8, inicia um pensamento subversivo quando estabelece uma pouco ortodoxa – relativamente ao Cristianismo que deveria seguir – concepção de bem e de mal, tendo ambos como fonte de acção o mesmo elemento, a dor. Esta, o númeno do seu mundo, concederia diferentes modos de tratamento – enquanto que as coisas “más” se fariam através da concentração no prazer presente, supondo a dor futura, as “boas” nasceriam da dor, não permitindo qualquer desenvolvimento prazenteiro, e

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Clara Rocha, Máscaras de Narciso. Estudos sobre a literatura autobiográfica em Portugal, Coimbra, Almedina, 1992, p. 97 7 ALORNA, Marquesa de, Inéditos: cartas e outros escritos / Marquesa de Alorna ; selec., pref. e notas do prof. Hernâni Cidade. Lisboa, Sá da Costa, 1941 p. 204 8 Ibidem

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revelando-se, assim, tipicamente cristãs. Uma das suas paixões, decorrente dos conhecimentos de Rousseau, é a música, cujos movimentos descreve delicadamente com referências a instrumentos como a voz «au son d’un clavecin», tradutores de uma «inteligência celeste». Este termo revela-se curioso vindo de alguém que leu e acreditou avidamente nos filósofos racionalistas, que anunciavam a inexistência de Deus. Se, por um lado, referia uma inteligência religiosa, por outro, sugeria uma inteligência científica inerente à Natureza, ainda no tópos da música, ao afirmar que esta, tendo uma génese lógica, encerra na Natureza os seus melhores intérpretes - «les oiseaux, les vents et les corps sonores». Assim se denota o seu dilema entre ceder ao místico e abraçar o racionalismo. O tema do amor é o paradigma entre esta escolha que a perturba. Num longo parágrafo, D. Leonor de Almeida discorre sobre o elemento que se revela misterioso a uma qualquer rapariga adolescente, e ainda mais a uma rapariga adolescente presa «dans le silence d’un cloître». Dividindo-o muito racionalmente entre amor filial, amor religioso, e amor apaixonado, e estabelecendo existirem grandes diferenças entre estes, embora não as enuncie, sugere que as suas ideias acerca da concepção amorosa seriam «vagues», bebidas na poesia que alimentava a imaginação de uma menina tão delicada. Com base na poesia, cria uma imagem desastrosa do amor-paixão, bem à maneira estóica, que faz com que acredite que, sendo o amor causador dos extremos da felicidade e da infelicidade, será prejudicial, fazendo ainda um esforço para fundamentar a sua opinião, ao afirmar que não conhece nenhum ser digno de ser amado. Esta afirmação será posteriormente contrariada pelos seus actos, quando se apaixona loucamente por um estrangeiro que será o seu marido, o Conde de Oyenhausen, indo contra a vontade dos seus pais, num acto profundamente apaixonado. Todavia, o estado espiritual em que se encontra quando é narrada nesta biografia encontra-se longe dessa quebra de regras,

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sendo disso sinal o facto de dizer ser sempre na infelicidade que sente a necessidade de Deus. Na verdade, o optimismo que bebera nas Luzes sofreu um ataque grave aquando de um período de doença de sua mãe, em que o amor filial, numa prece de desespero aos pés da cama materna, acarreta a descrença na filosofia que abraçava e que se revelava incapaz de salvar o seu ente querido. Duas frases exclamativas anunciam uma promessa de reclusão que só atenciosas e «sublimes» cartas do seu pai contrariaram - «Mon Dieu, rendez-la à mês voeux! Je renonce à tout!». E assim tão rapidamente se inicia um período de solidão auto-inflingida, em que a Marquesa de Alorna medita sobre a possibilidade de se tornar freira, em muito influenciada pelas religiosas do convento. Não serão apenas as vibrantes linhas do seu pai, cuja opinião religiosa se apresentou ao longo da sua correspondência ambígua, que a dissuadem da reclusão e entrega a Deus. Especialmente a sua meditação e ponderação, grande prova da sua inteligência e decisão em tão tenra idade decidem, à luz das suas leituras, que a melhor oferenda que se poderá fazer à divindade será

«la recherche de la vérité, et cette charité pure qui consiste plus dans les actes journaliers de bienfaisance, que das des sacrifices éclatants, où la vanité et l’amour propre trouvent toujours un coeur à se placer.»9

A caridade vence o sacrifício, e acalma-se assim o dilema da dualidade que perturbava a jovem D. Leonor, que, escolhendo a piedade e fazer o bem, se dedica a cuidar de todas as enfermas do convento, sempre com a ajuda das suas leituras, gerando um espantoso equilíbrio interior que suportava o silêncio necessário ao exercício de tais funções e ainda assim permitia o estudo que tanto lhe aprazia após velar a dor de outras. Tentando-se aperfeiçoar quase exponencialmente, 9

Idem, p. 211

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refere a morte não como um motivo de terror mas como um motivo para busca de uma lição. Num momento de extremo lirismo, a Marquesa questiona a razão do dualismo de beleza e tristeza presente num momento fatal em que rosas enfeitariam a situação. É com este tema de finitude, e com todo a desolação e sacrifício velado que se narra ser a vida num convento, que se termina a Autobiografia de uma poeta, Alcipe, estabelecendo a última frase do texto o que parece ser o seu propósito – transmitir a dor da sua prisão, «sa manière de vivre»10. A ideia de esta Autobiografia ter como intuito subjacente um fim de nota explicativa percepciona-se mais real aquando da leitura da sua poesia. A título de exemplo, o soneto «Esperanças de um vão contentamento» afirma a sugestão anterior. Com a estrutura tradicional do soneto, esta composição poética tem como tema a Virtude como superação de uma realidade vil. Com uma base ideológica racionalista, o sujeito poético, aclarado pela Autobiografia enquanto Alcipe, deseja perder todas as «esperanças» enganadoras do seu estado, de «um vão contentamento», que em nada a ajudam a superar o momento vivido, a sua prisão no Convento de Chelas, tão infelizmente durante tantos «anos conservadas». Em vez de lhe concederem fé para que continuasse a aguentar o suplício da clausura, as esperanças prolongaram o seu «sofrimento». Numa oração muito curta, que introduz a segunda estrofe - «fugi» -, Alcipe sugere o seu modo de evasão, o único elemento livre no mundo, o pensamento. E será com a ajuda dele que, meditando no passado, caracterizado como «horas malogradas (...) tristes, presentes, passadas», donde se entende uma temporalidade que demora a passar e que vai dolorosamente pingando no seu coração que é, como disse na Autobiografia, um «vulcan», conseguirá forças para futuramente subverter a situação malograda em que se encontra, num gesto de optimismo. A antonímia entre os adjectivos «ligeiras» e «pesadas», na terceira estrofe,

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Idem, p. 213

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salienta a oposição entre o passado colorido pela fantasia esperançosa e o presente com um semblante carregado pela razão que não permite o «doce engano», motor da ilusão anterior. Deste jogo de paralelismos entre engano e desengano, fantasia e razão, sobrevém uma única solução para a superação da sua tragédia pessoal e familiar – a Virtude que, vocativo, é chamada a vir «dominar o resto dos [seus] dias». Relativamente a esta perpetuação virtuosa ao longo da sua vida, não nos poderemos pronunciar, na medida em que o conhecido revela que, depois de ter sido libertada, após a morte do rei, e restabelecida a sua vida no mundo livre, a Marquesa se revelou um modelo de decisão, força e até insubordinação às concepções machistas sobre como se deveria comportar uma mulher, nunca cedendo à submissão. Lendo o lirismo implícito a esta poesia, tal como a muitas das suas composições, sem qualquer dado biográfico complementar, o leitor guarda apenas a beleza retórica, a delicadeza emotiva expressa, podendo ser este jogo poético um fingimento. Porém, conhecendo a biografia do espírito da poeta, que será com certeza retoricamente encenada, novos dados e novas percepções brotam das leituras, enriquecendo-se a possibilidade de penetrar numa experiência de vida tão subtil, trágica e, ainda assim, inteligente, pela superação dessa mesma tragédia em arquitectura de convento, como a que terá suportado e vencido a jovem D. Leonor de Almeida e Lencastre, Marquesa de Alorna.

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Bibliografia

ALORNA, Marquesa de, Inéditos: cartas e outros escritos / Marquesa de Alorna (selec., pref. e notas do prof. Hernâni Cidade), Lisboa, Sá da Costa, 1941 ALORNA, Marquesa de, Poesias / Marquesa de Alorna (selec., pref. e notas do prof. Hernâni Cidade), Lisboa , Sá da Costa, 1941 ROCHA, Clara, Máscaras de Narciso. Estudos sobre a literatura autobiográfica em Portugal, Coimbra, Almedina, 1992 SARAIVA & LOPES, António José e Óscar, História da Literatura Portuguesa, Porto, Porto Editora, 1996 VV.AA., Alcipe e a sua Época, Cadernos Culturais da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, n.º 0, Lisboa, Colibri

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