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Uma nova forma de OBSERVAR
o Mundo Entrevista a JosĂŠ Manuel Fernandes, publisher do Observador
Os primeiros indícios da chegada ao mercado português de um novo projeto de media – associado desde logo aos investidores António Carrapatoso, Alexandre Relvas e Luís Amaral – tiveram lugar em dezembro do ano passado. Em janeiro, foi conhecido o nome: Observador. Foi para o ar – ou para a web – a 19 de maio deste ano. No dia seguinte, uma história de amor inusitada, “entre um skinhead e uma menina de Cascais”, chamou, para si, a atenção daqueles que não aguardavam já a chegada do novo diário digital. Rudolf Gruner, “roubado” à Media Capital, é o diretor-geral. David Dinis ocupa o cargo de diretor editorial e José Manuel Fernandes é administrador e publisher – e o protagonista desta conversa. Cinco meses volvidos, o balanço é positivo. Edificaram uma plataforma adaptada aos novos hábitos de consumo de informação e a qualidade dos trabalhos jornalísticos, que José Manuel Fernandes descreve como “diferenciadores e originais”, tem vindo a ser reconhecida. Os objetivos que tinham traçado para o final do ano, em termos de visitas, foram atingidos no terceiro mês.
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? A crise que os media hoje atravessam é atribuída, por muitos, à histórica dependência da publicidade. Hoje, fala-se cada vez mais na necessidade de cobrar pelo conteúdo para garantir a sobrevivência e a sustentabilidade dos meios. Porquê apostar num projeto não-pago? !
Não podemos misturar as coisas. Os jornais nunca viveram só da publicidade: viviam da publicidade e das vendas em banca. Este modelo, que nasceu no londrino Times e foi replicado por todos – o primeiro em Portugal a adotá-lo foi o Diário de Notícias – funcionou desde o princípio do século XIX. Os jornais eram baratos, vendiam muito e, por isso, conquistavam os anunciantes. Mas agora está em crise. Primeiro, porque as vendas de quase todas as publicações começaram a baixar. Depois, porque a publicidade começou a deixar de estar nos jornais: estes estavam a perder leitores que “fugiam” para outros lados. No caso do mercado publicitário português houve uma redução imensa. Perdeu, nos últimos cinco, seis anos, cerca de metade do seu valor. Neste período, a publicidade online mais do que duplicou. O mercado global diminui, mas o online cresce, porque é onde as
Entrevista a José Manuel Fernandes, publisher do Observador
pessoas estão ou começam a estar. É óbvio que a publicidade digital ainda coloca imensos problemas a anunciantes e produtores de conteúdo. É uma área ainda em desenvolvimento e não se sabe bem como vai evoluir. Em Portugal, a maior parte dos modelos de negócio online baseiam-se exclusivamente na publicidade. Há alguns que também têm modelos pagos, como o Público e o Expresso, que são talvez os casos mais relevantes. Outros têm modelos pagos que procuram mais defender o papel do que propriamente ir buscar receita ao online: para tentar evitar a perda de receitas, oferecem-se, no papel, coisas que não estão disponíveis na versão digital. Mas esta tendência está a desaparecer, porque as pessoas deixaram – ou estão a deixar – de comprar jornais. A tendência agora é tentar valorizar a publicidade online e encontrar formas de rentabilizar o conteúdo digital. Ninguém sabe, neste momento, como vai ser o futuro. Não há nenhum modelo que seja válido para todas as publicações ou para todos os mercados. Estão a ser experimentados muitos caminhos diferentes. No caso do Observador seria difícil impor, à partida, um modelo pago. Ninguém nos conhece, ninguém sabe o que oferecemos. Temos de mostrar primeiro quem somos e ao que vimos. E temos também a esperança de que a publicidade online continue a aumentar a bom ritmo e que, conseguindo nós uma boa quota de mercado, possamos ir buscar ao online a receita de que necessitamos. O que também é novidade é que a estrutura de custos de uma empresa de comunicação é muitíssimo mais baixa do que antigamente. Estamos no edifício que pertencia ao Diário Popular e ocupamos apenas meio andar.
em foco Hoje é possível chegar às pessoas sem ter de passar por complicações como a impressão e a distribuição de um jornal – existe uma relação mais próxima e mais direta que faz desaparecer imensos custos. Conseguimos rentabilizar a produção de informação com receitas muito mais reduzidas do que as que eram necessárias há uns anos. ? Então não estão a considerar a implementação de um modelo de paywall… ! Neste momento não, mas quanto ao futuro não sabemos. Para já, o objetivo é produzir informação diferenciada e de qualidade. Depois, conquistar o reconhecimento do público e chegar às posições cimeiras do mercado português. Estamos convencidos de que este é o caminho para obtermos as receitas de que necessitamos. Mas este é um mundo em muito rápida mutação e não podemos dizer “desta água não beberei”.
Entrevista a JosĂŠ Manuel Fernandes, publisher do Observador
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Entrevista a José Manuel Fernandes, publisher do Observador
? O Observador garante que “não hesitará em tomar posição”. E os princípios universais de imparcialidade e isenção que pautam o jornalismo? Porquê escolher o caminho contrário? ! Esses valores são mal ensinados. Confunde-se a isenção e a procura de imparcialidade com a ausência de uma posição. A objetividade do jornalismo é sempre condicionada pela forma como vemos o mundo. Se eu for à janela, olhar para a rua e contar o que vi, vou contar uma coisa diferente da pessoa que está ao meu lado, porque dei atenção a factos diferentes. Não somos objetos, somos sujeitos. Logo, eu não sou objetivo, sou subjetivo. Fingir que é possível ultrapassar esta subjetividade é, por regra e na cultura portuguesa, um logro. É fazer passar o politicamente correto por objetivi dade, quando não passa de um ponto de vista. Acreditamos que não há um único ponto de vista, há vários. Não aceitar que existem olhares diferentes é uma forma de impor uma espécie de ditadura da opinião coletiva. E não há opiniões coletivas. Há pontos de vista diferentes e é melhor que sejam claros e assumidos. É esta a tradição da grande imprensa internacional, só em Portugal é que há esta confusão. Tem muito a ver com o que se passou no 25 de abril e com a partidarização dos órgãos de informação, que se manteve até aos anos 90. Havia jornais que pertenciam a partidos políticos, em que os dirigentes reuniam com a redação. Não é ficção. O Partido Comunista teve os seus, o PS e o PSD também.
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? Fala-se, aliás, em relação ao Observador, em ligações dos promotores e investidores do projeto ao PSD. Fala-se até do nome de Durão Barroso… Estas acusações não contaminam a credibilidade de um jornal que acabou de chegar ao mercado? ! Quem prefere colocar-nos rótulos em vez de olhar para a informação que produzimos, pode fazê-lo. Entre os nossos investidores há um que de facto está ligado ao PSD, o Alexandre Relvas. O principal investidor até já disse publicamente que se identifica mais com o PS do que com o PSD. As pessoas confundem duas coisas diferentes: uma coisa é sentir que há, na comunicação social portuguesa, um tom monocórdico, que tende a ser politicamente correto e que é necessário contrariar, outra são as agendas partidárias. ? O Observador é mesmo contra o politicamente correto… !
É um disparate. Quem define o que é, ou não, politicamente correto? Por regra, é evocado quando não se quer discutir um assunto. Estabelece-se uma espécie de dogma. E o que nós queremos fazer é, precisamente, debater o que tem de ser debatido.
Entrevista a José Manuel Fernandes, publisher do Observador
? “Somos nativos digitais e vamos fazer um jornalismo deste tempo”. Assim se apresentou a equipa do Observador. O que é “jornalismo deste tempo”? !
É um jornalismo que tem rapidez e profundidade misturadas em doses que não são habituais. Quando perguntavam a Carl Bernstein, um dos jornalistas célebres pelo caso Watergate, o que era a verdade, ele respondia que a melhor versão possível da verdade era a que conseguia confirmar até à hora de fecho do jornal. No online não há hora de fecho e eu sou obrigado a redefinir a própria verdade. Há noções obrigatórias que temos de ter. É melhor ser rápido do que lento, porque se não houver rapidez nos meios de comunicação vai haver nas redes sociais, mas sem jornalismo. Vai haver mais parcialidade, menos preocupação com o rigor e com o enquadramento. O facto de trabalharmos numa plataforma nova permite-nos acrescentar informação a cada minuto, aperfeiçoar o nosso trabalho. A exigência da rapidez não compromete a qualidade, precisamente porque permite a atualização constante e o aprofundamento. Somos, simultaneamente, mais rápidos e mais profundos, porque é possível ser as duas coisas, sem qualquer contradição. Podemos recorrer a sons, a imagens, a material cedido pelo leitor.
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? Este conceito não engloba o papel? ! Pode englobar, mas é inimaginável existir apenas nesse formato. ? E qual será, então, o papel dos jornais tradicionais no futuro? O da leitura alargada, da informação desenvolvida, da investigação? ! Não. Em julho, publiquei no Observador um “Explicador” sobre o conflito no Médio Oriente que era, pela sua dimensão, impossível de publicar em qualquer outro órgão de informação português. Mesmo no Público, que é, neste momento, o jornal que mais caracteres publica por página, ocuparia dez páginas e ninguém ia ler. Mas foi o artigo mais lido da semana no Observador.
Entrevista a José Manuel Fernandes, publisher do Observador
? E o jornalista “deste tempo”? Que obrigações tem? !
Tem outras facilidades e outras obrigações. Quando eu comecei a trabalhar, não havia internet. Só comprávamos os jornais internacionais no dia seguinte e hoje podemos consultá-los constantemente e obter a informação em tempo real. Podemos utilizá-la para complementar a que temos. Torna tudo mais fácil, mas também aumenta a pressão sobre o jornalista. É verdade que a informação errada se propaga muito mais rapidamente na internet, mas a única diferença é mesmo a velocidade, porque sempre se cometeram erros, mesmo no papel. E muito mais difíceis de controlar, porque hoje posso corrigi-los imediatamente. Há muitos mitos em relação a isso. O que tem de marcar a cultura das redações – e dos próprios jornalistas – é a vontade de investigar e de trazer histórias novas. Mesmo das redações pequenas. O Observador, que tem uma equipa reduzida, já as trouxe. Temos de nos adaptar, temos de saber o que as pessoas estão a ler e o que as interessa. Uma das coisas boas da internet é que nos permite conhecer o comportamento do leitor. Não digo, com isto, que só devemos dar às pessoas aquilo que elas querem, sou contra esse tipo de jornalismo, porque invalida o propósito da profissão. Mas escolher por elas também não é a solução. A questão assenta, muitas vezes, na forma como apresentamos as coisas e nas preocupações das pessoas em relação a algum acontecimento.
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Entrevista a José Manuel Fernandes, publisher do Observador
? A edição diária digital do Expresso foi lançada também em maio e o Público implementou, em novembro do ano passado, uma paywall. São duas marcas de referência, já consagradas no mercado português. Como é que o Observador pretende “ganhar terreno”? ! Fazendo coisas novas e bem feitas. E, desse ponto de vista, os primeiros meses correram bem. Temos um site diferente, construído para ir ao encontro da forma como as pessoas consomem informação, aos seus hábitos na internet. E, apesar de termos uma equipa pequena, já apresentámos trabalhos jornalísticos diferenciadores, originais e com uma qualidade que tem vindo a ser reconhecida. E isso permite-nos crescer de forma sustentada. Obviamente começámos do zero e temos de trepar. É o que estamos a fazer, dentro dos objetivos definidos inicialmente. Acima até. O modelo que criámos adapta-se muito bem às necessidades de informação das pessoas e a reação do mercado foi boa, por isso estamos confiantes. Não tivemos de seguir o modelo do Público ou do Expresso.