UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES COMUNICAÇÃO VISUAL DESIGN
JOANE BARROS FERNANDES
O CAVALEIRO MEDO: PRÉ-PRODUÇÃO PARA CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO CUT-OUT DIGITAL
Rio de Janeiro 2016
JOANE BARROS FERNANDES
O CAVALEIRO MEDO: PRÉ-PRODUÇÃO PARA CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO CUT-OUT DIGITAL
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Comunicação Visual Design da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Visual Design. Orientadora: Prof. Dra. ELIZABETH JACOB
Rio de Janeiro 2016
Aos meus pais, que tem me ensinado a vencer o medo atravĂŠs da fĂŠ.
AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter me dado a vida e me capacitado para a realização deste trabalho. A minha família e amigos por todo o apoio e suporte. A minha orientadora Elizabeth Jacob por todo o direcionamento e incentivo que impulsionaram esse projeto e pelos sábios conselhos durante esse período de parceria. Aos demais professores que ao longo do curso contribuíram, cada qual com suas especialidades, para a minha formação e para ampliar minha percepção visual. A todos os meus amigos animadores, ilustradores e designers por compartilharem suas sugestões, observações técnicas, referências visuais e bibliográficas que foram tão valiosas.
RESUMO
A presente monografia descreve os processos empregados na realização da pré-produção do curta-metragem de animação cut-out digital O Cavaleiro Medo. As etapas que compreenderam esse processo são: Roteiro, Storyboard, Layout, Animatic, Color Script, Design de Cenários, Design de Personagens, Rig, Setup e Testes de Animação. O embasamento teórico de cada uma destas fases é abordado ao longo dos capítulos e demonstrado através de sua aplicação prática na realização do projeto. O trabalho apresenta um estudo introdutório acerca do tema Medo e como isto foi incorporado aos elementos do filme através de metáforas e simbologias. Aborda também o surgimento da técnica de animação cut-out digital, suas vantagens e como tem sido inserida no mercado internacional e brasileiro. Os 12 Princípios da animação são explicados através de exemplos de cenas do filme que foram animadas. A presente monografia se propõe a servir como material de referência para estudantes de animação e de auxílio para iniciantes que pretendem desenvolver produções autorais. Palavras-chave: Animação cut-out. Pré-produção. Medo.
ABSTRACT This monograph describes the processes employed in making the preproduction of the digital cut-out animation short film The Knight Fear (O Cavaleiro Medo). The steps that comprise this process are: Screenplay, Storyboard, Layout, Animatic, Color Script, Background Design, Character Design, Rig, Setup and Animation Tests. The theoretical basis of each of these stages is discussed throughout the chapters and demonstrated through its practical application in the realization of the project. The paper presents an introductory study on the subject Fear and how this was incorporated into the film elements through metaphors and symbols. It also discusses the arising of the digital cut-out animation technique, its advantages and how it has been incorporated into the international and Brazilian market. The Twelve Animation Principles are explained through examples of some of the movie scenes that were animated. This monograph aims to serve as reference material for animation students and assistance for beginners who want to develop authorial productions. Keywords: Cut-out animation. Pre-production. Fear.
Sumário 1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................8 2 SOBRE MEDO E ANSIEDADE...............................................................................10 2.1 Arte e Medo...........................................................................................................12 2.1.1 Temores sobre si mesmo ..................................................................................12 2.1.2 Temores Acerca Dos Outros .............................................................................14 3 O CAVALEIRO MEDO.............................................................................................18 4 ESCRITA DO ROTEIRO..........................................................................................22 4.1 Roteiro de O Cavaleiro Medo ...............................................................................24 5 STORYBOARD & ANIMATIC..................................................................................25 5.1 Do Storysketch ao Animatic..................................................................................28 5.2 Storyboard de O Cavaleiro Medo........................................................................31 6 COLOR SCRIPT......................................................................................................44 7 CENÁRIOS..............................................................................................................51 7.1 Travellings.............................................................................................................55 7.2 Panorâmicas Multi-perspectiva.............................................................................57 8 DESIGN DE PERSONAGENS.................................................................................61 8.1 Personagens De O Cavaleiro Medo....................................................................62 8.1.1 Rapaz.................................................................................................................62 8.1.2 Cavaleiro............................................................................................................66 8.1.3 Cavalo................................................................................................................68 8.2 Definição do Estilo Gráfico....................................................................................70 8.3 Cores.....................................................................................................................73 8.4 Design Final..........................................................................................................74 9 TÉCNICA DE ANIMAÇÃO CUT-OUT .....................................................................77 9.1 Rig.........................................................................................................................83 9.1.1 Deformation........................................................................................................86 9.1.2 Paletas de Cor....................................................................................................87 9.2 Setup.....................................................................................................................89 10 ANIMAÇÃO DE PERSONAGENS EM CUT-OUT DIGITAL..................................91 10.1 Storytellings (ST).................................................................................................92 10.2 Breakdowns (BD)................................................................................................94 10.3 Antecipações e Exageros....................................................................................98 11 CONCLUSÃO......................................................................................................102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................104 FILMOGRAFIA..........................................................................................................106
8 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho descreve os processos empregados na realização da pré-produção do curta-metragem de animação cut-out digital O Cavaleiro Medo. O filme será a adaptação de um pesadelo que Vicente, o pai da autora, teve há cerca de 30 anos, e foi motivado pelo desejo de abordar como tema alguma das emoções humanas. Existem diversos tipos de medo, que surgem diante de causas reais ou imaginárias. Qualquer pessoa já sentiu medo, o que faz dessa emoção um tema universal. A escolha deste tema visa ser um ponto de partida para que a audiência se identifique com o filme que, através das simbologias contidas na história, compartilha com o expectador uma abordagem metafórica do medo. Os objetivos do projeto incluíram realizar um trabalho autoral em que fosse possível aprofundar e aplicar conceitos visuais aprendidos ao longo do curso e estudar e executar todas as etapas necessárias para o planejamento de um curta-metragem a ser animado na técnica cut-out digital. Em cada uma das etapas, as escolhas foram feitas buscando transmitir e reforçar da melhor forma possível a essência do filme. A Pré-Produção inclui: Roteiro, Storyboard, Layout, Animatic, Color Script, Design de Cenários, Design de Personagens, Rig, Setup e Testes de Animação. Estas fases são abordadas de forma teórica e prática nesta monografia, visando tornar-se um material de consulta para estudantes de animação. O segundo capítulo, “Sobre Medo e Ansiedade”, descreve o que é o medo segundo a psicologia. Trata também dos tipos de medo e apreensões comuns no meio artístico nos subcapítulo “Temores sobre si mesmo” e “Temores Acerca Dos Outros”. O terceiro capítulo, “O Cavaleiro Medo”, apresenta uma visão geral deste projeto e as etapas que envolvem a realização de um filme de animação: Pré-Produção, na qual este projeto se foca, Produção e Pós produção. O quarto capítulo, “Escrita do Roteiro”, apresenta os princípios básicos de formatação e estilo de escrita de um roteiro. Inclui também o roteiro de O Cavaleiro Medo no subcapítulo “Roteiro de O cavaleiro Medo”. O quinto Capítulo, “Storyboard e Animatic”, inicia com uma descrição da função e importância do Storyboard para a construção da narrativa fílmica. O subcapítulo “Do Storysketch ao Animatic” apresenta o processo de elaboração do Storyboard desde os esboços iniciais até a finalização do Animatic. O subcapítulo “Storyboard de O
9 Cavaleiro Medo” explica os planos e sequências do filme, justificando as composições através de conceitos cinematográficos. O sexto capítulo, “Color Script”, define o que é e qual a relevância do Color Script para a definição das cores do filme, contribuindo para a definição da atmosfera e carga emocional de cada sequência. Mostra ainda a metodologia utilizada na criação do Color Script de O Cavaleiro Medo. O sétimo capítulo, “Cenários”, apresenta as referências visuais utilizadas, esboços, a definição visual dos cenários do filme e a metodologia aplicada na pintura dos mesmos. O subcapítulo “Travellings” mostra como é feito esse tipo de movimento de câmera em animação e os cenários do filme que foram projetados para tal. O subcapítulo “Panorâmicas Multi-perspectiva” trata deste tipo especial de cenários bidimensionais, que são calculadamente distorcidos no intuito de simular um movimento movimento de câmera tridimensional. O oitavo capítulo, “Design de Personagens”, fala sobre os parâmetros a serem levados em conta nesta etapa. O subcapítulo “Personagens do Curta” apresenta os 3 personagens do filme, passando por suas descrições psicológicas e físicas, referências visuais e esboços. O subcapítulo “Definição do Estilo Gráfico” mostra o processo de desenvolvimento de um estilo visual que se adequasse ao projeto trazendo unidade visual a personagens de temporalidades distintas. O subcapítulo “Cores” apresenta os testes, referências e a definição da paleta de cores dos personagens. O subcapítulo “Design Final” apresenta o line up e turn around da versão final dos personagens. O nono capítulo, “Técnica de Animação Cut-out” apresenta essa técnica e a transição de sua versão analógica até o surgimento de sua versão digital nos anos 90. Discorre sobre as vantagens desta técnica e como têm sido incorporada ao mercado internacional e brasileiro. Os subcapítulos “Rig” e “Set-up” descrevem o que são estas etapas e suas especificidades dentro da técnica de cut-out digital através de exemplos de O Cavaleiro Medo. O décimo capítulo, “Animação de Personagens em Cut-out Digital” apresenta os 12 Princípios da animação e suas definições através de exemplos de como foram aplicados em cenas de O Cavaleiro Medo. Os subcapítulos “Storytellings”, “Breakdowns” e “Antecipações e Exageros” descrevem estes quatro tipos de poses importantes ao movimento e suas especificidades no cut-out digital.
10 2 SOBRE MEDO E ANSIEDADE O medo é algo que nasce com o ser humano como uma ferramenta de autopreservação. É um comportamento natural que, quando em equilíbrio, visa prevenir riscos e evitar possíveis danos. Segundo o Dicionário de Psicologia da APA, o medo é: Emoção intensa causada pela detecção de uma ameaça iminente, envolvendo uma reação imediata de alarme que mobiliza o organismo pondo em marcha uma série de alterações fisiológicas, o que inclui acelerar os batimentos cardíacos, redirecionar o fluxo sanguíneo da periferia para as entranhas, tensionar os músculos e mobilizar o organismo em geral para agir. Segundo alguns autores, o mesmo difere da ansiedade por possuir um objeto (p. ex., um predador, ruína financeira), sendo uma ameaça proporcional à resposta objetiva, ao passo que a ansiedade geralmente carece de um objeto ou é uma resposta mais intensa do que a ameaça justifica. (AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2010, p. 585, grifos nossos)
A medicina diferencia medo e ansiedade, mas a maioria das pessoas costuma tratá-los como sinônimos. Na realidade é difícil distingui-los por se revelarem normalmente de forma simultânea. Para que o leitor entenda melhor, encontramos no dicionário a seguinte definição para a palavra medo: “Sentimento de grande inquietação ante a noção de um perigo real ou imaginário.” De forma muito semelhante, a palavra ansiedade é definida como “sensação de receio e de apreensão, sem causa evidente”; sinônimo de ânsia, aflição: “perturbação de espírito causada pela incerteza ou pelo receio”. Embora sejam definições técnicas, são importantes para percebermos a impossibilidade de distinção entre as duas palavras. Sendo assim, sempre que o medo está presente, a ansiedade se revela em plenitude, seja em evidentes sinais físicos, seja em sintomas psíquicos. O grande problema é quando essa duplinha inseparável (medo-ansiedade) foge de um padrão equilibrado e se torna incontrolável. Como tudo em medicina recebe nomes específicos, com direito a sobrenomes, foram denominados transtornos de ansiedade quando o medo excessivo e, consequentemente, a sua fiel companheira ansiedade passam a trazer prejuízos expressivos para a vida da pessoa. (SILVA, 2011, p. 17, grifos nossos)
O medo é saudável se existir na medida certa: a ausência de medo leva um indivíduo a expor-se a perigos desnecessários, e medo em excesso pode paralisálo e como consequência impedir que alcance um objetivo. O medo é externado pelo corpo através de uma série de reações e sinais físicos, como bem exemplifica o livro O Corpo Fala:
11 Figura 1 - Sinais fĂsicos do medo
Fonte: WEIL; TOMPAKOW, 2009, p. 72
12 2.1 Arte e Medo Existem muitos tipos de medo, e os mais diversos transtornos de ansiedade classificados ocupam uma série de páginas no dicionário de psicologia. Essa é uma das razões que torna relevante a abordagem deste tema. Este subcapítulo trata das apreensões mais comuns no meio artístico. O livro Art & Fear (BAYLES; ORLAND, 2001) descreve dois tipos observados: Fears about yourself and Fears about others.1 2.1.1 Temores sobre si mesmo Os temores sobre si mesmo tem muito a ver com perfeccionismo ou com a falsa ideia de que talento é algo puramente nato. É preciso ter em mente que “a arte envolve habilidades que podem ser aprendidas” 2 (BAYLES; ORLAND, 1993, p. 3), e isso demanda muito trabalho e perseverança. Para os autores do livro, a arte é raramente feita por gênios como Mozart, mas sim por pessoas comuns, que possuem defeitos como qualquer ser humano. Se a arte é feita por pessoas comuns, então você deve presumir que o artista ideal seria uma pessoa comum também, com toda a habitual bagagem mista de traços que os seres humanos reais possuem. Esta é uma grande dica sobre a arte, porque sugere que as nossas falhas e fraquezas, embora muitas vezes obstáculos para a conclusão de nosso trabalho, são uma fonte de força também. Algo sobre fazer arte tem a ver com superar certas coisas [...].3 (Id., 1993, p. 4, tradução nossa, grifo nosso)
O Artista não deve frustrar-se quando o resultado de seu trabalho não corresponder exatamente às suas expectativas iniciais. É preciso lembrar que, na produção da arte, os erros também são importantes e fazem parte do processo de descoberta e aprendizado. O storyboarder4 Ennio Torresan, em sua palestra Nas trincheiras do Storyboard no Anima Forum 2013 declarou:
1
Temores acerca de si mesmo e Temores acerca dos outros (tradução nossa) Artmaking involves skills that can be learned. 3 If art is made by ordinary people, then you’d have to allow that the ideal artist would be an ordinary person too, with the whole usual mixed bag of traits that real human beings possess. This is a giant hint about art, because it suggests that our flaws and weaknesses, while often obstacles to our getting work done, are a source of strength as well. Something about making art has to do with overcoming things [...] 4 Storyboarder é o artista que produz Storyboards. 2
13 “Todos os longa-metragens são feitos, pela primeira vez, totalmente errados. É assim que se pensa. Não sai certo da primeira vez. Esse é um exemplo de uma primeira versão ou de ‘como eu fiz errado’. Dez versões depois, vocês vão ver o que ficou na tela”, ele exibiu. “A diferença entre um e outro é absurda. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. No entanto, a ideia é mesma, não mudou. Às vezes, você escreve o roteiro e depois tem de voltar e reescrever tudo. Write and rewrite, board and reboard, é isso que as pessoas falam lá. Fazer o storyboard é refazer o storyboard. Você faz a versão errada até fazer a versão certa.” (TORRESAN apud MIRANDA, 2013, p. 28 e 29)
Mas é preciso entender que “versão certa” não significa “versão perfeita”. Num outro momento da mesma palestra, Ennio disse “O Storyboard não termina, ele para.” Os artistas às vezes são muito exigentes consigo mesmos, querendo melhorar e retocar enquanto for possível, o que pode levar a quebras de cronograma ou a trabalhos incríveis mas que nunca terminam. Um exemplo disso é o filme O Ladrão e o Sapateiro, do diretor e animador Richard Williams, o mesmo que dirigiu a animação do filme Uma Cilada para Roger Rabbit e escreveu o livro Animator’s Survival Kit. O filme O Ladrão e o Sapateiro é belíssimo, com uma animação primorosa, fluida e cheia de detalhes. Williams pretendia fazer desse filme a sua obra prima, e trabalhou nessa complexa animação por 28 anos. Porém aconteceram muitos percalços, que não caberia aqui descrever com detalhes, mas o fato é que o filme tornou-se impossível de ser terminado por questões de tempo e orçamento5. A versão que chegou ao público foi modificada e finalizada sem a participação de Williams. A versão mais próxima da intenção original do diretor foi montada por fãs e reúne animações finalizadas com pencil tests, clean-ups e storyboards. Essa é uma história trágica e polêmica mas que mostra o perigo do perfeccionismo. Há uma frase do animador brasileiro Marcelo Marão que diz “Filme bom é filme pronto”. [...] Imperfeição é não só mais um ingrediente na arte, mas sim um ingrediente essencial. Ansel Adams, alguém que nunca confundia imprecisão com imperfeição, sempre recordava o velho ditado “o ótimo é inimigo do bom”. Seu ponto era que se ele esperasse que tudo na cena estivesse exatamente certo, ele provavelmente nunca tiraria uma foto. Adams estava certo: “Exigir perfeição é um convite à paralisia.” 6 (BAYLES; ORLAND, 2001, p.30, tradução nossa, grifos nossos)
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A história de produção do filme O Ladrão e o Sapateiro pode ser vista no documentário Persistence of Vision (2012), de Kevin Schreck. 6 [...] imperfection is not only a common ingredient in art, but very likely an essential ingredient. Ansel Adams, never one to mistake precision for perfection, often recalled the old adage that “the perfect is the enemy of the good”, his point being that if he waited for everything in the scene to be exactly right, he’d probably never make a photograph. Adams was right: to require perfection is to invite paralysis.
14 Mesmo que um artista dê o melhor de si em uma obra, é normal que após algum tempo encontre nela defeitos ou detalhes que faria diferente. Isso é bom, e continuará acontecendo enquanto o artista se mantiver aprendendo e aprimorando suas técnicas ao longo da carreira. Por outro lado, se os anos se passam e seus primeiros trabalhos ainda lhe parecem absolutamente incríveis, talvez signifique que ele não evoluiu. 2.1.2 Temores Acerca Dos Outros O medo da reação das pessoas a um trabalho tem a ver com a busca por aprovação e aceitação. Mostrar sua arte, principalmente em trabalhos autorais, é se expor ao julgamento de outros e correr o risco de ser rejeitado. “Querer ser entendido é uma necessidade básica - uma afirmação da humanidade que você compartilha com todos à sua volta. O risco é temível: ao fazer seu trabalho de forma real, genuína, você dá à audiência o poder de negar o entendimento que você procura; você dá a eles o poder de dizer: você não é como nós; você é estranho; você é maluco.”7 (id., 1993, p. 39, tradução nossa)
Diante diante da importância dessa afirmação, é comum que haja um receio por parte do artista em compartilhar suas obras, seja em uma apresentação formal ou simplesmente da divulgação de seu portfólio. É o que a psicologia denomina ansiedade antecipatória. “A ansiedade antecipatória é a preocupação ou apreensão em relação a um evento ou situação que está para acontecer, devido à possibilidade de um resultado negativo , tal como perigo, azar ou julgamento adverso de outras pessoas [...].” (AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2010, p. 79, grifos nossos)
Esse medo se torna prejudicial quando paralisa o artista e o faz esconder ou desistir de seus projetos, ou ainda abdicar de suas próprias decisões, tornar-se dependente do público e alterar seu trabalho apenas visando maior aceitação. É claro que, quando há um cliente, trata-se de uma prestação de serviço e de demandas a serem cumpridas. Frequentemente serão pedidas alterações, e isso é perfeitamente normal pois, como foi dito, a primeira versão não precisa ser a certa. Ainda assim há
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wanting to be understood is a basic need — an affirmation of the humanity you share with everyone around you. The risk is fearsome: in making your real work you hand the audience the power to deny the understanding you seek; you hand them the power to say, “you’re not like us; you’re weird; you’re crazy.”
15 certa liberdade, que não deve ser castrada pelo medo. O cliente contrata o artista pelas soluções criativas que ele pode oferecer e, para isso, é necessário que ele as exponha. A interação com o cliente, colegas de trabalho, amigos ou outros profissionais e seus respectivos feedbacks costumam ser muito proveitosos para abrir os olhos do artista para coisas que ele não havia notado e levá-lo a direções que ele não encontraria sozinho. É extremamente enriquecedor discutir o trabalho com outras pessoas durante o seu desenvolvimento, e para isso é preciso tornar-se de certa forma vulnerável e enfrentar a apreensão de mostrá-lo mesmo inacabado e com eventuais erros ou problemas. Figura 2 – Cena do filme Curtindo A Vida Adoidado, 1986.
Fonte: <https://br.pinterest.com/pin/573223858799851491/>. Acesso em: 20 fev. 2016.
Nesta cena, o personagem Cameron Frye está numa galeria de arte observando a pintura pontilhista de George Seurat Uma Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte. Ao explicar a cena, o diretor John Hughes compara a reação do rapaz ao quadro com a sensação do diretor durante a produção de um filme. Explicando o estilo pontilhista - e produção de filmes, angústia adolescente e insegurança adulta - Hughes diz: “Eu sempre pensei nessa pintura como algo parecido com fazer um filme, o estilo pontilhista,” ele diz. “Você não tem ideia do que fez até dar um passo pra trás e olhar... Quanto mais ele [Cameron] olha para o quadro, não há nada lá. Ele tem medo de que quanto mais você olhe pra ele, menos você veja.”8 (JUDKIS, 2011, tradução nossa) 8
Explaining the pointillist style — and moviemaking, teenage angst and adult insecurity — Hughes says, “I always thought this painting was sort of like making a movie, the pointillist style,” he says. “You don’t have any idea what you’ve made until you step back from it... The more he looks at it, there’s nothing there. He fears that the more you look at him, the less you see.”
16 Quando o trabalho está pronto e seus problemas resolvidos, tudo faz sentido. Mas no início, quando as ideias ainda estão se ajustando, estamos tão imersos no problema que coisas óbvias são difíceis de enxergar. Pedir ajuda a pessoas que não estão tão diretamente envolvidas no projeto abre os nossos olhos pra ver justamente essas coisas óbvias que não notamos por não termos distância suficiente. Apesar desses benefícios, há momentos em que as opiniões de terceiros entram em conflito com as ideias originais do artista. Em todo caso, a decisão final depende do artista, que não deve ter medo de si mesmo e de suas convicções, mas ter coragem para ser fiel àquilo em que acredita. Jorge Gutierrez, diretor do filme Festa no Céu (Book of Life), em sua palestra no Anima Forum 2015, foi questionado sobre o limite entre manter-se fiel a sua arte e adaptar-se ao cliente. Eis a sua resposta: “Para mim, quando as mudanças são tão grandes que não vale a pena, o projeto não vai adiante. No melhor dos casos, tento fazer a mudança que pediram e vejo como uma oportunidade de tornar o meu projeto ainda melhor. Procuro fazer algo que melhore o trabalho para mim e para o estúdio. Por exemplo, se eles pedem uma mudança, você muda e odeia, você perde. Se eles pedem uma mudança e você não muda, eles odeiam, você perde de novo. A chave é conseguir fazer uma mudança que eles amam e você também.” (GUTIERREZ apud NIKOLAIEWSKY, 2015, p.22, grifo nosso)
Richard Williams, em seu famoso livro Animator’s Survival Kit (Manual de Animação), apresenta uma série de conselhos para aqueles que desejam produzir um filme. Abaixo segue um que é pertinente na superação tanto dos Temores Sobre Si Mesmo como dos Temores Acerca Dos Outros: Acredite no seu trabalho: uma outra grande coisa acerca do trabalho do Kurosawa é que ele acredita em seu próprio material. Ele confia na audiência e confia nele mesmo para contar sua história e permite à audiência chegar ao filme. Como um diretor, você deve acreditar no seu trabalho.9 (WILLIAMS, 2001, p. 335, tradução nossa, grifos nossos)
Em seu livro A arte não precisa de Justificativa, O filósofo e historiador da arte Hans Rookmaaker confirma esse pensamento ao discorrer sobre estilo: A arte jamais é neutra e, se quisermos discuti-la adequadamente, a totalidade de nossa humanidade sempre estará envolvida. [...] Com seu estilo, o artista revela quem é. [...] Devemos ter coragem de sermos nós mesmos, de 9
Believe in your material: Another great thing about Kurosawa is that he believes in his material. He trusts the audience and trusts himself to tell his story and allows the audience to come to the film. So as a director you have to believe in your material.
17 sermos honestos. Este é o requisito mínimo para qualquer obra de arte. Jamais devemos comprometer nossos princípios ou objetivos profundos. Além disso, não devemos simplesmente seguir as tendências da moda conforme elas vêm e vão. Isso pode ser negativamente “mundano” e demonstrar que não temos muito a oferecer por nós mesmos. É facilmente compreensível que os jovens artistas estão em busca de um estilo, que estão experimentando as possibilidades de expressão. Porém, uma vez encontrado, o estilo passa a representar quem eles são. Naturalmente, não significa que o estilo é imutável. Ele cresce com o artista em profundidade e abrangência. Em uma palavra, ele amadurece. Geralmente isso significa também simplicidade e direcionamento, pois complexidades são dominadas e o muito é introduzido em poucas imagens. (ROOKMAAKER, 2010, p. 66,67)
O amadurecimento do artista vem de dois fatores. Em primeiro lugar, de reconhecer sua humanidade, aceitando suas próprias limitações e buscando superá-las ao longo da carreira. Em segundo lugar, de acreditar em seu próprio trabalho sendo capaz de manter-se fiel à sua essência e de se permitir mostrá-la ao mundo.
18 3 O CAVALEIRO MEDO O Cavaleiro Medo é o projeto de curta-metragem de animação que foi motivado pelo desejo de produzir algo expressivo, que abordasse alguma das emoções humanas, de forma que o público pudesse se identificar com a história. O filme será a adaptação de um pesadelo que Vicente, o pai da autora, teve quando tinha cerca de 19 anos. O sonho, com fortes simbologias e muito rico em metáforas, foi tão marcante para ele que tornou-se uma memória que sobreviveu para ser contada. Essa memória mostrou-se em dado momento um bom argumento para uma animação e foi escolhida para ser a base deste TCC. Sua temática gira em torno do medo, definindo assim a emoção a ser abordada no filme. A definição de pesadelo do Dicionário de Psicologia da APA, reforça a presença do medo nos pesadelos: Sonho aterrorizante ou de outro modo perturbador, no qual medo, tristeza, desespero, aversão ou alguma combinação dessas formas de conteúdo emocional. Os pesadelos contém imagens visuais e algum grau de estrutura narrativa e tipicamente ocorrem durante o sono REM. O sonhador tende a despertar subitamente de um pesadelo e fica imediatamente alerta e consciente de seu ambiente [...]. (AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2010, p. 704, grifos nossos)
O fato de o sonho já possuir uma estrutura narrativa e imagens visuais é justamente o que faz dele um bom argumento. A partir desta organização já inerente ao sonho, a narrativa oral foi transcrita em forma de texto corrido. Em seguida, durante a formatação do roteiro, foram feitas pequenas alterações e alguns detalhes foram acrescentados para tornar a narrativa ainda mais interessante e bem clara quando contada visualmente. Apesar das modificações, o roteiro mantém-se fiel à essência do sonho. Fazer um filme animado envolve muitas etapas, que são divididas em Pré-Produção, Produção e Pós-Produção, como mostra a figura 3. Para adequar-se ao período de realização de um Trabalho de Conclusão de Curso, o presente projeto se restringe à fase de pré-produção, que é descrita de forma detalhada ao longo dos capítulos seguintes desta monografia.
Figura 3 – Organograma das etapas de um projeto de animação
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Fonte: Produzido pela autora, 2016
Cada projeto adequa essas etapas às suas necessidades específicas, havendo diferenças de um para outro sobre o que entra em cada uma destas 3 etapas. A produção dos cenários por exemplo é considerada parte da Produção em casos onde a animação é feita sobre os layouts10 e a finalização dos cenários é uma etapa posterior. Em O Cavaleiro Medo a finalização dos cenário fez parte da Pré produção, uma vez que foi anterior à animação dos personagens. Figura 4 – Organograma das etapas da Pré-Produção de O Cavaleiro Medo
Fonte: Produzido pela autora, 2016
Como pode ser observado na figura 4, a base do projeto é o roteiro. A partir do roteiro é feito o Storyboard11, onde a maior parte das modificações e definições quanto à narrativa e composição dos planos acontece. Paralelamente ao Storyboard 10
Layout: Etapa posterior ao Storyboard onde o cenário e o posicionamento dos personagens são desenhados com maior precisão, assim como os enquadramentos de câmera e a composição. 11 Storyboard: Quadros desenhados tradicional ou digitalmente para planejar os planos do filme, seus enquadramentos, composições e movimentos de câmera, e o ritmo das cenas.
20 foi feito o design dos personagens, que definiu as características físicas e psicológicas de cada um e o estilo visual do filme. A partir das versões iniciais do Storyboard pode-se começar a desenvolver os cenários. Neste projeto, após alguns estudos de forma e estilo, foi executada a etapa de layout, em que os cenários iam sendo definidos através de sua pintura em valores (preto e branco)12. Esses layouts foram incluídos na composição final do Animatic13, substituindo os primeiros desenhos do storyboard. Para o Animatic, foram gerados áudios guias dos efeitos sonoros e uma edição preliminar da trilha sonora. Em filmes que possuem diálogos se acrescenta também ao animatic a gravação das vozes, mesmo que provisória. Com a história e cada plano resolvidos, foi feito o Color Script, que é o mapeamento da paleta de cores do filme de acordo com a intensidade emocional de cada cena. Tendo as cores sido definidas, os cenários foram pintados e finalizados. Quando a parte de desenvolvimento visual da Pré-Produção termina, são gerados os arquivos necessários para a animação. Na técnica de animação cut-out, isso se divide em duas etapas: o Rig e o Set-up. O Rig é a transformação dos desenhos dos personagens em bonecos com articulações móveis e animáveis dentro do software escolhido. O set-up é a preparação de um arquivo neste mesmo software para cada plano do filme, contendo o cenário, o rig dos personagens em cena e o recorte do animatic referente àquele plano. O set-up é a última etapa da Pré-produção. Para a animação foi feito um cronograma de planos visando o reaproveitamento de poses e movimentos. Ou seja, na fase de produção o filme não será animado em ordem cronológica, mas na ordem considerada mais conveniente para a otimização da produção. Na Pós-Produção, as cenas animadas são renderizadas14 em alta qualidade e transferidas para um programa de edição, onde o filme é montado e são adicionados os efeitos de áudio e a trilha sonora. Após todos os testes e eventuais ajustes, todo o material é devidamente compilado para gerar a versão final do filme. A ordem em que os capítulos desta monografia são apresentados visa a
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LAYOUT: The black and white rendering done by a layout man that determines the basic composition of the scene. (THOMAS, 1991, p. 204) 13 Animatic: Versão em vídeo do storyboard. 14 Renderizar: Exportar uma cena de um software de criação para um arquivo de vídeo.
21 melhor compreensão das etapas do projeto, mas não representa necessariamente a ordem cronológica em que foram feitas. Durante a pré produção, muito da pesquisa e das escolhas de uma fase afetam as outras, como pode ser observado na Figura 4. O desenvolvimento dos Personagens, Storyboard, Animatic, cenários e color script foram feitos de forma concomitante. Em grandes produções isso também acontece pois há uma equipe designada para realizar para cada fase do projeto.
22 4 ESCRITA DO ROTEIRO Pensar visualmente o roteiro organiza a narrativa e facilita a fase de storyboard, onde eventualmente mais modificações ocorrem. A escrita de um roteiro é focada em ações, diálogos (quando houverem) e descrições de coisas, lugares ou pessoas. Escreve-se apenas o que pode ser mostrado na tela. Diferente de um romance por exemplo, o roteiro evita explicar o que o personagem está sentindo ou pensando, mas mostra isso através de ações, falas, posturas e linguagem corporal. Um romance poderia dizer que “A personagem estava impaciente para receber a mensagem tão esperada”. Um roteiro poderia mostrar isso indicando que “PERSONAGEM olha as notificações do celular enquanto escova os dentes”. Repetir três vezes em voz alta toda manhã esta citação de Tchekhov (em seus Cadernos de notas): “O melhor é evitar qualquer descrição de um estado de alma. É preciso tentar torná-lo compreensível pelas ações dos heróis”. (CARRIÈRE; BONITZER, 1996, p. 40, grifos do autor)
Além do tipo peculiar de escrita, há também um padrão de formatação. O roteiro normalmente é escrito com a fonte Courrier New tamanho 12 e é composto basicamente de cabeçalhos de cena, ação e diálogos. O Cabeçalho marca o início de cada cena. Indica o tipo de Local (interior ou exterior), o nome do local e o tempo (dia ou noite): EXT. PLATÔ - NOITE Para os diálogos, o nome do personagem vem em letras maiúsculas e centralizado e, abaixo, também centralizado, o que ele diz. “O diálogo é escrito no centro da página, de maneira que a fala do personagem forma um bloco no meio da página”. (FIELD, 1982, p.161) Este modelo específico de formatação não aparece no roteiro de O Cavaleiro Medo pois o mesmo não possui diálogos. As ações são escritas sempre no tempo presente. Mostram de forma objetiva o que acontece e as ações de cada personagem. Os personagens são primeiramente introduzidos na ação, e toda vez que um novo personagem for introduzido ele deve aparecer em LETRAS MAIÚSCULAS. A maioria dos personagens também devem ser descritos de forma resumida quando aparecem pela primeira vez. Essa descrição deve ser basicamente uma descrição física. (MASSARANI, SD)
23 Escrevendo o roteiro dessa forma busca-se chegar o mais perto possível do que aparecerá na tela. Porém um erro comum entre iniciantes é tentar prever no roteiro as posições e movimentos de câmera. O roteirista não é responsável por escrever POSIÇÕES DE CÂMARA e terminologia detalhada de filmagem. Não é a tarefa do escritor. O trabalho do escritor é dizer ao diretor o que filmar, não como filmar. (FIELD, 1982, p.158, grifos do autor)
Em filmes de animação é na etapa de Storyboard que se definem as composições, enquadramentos e movimentos de câmera de cada plano, cena e sequência. Em live action o roteiro é a base do filme, mas são feitas modificações ao longo das filmagens e posteriormente na montagem. Da mesma forma muita coisa pode ser tirada, acrescentada ou alterada durante o Storyboard, como será abordado com mais detalhes no próximo capítulo. “Dito de outra maneira, o roteiro representa um estado transitório, uma forma passageira destinada a se metamorfosear e a desaparecer, como a larva ao se transformar em borboleta.” (CARRIÈRE; BONITZER, 1996, p. 11)
24 4.1 Roteiro de O Cavaleiro Medo O CAVALEIRO MEDO roteiro de Joane Fernandes versão outubro/2015 EXT. PLATÔ - NOITE RAPAZ(19), magro, queixo proeminente, vestindo pijama e usando chinelos, olha para os lados tentando reconhecer onde está: no meio de um platô coberto de névoa. Um vento forte bate em sua direção e balança seu cabelo. Rapaz se vira e vê surgir uma nuvem densa e escura que se materializa em um CAVALEIRO medieval montado em um cavalo, vestindo armadura e segurando uma lança de justa apontada para Rapaz. Rapaz encara o Cavaleiro com expressão de medo. Cavaleiro dá um passo a frente e Rapaz dá um passo para trás. Cavaleiro dá outro passo a frente e Rapaz dá outro passo para trás. Cavaleiro dá mais um passo a frente, com mais rapidez e Rapaz dá outro passo para trás. Cavaleiro corre atrás de Rapaz enquanto Rapaz foge. Rapaz chega à extremidade do platô, se depara com um abismo e para. O Cavalheiro para apontando a lança para Rapaz. Ouve-se o coração de Rapaz batendo acelerado. Rapaz respira, olha para o Cavalheiro e lentamente dá um passo à frente. Cavaleiro dá um passo para trás. Rapaz observa surpreso e, ainda hesitante, dá mais um passo à frente. Cavaleiro dá mais um passo para trás. Rapaz dá outro passo à frente e Cavaleiro dá outro passo para trás. Rapaz começa a correr e Cavaleiro se vira começa a correr fugindo do Rapaz. Ambos continuam correndo até que chegam à outra extremidade do platô e cavalo e cavaleiro caem no abismo. Rapaz pára e vê Cavalo e Cavaleiro se transformarem em névoa e desaparecerem. Da névoa se dissipando surge o título do filme “O Cavaleiro Medo” FIM.
25 5 STORYBOARD & ANIMATIC O Storyboard é a primeira etapa para transformar um roteiro escrito em uma obra visual. Em cada idioma existe uma estrutura básica para a construção de uma frase. Se as palavras ficam soltas em uma ordem aleatória, a frase não faz sentido e dificilmente será compreendida corretamente. Da mesma forma, existe uma linguagem fílmica: Uma gramática visual que foi sendo desenvolvida ao longo da história da arte e do Cinema. Há uma maneira de unir as cenas, há certas formas de enquadrar e mover as imagens e modos de mover a câmera. Isso é parte do que chamamos de linguagem do filme. Mas a questão acerca da linguagem fílmica é que quando você não a conhece as coisas ficam difíceis. Se você vai a qualquer lugar sem conhecer o idioma, terá muita dificuldade em obter o que quer. Ao entender a linguagem fílmica estaremos realmente habilitados a manipular todas as ferramentas do storyboard ao nosso favor.15 (COHEN, 2012, tradução nossa)
Assim como um autor procura as melhores palavras para escrever um livro, um diretor procura as melhores composições para montar seu filme. Ao digitar um texto, o autor pode escrever e reescrever as frases quantas vezes forem necessárias para chegar a um texto satisfatório, mas em animação é diferente. Animar várias vezes um filme num processo de tentativa e erro é algo inviável, que demandaria muitos recursos, tanto materiais como de mão de obra. Há muitas pessoas, máquinas, tempo e dinheiro envolvidos, e que não podem ser desperdiçados. Por isso existe a etapa de pré-produção, que compreende toda a preparação necessária para que o filme seja animado com o mínimo de erros possível. É na etapa de Pré-produção que entra o Storyboard. Em animação o Storyboard define cada cena do filme, prevendo a composição e a sequência de todos planos e todos os movimentos de câmera. Se assemelha muito a uma história em quadrinhos, porém não apresenta balões de fala e todos os quadros têm o mesmo tamanho, o da câmera. Descrições por escrito vem abaixo ou ao lado de cada quadro, dependendo do estúdio, mas sempre fora do quadro principal para não interferir na composição.
15
There’s a certain way that shots are put together, a certain ways that images are framed and moved and the way that the camera moves, and it’s part of we call, again, film language. But the thing about film language is that if you don’t know the language that’s when it gets difficult. If you go any place you don’t know the language you’re gonna have a very hard time getting what you want. So, by understanding the language we’re going to really be able to manipulate all the tools of the storyboard to our advantage.
26 O que nós fazemos é editar o filme antes de iniciar a produção. E usamos desenhos de storyboard para fazer isso. Nós rapidamente nos livramos da página escrita e do roteiro, e desenvolvemos o filme em storyboards. Uma versão em quadrinhos da história. [...] E quando algo parece estar funcionando bem, nós passamos para o sistema de edição e fazemos uma versão do filme usando ainda os desenhos dos storyboard. [...] Eu nunca vou deixar algo entrar em produção, a menos que esteja funcionando de forma fantástica na versão com os desenhos. Porque não importa quão boa seja a animação que você pode fazer, ela nunca vai salvar uma história ruim. Vamos trabalhar e retrabalhar e retrabalhar e retrabalhar esses filmes [...] porque acreditamos que é a história que entretém o público. Não é a tecnologia. Não é o visual. É a história.16 (LASSETER, Pixar Animation Studio Site, tradução nossa) Figuras 5 e 6 - Exemplos Storyboard: Cenas dos filmes Tarzan (Disney, 1999) e Valente (Pixar, 2012).
Fonte: Disponíveis em: <https://br.pinterest.com/pin/323133341990187353/> e <https://br.pinterest.com/pin/515943701036119703/>. Acessos em: 5 ago 2016.
Nota importante: A nomenclatura cinematográfica define cena como uma série de eventos que ocorrem em um ambiente num determinado espaço de tempo, contendo um ou mais planos. Um plano compreende uma porção da cena em que não 16
What we do is we edit the movie before we start production. And we use storyboard drawings to do that. We quickly get away from the written page and the script, and we really develop the movie in storyboards. A comic book version of the story. [...] And when something seems to be working great then we’ll go on to the editing system and we will make a version of the movie using the still storyboard drawings. [...] I will never let something go into production unless it is working fantastic in that version with the still drawings. Because no matter all the great animation you can do will never save a bad story. We will work and rework and rework and rework these reels [...] because we believe that it’s the story that entertains audiences. It’s not the technology. It’s not the way something looks. It’s the story.
27 há corte de câmera. Cada corte marca o início de um novo plano. Porém, em animação, inclusive no mercado brasileiro, é comum haver uma inversão de nomenclatura: Chamase cena o equivalente em cinema a plano, e chama-se de painel um novo storytelling17 dentro de um mesmo plano (nomenclatura do cinema) ou cena (nomenclatura de animação). Resumindo: Cena em animação = Plano em cinema Painel em animação = Storytelling O exemplo da figura 7 mostra uma mesma cena (não há mudança de cenário) com 2 planos (há apenas 1 corte de câmera). A nomenclatura observada nos quadros é, respectivamente: Cena 37 painel B, Cena 37 painel C, Cena 38 painel A, Cena 38 painel B, Cena 38 painel C. Figura 7 - Exemplo de Storyboard com a nomenclatura de animação Cena/Painel (Scene/ Panel)
Fonte: Montagem feita com capturas de tela do vídeo Storyboarding - 10 - Still More Poses. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=9AQLo3Ds4bc> Acesso em 11 ago. 2016
O texto desta monografia manterá a nomenclatura original de cinema, mas consideramos importante deixar clara a existência dessa inversão para evitar a má interpretação de outros trabalhos ou exemplos. 17
Storytelling: Desenho do personagem em uma nova pose que é essencial para contar a história.
28 5.1 Do Storysketch ao Animatic O storyboard começa com o storysketch: uma série de desenhos mais soltos em forma de thumbnails, onde pode-se rapidamente fazer diversos testes de composição, poses e ritmo entre planos abertos e fechados. Nessa etapa não há ainda a preocupação com personagens e cenários bem desenhados pois o objetivo não é uma versão finalizada de cada quadro, mas ver o que funciona bem para o filme e descartar o que não funciona sem que haja desperdício de tempo. O primeiro storysketch de O cavaleiro Medo foi feito antes mesmo da definição do design final das personagens, em quadrados de papel e post-its, que podiam ser facilmente reorganizados ou substituídos. Colocar esses pequenos quadros lado a lado possibilita uma visão geral do filme. Os quadros devem funcionar tanto individualmente como em sequência para garantir que a história seja contada de forma clara e que flua com um bom ritmo, adequado à narrativa. Figura 8 - Storysketchs para O Cavaleiro Medo
Fonte: Produzido pela autora, 2015 e 2016
A partir do storysketch é feito o Storyboard, que é uma versão mais detalhada dos quadros e que indica melhor os personagens e cenários. Define de forma
29 mais precisa as composições de cada plano utilizando, por exemplo, a regra dos terços. O Storyboard de O Cavaleiro Medo foi feito digitalmente no Toon Boon Harmony 10, por ter as ferramentas necessárias para a transição para o Animatic, que é quando os quadros do storyboard são postos em sequência numa linha do tempo para formar um filme. Figura 9 - Exemplo de uso da regra dos terços no Filme Os Incríveis (Pixar, 2004). Os pontos onde as linhas se cruzam são chamados de pontos de interesse.
Fonte: <http://flooby--nooby.tumblr.com/post/74192878620/the-cinematography-of-the-incrediblespart-3> Acesso em: 11 ago. 2016.
Entre o Storyboard e o Animatic final entrou a etapa de layout, em que o desenho final do cenários é feito,ainda em preto e branco, baseado nas indicações do storyboard. O capítulo 7, referente aos cenários, explica de forma detalhada como foram feitos os layouts de O Cavaleiro Medo. O artista do layout é responsável pela aparência dos quadros cena a cena, e do filme como um todo. Ele projeta os cenários, sugere um padrão de ação para o animador, indica posições de câmera para enquadramentos e cortes mais eficazes que irão contar a história da forma mais interessante.18 (JOHNSTON; THOMAS, 1995, p. 213, tradução nossa)
A importância do Animatic é principalmente definir a ordem e a duração de cada plano para determinar o ritmo do filme, além de testar os movimentos de câmera. É também no Animatic que o filme tem seu primeiro contato com o som: São acrescentadas vozes guias (quando há diálogos), efeitos sonoros e até mesmo trilhas sonoras provisórias que transmitam as sensações desejadas para o filme.
18
The layout man has the responsibility for the appearance of the the picture, scene by scene, and as a total film. [...] He designs the backgrounds, suggests the pattern of action for the animator, indicates camera positions for the most effective shot and the cutting that will tell the story in the most entertaining way.
30 O Cavaleiro Medo não tem falas, por isso não houve a etapa de gravação de vozes. Houve apenas a gravação de um guia de áudio para marcar os tempos das ações e uma edição preliminar da trilha sonora para compor a versão final do animatic. Foi utilizada A música Full On, de Kevin MacLeod, disponível no site incompetch. com e licenciada sob os direitos de Creative Commons por atribuição19. Neste tipo de Licenciamento a música pode ser usada e editada gratuitamente desde que sejam atribuídos os devidos créditos ao compositor. A figura 10 exemplifica esse processo de evolução de um plano, do Storysketch ao Animatic: A - Storysketch do plano escolhido para mostrar que o Rapaz chegou ao abismo. B - Storyboard versão 1. Foi acrescentado um primeiro plano para dar profundidade. C - Storyboard versão 2 aprimorando a composição e o ângulo da câmera para dar uma melhor dimensão do tamanho do abismo. D - Layout a partir de C. E - Frames do Animatic mostrando o movimento de zoom out da câmera. Figura 10 - Exemplo de evolução de um plano do Storysketch ao Animatic
Fonte: Produzido pela autora, 2015 e 2016 19
Full On Kevin MacLeod (incompetech.com). Licensed under Creative Commons: By Attribution 3.0 License. <http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/>
31 5.2 Storyboard de O Cavaleiro Medo Todos os quadros do Storyboard devem ser pensados para contribuir com a narrativa. Ao desenvolver cada plano decide-se o que mostrar e como mostrar. “Se uma imagem vale mais que 1001 palavras, como evitamos sobrecarregar o público e fazemos com que vejam o que queremos? É simples: Apontamos a câmera para o nosso tema e escolhemos o que vai em quadro.”
20
(GLEBAS, 2009, p. 30, tradução nossa)
Closes e câmeras mais fechadas dão enfoque ao que está sendo falado ou sentido, enquanto câmeras mais abertas voltam a atenção aos movimentos dos personagens ou para a ambientação dos cenários. Uma edição mais dinâmica, com muitos cortes e planos mais curtos funciona bem para cenas de ação e tensão. Planos mais longos são bons para cenas mais calmas. Algumas vezes, mostrar a reação dos personagens a um evento pode ser mais impactante do que mostrar o evento em si. Seqüências de ação são cortadas muito rápido, com cenas às vezes de apenas alguns frames de comprimento e com uma mudança frenética entre close-ups e planos mais amplos. Cenas mais longas e movimentos de câmera mais lentos são usados em sequências de ritmo mais tranquilo.21 (BACHER, 2008, p. 74, tradução nossa)
Além de todos esses conceitos de linguagem cinematográfica, devem ser levadas em consideração as características e limitações do projeto, de acordo com o orçamento, a equipe e o tempo disponível. Quando filmes são analisados, é muito interessante ver e comparar seu ritmo visual, o número de planos mais abertos comparado ao de closes e o número de personagens envolvidos em cada um desses planos. Isso é muito importante para o orçamento do filme. Quanto mais personagens você tem para animar, mais caro será fazer seu filme. Planejar cuidadosamente nos estágios iniciais irá manter os custos baixos. Não é tão difícil resolver uma cena de forma inteligente em tamanho e ritmo, onde nem se nota que na maior parte do tempo apenas um personagem está na tela. Assim você pode gastar seu orçamento extra em establishing shots22 e sequências de ação com vários personagens envolvidos em planos gerais.23 (Ibid., p. 65, tradução nossa, grifos nossos) 20
If a picture is worth 1001 words, how do we keep from overwhelming the audience and get them to see what we want them to? It’s simple: We point the camera at our subject and choose what goes in the frame. 21 Action sequences are cut very fast, with scenes sometimes only a few frames long and with a very hectic change of close-ups and wider shots. Longer scenes and slower camera movements are used in slower-paced sequences. 22 Establishing shot: Plano geral que ocorre normalmente no início de uma cena e tem a função de situar o espectador mostrando o cenário onde se passará a cena. 23 When movies are analyzed, it is very interesting to see and compare their visual rhythm, the number of wider shots compared to the close-ups, and within these shots the numbers of characters
32 A Decoupagem com maioria de planos e contraplanos mais fechados neste projeto foi um recurso que, além de otimizar a quantidade de animação, dá ênfase dramática às cenas e destaque aos personagens. A seguir encontra-se a descrição por planos da versão final do Storyboard. É interessante também comparar o Storyboard com o Roteiro e ver as mudanças que foram feitas a fim de aprimorar a narrativa. O Filme se baseia em um pesadelo em que o Rapaz se vê de repente em um platô e, como acontece normalmente nos sonhos, não se sabe como ele foi parar lá. Além disso, a história não simboliza algum medo específico, mas é uma metáfora para qualquer tipo de medo. Por isso não acrescentamos nenhum contexto ou história paralela do Rapaz e ele é introduzido subitamente no contexto do sonho. Figura 11 - Planos 1 a 5
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Para representar isso, o Plano 1 é um extreme close-up do Rapaz deitado com a cabeça num travesseiro fechando os olhos como quem acaba de pegar no sono. É um plano bem fechado, e o travesseiro pode até não ser identificado por todos os espectadores ao assistirem pela primeira vez, mas isso não afeta o entendimento do filme, pois o foco é o medo, que está presente não só nos pesadelos mas também no cotidiano. Não queríamos que o fato da narrativa ser um sonho fosse algo óbvio, então escolhemos dar apenas algumas pistas, como o travesseiro, a roupa do rapaz que é um pijama24, e os próprios acontecimentos não tão realistas. Há então um corte brusco para o Plano 2, onde a câmera permanece praticamente no mesmo enquadramento: Há apenas uma leve aproximação e o cenário é substituído involved. This is very important for the budget of your movie. The more characters you have to animate, the more expensive your movie will be to make. Careful planning in the early stages will keep the costs down. It is not too difficult to work out a smart scene- and size-rhythm where you don’t even notice that most of the time only one character is on the screen. Then you can spend your extra budget on establishing shots and action sequences with lots of characters in long- and wide-shots involved. 24 Detalhes sobre a indumentária na sesão 8.1.1 Personagens de O Cavaleiro Medo.
33 pelo das cenas seguintes, mas por enquanto só se vê o céu. No Plano 2b o rapaz olha para o lado, motivando o corte para o Plano 3, que é uma panorâmica do cenário representando o seu ponto de vista. O Plano 4, uma versão mais aberta do Plano 2 (Close-up), mostra o rapaz ainda tentando se localizar. Ele vira-se para o outro lado e segue-se a segunda panorâmica de P.O.V. no Plano 5.
Figura 12 - Planos 6a e 6b
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
No plano 6 vemos pela primeira vez o personagem de corpo inteiro (long shot), onde o Rapaz repete o movimento de cabeça de olhar em volta. Nesse plano e na maioria dos planos seguintes do rapaz, a linha do horizonte está na diagonal na intenção de transmitir desconforto. Além disso ele aparece pequeno na tela para mostrar sua vulnerabilidade nesse ambiente inóspito. O roteiro, o humor e ação na cena, assim como o que aconteceu antes e o que vai acontecer na próxima cena vão dar as chaves para a composição. Cenas agitadas e orientadas para a ação são tratadas diferentemente de cenas pacíficas e românticas. É surpreendente como uma câmera ligeiramente inclinada indica que algo perturbador pode acontecer.25(BACHER, 2008, p. 74, tradução nossa, grifo nosso)
Iniciar o filme com essa sequência de câmeras que vão se abrindo aos poucos (Planos 1 a 6) visa transmitir ao público a mesma sensação de tensão do Rapaz, que não tem uma noção precisa de onde está. Após alguns testes, percebemos que essa abordagem contribuía mais para a narrativa do que a inclusão um grande plano geral/establishing shot (Figura 13), que acabava quebrando o ritmo do filme. 25
The script, the mood and action in your scene as well as what has happened earlier and what will happen in the next scene will give you the keys for your composition. Hectic and actiondriven scenes are treated differently from peaceful, romantic scenes. It is amazing that a slightly tilted camera angle indicates that something disturbing might happen.
34 Figura 13 - Establishing shot que foi removido do Storyboard
Fonte: Produzido pela autora, 2015 e 2016.
O curta Balance (1989)26, de Christoph e Wolfgang Lauenstein, vencedor do Oscar de Melhor Curta-metragem, foi usado como referência para essa sequência inicial por também começar com câmeras fechadas que vão se abrindo ao longo do filme. Figura 14 - Planos iniciais do filme Balance, 1989.
Fonte: Montagem feita pela autora com capturas de tela do filme. Roteiristas, diretores e editores podem ser encorajados a evitar padrões incomuns de pergunta e resposta por se acreditar erradamente que os resultados ficarão mais claros para o público. Um exemplo disso é o clássico plano de ambientação na abertura de uma cena [...] Esse padrão familiar apenas nos mostra o que já esperamos e faz pouco para elevar as expectativas ou contribuir para a narrativa. Se, no entanto a introdução é composta por cenas separadas que levantam questões, então o espectador fica envolvido em ligar essas peças para formar um significado.27 (KATZ, 1991, p. 151, tradução nossa, grifo nosso)
26
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1CTesYaduBA>. Acesso em: 12 ago. 2016. Screenwriters, directors and editors may be encouraged to avoid unusual Q and A patterns because it is mistakenly believed that the results will be clearer to an audience. An example of this is the classic establishing shot at the opening of a scene. [...] This familiar pattern merely show us what we already expect and does little to raise expectations or contribute to narrative motion. If, however, the introduction of the theater is composed of separate shots that raise questions, then the viewer is engaged in connecting this pieces to form a meaningful statement.
27
35 Figura 15 - Planos 6c a 12b
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
No Plano 6c começa um vento forte e o Rapaz se encolhe na tentativa de se proteger. No Plano 7 a câmera se aproxima para mostrar com mais clareza as expressões corporais e faciais do Rapaz. Ele está posicionado no terço esquerdo da tela e, com a chegada de uma nuvem escura que o cobre totalmente, ele olha para fora de quadro, motivando o corte para o Plano 8, que nos revela o que ele vê: Uma silhueta em meio a uma nuvem escura. O Plano 9 mostra numa câmera de detalhe a reação do rapaz ao dar um passo para trás, mas no Plano 10 a figura misteriosa começa a se aproximar. O Plano 11 volta ao rapaz num plano inteiro e vemos a repetição do movimento anterior de recuo. No Plano 12, contra-plano do 11 e continuação do 10 e do 8, a fumaça se dissipa revelando O Cavaleiro. Esse planos de apresentação da personagem do Cavaleiro tem um composição equilibrada, centralizada e tendendo à simetria e a linha do horizonte é reta e baixa. Dessa forma, contrastam com os planos diagonais do rapaz e transmitem força, autoridade e superioridade ao Cavaleiro. A linha do horizonte nos planos do rapaz é alta, de forma que há pouco espaço de céu e o cenário o sufoca. Figura 16 - Planos 13 e 14
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
No Plano 13 o Rapaz começa a ser tomado pelo desespero. Sua respiração fica ofegante e, conforme ele recua, é coberto pela sombra do Cavaleiro que avança sobre ele (13b). A câmera, ainda em diagonal e bem fechada, transmite a sensação de confinamento: Ele está encurralado e ameaçado pela lança apontada em sua direção. O Plano 14 é um Up shot (Contra-Plongé) do Cavaleiro, uma forma clássica
36 de engrandecer um personagem poderoso e aterrorizante. “Não é por acaso que se tem uma câmera de posicionada de baixo para cima para um Up-shot. Você quer enfatizar uma situação de risco [...].”28 (BACHER, 2008, p. 62, tradução nossa) A partir do plano 14, o Cavaleiro estará sempre posicionado à direita da tela para reforçar a relação espacial entre ele e o Rapaz que, por sua vez, ocupa sempre o lado esquerdo da tela. É importante que essas relações estejam claras para não confundir a audiência e para manter a coerência do filme. “Cortes são permitidos ao longo de uma linha invisível de 180° que liga os personagens - O cruzamento dessa linha é chamado de JUMP CUT.”29 (Ibid., p. 64, tradução nossa) Em português esse erro se chama Quebra de Eixo, que é quando um personagem aparece posicionado ou virado para um lado que não corresponde ao que foi mostrado previamente. A figura 17 mostra que quando um personagem está olhando para a esquerda, o melhor é que esteja posicionado à direita da tela (Best!) ou no centro (Right!). Se no meio da sequência há um enquadramento em que ele está virado para a direção oposta (Wrong!), isso configura uma quebra de eixo. Figura 17 - Estabelecendo relações entre personagens. Tradução das legendas: Certo! Errado! Melhor!
Fonte: Reprodução de imagem do livro Character Animation Crash Course! (GOLDBERG, 2008, p. 94) [...] lembre-se de mantê-los olhando na direção certa para estabelecer as relações. [figura 17] Um pouco de ar na tela é melhor: caso você corte para um Close Up do outro personagem, as silhuetas deles não vão ter tanta sobreposição de um corte para o outro.30 (GOLDBERG, 2008, p. 94, tradução nossa, grifos nossos)
28
It is not accidental to have a low positioned camera for an upshot. You want to emphasize a threatening situation [...]. 29 Shots are allowed along a 180° invisible line connecting the characters – the crossing of this line is called a JUMP CUT. 30 [...] remember to keep them facing in the right direction to the established relationship: [figura 17] A little air on the left of the screen is best: in the event you cut to a C.U. of the other guy, their body shapes won’t overlap so much from cut to cut.
37 Figura 18 - Planos 15 e 16
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
O Plano 15 é um Ponto de vista do Cavaleiro e usa-se o artifício de mostrar as grades do elmo em primeiro plano como uma metáfora para o aprisionamento causado pelo medo. Em 15b o rapaz olha para traz antecipando seu próximo movimento que é se virar para fugir em 15c. Como resultado, no Plano 16 o Cavaleiro começa a correr atrás do Rapaz. Este é o primeiro plano a mostrar ambos os personagens juntos na tela. Escolhemos que essa corrida se daria da direita para a esquerda para aumentar a dificuldade de fuga do rapaz. Entre os movimentos “horizontais” (panorâmicas), movimentos de câmera da esquerda para a direita são mais aceitos. É nossa direção de escrita e de leitura. Sabendo disso, o movimento oposto da direita para a esquerda pode ser usado de forma mais dramática.31 (BACHER, 2008, p. 81, tradução nossa) Figura 19 - Planos 17 e 18
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Num outro enquadramento da corrida, o Plano 17 mostra a cabeça do Cavalo e a lança do Cavaleiro em primeiro plano, fazendo com que fiquem maiores na tela, realçando sua superioridade. A perspectiva faz com que o rapaz apareça ainda menor enfatizando sua desvantagem. Além dos aspectos narrativos, esse é um enquadramento inteligente em termos de produção pois suprime a necessidade de animar o cavalo inteiro e o cavaleiro. O plano segue num travelling32 diagonal até que 31
Among the “horizontal” movements (pans), camera moves from left to right are more accepted. It is our writing and reading direction. Knowing this, the opposite move from right to left can be used more dramatically. 32 Quando a câmera se move paralelamente ao objeto filmado. O capítulo 7.1 desta monografia apresenta detalhes da execução desse movimento de câmera em animação.
38 em 17b temos a visão do precipício se aproximando. O Plano 18, como é explicado na figura 19, mostra o momento em que o Rapaz percebe o precipício e para bruscamente. A composição e o movimento de câmera evocam dimensão da altura e a sensação de vertigem pois em pouco frames o zoom out mostra tanto a reação do rapaz como a lateral do platô. Inicia-se o momento de maior tensão do filme. Normalmente, o clímax de um filme é construído por imagens que criam a tensão. Ângulos de câmera inclinados, os contrastes mais fortes na luz e sombra, um ritmo bem planejado de closes e planos mais abertos, bem como uma composição perturbadora de detalhes do cenário nos conduzem até lá.33 (Ibid., p. 78, tradução nossa) Figura 20 - Planos 19 a 22
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
O Plano 19 é uma versão mais fechada do Plano 17. A omissão da figura do cavalo, mais o movimento de aproximação e subida e descida da câmera simulando a corrida do cavalo transformam o plano 19 num ponto de vista do Cavaleiro. Enquanto temos essa sensação do cavalo se aproximando, o Rapaz está completamente encurralado entre o abismo e o Cavaleiro. Ele olha para trás e olha de novo para o abismo, motivando o corte para o Plano 20 que é o seu ponto de vista. O enquadramento diagonal mostra os pés apontados para o abismo no canto inferior esquerdo do quadro, o que dá uma sensação de instabilidade maior e de que está prestes a cair. Para a esquerda por ser a direção que o rapaz vinda correndo e para baixo por ser a direção da queda. O Plano 21 volta ao rapaz que, sem solução entre o medo da queda e o medo do Cavaleiro, apenas fecha os olhos, numa forma não literal de fuga do conflito. 33
Usually the climax of a movie is built by images that create tension. Tilted camera angles, harsh contrasts in light and shadow, a well-planned rhythm of close-ups and wider shots, as well as a disturbing composition of background details lead us there.
39 [...] a resposta de medo visa remover a pessoa ou animal da situação de perigo, seja pela retirada explícita ou por comportamentos de enfrentamento, tais como fechar os olhos e evitar a visão do estímulo causador de medo. As respostas fisiológicas variam conforme a situação e a proximidade da ameaça. (AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2010, p. 811)
A câmera fecha no Plano 22 (Close up) para enfatizar esse momento e no plano 22b a tela escurece bruscamente. Por um instante, nem o rapaz nem o público sabem o que aconteceu. Figura 21 - Planos 23 a 33
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Então chegamos ao Plano 23: Em Close, o Rapaz ainda encolhido abre apenas um olho e se surpreende com o que vê. A câmera se abre e vemos no Plano 24 o que motivou a surpresa: O cavaleiro está parado. Nessa composição a tela se divide entre as duas ameaças: à esquerda o abismo e à direita o Cavaleiro, cada um num ponto focal segundo a regra dos terços. No Plano 25, o rapaz novamente em close e ainda sem entender a situação olha mais uma vez para o abismo (Plano 26) e para o Cavaleiro (Plano 27). Como que comparando as duas ameaças, decide evitar uma ao enfrentar a outra: Dá um passo em direção ao cavalo no plano 28. Surpreendentemente, o cavaleiro recua e os planos 29 e 30 mostram o rapaz ainda mais pasmo e o cavalo inquieto. No plano 31 o rapaz com um pouco mais de coragem dá outro passo em direção ao cavaleiro. A linha do horizonte é um pouco mais alta para dar espaço a esse movimento e a câmera enquadra o rapaz de frente mostrando que ele deixa o abismo para trás. No Plano 32 vemos que o abismo deixou de ser uma ameaça pois já não aparece na composição. Essa progressão pode ser observada ao se comparar os planos 24, 28 e 32 que tem um mesmo ângulo mas a câmera foi
40 se fechando. Nesses 3 planos, a linha do horizonte está reta para mostrar que nesse momento há um equilíbrio de forças entre o Rapaz e o Cavaleiro. O Cavaleiro recua novamente e no Plano 33 o rapaz tem uma expressão de confiança. Figura 22 - Planos 34 a 37
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Os Planos 34 e 35 mostram em detalhe a questão central do filme: Os movimentos do Cavaleiro Medo são apenas um espelho dos movimentos do Rapaz. O plano 9 mostra que Rapaz foi o primeiro a recuar, já que no plano 8 a silhueta estava parada. Quanto mais ele recua, mais o cavaleiro avança. Segundo o Dicionário de Psicologia da APA, diante do medo há uma “Reação de luta ou fuga”, que é a “resposta emocional e visceral a uma emergência que visa mobilizar energia para atacar ou evitar o estímulo agressor.” (Ibid., p. 784, grifo nosso). A princípio o Rapaz tem reações de fuga (recuar, correr e fechar os olhos), mas vai percebendo passo a passo que pode enfrentar o medo. Agora ciente disso, o rapaz avança confiante no Plano 36 . A câmera de baixo para cima o empodera e é a resposta ao plano 14. O Plano 37 é a resposta ao plano 17: dessa vez o rapaz fica grande em primeiro plano e o Cavaleiro é diminuído pela perspectiva e mais ainda ao dar mais um passo para trás. A diagonal agora para o outro lado deixa claro que a situação se inverteu e que o Rapaz se tornou mais forte que Cavaleiro Medo. Figura 23 - Planos 23 a 33
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
No Plano 38, ainda em Up shot como no 36, o rapaz começa a correr, agora da esquerda para a direita, seguindo-se o Plano 39 que é a versão oposta do plano 16. Comparando os dois, o 38 é mais aberto pois não há mais a sensação de confinamento. O rapaz tem literalmente mais espaço na tela para correr e a vantagem de seguir em nossa direção de leitura, o que torna o movimento mais confortável. No
41 39b vemos a outra ponta do platô e no Plano 40 e o cavaleiro salta em câmera lenta. No Plano 41 vemos sua queda no abismo. Ao cair, ele se transforma em uma névoa negra. Durante o desenvolvimento do storyboard, chegou-se cogitar se esse não seria um final muito cruel, e numa outra versão o Cavaleiro viraria fumaça ainda no plano 39b, sem mostrar a sua queda. Mas concluímos que o plano 40 era importante porque a queda do Cavalo com o Cavaleiro não representa um assassinato ou o sacrifício de um animal inocente. Não é literal, significa que o rapaz finalmente venceu completamente seu medo. O medo precisava morrer. Cavalo e Cavaleiro são simbólicos e esse plano contribui para uma catarse das emoções provocadas. Figura 24 - Planos 40 a 44
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
No Plano 42 a nuvem negra originada da queda do cavaleiro sobe pela lateral do platô e vai se transformando numa cor mais clara. O medo depois de vencido se transforma em algo bom. A câmera fecha no Plano 43 mostrando o Rapaz ainda ofegante pela corrida e espantado com o que aconteceu. A fumaça que subiu, agora clara, o envolve e ele pode respirar tranquilo. A experiência da superação traz alívio e renova suas forças. Mais uma vez o enquadramento de baixo para cima transmite poder e mostra que o Rapaz é vencedor. Há um cross dissolve para o Plano 44, que é a conclusão do filme. Um grande plano geral, bem aberto, mostra do lado esquerdo quase todo o platô, com rapaz no topo no centro do quadro, representando tudo o que o rapaz venceu e deixou para trás. Do lado direito da composição o sol nasce representando esperança e um recomeço. Feitas essas considerações acerca de cada plano, a figura 25 apresenta a versão final do Storyboard para uma visualização completa da narrativa.
42 Figura 25 - Storyboard Completo de O Cavaleiro Medo
Fonte: Produzido pela autora, 2015 e 2016.
43 O Storyboard passou por muitas versões, alguns planos foram cortados e outros foram adicionados. Após todo o processo de testes e consulta a subsídios teóricos conseguimos chegar essa versão, que ao ser exibida para pessoas não envolvidas no projeto, conseguiu transmitir a narrativa com clareza. Apesar das mudanças em relação ao roteiro original, as novas ideias contribuíram para reforçar a história e a essência do sonho foi mantida.
44 6 COLOR SCRIPT “A cor pode exprimir uma atmosfera, descrever uma realidade ou codificar uma informação. Palavras como “sombrio”, “pardo”, e “brilhante” trazem à mente um clima de cores e uma paleta de relações. (LUPTON; PHILLIPS, p.71)
As cores são capazes de enriquecer um filme através do impacto emocional que agregam à narrativa. Elas marcam os acontecimentos e criam contrastes entre as diferentes situações e sensações. As cores contribuem para definir a atmosfera dramática e a ambientação de uma cena e o ritmo do filme como um todo. A cor em nossos filmes corresponde a eventos específicos na história, e assim como há uma “curva de emoção/ação” deve haver uma “curva de cor e humor”. Os ditames da paleta de cores começarão com as diferentes estações do ano que se passam durante o filme, bem como os momentos do dia, situações meteorológicas e locais interiores/exteriores dentro da história.34 (BACHER, 2008, p. 139, tradução nossa, grifo nosso)
O Color Script é o mapeamento dessa curva de cor, iluminação e emoção ao longo de todo o filme. Ele define a paleta de cores que será usada de acordo com a intensidade emocional da história. O Color script tem um propósito funcional na animação. Devido ao processo de produção não linear da animação digital, o diretor precisa de todas as pistas que conseguir para entender como a imagem final aparecerá na tela. O color script é uma primeira tentativa de mapear a cor, a iluminação, emoção e humor em um filme. Não se trata de fazer uma única peça bonita de arte, o color script abarca todos os estágios iniciais de um filme, andando lado a lado com o desenvolvimento da história.35 (Pixar Animation Studio Site, Colour Script, 2016, tradução nossa).
Assim, é um documento importante dentro da pré-produção, que permite ver a transição das cores do filme inteiro em uma única peça. Ele serve de guia para como deve ser o visual de cada cena e garante que o filme tenha uma aparência consistente e coerente do início ao fim. 34
The color in our films corresponds with specific events in the story, and just as there is an “emotion/action curve,” there should be a “color mood curve.” The dictates of the color palette will begin with the different seasons that the film takes place during, as well as the times of the day, weather situations, and interior/exterior locations within the story. 35 Colour scripts serve a functional purpose in animation. Due to the nonlinear production process of computer animation, the director needs all the clues he can get as to what the finished image might look like on the screen. The colour script is an early attempt to map out the colour, lighting, emotion and moods in a film. It’s not about making a single pretty piece of art; the color script evolves throughout the early stages of the film, hand in hand with story development.
45 Color script não se trata de produzir belas imagens, color script é essencialmente uma ferramenta visual de comunicação. [...] A palavra por si só já diz muito a seu respeito. Color script, literalmente, é a narrativa visual do filme através da cor, mas mais do que isso, trata-se da sensibilidade que a cor pode despertar na história. Como bem dito por John Lasseter, é um mapeamento do filme através de sua escrita pelas cores. Color script, portanto, é a etapa onde será realizada a definição de quais cores serão aplicadas em sequência em um filme e quais serão suas simbologias. (GUEDES, 2016, grifos nossos) Figura 26 - Color Script de Up - Altas aventuras (2009), feito pelo artista Lou Romano.
Fonte: Disponível em: <http://louromano.blogspot.com.br/2009/05/art-of-up_3697.html>. Acesso em: 22 ago. 2016
O Color Script é feito a partir de frames do storyboard. São escolhidos alguns planos mais representativos em termos de narrativa para serem coloridos. Eles são pintados em forma de miniaturas (thumbnails), justamente para uma maior liberdade de testes e rapidez. Dentre os planos escolhidos, os mais icônicos são chamados de Key Moments (Momentos Chave). Por terem maior importância, os Key moments são os primeiros a serem coloridos, gerando os Color Keys (Cores Chaves). Foram escolhidos como Key Moments de O Cavaleiro Medo os planos 16, 39 e 44. O 16 representa a parte inicial do filme, em que o rapaz foge do cavaleiro. O Plano 39 representa o momento de virada, em que o Rapaz assume o controle da situação e o plano 44 é a conclusão, quando o medo já foi derrotado.
46 Figura 27 - Key Moments de O Cavaleiro Medo
Fonte: Produzido pela autora, 2016
Para tornar as mudanças dramáticas mais evidentes para o público, decidimos representar os momentos de medo com a noite escura e o nascimento da coragem com o nascer do sol. Os Color keys dos planos 16 e 39 (Figura 29) foram pintados com cores análogas, quase monocromáticos, criando paletas bem marcadas e diferentes entre si. Uma das referências foi o curta-metragem A Pequena Vendedora de Fósforos (2006), que utiliza esse recurso de duas paletas de cores análogas para diferenciar os momentos de realidade e dos sonhos da menina ao acender os fósforos. Figura 28 - Cenas de A Pequena Vendedora de Fósforos, 2006, Disney
Fonte: Capturas de Tela do filme
As cenas iniciais são à noite e possuem um aspecto sombrio, assim como o personagem do Cavaleiro, como é explicado no capítulo 8 desta monografia. Para que os personagens ficassem visíveis mesmo num cenário escuro, a superfície do platô é mais iluminada que suas laterais. Foi adicionada uma camada de nuvens ao fundo que, além de ressaltar a altura do platô, cria um bom contraste para a silhueta do cavaleiro. Figura 29 – Color Keys dos planos 16 e 39
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
47 No segundo Color Key há um degradê do violeta para o coral: uma transição das cores frias do azul para o quente do sol. Essas cores, não tão realistas, criam uma atmosfera mágica que marca o momento de maior força do Rapaz. O Platô, afetado pela iluminação do ambiente, ganha um tom mais quente e acinzentado. O Plano 44 inicialmente não existia no storyboard. A primeira versão apresentava uma um plano geral do platô acima de uma camada de nuvens, na intenção de representar que no fim o rapaz estaria acima de seus medos. As cores eram um degradê do azul para o salmão, características de quando o sol está prestes a nascer, porém ainda era uma composição muito escura. Figura 30 - Versões inicial e final do Color Key do plano 44
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Essa era a última cena e precisava representar a vitória total sobre o medo, então buscamos uma composição mais aberta e cores mais claras. Após muitos testes chegamos a essa solução que mostra o sol nascendo ao fundo, do lado direito, iluminando a parte do platô onde o rapaz está e um campo verde que aparece pela primeira vez no filme. O lado esquerdo do quadro ainda é um pouco mais escuro formando no céu um degradê horizontal do lilás para o azul, fazendo uma transição suave entre os planos anteriores e sol. Apesar de bem iluminada, a cena não tem cores vibrantes, mas cores tranquilas remetendo à paz alcançada pelo rapaz ao vencer o medo. Figura 31 – Color Keys de O Cavaleiro Medo
Fonte: Produzido pela autora, 2016
48 A partir dos Color Keys, é preciso planejar como se darão as transições de cor entre eles durante o filme. Nesse momento, os outros quadros escolhidos do storyboard são pintados gerando os Color-Chapters (Capítulos de cor) e Color-Transitions (Transições de cor). Uma estratégia usada pelo artista Dice Tsutsumi, responsável pelos Color Scripts dos Filmes Horton no mundo dos Quem! (Hayward, Martino, 2008), Toy Story 3 (Unkrich, 2010) e Universidade Monstros (Scanlon, 2013), é a elaboração de um gráfico da curva emocional do filme. Esse gráfico tem por objetivo gerar uma melhor visualização dos momentos mais importantes da narrativa e sua intensidade, guiando a pintura do ColorChapters e Color Transitions. Uma outra ferramenta usada por Tsutsumi são os Color Bars, uma versão abstrata do color script formada por barras de cor em sequência. E assim como a música é um ingrediente importante usado para estabelecer o tom da história, as cores adequadas e combinações de cores são igualmente importantes. Sequências precisam ser projetadas em “color-chapters”, e “color-transitions” têm de ser desenvolvidas entre as diferentes sequências. Normalmente, as transições são projetados para serem suaves; no entanto, cores contrastantes ao lado uma da outra (de uma sequência para a próxima e até mesmo de uma cena para outra) ajudam a indicar mudanças dramáticas que podem ocorrer na história e também ajudam a criar a resposta emocional apropriada.36 (BACHER, 2008, p. 140, tradução nossa) Figura 32 – Color Bar e Gráfico de intensidade emocional
Fonte: Produzido pela autora, 2016
O primeiro plano, que mostra o Rapaz no travesseiro, é de um bege amarelado, uma cor apática remetendo ao medo. A partir daí até o clímax do filme as cores seguem o primeiro color key. Este capítulo de cor apresenta a história e mostra 36
And just as music is a substantial ingredient used to establish the mood of the story, the proper colors and color combinations are just as important. Sequences need to be designed in “color-chapters” and “color-transitions” between the different sequences have to be developed. Normally, transitions are designed to be smooth; however, contrasting colors next to each other (from one sequence to the next and even from scene to scene) help indicate dramatic story changes that may occur and also helps create the appropriate emotional response.
49 a dominação do medo. Os Color Transitions deste capítulo de cor também definiram a cor da névoa que envolve o cavaleiro, ajustando os valores e contrastes de forma a dar boa leitura dos personagens e cenários mesmo num ambiente escuro. Figura 33 – Quadros do Primeiro Capítulo de cor
Fonte: Produzido pela autora, 2016 Também é importante não entregar tudo logo na primeira parte do filme. Você quer manter algo especial para o clímax do filme, a combinação mais incrível de ângulos de câmera, movimento e cor. Comece devagar, leve o tempo necessário para estabelecer o clima, e depois acelere na velocidade da história em direção ao clímax. O staging37 aqui pode ser louco, com cortes bem rápidos, e cores incomuns. Então, desacelerar até o fim.38 (Ibid., p. 93, tradução nossa)
O momento de maior tensão e ponto mais alto no gráfico da figura 32 ocorre à beira do penhasco, e culmina com o rapaz fechando os olhos (Planos 18 a 22 do Storyboard). A partir daí o Rapaz começa a perceber que pode dominar o Cavaleiro e essa mudança é marcada por uma transição de cores suave, clareando plano a plano até o plano 39, segundo color key. O pano 39 é um traveling da corrida do Rapaz afugentando o Cavaleiro e é o momento onde a transição de cores é mais evidente.
37
Staging: Um dos princípios da animação, é o posicionamento dos personagens numa cena de forma a apresentar o máximo de carga emocional e uma leitura clara das ações. (The positioning of characters in a scene for maximum emotional content and clear readability of actions.) (GOLDBERG, 2008, p. XXI, tradução nossa) 38 It is also important not to give everything away within the first part of the movie. You want to keep something special for the climax of the film, the most incredible combination of camera angles, movement and color. Start slow, take your time to establish the mood, and then accelerate with the speed of the story toward the climax. Staging here can be crazy, cuts very fast, and colors unusual. And slow down to the end.
50 Figura 34 - Transição de cor durante a panorâmica do plano 39
Fonte: Produzido pela autora, 2016
Do segundo ao terceiro Color Keys a transição se dá principalmente no plano 43, logo após a queda do cavaleiro. As cores são essenciais nesse momento para tornar evidente a relação entre os acontecimentos e o nascer do sol, que não são apenas coincidência. Conforme a fumaça do cavaleiro vai subindo, ela vai adquirindo uma cor mais clara ao mesmo tempo que a cor do ambiente vai se aproximando das cores do nascer do sol no plano seguinte. Figura 35 - Transição de cor do primeiro ao segundo colo key durante o plano 43
Fonte: Produzido pela autora, 2016
51 7 CENÁRIOS O cenário é o lugar onde se passa a história. Em animação 2D é normalmente uma pintura (tradicional ou digital), representando o espaço onde os personagens atuam. É o plano de fundo que aparece na cena final39. O cenário é o palco dos personagens e deve dar suporte à ação. Feitos com êxito, os cenários contribuem muito para a apreciação do público e, como a música, podem criar uma profundidade de sentimento no humor e melhorar a qualidade dramática de todo o filme.40 (JOHNSTON; THOMAS, 1995, p. 251, tradução nossa)
Os cenários O Cavaleiro Medo foram de suma importância para criar uma atmosfera hostil para o personagem principal. O roteiro já indicava que seria um platô coberto de névoa e com um abismo de cada lado. Juntamente com o cavaleiro, o cenário deveria ambientar o medo, transmitindo: Solidão, Aridez, Mortificação, Corrosão, Confusão, Desamparo, Paralisia, Abandono, Impotência, Descontrole, Inadequação, Sufocamento, Aperto. Figura 36 - Referências Visuais para o cenário
Fonte: Moodboard produzido pela autora com imagens de diversas fontes41, 2016.
39
Background: The painted (usually) scene against which the full-color characters perform in a finished scene. (GOLDBERG, 2008, p. xvii) 40 Successfully done, the backgrounds contribute much to the audience’s enjoyment and, like music, can create a depth of feeling in the mood and enhance the dramatic quality of the whole film. 41 Imagens disponíveis respectivamente em: <https://emorfes.com/2011/05/18/ unbelievable-landscapes-on-earth/><http://imgms.viajeaqui.abril.com.br/11/abre-lugar-300-89. jpeg?1326205998><http://i0.wp.com/melhoresdestinosdobrasil.com.br/wp-content/uploads/2015/09/ monte-roraima-rr.jpeg?w=600><http://i.imgur.com/G74sfcc.jpg><https://66.media.tumblr. com/0598340fbf96b01dd15bf97400475368/tumblr_o8fqunGQsU1s5ptf3o1_1280.jpg><http://i.imgur. com/xFgbsnd.jpg><http://www.this-is-cool.co.uk/wp-content/gallery/james-wolf/james-wolf-fine-art. jpg><http://pre14.deviantart.net/4095/th/pre/i/2014/117/9/d/mountain_by_lingy_0-d7g8qui.jpg><https:// s-media-cache-ak0.pinimg.com/originals/81/d5/33/81d5338fc1b24f6244134ab0d212b53d.jpg><http:// www.camposanto.com/external/blog/141016_jane/rocks_sheet.jpg><https://s-media-cache-ak0. pinimg.com/564x/76/21/ec/7621ec52e4a6bd655365226f50aea282.jpg>. Acesso em: 18 ago. 2016.
52 Transformando essas sensações em características visuais, o cenário deveria ser: Obscuro, Áspero, Irregular, Desnivelado, Frio, Árido, com Rachaduras, Pedras Soltas. A partir das duas listas foi feita uma busca por imagens, tanto de fotos como pinturas e desenhos, que tivessem essas características. Entre essas referências estão o Monte Roraima e artes do filme Up - Altas Aventuras da Disney / Pixar. A partir dessas referências foram feitos alguns estudos de forma que foram a base para o desenho do cenário nas suas diversas vistas e ângulos de câmera. Figura 37 - Estudos de forma e desenho para os cenário
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
O design dos cenários precisa ser compatível com o design dos personagens, que nessa fase já estava desenvolvido. Portanto, Foram feitos também alguns testes de pintura para chegar a um resultado satisfatório e harmônico.
53 Figura 38 - Estudo de pintura para o cenário
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Tendo definido o estilo visual do cenário, a primeira etapa da produção dos cenários finalizados é o layout: A partir de indicações do storyboard, é feito um desenho mais preciso do cenário, “indicando tamanhos de personagens em relação ao seu fundo, perspectivas, posição e movimento da câmera, posicionamento dos personagens dentro da cena, iluminação e composição da cena.”42 (GOLDBERG, 2008, p. xix, tradução nossa). A pintura do layout foi feita em valores tonais (preto, branco e tons de cinza), o que permite simular a esses fatores. A cor entra na fase de pintura final dos cenários seguindo as indicações do Color Script. A pintura do layout foi feita utilizando o software Photoshop nas seguintes etapas: A) Sobreposição dos os planos do Storyboard que possuíam vistas e ângulos semelhantes e que poderiam compartilhar o mesmo cenário. Esse é um recurso de economia de cenários utilizado normalmente em produtos para TV. B) Desenho do cenário inspirado no desenho base (figura 37), unindo as sobreposições. C) Adição de um valor de fundo para destacar a montanha em relação ao céu. D) Adição de uma camada simulando a textura de pedra, feita com um pincel customizado de Photoshop disponibilizado por Pixelstains no Deviantart.43 42
Layout: The setting in which the animated action takes place, indicating sizes of character in relation to their background, perspective, camera position and movement, major position of characters within the scene, lighting and composition of the shot. 43 Disponível em <http://pixelstains.deviantart.com/art/Photoshop-Brushes-forPainting-Rocks-and-Water-555924721>. Acesso em: 19 ago. 2016.
54 Figura 39 - Exemplo das etapas de pintura do layout
Fonte: Produzido pela autora, 2006.
E) Adição de uma camada de Rachaduras feitas também com pincéis customizados44 que funcionam como carimbos imprimindo na tela essas marcas. As rachaduras foram distorcidas com a ferramenta free transform (Ctrl+T) para se ajustarem melhor ao formato do desenho. Nas vistas em que é possível ver o topo do platô, além das rachaduras, foram adicionadas algumas pedras sobre a superfície utilizando os pincéis customizados Charfade’s Rock Brushes45 que também funcionam como carimbos. (Figura 40) Figura 40 - Adição da camada de pedras e teste de compatibilidade com os personagens
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
F) Pintura dos Valores de luz e sombra Para dar volume e adição de uma camada de ajuste de levels para realçar o contraste.
44
Disponível em <http://www.brusheezy.com/brushes/1334-grunge-brushes-007>. Acesso em: 19 ago. 2016. 45 Disponível em <http://charfade.deviantart.com/art/Charfade-s-Rock-Brushes -151024705>. Acesso em: 19 ago. 2016.
55 A versão final dos layouts foi incorporada ao animatic (ver capítulo 5), substituindo os sketches iniciais do storyboard. As cores definidas no Color Script (ver capítulo 6) foram usadas para pintar o cenários finais. Figura 41 - Versão Finalizada dos cenários, pintados de acordo com o Color Script.
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
7.1 Travellings O filme O Cavaleiro Medo contém 3 planos com ciclos de corrida: 14, 15 e 37. Nesses casos, os personagens permanecem fixos numa mesma posição em relação à câmera enquanto um cenário com dimensões maiores que a câmera passa ao fundo. Esse movimento é equivalente à um travelling, embora seja comumente chamado de pan no contexto de animação 2D. Tradicionalmente, no desenho animado, chama-se panorâmica a deslocação do fundo por baixo da câmera, captando a extensão de uma paisagem ou seguindo a acção de uma personagem. Em cinema de imagem real, este movimento equivalia a um travelling, porque a câmara se desloca paralelamente à personagem filmada. No cinema de imagem real, a panorâmica seria um movimento de continuidade ou descrição de um elemento cênico que a câmara faria, rodando sobre seu próprio eixo. Actualmente, embora se consigam ambos os efeitos sem dificuldade, a maioria dos realizadores continua a denominar “panorâmica” ao que na realidade seria, visualmente, um travelling horizontal, vertical ou inclinado. Contudo, qualquer dos dois conceitos será correcto, quando e sempre que entre a equipa de realização se tenha estabelecido claramente a terminologia, num ou noutro sentido. (CÁMARA, 2005, p. 45)
56 Figura 42 - Layout dos planos de travelling 16, 17 e 39
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Figura 43 - VersĂŁo final dos planos de traveling 16, 17 e 39
Fonte: Produzido pela autora, 2016
57 7.2 Panorâmicas Multi-perspectiva Como foi explicado no capítulo de Storyboard e Animatic, o filme não começa com um “grande plano geral”, ou seja, uma vista externa mostrando todo o platô. Esse enquadramento só acontece no último plano no filme. Para situar o espectador e o personagem no início do filme escolheu-se inserir uma panorâmica em primeira pessoa, mostrando o que o rapaz vê quando olha em volta. Em Cinema, uma panorâmica é o movimento da câmera em torno de seu próprio eixo. Num cenário 2d, por ser uma imagem plana, este movimento não é possível, mas pode ser simulado com um cenário distorcido. Por ser este um movimento de câmera um tanto peculiar em animação 2d, foi feita uma pesquisa sobre as soluções já utilizadas em outras produções. [...] uma técnica tradicional usada em animação 2D em acetato, onde uma única imagem de fundo, que chamamos panorama multi-perspectiva, é utilizada para incorporar múltiplas vistas de um ambiente 3D como se vê ao longo de um determinado movimento de câmera. Quando visto através de uma pequena janela em movimento, o panorama produz a ilusão de um movimento 3D.46 (WOOD et al. 1997, p.1, tradução nossa, grifo nosso)
Ou seja, uma panorâmica em animação é na verdade um travelling sobre um cenário distorcido, já que a câmera se move paralelamente ao cenário, como pode ser observado no exemplo das figuras 44 e 45. Essa é técnica, denominada panorama multi-perspectiva vem sendo utilizada desde as animações tradicionais em acetato e o mesmo princípio é aplicado em animações digitais. O uso de cenários panorâmicos em animação é bastante comum e bem suportado pelos atuais programas de composição de vídeo. Uma Arte final maior do que as dimensões do quadro serve como um fundo de rolagem para que um personagem animado execute um ciclo de caminhada em primeiro plano.47 (HAINES, 2004, p. 5, tradução nossa)
46
[...] a traditional technique used in 2D cel animation, in which a single background image, which we call a multiperspective panorama, is used to incorporate multiple views of a 3D environment as seen from along a given camera path. When viewed through a small moving window, the panorama produces the illusion of 3D motion. 47 The use of background panoramas in animation is quite common and well supported by current desktop video compositing software. An artwork which is larger than the frame dimensions serves as a scrolling background to an animated character executing a walk-cycle in the foreground.
58 Figuras 44 e 45 - Layout e Cenário Final para cena com Panorama multi-perspectiva do filme Fantasia da Disney de 1940
Fonte: Blog do artista Hans Bacher, autor do livro Dream Worlds. Disponíveis em: <https:// one1more2time3.files.wordpress.com/2010/12/dance-of-hours-aaa.jpg?w=510&h=1332> e <https://one1more2time3.files.wordpress.com/2010/12/dance-of-hours-aaa.jpg>. Acesso em: 19. ago 2016.
Para o cenário multi-perspectiva de O Cavaleiro Medo foi feita uma filmagem panorâmica de referência em uma varanda com dimensões proporcionais às pretendidas para o platô. Os quadros chaves desse vídeo foram montados a fim de criar uma única imagem, que foi transferida para o programa Toon Boom para testar o movimento de câmera. Essa solução se mostrou satisfatória e com base nessa imagem foi pintado o layout e o cenário final das duas panorâmicas, no mesmo processo dos demais cenários.
59 Figura 46 - Processo de criação do panorama multi-perspectiva do filme O Cavaleiro Medo
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Figura 47 - Quadros da versão final do movimento de câmera panorâmico
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
60 Para gerar um efeito de paralaxe nesses planos, camadas de nuvens e neblina serão acrescentadas posteriormente como como foreground e background48 na fase de animação de efeitos. A diferença de velocidade aumenta a sensação de profundidade: o que está mais próximo da câmeras se move mais depressa e o que o que está distante se move mais lentamente. Os estúdios Disney foram pioneiros produzindo esse efeito em suas animações ao criarem uma câmera multiplanos. Atualmente existem softwares de animação capazes de simular esse efeito. Figura 48 - Walt Disney visita o departamento de câmera durante as capturas de Alice no País das Maravilhas em março de 1951. Ao fundo está a câmera multiplanos.
Fonte: Disponível em: <http://afilmla.blogspot.com.br/2008/08/in-glorious-multiplane-7_10.html>. Acesso em: 20 ago. 2016.
48
Foreground: camadas em primeiro plano da composição. Background: Camadas ao fundo da composição.
61 8 DESIGN DE PERSONAGENS Criar personagens nunca foi fácil pra mim. Os designs não se dão sozinhos sem esforço; não há uma fórmula para um caminho rápido e fácil. Para desenvolver um personagem eu faço uns mil desenhos, explorando e esperando pelo momento de reconhecimento, quando eu posso ver o rosto do personagem que eu estou procurando olhando de volta pra mim. Esse é o momento mágico que eu estou sempre trabalhando para alcançar.49 (KEANE apud BANCROFT, 2006, p. 5, tradução nossa)
Bons personagens são de extrema importância para que o público se identifique com a história. Suas características físicas ajudarão a transmitir e reforçar suas características psicológicas. Os personagens devem ser convincentes e a audiência deve acreditar que são reais. “Você precisa desenvolver os traços do personagem, precisa pensar - que tipo de pessoa ele é? Qual o seu background? É um personagem nervoso? Um personagem feliz? Um personagem tolo? Como ele reagiria? [...] Que tipo de roupas ele usa, como ele se movimenta?”50 (JOHNSTON; THOMAS, 1995, p. 397, tradução nossa)
Eric Goldberg, em seu livro Character Animation Crash Course (2008) lista algumas considerações a serem feitas: A audiência deve reconhecer rapidamente quem são os personagens e, para isso, eles devem ter silhuetas bem definidas e diferentes entre si, deixando claro para o público qual é o relacionamento entre os eles. Deve haver contraste entre os personagens, mas ao mesmo tempo eles precisam pertencer ao mesmo mundo, então precisa ser decidido também o estilo visual do filme. Os personagens devem ter apelo visual, o que não necessariamente significa que serão carismáticos, mas que serão interessantes para alguém que não é animador ou artista. [...] Um personagem não existe no vácuo. Ele deve se relacionar com todos os outros personagens com quem tem contato. [...] Não se trata apenas de acreditar que o personagem existe, mas que ele existe em um mundo com regras e uma história, povoado por outros personagens que interagem com sua trajetória e objetivos.51 (GOLDBERG, 2008, p.25, tradução nossa) 49
Creating characters has never been easy for me. The designs don’t give themselves up without a struggle; there are no formulas for a and quick easy path. To design a character i do hundreds of drawings, exploring and waiting for the moment of recognition when I can see the face of the character I am searching for staring back to me. That is the magic moment I am always working to achieve. 50 “You must develop the character traits, you must think out - what sort of person is this? What kind of background does he come from? Is he an angry character? A happy character? A foolish character? - how would he react? [...] What sort of clothes would he wear, how would he move?” 51 [...] The character is not meant to work in a vacuum - he must relate to all the characters with
62 É importante fazer perguntas específicas sobre cada um dos personagens, de forma a traçar-lhes um perfil bem definido e consistente. Saber quem é aquele personagem é o primeiro passo para criar o seu design: Qual o seu perfil psicológico, suas motivações e atitudes? Como mostrar o que ele está pensando e suas mudanças de humor? Como ele interage com os outros personagens? E, juntamente com esse perfil, suas características físicas: Qual a sua idade e peso, se é fraco ou forte, como é a sua postura e como isso afeta seus movimentos. Essas informações servirão de guia para os esboços, as ideias e a pesquisa de referências. 8.1 Personagens De O Cavaleiro Medo “As escolhas que você faz são todas filtradas por quem seu personagem é.”52 (Ibid., 2008, p.26, tradução nossa)
O curta é a narrativa de um pesadelo em que personagens de épocas diferentes convivem: um rapaz contemporâneo e um cavaleiro medieval com seu cavalo. A ação acontece no topo de um platô no alto de um penhasco. O lugar é pedregoso e cheio de névoa. Tudo conspira para que o personagem principal se sinta encurralado, pequeno e sem uma visão clara do que está acontecendo. A partir destas definições gerais, o Rapaz, o Cavaleiro e o Cavalo foram sendo construídos paralelamente. As características específicas de cada personagem foram sendo definidas ao longo do processo de ir e vir entre os desenhos e a descrição pois, durante os esboços, mais características iam sendo desenvolvidas para reforçar e confirmar a essência inicial. 8.1.1 Rapaz O Rapaz é o personagem principal: alguém que tem medos mas precisa enfrentá-los e lutar por sua sobrevivência. Para expressar isso, sua aparência inicial não deve ser corajosa, mas sim acanhada e demonstrar sua desvantagem em relação ao cavaleiro. Seu tipo físico foi inspirado em Vicente, o pai da autora e quem teve originalmente o pesadelo: um rapaz de 19 anos, magro e com queixo proeminente. whom he comes in contact. [...] It’s all part of the larger picture of not only believing that your character exists, but that he exists in a world with rules and history, populated by other characters who interact with his story and goals. 52 The choices you make for range are all filtered through who that character is.
63 As figuras 49 e 50 mostram algumas das referências usadas para o desenvolvimento do Design do personagem do rapaz, que reúnem ideias tanto de tipo físico como de estilo visual.
Figura 49 – Fotografias antigas de Vicente usadas como referência
Fonte: Arquivo Pessoal da autora
Figura 50 – Moodboard de Referências visuais para o rapaz
Fonte: Moodboard produzido pela autora com imagens de diversas fontes.53
53
Imagens disponíveis respectivamente em: < h t t p s : / / w w w. a r t s t a t i o n . c o m / a r t w o r k / 8 e E B 6 > < h t t p : / / a k r i s t i a n s e r v i c e . t u m b l r. c o m / post/68936883698><http://the-tooninator.deviantart.com/art/Loverbugs-156955492><http://julienbizat. blogspot.com.br/2014/02/new-things.html><http://annettemarnat.blogspot.com.br/2014/04/le-souffleurthermique.html><http://bobbypontillas.tumblr.com/search/fawn><http://picmia.com/img/1545622. jpg><http://maximemaryblr.tumblr.com/post/87619842734/random-character><http://jez-tuya.blogspot. com.br/2014/01/hello-2014.html?m=1><http://matt-boismier-interview.blogspot.com.br/2013/07/mattboismier-gallery.html><http://tonireyna.blogspot.com.br/2013/04/cigarrillo.html><http://patxipelaez. blogspot.com.br/2011/12/bicho.html><http://inspectorcleuzo.blogspot.com.br/2011/06/milt-kahl-day. html?m=1> Acesso em: 16 ago. 2016.
64 Figura 51 – Estudos de corpo e cabeça para o rapaz
Fonte: Produzido pela autora, 2015.
Nos estudos da figura 51 vemos que os ombros caídos expressam sua falta de confiança e uma postura desengonçada, pescoço, braços e pernas compridos mostram sua idade e inexperiência. Experimentamos um estilo de cabelo com a franja para baixo, mas esta opção dava ao personagem uma imagem muito tradicional. Optamos então por um cabelo desarrumado, deixando livre a área dos olhos. Com este recurso pudemos desenvolver melhor a expressividade do olhar personagem, exprimindo seus diversos sentimentos ao longo de toda a narrativa. Como a história se baseia em um sonho, surgiu a ideia de que a roupa do rapaz fosse um pijama. Nos primeiros estudos o personagem usava um modelo de pijama de calça e blusa de mangas curtas. Num outro esboço, de bermuda, camiseta e chinelo - apesar de poder ser considerada uma roupa de dormir no Rio de Janeiro o personagem parecia muito casual e tranquilo, o que fugia da proposta. Já a calça e mangas compridas passam a impressão de alguém que tenta se proteger, enquanto o
65 fato de estar descalço o faz parecer vulnerável. Os botões na camisa são um detalhe que reforça a ideia do pijama. A calça larga juntamente com os ombros caídos dão ao personagem uma forma semelhante a um triângulo, trazendo a sensação de um peso que o puxa para baixo: o peso do medo. Figura 52 - Definição da Indumentária do Rapaz
Fonte: Produzido pela autora, 2015 e 2016.
66 8.1.2 Cavaleiro O Cavaleiro é a representação do medo. É ameaçador, grande e está sempre em cima do cavalo, o que o faz parecer superior e dominante. É bem mais alto que o Rapaz e possui uma lança pontiaguda, o que reforça sua imagem agressiva. É misterioso e sombrio: Usa armadura e um capacete que esconde sua face. Ele entra e sai de cena por meio de uma névoa ou nuvem escura. Figura 53 - Referências Visuais para o Cavaleiro
Fonte: Moodboard produzido pela autora com imagens de diversas fontes54, 2016.
Enquanto o rapaz tem uma postura de ombros caídos, buscou-se para o cavaleiro referências de personagens com o peitoral aberto e imponente, com um tipo físico semelhante ao de um nadador profissional. As referências incluíram também diversas imagens de armaduras medievais e de cavaleiros de justa. 54
Imagens disponíveis respectivamente em: de Tela do filme O Caminho para El Dorado, 2000.; <http://adamtemple.blogspot.com.br/2013/05/ mongol-practice.html>;<http://tombancroft.designbinder.com/gallery/591300#16>;<http://livlily. blogspot.com.br/2011/03/batman-tv-series-19921995-model-sheety.html>;<http://cdn.rsvlts.com/wpcontent/uploads/2015/09/eB3vcas.jpg>; Captura de Tela do filme A Bela Adormecida, 1959; <https:// www.artstation.com/artwork/Jwkdd>; <http://nobsaur.tumblr.com/post/150663685240/swordreign-thelord-of-the-rings-armor-detail>; <http://www.medievalwarfare.info/pics/joustingg.jpg>. Acessos em: 16 ago. 2016.
Captura
67 Figura 54 - Estudos de silhueta e design para a armadura do Cavaleiro
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
A partir das referências foram feitos alguns testes de silhueta com grafite sobre papel vegetal. Utilizando a transparência do papel foi feito um teste de armadura numa nova folha acima da silhueta escolhida. Esse desenho foi escaneado e refeito digitalmente testando e ajustando as proporções e o contraste do cavaleiro em relação ao rapaz. Figura 55 - Estudos de contraste de silhueta e proporção entre o Cavaleiro e o rapaz
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
A forma de triângulo com a base para baixo confere peso ao rapaz, fazendo alusão ao medo como uma força que o puxa e dificulta sua caminhada. Por outro lado, a forma de triângulo invertido atribui ao cavaleiro elevação e superioridade.
68 8.1.3 Cavalo O Cavalo deveria manter uma unidade visual com o Cavaleiro e reforçar sua superioridade em relação ao rapaz. Buscou-se como referências visuais cavalos que demonstrassem força e foi feita uma pesquisa teórica aliada a estudos de desenho tanto para a anatomia do cavalo como de armaduras. Nesse sentido, dois sites foram de grande importância: How to Draw Horses55, de Jessica Magnus, e Medieval Warfare56. Ambos contém informações históricas sobre o uso de armaduras e cavalos como instrumentos de guerra. Figura 56 - Referências visuais para o Cavalo
Fonte: Moodboard produzido pela autora com imagens de diversas fontes57, 2016.
A figura 57 mostra alguns dos estudos feitos a partir das referências, inclusive de modelo vivo. Nessa ocasião foi possível observar também como é a movimentação característica dos cavalos, especialmente corridas e caminhadas.
55
http://www.htdhorses.com/ http://www.medievalwarfare.info/ 57 Imagens disponíveis respectivamente em: <https://onanimation.files.wordpress. c o m / 2 0 1 4 / 0 3 / t u m b l r _ l k n j e 8 a g a 9 1 q e 3 v 2 i o 1 _ 5 0 0 . j p g > ; < h t t p : / / 6 6 . m e d i a . t u m b l r. c o m / tumblr_lwgvgyyCUy1r3n1tpo4_1280.jpg>;<https://mir-s3-cdn-cf.behance.net/ p r o j e c t _ m o d u l e s / d i s p / 9 4 a e 7 5 9 1 6 7 3 7 7 . 5 6 0 c 9 b 9 8 a 6 6 3 c . j p g > ; <h t t p : / / 6 7 . m e d i a . t u m b l r. com/16f047ebdfd894914b98fed982c7ccba/tumblr_o1wqi8Dwgx1r4nscyo1_1280.jpg>;<http:// forum.kingdomcomerpg.com/uploads/default/4551/8f3feafae2ec0e21.jpg>;<http://1.bp.blogspot. com/-mDlLCmOFz9A/TtORQAI1pZI/AAAAAAAAZM0/WU7cpo6-F3o/s1600/tangled_art_character_ design_maximus_03.jpg>;<http://66.media.tumblr.com/01e033a79e2dc4381e895a8e073a79d5/ tumblr_nmicgbA4lk1sol2ojo1_500.jpg>;<https://loveconceptart.files.wordpress.com/2014/03/tumblr_ ma2fkbmflg1rzursmo1_1280.jpg>;<http://i.imgur.com/1SSzSHk.jpg>; Captura de tela do filme Spirit: O corcel indomável, 2002. 56
69 Figura 57 - Estudos de anatomia e design para o cavalo
Fonte: Produzido pela autora, 2015 e 2016.
A partir destes estudos foi sendo desenvolvido design do cavalo. Sua postura é imponente com o pescoço erguido e detalhes pontiagudos na armadura e na estilização da anatomia evocam o sensação de ameaça. Figura 58 - Estudo de design do cavalo ao lado dos outros personagens
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Para que não houvesse empatia entre o cavalo e o rapaz, decidimos que os olhos do cavalo não ficariam aparentes, deixando apenas o vazado da armadura, como uma máscara. Esse detalhe também contribui para que o cavalo ficasse mais obscuro e misterioso.
70 8.2 Definição do Estilo Gráfico A fase de descrição psicológica e estudos de desenho trouxe a definição inicial das características físicas de cada um dos personagens, e seu resultado pode ser chamado de design inspiracional (inspirational sketches) ou concept arts. A etapa seguinte foi encontrar um estilo gráfico que se adequasse ao projeto trazendo unidade visual a personagens de temporalidades distintas: contemporâneo e medieval. Se o filme possui vários personagens, desenvolva-os de forma que todos vivam juntos no mesmo universo. Uma abordagem geral de angularidade, curvas, definição de olhos, mãos, desenho de boca e consistência de anatomia irão ajudar a dar ao filme uma aparência unificada.58 (GOLDBERG, 2008, p. 50, tradução nossa) Figura 59 - Giro e primeira Vetorização do Cavalo
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
O personagem do cavalo era o que possuía maior geometrização e estilização, e uma tendência estilística que se aproximava do universo pretendido para o filme. Por isso, foi o primeiro a ser aprimorado e vetorizado, a fim de nortear o design dos demais personagens. Depois de testes para ajustar suas proporções com o 58
If the film has several characters, design then to all live in the same world together. An overall approach to angularity, curviness, eye definition, hands, mouth shapes, and consistency of anatomy will help to give the film an unified look.
71 objetivo de deixá-lo mais robusto, foi feito o seu giro (ou turn around), que é o desenho do personagem nas 5 vistas principais: Frente, 3/4 frente, perfil, 3/4 costas e costas. Baseando-se no que havia sido alcançado para o cavalo, foram feitos alguns estudos de estilização e geometrização para o personagem do Rapaz, principalmente no rosto por ser o foco das expressões e por haverem importantes planos de close no filme. Um detalhe acrescentado foram as olheiras, que também remetem à questão do sono e transmitem cansaço e fraqueza. A versão do olho com a esclerótica branca se mostrou melhor que a versão só com a pupila por trazer mais clareza às expressões e criar um foco de atenção no rosto. Os planos mais abertos do filme se concentram na ação e nos movimentos, por isso, uma roupa simples e com poucos detalhes proporciona melhores silhuetas e facilita a animação. Figura 60 - Estilização e primeira vetorização do Rapaz
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
A ideia inicial para o rapaz era um design sem contornos, onde a identificação das partes se daria pela cor e pelo sombreamento, como pode ser visto no pescoço na figura 61A. Porém esse estilo não funcionava bem quando aplicado ao cavalo e ao cavaleiro: havia perda dos detalhes da armadura e as sombras não apareciam tanto pelo fato de o personagem ser muito escuro.
72 Figura 61 - Primeira vetorização do cavaleiro e testes de estilo
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Testamos então o uso de brilhos na armadura (Figura 61B), mas isso não resolvia completamente a questão da silhueta: as formas ainda se misturavam umas às outras, como o pé e a perna do cavaleiro. A terceira opção (Figura 61C) integrava os contornos com os brilhos e sombras, mas o uso do brilho enfraquecia um pouco o aspecto sombrio do cavaleiro. Além disso, esses brilhos e sombras também precisariam ser animados, o que aumentaria o tempo necessário para executar a etapa de animação e fugiria do cronograma previsto para a realização do filme. A solução encontrada foi usar apenas os contornos nos personagens, sem sombras nem brilhos (Figura 61D). Essa solução se mostrou simples e eficaz em harmonizar os personagens colocandoos, pelo tratamento visual em um mesmo universo diegético. Seja eficiente e econômico com os seus elementos de design. Um equilíbrio saudável entre clareza e sutileza é sempre uma meta desejável, e uma simplicidade elegante de design geralmente é bastante interessante.59 (CANTOR; VALENCIA, 2004, p. 74, tradução nossa). 59
Be eficient and economical with your design elements. A healthy balance between clarity and subtlety is always a desirable goal, and elegant simplicity in design is usually quite appealing.
73 8.3 Cores A maior parte do filme se passa a noite, o que influencia na cor dos personagens, tornando-os mais escuros. Apesar de ser convencionado como a cor do medo, percebemos que o amarelo não funcionava bem em baixa saturação para o pijama do rapaz. Decidimos que apenas sua pele seria mais amarelada e o ciano foi escolhido para a cor do pijama. O ciano é formado pela união do azul, uma cor fria, com o verde, que representa a esperança: uma pista de que o personagem ainda pode encontrar coragem apesar de seu medo. Figura 62 - Testes de Cor para os personagens
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Testamos a combinação do cavalo cinza com o cavaleiro de preto, mas constatamos que funcionava melhor com ambos tendo cores próximas. Cavalo e Cavaleiro são praticamente um único personagem e por isso optamos por uma maior unificação em suas cores. Figura 63 - Nasgul em cena de O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, 2001. Figura 64 - Lobo em cena de A História Sem Fim, 1984.
Fontes: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/3/30/Ringwraithpic.JPG> <https://i.ytimg.com/vi/WFnjXdjQRJw/mqdefault.jpg> Acessos: 12 ju. 2016.
74 Duas referências de cor que exemplificam a escolha do preto para personagens ameaçadores são os Nazgul, do filme O Senhor dos Anéis, e o lobo do filme História Sem Fim. Ambos são pretos, sombrios e estão quase sempre no escuro, destacando-se apenas os olhos do lobo. Esse recurso de mostrar menos aguça o medo do desconhecido. As regras que se aplicam para cenários também se aplicam a escolha de cores dos personagens. Comparando os personagens vilões em filmes da Disney, você encontrará muitas similaridades. Há fortes contrastes e muito preto com vermelho e roxo. “Heróis” são mais pé no chão com cores amigáveis misturadas com cinzas.60 (BACHER, 2008, p. 141, tradução nossa)
Foi escolhido então para o cavaleiro uma cor preta avermelhada que dá a ele um aspecto mais agressivo, contrastando com as cores frias do pijama do rapaz que transmitem passividade. 8.4 Design Final Figura 65 - Estudos para o aprimoramento da armadura do Cavaleiro e detalhes da versão final
Fonte: Produzido pela autora, 2016. 60
The rules that apply for background color choices also apply to character color choices. In comparing the villain-characters in the Disney films, you will find many similarities. There are sharp contrasts and lots of black with red or purple. “Heroes” are more down to earth with friendlier colors that are mixed with greys.
75 Para realçar ainda mais a agressividade e aspecto ameaçador do cavaleiro, foram feitos estudos mais aprofundados para o elmo, a lança, e detalhes da armadura. Além de referências fotográficas, buscamos inspiração em armaduras de jogos de computador e videogames por serem altamente estilizadas e não tão realistas. Assim se uniram todos os ingredientes para o design dos personagens: A pesquisa de referências, as descrições psicológicas, as características físicas e a estilização e as cores. A Figura 66 mostra o Line Up61 com com o design final dos personagens. Figura 66 - Line Up apresentando Rapaz, Cavalo e Cavaleiro
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
As figuras 67 e 68 apresentam os desenhos e a versão finalizada do Giro dos personagens. O Giro (ou turn around) , como já foi dito, é o desenho dos personagens em suas principais vistas. Ele tem a função se ser um guia das dimensões e detalhes do personagem, permitindo que seja desenhado de forma consistente em qualquer pose.
61
Line Up é uma imagem que apresenta os personagens de uma animação mostrando a relação de tamanhos entre eles. Em Hollywood é chamado de Size Comparison.
76 Figura 67 - Giro do Rapaz
Fonte: Produzido pela autora, 2016. Essas linhas horizontais são marcadas a partir de pontos-chave em um personagem (base dos pés, topo da cabeça, queixo, olhos, nariz, cintura, ombros, joelhos) para que os artistas possam alinhar essas características ao desenhar o personagem a partir de ângulos diferentes. Esta é uma boa forma de descobrir como o seu personagem deve parecer a partir de ângulos diferentes, mantendo uma relação consistente de tamanho.62 (BANCROFT, 2006, p. 55, tradução nossa)
Figura 68 - Giro do Cavalo com o Cavaleiro
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
62
These horizontal lines run from keypoints on a character (bottom of the feet, top of the head, chin, eyes, nose, waist, shoulders, knees) so the artists can line up these features when drawing the character from different angles. This is a good way to to figure out what your character might look like from different angles while still maintaining a size relationship consistency.
77 9 TÉCNICA DE ANIMAÇÃO CUT-OUT A animação cut-out, ou animação de recortes, é uma técnica onde as personagens são marionetes com partes móveis que vão sendo reposicionadas para criar os movimentos. Nesta técnica, os personagens, objetos e cenários são feitos de materiais como papel, cartão, tecido ou mesmo fotografias. “Entende-se por animação de recorte qualquer manipulação de figuras planas com partes recortadas que são manipuladas para criar movimento e captadas por câmeras analógicas ou digitais para edição posterior.” (LIMA, 2009, p. 7)
Um dos primeiros e mais importantes longa metragens que utilizam a animação em recortes é As Aventuras do Príncipe Achmed, 1926, de Lotte Reiniger. “Historicamente, Lotte Reiniger é a mais importante personalidade do cinema de animação de recorte, sendo a primeira animadora a dedicar sua carreira inteiramente à técnica de recorte.” (Ibid., p. 13) Figura 69 - The Adventures of Prince Achmed (1926)
Fonte: Disponível em: <https://riversideparramatta.com.au/wp-content/uploads/Prince-Achmed16Duo.jpg >. Acesso em: 16 ago. 2016.
78 Nos anos 50 e 60 houve uma grande expansão do mercado de animação para Televisão, onde buscava-se uma produção rápida e com baixos custos. Com a utilização de algumas das técnicas da animação de recortes associada à animação tradicional, surgiu o conceito de Animação Limitada. Figura 70 - Personagens dos Estúdios Hanna-Barbera
Fonte: Disponível em: <https://farm8.staticflickr.com/7320/9649404657_9efd1bbfd4_b.jpg> Acesso em: 16 ago. 2016. Este sistema, conhecido como Limited Animation (Animação Limitada), surgiu na década de 1950 nos estúdios UPA e se desenvolveu durante toda a década de 1960, principalmente pelos estúdios Hannah-Barbera e possui características das animações de recorte, como personagens subdivididos e o reaproveitamento de partes. Além disso os ciclos de animação feitos em cel animation, desenho em acetato, podiam ser reaproveitados diversas vezes, criando assim um banco de imagens em movimento. A animação limitada é ainda base conceitual para o desenvolvimento dos principais softwares de animação bidimensional, como o Macromedia Flash (atualmente, Adobe Flash), o ToonBoom, O Animo Cambridge System, O Moho (atualmente, Anime Studio). (LIMA, 2009, p. 19, Grifo nosso)
Na animação Limitada, o design dos personagens e dos cenários era feito já visando a economia de desenhos e o reaproveitamento de movimentos. Perceba como a grande maioria dos personagens Hanna-Barbera possuem gravatas, colarinhos, colares ou lenços em torno do pescoço. Isso permitia que, quando um personagem falava, por exemplo, uma camada de acetato com o desenho do corpo permanecesse estática em enquanto apenas a cabeça fosse animada numa camada cima.63 (SANDERS, SD) A junção das duas partes ficava estrategicamente escondida atrás do elemento de design, suprimindo a necessidade de redesenhar o personagem inteiro a cada frame. 63
Another example is when characters are speaking, but not moving any of the other visible parts of their bodies. Instead of redrawing the entire frame, animators will use one cel with the base body, and another with the mouth - or even the entire face - animated on top of it, so that it blends in seamlessly with the layered cels. They may just change the mouth movements, or may change the facial expression, or even the entire head. This can count for things like arms swinging on static bodies, machine parts, etc. - anything where only part of the object is moving. What matters most is that it blends in seamlessly.
79 Enquanto as produções das séries de TV americanas foram as pioneiras na economia de animação e no reaproveitamento de ciclos de ação, Osamu Tezuka foi quem criou o conceito de bancos de desenhos durante a produção de Astro Boy (1963), a primeira série de tv Japonesa. Desenhos de bocas, por exemplo, usados em uma cena de diálogo, eram catalogados para serem reutilizados em outras cenas.64 Com o início da popularização da internet nos anos 90, e o surgimento do software Flash65, o animador John Kricfalusi, que já tinha experiência nas produtoras de animação limitada Filmation e Hanna-Barbera, entre outras, viu na nova ferramenta uma possibilidade de transportar as técnicas de animação limitada e de recortes para o meio digital. Quando eu comecei esses cartoons, foi uma experiência apenas para ver do que o Flash era capaz como ferramenta de animação. Na época, as pessoas usavam o Flash apenas para letterings animados em banners e anúncios e em alguns jogos simples. Olhei para ele e pensei, “Hmm, eu aposto que poderíamos fazer animação com isso.” Um especialista em Flash que estava trabalhando na Microsoft nos disse que não seria possível. Lip sync66, por exemplo. Ele nos disse, assim como o pessoal do suporte técnico da Macromedia, que não deveríamos nos incomodar tentando fazer os personagens falarem. Então fizemos eles falarem.67 (KRICFALUSI apud SIMPSON, 2007, tradução nossa)
Utilizando as camadas do flash como se fossem as camadas de acetato da animação limitada ou como as peças de papel da animação em recortes, Kricfalusi inaugurou a técnica e fez o primeiro desenho animado em cut-out digital: The Goddamn George Liquor Program (1997), minissérie em oito episódios que foi lançada diretamente para a internet.
64
Without realizing it, Tezuka and Mushi productions created the template for modern Japanese animation. [...] Eiichi Yamamoto, one of the original six members of Mushi productions, identifies eight main cost and timesaving techniques that the staff developed for Mighty Atom to make it succeed: [...] 6.Animating the mouth alone and abbreviating the drawings used, showing only a fully open mouth, a shut mouth, and a partially open mouth to represent characters speaking./ 7.Creating a “bank system” of images to save on the total number of drawings, allowing reuse of the same drawings in different situations. [...] (SCHODT, 2007, p. 71) 65 Originalmente desenvolvido pela Macromedia e hoje pertencente à Adobe, o Flash é uma plataforma multimídia de desenvolvimento de aplicações que contenham animações, áudio e vídeo, bastante utilizada na construção de anúncios publicitários e páginas web interativas. O Flash é capaz de manipular vetores e gráficos para criar textos animados, desenhos, imagens e até streaming de áudio e vídeo pela internet. (CIPOLI, SD) 66 Lip Sync é o trabalho de sincronizar os movimentos da boca dos personagens de acordo com o som de sua fala. 67 When I started the cartoons, it was an experiment just to see whether Flash was even capable of doing cartoon animation at all. At the time, people were just using it for animated lettering in banner ads and some simple games. I looked at it and thought, “Hmm, I’ll bet we could make animation with this.” We had a Flash expert who was working at Microsoft who would tell us what Flash couldn’t do. Lip sync for example. He told us, as did the Macromedia tech support people, that we shouldn’t even bother trying to have the characters talk. So we made them talk.
80 Figura 71 - The Goddamn George Licquor Program (1997), primeira animação em cut-out digital.
Fonte: Disponível em: <https://i.ytimg.com/vi/ZCE0d5xCHJ4/hqdefault.jpg> Acesso em: 17 ago. 2016.
A partir de Kricfalusi, houve muitos avanços nas tecnologias de animação cut-out digital, inclusive com a criação de softwares desenvolvidos especificamente para esse fim, como o TicTacToon, que mais tarde se tornou o Toon Boom. Atualmente muitas séries de televisão são animadas em cut-out digital, inclusive no Brasil. A maioria delas utiliza os softwares da Toon Boom. Figura 72 - Exemplos de Séries para televisão produzidas em Cut-out Digital: A) As Pistas de Blue, 1996; B) Charlie and Lola, 2005; C. A Mansão Foster Para Amigos Imaginários, 2009; D) Adolepeixes, 2010; E) Jake e os Piratas da Terra do Nunca, 2011; F) A Guarda do Leão, 2015.
Fonte: Montagem produzida pela autora com imagens de diversas fontes68.
68
Imagens disponíveis respectivamente em: <http://www.andpop.com/wp-content/ uploads/2014/06/blues-Clues.jpg>;<http://www.radiotimes.com/tv-programme/w2d/charlie-andlola><http://www.artstormfineart.com/blank-l62lg/foster-s-home-for-imaginary-friends><http://starbox. vn/uploads/news/2016_02_02/kaje/4.jpg><http://www.elperiodico.com/es/noticias/tele/ggg-5637509>. Acesso em: 17 ago. 2016.
81 Nos últimos quinze anos, impulsionadas pela revolução das ferramentas digitais e pelos baixos custos de produção, um grande número de séries de animação de recorte surgiram na televisão. “Blue’s Clues” (Kessler), lançada em 1996, é a primeira série desenvolvida para televisão a fazer um uso extenso de animações de recorte digital. Em geral, parece ser uma tendência econômica, direcionada para reduzir custos. (LIMA, 2009, p.21)
Apesar da técnica em comum, há grande diversidade de estilos visuais nas séries de televisão em cut-out digital. Algumas animações como Charlie e Lola e Adolepeixes tomam partido da técnica como elemento de design, chegando a simular propositalmente fotografias recortadas. Animações como Jake e os Piratas e A Guarda do Leão apresentam um uso mais sutil, com um estilo de animação mais fluido e próximo da animação tradicional (full), utilizando escorço e movimentos complexos nos personagens. As séries para TV ocupam hoje grande parcela do mercado de animação brasileiro, com produções de qualidade e alcance internacional através de parcerias com os principais canais de TV por assinatura. A figura 73 mostra alguns exemplos de séries brasileiras de animação cut-out digital. Figura 73 - Exemplos de série brasileiras de Animação Cut-out Digital: A) Princesas do Mar; 2005; B) Meu Amigãozão, 2008; C) Peixonauta, 2009; D) Tromba Trem, 2010; E) Sítio do Picapau Amarelo, 2012; F) Irmão do Jorel, 2014; G) O Show da Luna, 2014; H) O Diário de Mika, 2015.
Fonte: Montagem produzida pela autora com imagens de diversas fontes69.
69
Imagens disponíveis respectivamente em: <http://blogmaniadegibi.com/wp-content/ uploads/2011/11/As_Princesas_do_Mar.jpg><http://portalcentro.com.br/wp-content/uploads/2014/07/ amigaozao.jpg><http://i0.statig.com.br/bancodeimagens/3g/t4/j0/3gt4j006ken147yah4aq1vmlm. jpg><http://www.vcfaz.tv/userpix/209_tromba_trem_1.jpg><https://i.ytimg.com/vi/HbkHuSHYXtg/ maxresdefault.jpg><http://judao.com.br/wp-content/uploads/2014/11/Jorel_02.png><http:// desenharecolorir.com.br/wp-content/uploads/2016/01/show_da_luna_.jpg><http://www.odiariodemika. com.br/downloads/papel_parede/1280x800/o_diario_de_mika_papel_parede_01.png>. Acesso em: 17 ago. 2016.
82 Entre as principais vantagens do cut-out digital estão a economia de material, tempo e recursos, já que tudo pode ser feito digitalmente, desde os cenários até os personagens e a animação em si. Além disso, a câmera é simulada dentro do próprio programa, não sendo mais necessário fotografar ou escanear cada quadro, e é possível reproduzir a animação a qualquer momento na tela do computador. Em programas vetoriais como o Flash e o Toon Boom, as camadas em vetor não tem limite de tamanho, podendo ser escalonadas e distorcidas sem perder a qualidade. Assim, um mesmo desenho pode ser reutilizado várias vezes. Além dos desenhos, sequências inteiras de animação podem ser “copiadas e coladas” em diferentes cenas. Assim como na animação limitada em acetato era possível reaproveitar ciclos de animação, como caminhadas, podem ser criados no cut-out digital bancos de poses, expressões faciais e animações, que são organizados em bibliotecas para serem utilizados durante um projeto. Outra grande vantagem é a interpolação automática: Se as poses dos personagens são bem planejadas, o programa é capaz de criar intervalos entre elas produzindo o movimento. Na animação de recortes tradicional os intervalos eram feitos movendo as peças quadro a quadro, de forma sequencial. Animação de recorte, antes do surgimento das tecnologias digitais, era uma forma de animação stopmotion. A animação stopmotion caracterizava-se, então, pela produção quadro-a-quadro do movimento, através de um processo de criação sintética e sequencial destes quadros, esse procedimento é conhecido como animação direta. (LIMA, 2009, p.25)
Na animação tradicional os intervaladores (animadores-assistentes) eram os profissionais responsáveis por desenhar os intervalos. No cut-out digital fica a cargo do próprio animador controlar os intervalos automáticos feitos pelo programa. O animador cria as poses chaves necessárias e pode ajustar os parâmetros de aceleração e desaceleração dessa ligações para gerar movimentos mais convincentes. A simulação da técnica de keyframe no computador procura reproduzir com exatidão o procedimento verificado na animação clássica: o animador-chefe desenha as posições principais (key positions) de uma curta sequência de ação, fornecendo o referencial para que o animador-assistente preencha os intervalos com desenhos intermediários. [...] Nessa técnica, o grosso dos desenhos fica nos intervalos (embora, numa ação muito complexa, haja necessidade de um número elevado de desenhos-chave). O computador vai responder justamente pela geração dos desenhos intermediários por meio de um processo conhecido por interpolação. (LUCENA JR, 2005, p. 314)
83 9.1 Rig O Rigging, conhecido no Brasil como “fazer o rig” ou “riggar”, é o processo de tornar os personagens em bonecos animáveis dentro do software escolhido para a produção. Rig é uma palavra em inglês que pode ser traduzida como equipamento ou equipar. É exatamente isso que o profissional de Rig, ou rigger, de animação cut-out faz: Transforma os desenhos bidimensionais dos personagens em marionetes com partes móveis subdivididas e interligadas, fornecendo aos animadores um arsenal de ferramentas que visam favorecer o seu trabalho. A complexidade do Rig e a variedade de subdivisões e opções disponíveis depende do tipo de projeto e das limitações do software. O Cavaleiro Medo foi feito no Toom Boom Harmony 10, e será usado como exemplo ao longo do texto. Figura 74 - Peças dos Rigs de O Cavaleiro Medo
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Observando o animatic, o Rigger analisa as demandas de animação e planeja a melhor forma de atender essas necessidades e viabilizar o trabalho do animador. A partir do line up e do turn around (giro) dos personagens (figuras 66, 67 e 68), o rigger vetoriza separadamente cada peça do corpo em uma camada diferente. Em O Cavaleiro Medo, o cavalo, por ter movimentos mais complexos, possui muitas subdivisões nas patas, como pode ser observado na figura 72. Já o Cavaleiro não possui muita movimentação e, por isso, foi dividido em poucas peças. O elmo por exemplo é uma peça única, enquanto que a cabeça do Rapaz possui subdivisões das peças do rosto e do cabelo.
84 Cada uma dessas peças, por sua vez, pode ter um banco de variações do mesmo desenho, como mostra o exemplo da figura 75: Figura 75 - Banco de mãos do Personagem do Rapaz, inspirado em desenhos do animador Milt Kahl.
Fonte: Produzido pela autora, 2016. Quando o design do personagem de recorte é criado, suas partes podem ser divididas em elementos individuais. Um único elemento pode conter muitas variações desta parte específica, por exemplo: A cabeça do personagem pode conter muitas poses ou variações que podem ser substituídas durante a cena, vários ângulos, como perfil, frente, costas ou, ainda para exemplificar, uma mesma cabeça pode possuir várias bocas diferentes, uma para cada situação emocional ou de fala do personagem. Essas variações são usadas para obter poses que não são possíveis de se obter com uma única parte através de articulações ou simplesmente para se obter mais suavidade no movimento ou em suas transições. (LIMA, 2009, p.80, grifo nosso)
Todas essas peças individuais são organizadas em uma estrutura hierárquica. Um braço, por exemplo, é formado 3 peças: mão, antebraço e braço. A mão é filha do Antebraço, que por sua vez é filho do braço. A ferramenta Auto-Patch é uma tecnologia do Toon Boom que torna invisíveis as interseções de peças com linha de contorno.
Figura 76 - Hierarquia do braço e Auto-Patch
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
85 Para cada peça e para cada hierarquia é definido um pivô (pivot point): um ponto que marca o eixo das rotações e demais distorções. O posicionamento dos pivôs influencia diretamente a interpolação automática, pois o programa calculará a trajetória do movimento a partir desses pontos. Figura 75 - Pivôs do braço
Fonte: Produzido pela autora, 2016. A principal vantagem da hierarquia no rig é que você pode selecionar um elemento, como o ombro, e o braço inteiro será automaticamente selecionado com ele. As peças influenciam umas às outras, assim você pode usar a Interpolação Automática (Auto-Inbetween) plenamente. A rotação dos pais irá influenciar os filhos e assim o arco de rotação será respeitado. Isto significa que a animação não vai quebrar; você pode definir poses rápidas e o sistema fará a intervalação para você.70 (TOON BOOM SITE - Choosing the Rigging Technique, tradução nossa) Figura 76 - Exemplo de uso da hierarquia e intervalação automática na rotação do braço.
Fonte: Disponível em: <https://www.toonboom.com/resources/tips-and-tricks/choosing-riggingtechnique>. Acesso em 18 ago. 2016. 70
The main advantage of the hierarchy rig is that you can select an element such as the shoulder, and the whole arm will automatically be selected with it. All of the pieces influence the others, so you can use the Motion keyframe (Auto-Inbetween) fully. The rotation from the parents will influence the children and so the rotation arc will be respected. This means that your animation will not break; you can set quick poses and the system will do the in-between for you.
86 Mesmo com a hierarquia ainda é possível mover cada peça individualmente, garantindo bastante liberdade para o animador, que pode escolher o melhor método para cada situação. É possível inclusive ajustar quadro a quadro (frame a frame) os intervalos gerados pelo computador, por exemplo, para atrasos e follow through (princípios da animação que serão explicados no próximo capítulo), integrando animações pose a pose com animações diretas. 9.1.1 Deformation Uma das grandes evoluções dentro do cut-out digital foi a criação da ferramenta Deformation a partir o Toon Boom harmony 10. Ela permite a criação de uma curva de Bézier com controles ajustáveis que deformam um desenho. Essas deformações podem ser animadas e gerar movimentos fluidos que não seriam possíveis com peças comuns de cut-out, apenas com desenhos quadro a quadro. Deformadores de curva são usados principalmente para animar elementos que não têm articulações, por exemplo cabelo ou características faciais. No entanto, em alguns casos, eles podem ser usados para animar membros em um gênero específico de animação, semelhante ao antigo estilo rubber hose. com curvas tipicamente simples, fluidas, sem articulação (sem pulsos ou cotovelos). (TOON BOOM SITE, Deformation Basics, grifos nossos)
Figuras 77 e 78 - Exemplos recentes de animação Rubber Hose: Hora de Aventura, 2010 e Galáxia Wander, 2013.
http://rubberhosing.blogspot.com.br/2009/01/neo-rubberhosing-adventure-time.html http://hero.wikia. com/wiki/Wander_(Wander_Over_Yonder)
No Estilo de animação Rubber Hose (Mangueira de Borracha), popular nos anos 20 e 30, os personagens apresentavam movimentos curvos e pareciam não possuir estrutura óssea. “Tudo fluía com intermináveis ações em curva, muitas variações
87 de movimentos em 8, figuras redondas realizando ações arredondadas.”71 (WILLIAMS, 2001, p. 232) Esse é um estilo onde o uso de deformadores é bem propício. Em O Cavaleiro Medo o deformation foi usado em algumas peças específicas: No pescoço e nas coxas traseiras do cavalo por apresentarem movimentos muito flexíveis, principalmente durante a corrida; No rabo do cavalo para possibilitar o movimento de ondas; e no tronco do rapaz por conta de sua postura curvada. Figura 79 - Peças com Deformation nos rigs de O Cavaleiro Medo
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
As peças com deformation também podem ser usadas com hierarquia dentro do rig. A cabeça do cavalo é uma peça fixa presa na ponta de cima do deformation do pescoço, então quando o pescoço é deformado, a peça da cabeça acompanha o deslocamento do pescoço sem sofrer deformação. Da mesma forma, toda a hierarquia da canela do cavalo está ligada à ponta da coxa. 9.1.2 Paletas de Cor Também faz parte do trabalho de Rigging no cut-out digital a aplicação das cores definidas previamente no design dos personagens e no color script através 71
“[...] everything flowed with endless curving actions, lots of variations on figure 8’s, round figures making rounded actions
88 da criação de paletas de cor dentro do software. Com a ferramenta conta gotas sobre as artes recebidas, o rigger vai adicionando as cores necessárias à paleta conforme vetoriza os desenhos. O programa funciona de forma que se uma cor da paleta é modificada, todas as peças pintadas com aquela cor serão alteradas. É possível criar variações de uma mesma paleta, de acordo com a iluminação das cenas, por exemplo dia e noite. Esse recurso é muito útil pois apenas clicando na paleta desejada todo o personagem é recolorido instantaneamente. Assim, uma animação de uma cena “dia” pode ser reaproveitada em uma cena “noite”, e vice-versa. Figura 80 - Paletas de cor do Rapaz. Paleta “dia” à esquerda e paleta noite à “direita”.
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
89 9.2 Setup O Setup é a última etapa da pré-produção em um projeto cut-out digital. É o momento de juntar tudo o que foi produzido: o animatic, os cenários e os rigs dos personagens. É gerado um arquivo para cada plano do filme contendo esses elementos posicionados diante da câmera de acordo com o enquadramento definido pelo animatic. Pode incluir também props72 e movimentos de câmera, além de notas do diretor ou outras indicações específicas do plano para o animador. É importante criar previamente um padrão de nomenclatura para os arquivos, para que sejam facilmente organizados e identificáveis. O nome do arquivo deve indicar basicamente o nome do projeto e o número do plano. No caso de uma série, deverão também haver pastas separadas para cada episódio. A nomenclatura deste projeto ficou definida como “CM_xx”. CM são as iniciais de Cavaleiro Medo e xx é o espaço de dois dígitos numéricos correspondentes ao número do plano. Foram definidos dois dígitos porque o curta-metragem possui menos que 99 cenas. Se houvessem 100 ou mais planos, seriam 3 dígitos e assim sucessivamente. Ex: Plano 1 = CM_01; Plano 28 = CM_28 Vários planos podem ocorrer num mesmo cenário, estando ou não na mesma cena ou sequência. Uma forma de organizar agilizar o set-up é separar os planos por cenário. Em o Cavaleiro Medo, por exemplo, os planos 2, 4, 6, 7, 9, 11, 13 e 15 compartilham o cenário da figura 81. Foi criado um arquivo no Toon Boom contendo os elementos desse cenário e, em cada quadro (frame) da linha do tempo, a câmera foi posicionada de acordo com o enquadramento de cada um desses 8 planos. Posteriormente, cada um desses quadros (frames) foi salvo como um arquivo individual, ou seja, 8 novos arquivos correspondentes a cada um dos 8 planos, gerados a partir de um único arquivo relativo àquele cenário.
72
Props: Elementos de cena usados pelos personagens como objetos ou peças de roupas que não fazem parte do design padrão. Exemplos: livro, chapéu, mochila, caneca.
90 Figura 81 - Exemplo de Setup de O Cavaleiro Medo
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Na parte de cima da Figura 81, o retângulo amarelo e vermelho é a câmera, que enquadra o personagem e os elementos do cenário, seguindo a miniatura do animatic no canto superior direito. Cada camada pode ser organizada no eixo z, definido o que vai a frente do quê e permitindo movimentos de câmera com paralaxe73. Há no canto inferior direito uma indicação do número do plano, que ajuda na organização durante a produção. Na exportação (render) final do arquivo de vídeo, o número do plano e o animatic são desabilitados. Na parte de baixo da Figura 81 está a linha do tempo (timeline), com uma linha para cada elemento do arquivo e uma pequena coluna para cada frame. Os pontinhos pretos são os keyframes, marcando o posicionamento da câmera, do personagem e do cenário. Em produções maiores há uma equipe designada apenas para o set-up. Concluída essa etapa, o animador recebe os arquivos prontos para serem animados.
73
Paralaxe: Efeito visual em que objetos distante parecem se mover mais lentamente o objetos próximos parecem se mover mais rápido. Explicado anteriormente no Capítulo 7.2.
91 10 ANIMAÇÃO DE PERSONAGENS EM CUT-OUT DIGITAL Como foi dito no capítulo anterior, a animação cut-out digital é uma técnica recente, que vem sendo absorvida e aprimorada pelo mercado, principalmente por sua economia de tempo e recursos. Porém, apesar de todos os avanços tecnológicos e todas novas ferramentas e possibilidades proporcionadas a cada atualização dos softwares, isso não garante uma boa animação. Desde os primórdios da animação, muitas descobertas foram feitas, no tocante a como tornar um movimento convincente, e é inegável a contribuição dos estúdios Disney nesse sentido. Ollie Johnston e Frank Thomas registraram no livro Disney Animation: The Illusion of Life (1984) as experiências e conhecimentos alcançados pelo estúdio até em então. Eles enumeraram 12 princípios da animação, que são seguidos até hoje por animadores de todas as técnicas, seja em desenhos sobre papel, Stop Motion, Computação Gráfica 3D, ou cut-out. Os animadores continuaram buscando por melhores métodos de relacionar os desenhos entre si e encontraram alguns caminhos que pareciam produzir um resultado previsível. Eles não podiam prever sucesso todas as vezes, mas essas técnicas especiais para desenhar um personagem em movimento ofereciam certa segurança. Conforme cada um desses processos adquiria um nome, ele era analisado, aperfeiçoado e discutido, e quando novos artistas se juntavam à equipe, estas práticas eram ensinadas, como se fossem regras do ofício. Para a surpresa de todos, eles se tornaram os princípios fundamentais da animação: 1. 2. 3. 4. 5.
Squash e Stretch [Comprimir e Esticar] Antecipação Staging [Encenação] Animação direta e pose a pose Follow Through e Overlapping Action [movimentos secundários ou de continuidade da ação principal] 6. Aceleração e desaceleração 7. Movimentos em Arco 8. Ação Secundária 9. Timing [temporização]74 10. Exagero 11. Desenho sólido 12. Apelo (JOHNSTON; THOMAS, 1995, p. 48, tradução nossa) 74
The animators continued to search for better methods of relating drawings to each other and had found a few ways that seemed to produce a predictable result. They could not expect success every time, but these special techniques of drawing a character in motion did offer some security. As each of these processes acquired a name, it was analyzed and perfected and talked about, and when new artists joined the staff they were taught these practices as if they were the rules of the trade. To everyone’s surprise, they became the fundamental principles of animation: 1.Squash and Stretch/ 2.Anticipation/ 3.Staging/ 4.Straight Ahead Action and Pose to Pose/ 5.Follow Through and Overlapping Action/ 6.Slow In and Slow Out/ 7.Arcs/ 8.Secondary Action/ 9.Timing/ 10.Exaggeration/ 11. Solid Drawing / 12.Appeal
92 A seguir será mostrado o método de animação utilizado em O Cavaleiro Medo, apresentando alguns exemplos do filme e como os princípios da animação foram sendo aplicados em cada um deles. Ao longo do texto, os princípios aparecem em negrito ao serem citados pela primeira vez, acompanhados de suas respectivas definições e explicações. Nesses exemplos foi utilizado o programa Toon Boom Harmony 10, a uma taxa de 24 fps (frames por segundo) e animação by two, ou seja, cada intervalo tem uma exposição de 2 quadros. A animação cut-out digital se baseia essencialmente no princípio de animação pose a pose: Definem-se as poses chaves para que o programa gere os intervalos. (ver p. 89) Além dessa característica do programa, na animação pose a pose é mais fácil prever os resultados da animação, permitindo que seja avaliada por etapas. Pelas poses chaves, o animador ou diretor podem saber se uma cena vai funcionar bem e se está de acordo com a demanda antes mesmo de estar totalmente terminada, garantindo maior controle de direção e de produção. Pose a pose é um método popular também para animar digitalmente figuras articuladas porque permite mais precisão e controle sobre a ação na narrativa, fornecendo controles ao animador. O animador define o movimento através de um conjunto de poses. Uma vez definidas as principais poses e breakdowns (nos programas de animação digitais são chamados somente de keyframes – quadros-chave) fica fácil produzir as poses intermediárias por interpolação digital que vão definir o tempo e o formato final da ação. (LIMA, 2009 p. 47)
No Toon Boom, todas as posições chaves são chamadas de key frames, mas conceitualmente há 4 tipos de poses chaves necessárias para que os intervalos, e consequentemente o movimento, funcionem corretamente: Storytellings, Breakdowns, Antecipações e Exageros. 10.1 Storytellings (ST) Os Storytellings (ST) são as poses que contam a história, essenciais para que se entenda o que está acontecendo na cena e o que o personagem está sentindo. Por isso, são geralmente as mesmas poses já presentes no storyboard. O plano 6, por exemplo, possui 3 storytellings: ST 1 - Rapaz olha para a direita; ST 2 - Rapaz olha para a esquerda. ST 3 - Rapaz se encolhe por conta do vento repentino.
93 Figura 82 - Storytellings do plano 6
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
A primeira etapa da animação pose a pose é posicionar o personagem de acordo com os storytellings. Nesse momento se aplica o princípio de encenação (staging), cujo objetivo é tornar cada uma dessas posições claras e legíveis, apresentando as ideias de forma precisa para que sejam entendidas e reconhecidas perfeitamente pelo público75 (JOHNSTON; THOMAS, 1995, p. 54). Figura 83 - Posando o personagem
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Para isso são feitos thumbnails para melhorar a pose do storyboard. A figura 83 mostra como exemplo os storytelling 2 do plano 6, em que o rapaz está observando o platô. Pelo contexto do filme sabemos que ele está alerta, tentando reconhecer o local, o que fica melhor expresso pelos braços abertos e mãos e pescoço esticados do thumbnail 1. O thumbnail 2 leva essa ideia adiante melhorando sua silhueta (e a linha de ação), aplicando também o princípio de desenho sólido (solid drawing), que é dar ao desenho uma sensação de volume através de perspectiva e linhas de construção mais precisas. A seguir, o esboço é posicionado sobre o rig com um pouco de transparência e as peças do personagem vão sendo reposicionadas para chegar à forma geral da pose. Por último, o esboço é colocado à parte e são feitos os ajustes 75
“Staging” [...] is the presentation of any idea so that is completely and unmistakably clear. An action is staged so that is understood, a personality so that it is recognizable, an expression so that it can be seen, a mood so that it will affect the audience.
94 finos da pose, como as expressões faciais e outros detalhes, somando ao staging e ao desenho sólido o princípio do apelo (appeal), que já começa a ser aplicado desde a fase de elaboração do design dos personagens. Um desenho fraco não tem apelo. Um desenho que é complicado ou difícil de ler não tem apelo. Um design pobre, formas desajeitadas, movimentos estranhos, todos são fracos no apelo. Os espectadores gostam de assistir algo que seja atraente para eles, seja uma expressão, um personagem, um movimento ou toda uma situação dentro da história. Enquanto um ator real tem carisma, o desenho animado tem um apelo.76 (Ibid., p. 69, tradução nossa, grifos nossos)
Seguindo basicamente esse mesmo processo, o puppet do personagem foi posicionado de acordo com os demais storytellings. Figura 84 - Poses de Storytelling do plano 6
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
10.2 Breakdowns (BD) O ST 1 é considerado uma pose resultante do ST 2, ou seja, uma variação da mesma pose. Embora o movimento que liga essas poses seja bem simples, o programa não consegue intervalar corretamente por conta da cabeça que “flipa” (é espelhada). Os desenhos são bidimensionais e o programa, que os interpreta como se fossem folhas de papel, na tentativa de girar a cabeça cria algo parecido com o que mostra a figura 85, que claramente quebra o princípio de desenho sólido: 76
A weak drawing lacks appeal. A drawing that is complicated or hard to read lacks appeal.Poor design, clumsy shapes, awkward moves, all are low in appeal. Spectators enjoy watching something that is appealing to them, whether an expression, a character, a movement, or whole story situation. While the live actor has charisma, the animated drawing has appeal.
95 Figura 85 - Intervalo automático gerado quando a peça da cabeça é espelhada.
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Para tornar esse movimento fluido foram necessários breakdowns: poses feitas entre duas poses chaves que definem como será a transição de um personagem de uma ideia para a outra77 (GOLDBERG, 2008, p. xvii, tradução nossa). A forma como o animador decide fazer os breakdowns também confere personalidade ao personagem e ao movimento. Figura 86 - Storytellings (ST) e Breakdowns (BD)
Fonte: Produzido pela autora, 2016
Ao invés de uma única pose no meio, o movimento do exemplo possui 2 breakdowns, um mais próximo do ST1 e outro mais próximo do ST2, para que assim as interpolações automáticas de ST1 para BD1 e de BD2 para ST2 funcionem. Para que não ocorra novamente o erro de interpolação da cabeça (“flip”), não existem intervalos entre BD1 (F 21)78 e BD2 (F 23), como mostram as figuras 86 e 87. Normalmente as pessoas piscam ao virar de um lado para o outro, por isso, nas poses de breakdown entre os storytellings 1 e 2 o personagem está de olhos 77
Breakdown: The initial drawing or position made between two keys, which defines how a character transitions from one idea to another. 78 F é a indicação de frame. F 21 equivale ao frame 21 e assim por diante.
96 fechados. Os músculos da face são interligados, de forma que interferem uns nos outros, fazendo com que todos os elementos do rosto se comprimam juntos (princípio de squash): olhos sobrancelhas, boca, bochechas e até mesmo o nariz. Além disso os ombros sobem, a cabeça desce e os braços e pernas ficam ligeiramente dobrados, comprimindo não só o rosto mas todo o corpo. Isso faz com que os dois breakdowns sejam mais baixos que os storytellings, criando um movimento em arco (princípio 7). Sem a aplicação desse princípio o movimento ficaria rígido e artificial. Tirando algumas exceções, como um soco ou a ação de um pica-pau, a maioria dos movimentos na vida real segue um padrão circular. Definidas as poses chaves do movimento (nesse caso storytellings e breakdowns) é feita a intervalação, aplicando os princípios de temporização (timing) e aceleração e desaceleração, também conhecidos como espaçamento (spacing). O timing define a duração em frames dos movimentos, e também das pausas entre eles, determinando o ritmo do filme. É importante encontrar equilíbrio para dar ao espectador tempo suficiente para perceber o que está acontecendo sem perder a dinâmica das cenas. Os primeiros frames de um plano são sempre os mais difíceis de identificar, então recomenda-se um mínimo de 8 frames estáticos para que a pose inicial seja percebida antes de iniciar a ação. No exemplo dado o movimento começa a partir do frame 17, para que o espectador perceba que o rapaz estava parado observando o local. O espaçamento é o processo de determinar a distância entre os desenhos, sabendo que quanto maior a distância entre eles, mais rápida fica a ação e quanto mais próximos, mais lento fica o movimento79 (GOLDBERG, 2008, p. xx, tradução nossa). Isso influencia diretamente na visualização do movimento, pois desenhos próximos terão uma leitura melhor que desenhos distantes entre si. Costuma-se usar mais desenhos próximos aos storytellings do que desenhos próximos aos breakdowns, como pode ser observado na figura 87. A relação entre temporização e espaçamento é o que passa a sensação de movimento. “Animation...It’s all in the timing and in the spacing”80 (NATWICK apud WILLIAMS, 2001, p. 35, tradução nossa). Timing e Spacing funcionam em conjunto 79
Spacing: The processes of determining how far apart the positions should be from one another, based on the knowledge that the farther apart, the faster the action, the closer together, the slower the action. 80 “Animação... está tudo no tempo e no espaçamento.”
97 e são representados por um diagrama chamado chave de animação: um gráfico que marca o número dos frames e a distância espacial entre eles, determinando aceleração e desaceleração ou constância dos desenhos. Na chave, os frames circulados identificam os Storytellings, os frames sublinhados identificam os Breakdowns e os demais frames são os intervalos, que não possuem marcação diferenciada. Figura 87 - Storytellings (ST), Breakdowns (BD), intervalos e chave de animação.
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
Em nosso exemplo, o movimento começa acelerando do ST 1 (F17) para o BD 1 (F21), e desacelerando do BD 2 (F23) para o ST 2 (F31). Os breakdowns possuem um espaçamento grande entre eles, mas um timing de apenas 2 frames de distância (F21 a 23), pois estão no meio da aceleração. Dessa forma, não são percebidos individualmente, mas como parte do movimento. Por outro lado, a chegada no segundo storytelling é bem suave, pois a distância entre os desenhos vai diminuindo e o timing de 8 frames (F23 a 31) garante a boa leitura da nova pose. Esse processo desacelerar para valorizar a última pose chama-se acomodação. Outro princípio que foi aplicado neste exemplo é o movimento secundário (Follow Through) no cabelo, um movimento secundário resultante do movimento principal de virada da cabeça. “As coisas não vêm e param todas ao mesmo tempo. [...] primeiro vem uma coisa e depois a outra.”81 (DISNEY apud JOHNSTON; THOMAS, 1995, p. 60, tradução nossa). O cabelo segue a trajetória da cabeça por estar preso a ela, mas sofre um atraso por ser mais maleável e possuir um peso diferente do restante do corpo. Isso fica evidente nos frames 19 e 21, em que todo o corpo acelera para baixo mas o cabelo ainda está para cima por conta da inércia. O movimento do 81
“Things don’t come to a stop all at once, guys; first there’s one part and then another”
98 personagem termina no frame 31, mas o cabelo por conta do atraso desacelera até o frame 33. Exemplos de aplicação desse princípio em outras cenas do projeto são o rabo do cavalo, que faz um movimento de ondas para trás conforme ele corre, e as mangas do pijama e barras da calça que, em movimentos mais bruscos também sofrem atrasos e continuam balançando mesmo depois que que o movimento principal já parou, desacelerando até que a energia acumulada se dissipe. A diferença entre o princípio 5, movimento secundário (Follow Through) e o princípio 8, Ação secundária (Secondary Action), é que o primeiro é um movimento involuntário, resultado da aplicação de leis da física e de como cada material se comporta. O segundo é sempre uma ação realizada pelo próprio personagem, como gesticular ou coçar a cabeça enquanto fala. Embora não seja a ação principal, agrega tridimensionalidade, personalidade, e sutileza à animação. 10.3 Antecipações e Exageros O exemplo anterior mostrou um movimento sutil, entre duas poses resultantes, em que não houve alteração emocional. Quando há uma mudança no que o personagem está sentindo ou pensando, ou quando ele realiza uma ação, a animação precisa realçar essa transição de um storytelling para o outro. A antecipação prepara o espectador para o movimento e o exagero enfatiza o que aconteceu. O grande animador Bill Tytla disse “há somente 3 coisas em animação: 1. Antecipação 2. Ação 3. Reação E isso implicará o restante. Aprenda como fazer bem essas coisas e você poderá animar bem.” Charlie Chaplin disse: 1. Diga-os o que você vai fazer 2. Faça 3. Mostre o que você fez.82 (WILLIAMS, 2001, p. 273, tradução nossa).
82
The great animator, Bill Tytla said, “There are only three things in animation / 1. Anticipation / 2. Action / 3. Reaction / and these imply the rest. Learn to do this thing well and you can animate well.” Chaplin said, 1. Tell’em what you’re going to do / 2. Do it. / 3. Tell’em that you’ve done it.
99 A antecipação é algo que existe na física. É natural acumular energia antes de realizar um movimento, e isso é feito através de um movimento contrário, como agachar antes de saltar, levar o pé para trás antes de chutar uma bola ou quando uma flecha ou um estilingue que são puxados para trás antes de serem arremessados. Mesmo que não sejam tão perceptíveis como nesses exemplos, as pessoas realizam antecipações em quase todos os movimentos e isso é incorporado e realçado ao animar a atuação de um personagem, de modo a deixar claro o que vai acontecer. As pessoas na plateia assistindo uma cena animada não serão capazes de compreender os acontecimentos na tela a menos que haja uma sequência planejada de ações que os conduza claramente de uma atividade para a próxima. Eles devem estar preparados para o próximo movimento e esperar por ele antes mesmo que ocorra. Isto é conseguido precedendo cada ação significativa com um movimento específico que antecipa para o público o que está prestes a acontecer. [...] Os movimentos antecipatórios podem não mostrar por que ele está fazendo algo, mas não há nenhuma dúvida sobre o que ele está fazendo - ou o que vai fazer a seguir. Esperando por algo, o público pode agora apreciar a maneira como é feito.83 (JOHNSTON; THOMAS, 1995, p. 52-53, tradução nossa)
Já o exagero seria a dissipação da energia restante após a realização do movimento até que se chegue a um estado de repouso. O exagero valoriza a pose final, realçando-a por ser uma versão mais extrema da mesma. Enquanto a antecipação prepara a saída da pose inicial, o exagero evidencia a chegada na nova pose. O exemplo a seguir mostra os Storytellings finais do plano 7, em que o rapaz leva um susto ao ver uma nuvem negra se aproximar. O Exagero (E) é uma variação do ST 4, em que foi usado o princípio de stretch (esticar), em elementos individuais e no personagem como um todo: o pescoço estica, fazendo a cabeça ir mais para cima enquanto os ombros descem e os braços e mãos esticam para baixo; as pernas esticam fazendo o tronco subir; a expressão facial fica mais extrema com os olhos mais abertos e as pupilas menores, sobrancelhas mais arqueadas, boca mais aberta e o cabelo mais arrepiado. No cut-out digital essas distorções são feitas utilizando-se peças e hierarquias do rig. Elas serão mais extremas ou mais sutis dependendo do 83
People in the audience watching an animated scene will not be able to understand the events on the screen unless there is a planned sequence of actions that leads then clearly from one activity to the next. they must be prepared for the next movement and expect it before it actually occurs. This is achieved by preceding each major action with a specific move that anticipates for the audience what is about to happen. [...] The anticipatory moves may not show why he is doing something, but there is no question about what he is doing - or what he is going to do next. Expecting that, the audience can now enjoy the way it is done.
100 estilo de animação, mas em todos os casos é preciso atentar para que não haja perda de volume. Ao esticar, por exemplo, um braço verticalmente, deve-se compensar achatando-o horizontalmente para não parecer que ele aumentou de tamanho. Por isso, squash e stretch (comprimir e esticar) funcionam sempre juntos. Figura 88 - Storytellings (ST), Antecipação (A) e Exagero (E)
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
A antecipação (A), é uma variação do ST 3, em que cada parte do personagem é comprimida na direção oposta ao exagero: A cabeça fica encolhida entre os ombros, e os músculos da face se comprimem em torno dos olhos fechados; os braços se dobram e o as mãos se fecham; as pernas dobram e a coluna fica curvada. Figura 89 - Storytellings (ST), Antecipação (A), Breakdown (BD), Exagero (E), intervalos e chave de animação.
Fonte: Produzido pela autora, 2016.
O Personagem desacelera para a antecipação (F69 a 77) justamente para que antecipação possa ser vista. Ele acelera para o exagero (F77 a 81) e desacelera para a pose final, valorizando-a (F81 a 89). Entre a antecipação e o exagero existe um
101 breakdown para corrigir o intervalo gerado pelo computador, mantendo o movimento em arcos e o desenho sólido, e para acrescentar sutilezas como o atraso do cabelo e uma troca no desenho da mão. Como foi dito, o cut-out utiliza bancos de desenhos, então não é possível gerar, por exemplo um intervalo entre dois desenhos de mão, a não ser com um desenho novo. Para que essas trocas de desenho não sejam percebidas e funcionem de forma fluida dentro do movimento, devem acontecer sempre no maior espaçamento, ou seja, nos momentos de maior aceleração. No exemplo, as trocas acontecem nos frames 71, 79 e 81, que são os momentos onde os desenhos ficam mais distantes do frame anterior e do seguinte. Como foi visto, todos os princípios trabalham juntos, de forma coordenada. Integrar esses princípios e saber que poses chaves usar, entre antecipações, exageros e breakdowns, é algo que vem tanto da observação da vida real, como do estudo de outras animações e principalmente da prática. A melhor forma de aprender animação é animando. “O problema não é um único aspecto individualmente. Animação não é apenas tempo, ou apenas um personagem bem desenhado, é a soma de todos os fatores listados. [...] O que você como animador está interessado é em transmitir um certo sentimento que você quer que aconteça num determinado espaço de tempo. Você usa todos os artifícios para alcançar isso. [...]” Transmitir de forma convincente um certo sentimento é a essência da comunicação em qualquer forma de arte.84 (TYTLA apud JOHNSTON; THOMAS, 1995, p. 16 tradução nossa, grifo do autor)
84
“The problem is not a single track one. Animation is not just timing, or just a well-drawn character, it is the sum of all factors named. [...] What you as an animator are interested in is conveying a certain feeling you happen to have at that particular time. You do all sorts of things in order to get it. [...]” Conveying a certain Feeling is the essence of communication in any art form.
102 11 CONCLUSÃO Este trabalho de Conclusão de Curso foi uma oportunidade de, através da pesquisa teórica, do trabalho prático e da escrita da monografia, aprofundar e consolidar meus conhecimentos no âmbito da animação. Pude também explorar e trabalhar com especificidades da técnica de animação cut-out digital, que atualmente têm grande presença no mercado brasileiro. O Projeto compreendeu todas as etapas de planejamento visual e técnico necessárias à pré produção de uma animação digital, desde a concepção da ideia até o seu fechamento: Roteiro, Storyboard, Layout, Animatic, Color Script, Design de Cenários, Design de Personagens, Rig e Setup, além da animação de algumas cenas para testar e aprimorar o Rig e da edição preliminar da trilha sonora no animatic. Dessa forma foi possível ter um contato mais profundo com cada uma dessas etapas, aprendendo a importância de cada uma e como se relacionam entre si. O embasamento teórico adquirido através do estudo da bibliografia, das pesquisas e da análise de referências deu respaldo às tomadas de decisão e escolhas visuais, garantindo soluções satisfatórias dentro do que foi proposto. Em cada fase do projeto foi possível desenvolver habilidades e, dentre os resultados obtidos, destacam-se: a resolução da narrativa através do storyboard; a criação de cenários projetados para movimentos de câmera específicos; o aprofundamento no estudo de teoria da cor e pintura digital para a criação do color script e dos cenários; a criação de um estilo visual capaz de integrar personagens de temporalidades diferentes; o aprendizado e aplicação de técnicas de rig e setup; e a integração de todos esses elementos durante a animação, trazendo a gratificante sensação de ver o personagem ganhar vida. O planejamento do filme foi concluído, com todo o material necessário para a etapa de produção. Pretendo num futuro próximo animar as cenas restantes e finalizar o filme na intenção de inscrevê-lo em festivais de animação. Além da pré-produção do filme, um dos objetivos era que essa monografia se tornasse um material de consulta para animadores iniciantes em busca de orientação para suas produções. Procurei escrever de maneira clara, integrando conhecimentos teóricos e demonstrando de que forma foram aplicados nas diferentes etapas do projeto. O fato de ser escrito em português é relevante para estudantes brasileiros pois a grande maioria das referências sobre o assunto são em inglês. Por isso busquei traduzir e incluir
103 importantes citações para ampliar o acesso à essas informações e o entendimento dos assuntos tratados. Para auxiliar na pesquisa dos colegas estudantes adicionei após as referências uma bibliografia recomendada, uma lista de obras consultadas que, apesar de não terem sido citadas no texto, foram de grande auxílio na realização desse projeto.
104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Dicionário De Psicologia Da APA. Porto Alegre: Artmed, 2010. BACHER, Hans P. Dream Worlds: Production Design in Animation. Burlington, MA: Focal, 2008. BANCROFT, Tom. Creating Characters with Personality. New York: Watson-Guptill Publications, 2006. BAYLES,David; ORLAND,Ted. Art and Fear: Observations on the Perils (and Rewards) of Artmaking. Santa Cruz, CA & Eugene, OR: Image Continuum Press, 2001. CANTOR, Jeremy; VALENCIA,Pepe; Bill Kroyer, Michael Ford, and Kyle Clark. Inspired: 3D Short Film Production. Boston, MA: Thomson Course Technology PTR, 2004. CARRIÈRE, Jean-Claude; BONITZER, Pascal. Prática Do Roteiro Cinematográfico. São Paulo, SP: JSN, 1996. FIELD, Syd. Manual Do Roteiro: Os Fundamentos Do Texto Cinematográfico. Rio De Janeiro: Objetiva, 2001. GOLDBERG, Eric. Character Animation Crash Course! Los Angeles: Silman-James Press, 2008. GLEBAS, Francis. Directing the Story: Professional Storytelling and Storyboarding Techniques for Live Action and Animation. Burlington: Focal, 2009. GUEDES, Sarah Carvalho. Color Script, uma Narrativa Pela Cor. Suas Origens e seu Estabelecimento como Etapa de Produção na Indústria da Animação. Monografia (Cinema de Animação e Artes Digitais). Belo Horizonte: Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, 2016 HAINES, Stewart. Perspective in Background Panoramas: Simulating camera motion in traditional animation. Centre for Animation and Interactive Media, RMIT. 2004. JOHNSTON, Ollie; THOMAS, Frank. Disney Animation: The Illusion of Life. New York: Abbeville, 1984. LIMA, Daniel Pinheiro. Animação De Recorte do Stopmotion ao Digital. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais). Belo Horizonte: Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009. LUPTON, Ellen; PHILLIPS, Jennifer Cole. Novos Fundamentos Do Design. São Paulo: Cosac & Naify, 2008. SCHODT, Frederik L. The Astro Boy Essays: Osamu Tezuka, Mighty Atom, and the Manga/anime Revolution. Berkeley: Calif., 2007.
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107 JAKE e os Piratas da Terra do Nunca, Roberts Gannaway, EUA, 2011 MEU AMIGÃOZÃO, Criação: Andrés Lieban,Claudia Koogan Breitman, Brasil, Canadá, 2008. O SHOW da Luna. Criação: Célia Catunda, Kiko Mistrorigo, Brasil, 2014. O DIÁRIO de Mika. Criação: Elizabeth Mendes, Brasil, 2015. O SENHOR dos Anéis: A Sociedade do Anel. Direção: Peter Jackson, Nova Zelândia, 2001. PEIXONAUTA. Criação: Célia Catunda, Kiko Mistrorigo. Direção: Paulo Tatit, Brasil, 2009. PERSISTENCE of Vision. Direção: Kevin Schreck,Canadá, Reino Unido, EUA, 2012. PRINCESAS do Mar. Criação: Fábio Yabu, Brasil, Espanha, Austrália, 2005. SÍTIO do Picapau Amarelo. Direção de Humberto Avelar. São Paulo e Rio de Janeiro, Mixer/Rede Globo/2DLab, 2011. SPIRIT: O corcel indomável. Direção: Kelly Asbury; Lorna Cook 2002. TARZAN. Direção: Chris Buck; Kevin Lima, EUA, 1999. THE GODDAMN George Liquor Program. Direção: John Kricfalusi, EUA, 1997. TROMBA Trem. Direção de Zé Brandão. Rio de Janeiro, Copa Studio, 2011. UP - Altas Aventuras. Direção: Pete Docter; Bob Peterson, EUA, 2009. VALENTE Direção:Brenda Chapman; Mark Andrews, EUA,2012
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