UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO - FAU/UFRJ
SEMINÁRIO DE PATRIMÔNIO E TEORIA
“RECUPERANDO A ARQUITETURA ART DÉCO NO MÉIER:O CASO DO SOBRADO CAFÉ E BAR
JARDIM DO MÉIER”
João Victor Porto, Larissa Paixão, Mayara Almeida e Vitor Igarashi
Professora: Cláudia Nóbrega
RIO DE JANEIRO
CRÉDITO DE IMAGENS
Figura 1 – PORTO, João Victor. Colagem com elementos do Méier. 2024.
Figura 2 – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (Iphan). Restauração da fachada do Edifício Docas de Santos, sede do Iphan-RJ. Foto: Marcos Gusmão.
Figura 3 – DIÁRIO DO RIO. Restauração da antiga sede da Sociedade Italiana de Beneficência e Mútuo Socorro, na Praça da República. Foto: Rafa Pereira.
Figura 4 – O GLOBO. Reforma na fachada do Convento do Carmo na Praça Quinze. Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo.
Figura 5 - PAIXÃO, Larissa. Sobrado de esquina. Endereço: Rua Arquias Cordeiro, 444, Méier, RJ. Acervo pessoal, 2 nov. 2024.
Figura 6 - IARL. Vista do comércio próximo ao Viaduto Castro Alves, também conhecido como Viaduto do Méier, 1968, com o Café e Bar Jardim do Méier. Arquivo Geral do Município do Rio de Janeiro. (imagem não reproduzível)
Figura 7 - Planta para projeto da construção do viaduto do Méier, 1968. Fonte: Arquivo Imagens do Rio de Janeiro.
Figura 8 - DIÁRIO CARIOCA, edição 09515, de 1959, Rio de Janeiro. Fonte: Hemeroteca. (imagem não reproduzível)
Figura 9 - JORNAL DO BRASIL, edição 00082, de 1941, Rio de Janeiro. Fonte: Hemeroteca. (imagem não reproduzível)
Figura 10 - DIÁRIO DE NOTÍCIA, edição 13963, de 1968, Rio de Janeiro. Fonte: Hemeroteca. (imagem não reproduzível)
Figura 11 - DIÁRIO DE NOTÍCIA, edição 11170, de 1958, Rio de Janeiro. Fonte: Hemeroteca. (imagem não reproduzível)
Figura 12 - DIÁRIO DE NOTÍCIA, edição 08832, de 1951, Rio de Janeiro. Fonte: Hemeroteca. (imagem não reproduzível)
Figura 13 - A LUTA DEMOCRÁTICA: Um jornal de luta feito por homens que lutam pelos que não podem lutar, edição 04490, de 1968, Rio de Janeiro. Fonte: Hemeroteca. (imagem não reproduzível)
Figura 14 - A LUTA DEMOCRÁTICA: Um jornal de luta feito por homens que lutam pelos que não podem lutar, edição 07918, de 1980, Rio de Janeiro. Fonte: Hemeroteca. (imagem não reproduzível)
Figura 15 – CORREIO DA MANHÃ, edição 22743, de 1967, Rio de Janeiro. Fonte: Hemeroteca. (imagem não reproduzível)
Figura 16 - Vista do Sobrado Comercial, na Rua Arquias
Cordeiro em 2011. Fonte: Google Street View. Acesso em: 19 dez. 2024.
Figura 17 - Vista do Sobrado Comercial, na Rua Arquias
Cordeiro em 2014. Fonte: Google Street View. Acesso em: 19 dez. 2024.
CRÉDITO DE IMAGENS
Figura 18 - Vista do Sobrado Comercial, na Rua Arquias
Cordeiro em 2017. Fonte: Google Street View. Acesso em: 19 dez. 2024.
Figura 19 - Vista do Sobrado Comercial, na Rua Arquias
Cordeiro em 2019. Fonte: Google Street View. Acesso em: 19 dez. 2024.
Figura 20 - Vista do Sobrado Comercial, na Rua Arquias
Cordeiro em 2021. Fonte: Google Street View. Acesso em: 19 dez. 2024.
Figura 21 - Vista do Sobrado Comercial, na Rua Arquias
Cordeiro em 2024. Fonte: Google Street View. Acesso em: 19 dez. 2024.
Figura 22 - O GLOBO. Reportagem sobre a deterioração do prédio. O Globo, 15 out. 2016.
Figura 23 - Estação de trem Méier após algumas décadas.
Fonte: O Rio de Antigamente
Figura 24 - Estatua do Aristides Caire no Jardim do Meier.
Fonte: Site Itaocara Rj.
Figura 25 - Vista do outro lado dos trilhos do comércio próximo ao Viaduto Castro Alves, 1968, com o Café e Bar
Jardim do Méier. Autor: Fotógrafo IARL. Fonte: Arquivo Geral do Município do Rio de Janeiro (imagem não reproduzível)
Figura 26 - Figura 26 – Planta Baixa do contexto do prédio. Autoria do grupo, 2024.
Figura 27 - Vista do comércio próximo ao Viaduto Castro Alves, também conhecido como Viaduto do Méier, 1968, com o Café e Bar Jardim do Méier. . Fonte: Arquivo Geral do Município do Rio de Janeiro. (Imagem não reproduzível)
Figura 28 - Imagem do Corpo de Bombeiros do Méier, 1943/45. Fonte: FGV
Figura 29 - Rua Arquias Cordeiro 285 a 291 - Méier, maio 2024. Fonte: Google Maps.
Figura 30 – Planta Baixa do Projeto do Ateliê Integrado do grupo com destaque no edifício. Acervo do grupo, 2024.
Figura 31 - Mapa de Danos - Acervo do grupo, 2024.
Figura 32 - Mapa de Danos - Acervo do grupo, 2024.
Figura 33 – Restauração da Fachada. Acervo do grupo, 2024.
Figura 34 - Figura 34 – Planta do Projeto (térreo). Acervo do grupo, 2024.
Figura 35 – Planta do Projeto (1° Pavimento). Acervo do grupo, 2024.
SUMÁRIO
02
Introdução 03 04 05 06
Estudo Bibliográfico
Estudo da área de projeto
Art Déco Projeto Considerações finais
INTRODUÇÃO
O presente caderno tem como objetivo investigar a recuperação da arquitetura Art Déco no Méier, com foco no Sobrado Café e Bar Jardim do Méier, um edifício histórico datado da década de 1940. Localizado em um ponto estratégico, em frente ao Jardim do Méier e próximo à estação de trem, o sobrado é um marco da memória local, que, ao longo dos anos, foi sendo negligenciado devido a problemas administrativos e de segurança. Atualmente, a edificação encontra-se em estado de degradação, com sua fachada deteriorada, falta de manutenção, lojas no térreo desocupadas e uma ocupação informal no espaço.
A proposta de requalificação do sobrado surge da preocupação com o abandono de um edifício relevante na história do bairro e no desenvolvimento cultural local, além da necessidade de ações voltadas à preservação de patrimônios históricos em áreas de subúrbio, uma vez que os projetos de proteção ao patrimônio se concentram principalmente nas áreas turísticas da cidade, como a zona sul e o centro.
Este estudo inclui levantamentos fotográficos antigos, consultas a arquivos digitais e jornais que documentam a evolução do sobrado e a transformação do bairro ao longo do tempo. A partir dessa análise histórica, o trabalho propõe ações projetuais voltadas a preservar a memória, restaurando a fachada original e reparando os elementos degradados. O projeto visa à revitalização do edifício, incluindo a ativação do térreo e a proposta de moradias no primeiro pavimento. O intuito é resgatar o valor arquitetônico e cultural da edificação, além de garantir a segurança e a preservação do espaço para uso público e habitacional. A recuperação do sobrado é, portanto, uma forma de preservar o patrimônio histórico, promovendo sua integração ao novo contexto da cidade.
Palavras-chave: Arquitetura Art Déco, Recuperação do Patrimônio, Méier, Revitalização Urbana.
PRINCÍPIO DE RESTAURO
Ao longo dos anos, diversos teóricos e documentos fundamentaram os princípios da preservação e restauração de bens culturais, essenciais para garantir que os monumentos e edifícios históricos permaneçam como documentos fiéis da memória coletiva. A preservação de bens culturais é motivada pelo seu valor histórico, artístico, memorial ou simbólico, e a necessidade de assegurar que esses bens transmitam seu significado cultural às futuras gerações. Beatriz Kuhl destaca que esse processo é fundamental para que os bens se perpetuem, mantendo-se como suportes de conhecimento e memória coletiva (KUHL, 2008).
No campo da restauração, o conceito passou por diferentes abordagens ao longo do tempo. Cesare Brandi, arquiteto italiano e crítico de arte, elaborou a teoria do "restauro crítico" nos anos 1940. Em sua obra "Teoria da Restauração", ele estabeleceu parâmetros para a preservação de obras de arte, que continuam a ser fundamentais. Seus princípios incluem a distinguibilidade, para que as intervenções não se confundam com os elementos originais, a reversibilidade, para que a restauração permita futuras intervenções, e a mínima intervenção, respeitando a integridade do bem. Além disso, Brandi defende a compatibilidade de técnicas e materiais, aplicando métodos que não sejam nocivos à obra.
Camillo Boito, outro teórico relevante, introduziu o conceito de "restauro científico", considerando o monumento como um documento que exige provas e pesquisas históricas, incluindo análise de arquivos, livros, gravuras e da edificação em si. Boito ressaltou que as intervenções devem ser realizadas com base nessas evidências, e caso novas alterações sejam feitas, devem ser diferenciadas da estrutura original. Seu conjunto de princípios inclui a diferenciação de estilos, diferença de materiais e a exposição de partes removidas nas proximidades do monumento, promovendo a transparência e o respeito pela história da edificação.
Em consonância com essas teorias, documentos internacionais como a Carta de Veneza (1964) e a Carta de Amsterdã (1972) regulamentam a preservação de bens culturais. A Carta de Veneza classifica as ações de preservação em manutenção ou reparos, conservação e restauração, estabelecendo que a restauração deve respeitar os valores estéticos e históricos do monumento. Ela deve ser precedida por estudos arqueológicos e históricos. A Carta de Amsterdã, por sua vez, enfatiza a necessidade de realizar estudos aprofundados sobre o monumento antes de qualquer intervenção, a fim de preservar seu contexto histórico e estético.
A restauração, portanto, é um conjunto de ações que visa a manutenção dos bens culturais, levando em consideração seu valor estético e histórico. A teoria da restauração evoluiu ao longo do tempo, com debates sobre a necessidade de respeitar os materiais originais e evitar recriações estilísticas, como defendido por figuras como Adolphe Didron e Eugène Viollet-le-Duc. No entanto, essas abordagens, muitas vezes, geraram críticas, especialmente de pensadores como John Ruskin, que defendiam a preservação dos efeitos do tempo, evitando qualquer intervenção.
No Brasil, as intervenções de restauração, especialmente nas primeiras décadas do século XX, frequentemente buscaram uma visão idealizada do patrimônio nacional, com ênfase na estética colonial e apagamento de características de períodos posteriores. Esse enfoque gerou críticas, e atualmente, novas abordagens estão sendo desenvolvidas, visando um alinhamento mais crítico e respeitável entre teoria e prática, buscando corrigir distorções e respeitar a diversidade histórica e cultural do patrimônio.
Intervir em bens culturais de valor histórico e social requer grande responsabilidade. Os monumentos são equipamentos únicos que têm papel fundamental na memória e na identidade coletiva, e qualquer intervenção deve considerar o interesse público, buscando sempre a preservação de seu valor e garantindo que o bem continue a ser útil para a sociedade. Nesse sentido, a requalificação de bens patrimoniais propõe a recuperação e valorização das origens e representações sociais, integrando a população em novos espaços e reforçando relações sociais. Ao reabilitar um edifício, deve-se prever sua flexibilidade e adaptabilidade, adaptando-o a novas funções, mas sempre respeitando seu contexto histórico e as conexões com a realidade inserida, reintegrando-o de forma harmoniosa ao ambiente no qual ele se insere.
Figura 2 – Restauração da fachada do Edifício Docas de Santos, sede do Iphan-RJ.
O SOBRADO
Localizado na esquina da Rua Aristides Caire com a Rua Arquias Cordeiro, no bairro do Méier, é um sobrado de uso comercial e de serviços, com uma rica história que remonta à década de 1940. Sua arquitetura reflete o estilo da época, marcando uma era de grande desenvolvimento comercial e urbano na região.
Por pelo menos 30 anos, o maior e principal estabelecimento do térreo foi o Café e Bar Jardim do Méier, que oferecia uma variedade de serviços e desempenhou um papel importante na história do prédio junto a outras lojas. Enquanto o primeiro pavimento era destinado a salas comerciais, muitas das quais, na década de 1940, eram ocupadas por consultórios médicos e odontológicos, como é possível verificar em anúncios de jornais da época. (Imagem 8)
Atualmente, o prédio encontra-se em avançado estado de degradação, com sua fachada deteriorada, a maioria das lojas do térreo abandonadas e o primeiro pavimento ocupado por moradias informais. Além disso, novas construções foram feitas sobre a cobertura, comprometendo a integridade estrutural do edifício.
ARQUIVOGERALDACIDADE NÃOREPODUZIVEL
Uma das imagens mais antigas disponíveis, tirada em 1968 (Imagem 2), registra os preparativos para o início da construção do Viaduto Castro Alves, que passaria exatamente em frente ao sobrado. A fotografia destaca o Café e Bar Jardim do Méier, o estabelecimento que se tornou um ponto de encontro muito popular entre os moradores, especialmente pela proximidade com o Jardim do Méier.
Além do café, o edifício abrigava outros comércios, como uma loja de tecidos, um chaveiro e uma sapatearia, contribuindo para a movimentação da área e o abastecimento do bairro. A constante transformação do espaço, com a troca de comércios, reflete a importância do edifício como símbolo da evolução comercial, sempre se adaptando às necessidades da região ao longo das décadas.
AO LONGO DOS ANOS
Uma série de publicações em jornais forneceu informações valiosas sobre o sobrado localizado na Rua Arquias Cordeiro, 444, permitindo identificar tanto o período de sua construção quanto sua trajetória ao longo do tempo. Entre os eventos registrados, destacam-se episódios inusitados, como uma tentativa de suicídio, um assalto à mão armada nas proximidades e uma fiscalização sanitária que resultou em problemas, gerando repercussão na imprensa local. No entanto, a maior parte das publicações refere-se ao aluguel das salas comerciais no primeiro pavimento, que apresentaram grande rotatividade ao longo dos anos.
Figura 9 - Publicação no Jornal do Brasil, edição 00082, de 1941, Rio de Janeiro. (imagem não reproduzível)
Figura 8 - Publicação no Diário Carioca, edição 09515, de 1959, Rio de Janeiro (imagem não reproduzível)
Figura 10 - Publicação no Diário de Notícia, edição 13963, de 1968, Rio de Janeiro. (imagem não reproduzível)
Esses recortes jornalísticos revelam como o sobrado foi um ponto de referência para diferentes tipos de comércios e serviços. Entre os anúncios, é possível observar a diversidade de negócios que ocuparam o espaço, desde consultórios médicos até cursos preparatórios, salões de beleza, lojas de ferramentas, e até um jornal, que acompanharam a evolução do bairro. Além disso, a frequência de publicações sobre o aluguel das salas comerciais evidencia a alta demanda e a importância estratégica da localização do edifício, sempre atrativo para diferentes tipos de empreendedores ao longo dos anos.
SOBRADO AO LONGO DO TEMPO
O ESTADO DE DEGRADAÇÃO DO PRÉDIO E OS RISCOS PARA A COMUNIDADE
Construído na década de 1940, o prédio comercial de dois andares, localizado na confluência das ruas Aquias Cordeiro e Aristides Caire, em frente ao Jardim do Méier, é hoje um exemplo preocupante de abandono e deterioração urbana. A estrutura apresenta uma série de problemas graves, tanto do ponto de vista estrutural quanto de ocupação, que colocam em risco a segurança da comunidade e do próprio edifício.
A fachada do prédio é uma das áreas mais comprometidas, exibindo uma aparência deteriorada com pichações, reboco solto, pintura manchada e degradada, além de lacunas evidentes em elementos construtivos e alvenarias. Manchas negras – crostas duras e impermeáveis – cobrem partes da superfície, indicando a exposição prolongada à poluição e à falta de manutenção.
A argamassa da estrutura apresenta granulometria variável e irregularidades, sugerindo intervenções inadequadas ao longo do tempo.
Internamente, o prédio foi invadido e tem sido utilizado ilegalmente como moradia no térreo, com relatos de instalações precárias e inadequadas. Além disso, foi construído um terceiro andar sem autorização, agravando o comprometimento estrutural e aumentando o risco de desabamento. As instalações prediais e especiais, obsoletas ou feitas de forma improvisada, tornam o local ainda mais perigoso.
SOBRADO AO LONGO DO TEMPO
Além disso, foi construído um terceiro andar sem autorização, agravando o comprometimento estrutural e aumentando o risco de desabamento. As instalações prediais e especiais, obsoletas ou feitas de forma improvisada, tornam o local ainda mais perigoso. Esse cenário evidencia a urgência de uma intervenção para mitigar os riscos e recuperar o edifício.
A presença de elementos degradados e deformados, além do desrespeito às normas de segurança e ocupação, torna o prédio um potencial foco de acidentes, ameaçando não apenas os ocupantes ilegais, mas também os moradores e comerciantes do entorno.
Para além do impacto visual negativo e da desvalorização do entorno, o estado crítico do prédio reflete a negligência em relação à preservação do patrimônio histórico e à qualidade do espaço urbano. Uma ação coordenada entre poder público, proprietários e a comunidade é essencial para reverter a situação, garantindo a segurança de todos e a valorização do bairro.
HISTÓRIA DO MÉIER
Figura 23 - Estação de trem Méier após algumas décadas.
Fonte: O Rio de Antigamente
O bairro do Meier localiza-se na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, em uma região conhecida como Grande Meier. Possui uma história rica e transformadora, que reflete a evolução de uma área rural para um importante centro comercial, cultural e de mobilidade da cidade. Sua origem remonta ao final do século XIX, quando a região, predominantemente composta por chácaras e fazendas, começou a se urbanizar com a chegada da linha férrea. A instalação da Estação de Trem do Méier, inaugurada em 1858, foi um marco fundamental para o desenvolvimento da área, facilitando o acesso à cidade e impulsionando o crescimento da região. Com a proximidade da estação, o bairro passou a atrair um número crescente de moradores e comerciantes, favorecendo a expansão urbana.
No final do século XIX, o aristocrata Augusto Duque Estrada Meyer adquiriu uma grande porção de terras e iniciou um processo de urbanização, criando ruas, instalando infraestrutura básica, como água encanada, e construindo importantes edificações comerciais e residenciais. Esse movimento foi crucial para consolidar o Méier como um bairro de classe média e um dos principais polos comerciais da zona norte. O comércio local floresceu ao longo da Dias da Cruz, a principal via de acesso, onde pequenos comércios, mercados, lojas de roupas e restaurantes passaram a atrair tanto os moradores do bairro quanto pessoas de outras regiões da cidade.
Além de seu papel comercial, o Méier se destacou também por sua contribuição cultural. O Jardim do Méier, inaugurado em 1926, tornou-se um importante ponto de lazer e convivência social para os moradores da região. Localizado em frente à estação de trem, o jardim passou a ser um local de encontro de famílias e a sede de diversas atividades culturais, como apresentações musicais, teatrais e exposições. A presença do jardim consolidou o bairro como um centro cultural e social, reforçando sua importância não apenas como área comercial, mas também como um espaço de interação e troca de experiências entre seus habitantes.
RUA ARISTEDES CAIRE
O sobrado está localizado na esquina da Rua Aristides Caire com a Rua Arquias
Cordeiro. Embora a entrada principal do edifício esteja voltada para a Rua Arquias
Cordeiro, as lojas do térreo, que têm maior interação com a rua e o movimento das pessoas, estão predominantemente voltadas para a Rua Aristides Caire, considerada a via principal do imóvel.
A Rua Aristides Caire é uma rua histórica, com cerca de 1 km de extensão, que faz parte da trajetória do bairro do Méier muito antes da construção do Viaduto Castro Alves, inaugurado na década de 1960. Originalmente conhecida como Rua Imperial (1917) e, anteriormente, como Rua da Redenção, a rua recebeu seu nome atual em homenagem ao médico Aristides
Caire, uma figura de grande destaque para a cidade, oriundo de uma família influente.
Após seu falecimento, a rua onde ele morou foi renomeada como forma de reconhecimento à sua contribuição para a comunidade. Esse gesto reflete não apenas a importância de Aristides para a cidade, mas também a relação simbólica do sobrado com a evolução e o desenvolvimento do bairro ao longo do tempo.
Aristides Ferreira Caire, médico nascido em Itaocara/RJ em 29 de agosto de 1879, ficou conhecido como o “médico dos pobres” por atender pessoas carentes. Proveniente de uma família rica, com fazenda em Itaocara, Aristides se tornou uma figura pública no Méier. Em 1917, foi eleito Deputado Federal, quando o Distrito Federal ainda estava no Rio de Janeiro. Ele faleceu aos 44 anos, em 11 de junho de 1924.
Figura 24 - Estatua do Aristides Caire no Jardim do Meier Fonte: Site Itaocara Rj.
ARQUIVOGERALDACIDADE NÃOREPODUZIVEL
Figura 25 - Vista do outro
PLANTA DA ÁREA
ESCALA 1/250
ART DECÒ E FACHADAS
Platibanda e beira ornamentadas
Detalhe em relevo Formas geométricas bem marcadas
Art déco na arquitetura é um estilo distinto e glamoroso que emergiu nas décadas de 1920 e 1940, caracterizado por suas formas geométricas, linhas elegantes e ornamentação rica. Influenciado por movimentos modernos e industriais, o art déco incorporou materiais como mármore, concreto armado, vidro e metais, além de elementos decorativos inspirados na natureza e nas novas tecnologias da s e composições simétricas também identificam esse estilo.
ARQUIVOGERALDACIDADE NÃOREPODUZIVEL
Figura 27 - Vista do comércio próximo ao Viaduto Castro Alves, também conhecido como Viaduto do Méier, 1968, com o Café e Bar Jardim do Méier. (imagem não reproduzível)
bservar a propagação do estilo Art Déco tanto em casas comércios e prédios. Esse estilo, que se destaca pela sua moderna, tornou-se uma verdadeira marca registrada de bairro. A presença do Art Déco no Méier demonstra a que se adapta bem tanto a grandes edifícios como a , oferecendo soluções arquitetônicas que combinam a. A sua capacidade de se adequar a diferentes tipos de as, seja em espaços comerciais ou residenciais, foi um dos aram sua popularização no Brasil, especialmente nas Rio de Janeiro.
e enquadra nesse estilo arquitetônico embora esteja bem a atualidade. Ele se enquadra justamente por suas formas adas, em somatório com os detalhes de sua alvenaria em relevo nos pilares, platibanda com formato arredondado e m os entalhes religiosos ou datas, comuns na época.
CORPO DE BOMBEIRO
Frisos escalonados Composição geométrica que se repete
Na outra esquina da Rua Aristides Caire, em frente ao Jardim do Méier, encontra-se o Corpo de Bombeiros, construído em 1915, mas achada reformada em 1918 no estilo Hoje, o edifício exibe claramente as s desse estilo, sendo um bem da cidade. A fachada apresenta uma bem definida, que é característica, e ncorpora amplamente os elementos esse repertório: aberturas em forma ha nas paredes e portas, marquises, ão de fachada escalonada, elevação nda e frisos verticais e horizontais. estar situado em uma esquina, o nfatiza o acesso principal, que é o por uma marquise e a pilastra, porta centralizada em um plano de alvenaria. O uso de marquises e imetria na distribuição dos elementos egância das formas geométricas ao Corpo de Bombeiros uma imponente e moderna, mesmo a construção do início do século XX.
ARQUIAS CORDEIRO 285 A 291
Detalhes verticalmente marcados
Platibanda decorada
Como um importante exemplo da implantação da arquitetura Art Déco em sobrados no Méier, destaca-se o imóvel localizado na Rua Arquias Cordeiro, entre os números 285 e 291, que apresenta diversas características desse estilo. Este sobrado compartilha várias semelhanças com o sobrado do Café e Bar Jardim do Méier, especialmente no que diz respeito à organização formal de sua fachada. Ambos exibem a marcação rítmica da composição arquitetônica por meio de elementos geométricos, platibandas decoradas com frisos, ênfase na verticalidade, evidenciada por detalhes sobressaltados, e a repetição formal das esquadrias.
Além dessas semelhanças estéticas, os dois imóveis desempenham funções comerciais semelhantes. O térreo de ambos já abrigou uma variedade de estabelecimentos, como lojas de perfumaria, louças e cristais, cabeleireiros, entre outros, evidenciando a versatilidade e a adaptação dos espaços ao longo do tempo para atividades comerciais. No entanto, o sobrado mostrado na figura 26 se destaca pela preservação de sua estrutura original, mantendo um bom estado de conservação.
MAPA DE DANOS
ESCALA 1/125
RESTAURAÇÃO DA FACHADA
ESCALA 1/125
AÇOES PROJETUAIS
O projeto de restauração e reforma do sobrado no Méier envolveu uma série de ações projetuais focadas na recuperação e valorização do edifício, respeitando sua história, ao mesmo tempo em que introduziu melhorias funcionais e estéticas.
A primeira intervenção na fachada foi a restauração dos frisos decorativos nas paredes, que passaram por recuperação e reparo. Esses elementos, feitos de gesso, tiveram seu caráter estético preservado, garantindo que a estética original do imóvel fosse mantida. Também foram realizadas melhorias nas esquadrias, com a instalação de novas venezianas de madeira, que além de proporcionar maior entrada de luz e ventilação, garantiram a privacidade dos moradores. As portas metálicas existentes também foram restauradas, assegurando sua funcionalidade e integração com o novo projeto.
No que diz respeito aos acabamentos, foi feita a instalação de novos ladrilhos pretos na parte inferior das colunas, criando um ritmo visual e uma divisão mais clara dos espaços, além de facilitar a limpeza e manutenção. A pintura do imóvel também foi atualizada, harmonizando as cores com as intervenções feitas e respeitando as características originais do sobrado. As novas placas boiserie, embora inspiradas no design original do edifício, foram concebidas de maneira a não comprometer a autenticidade histórica, oferecendo uma releitura moderna que reforça a identidade do imóvel sem cair no falsismo histórico.
Por fim, o projeto repensou o uso interno do edifício, adaptando-o às novas funções e necessidades. O térreo, que já possuía uma lógica comercial, foi mantido para usos comerciais, enquanto o primeiro pavimento foi reorganizado para atender à demanda por moradia. O projeto incluiu a retirada da ocupação informal no telhado do sobrado, uma intervenção essencial para garantir a segurança da estrutura e recuperar a volumetria original do edifício, que estava comprometida. Esta intervenção foi motivada pela necessidade de eliminar um risco à integridade da construção e de preservar o aspecto do imóvel.
PLANTAS
ESCALA 1/125
TÉRREO
ESCALA 1/125
1° PAVIMENTO
CONCLUSÃO
A partir das análises observadas, é indiscutível a importância histórica e cultural que o sobrado Café e Bar Jardim do Méier possui. Por estar localizado em um local privilegiado, ao lado do Jardim do Méier, próximo a hospitais e pontos de ônibus, é plano de fundo de uma grande população que passa por ali. Contudo, por ser um edifício quase abandonado, não transmite ou retribui muito à área, diferentemente de décadas atrás, quando era preenchido por comércios de todos os tipos e chamava a atenção de quem passava.
Então, com nossa proposta de revitalização desse sobrado que carrega uma historicidade tão importante para a região, buscamos revigorar uma área que antes era ativa no bairro, porém foi deixada de lado e se deteriorou. As mudanças se iniciariam no interior do edifício, ao propor uma nova divisão de lojas, para potencializar o comércio do entorno, com bares e lojinhas, e impulsionar os estabelecimentos já existentes, como um chaveiro e uma pastelaria.
Outra questão importante para o grupo foi a ocupação que crescia no interior das lojas abandonadas e que formava, inclusive, um novo pavimento. Claramente, essa apropriação não era segura, punha em risco os próprios moradores e afastava transeuntes. Assim, propomos a criação de kitnets no primeiro pavimento do sobrado com um novo acesso com um hall localizado entre as lojas do térreo. Assim, com essas mudanças técnicas, os moradores poderiam ser realojados de forma segura, confortável e legalizada.
Ao organizar o interior do sobrado, podemos retirar tudo aquilo que se opunha a sua original fachada: tubulações, fios, aparelhos de ar-condicionado, e assim pudemos recuperar sua estética original, dando um novo ar a área e conectando-o melhor com o Jardim do Méier.
Essa é uma iniciativa que pode ser replicada em outras áreas do município, tendo em vista, a quantidade de edifícios abandonados em áreas que necessitam de uma interação maior com a rua pela sensação de segurança que transmitem e como impulsionam as trocas culturais, monetárias e de serviços entre a população. Esse tipo de revitalização do patrimônio histórico não é possível sem a existência de políticas públicas que reafirmem a importância dessas edificações e da necessidade de melhorarmos os ambientes que a população frequenta e depende diretamente. E, também que considerem a relevância dos edifícios históricos nos subúrbios, onde pouco consegue ser conservado e que não é devidamente observado e cuidado por aqueles que tem o dever institucional de fazê-lo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Instituto Pereira Passos. Armazém de dados da Prefeitura do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/>. Acesso em 1 de dez. 2024.
RIO DE JANEIRO, Prefeitura. Secretária Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico. Consultas Urbanas. Disponível em: https://consultaurbana.rio.rj.gov.br/. Acesso em: 02 dez. 2024
BRASIL. Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em: 02 dez. 2024
BPINTO, Henrique. Aristides Caire. Embaixada Méier. Disponível em: https://www.embaixadameyer.com/posts/aristides-caire. Acesso em: 02 dez. 2024.
RIO DE JANEIRO, Prefeitura. Arquivo Virtual. Arquivo Geral da Cidade. Disponível em: http://wpro.rio.rj.gov.br/arquivovirtual/web/. Acesso em: 20 nov. 2024
MACHADO, Sandra. Art Déco no Rio de Janeiro. Multirio. Disponível em: <https://www.multirio.rj.gov.br/index.php/reportagens/3409art-déco-no-rio-de-janeiro> . Acesso em: 02 de dez. 2024.