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um imperativo do nosso tempo
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Nídia Salgueiro
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Autora
Humanitude, um imperativo do nosso tempo
título capa
RevisÕES
De Mar
impressão
João Araújo, Irene Valente, Carlos Ferreira
PMP, Lda
depósito legal 374122/14 isbn
978-989-98969-0-1
1.ª edição
Abril de 2014
edição
IGM Portugal – Humanitude, Lda
© Copyright Nídia Salgueiro e IGM Portugal – Humanitude, Lda Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.
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um imperativo do nosso tempo
Introdução à Metodologia de Cuidado Gineste-Marescotti
Coimbra 2014
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A todos os que acompanham o percurso doloroso de um ente querido, em processo de demência, confrontando-se com situações desconcertantes, com as quais têm dificuldade em lidar, por mais amor que lhes tenham.
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AGRADECIMENTOS
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A Margot Phaneuf, pela sua amizade e nos ter despertado para a filosofia da Humanitude e Metodologia de Cuidados GinesteMarescotti, nos dar a conhecer Albert Jacquard, Yves Gineste e Rosette Marescotti, pela partilha de informação e pela sua sempre pronta colaboração. A nossa profunda gratidão. A Yves Gineste e Rosette Marescotti por esta metodologia de cuidados, por colocarem à nossa disposição uma invejável quantidade de procedimentos técnicos e dispositivos pedagógicos e pela sua enorme generosidade com que nos têm acolhido. Muito obrigada por darem o vosso aval a este livro e me encorajarem a publicá-lo. A disponibilidade e simpatia de Yves Gineste, que desde 2009 nos tem alojado em sua casa, e com infinita paciência responde às nossas inúmeras questões e demonstra, em pormenor, procedimentos técnicos, após dias intensivos de formação em que o descanso se impunha, registamos aqui a nossa profunda gratidão. A Mário Simões, por ter escolhido “Cuidar em Humanitude” para tema da sua tese de doutoramento. Estamos-lhe imensamente grata por ter aceite o desafio de viver a incerteza do terreno, a instabilidade de um processo dinâmico, em que é impossível tudo prever, pela sua tenacidade, não se poupando a esforços para levar a bom termo a tarefa a que se propôs. O seu trabalho já deu muito bons frutos. A Manuel Rodrigues, pela honra de co-orientar consigo a tese do Enfermeiro Mário Simões. As relações de trabalho que estabelecemos permitiu-nos um percurso muito interessante e deveras gratificante e
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a nossa amizade saiu fortificada e, isso não tem preço. Agradeço-lhe também o repto para transformar um pequeno manual num pequeno livro e a pintura da capa com que nos presenteou. Muito obrigada Professor Doutor Manuel Rodrigues, foi um prazer trabalhar consigo. A João Araújo e Rafael Efraim Alves por terem aceite o repto de criarem com Mário Simões o Instituto Gineste-Marescotti Portugal. Muito agradeço o empenho que colocaram na vossa formação de Enfermeiros Humanitude e a seriedade do trabalho que têm desenvolvido. Obrigada também pelo esforço de recuarem no tempo para entenderem as minhas ideias e posturas. Acredito não ser fácil como também não é para mim o inverso. Tem valido a pena o esforço do encontro! A Carlos Ferreira e Irene Valente, pela preciosa dádiva dos pareceres críticos e das revisões do texto, que só a amizade e igual disponibilidade pode retribuir. Agradeço ao GPS do Universo ter cruzado os nossos caminhos e criado as condições que permitiram construir a sólida amizade que nos une. Bem hajam Amigos! A Maria da Conceição Bento, digníssima Presidente da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, que muito admiro pela sua irrepreensível postura profissional, pelo enorme trabalho que desenvolve para que a nossa Escola tenha o alto gabarito que lhe é reconhecido a nível nacional e internacional, pelo respeito que demonstra pelo legado ancestral. Por tudo isto, pelo texto que escreveu sobre o livro e, sobretudo pelas imensas manifestações de carinho e amizade, a minha profunda gratidão. Saiba eu estar à altura! Ao Professor Doutor João Gorjão Clara pela disponibilidade para prefaciar o nosso trabalho e apoio neste projecto. A todos os que tiveram a amabilidade de ler os sucessivos documentos até à versão final, dando abertamente os seus pareceres, a minha imensa gratidão.
PREFÁCIO
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É um desafio grande escrever umas palavras sobre o conteúdo deste livro. A sua Autora começa por escrever-nos sobre a definição de Humanitude. Humanitude! A transcendência do tema que fala da maior das virtudes do Homem: a generosidade. Afinal um conceito tão antigo que começou com o dealbar do Homem inteligente e social. A Humanitude nasceu com o primeiro Homem que ajudou um outro Homem. Pelos séculos esta ajuda foi crescendo, como a inteligência e o conhecimento. O Homem ganhou diferença dos outros seres da criação não só por ser inteligente, mas por ter sentimentos. A Humanitude é a expressão mais nobre dos sentimentos que distinguem o Homem dos animais. A dádiva da palavra, o toque físico, o amparo do ombro amigo…a compreensão do sofrimento, da solidão, da tristeza, o reconhecimento do outro, a importância da vida de cada um, pelo passado que o Homem viveu e construiu e que não pode apagar-se e esquecer-se porque a doença o inferiorizou e a sociedade lho negou quando deixou de ser produtivo e influente.
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A Humanitude é a assunção de que um Homem é sempre um Homem mesmo quando os seus componentes: o suporte físico do seu corpo e a energia da sua mente, enfraquecem, estiolam e se traduzem na perda da autonomia motora com as expressões máximas da imobilização no leito e da agonia da demência. Sempre será um Homem com a componente espiritual intacta. A dádiva do reconhecimento da condição humana em todos os homens, a generosidade do contacto multifacetado, obriga hoje ao conhecimento de técnicas e princípios de intervenção que optimizam os objectivos da Humanitude. É preciso aprender a ser eficazmente generoso. Destes novos métodos, destes novos saberes também nos fala Nídia Salgueiro neste seu livro. A Humanitude como filosofia cobre todos os grupos etários mas a sua maior aplicação são os idosos, os que nos transmitiram o Mundo onde vivemos, para quem temos essa dádiva e para quem os conceitos e técnicas da Humanitude deverão amenizar as doenças e incapacidades
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Os que dedicaram grande parte da vida profissional aos mais frágeis dos seres humanos, aos mais idosos, aos mais comprometidos, muitas vezes com vários graus de demência, ou aqueles a quem as circunstâncias exigem o apoio constante a estes doentes, o livro faz eco do que sentem e auxilia-os, ensinando-os a minorar o sofrimento, a serem além de humanos eficazes e competentes. João Gorjão Clara
ÍNDICE
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AGRADECIMENTOS.............................................................................................. 7 PREFÁCIO................................................................................................................ 9
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ÍNDICE................................................................................................................... 11
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INTRODUÇÃO...................................................................................................... 13
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CAPÍTULO I HUMANITUDE: CONCEITO ANTROPOLÓGICO E FILOSOFIA DE CUIDADOS.............................................................................. 17 1.1. HUMANITUDE: DO CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE JACQUARD À FILOSOFIA DE CUIDADOS DE GINESTE-MARESCOTTI..................................................................................18 1.1.1 O que é a humanitude?..........................................................................18 1.2 A HUMANITUDE COMO FILOSOFIA DE CUIDADOS.........................21 1.2.1 Um pouco de história............................................................................21 CAPÍTULO II FILOSOFIA DE CUIDADOS HUMANITUDE – UMA FILOSOFIA PRÁTICA.... 31 2.1. FILOSOFIA DE CUIDADOS HUMANITUDE: CONCEITOS, PILARES, REGRAS DE ARTE E PRINCÍPIOS ÉTICOS.......... 32 2.1.1 Definição de Cuidador...........................................................................32 2.1.2 Definição de Pessoa................................................................................34 2.2 VIVER EM HUMANITUDE .......................................................................37 2.2.1 Pilares Humanitude...............................................................................38 2.2.2 A pessoa e os três nascimentos................................................................40
2.3 PRINCÍPIOS ÉTICOS, VALORES, REGRAS DE ARTE DA GERONTOLOGIA MODERNA, DIREITOS E DEVERES.......................42 2.3.1 Princípios éticos e valores.......................................................................43 2.3.2 Regras de Arte da Moderna Gerontologia..............................................45 2.3.4 Direitos da pessoa cuidada, deveres dos cuidadores................................49
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CAPÍTULO III METODOLOGIA DE CUIDADOS GINESTE-MARESCOTTI® ....................... 57 3.1 CAPTURA SENSORIAL: PRÉ-PRELIMINARES, PRELIMINARES, REBOUCLAGE SENSORIAL E CONSOLIDAÇÃO EMOCIONAL....................................................................58 3.1.1 Pré-preliminares: bater à porta...............................................................59 3.1.2 Preliminares: Olhar, palavra e toque.......................................................60 3.1.3 Rebouclage sensorial – Realização do cuidado.........................................68 3.1.4. Consolidação emocional – Fecho do cuidado .......................................73 3.2 SITUAÇÕES PRÁTICAS .............................................................................74 3.2.1 Situações desconcertantes/confrangedoras..............................................75 3.2.2 Situações para análise e reflexão. Exemplos práticos ...............................77
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CAPÍTULO IV IGM PORTUGAL – BREVE RESENHA HISTÓRICA ......................................... 89 4.1 MARCOS IMPORTANTES NA DIVULGAÇÂO E IMPLEMENTAÇÃO DA HUMANITUDE EM PORTUGAL.......................90 4.2 O INSTITUTO GINESTE-MARESCOTTI PORTUGAL ..........................98 4.2.1 Resultados da Implantação do MGM..................................................103
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CONCLUSÃO...................................................................................................... 107 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 109 POSFÁCIO............................................................................................................ 113
INTRODUÇÃO
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Pretendemos dar a conhecer a Humanitude, como conceito e filosofia prática de cuidados, bem como a Metodologia de Cuidado Gineste-Marescotti (MGM), dito Cuidar Humanitude, por ter como base esta filosofia. Esta metodologia tem-se revelado uma ferramenta capaz de ajudar os cuidadores e familiares de pessoas em situação de vulnerabilidade, em particular as atingidas pela doença de Alzheimer ou outros tipos de demência. Acreditamos, também, que este conhecimento tornará os cidadãos mais exigentes com a qualidade dos cuidados prestados pelos serviços de saúde. Procuramos apresentar, de forma acessível, elementos que permitam aos interessados nesta área, compreender o que é a HUMANITUDE, termo de uso relativamente recente. Bem como, o percurso efectuado por Yves Gineste e Rosette Marescotti que permitiu transformá-lo numa filosofia de cuidados, a fim de ancorar a metodologia por eles criada e protegida com marca registada, Metodologia de Cuidado Gineste-Marescotti® (MGM). Ao longo das páginas que se seguem, apresentamos, com algum detalhe, a captura sensorial, basilar a qualquer cuidado, na perspectiva da MGM. A captura sensorial, só por si, é capaz de reduzir a agitação nas pessoas atingidas de demência, de forma muito significativa, bem como a oposição aos cuidados, permitindo que estes sejam realizados em serenidade. Das fases de realização do cuidado (rebouclage sensorial) e fecho do cuidado (consolidação emocional) somente são incluídos
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alguns aspectos a ter em atenção, dado não nos termos direccionado para um cuidado específico. Os procedimentos cuidativos descritos, bem como os restantes procedimentos técnicos (cerca de 150), que fazem parte da MGM são demonstrados nas acções formativas, de tipo formação na acção, em contexto de cuidados. Cabe ao Instituto Gineste-Marescotti® (IGM), formar os formadores, supervisionar, auditar e acreditar a implementação da MGM no terreno. Os formadores recebem formação específica, ministrada pelos próprios autores da Metodologia e pelos formadores dos Institutos Gineste-Marescotti (IGM). Não é nossa intenção apresentar em profundidade as bases científicas dos procedimentos cuidativos humanitude, que provêm das mais variadas áreas do saber, incluindo conquistas recentes das neurociências, dado tratar-se de um trabalho de divulgação, uma narrativa em que os assuntos são ilustrados com experiências vividas no terreno e não uma obra de carácter científico. A consulta à bibliografia e aos sites da Internet indicados, ajudarão os interessados a compreender melhor esses procedimentos e a forma como estão sistematizados permitirá aplicá-los a diferentes contextos de cuidados. Os aspectos éticos foram contemplados, a fim de permitir aos cuidadores reflectirem sobre as suas práticas. Advertimos que, por si só, os conteúdos apresentados, não permitem cuidar em Humanitude e obter os seus bons resultados. Para uma mudança sustentada da cultura institucional e das práticas, é imprescindível a formação na acção, acompanhamento sistemático dos cuidadores e a criação de estratégias no terreno, como grupos de apoio, formados especificamente para essa função. É fundamental, numa organização, que todos estejam comprometidos na mudança, a começar pelos dirigentes.
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Apesar da simplicidade deste livro, é nossa convicção que ele ajudará muito os profissionais de saúde e os familiares a ter um outro olhar, uma outra postura sobre a forma de cuidar a pessoa doente, em situação de vulnerabilidade, particularmente a pessoa atingida de demência. Tivemos como fontes principais: a obra de Gineste e Pellissier (2008), artigos, Manuais da Formação Humanitude e material audiovisual, os sites referenciados, cuja evolução acompanhamos desde 2005, a informação fornecida pelos autores, em acções de formação e conferências, bem como a participação em dois seminários e um colóquio internacional. Igualmente Phaneuf (2010) e em vários outros documentos, que traduzimos. Foram muito importantes as nossas observações e experiências no terreno. Estas permitiram confirmar as afirmações dos autores e obter resultados idênticos aos dos seus estudos, como se verificou no estudo de Enf. Simões, que decorreu em 2010 e 2011, para a sua tese de doutoramento (Simões, Salgueiro e Rodrigues, 2012) e nas formações do IGM Portugal. Os conteúdos são distribuídos em quatro capítulos: o primeiro apresenta a Humanitude como conceito antropológico e filosofia de cuidados; o segundo como filosofia prática, nos seus conceitos, pilares, regras de arte e princípios éticos subjacentes; o terceiro descreve a MGM. Terminamos no quarto capítulo com um apontamento histórico e o percurso que determinou a criação do IGM Portugal. Utilizamos a primeira pessoa do singular, em casos que nos pareceu importante assumir a responsabilidade do discurso. Portanto, é uma questão de responsabilização e não de personalismo.
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CAPÍTULO I
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HUMANITUDE: CONCEITO ANTROPOLÓGICO E FILOSOFIA DE CUIDADOS
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Os olhares, palavras, toques, sorrisos, estímulos à verticalidade que recebemos dos nossos ancestrais, de geração em geração, fizeram de nós o que hoje somos. Construíram a nossa Humanitude. Continuar esta tarefa de construção da Humanitude é o nosso desígnio colectivo, como refere Jacquard.
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O capítulo I percorre o trajecto que vai desde a primeira utilização conhecida do termo Humanitude de Freddy Klopfenstein, passando pelo conceito antropológico de Albert Jacquard até à sua transformação em Filosofia de Cuidados por Yves Gineste e Rosette Marescotti.
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1.1. HUMANITUDE: DO CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE JACQUARD À FILOSOFIA DE CUIDADOS DE GINESTEMARESCOTTI
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Colocam-nos, com frequência a questão “O que é a humanitude?”. Não será o mesmo que humanismo ou humanização? Phaneuf diferencia o conceito de humanitude do conceito de humanismo, escola de pensamento, e humanização de que tanto se fala, bem como do inverso, desumanização. E diz, em relação às críticas sobre a desumanização dos cuidados: talvez tivéssemos necessidade de tornar as coisas mais concretas para cuidadores e estudantes e devêssemos fundamentar as nossas acções sobre certas noções fundamentais daquilo que faz essencialmente o humano, sobre o que determina profundamente as suas necessidades e sobre a importância de as ter em conta no cuidar. Existe um conceito antropológico mais simples e talvez susceptível de nos ajudar neste sentido. É o conceito de “humanitude”… (Phaneuf, 2007, p. 1). Tomamos a questão, como ponto de partida. 1.1.1 O que é a humanitude? O termo HUMANITUDE é relativamente recente. Terá sido Freddy Klopfenstein, um jornalista suíço, a utilizá-lo pela primeira vez, em 1980, deduzindo-o dos termos inquiétude, solitude, habitude. Como conceito antropológico deve-se a Albert Jacquard (1985, 1986, 1987…), inspirando-se no conceito de negritude, muito caro a Aimé
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Césaire e popularizado por Léopold Senghor. Para Jacquard estes autores criaram um termo novo para designar o conjunto dos contributos das civilizações da África Central, ou seja o conjunto das dádivas oferecidas pelos homens de pele negra aos outros homens, a NEGRITUDE. Assim, Albert Jacquard, geneticista, director do Departamento de Genética do Instituto Nacional de Estudos Demográficos de França, Professor de várias universidades francesas e estrangeiras, escreve: “As dádivas que os homens ofereceram uns aos outros desde que têm consciência de o ser e que continuam a oferecer-se num enriquecimento sem limites, designemo-las por Humanitude” (1987). Já em 1985, num colóquio em Royaumont, dizia “…estas dádivas constituem o conjunto das características de que, a justo título, tanto nos orgulhamos: caminhar sobre duas pernas ou falar, transformar o mundo ou interrogarmo-nos sobre o nosso futuro…” (Cahiers d’école, 1; Gineste, Pelissier, 2008, p. 341). Em 1986, Jacquard escrevia: “…a vida de cada um participa num grande desígnio colectivo, a construção da Humanitude. Léopold Senghor exaltou o contributo das culturas elaboradas pelos homens de pele negra, de que todos os homens beneficiam. A Humanitude é o contributo de todos os homens, de outrora ou de hoje, a cada homem (p. 177) …É este contributo humano ao universo, esta riqueza que não existiria sem os homens, e que eles se oferecem uns aos outros, é isto a Humanitude” (p. 179). E adverte: “São necessários homens para que um filho de homem se faça um homem” (p. 181). Do exposto nas obras de Albert Jacquard, a HUMANITUDE é, para este pensador contemporâneo francês: O contributo das oferendas que os homens deram e conti nuam a dar uns aos outros, desde que têm consciência de
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1.2 A HUMANITUDE COMO FILOSOFIA DE CUIDADOS
Nesta secção apresenta-se uma breve resenha histórica do percurso efectuado por Gineste e Marescotti que lhes permitiu transformar o conceito em filosofia de cuidados humanitude.
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1.2.1 Um pouco de história Em 1979, Yves Gineste e Rosette Marescotti, dois professores de educação física franceses, terminada uma formação sobre técnicas de transferências, são chamados a um hospital geral francês, de retaguarda, onde a taxa de absentismo era elevada, devido a problemas dorsolombares e outros, a fim de ajudarem os cuidadores a evitarem tais problemas. Entram, desta forma, num mundo que lhes era desconhecido e, como pessoas inteligentes, integram-se na equipa, a fim de fazerem observação participante para lhes permitir perceber o que se passava e chegarem ao diagnóstico da situação. Têm, assim, oportunidade de observar de perto o trabalho dos cuidadores, não só do ponto de vista ergonómico mas também nos seus procedimentos cuidativos, nas técnicas utilizadas. Algumas destas técnicas, de que os cuidadores se orgulhavam e que aprenderam nas suas escolas, não lhes faziam sentido, assentando mesmo em falsos princípios, como o caso da sequência cefalocaudal da técnica do banho geral no leito, a começar pela face, fundamentada no princípio do “mais limpo para o mais sujo”. Princípio esse que os estudos microbiológicos já tinham demonstrado ser falso. Além disso, a abordagem pela face não é socialmente neutra e desencadeia reacções de defesa. As reacções observadas, de agitação e oposição aos cuidados, confirmaram que esta abordagem não é bem aceite, sobretudo em pessoas dementes. Estas pessoas não têm capacidade cognitiva que lhes permita entender o toque útil ou instrumental, tomando gestos deste tipo como agressões e quem os pratica como agressor. Também o banho geral no leito, com uma bacia ou taça de água estava desajustado aos
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hábitos higiénicos actuais dos franceses. Só num número muito restrito seria necessário o cuidado de higiene no leito e, para este, já havia no mercado carrinhos que permitem um banho de chuveiro no leito ou macas para poderem ir ao chuveiro. Para colocarem em causa este tipo de cuidado e a técnica utilizada havia que fornecer alternativas aos cuidadores. E assim criam outras técnicas, com novas abordagens, várias sequências, diversos tipos de toilete, que serão escolhidas a partir do diagnóstico de enfermagem e da preferência da pessoa cuidada. Mais tarde criam a “toilete avaliativa”, reforçando a necessidade da prescrição deste cuidado por um profissional de saúde competente para isso, por excelência o enfermeiro, cuja formação lho permite fazer. Yves Gineste e Rosette Marescotti, trabalhando sempre em dupla, observam, questionam, confrontam as suas interpretações, reflectem em conjunto, experimentam novas formas de fazer, realizam estudos e constroem um conjunto de técnicas, uma metodologia, que denominam inicialmente de “Manutenção Relacional” (1985). Esta é percursora da actual, registada como Metodologia de Cuidados Gineste-Marescotti® (MGM). Por exemplo, verificam que a pessoa cuidada recebe poucos olhares, poucas palavras e poucos sorrisos, dado que os cuidadores se concentram na realização do acto, esquecendo a parte relacional, mas também porque não dispõem de técnicas que lho permitam fazer de forma sistematizada. Então, elaboram um conjunto de técnicas profissionalizantes do olhar, da palavra e do toque. Um dos seus estudos, realizado de 1982-1984, usando magnetofones, de disparo à voz humana, revelou uma média de 120 segundos de comunicação verbal nas 24h, o que corresponde a 10 palavras, sendo que algumas fitas ficaram virgens. Perceberam que é difícil aos cuidadores manterem a comunicação quando esta não se enquadra no esquema da comunicação humana, quando o sistema não é retroalimentado (feedback). Sem feedback instala-se o silêncio na
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2. “Há outras formas de fazer?”, “mais eficazes, isto é, obtendo melhores resultados?”, “mais eficientes, obtendo os resultados pretendidos com menor dispêndio de energia”? Assim, vão derrubando crenças, afirmações não fundamentadas, formas de actuação assentes em falsos princípios, em tradições, desajustadas da realidade actual e aperfeiçoam os procedimentos técnicos, fundamentando-os na ciência e na ética. Por exemplo, frequentemente os cuidadores afirmavam que os idosos não gostavam de tomar duche. Mas, o que pensam os idosos? Foi realizado um estudo comparativo, com 1000 pessoas idosas em unidades de cuidados de longa duração e lares, com idades compreendidas entre 70 e 99 anos, média 82,6 anos (1996-1999) e 1000 cuidadores desse tipo de instituições. Os resultados revelam que 92,3 % dos idosos interrogados desejavam tomar duche, entre uma vez por dia e uma vez por semana e 65% consideravam o duche agradável. Resultados inversos aos obtidos com os cuidadores, que são de opinião que só 20% gostam de tomar duche contra 80% que não gostam (Gineste Pellissier, 2008). A propósito deste questionamento, de nos interrogarmos sobre as nossas práticas, e de não aceitarmos cegamente o que é habitual fazer-se, lembro o meu querido e saudoso Professor de Sociologia e de Administração Hospitalar Dr. Coriolano Ferreira que nos contava a história de um funcionário zeloso e muito cumpridor das suas funções, de que teve conhecimento como administrador dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC): Aquando da sua admissão nas oficinas dos velhos HUC, o chefe deu-lhe a importante tarefa de abrir de manhã e fechar à noite uma torneira. Desse trabalho dependia o bom funcionamento do sistema de vapor de água daqueles Hospitais. As oficinas transformaram-se em Serviços Industriais, entrou um chefe com maior formação profissional que quis inteirar-se do trabalho dos operários que chefiava. Quando o zeloso funcionário o informou
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da tarefa que cumpria religiosamente desde que fora admitido nos HUC. admirado perguntou-lhe: “Abrir e fechar uma torneira?” O homem explicou a função da torneira e como desempenhava a tarefa que lhe tinha sido confiada, nunca tendo havido reclamações. “Ora vamos lá ver essa torneira!”. E, os dois, in loco, examinaram a torneira. O chefe intrigado, indagou, vindo a descobrir que a importante torneira estava desactivada há cerca de 20 anos. Recordo as palavras deste meu saudoso professor e amigo, quando nas suas funções de Secretário do Ministério, me recebeu “Nídia, funcionários cumpridores e zelosos, felizmente o nosso Ministério tem muitos, criativos não tem assim tantos…”.
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A necessidade de uma filosofia de cuidados No entanto, uma metodologia precisava de se ancorar numa filosofia, pois “ciência sem consciência é apenas a ruína da alma” (Rabelais, 1532). Tomando o termo Humanitude e tendo em consideração os princípios que norteiam as abordagens gerontológicas humanistas, em construção, elaboram a Filosofia da Humanitude, uma filosofia prática de cuidados, cujos estudos decorrem de 1995-1997.
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HUMANITUDE é o conjunto de particularidades que fazem com que nos sintamos a pertencer à espécie humana e reconheçamos um outro ser humano como pertencendo à nossa mesma espécie. Que sejamos também reconhecidos como pertencentes à espécie humana
É muito interessante a forma como nasce a MGM e a Filosofia da Humanitude que a sustenta, isto é Cuidar em Humanitude, só por si, uma bela lição. No entanto, os seus autores não a consideram um produto acabado. Continua a desenvolver-se, através das observações dos formadores, dos resultados obtidos no terreno, das reflexões e
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discussões em reuniões e em seminário anual de uma semana, tipo retiro. Neste momento entende-se que a Humanitude poderá ser extrapolada para todos os contextos em que duas pessoas se encontram e se obrigam a interagir (Escolas, Comércio, Exército, etc.), mas ainda há pouco conhecimento para compreender a sua aplicação e validar técnicas noutras áreas. Quanto mais compreendemos a Filosofia da Humanitude, mais claros se tornam os comportamentos humanos e o estabelecimento de relações entre pessoas, mas há ainda muito caminho a percorrer.
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O Canadá, a protecção com marca registada e a criação dos Institutos de Formação Gineste-Marescotti (IGM) Os resultados da sua metodologia em várias áreas de cuidados, em particular nos cuidados a idosos com demência, com comportamentos de agitação patológica (CAP), são surpreendentes. Só com uma abordagem diferente da habitualmente praticada, a que chamam captura sensorial, as pessoas agitadas, que se opõem aos cuidados, que mordem, arranham, beliscam…classificadas como muito agressivas, acalmam-se, deixam de se opor aos cuidados, havendo diminuição da agitação/oposição entre os 70 e os 90%. Também aqui propuseram uma mudança de linguagem. De Comportamentos Agressivos Perturbadores (CAP) para Comportamentos de Agitação Patológica, a mesma sigla mas com um significado diferente, que induz a uma outra perspectiva, a um outro olhar, mais compassivo, julgo, em relação à pessoa que expressa estes comportamentos. Por esta razão são chamados ao Quebeque, Canadá (em 2000), pela Associação Paritária para a Saúde e a Segurança no Trabalho do Sector dos Assuntos Sociais (ASSTSAS) devido aos problemas de saúde e às agressões que os cuidadores sofrem dos doentes. As taxas de absentismo e a rotatividade dos cuidadores são altas devido a lesões músculo-esqueléticas e a esgotamento profissional (Burnout).
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No Canadá, perante os resultados do seu trabalho são incitados a protegerem a metodologia com marca registada e, a criarem uma estrutura de formação que vele para que a metodologia não se adultere e se continue a desenvolver. E, assim, é protegida a MGM com marca registada, e surgem os Institutos Gineste-Marescotti (IGM), sendo o primeiro criado justamente no Canadá, depois em França e a seguir o IGM Suiça. Hoje uma rede, com 14 IGM em França e noutros países. Em França foram criados o IGM Animação (2006) e o IGM Restauração no final de 2010. O último criado foi o IGM Portugal (2011) e a criação do IGM Japão está em fase de concretização, assim como está a ser criada uma Escola de Formação Humanitude. Em França, a Escola de Formação Humanitude será uma realidade, brevemente. Também foi criado (2004) o Institut pour la recherche et l’ information sur la MGM/Instituto para a Investigação e a Informação sobre a MGM (IPRIM), em França. Em 2012 as unidades Humanitude em França associaram-se criando a Associação Humanitude e Modo de Vida (ASSHUMEVIE), para acreditar instituições que se dedicam à qualidade de vida, per mitindo que as pessoas mantenham a sua independência, a sua liberdade de escolha, a cidadania, com base na Filosofia Humanitude e na MGM. Assim, esta Associação desenvolveu um Referencial Humanitude, com critérios objectivos de promoção do bem-estar dos clientes e, neste momento, há já quatro instituições em França com este importante selo de qualidade. Estas unidades destacam-se pela satisfação dos clientes com os serviços, pela qualidade de vida e ganhos em saúde. Igualmente pela satisfação dos profissionais que se traduz na redução da taxa de absentismo e da rotatividade. Estes profissionais identificam-se com os valores da instituição, orgulham-se dos serviços que prestam, da melhoria dos cuidados que se traduz na redução de custos. No Canadá contactam com Daniel Taillefer e Daniel Geneau, dois neuropsicólogos que estudaram o mergulho retrógrado e as
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técnicas de diversão, de que resulta uma parceria com benefícios para os dois lados. Estes neuropsicólogos vêm a França observar no terreno como funciona o MGM, confirmando os surpreendentes resultados obtidos com a captura sensorial. Yves Gineste e Rosette Marescotti, ficam a dispor dos instrumentos e das técnicas de diversão, úteis quando não se obtêm os resultados esperados com a captura sensorial e aprofundam os seus conhecimentos sobre o mergulho retrógrado.
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Em suma Trinta e cinco anos de intenso trabalho, com experiência nas várias áreas de cuidados (Medicina Geral, Cirurgia, Obstetrícia, Pediatria, Cuidados Paliativos, Medicina Intensiva… à excepção de unidades de grandes queimados), permitem-lhes construir e aperfeiçoar conceitos e ferramentas técnicas de trabalho, que são parte integrante da MGM. Algumas salvaguardadas, com registo de direitos de autor: “Mourrir debout®/Morrer de pé”, “Toucher-tendresse®/Toque ternura”, “Manutention relationelle®/Manutenção relacional”, “Capture sensorielle®/Captura sensorial”, “Rebouclage sensorielle®/Rebouclage sensorial”, “Methodologie de Soins Gineste-Marescotti®/Metodologia de Cuidados Gineste-Marescotti”, “Philosophie de l’ Humanitude®/ Filosofia da Humanitude”, “Toilette evaluative®/toilete avaliativa”. Constroem também um modelo de formação na acção, facilmente adaptável a estudos de investigação acção e uma invejável bateria de dispositivos pedagógicos (filmes, diapositivos, DVDs, manuais de formação…). Uma vez em conversa perguntámos aos autores como chegaram até aqui, ao que Gineste responde que não foi um momento de “eureka”, foram vários, depois de muitos anos de trabalho e investigação. Isto é, pelo trabalho e perseverança fizeram caminho onde outros passaram ao lado, como é próprio dos audazes e, por isso, merecem a nossa gratidão.
CAPÍTULO II
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FILOSOFIA DE CUIDADOS HUMANITUDE – UMA FILOSOFIA PRÁTICA
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“Ciência sem consciência é apenas a ruína da alma”. (Rabelais, 1532).
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Melhorar, manter, não destruir a humanitude, profissionalizando o olhar, a palavra, o toque, a verticalidade é um imperativo ético de qualquer cuidador, como advertem Gineste e Marescotti.
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No capítulo anterior apresentámos a HUMANITUDE como conceito antropológico e como filosofia de cuidados e, será fácil perceber que é também uma filosofia de vida. Neste capítulo apresentamo-la como uma filosofia de cuidados na sua vertente prática, cujos procedimentos técnicos serão descritos com mais detalhe no capítulo seguinte, referente à Metodologia de Cuidados Gineste-Marescotti.
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2.1. FILOSOFIA DE CUIDADOS HUMANITUDE: CONCEITOS, PILARES, REGRAS DE ARTE E PRINCÍPIOS ÉTICOS
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Como eixos orientadores desta filosofia de cuidados os autores clarificam os conceitos de cuidador, de humanitude, de pessoa, os princípios éticos, as regras de arte da moderna gerontologia (no caso de idosos) e os direitos a respeitar e deveres.
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2.1.1 Definição de Cuidador Para chegarem à definição de cuidador interrogaram 300 cuidadores (1996-1997), colocando-lhes sistematicamente a questão: “O que é um cuidador?”. Obtiveram uma grande diversidade de respostas, e a sua análise revelou que os cuidadores, participantes no estudo, tinham dificuldade em definir a sua identidade profissional. Perante tais resultados era importante e urgente clarificarem este conceito. Elaboram a seguinte definição, socorrendo-se da legislação francesa em vigor e de diversas outras fontes: Um cuidador é um PROFISSIONAL, que cuida de uma pessoa (ou de um grupo de pessoas) com preocupações ou problemas de saúde, para a ajudar a melhorar ou manter a saúde ou para a acompanhar até
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STOP! Um profissional que não deve EM CASO ALGUM DESTRUIR a saúde desta pessoa (destruir, pode ser impedir a utilização de uma capacidade; fazer “em seu lugar”, não a olhar, não lhe falar, não a estimular…). Um profissional que não deve em caso algum maltratar ou destruir a sua Humanitude.
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Esta definição de cuidador é discutível. À primeira vista não contempla os cuidadores informais, os familiares e os conviventes significativos. Talvez esta definição queira vincar que os cuidadores profissionais têm o dever de cuidar também destas pessoas, de as orientar e de estar vigilantes tanto em relação aos cuidados que prestam como ao seu próprio estado de saúde, dando-lhes a ajuda de que necessitam.
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2.1.2 Definição de Pessoa Uma pessoa é, além de um animal vivente, um animal humano, que para se sentir humano tem de ser reconhecido na sua HUMANITUDE. É um ser humano com particularidades próprias da espécie humana e particularidades próprias de cada ser humano, que fazem dele uma pessoa única, com características, capacidades, ritmos próprios, com a sua própria identidade, necessidades, hábitos, gostos e desejos próprios, bem como modos próprios de os satisfazer. Particularidades que advieram da sua herança genética, da forma como foi colocada e mantida em humanitude, da sua história de vida, situada em determinados contextos. É fundamental, pararmos e questionarmo-nos “quem é a pessoa que cuidamos?”.
Antes de mais é um nosso irmão ou irmã de espécie, da nossa familia humana. Só por isso, merece o nosso profundo respeito.
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perceptíveis, é preciso uma observação atenta para descobrir estas marcas subtis na sua auto-estima, autoconceito e auto-imagem. São fruto de olhares, palavras, sorrisos e gestos duros, arrogantes, frios, intimidantes, desconsiderantes, não validantes da sua humanitude ou, pior que isso, não receberam estes estímulos. A sua humanitude, maltratada por estímulos agressivos ou pela indiferença, sofreu danos irreparáveis e a pessoa deixou de se considerar um humano, na sociedade dos Homens. À morte da sua humanitude, seguir-se-á rapidamente a morte física, conhecida por sindroma de deslizamento. Exercícios deste tipo levam a olhar para aquela “Velha com Alzheimer”, ou qualquer outra pessoa em situação de vulnerabilidade, cujos comportamentos nos desconcertam, com olhos mais amorosos e compassivos, a falar-lhe com o coração, com mais doçura, a tocála com mais ternura, a inclinarmo-nos com respeito perante o seu passado, perante o ser humano que é no presente.
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Resumindo (adaptado do Manual de Formação Humanitude do IGM): Pessoa é: – Um animal VIVENTE … (que tem necessidade, para continuar vivo, de comer, beber, respirar, etc.); – Um animal HUMANO… (que tem necessidade, para se sentir humano, que se reconheça e respeite a sua HUMANITUDE); – Um Ser Humano, com maneiras particulares de satisfazer desejos e necessidades… Maneiras muito próprias de comer, de se deslocar, de se repousar, etc., que variam segundo as culturas. Não as respeitar, por exemplo, alimentando um ser humano como se alimenta um animal, conduz a alterar/destruir a sua HUMANITUDE.
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Os seres humanos têm faculdades, características, necessidades, desejos (…) específicos dos humanos: – Entre as faculdades essenciais dos humanos temos: o riso, a autonomia psíquica, a inteligência conceptual, uma linguagem particular, vestir-se, criar, narrar/expor, interagir em sociedade ou em grupo… Impedir ou não permitir a uma pessoa utilizar as suas faculdades humanas, por exemplo, impedi-lo de andar, de falar, de se divertir, de ver os seus familiares, de fazer escolhas, etc., conduz a alterar, a destruir a sua HUMANITUDE…
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A Pessoa é também um ser humano ÚNICO, com maneiras particulares próprias, de satisfazer desejos e necessidades… que tem faculdades, características, necessidades, etc., específicos – Cada pessoa possui maneiras próprias de comer, falar, de se divertir; tem o seu próprio ritmo e o seu próprio espaço…; – Cada pessoa desenvolveu faculdades, actividades, paixões, relações, gostos, etc., que lhe são próprios, fazem parte da sua identidade. Não respeitar as maneiras, as actividades, o ritmo, o espaço e outras particularidades, próprios de uma pessoa, conduz a despersonalizá-la…
2.2 VIVER EM HUMANITUDE O ser humano ao nascer vem equipado, em potência, para sobreviver e adquirir as particularidades próprias da sua espécie, mas não sobreviverá por muito tempo se outro ser humano não cuidar da sua sobrevivência e da sua humanitude. Privado dos cuidados, ditos maternos, ou quando estes são insuficientes ou desadequados o ser humano desenvolve-se muito mal ou morre. Esta problemática estudada por René Árpád Spittz e Edward John Mostyn Bowlby, recentemente aprofundada por Boris Cyrulnik,
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2.2.2 A pessoa e os três nascimentos Ao nascer, nascimento biológico (parto, primeiro nascimento), a criança não está ainda em Humanitude, não nasceu para a espécie (segundo nascimento), ela precisa de ser inundada de olhares, de palavras, de toques-carícia, de sorrisos, de milhares de estímulos, de uma ambiência de ternura que fica marcada na sua memória afectiva. A amamentação, além dos benefícios conhecidos e reconhecidos cientificamente do leite materno, proporciona momentos privilegiados para criar esta ambiência afectiva: é o olhar terno, embebecido, as palavras amorosas, o cantarolar, a festinha, as milhentas formas de acariciar, de embalar, de aconchegar a si, de ajudar o seu bebé a adquirir a verticalidade, a sentir-se um ser humano, um ser humano diferente da sua mãe. E na sua memória afectiva são registadas e arquivadas, fazendo parte de si mesma, estas boas sensações, mas também a maciez da pele da sua mãe, o seu cheiro, o sabor do seu leite, a sensação boa de saciar a fome, de ser posto em limpo, o timbre da sua voz, os contornos do seu rosto. Criar esta ambiência afectiva é a grande tarefa dos progenitores, o melhor investimento que podem fazer a favor do seu “rebento”. A privação ou insuficiente estimulação sensorial e afectiva da criança, nos primeiros tempos de vida, tem efeitos devastadores no seu desenvolvimento. Deve-se a Spitz o conceito de hospitalismo, tendo demonstrado, nos seus estudos que as crianças institucionalizadas/hospitalizadas, em carência afectiva entravam em depressão anaclítica, marasmo e grande parte delas não sobrevivia. Os conhecimentos de que hoje dispomos permitem-nos alargar o conceito de hospitalismo a todas as pessoas, particularmente às pessoas vulneráveis e fragilizadas pela doença. Não devemos esquecer o contributo de Bowlby, com os seus estudos publicados nas décadas de 50 e 60, a sua teoria da vinculação e a privação dos cuidados maternos (Attachment Theory, Maternal Deprivation), apresentada na sua trilogia “Attachment and Loss” (1969)/”Attachement et Perte” (1978).
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Veldman (2001), vai mais longe, com a “confirmação afectiva táctil”, a começar na vida intra uterina, mas importante em toda a vida. A haptonomia, ciência da afectividade pelo tacto, mostra os benefícios da intervenção vinculativa ainda na vida intra-uterina. As maternidades e centros de saúde têm em conta estes ensinamentos, estimulando os pais a acariciar o seu bebé quando este ainda está no útero materno, assim como se tomam precauções em relação ao toque obstétrico. É uma descoberta recente a rede de fibras nervosas finas, de condução lenta, fibras da ternura. São fibras desmielinizadas, que funcionam independentemente das outras, ligadas a uma zona específica do cérebro (cérebro insular), sensíveis ao prazer, ao amor, funcionam desde o 8.º mês de gravidez. Yves Lamarre, professor e investigador da faculdade de Medicina da Universidade de Montreal, Canadá, estudou uma senhora afectada pelo sindroma de Guillain-Barré, que não sentia o toque mas sentia o calor, o frio e a dor. Ao fazer-lhe testes passando um pincel macio no braço, sem que a senhora pudesse ver, em 100% destes testes a Senhora descreveu a sensação de um toque suave e agradável. Não percebia o toque em si mesmo: a direcção e velocidade do movimento, a textura do objecto que a tocava, visto que essa sensação provinha de fibras mielinizadas, cujas bainhas de mielina tinham sido destruídas. Conservava, no entanto, intacta a rede de fibras finas, de condução lenta, desmielinizadas, que lhe permitiam sentir o frio, o calor e a dor. No grupo testemunho, os sujeitos submetidos à mesma experiência, a ressonância magnética revelou duas zonas de activação neuronal, intimamente ligadas: o cortex insular e a área somatosensorial. Os sujeitos podiam descrever as características objectivas do toque, tais como a velocidade, direcção e força, assim como as suas características emotivas ligadas ao prazer e à sensualidade. Na senhora doente (Guillain-Barré), em
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Yves Lamarre com Hakna Olausson do Hospital Universitário Sahlgrenska, da Suécia e as suas equipas de investigação demonstraram que estas fibras são activadas quando o toque é terno, lento e amplo, o toque ternura, a carícia (Olausson et al, 2002). Cyrulnik (1989, 1993, 1995), utilizando os meios de diagnóstico hoje disponíveis, apresenta-nos os efeitos da não vinculação, da privação de estímulos afectivos a nível do desenvolvimento do cérebro. A humanitude não é um estado ad-eterno, quando a pessoa, particularmente a pessoa doente e vulnerável, não recebe olhares, palavras, toques-ternura e a sua verticalidade não é respeitada os laços humanitude enfraquecem, quebram-se. A pessoa fecha-se sobre si, geralmente apresenta-se também fechada fisicamente, membros dobrados sobre o corpo, olhos fechados, não fala, está como diz Gineste no “limbo geriátrico”. Se não houver o esforço para reatar os laços Humanitude, trazendo-a à vida (terceiro nascimento) entra rapidamente em sindroma de deslizamento e morre.
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2.3 PRINCÍPIOS ÉTICOS, VALORES, REGRAS DE ARTE DA GERONTOLOGIA MODERNA, DIREITOS E DEVERES
A Filosofia de Cuidados da Humanitude e ética são indissoci áveis. Os princípios éticos, os valores universais e os direitos e deveres que deles decorrem, são assumidos na filosofia de cuidados humanitude e na MGM como invioláveis. As regras de arte, que a seguir se apresentam, não sendo específicas desta filosofia de cuidados, são assumidas pelos seus autores e funcionam como bússolas orientadoras.
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– Princípio do Respeito pela Qualidade de Vida – Princípio do Ajustamento – Princípio da Lealdade na relação – Princípio da Justiça e da Equidade Os Valores universais A Ordem dos Enfermeiros, através do seu Conselho Jurisdicional, sob a coordenação de Lucília Nunes, Manuela Amaral e Rogério Gonçalves, dotou os seus membros com uma excelente ferramenta, o “Código Deontológico do Enfermeiro: dos comentários à análise dos casos” (2005). Nele encontramos não só os princípios éticos, valores, direitos e deveres como legislação e documentação de apoio: Convenções, Declarações, Cartas de Direitos e obras referenciadas que ajudam a analisar e interpretar os seus conteúdos. Conhecer em profundidade o Código Deontológico deve constituir um imperativo para cada enfermeiro/a. Ler e reler este Código Deontológico comentado e com análise de casos é um dos seus primeiros deveres, pois constitui-se um precioso guia para as práticas. Mas é também uma obra de consulta importante, particularmente na área da saúde.
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O Código Deontológico do Enfermeiro, considera os seguintes valores universais, com esta mesma ordenação (p.62): – A igualdade; – A liberdade responsável, com a capacidade de escolha, tendo em atenção o bem comum; – A verdade e a justiça; – O altruísmo e a solidariedade; – A competência e o aperfeiçoamento profissional.
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Negociação dos Cuidados Pedir à pessoa autorização para realizar qualquer cuidado, informando-a, de modo a que possa dar o seu consentimento esclarecido, é uma regra de ouro, em particular quando se trata de pessoas com demência. Em casos de renitência, a negociação impõese, oferendo várias opções para que a pessoa possa escolher a que mais lhe convém. Com esta intervenção pretende-se o fim dos cuidados impostos, exercidos pela força, que não respeitam a dignidade da pessoa e a sua livre escolha (ver a abaixo, direitos e deveres). Tal conduta gera Comportamentos de Agitação Patológica (CAP) e oposição aos cuidados, sendo por isso um atentado à integridade física e psíquica da pessoa e incompatíveis com a melhoria ou a manutenção do bem-estar e da qualidade de vida sendo causa de burnout para os cuidadores. No final de uma formação em humanitude, do tipo formação na acção, com pessoas dementes, na avaliação final os cuidadores realçaram o reflexo do consentimento nos cuidados, de dar voz à pessoa cuidada e esta sentir que tem poder de decisão e opções a tomar, como exemplifica este relato “É evidente que a gente pedia o consentimento, é natural, mas quer a pessoa respondesse, quer não os cuidados eram feitos (…). Depois os cuidados acabam por ser mais suaves, mais colaborantes por parte do doente” (Simões, 2013, p. 172). Respeito pelo Domicilio A pessoa que vive num estabelecimento ou na casa onde habita, tem o seu quarto por domicílio privado (espaço privado, íntimo, de liberdade e prolongamento do eu). É o lugar de reencontro consigo mesma, de auto-reconhecimento, onde se pode isolar para rever a sua vida, meditar, orar, escutar a música preferida, relaxar, escrever, ler, ver fotos de pessoas ou de acontecimentos marcantes na sua vida, ventilando as suas emoções sem a presença de terceiros ou ver o seu
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espaço. Quando os ratos adormeceram a circulação do líquido aumentou enormemente. Puderam depois demonstrar cientificamente este achado inesperado e de imensa importância, pois é a circulação do líquido intersticial que permite libertar o cérebro dos seus próprios produtos do metabolismo cerebral, carregado de toxinas. A transição para o sono aumenta em cerca de 60% o espaço intersticial e, consequentemente, a circulação do líquido intersticial. Sabe-se também que é no sono que a pessoa atingida de demência consolida as suas aprendizagens. Interromper o sono de uma pessoa para mudar uma fralda, quando está a entrar na fase reparadora, desencadeia agitação e desorientação, provoca danos a vários níveis. Acontece ainda, com mais frequência do que pensamos, a pessoa acordar sobressaltada com um cuidador a afastar-lhe as pernas para verificar se está molhada, por vezes tendo tomado um indutor do sono, e a seguir desencadear CAP. Num filme pedagógico, a Enf Chefe apresenta uma senhora atingida de doença de Alzheimer, como supostamente ter sofrido violação, pela forma como se defendia, impedindo os cuidados íntimos. Gineste, utilizando os procedimentos humanitude da captura sensorial, cuida da senhora em serenidade e quando lhe anuncia os cuidados íntimos e lhe pede para afastar as pernas, ela fá-lo sem qualquer constrangimento. Na análise da situação com os cuidadores e a Enf. Chefe (com lágrimas nos olhos), chegam à conclusão que é muito possível que a pessoa tenha sentido os cuidadores como violadores, pelo gesto acima descrito. Em Portugal, já tivemos situações idênticas e referenciadas do mesmo modo.
Contenções Justificadas Uma contenção mecânica ou química constitui um atentado à dignidade humana, à integridade física e psíquica e à liberdade. As
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“casa sua”, uma história de vida…, que lhe são próprios, num clima de confiança mútua; – Ser tratada respeitosamente pelo seu nome, quem não tem nome não existe, pelo nome que quer ser tratada e em que se reconhece. Para alguns espiritualistas o nome tem para a pessoa uma energia, uma carga vibratória específica, como fio condutor de vida; – Que os gestos cuidativos lhe sejam anunciados e descritos durante a realização do cuidado; – Respeitar a intimidade da pessoa. O respeito pela sua intimidade passa pela sua privacidade, pelo seu pudor e pela não exposição a olhares de terceiros (cuidados de higiene, entrevistas…); – Não sejam interrompidos os cuidados, particularmente os que decorrem em intimidade. Nunca provocar desconforto, constrangimento; – Ser cuidada com gestos suaves, acariciantes, idênticos ao toque ternura. Jamais gestos duros, brutais, destrutivos ou abordagens surpresa; – Receber cuidados que tenham em conta as suas capacidades, que potenciem as suas forças de vida, o seu bem-estar, a sua qualidade de vida e lhe dêem prazer; – Que o seu sono não seja interrompido; – Não ser sujeita a contenções mecânicas ou medicamentosas, que não sejam plenamente justificadas e, somente, depois de esgotados outras soluções, sendo previsto, nessas situações extremas, programas de compensação; – Receber, sem horários rígidos, os seus familiares, os seus amigos, as pessoas das suas relações, em privacidade, sem a presença de terceiros, se assim o desejarem; – Que a sua verticalidade lhe seja conservada até ao fim da sua vida, “Viver e Morrer de pé”;
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Estes achados vêm ao encontro do que constatámos nas nossas experiências clínicas. De facto, encontrámos doentes que nesta etapa final da sua existência se apresentavam muito ansiosos, tristes, apreensivos, agitados, o que geralmente acontecia com pessoas idosas. Num trabalho muito discreto junto destas pessoas, vínhamos a descobrir uma tarefa por resolver: fazer as pazes com um membro da sua família (irmão/irmã e até um filho ou um neto, que não a vinham visitar); dispor dos seus bens por testamento; legitimar uma relação ou perdoar-se a si mesma. Muitas destas inquietações foram resolvidas, mas outras houve que a resolução não foi conseguida. Recordo alguns casos muito tristes, em que as pessoas em causa, por nós contactadas, com insistência, recusaram o nosso pedido e a reconciliação não foi possível. Por vezes ouvíamos do outro lado da linha “Perdoar, já a perdoei, mas não esqueço…”. A pessoa, em grande sofrimento, prolongava desesperadamente a sua agonia na esperança do reencontro, pensávamos nós. Muito próximo deste nosso tempo (2010) acompanhámos a recta final de uma senhora de 94 anos, consciente até ao derradeiro momento. Um mal entendido, levou a que um familiar e a esposa deixassem de a visitar e prestar ajuda. Encontrámo-la muito triste e sem perceber o corte de relações. Com sua autorização, contactámolos telefonicamente, depois enviámos uma emissária, visto o seu estado não permitir que nos ausentassemos para o fazer pessoalmente. Voltámos a telefonar, perante a sua renitência, argumentámos o melhor que soubemos. Chegaram no derradeiro momento. Anunciámos-lhe a sua chegada e testemunhámos o sublime momento em que os dois abraçados à pessoa, beijando-a, lhe pediam perdão e, ela dizendo os seus nomes “…se vos ofendi perdoem-me” e, partiu. Não teriam passado mais de cinco minutos, desde que chegaram. Devemos dizer, que eles me têm expressado a sua gratidão. Põem em relevo ela ainda ter pronunciado os seus nomes e dizem “se não tivéssemos respondido
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ao chamado culpabilizar-nos-íamos toda a vida”. Reconhecem que foi uma má interpretação das palavras que a Senhora proferiu num momento de impaciência. Recordamos uma senhora, que veio servir (como se dizia ao tempo), para casa de uma família de condição média, mas muito digna e ali permaneceu até à recta final da sua vida. Ela e a “Minha Senhora”, como dizia, eram como duas irmãs. A senhora vinha vêla e referia-se a ela como um modelo de virtudes e de dignidade. Achava que não se tinha casado para não abandonar aquela família, pois pretendentes não lhe faltaram. Por vezes expressava esses sentimentos à sua frente. Um dia, em que estávamos a fazer-lhe um tratamento íntimo, muito triste e emocionada, disse: “Senhora Enfermeira, vou contar-lhe uma coisa que carreguei toda a vida e me faz sentir uma impostora perante a “Minha Senhora”. Criança ainda, uma família da minha terra que vivia em Lisboa, pediu aos meus pais para me deixarem ir com eles, como criada. Por se tratar duma família abastada e muito respeitada lá na terra, os meus pais acederam ao convite e também porque pensavam ser o melhor para mim, dada a nossa condição de pobreza”. Contou que foi abusada sexualmente, pelo patrão. Com muito sofrimento aguentou, livrando-se do violador como podia, até às próximas férias. Não voltou com aquela família, pois os pais atenderam os seus rogos, sem nunca revelar a razão. Cresceu, trabalhou na sua aldeia e teve pretendentes que sempre recusou. “Sabe, Senhora Enfermeira, naquele tempo, sendo eu uma garota, se falasse, a senhora não iria acreditar em mim, e ainda ficava a olhar-me como se fosse eu a provocar o marido! Perante os pretendentes, teria que lhes contar a minha situação e o resultado era ser enxovalhada e andar de boca em boca! Não diga nada disto à Minha Senhora”. “Claro que não, pode ter a certeza, nós somos como os padres, temos o dever do sigilo profissional”.
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No seu coração não havia rancor, simplesmente mágoa. E esta mágoa decorria de se sentir diferente do que pensavam dela. As duas, de mãos nas mãos, num cubículo do serviço, sem as mínimas condições, analisámos a situação. Podemos afirmar que ventilar aquela mágoa que carregou durante mais de 70 anos foi uma bênção que amenizou a recta final da sua existência terrena. Passaram mais de 50 anos e o seu rosto está bem presente na nossa memória. Parece que naqueles tempos, abusos sexuais a meninas que vinham servir para as cidades eram bem mais frequentes do que se imagina. Poderíamos descrever muitas outras situações e estamos certa que os enfermeiros/as ao lerem este texto lhes virá à mente um sem número de situações que mexeram com a sua sensibilidade.
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ATENÇÃO: O exercício dos direitos descritos acima, constitui dever das instituições e dos cuidadores. Ter sempre presente que o cuidador é também uma pessoa, que em caso algum deve destruir a sua saúde, utilizando técnicas incorrectas, danosas. É uma pessoa com direitos e deveres. Uma pessoa que deve ser respeitada como ser humano, respeitar-se e respeitar os outros membros da equipa, como tal.
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CAPÍTULO III
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METODOLOGIA DE CUIDADOS GINESTE-MARESCOTTI®
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“Ciência sem experiência, não assegura grande confiança” (Ambroise Paré, 1509 –1590).
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Após alguns anos de exercício profissional, devíamos ser capazes de detectar os sofrimentos de uma pessoa, apenas passando-lhe as mãos por cima, de olhos vendados. Tal como um bom marceneiro reconhece uma essência de madeira, tocando-a, simplesmente1. (Yves Gineste e Rosette Marescotti, tradução livre Nídia Salgueiro)
Soins Corps Communications, Captura e Rebouclage sensoriel : dans la gestion des comportements perturbés des patients âgés déments lors des soins de base. (site internet - cecformation.net)
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Em relação à Metodologia de Cuidado Gineste-Marescotti (MGM), objecto deste capítulo, privilegiámos a captura sensorial, apresentando e descrevendo com algum detalhe os procedimentos cuidativos humanitude que fazem parte desta potente ferramenta. Estes procedimentos, no seu conjunto, permitem evitar abordagens surpresa, desencadear comportamentos de agitação patológica (CAP) e resolver a oposição aos cuidados, na maioria dos casos. A MGM, cuidar Humanitude, dispõe de 150 técnicas, validadas pelos directores e formadores dos IGM, que todos os anos se reúnem em Seminário Humanitude, tipo Retiro, durante uma semana. Ali se refrescam ideias e actualizam técnicas, se aperfeiçoam os dispositivos pedagógicos, se discutem inovações, problemas do terreno, soluções encontradas e resultados, etc.
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3.1 CAPTURA SENSORIAL: PRÉ-PRELIMINARES, PRELIMINARES, REBOUCLAGE SENSORIAL E CONSOLIDAÇÃO EMOCIONAL
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A captura sensorial integra procedimentos cuidativos Humanitude, encadeados numa sequência lógica e interdependentes nas três fases de um qualquer cuidado, ou seja os três momentos de um arco de trabalho: preparação, realização e fecho do cuidado. Captura sensorial A captura sensorial permite abrir sucessivos canais de comunicação, pela via sensorial e mantê-los abertos, com o objectivo de chegar à memória afectiva e despertar as boas sensações vividas pela pessoa, nunca as más. Evita abordagens surpresa, inclui a negociação, criando as condições para a realização do cuidado, em serenidade. A captura sensorial processa-se em vários momentos, designados por:
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Pré-preliminares, preliminares, rebouclage sensorial, consolidação emocional (Gineste e Marescotti, 2009, 2010). 3.1.1 Pré-preliminares; Bater à porta
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3.1.2 Preliminares: Olhar, palavra e toque
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fazem o toque profissional (do enfermeiro, do cuidador). Devemos aspirar a que ao dizermos toque ternura, queremos dizer toque enfermeiro, toque de um cuidador profissional. Que enfermeiro/ cuidador não gostaria de ouvir esta frase? “Ao fazer-me o penso ou prestar-me os cuidados eu senti as suas mãos de enfermeiro”, o que quereria dizer que as mãos lhe transmitiam uma sensação agradável, de leveza, de ternura, semelhante a uma carícia. Não tenhamos dúvida, as nossas mãos enviam mensagens emocionais potentes, para o bem e para o mal. Elas são ferramentas mágicas: Mãos-coração, que se transformam em canais de amor incondicional, de compaixão, de serenidade e de paz, de energia curadora... Mãos-palavra, às vezes elas são palavra, dizem “Eu estou contigo, não te abandono, podes contar comigo”. Adoçam a espinhosa missão de dar uma má notícia. Perante uma situação grave, quando nos faltam as palavras, as mãos falam. Mas atenção, também nos podem trair … Mãos-estímulo, durante o nosso longo percurso de hominização, contribuíram para fazer dos nossos ancestrais o que hoje somos, ajudaram o desenvolvimento do nosso cérebro, das nossas capacidades de humanos e continuam a fazê-lo. Mãos-engenhosas, mãos-artistas,…que dão corpo às obras concebidas…são co-criadoras. No entanto, é preciso estar muito vigilante, elas podem transformar-se, tenhamos ou não consciência disso, em Mãosperigosas, que provocam dano, maltratam, despertam a evocação de experiências desagradáveis, transmitem doenças e matam. Podem destruir, subtilmente, uma relação de confiança (adaptado de Salgueiro, 2007a).
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Por isso merecem a nossa maior consideração, respeito e gratidão. Por mim estou-lhes profundamente grata. Terminamos este capítulo com um poema, encontrado no espólio de uma idosa, após a sua morte, no Centro Hospitalar Regional de Dieppe.
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A velha rabugenta
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Que vês tu, tu que me cuidas, que vês tu? Quando me olhas, que pensas tu?
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Uma mulher velha rabugenta, um pouco louca, de olhar perdido, que de facto não está ali, Que se baba quando come e nunca responde, Que, quando tu dizes com uma voz forte “tente”, Parece não prestar nenhuma atenção ao que tu fazes, E não cessa de perder os seus sapatos e as suas meias, Que, dócil ou não, te deixa fazer, à tua maneira, o banho e as refeições para ocupar o longo dia cinzento, É isto que tu pensas, é isto o que tu vês? Então, abre os olhos, essa não sou eu. Vou dizer-te quem eu sou, sentada tão tranquila, Deslocando-me à tua ordem, comendo quando tu queres: Eu sou a última de dez, com um pai e uma mãe, Irmãos e irmãs que se amam entre si. Uma rapariga de dezasseis anos, de asas nos pés, Sonhando que logo, ela encontrará um noivo. Casada já aos vinte anos. O meu coração enche-se de alegria ao lembrar os votos que fiz nesse dia.
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Eu tenho agora vinte e cinco anos e um filho meu, Que tem necessidade de mim para lhe construir um lar. Uma mulher de trinta, o meu filho cresce rápido, Estamos ligados um ao outro por laços que durarão. Quarenta anos, daqui a pouco ele já não estará ali. Mas o meu homem está ao meu lado e vela por mim. Cinquenta anos, de novo brincam à minha volta bebés; Ali estamos nós, o meu bem-amado e eu, rodeados de crianças, Chegam os dias negros, o meu marido morre. Olho o futuro tremendo de medo, Porque os meus filhos estão ocupados a criar os seus, E penso nos anos e no amor que tive.
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Estou velha agora, e a natureza é cruel, Que se diverte a fazer passar a velhice por loucura, O meu corpo vai-se, a graça e a força abandonam-me, Há agora uma pedra, no sítio onde antes tinha um coração, Mas nesta velha carcaça, a jovem rapariga habita, Pois que o velho coração se enche sem descanso, E lembro-me das alegrias, e lembro-me dos desgostos, E de novo eu sinto a minha vida e amo. Penso nos anos muito curtos e muito rapidamente passados, E aceito esta realidade implacável que nada pode deter. Abre os olhos, tu que me cuidas e olhas… Olha melhor, tu me verás! Fonte: Thieffry, 1991, p. 119 (Tradução livre de N. Salgueiro).
CAPÍTULO IV
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IGM PORTUGAL – BREVE RESENHA HISTÓRICA
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“Os sonhos comandam a vida” e se acreditarmos nisso eles realizam-se, o que idealizamos acontece, como por milagre. Das pequeninas sementes colocadas em terreno fértil e condições apropriadas, desponta a vida que floresce, frutifica e se multiplica.
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Neste capítulo, registamos o percurso efectuado desde as primeiras divulgações em Portugal do conceito humanitude e da Metodologia de Cuidado Gineste-Marescotti (MGM) à criação do Instituto Gineste Marescotti (IGM Portugal), bem como uma breve resenha das actividades que este Instituto desenvolveu nos seus três primeiros anos de vida. Fechamos o capítulo com a apresentação de alguns dos resultados obtidos nas instituições onde foi introduzida a MGM (Salgueiro, 2014).
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4.1 MARCOS IMPORTANTES NA DIVULGAÇÂO E IMPLEMENTAÇÃO DA HUMANITUDE EM PORTUGAL
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As primeiras divulgações do conceito de Humanitude A primeira divulgação do conceito Humanitude, em língua portuguesa, terá sido em 1988, com a publicação do livro de Albert Jacquard “A Herança da Liberdade: da Animalidade à Humanitude”2, tradução de “L’heritage de la liberté: de l’animalité à l’humanitude” (1986). Em 2002, Luis Archer , publica “Profecias do Gene Ético: Confronto entre tecnocosmos e humanitude”. O contributo de Margot Phaneuf Em 2003, Margot Phaneuf fala-nos, pela primeira vez, de humanitude no âmbito de cuidados de enfermagem, baseando-se em Jacquard. Em 2005, num programa de formação, que realizou em vários locais e diferentes instituições do nosso país (inclusive para professores do Agrupamento de Escolas das Taipas, Guimarães), cuja tradução sequencial esteve a nosso cargo, além da filosofia da humanitude e dos Em relação a obras publicadas, apenas se apresenta o autor/es e o título da obra, visto que constam da rubrica “Referências Bibliográficas”, a fim de não sobrecarregar o texto.
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seus pilares introduziu alguns aspectos da MGM como a “Captura sensorial”, “Rebouclage sensorial”, “Consolidação emocional”, “Morrer e viver de pé”... Traduzimos os documentos de apoio às suas formações e diapositivos, adaptados aos vários contextos em que se desenrolaram as acções formativas. Generosamente, ofereceu-nos esta enorme quantidade de material pedagógico. Forneceu-nos também os sites de Yves Gineste e Rosette Marescotti. Em 2007, Phaneuf publicou o artigo “Le concept d’humanitude: une application aux soins infirmiers généraux”, no site www.infiressources.ca. Pediu-nos para o traduzirmos para português, dado este site ser muito visitado pelas enfermeiras da América do Sul. A versão portuguesa foi divulgada na secção “nos amis d’ailleurs”, daquele site. Presentemente, as duas versões estão disponíveis nos sites do IGM França e nos de Gineste e Marescotti. Também em 2007 é publicada a sua obra “Le vieillissement perturbé: La maladie d’Alzheimer”, que traduzimos, sendo publicada com o título “O envelhecimento perturbado: A doença de Alzheimer”, em 2010. Nesta obra a autora inclui: “A humanitude: um conceito fundamental”(Cap. 1); “A gestão dos comportamentos de agitação patológica”(Cap. 9), em que se reporta à Metodologia de Cuidados Gineste-Marescotti (MGM) e ao livro de Gineste e Pellissier “Humanitude: Comprendre la vieillesse, prend soin des hommes vieux”(2007), editado em língua portuguesa pelo Instituto Piaget (2008), com o título “Humanitude: Cuidar e compreender a velhice”. Estas obras tem sido para nós ferramentas preciosas, pois nos ajudam a compreender a velhice, a ter uma outra visão sobre os cuidados a pessoas idosas atingidas de demência, a um pensar humanitude. O nosso próprio contributo Ao tomarmos conhecimento da filosofia da humanitude e da MGM aderimos, de imediato. Faziam-nos sentido e vinham ao encontro das nossas gratificantes experiências no terreno, com pessoas doentes
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agitadas, do foro psiquiátrico e outras situações de vulnerabilidade. Passámos a introduzir estes conceitos nas nossas próprias acções formativas, como atestam os manuais de apoio pedagógico, os primeiros dos quais em 2006: “Humanitude: implicações e aplicações” e “Enfermagem, Novas Metodologias de Cuidados Baseadas na Filosofia da Humanitude”. Os resultados da análise dos relatos avaliativos dos formandos, em anexo, nestes manuais, revelam quanto esta filosofia prática encarna a essência da enfermagem. Os formandos enfermeiros reviam-se nos seus postulados e nos procedimentos cuidativos que a MGM integra. Sempre que se proporcionou transmitimos o que sabíamos sobre esta metodologia, focando o seu impacto em relação à qualidade de vida e bem-estar da pessoa cuidada e na saúde da pessoa cuidador.
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A tese de doutoramento do Enfermeiro Mário Simões – Marco importante No início de 2007, o Professor Doutor Manuel Rodrigues, contactou-me no sentido de saber se estaria disponível para co-orientar com ele, a tese de doutoramento do Enf. Mário Simões, doutorando da Universidade Católica Portuguesa (UCP). A primeira reunião conjunta veio a ocorrer a 28 de Janeiro de 2007. Nesta reunião, o Enf. Mário Simões apresentou as suas preocupações em relação ao cuidado a idosos, em particular a idosos com demência. O assunto que pretendia estudar andava à volta da humanização dos cuidados. Apresentámos-lhe a Humanitude, como Filosofia de Cuidado e a MGM (ele já conhecia o termo, através de Archer (2002), desconhecia-o como filosofia de cuidado). Facultámos-lhe o dossiê, constituído por documentos coligidos dos sites dos autores e do IGM França, de Phaneuf e da nossa própria autoria, bem como os contactos de Gineste e Marescotti e de Margot Phaneuf. Aceitei co-orientar a sua tese e a UCP também me aceitou, como co-orientadora. A partir dessa primeira reunião, o
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Prof. Doutor Manuel Rodrigues e eu própria, acompanhámos, a par e passo, o desenvolvimento da sua tese, desde a construção do projecto às provas de doutoramento, realizadas a 26 de Fevereiro, 2014. A sua tese, “Cuidar em Humanitude: Método Gineste e Marescotti Aplicado a Pessoas Internadas em Cuidados continuados” (entregue na UCP, em Fevereiro de 2013), está disponível no Repositório da UCP. Consideramos esta tese um marco muito importante na divulgação do Cuidar Humanitude em Portugal, pelos resultados obtidos com a aplicação da MGM numa Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI), que estão em consonância com os obtidos pelos autores; pelas actividades formativas que os seus autores generosamente desenvolveram connosco, das quais decorreu a criação do IGM Portugal e o enriquecimento dos nossos conhecimentos; pela publicação de quatro artigos sobre os seus conteúdos (ver Referências Bibliográficas: Simões, Rodrigues, Salgueiro, 2008, 2011ª e 2011b; Simões, Salgueiro, Rodrigues, 2012).
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Generosidade dos autores da MGM e compromissos éticos Dos contactos do Enfermeiro Mário Simões com os autores e do convite que lhes formulou, resultou a vinda de Yves Gineste a Portugal para um Workshop sobre “Humanitude - Filosofia e Prática” (17 de Abril, 2009), sob o patrocínio da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) e da Universidade Católica Portuguesa (UCP), destinado a docentes e estudantes de cursos de especialização e de pós graduação da ESEnfC e doutorandos da UCP, realizado na ESEnfC. Durante a sua estadia, Yves Gineste reuniu connosco, tendose pronunciado favoravelmente à versão definitiva do questionário a aplicar aos enfermeiros da Região Centro, cujos procedimentos cuidativos das escalas nele integradas já conhecia, por lhe terem sido enviados pelo Enf. Mário Simões, a que deu o seu aval. Estes questionários foram aplicados on line, de Maio a Outubro (2009),
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através da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros (SRC-OE). Desta forma, os enfermeiros da Região Centro tiveram conhecimento da humanitude e dos seus pilares, bem como dos procedimentos cuidativos humanitude da MGM. Foi-lhes pedido para se pronunciarem sobre a sua importância e a percepção de os aplicarem nas suas práticas. Nenhum dos 28 procedimentos incluídos nas escalas foi rejeitado pelos respondentes, atribuindo muita importância no seu conjunto (score global 81,81%) e revelaram a percepção de os aplicarem na sua prática (Score global 73,04%). “Evitar começar o banho pela cara… obteve o score mais baixo (Simões, 2013, p.109 a 112). Este achado, não nos surpreende, visto que começar pela cara, é uma técnica ensinada há muito tempo nas hoje Escolas Superiores de Enfermagem e perpetuada, sem questionamento. Durante esta sua primeira estadia entre nós, Gineste convida-nos a fazermos a formação humanitude, com ele e Rosette Marescotti, em França. Fizemos primeiro esta formação (19 de Setembro a 3 de Outubro, 2009) com uma semana de formação de formadores, em sala, e uma semana de prática, sob a orientação de Sabine Soubielle, uma excelente formadora, que estava a implantar a MGM na “Residence Medicalisée pour Personnes Agées – Residence COSTE BAILLS”. O Enf. Mário Simões fez a seguir a sua Formação Humanitude (de 9 a 24 Novembro). Formação em sala, participação no Colóquio Internacional Abordagens não Medicamentosas na Doença de Alzheimer, em Paris e estágio com Sabine Soubielle. Tal como eu, ficou alojado em casa de Gineste, o que lhe permitiu validar com ele a grelha para a observação das práticas dos cuidadores (SEPCH), ou seja a sequência estruturada de procedimentos cuidativos humanitude (Simões, 2013, p. 128). Yves Gineste demonstrou e explicou-lhe estes procedimentos, nos seus detalhes, tal como fizera comigo. Yves Gineste volta a Portugal (21 a 28/02/2010). Nos dias 22, 23 e 24 realizou uma acção de formação humanitude para professores
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da ESEnfC; Durante a manhã do dia 25 visitou a UCCI, onde Enf. Mário Simões iria aplicar a MGM e de tarde (14h30-17h30) realizou uma conferência, de entrada livre, nesta mesma unidade; no dia 26 uma Conferência na SRC-OE, terminando com um dia de trabalho para doutorandos na Universidade Católica no Porto, no dia 27. Na viagem Coimbra-Porto reiterou o convite para criarmos o IGMPortugal, que nos tinha feito, em Coimbra. Considerou-me directora da futura estrutura formativa a ser criada, atribuindo-me, desde aquele momento, as respectivas responsabilidades. Destas, as mais importantes, são velar para que a MGM não seja adulterada e assegurar a protecção do material pedagógico de apoio à formação, confiando-me um disco externo, contendo filmes e outros dispositivos pedagógicos. Assumi, perante ele, o compromisso de assegurar o cumprimento das regras de protecção deste material patenteado. Estão em causa princípios éticos, visto que os intervenientes nos filmes (Formadores, directores dos estabelecimentos, cuidadores, pessoas cuidadas, familiares, com o aval das comissões de ética) deram o seu consentimento, salvaguardando a sua utilização em acções pedagógicas sob o controlo do IGM. Seria muito grave que alguém copiasse estes filmes e os divulgasse sem controlo ou nas redes sociais, expondo publicamente os intervenientes, sem que para isso tivessem dado a sua autorização. Tal implicaria o corte imediato de relações com o IGM e a quebra dos direitos cedidos. Autorizou-nos a traduzir e utilizar os dispositivos usados pelo IGM nas formações: manual pedagógico, escala de agitação, versão reduzida do CMAI (Cohen Mansfield Agitation Inventory), e vários outros instrumentos para colheita de informação e seu registo. Em Maio de 2010, Yves Gineste esteve de novo em Portugal (dias 17 a 22) a convite da Comissão Organizadora das Jornadas Internacionais de Enfermagem Primavera (JIEP). Procurámos rentabilizar ao máximo a sua estadia entre nós (17 a 22, Maio). Esperámo-lo no Aeroporto Sá Carneiro e viajámos directamente para
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a Covilhã (dia 17), em viatura do Centro Hospitalar da Cova da Beira (CHCB). No dia 18, visitou alguns serviços do Hospital da Covilhã (CHCB), com demonstração de procedimentos técnicos, de manhã e, de tarde, Conferência aberta a todo o pessoal do CHCB. No Dia 19, Workshop na Unidade de Saúde de Coimbra Fernão Mendes Pinto, enquadrado nas JIEP, todo o dia; no dia 20, participou nas JIEP e reuniu connosco e no dia 21, realizou uma Conferência “Do Parto ao Segundo Nascimento”, integrada no programa das JIEP, no auditório dos Hospitais da Universidade de Coimbra. A tradução sequencial desta Conferência, bem como do Workshop acima referido, foi feita pelo Enf. Rafael Efraim Alves, a nosso convite. Em consequência desta participação Gineste lançou-lhe o desafio de fazer a formação de formador humanitude. O último dia de actividades formativas (dia 22) foi dedicado a um Workshop, promovido pelo Hospital Visconde Salreu, com o apoio da Câmara Municipal de Estarreja, que cedeu instalações para a sua realização. Em Setembro de 2010, o Enf. Rafael Efraim Alves inicia a sua formação, em França, com Yves Gineste e Rosette Marescotti, ficando também alojado em casa de Gineste, formação que continuou durante o ano de 2011, com um refrescamento em 2012 e outro em 2013. Estas formações exigentes processam-se por períodos de formação teórica e estágios com diversos formadores, escolhidos pelo reconhecimento das suas aptidões pedagógicas, e períodos de trabalho individual, a fim dos formandos integrarem os conhecimentos e se desenvolverem nos aspectos práticos. A formação termina com uma semana de provas perante Yves Gineste e Rosette Marescotti. Se forem considerados aptos é-lhes fornecido o material pedagógico, com as respectivas recomendações, e podem começar a trabalhar de imediato, em França, visto haver lista de espera para realizar as formações. Em 2010, 9 e 10 de Dezembro, esteve novamente no nosso país para uma Conferência sobre Cuidar Humanitude no Encontro
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de Cuidados Continuados Integrados, em Elvas. Este encontro foi organizado pela ARS Sul, sob a égide da Unidade Missão da Rede Cuidados Continuados Integrados. A conferência foi traduzida pelo Enf. Rafael Efraim Alves, convidando o Enf. João Araújo para estar presente. O interesse de Yves Gineste em colaborar com todos aqueles que querem mudar o paradigma no cuidar está evidente nas suas vindas a Portugal, sem qualquer remuneração, e na forma como nos acolhe em sua casa. Em 20 de Dezembro de 2010, realizou-se em Coimbra um almoço de trabalho, a fim do Enf. Rafael Efraim Alves apresentar o colega de curso e amigo Enf. João Araújo. Os três trocámos ideias sobre o projecto Humanitude e a criação do IGM Portugal. O Enf. João Araújo tinha sido conquistado para o cuidar Humanitude na conferência de Elvas e nas conversas que teve com Gineste, nessa ocasião. Pode dizer-se que nessa conferência foi lançada mais uma semente para criação do IGM Portugal/Humanitude, Lda. O Enf. João Araújo era a pessoa que faltava no elenco para a criação do IGMPortugal. A 20 de Janeiro de 2011 tivemos os três um novo encontro, onde se decidiu avançar com a criação do IGM Portugal e agendar um encontro com o Enf. Mário Simões, o Prof. Manuel Rodrigues e o Prof. Carlos Ferreira. O Prof. Manuel Rodrigues não pode estar presente nesse encontro, realizado no Café Montanha, em Coimbra, cujo objectivo era comunicar-lhes a intenção de criar o IGM Portugal e saber se estavam disponíveis para o efeito. Entretanto, nos contactos com os autores foi-nos dito que não cederiam direitos a uma associação, dando-nos razões que considerámos pertinentes. O IGM Portugal teria que ser uma empresa. Disponibilizaram-se para fundar a empresa: Mário Simões, João Araújo e Rafael Efraim Alves. Quanto a mim, não assumi essa responsabilidade, mas comprometi-me a colaborar activamente e a fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para o seu êxito. Julgo que tenho honrado o compromisso.
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A Humanitude, L.da /IGM Portugal foi criado em 24 de Março de 2011. O Enf. Mário Simões, pouco tempo depois, desvinculou-se da empresa Humanitude, L.da, devido a incompatibilidades profissionais. No entanto, está connosco, com o IGM Portugal. Após a criação do IGM, o Enf. João Araújo iniciou de imediato a sua formação, primeiro connosco e depois em França.
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4.2 O INSTITUTO GINESTE-MARESCOTTI PORTUGAL
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Vencidas as dificuldades e as exigências específicas da criação de uma empresa, nasce o IGM Portugal, muito pouco preparado para caminhar, como acontece às frágeis criaturas acabadas de nascer. À espera do seu contributo, tinha já o Hospital Visconde Salreu (HVS), Estarreja, cuja direcção estava interessada numa mudança de paradigma, contando com o empenhamento de algumas enfermeiras. As primeiras reuniões com o grupo dinamizador do HVS realizaram-se antes da criação da empresa (28 Janeiro e 2 de Março de 2011). Podemos afirmar que foi graças ao entusiasmo e, até de uma certa pressão do seu Administrador, Enf. Directora e restante equipa dinamizadora que se deve a sua rápida criação. Num olhar retrospectivo, talvez tivesse sido um parto prematuro. Inicialmente o HVS considerou formar o pessoal do Serviço de Medicina, depois dos resultados imediatos obtidos com a FA, reconsiderou, tendo o projecto abrangido os restantes serviços, com quatro grupos constituídos por enfermeiros e assistentes operacionais. A Enf. Directora, as Enf. Chefes do Serviço de Medicina e do Bloco Operatório e o Enf. Chefe do Serviço de Cirurgia fizeram a formação, em contexto real de cuidados (FA), integrando-se nos respectivos grupos. As médicas do Serviço de Medicina foram convidadas, mostraram-se interessadas, mas não lhes foi possível participarem.
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A FA decorreu de 26 de Abril a 14 de Julho de 2011. Seguiu-se o acompanhamento, primeiro pelos formadores, depois pelo grupo de apoio que recebeu formação específica para o efeito. O ano de 2011 foi de intensa actividade. Tivemos a preocupação de contactar com responsáveis das nossas Organizações Profissionais, Escolas Superiores de Enfermagem e estabelecimentos de saúde solicitando-lhes reuniões, a fim de lhes dar conta do nosso projecto e solicitar o seu apoio, alguns mesmo antes da criação do IGM Portugal. Os nossos pedidos foram atendidos, na sua maioria, tendo realizado acções de sensibilização de um dia, de uma manhã ou tarde, em algumas delas, como na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (ESEL), em 16/05/2011 e na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), em 25/05/2011. Na ESEL houve poucas inscrições, mas os Professores presentes mostraram-se muito interessados e participativos. Na ESEnfC estiveram presentes a tempo inteiro 29 Professores, que demonstraram muito interesse e boa participação, expressando que esta metodologia e algumas técnicas exemplificadas lhes faziam sentido.
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Modelo Formativo No final de 2011, estávamos em condições de delinear um modelo padrão de implementação da MGM: 1. Observação prévia das práticas; 2. Acção ou acções de sensibilização; 3. Formação na acção (FA) de 4 dias; 4. Acompanhamento pelos formadores; 5. Constituição de um grupo de apoio e sua formação. 6. Acompanhamento deste grupo; 7. Intervenções formativas de refrescamento ou aprofundamento, consoante o necessário. 1. Observação prévia. Esta observação é imprescindível em termos de futura comparação mas também para percebermos as necessidades formativas do grupo. 2. Acção de sensibilização. Deverá abranger todos os estratos profissionais, a começar pelos quadros da Instituição e o maior número
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possível. Obriga a que na maioria dos casos tenhamos que desdobrar estas acções de sensibilização; 3. Formação na acção. O primeiro dia processa-se em sala, com a introdução de aspectos teóricos básicos, negociações e compromissos mútuos, constituição de grupos de três formandos, selecção de pessoas a cuidar, sua apresentação, particularidades a ter em atenção, sua distribuição pelos grupos de formandos (três por grupo), objectivos para os cuidados do dia seguinte e tipo de cuidado. A constituição de grupos de três formandos permite que cada um rode pelos três papéis: actuante, relacional e observador. Focamo-nos nos cuidados de higiene, por ser um cuidado que se processa em intimidade, pelo tempo que exige de presença do cuidador, pelas diversificadas intervenções cuidativas que possibilita e porque é o cuidado que provoca com maior frequência CAP e oposição aos cuidados. A ambição é transformar a “lavagem” de um corpo num cuidado profissional especializado. Um cuidado realizado com uma pessoa concreta, por inteiro (com as faculdades e particularidades intrínsecas do ser humano e as que lhe são próprias, nas suas diversas dimensões), e que este decorra em serenidade e no respeito pela sua dignidade, tendo em atenção as suas potencialidades, estimulando-as ao máximo. No entanto, no terreno estamos atentos ao que se passa à nossa volta, intervindo quando oportuno. A alimentação tem sido uma preocupação; 4. O acompanhamento pelos formadores decorre num período mais ou menos dilatado, conforme a evolução do grupo e as particularidades do contexto. É nesta fase que se aperfeiçoam as técnicas de manutenção; 5. Entretanto constitui-se internamente o grupo de apoio. É de natureza pluridisciplinar e carece de formação específica para manter a “chama” inicial da motivação para a mudança de práticas e para criar e manter um ambiente de contaminação positiva; 6. Acompanhamento do grupo de apoio. Este acompanhamento é feito por reuniões periódicas calendarizadas, reuniões pontuais
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a pedido do grupo para elaborar dispositivos técnicos de apoio, realização de observações para determinar a evolução do grupo, etc; 7. Destas actividades podem decorrer intervenções formativas para aprofundamento de determinados aspectos, por ex. técnicas de manutenção, sobre demências… propostas pelo grupo ou pelos formadores a partir das necessidades detectadas.
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2012 Em 2012 iniciámos a formação no Lar de Santa Beatriz da Silva (LSBS), em Fátima, da Congregação das Irmãs Concepcionistas ao Serviço dos Pobres (1/03/2012). A formação na acção, abrangendo todos os cuidadores, por grupos e as actividades de acompanhamento dos cuidadores e do grupo de apoio, processaram-se durante 2012, com algumas reuniões e intervenções formativas em 2013. Em 10 de Março de 2013 celebrou-se, em festa, o aniversário do início da implementação da MGM neste Lar. No mês de Março (2012), iniciaram-se os primeiros contactos do Centro de Educação Especial de Reabilitação e Inclusão de Alcobaça (CEERIA) para implantar a filosofia e o Cuidar Humanitude, decorrendo a primeira formação na acção em Outubro (dias 29, 30 e 31), prolongando-se por todo o ano de 2013. Abrangeu cuidadores da parte residencial e técnicos superiores das várias valências. Dadas as características e contingências institucionais o modelo de formação sofreu significativas adaptações. A 21 de Agosto houve o primeiro contacto com o Director técnico do Centro Social Paroquial de S. Jorge de Arroios (CSPSJA), seguindo-se reuniões a vários níveis para em Janeiro de 2013 se iniciar a formação neste Centro. Foram realizadas duas acções de formação, para grupos pluridis ciplinares (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais,
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animadoras sociais, assistentes operacionais), promovidas pela ARS Centro (16, 17 e 18 de Abril; 5, 6, e 7 de Dezembro). Acções de sensibilização e reuniões com dirigentes de organizações no Porto, Mértola, Coimbra, Vilas da Região do Pinhal Interior, Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (Secção do Centro) e Ordem dos Enfermeiros, Lisboa. Os intervenientes demonstraram interesse e consideração pelo projecto do IGMPortugal e pelo cuidado em Humanitude. Participámos no Seminário Humanitude em Barcelona, S. Feliu de Quixols de 6 a 11 de Maio e de 7 a 16 Novembro em actividades formativas em França: Workshop com Gineste no Hospital Geriátrico das Magnólias, em Ballainvilliers e visita a este estabelecimento (dia 7), participação no Colóquio Internacional de Abordagens não Medicamentosas da Doença de Alzheimer, em Paris (dias 8 e 9). Os Enf. João e Rafael participaram numa Formação Humanitude (FA) na Normandia (dias13, 14, 15 e 16 de Novembro). Foi apresentada comunicação no Congresso Internacional, em Leiria (6, 7 e 8 de Dezembro), tendo o IGM Portugal sido premiado (ver secção 4.2.1 Resultados…).
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2013 Em 2013, prosseguimos as actividades formativas iniciadas em 2012, como no LSBSFátima e no CEERIA. Iniciámos e realizámos a implementação da MGM no CSPSJA, no Lar da Santa Casa da Misericórdia (SCM) de Alcácer do Sal, no Centro de Apoio a Jovens e Idosos do Lumiar (CAJIL), no Centro Social Paroquial de S. João de Brito (CSPSJB). Decorrente da parceria com a Gesaúde, L.da, tivemos sensibilizações no Pinhal Interior com intervenções formativas no Centro Social São Nuno de Santa Maria, em Cernache de Bonjardim e o Lar da SCM de Castanheira de Pêra, esta última ainda muito no início.
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Nestas instituições houve reuniões prévias com os dirigentes, acções de sensibilização, vários grupos de formação na acção (FA), acompanhamento, criação do grupo de apoio e sua formação, prosseguindo o acompanhamento destes grupos. Realizámos contactos, acções de sensibilização, intervenções formativas de curta duração, participações em colóquios, congressos, seminários, em Coimbra (ESEnfC, CHUC, Ordem Terceira, Formassau/Sinais Vitais), Lisboa, Leiria, Guarda, Porto, Sesimbra, Silves, Fafe, Estarreja, Mafra, que seria fastidioso especificar. Estas actividades constam de quadro cronológico inserto no Relatório de Actividades do Primeiro Triénio do IGM Portugal, disponível no site deste IGM (Salgueiro, 2014). Participámos em Maio, no Seminário Humanitude (Enf. Rafael Efraim Alves), em Barcelona, S. Feliu de Quixols e em Novembro o Enf. João Araújo, acompanhado de duas formandas, futuras formadoras humanitude, fizeram duas semanas de formação com Yves Gineste e Rosette Marescotti, sendo alojados em casa de Gineste, o que é uma grande vantagem, em termos económicos e de aprendizagem. Em reconhecimento do nosso trabalho, fomos autorizados a continuar a formação destas futuras formadoras, que se enquadrarão nas nossas formações. Assim, só terão de voltar a França para a avaliação final. Em 2013 desenvolvemos intensa actividade, com experiências novas para nós, como o acompanhamento em Serviço Domiciliário CSPSJA, Lar da SCM Alcácer do Sal, Cernache de Bonjardim, CAJIL e CSPSB). 4.2.1 Resultados da Implantação do MGM, em Portugal A implantação da Filosofia de Cuidados Humanitude e da Metodologia de Cuidado Gineste-Marescotti (MGM) repercute-se a vários níveis organizacionais, sendo referida pelos dirigentes das instituições onde está implantada como das poucas intervenções
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formativas com efectivos ganhos em saúde. Estas instituições fizeram um grande esforço organizacional e económico para formar todo o seu pessoal, mas não o lamentam, ao contrário, consideram como uma mais valia. A primeira Tese de Doutoramento sobre Cuidar em Humanitude (Simões, 2013) forneceu inúmeras informações exemplificativas do impacto positivo da implementação da filosofia da humanitude/MGM em idosos com demência numa UCCI. Por Exemplo, a agitação das pessoas cuidadas após a FA diminuiu 69,31% e os relatos gravados dos cuidadores (Enfermeiros e Assistentes Operacionais) não deixam dúvida sobre os efeitos positivos tanto a nível das pessoas cuidadas como da satisfação dos próprios cuidadores. Com esta tese ficámos a dispor de referências importantes em termos de resultados. O IGM Portugal tem realizado avaliações de impacto que estão em consonância com aqueles. Os relatos avaliativos dos cuidadores no final das formações são todos bastante positivos. Como resultados quantitativos, realçamos os seguintes: redução de 49,12 % na administração de medicamentos psicotrópicos; redução de 30,7% de pacientes acamados numa enfermaria de medicina; redução de 63% dos sintomas comportamentais e psicológicos da demência (SCPD) durante os cuidados; redução de 33% da incidência de quedas; redução de 14% de pessoas dependentes e muito dependentes; redução de 40,12 % na recusa de cuidados; redução de 41,61% dos SCPD em contexto domiciliário e redução de 33% no absentismo de cuidadores num lar de idosos, sendo que há diferença no tipo de absentismo. Os motivos são justificados, por doença grave com internamento. Estes resultados estão em consonância com os de instituições francesas onde foi implantada a MGM, dois exemplos: diminuição de 88,5% do score médio total do consumo de neuroléticos, em quatro anos (2005 a 2008), no Hospital Geriátrico das Magnólias, Ballainvilliers (Luquel et al 2010); Impacto da implantação da MGM
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sobre a agitação das pessoas com demência de 33,74%, na Unidade de Alzheimer da Residência da Abbaye, em Saint-Maur-des-Fossés, um mês depois da formação humanitude, medida pelo CMAI. O bemestar dos residentes, aumentou 209, 43% e o dos cuidadores 253,43%, medido pela EVA antes, no fim e um mês depois da formação (Sicard et al, 2010).
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De entre os vários resultados obtidos e divulgados em artigos, comunicações e pósteres científicos, destacamos, em síntese: – Aumento da autonomia da pessoa cuidada; – Aumento da participação nos cuidados; – Redução de contracturas; – Redução da agitação, recusa ou oposição aos cuidados; – Melhoria na satisfação profissional dos cuidadores; – Redução no absentismo; – Cuidados mais personalizados; – Melhoria na relação com a pessoa cuidada.
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O IGM Portugal foi distinguido com os seguintes prémios: – Prémio de Investigação em Qualidade de Saúde. Instituto Politécnico de Leiria, IP Health/Congresso Internacional de Saúde, 2012; – Prémio de Boas Práticas em Empreendedorismo Social do Instituto de Empreendedorismo Social, 2013. Em suma: Muito foi feito e publicado em Portugal, mas a contingência actual leva a que as instituições de saúde não invistam na formação dos seus profissionais e criem as condições necessárias e urgentes para a mudança de paradigma.
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CONCLUSÃO
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Acreditamos ter deixado elementos necessários à compreensão da humanitude como filosofia de cuidados, útil em qualquer área, em particular no cuidado a pessoas idosas com demência, e como filosofia de vida. Em relação à MGM, realçámos a captura sensorial, uma ferramenta cuidativa poderosa para prevenir e resolver comportamentos de agitação patológica (CAP) e a oposição aos cuidados, sendo fácil perceber a sua importância na realização de qualquer cuidado. Ela encerra em si o respeito que deve presidir às trocas entre as pessoas e os elementos que nos permitem construir, evoluir e reconstruirmo-nos como seres humanos. Cremos que o conteúdo apresentado permitirá aos cuidadores uma visão diferente sobre o cuidar, estarem mais atentos a aspectos subtis, questionarem-se e reflectirem sobre as suas práticas e até experimentarem uma outra forma de realizar os procedimentos cuidativos. Desejamos ter contribuído para que os familiares tenham uma maior compreensão das reacções das pessoas que lhe são queridas que sofrem de demência ou de outras situações de vulnerabilidade, lidando melhor com essas situações, tenham uma maior atenção em relação aos cuidados prestados pelos Serviços de Saúde, como utilizadores e cidadãos. Este foi um dos nossos propósitos, assim o tenhamos alcançado. Aceitámos o desafio de apresentar situações experienciais, algumas perduram muito vivas e há muitos anos na nossa memória,
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outras recentes ou contidas nos vídeos que analisámos. A sua análise, permite-nos tipificá-las, de tal forma os quadros clínicos se repetem, com características idênticas, como as pessoas em limbo geriátrico, sendo iguais em França, em Portugal, no Japão…e os “milagres” acontecem da mesma forma. Não apresentámos, deliberadamente, as técnicas de manutenção (mobilização, transferências, apoio à marcha…), dado que estas se diferenciam por aspectos muito subtis e gestos muito suaves. As suas particularidades exigem demonstração, experimentação, comparação e reflexão na acção, bem como a observação dos efeitos imediatos de tais particularidades. Também não foi nossa intenção incluir neste livro conteúdos sobre demências e memórias. As obras referenciadas, tratam destes assuntos, nomeadamente Gineste e Pelissier (2008); Phaneuf (2010); Simões (2013). Reforçamos a ideia que os conteúdos apresentados carecem de contextualização teórica mais profunda e da componente de formação prática. A formação na acção permite aplicá-los na prática quotidiana, integrando gradualmente os procedimentos cuidativos humanitude. Os resultados são surpreendentes, tanto a nível da qualidade de vida e bem-estar das pessoas cuidadas como dos cuidadores, como do ponto de vista económico. Apesar da sua curta existência o IGM Portugal tem contribuído positivamente para a mudança da cultura institucional e para a melhoria da qualidade dos cuidados, basta visitar as unidades Humanitude referenciadas e sentir o ambiente que nelas se vive. Estas instituições consideram que as intervenções formativas que receberam se demarcam das formações habituais por assegurarem resultados observáveis tanto na mudança das práticas como nos ganhos em saúde já verificados. “Ciência sem experiência, não assegura grande confiança” (Ambroise Paré, 1509 –1590).
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Conheci Jean-Hubert THIEFFRY nas jornadas do Centre Chrétien des Professions de Santé (C.P.S.) em Paris, em 1991. Nas nossas conversas, ao longo dos quatro dias das jornadas apercebi-me que detinha quatro experiências importantes: médico em França (radiologia e reanimação) e na África saeriana , capelão e doente. Na altura integrava uma equipa de laicos, no Hospital Foch (Suresnes). A experiência de doente, com hospitalização prolongada, mantendo oculto o seu estatuto, fê-lo um observador privilegiado. É autor de «Besoins spirituels au cours des maladies graves», émergence de cette notion chez les soignants, analyse et lecture théologique. «Necessidades espirituais no decurso de uma doença grave”, emergência desta noção entre os prestadores de cuidados, análise e leitura teológica (trad. livre). Paris: Communauté du Chemin neuf, 61 rue Madame, 75006 Paris. 3
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Escrever o posfácio do Livro “Humanitude, um imperativo do nosso tempo”, da Senhora Professora Nídia Salgueiro, que li dum “folgo só”, é para nós uma honra e um grande privilégio. Quando o leitor chegar a estas páginas, já, como eu, leu a OBRA com que a autora nos presenteou e, por isso, compreenderá com certeza o que sinto. Apesar de não ter os oitenta anos de experiência vivida e refletida da Professora – minha querida amiga e Enfermeira Nídia –, permitam-me o atrevimento que escreva estas linhas com o coração. Garantida que está a Vossa tolerância, partilharei convosco esses sentimentos - um misto de grande inquietação, deslumbramento pela forma simples, muitas vezes num tom coloquial e encantatório, que só os sábios bons contadores de/a história(s) sabem usar para falar de temas complexos e que exigem sensibilidade ontológica, como é o caso dos cuidados que promovem e mantêm a vida (Collière, 1989)1 e sedução/responsabilidade para agir. Inquietação porque nos quedámos a pensar sobre o sentido das palavras “cuidar/ cuidado”, tantas vezes repetidas no(s)discurso(s) que ao longo de mais de trinta anos temos dito e ouvido. Aprendemos com Heidegger (2006)2,3 que o Homem apenas existe como tal em COLLIÉRE, Marie-Françoise (1989) – Promover a Vida: da prática das mulheres de virtude ao cuidado de Enfermagem. Lisboa: Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. 2 HEIDEGGER M. (2006) – Ser e tempo. Rio de Janeiro: Editora Vozes; Editora Universitária São Francisco. 3 MARTINS J. (2006) – Ontologia de Heidegger. In: Martins J, Bicudo MAV. Estudo sobre existencialismo, fenomenologia e educação. São Paulo: Centauro. 1
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face de outro homem e para que o homem seja humano, para que ele possa desenvolver-se como pessoa, é necessário que ele conviva com outros entes, que ele possa efetuar trocas com os seus semelhantes. Que o Homem apenas se conhece e reconhece na sua relação com o outro. E é o cuidado que torna significativa a vida e a existência humana. Ser-no-mundo é cuidar, é ser cuidadoso. O cuidado é, pois, o estado primordial do ser, do homem, no seu esforço em adquirir autenticidade, portanto, é o primeiro gesto da existência, o horizonte da transcendência. É por meio do cuidado que o Homem visualiza um estado de liberdade para exercer a possibilidade efetiva de ser cuidado. Assim, a maneira autêntica de o homem viver no mundo revela-se sempre cheia de cuidados, zelos, ansiedades, dirigidos pela dedicação e devoção a alguma coisa. É um modo existencial de ser no mundo, com o outro. “Numa perspetiva fenomenológica, entendese que isso corresponde à autenticidade do existir humano”. Sem o cuidado, ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado, desde o nascimento até à morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde o sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabará por se prejudicar a si mesmo e por destruir o que estiver à sua volta [...]. Por isso o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana. O cuidado há-de estar presente em tudo.4 Com Mayeroff revisitámos a ideia de que cuidar é o ato humano de ajudar a crescer, crescendo com o outro. É cuidando que crescemos, cumprindo-nos como humanos e que “quando cuidamos de outro é importante considerar o princípio de autonomia e os seus próprios valores e ideais fundamentados na sua própria existência (Mayeroff, 1971).5 Com Watson passámos a acreditar que a Enfermagem é a profissionalização do cuidar humano e um imperativo ético, garantindo BOFF L. (2003) – Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes. MAYEROFF, Milton (1971) – On Caring. World Perspectives Ser. Now Yourk: Herper Collins.
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que o outro – que cuidamos –, continua a crescer, ainda que esteja vulnerável, doente, etc. tenha ou não outros familiares ou significativos. E, que o cuidado profissional é intencional, exige humanismo e altruísmo e sensibilidade humana, passa pela manutenção da fé e esperança, implica relação de ajuda e confiança, promoção e aceitação da expressão dos sentimentos negativos e positivos, promoção de ambiente protetor e promotor da saúde física e mental, da identidade sociocultural e da espiritualidade, inclui a satisfação das necessidades humanas e a promoção da aprendizagem interpessoal.6
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O que nos gerou angustia e inquietação nada tem a ver com a(s) conceções exposta(s). Com essas estamos tranquilas; são comuns às que sustentam as interrogações e as propostas do livro. A grande questão tem muito mais que ver com as teorias em uso7. São estas, as reveladas nas muitas histórias com que a Professora Nídia ilustra as reflexões que connosco partilha, que nos fazem refletir sobre, como na nossa praxis, profissionalizamos o cuidado. Como (re)construímos a intenção na ação? Que respostas temos já construídas, como conhecimento partilhado, às questões: que ações de Enfermagem traduzem o ato humano de cuidar? Que manuais descrevem as intervenções, os procedimentos e as técnicas para as implementar? Como as temos investigado? Com que resultados? Como as avaliamos, que indicadores usamos para demonstrar a sua efetividade? O cuidado de Enfermagem é mediado pela relação interpessoal que se estabelece entre o enfermeiro e a pessoa cuidada (REPE, 1996), sendo o corpo o primeiro instrumento de cuidados e a sua mais importante tecnologia (Collière, 1989, p.263). O corpo é veículo e
6 WATSON, Jean (1999) – The philosophy and science of caring. Colorado: University Press of Colorado. 7 SCHON, D. (1994) – Le praticien reflexif. Tirinto: Les Éditions Logiques.
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mediador dos cuidados e é indubitavelmente ao corpo que somos8 que os cuidados se dirigem. Se a relação profissional de Enfermagem se estabelece entre o corpo que somos e o corpo que o outro - sujeito de cuidados - é, ou de outro modo, se o cuidado acontece entre duas “humanitudes”9, que centralidade temos dado ao estudo deste conceito, particularmente enquanto meio e sujeito de cuidados?; que processos, procedimentos e técnicas conhecemos, usamos e investigamos?; que resultados esperamos e conseguimos, sobre e com a mais “poderosa” tecnologia de cuidados, que os enfermeiros utilizam? Enquanto pessoas, membros de uma sociedade, aprendemos ao longo da vida as formas socialmente aceitáveis no relacionamento com o outro (pais, filhos, irmãos, amigos, conhecidos, desconhecidos, etc.), no espaço publico e privado; aprendemos sobre distância e proximidade (relação intima, informal e formal, etc.), todos integrados de forma tácita, com todas as suas regras e interditos10 (Ribeiro, 2003). Todos estes domínios do conhecimento vivido são postos em causa na relação profissional enfermeiro-pessoa cuidada e pondo em conflito a esfera pública e a esfera privada de ambos os atores, transformam-nos. No caso dos enfermeiros falamos de construção da profissionalidade,
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“Nem o corpo é um objeto, nem a consciência do corpo é um pensamento; e, trate-se do corpo de outrem ou do meu próprio corpo, não tenho outro meio de o conhecer senão vivê-lo, isto é, assumir à minha conta o drama que o atravessa e confundir-me com ele. Em suma eu sou o meu corpo (…) e reciprocamente o meu corpo é um sujeito natural, como um esboço provisório do meu ser total, nesta perspetiva a experiência do corpo não só se opõe frontalmente ao movimento que separa sujeito e objeto, como reclama para o corpo um papel decisivo nos processos de consciência (MERLEAU-PONTY, Maurice (1993) – La Structure du Comportement. Paris: Press Universitaires de France). 9 “No conceito de Mercadier (2004, p.163), no seu livro – O trabalho Emocional dos prestadores de cuidados em meio hospital: o corpo âmago da interação prestador de cuidados – doente, – Humanitude” tem que ver com o Ser Humano individualmente considerado, e refere-se àquilo que constitui a sua substância humana, conjugando as dimensões da natureza e da cultura humana. “Humanitude” não se opõe a humanidade, caracterizando antes o indivíduo que pertence à humanidade. 10 RIBEIRO, Agostinho (2003) – O Corpo que Somos: aparência, sensualidade, comunicação. Lisboa: Editorial Notícias. 8
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por isso de trabalho intencional a desenvolver na formação, que exige conhecimento, conscientização e aprendizagem de modos de transformar esse conhecimento em acção, intencionalmente pensada e formalmente legitimada. Que tabus se constroem ao longo do desenvolvimento profissional sobre o corpo no cuidado? Num estudo realizado em França (Mercadier, 2004) em que se entrevistou enfermeiros sobre o trabalho emocional dos prestadores de cuidados, concluiu-se que o corpo doente do outro era vivido pelas enfermeiras do estudo, como um corpo simbolicamente perigoso, em que as representações do sagrado e do profano ajudam a construir tabus que influenciam fortemente o cuidado. A autora diz, por exemplo, que a perda de “humanitude” constitui um arquétipo das situações de fronteira. É um estado que constitui um tabu maior do que o sexo e a morte, por ser mais receado, mais temível 11(p. 163). Como ensinamos a aprender um jovem de 18 anos que se está a construir em simultâneo como pessoa e como enfermeiro, a pensar-se a si mesmo e ao outro nestes diferentes papéis? Que ferramentas pomos à sua disposição e ensinamos a usar para lidar, integrar a complexidade, a incerteza, a unicidade no processo do cuidado? Como o ajudamos a aprender a relacionar-se com o corpo vivido do outro, corpo que conta uma história tantas vezes distante da que gostaria de viver? Tornar-se e ser enfermeira/o não é de modo nenhum fácil! Em resposta a algumas destas questões que enumerámos atrás e, com certeza a muitas mais, é hoje possível identificar um número crescente de estudos realizados em Portugal, em que a problemática central é “o corpo no cuidado de enfermagem”. Alguns que conhecemos12 foram Op. Cit. Referimo-nos, entre outros, aos estudos de Pereira Lopes – Os cuidados ao corpo da pessoa idosa com alterações dos processos cognitivos: um meio de dignificar a pessoa; do corpo sujo/limpo à primazia do cuidado à pessoa idosa no hospital. Um desafio ao conhecimento em enfermagem; proteger a identidade da pessoa idosa com alterações cognitivas: um desafio no cuidado de enfermagem; tapar e destapar a corporalidade da pessoa idosa: na trivialidade do
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desenvolvidos com o “selo de excelência” da Fundação para a Ciência e Tecnologia. A estes junta-se agora este livro da Professora Nídia, como mais um grito de esperança. Temos, no entanto, um longo caminho ainda para percorrer… Observar, refletir, criar, investigar são os meios indispensáveis para chegarmos lá… aumentando e consolidando o(s) saber(es) da Enfermagem. Obrigada Professora Nídia, por mais uma vez ter dado exemplo. Obrigada por nos ter desassossegado! Estou certa que todas/os as/os enfermeiros que lerem este livro ficarão seduzidos e se sentirão mais responsáveis por, em conjunto, continuarmos o caminho que preservará e promoverá a “humanitude” no e através do cuidado.
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Coimbra e ESEnfC, 9 de abril de 2014 Maria da Conceição Bento
gesto a complexidade de saberes; Cuidar na intimidade, a intimidade no cuidar; Manuela Gândara – O exercício do poder nos cuidados de Enfermagem: os cuidados de higiene, o controlo da participação do doente nos cuidados de higiene: um exercício do poder (do enfermeiro); ou aos contributos de Idalina Gomes, com o estudo promover o cuidado de si: a parceria entre o enfermeiro e o doente idoso no domicílio; e, ainda, os de Teresa Magão, Práticas promotoras de esperança e o lugar da esperança no cuidado de enfermagem; também o estudo de Mário Simões Cuidar em humanitude e, ainda, a um conjunto de estudos sobre autocuidado coordenados/orientados por Abel Paiva e Silva.