A Regeneração Urbana através da Reconversão de Antigos Espaços Industriais

Page 1

Faculdade de Arquitectura – Universidade de Lisboa

A REGENERAÇÃO URBANA através da Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis Uma intervenção na antiga fábrica da Secla nas Caldas da Rainha

JOÃO DIOGO GOMES ROMÃO (Licenciado)

Proposta de Projecto Final para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura (Mestrado Integrado em Arquitectura) ORIENTAção Professor Doutor António Miguel Leite Professora Doutora Ana Marta Feliciano JURÍ

Presidente: Professor Doutor Luís Romão Vogal: Professor Doutor Carlos Ferreira Documento Definitivo

Lisboa, Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, Janeiro, 2017

I


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Título | A Regeneração Urbana pela Reconversão de Antigos Espaços Industriais subTítulo | Uma intervenção na antiga fábrica de cerâmica da SECLA Nome | João Diogo Gomes Romão orientação científica | Professor António Miguel Leite Professora Ana Marta Feliciano Dissertação/Projeto elaborado para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura Lisboa, Janeiro, 2017

II


Resumo A Revolução Industrial, em certa medida, modificou profundamente a sociedade e provocando uma mudança do próprio comportamento desta. A partir deste momento foi perceptível um antes e depois da Revolução, criando um distanciamento com o Passado. Foi esta desconexão que levou ao começo da salvaguarda do que seria considerado Património de modo a preservar uma memória de outro tempo. De modo a albergar um novo programa, a indústria, surge a Arquitectura Industrial, que iria alterar as próprias bases da arquitectura dita clássica. Esta nova arquitectura tinha como objectivo possibilitar o melhor rendimento do espaço e programa, seguindo um ideal de “forma segue a função”, e não um cânone clássico e teórico sobre o que era a arquitectura. De modo a providenciar as melhores soluções, começam a ser usados novos materiais na estrutura, primeiro o ferro e aço e mais tarde o betão. As novas espacialidades criadas, assim como a facilidade de uso dos novos materiais acabariam por formar as raízes para o Modernismo. Apesar do valor da própria arquitectura industrial, e memória fabril que deixa numa dada população, dificilmente é um elemento salvaguardo. Com o presente trabalho irá ser estudado como a reconversão, antigos espaços industrias após se tornarem obsoletos, podem ganhar uma nova vida e potenciar toda a zona em redor. Esta adaptabilidade é a chave para uma arquitectura com capacidade para perdurar durante diferentes gerações.

Palavras-chave | Regeneração Urbana; Património; Arquitectura Industrial; Reconversão; Caldas da Rainha; Cerâmica; SECLA

III


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Title | A Regeneração Urbana pela Reconversão de Antigos Espaços Industriais subTitle | Uma intervenção na antiga fábrica de cerâmica da SECLA Name | João Diogo Gomes Romão Advisers team | Professor António Miguel Leite Professora Ana Marta Feliciano Dissertation/ Project to obtain the Master’s Degree in Architecture Lisbon, January, 2017

IV


ABSTRACT The Industrial Revolution, in a way, deeply modified society and provoked a change in its core behavior. From this moment forward, it’s perceivable a before and after the Revolution, creating a detachment with the Past. It was this disconnection that took the start of the safeguard of what would be considered Heritage, in a way to preserve a memory of a bygone time So it can house a new program, the Industrial Architecture starts to be developed, altering the foundations of what was the normal classical architecture. This new architecture had one sole objective, to enable a better performance of space and program, following an ideal of “form follows function”, and not a classic and theoretical canon of what architecture was. So it could provide the best solutions, new structural materials start to be used, such as iron and steel first, and reinforced concrete later. The new spatiality’s created, alongside the easiness of working with these new materials, would end up, forming the roots to Modernism. Even with this associated value in Industrial Architecture, and factory memory that is left in a certain population, hardly is an element that is preserved. With this work it’ll be studied how a reconversion, old industrial spaces after they become obsolete, can gain a new life and potentiate all the area around. This adaptability is key to an architecture with the capacity to endure different generations.

Key Words | Urban Regeneration; Heritage; Industrial Architecture; Reconversion; Caldas da Rainha; Ceramics; SECLA

V


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

VI


Agradecimentos

A todos os que me apoiaram, não só durante a concepção do presente documento, mas em todo o percurso académico em Arquitectura. Aos meus pais que sempre me incentivaram a ser o melhor que posso ser e a alcançar os meus objectivos. Mesmo nos altos e baixos, sempre acreditaram em mim e no meu trabalho e fizeram tudo o que podiam para o meu sucesso e bem-estar. Aos meus orientadores, o Professor António Leite e a Professora Ana Marta Feliciano, que ao longo de batalhas e dificuldades, guiaram-me a este resultado final, transpondo a mim o seu conhecimento para eu obter as melhores bases de modo a tomar as decisões deste trabalho. Aos meus amigos que se mantiveram sempre ao meu lado e que puxaram por mim, mesmo quando o trabalho falou mais alto. Foram essenciais ao acreditar no meu percurso e para eu manter a minha motivação ao longo desta etapa.

VII


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

VIII


Índice 1 | Introdução

1

1.1 | Objectivos 1.1.1 | Objectivos Gerais

1.1.2 | Objectivos Específicos

1.2 | Metodologia

3 4 5

i 2 | Património Industrial

9

2.1 | Noção de Património 2.1.1 | Património

2.1.2 | Evolução do Património

2.1.3 | Nocão de Património Contemporânea

2.2 | Património Industrial

2.2.1 | Arquitectura Industrial

2.2.2 | Evolução Histórica da Arquitectura Industrial

2.2.3 | A Evolução em Portugal

2.2.4 | A Relação Urbanística da Indústria com a Cidade

2.2.5 | Salvaguarda da Arquitectura Industrial

2.2.6 | Adaptabilidade

3 | Casos de Estudo

3.1.1 | Mercado Cultural do Carandá

3.1.2 | Oliva Creative Factory

33

36 38

3.2 | Exemplos Internacionais

3.2.1 | AHO Oslo University for Architecture and Design

3.2.2 | Fundazione Prada

17 18 25 26 27 29

3.1 | Exemplos Nacionais

11 12 15

3.3 | Análise dos casos de estudo

40 42 44

IX


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

ii 4 | Caldas da Rainha como Pólo de Cerâmica 4.1 | História Identitária das Caldas da Rainha 4.1.1 | Evolução Histórica da Cidade

4.1.2 | Evolução Urbanística

49 51

4.2 | A Cerâmica

4.2.1 | A Cerâmica das Caldas da Rainha

4.2.2 | Vertente na Azulejaria

55 59

5 | A Secla

63

65 71

5.1 | História da Marca 5.2 | Evolução do Edificado

6 | Proposta de intervenção 6.1 | Aplicação de Conceitos 6.1.1 | Regeneração Urbana

6.1.2 | Memória

6.1.3 | Reconversão da Fábrica

6.1.4 | Uso da Cerâmica

6.2 – Programa 6.2.1 | Pré-existência

X

47

6.2.2 | Novo Edificado

77

79 80 80 81 83 84

7 | Conclusão

87

8 | Bibliografia

93

9 | Anexos

98


Índice de Figuras 1 | Introdução 1. Alçado da Fábrica da SECLA, Caldas da Rainha, Portugal, década de 1960. Autor Desconhecido.

Fotografia In HENRIQUES, Paulo, coord., Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, Ministério da Cultura. Instituto Português de Museus, 1999, p.12

2 | Património 2. Automóveis em testes na pista do Lingotto, Turim, Itália década de 1920. Autor Desconhecido. Fotografia

In https://areadeescape.wordpress.com/2010/12/12/futurama-fiat-lingotto-e-turbina/ 3. Catedral de Notre-Dame, Paris, 1840. Autor Desconhecido. Fotografia In http://www.paris-unplugged.com/2013/02/1840-notre-dame-avant-sa-restauration.html 4. Maquete do Plano Voisin, 1925. Autor Le Corbusier. Fotografia In http://www.archdaily.com/411878/ad-classics-ville-radieuse-le-corbusier 5. Bairro Operário em Ancoats, Manchester, Reino Unido, 1870. Autor Desconhecido. Fotografia In https://municipaldreams.wordpress.com/2014/02/18/municipal-housing-in-manchesterbefore-1914-improving-the-unwholesome-dwellings-and-surroundings-of-the-people/l 6. Detalhe técnico tridimensional do sistema Hennebique. François Hennebique. Desenho In https://pt.pinterest.com/pin/477874210446361508 7. Complexo Industrial de moagem e armazenamento de farinha Weaver, Swansea, Reino Unido, 1979. Brian Whittle. Fotografia In http://www.explore-gower.co.uk/explore/swansea/144-weaver-s-flour-mill 8. Fábrica automóvel da Ford Motor Co. de Highland Park, Detroit, Michigan, EUA, por Albert Kahn, 1910. Autor Desconhecido. Fotografia In http://environmental-inc.tumblr.com/post/56608803734/nickkahler-albert-kahn-highlandpark-ford 9. Fábrica automóvel “Lingotto“ da Fiat, Turim, Itália, por Matté Trucco, 1923. Autor Desconhecido. Fotografia In https://areadeescape.wordpress.com/2010/12/12/futurama-fiat-lingotto-e-turbina/ 10. Fábrica de sapatos da Fagus, Alfeld, Alemanha, por Walter Gropius, 1913. Autor Desconhecido. Fotografia In https://bauhaus-movement.tumblr.com/post/112977499724/walter-gropiuss-fagus-factory1913-early

3 | Casos de Estudo 11. Mercado Cultural do Carandá, por Eduardo Souto de Moura, Braga, Portugal, 2011. Autor Desconhecido. Fotografia In http://guiasdearquitectura.com/sites/_guiasarquitectura/public/1_OBRAS%20PUBLICADAS/ NORTE/norte1_BR06_03.jpg 12. Mercado do Carandá, por Eduardo Souto de Moura, Braga, Portugal, 1984. Autor Desconhecido. Fotografia In http://www.metalocus.es/es/noticias/redescubriendo-los-80-mercado-do-caranda-porsouto-de-moura 13. Idem 14. Mercado Cultural do Carandá, por Eduardo Souto de Moura, Braga, Portugal, 2002. Duccio Malagamba. Fotografia In http://www.ducciomalagamba.com/proyectos.php?IdProyecto=285&Idioma=Cs 15. Idem

XI


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

16. Complexo Industrial da Oliva antes da Intervenção, São João da Madeira, década de 2000. Autor Desconhecido. Fotografia In FREITAS, Maria João Bárbara, “Memória da Modernidade Industrial”, (Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, FAUP), 2014, p.100 17. Alçado da Oliva Creative Factory, São João da Madeira, década de 2013. Autor Desconhecido. Fotografia In http://olivacreativefactory.com/wp/?page_id=73 18. Rua interior da Oliva Creative Factory, São João da Madeira, década de 2013. Autor Desconhecido. Fotografia In FREITAS, Maria João Bárbara, “Memória da Modernidade Industrial”, (Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, FAUP), 2014, p.112 19. Incubadora da Oliva Creative Factory, São João da Madeira, 2013. Autor Desconhecido. Fotografia In FREITAS, Maria João Bárbara, “Memória da Modernidade Industrial”, (Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, FAUP), 2014, p.108 20. Exterior da AHO University of Architecture and Design, Oslo, Noruega, em 2014. Imagem do Autor. Fotografia 21. Idem 22. Interior da AHO University of Architecture and Design, Oslo, Noruega, em 2014. Imagem do Autor. Fotografia 23. Idem 24. Destilaria de Gin antes da intervenção do atelier OMA, Milão, Itália, década de 2000. Autor Desconhecido. Fotografia In http://www.marjoleinlammertsvanbueren.com/fondazione-prada-permanent-space-milan/ 25. Exterior da Fondazione Prada, Milão, Itália. Bas Princen. Fotografia In http://www.archdaily.com/628472/fondazione-prada-oma 26. Idem 27. Interior do Podium da Fondazione Prada, Milão, Itália. Bas Princen. Fotografia In http://www.archdaily.com/628472/fondazione-prada-oma

4 | Caldas da Rainha como Pólo de Cerâmica 28. Exterior dos Pavilhões do Parque, Caldas da Rainha, Portugal, em 2016. Imagem do Autor. Fotografia 29. Frontaria do Hospital Termal, de 1747. Autor Desconhecido. Desenho In AIRES-BARROS, Luís, coord., Caldas da Rainha: Património das Águas, Assírio & Alvim, 2005, p.80 30. Parque D. Carlos I e Pavilhões, década de 1920.. Autor Desconhecido. Fotografia In AIRES-BARROS, Luís, coord., Caldas da Rainha: Património das Águas, Assírio & Alvim, 2005, p.172 31. Praça da República, Caldas da Rainha, Portugal, década de 1960. Autor Desconhecido. Fotografia In AIRES-BARROS, Luís, coord., Caldas da Rainha: Património das Águas, Assírio & Alvim, 2005, p.132 32. Plano da Vila das Caldas da Rainha, 1742. João Pedro Ludovice. Desenho In AIRES-BARROS, Luís, coord., Caldas da Rainha: Património das Águas, Assírio & Alvim, 2005, p.107 33. Plano de urbanização da cidade das Caldas da Rainha, 1953. Paulino Montês. Desenho In AIRES-BARROS, Luís, coord., Caldas da Rainha: Património das Águas, Assírio & Alvim, 2005, p.121 34. Imagem Satélite da cidade das Caldas da Rainha, Portugal, 2016, Google Maps, Fotografia In https://www.google.pt/maps/ 35. Prato decorativo naturalista, por Manuel Mafra, da década de 1860. Autor Desconhecido. Fotografia In https://pt.pinterest.com/pin/398990848208551897/

XII


36. Prato decorativo naturalista, por Rafael Bordalo Pinheiro, da década de 1890. Autor Desconhecido. Fotografia In http://museubordalopinheiro.cm-lisboa.pt/0302/G10.htm# 37. Figura do Zé Povinho, por Rafael Bordalo Pinheiro, da década de 1890. Autor Desconhecido. Fotografia In http://museudaceramica-exppermanente.blogspot.pt/2010/08/o-percurso-da-ceramica-doseculo-xvi.html 38. Painel de azulejos de representação naturalista, com gafanhotos e espigas de milho, por Rafael Bordalo Pinheiro, de 1905. Autor Desconhecido. Fotografia In http://museubordalopinheiro.cm-lisboa.pt/0302/G03.htm 39. Barra de azulejos de estilo Arte Decó, no Pavilhão de Louças, atribuídos a Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, de 1920. Imagem do Autor. Fotografia 40. Painel de azulejos no embasamento da Óptica Ramiro, por Herculano Elias, produzidos na SECLA, em 1970. Imagem do Autor. Fotografia 41. Painel de azulejos em padrão, por Conceição Silva, produzidos na SECLA, na década de 1950. Autor Desconhecido. Fotografia In HENRIQUES, Paulo, coord., Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, Ministério da Cultura. Instituto Português de Museus, 1999, p.18

5| A SECLA 42. Lettering no alçado da Fábrica da SECLA, Caldas da Rainha, Portugal, década de 1960. Autor Desconhecido. Fotografia In HENRIQUES, Paulo, coord., Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, Ministério da Cultura. Instituto Português de Museus, 1999, p.12 43. Anúncio da Fábrica SECLA, de 1947. Autor Desconhecido. Anúncio In HENRIQUES, Paulo, coord., Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, Ministério da Cultura. Instituto Português de Museus, 1999, p.9 44. Conjunto tête-à-tête, na embalagem de origem, década de 1960. Autor Desconhecido. Fotografia In http://ceramicamodernistaemportugal.blogspot.pt/ 45. Colecção desenhada por Ferreira da Silva, 1955. Autor Desconhecido. Fotografia In RIBEIRO, Joaquim - A Nova Cerâmica das Caldas, séc.XX, A. P. Ribeiro,1989, p.34 46. A Fábrica da SECLA na década de 1950. Autor Desconhecido, Fotografia In RIBEIRO, Joaquim - A Nova Cerâmica das Caldas, séc.XX, A. P. Ribeiro,1989, p.136 47. Alçado Principal da Fábrica da SECLA, década de 1960. Autor Desconhecido. Fotografia In RIBEIRO, Joaquim - A Nova Cerâmica das Caldas, séc.XX, A. P. Ribeiro,1989, p.38 48. Planta de implantação da Fábrica da SECLA. Autor Desconhecido. Desenho In DUARTE, Bruno - “Reabilitação da Fábrica de Cerâmica “SECLA” em Caldas da Rainha”, (Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Universidade da Beira Interior), 2011, p.26 49. Idem. p.27 50. Idem. p.27 51. Idem. p.28 52. Conjunto industrial da Fábrica da SECLA na década de 50. Imagem do Autor. Esquema 53. Conjunto industrial da Fábrica da SECLA na década de 60. Imagem do Autor. Esquema 54. Conjunto industrial da Fábrica da SECLA na década de 70. Imagem do Autor. Esquema 55. Conjunto industrial da Fábrica da SECLA na década de 80. Imagem do Autor. Esquema

XIII


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

56. Fachada principal da Fábrica, que ruiu parcialmente em 2011, 2016. Imagem do Autor. Fotografia 57. Naves de produção da Fábrica, 2016. Imagem do Autor. Fotografia 58. Vazio entre pisos nas naves de produção, 2016. Imagem do Autor. Esquema 59. Sala para o trabalho de moldes, 2016. Imagem do Autor. Fotografia

6| Proposta de intervenção 60. Asnas das naves de produção em betão armado, 2016. Imagem do Autor. Fotografia 61. Imagem satélite alterada, com destaque aos pontos de interesse de ligação com a Fábrica, 2016. Imagem do Autor. Esquema 62. Esquema de elementos a modificar e demolir. Imagem do Autor. Esquema 63. Esquema de edificado a adicionar. Imagem do Autor. Esquema 64. Esquema Programático do projecto. Imagem do Autor. Esquema

7| CONCLUSÃo 65. Série de tijelas e pratos deixados para trás, após o fecho da fábrica, 2016. Imagem do Autor. Fotografia

XIV


XV


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

XVI


“Estou convencido de que qualquer edifício pode ter outra vida. Se há uma gangrena, nem sempre é necessário cortar a perna inteira. Pode-se cortar um dedo. Acredito na reparação.” - Eduardo Souto de Moura

XVII


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

XVIII


Introdução

Capítulo 1

1


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

página anterior Fig. 1 | Vazio nas naves de produção da Fábrica da Secla, 2016

2


iNTRODUÇÃO

1 | Introdução

Com a mudança dos tempos e evolução das cidades, espaços industriais que em tempos foram uma força motriz de uma zona e população, são hoje abandonados e destruídos por uma série de razões. Podem ter perdido a utilidade com a modernização da produção ou então foram absorvidas pela cidade que cresceu e reclama este espaço. Ainda assim, mesmo vazios, os espaços industriais são um elemento que guarda um passado e uma memória, não só da cultura fabril, mas também da cidade e população. Esta Arquitectura Industrial pode ser tomada enquanto Património e com a sua reconversão, dando-lhe um novo programa e utilidade, regenerar a área envolvente e criar novas relações de vivência na cidade e no espaço público. Nesta Tese Final de Mestrado a questão projectual incide sobre a antiga fábrica de cerâmica da SECLA - Sociedade de Exportação e Cerâmica Lda, nas Caldas da Rainha, em tempos uma das maiores fábricas de cerâmica nas Caldas da Rainha e no país, com um forte carácter experimentalista que viria a modificar o panorama nacional de cerâmica enquanto forma de arte.

1.1 | OBJECTIVOS

1.2.1 | Objectivos Gerais

O presente trabalho de TFM estabelece como projecto prático a reutilização e mudança de usos de um antigo espaço industrial, mais precisamente a fábrica original da SECLA nas Caldas da Rainha. O trabalho pretende assim, como objectivos gerais, o reconhecimento de antigos edifícios industriais como peças e obras a valorizar, enquanto património, tanto devido ao seu desenho específico, como por invocar um passado industrial da cidade. Surge assim a tentativa de entender a própria reabilitação e reutilização como invocação da memória do espaço e da cidade e como esta condiciona e altera o projecto. É dada uma valorização histórica à obra em questão, elevando-a a

3


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

um novo estado de património industrial da cidade. Torna-se necessário então entender o que eleva uma qualquer peça a este valor histórico e que condições devem cumprir para celebrar o seu valor memorial. Outro objectivo passa pelo estudo da cerâmica ornamental e funcional na arquitectura, priorizando o azulejo e as suas variantes, e como este pode fornecer uma maior complexidade e profundidade, interior e exterior de uma obra. Deve também entender a história das Caldas da Rainha como pólo histórico da cerâmica, senda esta uma peça fundamental na criação da imagem na cidade.

1.1.2 | Objectivos Especifícos

As tentativas próprias do projecto em si tornam-se os objectivos específicos deste trabalho. Uma parte integrante surge na forma da consolidação do quarteirão, que apresenta uma mescla de usos e épocas de construção e vazios urbanos entre edifícios. O projecto da fábrica poderá evoluir e aumentar, ocupando e resolvendo estes vazios. É necessário paralelamente conseguir uma reabilitação desta zona, que se destaca como sendo uma das últimas zonas de uma cidade mais densa. Esta regeneração remete a um intuito de conseguir atrair mais pessoas ao tornar o espaço mais agradável e útil. A âncora deste processo, passa pela reconversão da fábrica da SECLA , adaptando o espaço para novos usos que promovem uma atracção de um novo público. Estes usos passam por tornar a fábrica em espaços expositivos, ateliers e espaços de co-working. Isto com a ideia de promover uma ligação, não só à forte história artística das Caldas da Rainha, principalmente a cerâmica, mas também às novas vertentes que se apresentam vindas da ESAD - Escola Superior de Artes e Design. Outro objectivo passa pelo estudo da cerâmica ornamental na arquitectura, priorizando o azulejo e as suas variantes, e como este pode fornecer uma maior complexidade e profundidade, interior e exterior de uma obra. Deve também entender a história das Caldas da Rainha como pólo histórico da cerâmica, senda esta uma peça fundamental na criação da imagem na cidade. Este factor torna-se interessante, não só pelo possível uso

4


iNTRODUÇÃO

deste material no projecto, mas por activar uma imagem de ligação com a memória da produção de cerâmica.

1.2 | METODOLOGIA

Este trabalho teórico-prático deve adoptar uma metodologia que se separa em duas fases articuladas entre si. A primeira fase aprofunda o estudo teórico que irá ser fundamental ao planeamento de programa e conceptualização para a segunda fase de teor projectual A primeira fase rege-se principalmente sobre a leitura e estudo de uma variada bibliografia de modo a obter as bases teóricas que darão a entender melhor as necessidades e relevâncias do projecto a realizar. De modo a estudar diferentes teorias sobre os conceitos relativos ao presente trabalho deve haver uma pesquisa e recolha de diversos livros e artigos que expõem diferentes pontos de vista de modo a conseguir realizar uma conclusão balançada. Para além da pesquisa de cariz totalmente teórico é necessário realizar também uma pesquisa histórica e da memória própria do local. Esta já envolve a recolha de documentos históricos mais específicos sobre as Caldas da Rainha, a cerâmica e a SECLA. Já aproximando da fase prática é necessário primeiro analisar o potencial possível por um espaço industrial abandonado e renovado para outro programa de modo a entender as necessidades construtivas, mas também a polivalência deste tipo de edificado. De modo a obter estas informações é dada uma avaliação de obras de referência, recolhendo exemplos portugueses e internacionais com programas ou estados similares, destacando como foram resolvidos e o seu impacto na urbanidade e população envolvente. Passando para a fase de projecto prático é necessário, em primeiro lugar, obter um melhor entendimento sobre o espaço pré-existente e as suas capacidades de integrar outros programas. Foi necessário, logo de imediato, uma visita ao interior da fábrica conseguindo um registo fotográfico e um maior entendimento dos desenhos actuais. Para além do estudo do edificado a

5


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

trabalhar, deve haver também uma análise integral da zona urbana envolvente. Esta análise urbana prende-se também na classificação de zonas de interesse mais próximas, para a cidade das Caldas da Rainha e para o projecto. Esta análise em cada vez maior escala reverte de novo ao estudo teórico e histórico com a recolha de informações históricas e de planeamento. Após um estudo aprofundado do edificado a actuar é necessário analisar a estrutura e perceber que secções podem ser reabilitadas e quais podem e devem ser demolidas e modernizadas por um novo projecto. Esta análise, após a visita à fábrica intende perceber quais as melhores acções de intervenção no edificado e técnicas a utilizar. Existe também uma tentativa de percepção de quais as dimensões necessárias para o novo programa no interior da fábrica. A ajudar neste ponto é possível realizar uma grelha com os diferentes espaços e valências a colocar, e respectivas dimensões de modo a obter uma solução funcional. Finalmente, com todos os dados recolhidos e deliberados, é possível realizar o projecto final, perfazendo os desenhos de todas peças necessárias à compreensão formal do projecto, considerando todo o estudo e opções programáticas anteriores.

6


iNTRODUÇÃO

7


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

8


PatrimĂłnio industrial

CapĂ­tulo 2

9


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

página anterior Fig. 2 | Automóveis em testes na pista da cobertura do Lingotto, década de 1920.

10


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

2 | Património Industrial 2.1. | Noção do conceito

2.1.1 | Património

Segundo Françoise Choay, o património pode ser designado enquanto um conjunto diversificado de objectos físicos e teóricos pertencentes a um espaço e tempo passado, salvaguardados para o usufruto da humanidade contemporânea.1 Esta herança cultural tem, desde a década de 1960, aumentado exponencialmente, resultado da integração de novos tipos de bens, para lá da ideia artística e patrimonial original e exclusiva. Exemplarmente, dentro do ramo da arquitectura, podemos observar que o monumento histórico, a certo ponto o único objecto a salvaguardar, é hoje uma ínfima parte do espólio de interesse enquanto património.2 A ideia de património e de salvaguardar testemunhos de outra época surge como uma medida resultante de um distanciamento do passado com a actualidade vivida. É dado um momento em que as obras artísticas começam a ser vistas como herança da humanidade, oferecendo uma janela a outro tempo, e não apenas propriedade de uma autoridade real ou entidade, libertando-se de um conservadorismo académico.3 Esta liberdade permitiu alargar a cultura a outros estratos da sociedade, assim como permite a evolução da arte para lá de um círculo fechado de ordem clássica.4

1. Françoise Choay – Alegoria do Património, 1992, p.11 2. Idem, p.16 3. Ana Cristina N. Martins - “Património Histórico-cultural: a emergência das reformas (do liberalismo ao republicanismo) – 1ª parte”, Património Estudos N.º5, 2003, p.33 4. Françoise Choay – Alegoria do Património, 1992, p.83

11


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

2.1.2 | Evolução do Património

Esta percepção de mudança cultural foi marcada pelo apogeu da Revolução Industrial. O início de uma era industrial viria a transformar a sociedade de uma forma geral, criando uma ruptura entre dois períodos da criação humana.5 A partir deste momento, com o ganho de uma divisão temporal, é dado uma aceleração na nomeação e salvaguarda de exemplares de arquitectura e arte enquanto património demarcados por uma ideia de passado. Ruskin (1819-1900) viria a sublinhar esta mudança dividindo um antes enquanto arquitectura tradicional, e o novo enquanto construção moderna.6 Surge assim uma nova ideia de conservação do património, que já vinha a ser testada num ambiente pós Revolução Francesa. Esta preservação é tomada, de uma forma simplista, segundo duas doutrinas de restauro: Uma intervencionista, defendida por Viollet-le-Duc (1814 – 1879), que propunha a retoma da forma original, restituindo partes danificadas e recusando alterações e anexos colocados durante a vida do edificado7; E outra conservacionista, defendida por Ruskin, que apesar de aceitar a manutenção enquanto método de prevenção, a certo ponto que não o seja mais possível, não se deveria mais tocar no objecto e deixá-lo perecer à ruína.8 Mais tarde evoluem outras teorias sobre como actuar no património, mas que potenciam um diálogo entre as duas resoluções opostas anteriores. Camillo Boito (1838–1914) divulga uma síntese entre as duas oposições, apoiando a exigência pela autenticidade de Ruskin, mas igualmente aceitando a recuperação do edificado como Viollet-le-Duc, desde que, ao contrário deste, a intervenção esteja assumida e demarcada do original.9 Já Alois Riegl (1858-1905) viria a complementar o estudo do património, defendendo um pensamento evolutivo sobre a concepção histórica moderna, colocando uma obra num tempo, não repetível. Iria aferir também, de modo a categorizar o património arquitectónico, um valor de arte e um valor de utilização da peça.10

5. Françoise Choay – Alegoria do Património, 1992, p.136 6. Idem, p.145 7. Pedro Vaz - Built Heritage Management And Conservation, 2015, p.47 8. Idem, p.47 9. Idem, p.57 10. Françoise Choay – Alegoria do Património, 1992, p.171

12


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

Estes valores sobre o restauro e reabilitação viriam a amadurecer com a Carta de Atenas de 1931, redigida sobre o I Congresso de Arquitectos e Técnicos de Monumentos Históricos, que reitera ideais de Boito e Violletle-Duc, e reforçando a hipótese de mudança pela conservação em revés do restauro integral. Surge também um renovado papel da ciência e técnica no diagnóstico e actuação no património. 11 Paralelamente é fomentada um idealismo modernista, que culmina no 4º Congrès International d’Architecture Moderne (CIAM), que prima por uma nova visão reformista da sociedade, e da funcionalidade da cidade onde esta se integra. É dada uma certa desvalorização do património em prol do avanço da sociedade, reiterando que o valor de um dado objecto aumentava pela sua singularidade. Dessa forma bastava preservar alguns exemplares, enquanto demonstração. Estes monumentos são celebrados, quase que num pedestal, limpando a envolvente e deixá-los respirar sozinhos criando uma nova relação com o espectador.12 Estes conceitos urbanistas viriam a ter a sua influência num ambiente pós-Segunda Guerra Mundial, com a destruição maciça em cidades europeias, aproveitando uma tela em branco com a necessidade pela reposição e reconstrução do edificado, mas relativizando a autenticidade pura.13 Dentro da década de 60, enquadrando uma ideia de conservação do património contemporânea, é redigido, enquanto síntese do II Congresso de Arquitectos e Técnicos de Monumentos Históricos, a Carta de Veneza em 1964. Esta Carta, seguindo a síntese da Carta de Atenas de 1931, pretendia definir uma ética de abordagem sobre o património e a sua aceitação enquanto tal dependendo não do período ou estilo construtivo, mas antes pelo valor cultural distinto.14

11. Pedro Vaz - Built Heritage Management And Conservation, 2015, p.69 12. Pedro Vaz - Built Heritage Management And Conservation, 2015, p.71 13. Idem, p.73 14. Idem, p.77

13


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

em cima Fig. 3 | Catedral de NotreDame, Paris, antes da intervenção de Viollet-LeDuc, 1840 em baixo Fig. 4 | Plan Voisin, Paris, Le Corbusier, 1925

14


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

2.1.3 | Noção de Património Contemporânea

Vemos que a noção de Património, enquanto imagem de outra época e vivência, é uma invenção particularmente recente da sociedade ocidental, internacionalizada num momento pós-industrial. Complementariamente, este olhar evolutivo à preservação de obras de arte, em particular arquitecturas históricas que relatam um passado, despertam a curiosidade pública assim como uma possibilidade económica associada, transformando alguns dos seus lugares em memórias virtuais como se de museus arquitectónicos se tratasse.15 Podemos olhar para o património como factor de identidade nacional e referência da vivência passada das cidades. Esta referência dentro do panorama actual da cidade promove a ligação e aprendizagem cultural histórica de outro tempo, levando ao observador certas emoções que despoletam uma reacção.16 Um resultado da procura da reabilitação e reutilização desta herança é que pode hoje revitalizar e valorizar áreas urbanas, aumentando o seu dinamismo e identidade do lugar.

“O bem-estar e o desenvolvimento dos cidadãos depende da beleza dos lugares, do seu equilíbrio, dos monumentos, do lazer das cidades, etc. De um modo lato de uma herança sabiamente articulada com a novidade dos tempos.” - Deolinda Folgado 17

Em parte devido a esta ideia de salvaguarda de uma identidade passada e o avanço cada vez mais célere e díspar da actualidade e o que consideramos contemporâneo, vemos exemplares arquitectónicos cada vez mais recentes a serem categorizados como património. É um reflexo de uma evolução da mentalidade sobre a preservação, que ultrapassa a barreira da

15. Ana Cristina N. Martins - Património Histórico-cultural: a emergência das reformas (do liberalismo ao republicanismo) – 1ª parte, Património Estudos N.º5, 2003, p.33 16. Manuel Lopão - Vinculo ao interesse público, Património Estudos N.º6, 2004, p.6 17. Deolinda Folgado - “A memória ao Negro” ou a salvaguarda como reduto da memória, Património Estudos N.º6, 2004, p.21

15


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

industrialização18, expandindo o acervo para lá de objectos e edificado de maior historicidade como monumentos históricos. Esta preservação mais expansiva permite salvaguardar elementos paisagísticos e urbanos de teor mais local, indissociável do património imaterial.19 Com este progressivo olhar sobre o património, cada vez mais implica uma intervenção em exemplares a recuperar, o que se mostra determinante para a sua identidade e capacidade enquanto permanente contentor de memória e referência. Mas é este estrato mais recente, como é o caso da arquitectura industrial, que padece de uma maior fricção em ser considerado património. O edificado do século XIX-XX cuja função foi terminada ou que já não está apto a cumpri-la, pode desaparecer visto o seu lugar numa sociedade passada não ser tão óbvio enquanto peças anteriores. Esta leviandade no tratamento destas peças pode facilitar a sua descaracterização e diminuição de autenticidade.20 Uma das tipologias que mais facilmente é demolida sem reflexão do seu lugar passado na sociedade e cidade onde se localiza é a Arquitectura Industrial. É interessante perceber o paradoxo de que a arquitectura industrial, criadora de uma lacuna de distanciamento com o passado, modificando a sociedade e reforçando o aparecimento de uma estratégia de preservação de uma memória associada a obras de arte e da arquitectura, é hoje algo que serve como peça a preservar.

18. Françoise Choay – Alegoria do Património, 1992, p.225 19. Igespar, Kit 01, 2010, p.10 20. Deolinda Folgado - “A memória ao Negro” ou a salvaguarda como reduto da memória, Património Estudos N.º6, 2004, p.20

16


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

2.2 | Património Industrial

2.2.1 | Arquitectura Industrial

Devemos primeiro discutir o que é a Arquitectura Industrial e determinar o seu impacto na sociedade e na arquitectura, de forma a entender o porquê de olhar para certos exemplares enquanto peças a preservar. A Arquitectura Industrial é, de uma forma básica, constituída por um edificado destinado à produção em série, resultado da revolução industrial consequente da introdução de novas soluções de produção e construção a partir do séc. XVIII, tendo no cerne a introdução da máquina a vapor de James Watt (1736-1819). Este edificado é por norma estrategicamente localizado entre centros de produção e centros de consumo, com a sua evolução fundamentalmente interligada com o fenómeno da mecanização e com o progresso técnico, funcionando em muito como uma máquina em si. 21 O espaço fabril mostrou-se como uma ruptura na arquitectura, não só na estética e no começo do uso de uma nova materialidade como o ferro e aço, e mais tarde o betão, mas pela própria organização funcionalista dos espaços de produção fomentada por um novo programa. Este funcionalismo procura responder da forma mais eficiente, conciliando e agilizando o circuito produtivo, como o ciclo da matéria-prima ao produto, a produção e maquinaria associada, a movimentação dos trabalhadores e do armazenamento e saída do produto final.22 Esta optimização revela muitas das soluções formais em edifícios fabris e dinâmica espacial inseparável do programa de produção a que responde.

21. Deolinda Folgado - “A nova ordem industrial. Da fábrica ao território de Lisboa,1933-1968” (Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa), 2009, p.27 22. Idem, p.29

17


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

2.2.2 | Evolução histórica da Arquitectura Industrial

A indústria numa primeira fase paleotécnica foi pensada não como uma função dentro da cidade, mas ainda assim na periferia de núcleos habitacionais, próximo de vias de comunicação ou cursos de água, de modo a facilitar a entrada de matéria-prima ou de energia. Desta forma, a ocupação do espaço urbano, tornou-se uma característica própria, apesar de anárquica.23 A grande problemática nesta primeira fase da indústria surge pela fraca salubridade e condições de trabalho, não apenas dentro da fábrica, mas ainda mais pela vida dentro de bairros operários construídos para albergar os trabalhadores. Estes bairros muitas vezes sobrelotados e consequentemente excedendo as condições de habitabilidade. Em Portugal são facilmente reconhecidas estas instâncias, enquanto exemplos, as vilas operárias em Lisboa e ilhas no Porto. Apesar de um constante ajuste às condições humanas, assim como exemplares pontuais de uma arquitectura industrial mais apta à vivência dos operários, só mais tarde se viria a alterar definitivamente as condições de trabalho e segurança.

Fig. 5 | Bairro operário, Manchester, 1870

23. Idem, p.119

18


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

De modo a explorar um aumento e melhoramento na produção foi iniciado um estudo científico à gestão do trabalho. Esta mudança no paradigma da indústria centra-se nos estudos por Frederick Winslow Taylor (1858 1915), que viria a introduzir uma nova organização do trabalho colectivo, antecedendo os modelos modernos de gestão de produção e dos operários. O Taylorismo, como viria a ser tratado, coloca lado a lado a importância do gestor e do trabalhador, relacionando que quanto melhor a relação do trabalhador com o seu trabalho, maior a produção, e consequentemente maior sucesso do gestor.24 Assim é dado valor a ambas as posições e funções para um bom funcionamento da produção. O gestor deve fornecer um bom ambiente fabril e planear as tarefas específicas a desenvolver ao trabalhador, e este último deve cumpri-las, sem preocupação por tarefas que o antecedem e procedem.25 É assim dada uma ideia de linha de produção mais eficiente, que viria também oferecer uma abertura ao melhoramento de condições de trabalho. É dada assim uma nova revolução industrial, aliando este novo olhar científico à produção, com novos materiais, técnicas e energias. Com o advento da electricidade damos entrada na segunda geração industrial, a neotécnica, criando uma revolução com a introdução de uma nova energia motora e consequentemente novas máquinas, dentro de sistemas de produção precisos.26 Mas para além da electricidade, outra inovação cria um impacto na arquitectura industrial. O uso do betão armado torna-se o material de construção por excelência, após o limiar da utilização de estruturas metálicas, potenciando novas espacialidades e novas técnicas de construção na arquitectura.27 Surgem experimentações com o betão armado desde finais do séc. XVIII, mas só começa realmente a ser visto como um material a utilizar pelo fim do século seguinte, com as primeiras estruturas erguidas totalmente neste novo material aplicadas a projectos industriais.28 O betão armado é caracterizado pela combinação de um primeiro material plástico moldado para endurecer que resiste à compressão, e um segundo metálico enquanto reforço que resiste à tensão. Para além da melhor capacidade de resistência 24. Pedro Ravara - O Edifício Fabril em Betão Armado, 2016, p.18 25. Idem, p.19 26. Deolinda Folgado - “A nova ordem industrial. Da fábrica ao território de Lisboa.1933-1968”, (Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa), 2009, p.42 27. Idem, p.50 28. Pedro Ravara - O Edifício Fabril em Betão Armado, 2016, p.49

19


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

de forças, outros pontos de venda, nesta altura de aceitação em revês de uma estrutura totalmente metálica, foram a sua maior resistência ao fogo, assim como um preço de obra mais barato. A construção em betão armado viria a ganhar força pelo aumento de aplicações, e resolução de um sistema construtivo pelo engenheiro François Hennebique (1842–1921). Este sistema, em pilar/viga, ainda hoje a base da construção contemporânea em betão armado, viria a dar azo a novas espacialidades e consequentemente uma revolução na arquitectura.29 Possibilitou, para além de uma resposta flexível da construção, uma nova forma à função, com as janelas e fachadas ditadas apenas pela estrutura pontual, fechando os vãos por uma caixilharia e vidro. Esta condição oferece um aumento de condições de trabalho pela iluminação e ventilação natural e salubridade no interior da fábrica, criando uma relação com exterior, ao contrário de uma parede densa de alvenaria ou pedra. Com esta evolução na estrutura é propiciado o aumento de área do edificado fabril, mesmo dividindo entre fábricas associadas ou num modelo vertical. Já a electricidade permitiu afastar a indústria da cidade, e a utilização de novas técnicas de construção torna-las ainda maiores. Em termos urbanísticos, isto levou à criação de zonas específicas para a indústria em procura de soluções higienistas para o melhoramento não só das condições na fábrica, como para a cidade.30 É nesta fase que a arquitectura industrial se preocupa, para além de uma resposta pragmática ao processo de fabrico e maquinação, pela ausência de luz e mínimo de segurança, tornando o espaço mais apto à condição humana. Este melhoramento, em medidas como a maior presença de luz e ventilação natural, manutenção da limpeza e existência de cores claras no interior, visa o melhor rendimento do operário elevando o estímulo e satisfação física e psicológica. Henry Ford, pai da linha de produção automóvel, defendia que estas melhorias reflectiam-se no aumento de predisposição do operário para o trabalho.31 Olhamos para esta nova indústria moderna, amadurecida no seu papel na sociedade, a representação do “trabalho”, uma das quatro

29. Pedro Ravara - O Edifício Fabril em Betão Armado, 2016, p.67 30. Deolinda Folgado - “A nova ordem industrial. Da fábrica ao território de Lisboa,1933-1968”, (Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa), 2009, p.201 31. Idem, p.65

20


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

em cima Fig. 6 | Detalhe para o Sistema Hennebique de betão armado. em baixo Fig. 7 | Complexo Industrial de moagem e armazenamento de farinha Weaver, Swansea, construído em 1897 - Primeira construção que usa o Sistema Hennebique. Demolido em 1984.

21


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

funções essenciais da cidade do arquétipo da Carta de Atenas de 1933.32 O sistema de Hennebique aplicado normalmente num edificado fabril um pouco por toda a Europa, viria a ser exportado para os Estados Unidos da América, onde iria tomar uma nova escala de maiores proporções e explorar as capacidades e flexibilidade do sistema. Complexos industriais como a fábrica da Packard Motors Company (1906) e mais tarde da Ford Motor Company de Highland Park (1908) ambas localizadas em Detroit, pelo arquitecto Albert Kahn (1869 – 1942) viriam a mostrar as capacidades da estrutura em betão armado e a sua aplicação que facilitava uma linha de produção, marcando o uso do material a um nível internacional, louvadas mais tarde pelo arquitecto modernista europeu, como Le Corbusier e Walter Gropius. Estas estruturas de betão de malha regular potenciam a libertação de um interior vasto e com uma boa iluminação pela fachada e tecto, obtendo espaços adaptáveis a mudanças da evolução da linha de produção.33

Fig. 8 | A Fábrica automóvel da Ford Motor Co., em Highland Park, Detroit, Michigan, EUA, por Albert Kahn, 1910

32. Deolinda Folgado - “A nova ordem industrial. Da fábrica ao território de Lisboa,1933-1968”, (Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa), 2009, p.497 33. Pedro Ravara - O Edifício Fabril em Betão Armado, 2016, p.116

22


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

Com a arquitectura industrial foi possível realizar novas experimentações na espacialidade com o uso do betão armado e de peças pré-fabricadas, possibilitando a construção de grandes vãos e uma maior iluminação, assim como o uso modular da estrutura. Esta evolução na arquitectura permitiu uma maior plasticidade no uso dos materiais de revestimento e na conjugação e separação da fachada com a estrutura, afinando uma expressão formal34, movida pela funcionalidade e organização espacial livre de estilos arquitectónicos. Desta forma a fábrica revelou-se como a causa e a condição de modernidade.35 Esta potencialidade na construção de espacialidades e liberdade de estilos, contra o surgimento dos neo-estilos utilizados num meio nacionalista, viriam a idealizar num estilo internacional. O próprio material, o betãoarmado surge enquanto um material novo e internacional, sem raízes ou especificidade a um determinado país ou zona. Estas fábricas norte-americanas protomodernas surgem então como um modelo ao moderno, que viria a pegar nesta nova tela em branco e oferecer-lhe uma nova qualidade, com um maior nível de arquitectura.36 Após este período de gestação no terreno virgem que era na altura os EUA, o modelo de construção fabril volta a ser importado para a Europa, mas desta vez com um novo intuito, não o da evolução da indústria, mas o da arquitectura internacional. Foi testada esta nova capacidade de uma arquitectura de betão, segundo o modelo americano, limpo e funcionalista, pelo arquitecto europeu, com exemplares industriais como o Lingotto da FIAT em Turim pelo arquitecto Matté Trucco (1869 – 1934) e mais tarde pela fábrica da Fagus por Walter Gropius (1883 – 1969). Estes exemplares de uma maior afinação arquitectónica mostraram a resiliência do arquitecto europeu a construir algo não só pelo funcionalismo e utilitarismo, mas também que explora a capacidade da estrutura a um sentido iconográfico.37 Já não mostram uma evolução e exploração de um sistema construtivo ou de layout de produção, mas antes a assimilação pela arquitectura. Para Gropius uma obra de arquitectura, mesmo de teor fabril, deve conjugar o seu valor artístico com

34. Deolinda Folgado - “A nova ordem industrial. Da fábrica ao território de Lisboa,1933-1968”, (Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa), 2009, p.498 35. Idem, p.499 36. Pedro Ravara - O Edifício Fabril em Betão Armado, 2016, p.210 37. Idem, p.291

23


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

em cima Fig. 9 | Fábrica automóvel, “Lingotto“ da Fiat, Turim, Itália, por Matté Trucco, 1923 em baixo Fig. 10 | Fábrica de sapatos da Fagus, Alfeld, Alemanha, por Walter Gropius, 1913

24


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

a inevitabilidade do progresso.38 Assim podemos observar que a arquitectura industrial neotécnica e o apogeu do uso regularizado do betão armado possibilitaram um ponto de partida ao Modernismo enquanto estilo internacional. Em muito devido a esta caracterização na história da arquitectura e evolução para um novo programa de arquitectura é de considerar a sua salvaguarda.

2.2.3 | A evolução em Portugal

Em Portugal a industrialização teve uma evolução lenta, demorando a provocar um efeito no crescimento económico nacional. Como comparação podemos olhar para a fase neotécnica, que surge e ganha fulgor na década de 10 nos Estados Unidos da América, só é assimilada na totalidade em Portugal pela década de 60, evidenciando a diferença temporal do avanço tecnológico e económico.39 Ainda assim com este efeito tardio, o uso do betão armado em fábricas e na arquitectura nacional no geral, surgiu mais cedo, como resultado de uma melhor relação de preço e disponibilidade, em revés da utilização do ferro e dependência da indústria metalúrgica.40 O caso da SECLA em estudo para projecto, com início de construção em finais da década de 1940, em parte por causa da dimensão reduzida, em comparação, não apresenta uma idealização de uma linha de produção complexa, nem estuda a possibilidade modular de crescimento. Conseguimos ver um ideal de crescimento pelo aumento da produção e capacidade de uma estrutura modular só a partir da década de 60 e 70. Aqui notamos a lacuna temporal e tecnológica existente na indústria e sociedade em Portugal. Já o uso do betão armado é utilizado no edificado primário da fábrica em finais da década de 40, evidenciando a aceitação mais rápida do material na construção.

38. Idem, p.306 39. Deolinda Folgado - “A nova ordem industrial. Da fábrica ao território de Lisboa,1933-1968”, (Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa), 2009, p.497 40. Pedro Ravara - O Edifício Fabril em Betão Armado, 2016, p.68

25


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

2.2.4 | A relação urbanística da indústria com a cidade

Sem uma ideia do impacto, tanto progressista como nocivo para a cidade, a indústria paleotécnica, viria a ser colocada inicialmente com proximidade à cidade, de uma forma quase espontânea e anárquica, na periferia de núcleos de habitação. Esta localização inicial visava, sem critério pelo teor da cidade, a maior facilidade na entrada de matéria-prima e de energia, esta à base de carvão ou o aproveitamento de cursos de água.41 Esta proximidade provou vir a provocar uma degradação do ambiente humano, levando uma amplitude da população para a qual as cidades não estavam prontas a suportar. Esta degradação do ambiente da cidade antiga, causada pela mudança do paradigma social impulsionado pela indústria, viria a dar azo a diversas tentativas de resolução de condições e modernização das metrópoles de modo a obter uma maior salubridade e circulação. Um dos casos mais proeminentes de resposta seria pelo Barão Haussmann (1809-1891) que viria a impulsionar a construção de uma série de avenidas em Paris, em parte destruindo partes do tecido antigo42, mas marcando o território até aos dias de hoje, e influenciando outras capitais europeias a repetir a estratégia. Dentro de uma indústria neotécnica, com a utilização de novas energias, como a electricidade, e facilidade de transporte de bens, foi exequível o distanciamento do centro da cidade e habitacional. Desta forma tornou-se possível a escolha da localização da indústria com menos condicionantes, espalhando complexos fabris pelo território, mais longe da cidade.43 Muitas vezes, devido aos centros industriais se colocarem isolados longe de centros urbanos, acabou muitas vezes por ocorrer um de dois cenários: A cidade pela proximidade relativa expandiu-se e absorveu o espaço fabril; Ou o espaço fabril, pela sua grandeza ganhou a sua própria centralidade, formando um novo espaço urbano, aumentando a população dramaticamente de uma vila ou cidade. Dentro do primeiro cenário podemos observar o próprio caso 41. Deolinda Folgado - “A nova ordem industrial. Da fábrica ao território de Lisboa,1933-1968”, (Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa), 2009, p.199 42. Françoise Choay – Alegoria do Património, 1992, p.189 43. Deolinda Folgado - “A nova ordem industrial. Da fábrica ao território de Lisboa,1933-1968”, (Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa), 2009, p.200

26


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

em estudo da SECLA, ou mesmo a antiga indústria em Lisboa no Braço de Prata e Oriente. Já no segundo cenário podemos olhar para a zona de Setúbal, em particular o Barreiro, onde se implementou a CUF (Companhia União Fabril), que viria a transformar uma vila a cidade com a antiga indústria enquanto força motriz Hoje muitas cidades, com o crescimento exponencial da área urbana, têm que lidar com espaços industriais em desuso desintegrados da paisagem envolvente, como vemos no caso na base do projecto. Este edificado poderá ser visto enquanto um contentor a uma actividade, a produção em série, que com a sua saída por diversas causas, é abandonado. Este abandono, sem vivência contínua, deixou o edificado num estado intemporal com apenas a ruína da materialidade e a estrutura como marca da passagem do tempo. Ainda assim à falta de habitantes, como trabalhadores e visitantes, existem agora usuários temporários como grafitters e exploradores urbanos44, que chegam pelo convite do próprio estado de abandono do edificado.

2.2.5 | Salvaguarda da arquitectura industrial

Apesar do progresso demarcado por este edificado industrial, em muito devido ao seu carácter utilitário e descartável, tornou-se refém do progresso técnico e de produção, assim como de mudanças económicas repentinas. Por isto, exemplares enquanto grandes conchas vazias45 são abandonados na periferia, e mesmo centro, da cidade, mais cedo demolido que conservado. Este edificado começou a ser salvaguardado enquanto Património com o aumento de reconhecimento na necessidade de salvaguardar elementos arquitectónicos relevantes referentes ao processo de industrialização e a memória desta no avanço da sociedade. Mas este reconhecimento foi tardio e lento, com muitos bons exemplares de interesse arquitectónico demolidos ou perdidos para a ruína. Em Portugal, este património apenas começou a ser estudado e consequentemente salvaguardado a partir da década de 80.46 44. Bryan Allen – Post Industrial Latent Spaces, 2011, p.157 45. Françoise Choay – Alegoria do Património, 1992, p.225 46. Igespar, Kit03, 2010, p.9

27


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Esta falta de reconhecimento está em parte associado há falta de tempo de distanciamento e de reflexão.47 É também normal o caso de este edificado estar localizado hoje dentro de áreas muito mais urbanizadas, elevando o seu valor do terreno, mostrando-se mais proveitoso financeiramente para promotores imobiliários e por vezes a própria câmara, demolir e construir um novo edificado com novos usos, como a habitação. As propriedades destes espaços que acabam por ser os seus trunfos e essência, enquanto peça de arquitectura adaptável e recipiente da memória de uma natureza utilitária, paradoxalmente dificultam a sua preservação. Assim, de um ponto de vista económico, é mais difícil fazer sentido a salvaguarda destes exemplares. De modo a fortalecer a salvaguarda deste património foram criados comités como o TICCIH (Comité Internacional para a conservação do Património Industrial) incorporado no ICOMOS (Concelho Internacional de Monumentos e Sitios). Também a Unesco começou a salvaguardar certos exemplares dando uma maior exposição à situação. Para a Igespar - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico – hoje integrada na Direcção-Geral do Património Cultural, o Património Industrial a salvaguardar deve ter as seguintes características: 48

a) O Património Industrial reflecte valores de memória, antiguidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade; b) O Património Industrial integra ainda valores tecnológicos, científicos, sociais, económicos e estéticos; c) O Património Industrial associa-se comummente a uma época cronológica precisa – Revolução Industrial. Deve, no entanto, entender-se este património num tempo longo, sendo a Revolução Industrial o momento de mudança, transformação e sincretismo das fases pré-industriais, proto-industriais, manufactureiras e industriais. d) O Património Industrial integra todos os bens resultantes de uma actividade produtiva desenvolvida ao longo de gerações.

47. Deolinda Folgado - “ “A memória ao Negro” ou a salvaguarda como reduto da memória”, Património Estudos N.º6, 2004, p.20 48. Igespar, Kit03, 2010, p.9

28


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

e) Entenda-se, também, por Património Industrial o legado material e imaterial produzido pelos diferentes agentes sociais e económicos que perpetuam a memória colectiva.

De modo a salvaguardar exemplares de Património Industrial, é necessário conseguir um uso que faça sentido à cidade e à própria arquitectura. Ao contrário de outras peças, como de habitação, a reabilitação não está sustentada no restauro ou modernização do espaço mantendo o mesmo uso. Surge uma problemática derivada da escala da arquitectura industrial, porque enquanto edifícios fabris individuais mais pequenos podem ser mais facilmente adaptados a programas contemporâneos, as grandes naves apresentam em princípio uma maior dificuldade.49 As fábricas, enquanto peças com um valor documental e cultural a preservar, e encontrando-se agora noutro ambiente e lugar dentro da urbanização para lá do originalmente concebido, não recebem de novo o uso fabril original, mas antes novos programas que devolvem a vivência destes espaços e território circundante.

2.2.6 | Adaptabilidade

A arquitectura industrial, principalmente após a revolução material e espacial da fase neotécnica, possibilitou uma facilidade na adaptabilidade e modularidade da construção. Com o rápido avanço da indústria, assim como a modernização da maquinaria associada, tornou-se imperativo uma estrutura que facilitava a mudança e alterações da linha de produção. Caracterizada por espaços amplos flexíveis para receber diferentes ocupações, revelam um forte valor evocativo, social e iconográfico.50 Esta flexibilidade na concepção do edificado contribui para uma maior longevidade na sua utilização e para uma potencialidade na polivalência de funções e usos, o que se mostra indispensável na sociedade actual assim como na persistência da arquitectura. Desta forma serviu enquanto base para uma nova arquitectura e possibilidade

49. Françoise Choay – Alegoria do Património, 1992, p.234 50. Manuel Lopão - “Vinculo ao interesse público”, Património Estudos N.º6, 2004, p.10

29


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

de novos espaços. Esta maleabilidade oferece momentos excitantes e inovativos de concepção. Não existe santidade nestes edifícios, possibilitando a profunda profanação da sua forma original, mas tentando manter um diálogo entre o novo e o antigo. Movimentos como a adição ou subtracção podem voltar a trazer o edificado para a contemporaneidade, em si uma acção contemporânea. Esta mudança física cria uma adaptação do espaço.51 A adaptabilidade permite inserir no espaço novos programas para o qual este não estava designado. Assim, mesmo com novos programas, é dada a continuação de um legado industrial, se mantido o aspecto estético, exterior e interior, fabril, logo preservar a sua identidade original. Desta forma o edificado mantêm enquanto memória a sua imagem e identidade passada de um lugar industrial. 52 Muitas vezes o caminho da adaptação destes espaços a um novo programa passa pelo uso enquanto museu, seja como mostra do espaço e da indústria, seja pela marca e os seus produtos. Ainda assim, sendo este o caminho mais habitual, torna-se cedo uma solução repetitiva, tornando-se uma solução menos único, logo menos apelativa. Desta forma, rapidamente se procuram novos programas na altura de reutilização do espaço, como espaços de co-working, galerias de arte, ou complexos de lojas e restaurantes. Uma intervenção em património, em particular este género de um funcionalismo demarcado, só fará sentido ao ocorrer uma readaptação a um uso corrente, devolvendo algo à vivência da cidade, mas preservando a memória existente. Apesar de um novo uso e função a inserir é necessário entender que o processo de intervenção deve ser cuidado de modo a puder eventualmente contemplar a reversibilidade. Característica que fomentou inicialmente a possibilidade de um novo uso. Um edifício que evolui a um novo uso sem sofrer grandes alterações demonstra uma maior adaptabilidade da arquitectura. Vemos enquanto exemplos disto a transformação de conventos em escolas ou pousadas. É dado um acerto pontual na espacialidade e renovação interior a uma vivência contemporânea, mas mantendo grande parte do construído intacto e com um nível de reversibilidade. 51. Bryan Allen – Post Industrial Latent Spaces, 2011, p.158 52. Deolinda Folgado - “ “A memória ao Negro” ou a salvaguarda como reduto da memória”, Património Estudos N.º6, 2004, p.26

30


PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

Uma arquitectura idealizada em função de unicamente um programa, determinando as suas relações espaciais num regime restrito como resposta, irá tornar-se obsoleto mais rapidamente. Com o avançar dos tempos e vivências dos espaços, um edificado que consiga albergar novos usos, terá uma maior longevidade. Apesar de idealmente menos excitante, uma arquitectura mais adaptável será aquela de ordem mais genérica, com base a uma estrutura regrada. Desta forma o edificado com uma maior adaptabilidade, poderá nem ser considerada de arquitectura. Um armazém será o expoente máximo de adaptabilidade, pois apresenta um espaço livre a qualquer interpretação. Um espaço industrial segue esta mesma idealização, a uma escala diferente, porque oferece um espaço amplo e versátil regido por uma estrutura, aberto a inúmeras possibilidades.

31


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

32


Casos de estudo

CapĂ­tulo 3

33


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

página anterior Fig. 11 | Finalização dos pilares do mercado do Carandá, após a intervenção por Eduardo Souto de Moura, Braga, 2011.

34


CASOS DE ESTUDO

3 | Casos de Estudo

Os Casos de Estudo aqui apresentados, foram escolhidos com base na semelhança e aprendizagem que podem fornecer enquanto referências para o actual projecto de tese. Desta forma estes exemplares, divididos por casos nacionais e internacionais, apresentam na sua maioria um passado industrial, uma dimensão de área construída semelhante e uma reconverção de programa. A reconversão programática e mudanças arquitectónicas associadas variam entre casos, mostrando esta relação entre o pré-existente e o novo em diferentes escalas. O único caso escolhido que se assume como diferente do próprio projecto de tese, é o Mercado do Carandá, que não tem um passado industrial, mas apresenta uma resolução de preservação da préexistência de interesse teórico-práctico.

35


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

3.1 | Casos nacionais

3.1.1 | Mercado do Carandá de Braga

Pré-existência

Designação | Mercado do Carandá

Programa | Mercado

Localização | Braga, Portugal

Ano de Construção | 1984

Intervenção

Intervenção | Mercado Cultural do Carandá

Novo Programa | Escola de dança, Cultural

Arquitecto | Eduardo Souto de Moura

Ano de Intervenção | 2002 / 2011

O Mercado do Carandá em Braga, relembrado como um dos primeiros projectos de Eduardo Souto de Moura, foi conceptualizado em 1980, com uma forte influência em Mies van der Rohe, e construído mais tarde em 1984. A sua localização, dentro dos parâmetros originais, era um ponto de cruzamento de caminhos que ofereciam um ponto de ligação à cidade.53 Segundo o arquitecto, o conceito impulsionador, sendo o espaço um fragmento da cidade, a criação de uma rua coberta que poderia influenciar uma possível retícula urbana.54 A sua implantação era de uma forma rectangular de 70 metros direccionado a Poente/Nascente, com um piso à cota do terreno e uma cave. Apesar de criar uma obra de grande simplicidade e leveza, as próprias imediações vizinhas viriam a inferiorizar esta obra que, levadas pelo surto de especulação imobiliária e criação de equipamentos públicos.55 Aliado a este

53. “Redescubriendo los 80: Mercado do Carandá por Souto de Moura”, acedido a 20 de Janeiro, 2017, http://www.metalocus.es/es/noticias/redescubriendo-los-80-mercado-do-caranda-por-souto-de-moura 54. Idem 55. “Intervenção de Souto de Moura em antigo mercado de Braga ganha prémio de reabilitação”, P3, 4 de Fevereiro, 2013, acedido a 20 de Janeiro, 2017, http://p3.publico.pt/cultura/arquitectura/6514/intervencao-de-souto-de-moura-em-antigo-mercado-de-braga-ganha-premio-de-r

36


CASOS DE ESTUDO

factor a própria realidade do uso pela população viria a mostrar-se diferente do idealizado. A utilização como mercado tradicional acabaria por subsistir, devido em parte pela proliferação de supermercados na zona, assim como a falta de condições de conforto aos comerciantes e clientes. Apesar de continuar a servir como ponto de passagem, enquanto elo de ligação a duas zonas da cidade, viria a ser contaminado pela presença de droga e prostituição.56 Com a necessidade de uma reabilitação, Eduardo Souto de Moura voltaria a ser convidado para uma nova intervenção. A utilização do espaço enquanto ponto de passagem foi preservado, mas o uso foi alterado para um cultural, com a valência de escola de dança e de música. A intervenção passou, não necessariamente pela reutilização do edifício existente, mas antes a criação e associação de novos elementos. Foi construído um novo corpo de dois pisos, em semelhança ao mercado original, encostado a um dos lados, que acolheria a escola de dança, caracterizado pela fachada envidraçada. Seria também incluído um auditório que pode funcionar de forma independente com o restante edifício, utilizando a cave original como área de apoio e camarins.

Fig. 12 e 13 | Mercado do Carandá original, durante a década de 1980.

Já o edifício do mercado original foi parcialmente destruído, retirando a cobertura original, e revertendo parte da zona de mercado em jardim. De maneira a preservar a memória da pré-existência forma mantidos alguns elementos característicos da obra, como escadas e os pilares, deixados até com a cabelagem de aço que ligaria à cobertura de betão. O espaço de mercado, ao qual foi retirado a cobertura, seria redesenhado como um jardim e dando continuidade à utilidade de ponto de passagem que anteriormente existiu. 56. Giuliano Pastorelli, “Entrevista a Eduardo Souto de Moura en el diario El País”, Plataforma Arquitectura, 27 de Julho, 2011, acedido a 15 de Dezembro, 2017, http://www.plataformaarquitectura.cl/cl/02-100043/entrevista-a-eduardo-souto-de-moura-en-el-diario-el-pais

Fig. 14 e 15 | Mercado Cultural do Carandá, após a primeira fase de remodelação, em 2002.

37


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

3.1.2 | Oliva Creative Factory

Pré-existência

Designação | Complexo Industrial Oliva

Programa | Indústria Matalúrgica

Localização | São João da Madeira, Portugal

Ano de Construção | 1960

Intervenção

Intervenção | Oliva Creative Factory

Novo Programa | Incubadora para empresas e indústrias criativas

Arquitecto | Maria João Leite / Joaquim Milheiro

Ano de Intervenção | 2013

A Oliva, fundada em 1925, foi uma marca que se especializou na manufactura de diversos produtos em ferro, ganhando a sua maior fama com máquinas de costura. Foi uma das maiores indústrias e mais bem-sucedidas em Portugal, promovendo um desenvolvimento socioeconómico de São João da Madeira.57 O complexo industrial da Oliva, projectado por Fernando Manuel Vieira Campos, construído em 1960, é caracterizado por dois edifícios referentes à manufactura da produção da Oliva: o edifício de Fabricos Gerais e o de Armazéns Fundidos. A concepção na criação deste complexo baseia-se na divisão das duas valências, manufactura e armazenamento, mas criando uma entrada e rua de acesso e distribuição aos dois volumes como elo de ligação. Entrando no complexo temos à direita o Edifício de Fabricos Gerais de três pisos, e à esquerda o Edifício de Armazéns Fundidos de apenas dois pisos. Ambos os edifícios apresentam uma estrutura de em pilar e viga em betão, mas criando situações inovadoras de um ponto de vista construtivo, mas também espacial. O Edifício de Fabricos Gerais apresenta, de forma a integrar a maquinaria industrial, vazios de pé-direito duplo, assim como uma cobertura característica em abóbadas, que permitia grandes vãos e a entrada de luz. Já o Edifício de Armazéns Fundidos, pela tarefa dedicada, apresentava espaços amplos, mas

57. “Oliva. O império do ferro”, acedido a 20 de Janeiro, 2017, http://olivacreativefactory.com/wp/?page_id=91

38


CASOS DE ESTUDO

uma cobertura mais típica em shed. Mas o elemento mais marcante do complexo é a fachada curva de ambos os edifícios, apresentando um quadriculado de vãos destacados da parede, para o exterior público. Com o fecho da Oliva o complexo fabril viria a ser abandonado, entrando em ruína. Com a aposta do Município de São João da Madeira num desenvolvimento económico segundo um plano de promoção de empreendedorismo e criatividade, viria a pegar no complexo da Oliva dando-lhe um novo propósito ao oferecer um espaço para novas empresas e indústrias criativas.58 A intervenção que daria o título de Oliva Creative Factory ao complexo, não perturbou muito a pré-existência, sem a criação de novos elementos, mas modificando e compartimentando o interior amplo para as necessidades programáticas. Deu-se a criação, no Edifício de Armazéns Fundidos, espaços para um meio empresarial, demarcando a incubadora de indústrias criativas e um business centre para empresas de uma maior dimensão. No Edifício de Fabricos Gerais seria colocado o Espaço Museológico com um teor cultural, oferecendo espaços para uma escola de dança, oficinas de restauro e salas de ensaios para teatro e música.59 No interior é preservada a materialidade em betão, dando destaque a novos elementos colocados de formas limpas e acabados em reboco branco. Apesar da compartimentação, os espaços de pé-direito duplo e iluminação natural, são mantidos, preservando o seu valor cénico. Também o carácter arquitectónico exterior, reconhecível como imagem de marca, é reabilitado alterando a cor para um embasamento laranja e os volumes quadrangulares em branco.

58. “Tem a Palavra”, acedido a 20 de Janeiro, 2017, http://olivacreativefactory. com/wp/?page_id=73 59. “Oliva Creative Factory”, acedido a 20 de Janeiro, 2017, http://www.cm-sjm. pt/14084

Fig. 16 | Fachada do complexo industrial da Oliva em estado de abandono, antes da intervenção.

Fig. 17 e 18 | Tratamento exterior após a intervenção.

Fig. 19 | Compartimentação interior para a incubadora de empresas de Indústrias Criativas

39


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

3.2 | Casos Internacionais

3.2.1 | Oslo Architecture and Design University

Pré-existência

Designação | Complexo Industrial

Programa | Indústria

Localização | Oslo, Noruega

Ano de Construção | 1938

Intervenção

Intervenção | AHO University of Architecture and Design

Novo Programa | Universidade

Arquitecto | Jarmund/Vigsnaes Arkitekter

Ano de Intervenção | 2001

A AHO, Universidade de Arquitectura e Design de Oslo, l o c a l i z a - s e hoje num edifício previamente industrial construído em 1938, na zona este da cidade. Esta área, próxima do rio Akerselva, caracterizada por muitos exemplares de complexos industriais da primeira metade do século XX em cada margem, foi largamente remodelada a partir da década de 1990.60 Muito deste edificado fabril, em vez de demolido viria a ser reconvertido para múltiplos usos, principalmente cultural e recreativo, como discotecas, museus e espaços expositivos, ou para o ensino, como o qual esta é exemplo. O atelier Jarmund/Vigsnaes Arkitekter viria a ganhar a competição para a construção deste novo espaço para a AHO em 1998, construindo-a em 2001, inserindo este novo programa na estrutura da antiga fábrica. Conceptualmente a organização espacial baseou-se numa circulação em U, original à fábrica, e divisão de usos, do mais público ao privado, com auditórios, oficinas e refeitório, no nível térreo, salas de aula no primeiro piso, e gabinetes e salas de professores no segundo piso, tudo em volta de um pátio. A construção 60. “Oslo School of Architecture / JVA”, 13 de Junho, 2008, acedido a 21 de Janeiro, 2017, http://www.archdaily.com/2240/oslo-school-of-architecture-jva

40


CASOS DE ESTUDO

nova mais significativa integrada na pré-existência foi o bloco de entrada e auditórios, associado também ao refeitório, cuja cobertura oferece o pátio ajardinado. Também foi criada uma ponte, com salas de aula teóricas e um característico envidraçado laranja, seria implementada enquanto ligação nos dois extremos do U no primeiro piso, possibilitando um circuito completo. Outro elemento caracterizador ao aspecto exterior, são as enormes caixas de ventilação colocadas na cobertura que permitem a minimização de ductos horizontais O momento mais intervencionista na préexistência é o corte de secções da laje do primeiro piso, possibilitando uma maior entrada de luz ao piso térreo e criando uma separação entre salas de aula e corredor de passagem. A restante estrutura seria limpa a jacto de areia de toda a pintura deixando o betão aparente e grosseiro, com um uso extensivo de vidro dando uma forte transparência por todo o projecto. Já a fachada exterior para a rua pública, foi mantida exactamente como estava, por ser protegida conservando a imagem fabril.61

Fig. 20 | Entrada principal da Universidade.

Fig. 21 | Páteo central com visão para as salas de aula.

Fig. 22 | Corredor interior, com destaque a pontes para aceder às salas.

Fig. 23 | Interior da Biblioteca. 61. “Oslo School of Architecture / JVA”, 13 de Junho, 2008, acedido a 21 de Janeiro, 2017, http://www.archdaily.com/2240/oslo-school-of-architecture-jva

41


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

3.2.2 | Fondazione Prada

Pré-existência

Designação | Complexo Industrial

Programa | Destilaria de Gin

Localização | Milão, Itália

Ano de Construção | 1910

Intervenção

Intervenção | Fondazione Prada

Novo Programa | Cultural, com valências de galerias e museu

Arquitecto | OMA

Ano de Intervenção | 2017

A Fundazione Prada é em si uma organização cultural dedicada à arte, cinema e filosofia, criada em 1993 pela marca italiana de moda.62 Hoje localizase num antigo complexo industrial de uma destilaria de gin construído em 1910 e localizado em Milão, reconvertido e adaptado a principalmente espaços expositivos, pelo atelier holandês OMA. O projecto apresenta a adaptação de sete edifícios existentes, apenas mudando os acabamentos, e a construção de três novas estruturas, que tentam apresentar um carácter industrial similar. O atelier encontra neste projecto a hipótese de criar uma nova disposição e circuito em concorrência com o típico espaço museológico. O espaço industrial promove de certa forma a arte em exposição, não oferecendo uma rivalidade pela atenção do visitante.63 O edificado pré-existente é caracterizado por uma diversidade dos vários edifícios, criando uma interacção fragmentária, que viria a ser ainda mais explorada com o novo projecto. Apenas um edifício dentro do complexo viria a ser demolido, promovendo o aumento de um pátio. Dos edifícios reabilitados, o que ganha maior destaque é a “Haunted House”, caracterizada pela maior altura das pré-existências, ao qual, nesta nova intervenção, foi totalmente 62. Amy Frearson, “OMA’s Fondazione Prada art centre opens in Milan”, Dezeen, 3 de amio, 2015, acedido a 21 de Janeiro, 2017, https://www.dezeen.com/2015/05/03/oma-fondazione-prada-art-centre-gold-leafcladding-wes-anderson-cafe-milan/ 63. “Fondazione Prada”, acedido a 21 de Janeiro, 2017, http://oma.eu/projects/fondazione-prada

42


CASOS DE ESTUDO

revestido a ouro no exterior, dando lugar no interior a uma colecção permanente. Outros edifícios renovados, intitulados “Cisterna”, que dá um espaço a exposições temporárias e “Deposito”, onde, como o nome indica, é arrumado o espólio da colecção que não está em exposição. As fachadas destas pré-existências, à parte da “Haunted House” foram mantidas, apenas sinalizando em laranja a estrutura nas paredes. Já o edificado novo, colocado em diferentes pontos no interior do complexo industrial, são todos distintos entre si. O “Podium”, que se desenvolve em volta da “Haunted House”, apresenta dois pisos de galerias para exposições temporárias, uma que promove a interacção com o exterior pelo envidraçado, e outra em cima revestida em peças de alumínio com um padrão em bolhas. O “Cinema”, que funciona como auditório, é reconhecível pelo acabamento exterior em espelho. Estes dois edifícios interagem entre si, criando um jogo de pátios mais pequenos. Num canto do complexo encontra-se a “Torre”, que albergará exposições permanentes, foi conceptualizado como uma torre de sete pisos, cada um, ao subir, tem mais um metro, providenciando uma espacialidade que vai diferindo gradualmente. Este é o único edifício ainda em construção, devendo ser finalizado em 2017. Esta dicotomia entre edificado antigo e novo permite uma interessante disputa de atenções entre construções. Permite a atenção à memória e imagem do antigo espaço fabril, mas que dá lugar às novas construções bastante demarcadas pela materialidade. Ainda assim esta profunda variação entre edifícios promove uma possível e aleatória complexidade programática.

Fig. 24 | Complexo industrial da destilaria antes da intervenção.

Fig. 25 e 26 | Tratamento exterior na préexistência e novo edificado no interior do complexo.

Fig. 27 | Interior da galeria expositiva do Podium.

43


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

3.3 | Análise dos casos de estudo Estes casos de estudo foram escolhidos de forma a entender diferentes opções e o seu resultado, dentro de parâmetros semelhantes ao projecto da actual apresentação de tese. Por esta razão, os casos, à parte do mercado de Braga, são complexos industriais com uma área semelhante à SECLA e igualmente dispostos em baixa altura, com dois a três pisos. Em contraste, o mercado foi escolhido, não por razões programáticas originais ou semelhança em tamanho, mas antes pela maneira como foi tomada a intervenção na préexistência. Comparando a dimensão e profundidade da intervenção, a Oliva Creative Factory apresenta a menor destruição de pré-existência, adaptando o espaço interior a novas funções através da compartimentação. Podemos ver esta estratégia de compartimentação em salas também um pouco reflectida na AHO, mas que também recorre a algumas mudanças estruturais como o corte das lajes. Mas ao contrário da Oliva, a AHO apresenta o recurso a um novo edificado, que é construído de forma associado e integrada à pré-existência fabril. Esta associação do antigo com o novo já não é tão visível na Fondazione Prada, em que o edificado novo, apesar de tentar dialogar com a pré-existência criando pátios, podem facilmente funcionar de forma independente. Talvez a mais interessante interacção entre o novo edificado e pré-existência, e essa a razão da sua escolha apesar de não ter um historial industrial, é o Mercado do Carandá de Braga. Neste exemplar existe uma interessante comunicação entre o original e o novo. A escola de dança foi colocada de forma independente, mas ainda assim dando a ideia de pertença ao local, dando espaço, não a uma pré-existência reabilitada sem um uso contemporâneo, mas a fragmentos que celebram a sua existência passada. São deixados elementos arquitectónicos enquanto paisagem que preservam a memória da obra anterior.

44


CASOS DE ESTUDO

45


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

46


Caldas da Rainha como Pólo de Cerâmica

Capítulo 4

47


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

página anterior Fig. 28 | Exterior dos Pavilhões do Parque, Caldas da Rainha, 2016

48


CALDAS DA RAINHA COM PÓLO DE CERÂMICA

4 | Caldas da Rainha como Pólo de Cerâmica

4.1 | História identitária das Caldas da Rainha

4.1.1 | Evolução Histórica da Cidade

As Caldas da Rainha devem a sua origem ao apadrinhamento pela Rainha D. Leonor (1458-1525), esposa do Rei D. João II, e investimento na terra e população. Este interesse por D. Leonor, e mais tarde por outros membros da corte real, provém da descoberta e aproveitamento de nascentes termais de águas minerais. O uso destas águas tem um registo posterior do século XIII com a existência em 1223 de um balneário numa zona denominada Caldas de Óbidos.64 Mas é o registo popular que conta a passagem de D. Leonor em Agosto de 1484 de Óbidos para a Batalha, em que esta observa alguns pobres a banharem-se numas poças de água65, das quais saía fumo e um odor sulfurento. A prática do banho nesta época seria pouco comum, mas quem se banhava nestas águas acreditava nas suas valências curativas. De modo a criar um aproveitamento destas águas, mas mantendo um ideal de caridade e ajuda hospitalar à população empobrecida da zona, D. Leonor promoveu a construção do Hospital de Santa Maria do Pópulo, iniciado em 1485.66 Pouco tempo depois é associada a edificação de uma igreja anexa ao hospital, também dedicada a Santa Maria do Pópulo.67 Este impulso viria a ser um factor de desenvolvimento social e urbano enquanto ponto de arranque para as Caldas, que mostraram um rápido crescimento populacional, chegando à consagração de vila, por parte de D. Manuel, em 1502.68

A Vila das Caldas viria a sofrer uma nova reforma pela mão do Rei D. João

64. Luís Aires-Barros - Introdução a Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.23 65. Luís Aires-Barros - “Termalismo e Preservação do Património Cultural e Natural”, in Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.71 66. Ivo Carneiro de Sousa – “Um Hospital do Populus”, in Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.84 67. Idem, p.85 68. Idem, p.94

49


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Fig. 29 | Desenho da frontaria do Hospital Termal, de 1747

V, que mostrou um grande interesse e contacto pela valência termal presente. A partir de 1742, D. João V recorreria anualmente aos tratamentos das termas das Caldas da Rainha, arrancando paralelamente com uma nova evolução do próprio Hospital assim como do crescimento urbano. Este contacto pela Corte e nobreza viria a promover novas intervenções no Hospital assim como a imagem das Caldas da Rainha, que começou a atrair segmentos sociais e económicos de elite.69 Esta fama e refundação do Hospital em meados do século XVIII por D. João V demarcaria um progressivo crescimento demográfico. Mais tarde, principalmente no final do século XIX, é dada uma forte reforma urbanística, visando o melhoramento de toda a cidade. O resultado foi visível pelo aumento exponencial da população, culminando com o título de cidade no ano de 1927 com cerca de sete mil habitantes.70

69. João B. Serra – “Percurso de Cidade com Termas”, in Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.113 70. Idem, p.119

50


CALDAS DA RAINHA COM PÓLO DE CERÂMICA

4.1.2 | Evolução Urbanística

O momento inicial embrionário da Vila das Caldas da Rainha é caracterizado pela edificação do Hospital e Igreja. Daí haveria um desenvolvimento simetricamente em cruz, potenciando a evolução urbana num padrão renascentista. Esta estruturação demarca a posição de D. Leonor a crescer as Caldas da Rainha enquanto um projecto com uma concepção culta, espiritual e assistencial de uma ideia renascentista de cidade.71 Dentro desta ideia de urbanização, também foi desde cedo reservada uma parte de terreno arborizado a Sul do Hospital, condicionando o crescimento para Norte marcado com a abertura de um novo Rossio72 onde se viria localizar a Câmara Municipal. Na segunda metade do século XIX é iniciada uma reforma urbana que viria a aumentar o sistema circulatório da Vila, levando a por exemplo, empurrar a entrada principal desta a mais à frente, com a criação de um largo no final da Rua de Camões, onde hoje se encontra a estátua da Rainha D. Leonor.73 Próximo deste novo largo foi construído outro marco da cidade que é o Grande Hotel Lisbonense. Outra intervenção foi a remodelação do Rossio, uma peça característica nas Caldas da Rainha, hoje com o nome de Praça da República, mais conhecido como Praça da Fruta pelo mercado diário de fruta, legumes, cerâmica, entre outras coisas. Ainda dentro deste período reformista, em 1888, impulsionado pelo Administrador do Hospital Termal, Rodrigo Berquó, outras duas intervenções a destacar foram a consolidação da zona arbórea a sul do hospital, que se tornaria o Parque D. Carlos I, e a edificação dos Pavilhões do Parque. O parque, criado com a ideia de dar um lugar a actividades recreativas e permitir um melhor contacto dos utentes do Hospital Termal com a Natureza, é caracterizado pelos caminhos sinuosos e lago central, englobados a um desenho romântico.74 Ao longo da primeira década do século XX, o Parque viria a receber variadas adaptações incluindo a inserção e construção do Museu de José Malhoa, pelo arquitecto Paulino Montês, inaugurado em 1940, sendo o primeiro museu em 71. Ivo Carneiro de Sousa – “Um Hospital do Populus”, in Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.96 72. João B. Serra – “Percurso de Cidade com Termas”, in Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.110 73. Idem, p.115 74. João da Fonseca Caldeira Cabral – “A Modernização dos Espaços Verdes Termais”, in Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.226

51


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Portugal construído com esse fim. Em 1927, as Caldas da Rainha são reconhecidas oficialmente enquanto cidade, tornando-se o centro urbano com maior população do distrito. Um ano antes, em 1926, com a noção do crescimento da Vila, é encomendado pela câmara um “Estudo de Urbanização” ao arquitecto Paulino Montês para uma nova cidade, no qual eram analisadas prioridades urbanísticas ao crescimento. Este planeamento urbano viria a tomar forma nos anos 40, segundo uma visão modernista, adaptando a zona histórica a condições modernas de circulação, e a projecção de novas áreas na cidade zoneadas.75

em cima Fig. 30 | Parque D. Carlos I e Pavilhões, na década de 1920. em baixo Fig. 31| Praça da Répública (Praça da Fruta), com mercado a decorrer, na década de 1920. Tradição da feira diária mantêm-se aos dias de hoje.

75. João B. Serra – “Percurso de Cidade com Termas”, in Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.120

52


CALDAS DA RAINHA COM PÓLO DE CERÂMICA

Apesar desta última tentativa de organização urbanística das Caldas da Rainha, esta viria a crescer sem uma estratégia clara. Esta expansão urbana, particularmente nos últimos quarenta anos, evidenciou-se um pouco anárquica, desenvolvendo-se em função da tentativa de equilíbrios pensados individualmente, criando fragmentações na paisagem urbana sem considerações fundamentais com valores ambientais e de espaço público.76 Factores como a linha de caminhos-de-ferro, que liga toda a zona Oeste, de grande importância no momento de implantação no século XIX, está hoje no meio da cidade criando uma dicotomia e barreira à consolidação da cidade.77 Igualmente podemos ver a colocação de complexos industriais, como o caso da SECLA em estudo, e os silos de cereais, ambos construídos no início da segunda metade do século XX e rapidamente absorvidos pela cidade, criando pontos excepcionais que produzem uma quebra no panorama urbano. A realidade programática e arquitectónica viria a demarcar-se por um forte impulso na habitação e circulação automóvel que resultava de um contínuo aumento demográfico. Mas a certo momento a expansão urbana e oferta habitacional viria a ultrapassar a procura, culminando numa estagnação da construção e um edificado nunca completamente habitado, ou em casos pontuais, nunca finalizado com a entrada em recessão da construção em Portugal. Existe hoje a grande necessidade de retomar um esplendor às Caldas da Rainha, desenvolvendo o panorama urbano estimulando uma experiência mais agradável onde viver e trabalhar. Como objectivos e medidas a considerar, deve existir uma clara valorização e salvaguarda do património artístico e histórico, mas também um reforço numa maior funcionalidade de espaços públicos e zonas verdes, potenciando uma melhor resposta arquitectónica e possível aproveitamento do edificado em desuso, como os complexos industriais, e de zonas por consolidar. São medidas que podemos aferir que têm sido tomadas em conta mais recentemente com intervenções de teor público, como a criação e aumento de espaços públicos e verdes, e privado pela utilização de edificado abandonado, como os Silos e outro edificado histórico, possibilitando uma maior vivência da cidade e dos seus espaços.

76. Leonel Fadigas - “O Desenvolvimetno Urbano das Caldas da Rainha”, in Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.257 77. Idem, p.256

53


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

em cima Fig. 32 | Plano da Vila das Caldas, atribuído a João Pedro Ludovice, datado de 1742. ao meio Fig. 33 | Plano de urbanização das Caldas por Paulino Montês, aprovado em 1953. em baixo Fig. 34 | Imagem satélite do centro das Caldas da Rainha na actualidade.

54


CALDAS DA RAINHA COM PÓLO DE CERÂMICA

4.2 | A Cerâmica

4.2.1 | Cerâmica das Caldas da Rainha

A produção de cerâmica em Portugal pode ser estendida à ocupação Romana da Península Ibérica, entre 200 a.C e 300 d.C, e desde aí continuamente produzida para a finalidade de louça de forma simples e pouca ou nenhuma decoração.78 A louça cerâmica, denominada faiança, de cariz mais decorativo e expositivo, que se viria demarcar da puramente utilitária, viria a ser produzida muito mais tarde no século XIX, por influência de um revivalismo da obra de expressão naturalista de Bernard Palissy (1510-1589).79 A redescoberta de exemplares de Palissy em Tours e Paris em 1834, rapidamente geraram uma série de oficinas que iriam seguir estes conceitos pela França, Inglaterra, Itália, Espanha, e como veremos, Portugal.80 As Caldas da Rainha só viria a ser um centro de produção de cerâmica de renome durante a segunda metade do século XIX, mas a produção comum já existia desde o século XIII, com o uso do barro para fazer louça utilitária como vasos e jarros para guardar comida e água.81 O uso da cerâmica com um teor utilitário foi continuado durante séculos, visando também o uso no Hospital Termal. A primeira fábrica com um intuito estilístico para lá da louça utilitária foi a de D. Maria dos Cacos no início do século XIX, que popularizou a cerâmica das Caldas, não só pelas peças figurativas características de grande popularidade, mas pelo empreendorismo na venda e distribuição da produção pelo país.82 Esta fábrica viria a ser a primeira a lançar peças no estilo de Palissy, caracterizando a produção cerâmica das Caldas da Rainha daí em frente. Manuel Cipriano Gomes Mafra (1830-1905), operário de Maria dos

78. Marshall Katz – Cerâmica das Caldas da Rainha – Estilo Palissy 1853-1920, 1999, p.19 79. Idem, p.19 80. Rafael Salinas Calado – “Alguns Aspectos da Faiança Artistica das Caldas da Rainha “, in A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha – De Bordalo Pinheiro à actualidade: Sua história, 2008, p.12 81. Marshall Katz – Cerâmica das Caldas da Rainha – Estilo Palissy 1853-1920, 1999, p.22 82. Natacha Narciso – “Investigador revela que Maria dos Cacos foi a primeira empresária da cerâmica caldense”, Gazeta das Caldas, 22 de Julho, 2016, acedido a 20 de Janeiro de 2017, http://gazetacaldas.com/ cultura/investigador-revela-maria-dos-cacos-primeira-empresaria-da-ceramica-caldense/

55


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Cacos, viria a adoptar a estrutura comercial e abrir a sua própria fábrica em 1853, especializando-se em peças do estilo Palissy, aperfeiçoando e cimentando este estilo à cerâmica das Caldas.83 A qualidade das peças viria a ser demarcada pela permissão ao uso da marca de fornecedor da Casa Real em 1870, promovendo a louça das Caldas a um nível internacional.84

Fig. 35 | Prato decorativo naturalista, por Manuel Mafra, da década de 1860

A próxima fábrica de relevo seria a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, criada e dirigida por Feliciano Bordalo Pinheiro, em 1883, que viria a convidar o irmão Rafael Bordalo Pinheiro como director artístico.85 A produção viria a conciliar uma produção de louça utilitária, de cerâmica de construção civil, como a azulejaria, e a faiança artística. A direcção artística de Rafael Bordalo Pinheiro viria a revelar-se em toda a diversa produção, por uma interpretação naturalista, seguindo o revivalismo do estilo de Palissy, que iria aprimorar com uma melhorada variedade de esmaltes, permitindo uma paleta cromática mais apelativa. Foram criadas obras ainda hoje fortemente identitárias com motivos animalistas e vegetalistas em relevo, criando uma transformação de peças de origem utilitária em peças expositivas.86 A fábrica rapidamente obteve sucesso nacional e internacional, culminando no convite a decorar o pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Paris de 1899, pelo qual seria celebrado.87 Mas com esta

Fig. 36 | Prato decorativo naturalista, por Rafael Bordalo Pinheiro, da década de 1890

56

83. Marshall Katz – Cerâmica das Caldas da Rainha – Estilo Palissy 1853-1920, 1999, p.26 84. Rafael Salinas Calado – “Alguns Aspectos da Faiança Artistica das Caldas da Rainha “, in A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha – De Bordalo Pinheiro à actualidade: Sua história, 2008, p.12 85. Marshall Katz – Cerâmica das Caldas da Rainha – Estilo Palissy 1853-1920, 1999, p.86 86. Cristina Ramos e Horta – “Fábrica: A História da Empresa desde 1884 até à Actualidade “, in A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha – De Bordalo Pinheiro à actualidade: Sua história, 2008, p.49 87. Idem, p.46


CALDAS DA RAINHA COM PÓLO DE CERÂMICA

passagem por Paris também viria com Rafael Bordalo Pinheiro um gosto pelo estilo da Arte Nova88 que se iria reflectir na produção sucedente por uma decoração floral mais estilizada e linhas sinuosas. Viria também a conciliar a suas criações caricaturais do seu repertório gráfico, pelo qual era anteriormente conhecido, originando figuras de faiança associadas a uma crítica social e política.89 Destas figuras a mais iconográfica seria a do Zé Povinho, popularizada enquanto símbolo de um povo modesto, mas crítico da sociedade e política. A produção de faiança artística viria a fomentar um crescente sucesso à fábrica, mas que não era representado financeiramente, apresentando desde cedo dificuldades financeiras.90 Rafael Bordalo Pinheiro viria a ceder a direcção da fábrica ao seu filho Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro (1867-1920) em 1900, morrendo cinco anos mais tarde. A fábrica continuou pela administração de Manuel Gustavo que se iria mostrar um ceramista com fortes capacidades, tal como o pai. Ainda assim a fábrica não resistiu à situação financeira e foi forçada a encerrar em 1907.91 Manuel Gustavo viria a fundar uma nova fábrica a 5 de Novembro de 1908, com o nome de Manufactura de Faianças Artísticas das Caldas das Rainha Bordalo Pinheiro Lda.92 Esta nova fábrica viria a dar continuação 88. Rafael Salinas Calado – “Alguns Aspectos da Faiança Artistica das Caldas da Rainha “, in A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha – De Bordalo Pinheiro à actualidade: Sua história, 2008, p.17 89. Idem, p.14 90. Cristina Ramos e Horta – “Fábrica: A História da Empresa desde 1884 até à Actualidade “, in A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha – De Bordalo Pinheiro à actualidade: Sua história, 2008, p.36 91. Rafael Salinas Calado – “Alguns Aspectos da Faiança Artistica das Caldas da Rainha “, in A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha – De Bordalo Pinheiro à actualidade: Sua história, 2008, p.17 92. Cristina Ramos e Horta – “Fábrica: A História da Empresa desde 1884 até à Actualidade “, in A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha – De Bordalo

Fig. 37 | Figura caricatural do Zé Povinho, por Rafael Bordalo Pinheiro, de 1895

57


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

aos modelos criados por Rafael Bordalo Pinheiro, mas também criando uma nova produção, afastando-se paulatinamente da influência palissista, sem deixar de prestar tributo à tradição, e reformulando uma nova estética com proximidade à Arte Decó.93 Esta fábrica acabaria por mudar de mãos poucos anos depois da morte de Manuel Gustavo, continuando com a produção de peças de Rafael e do seu filho. Mais tarde, a última fábrica com valor a destacar pela sua influência nas Caldas da Rainha e na produção de cerâmica nacional, foi a criação da SECLA, por iniciativa de Alberto Pinto Ribeiro. Esta empresa fabril viria a demarcarse pela modernização da produção, assim como potenciar novas expressões artísticas na cerâmica. Hoje, a maior fábrica que ainda existe nas Caldas da Rainha, à parte de pequenas fábricas oleiras de pequena produção, é a Fábrica de Bordalo Pinheiro, adquirido em 2008 pelo Grupo Visabeira94, ao qual também pertence a Vista Alegre, dedicando a actual produção a peças mais conhecidas de Rafael e Manuel Gustavo. Assim, com as fábricas de cerâmica hoje em actividade nas Caldas da Rainha que produzem uma linha de peças clássica, a evolução e experimentação do uso da cerâmica das Caldas está hoje muito mais referente às escolas associadas a esta cultura, como a CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, criada em 198195 enquanto instituição de formação para indústria cerâmica portuguesa, e a ESAD, parte do IPL - Instituto Politécnico de Leiria, que é desenvolvida a partir de 1990 com o intuito de criar um programa lectivo com ligação da arte e design à cerâmica.96

Pinheiro à actualidade: Sua história, 2008, p.68 93. Idem, p.70 94. “A BORDALLO PINHEIRO”, acedido a 25 de Janeiro, 2017, http://pt.bordallopinheiro.com/bordallo-pinheiro?fullview=true# 95. “Cencal, Quem Somos”, acedido a 25 de Janeiro, 2017, http://www.cencal.pt/article/quem_somos.html 96. “Apresentação”, acedido a 25 de Janeiro, 2017, http://www.esad.ipleiria.pt/index.php?id=2

58


CALDAS DA RAINHA COM PÓLO DE CERÂMICA

4.2.2 | Vertente na Azulejaria

A azulejaria, dentro do panorama da cerâmica das Caldas da Rainha, só se tornou relevante a partir do início da produção por parte da fábrica de Bordalo Pinheiro, que concebeu diversos modelos das mais variadas temáticas. Esta criação de azulejaria, marcada enquanto peças com mais sucesso de toda a produção da fábrica, viria a impulsionar um novo fulgor do uso deste material de revestimento na casa no final do século XIX e inicio do século XX.97 Os modelos eram caracterizados, em semelhança à restante produção de faianças, por temas e padrões em relevo. Inicialmente baseavam-se em azulejos do século XVI, numa recreação de modelos hispano-mouriscos de decorações geométricas. Mas seriam os modelos de influências naturalista, com um animal ou planta em alto-relevo, que seriam os mais iconográficos e reconhecíveis de Rafael Bordalo Pinheiro. Pouco depois, com o ganho de um gosto pela Arte Nova, viriam a surgir modelos, que ainda com uma vivência naturalista, apresentavam uma maior sensibilidade a uma composição de simetria e linhas sinuosas.98 Este reforço no campo da azulejaria por Rafael Bordalo Pinheiro, viria a reiterar uma interessante produção de novos e diferenciados modelos entre várias novas fábricas de cerâmica que surgem nesta época e mais tarde. Podemos olhar para exemplares provenientes do Atelier Cerâmico do Visconde de Sacavém e Adelino Soares de Oliveira, assim como mais tarde por Manuel Gustavo já com uma influência Arte Decó.99 Mais tarde veríamos exemplares de pequena e grande produção pela SECLA, que iniciou esta vertente em materiais de revestimento em meados da década de 1950.100 Um dos modelos mais difundidos, que se pode encontrar facilmente, foi um pequeno azulejo de 5x5 de relevo negativo que criava um padrão contínuo, desenhado pelo Arquitecto Francisco da Conceição Silva (1922-1982). Mas desta fábrica sairiam também criações de azulejos exclusivos a obras de arquitectura de diversas escalas. Daqui viriam a ser produzidos 97. Marshall Katz – Cerâmica das Caldas da Rainha – Estilo Palissy 1853-1920, 1999, p.88 98. Cristina Ramos e Horta – “Fábrica: A História da Empresa desde 1884 até à Actualidade “, in A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha – De Bordalo Pinheiro à actualidade: Sua história, 2008, p.60 99. Helena Gonçalves Pinto - “O “Passear as Águas””, in Caldas da Rainha: Património das Águas, 2005, p.216 100. Helena Gonçalves Pinto – Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, 1999, p.16

59


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

os azulejos rectangulares em verde-claro, característicos das fachadas dos edifícios presentes na renovação da Praça de Marquês de Pombal em Lisboa, em meados da década de 1960.101 Outra obra com intervenções a destacar, mas noutra escala e teor mais experimental e artístico é a frente da Óptica Ramiro, nas Caldas da Rainha, com o uso de um azulejo de decoração figurativa de um olho, por Herculano Elias na década de 1970.102 Hoje já não existe tanto a cultura da produção de azulejos, ou pelo menos uma evolução perceptível, nas fábricas de cerâmicas nas Caldas da Rainha. Ainda assim é de acentuar que modelos originais da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro ainda são produzidos pela Fábrica de seu nome dando continuidade ao seu legado.

101. Idem, p.19 102. Helena Gonçalves Pinto – Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, 1999, p.19

60


CALDAS DA RAINHA COM PÓLO DE CERÂMICA

em cima Fig. 38 | Painel de azulejos de representação naturalista, com gafanhotos e espigas de milho, por Rafael Bordalo Pinheiro, de 1905 em cima, meio Fig. 39 | Barra de azulejos de estilo Arte Decó, no Pavilhão de Louças, atribuídos a Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, de 1920 em baixo, meio Fig. 40 | Painel de azulejos no embasamento da Óptica Ramiro, por Herculano Elias, produzidos na SECLA, em 1970 em cima, meio Fig. 41 | Painel de azulejos em padrão, por Conceição Silva, produzidos na SECLA, na década de 1950.

61


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

62


A SECLA

Capítulo 5

63


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

página anterior Fig. 42 | Lettering do Alçado Principal da Fábrica da SECLA, década de 1960.

64


A secla

5 | A SECLA

5.1 | História da MArca

A SECLA tornar-se-ia, ao longo da sua existência, uma das maiores fábricas de cerâmica locais e nacionais, demarcando-se a nível industrial em Portugal pela dimensão e volume de produção, assim como com a inovação e experimentalismo a nível de técnicas mais industriais e a nível de formas e design. A forte produção revela o boom económico europeu e norteamericano no pós-guerra, que propiciou um forte arranque à marca. As origens da marca remetem à fundação no decorrer do ano de 1944 da Fábrica de Cerâmica Mestre Francisco Elias pelo seu fundador, Joaquim Alberto Pinto Ribeiro (1921-1989), que prepara a sua evolução entrando em sociedade e criando em 1947 a SECLA – Sociedade de Exportação e Cerâmica Lda (actualmente S.A103). A produção cerâmica desde cedo demarcou-se de peças de carácter puramente decorativo, focando-se em louça utilitária. Esta escolha no mercado alvo cria desde logo uma separação com o ideal de cerâmica das Caldas da Rainha remetente aos elementos decorativos naturalistas, como da mais conhecida Fábrica Bordallo Pinheiro. Esta diferenciação surge também nas técnicas utilizadas, em que a SECLA demarca-se pelo uso da máquina e experimentalismo tecnológico, em revés de produção tradicional na roda de oleiro. Deste modo tornando possível baixar os custos e aumentar o volume de produção. E tal como o nome indica a ideia de venda seria de exportação, em particular os Estados Unidos da América. Esta escolha e sucesso no mercado externo reflecte-se na qualidade das peças associado a um baixo custo de produção. A exportação para os Estados Unidos pode ser vista como a maior impulsionadora para a criação da SECLA. Por mero acaso de encontros entre Joaquim Alberto Pinto Ribeiro que trabalhava ainda como funcionário na Standard Oil Co. (Esso) em Lisboa, e Clifford Furst, um americano com interesse

103. “Intro” - Estúdio, Caldas da Rainha, (acedido a 9 de Dezembro de 2016), http://estudio-caldasdarainha. com/intro/

65


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

em artesanato.104 Furst haveria mais tarde de proporcionar uma oportunidade de negócio a desenvolver a Joaquim Ribeiro. Este negócio seria a fundação para a exportação em larga escala de louça para os Estados Unidos da América. Em princípio Joaquim Ribeiro seria um intermediário entre uma fábrica e Furst, mas ao contactar todas as fábricas de faianças das Caldas da Rainha e região circundante, tornou-se óbvio que nenhuma tinha a capacidade de dar resposta às encomendas, incluindo a Fábrica Bordallo Pinheiro que era a maior na altura. 105 Joaquim Ribeiro decide trocar o emprego na Standard Oil Co. e dar início a uma fábrica de produção e exportação de cerâmica criando a Fábrica de Cerâmica Mestre Francisco Elias, instalada em parte de uma olaria já existente na Rua Sales Henriques nas Caldas da Rainha.106 O nome terá sido escolhido como homenagem aos oleiros locais, em que quatro dos oito primeiros funcionários na fábrica eram da família Elias. Nos seus primórdios da fábrica, Joaquim Ribeiro acorda com a firma VOLCAR, S.A.R.L. de modo a ter um investimento inicial numa primeira sociedade. 107 Mais tarde, devido ao parco espaço da primeira localização, foi necessário criar uma nova fábrica de raiz. Assim foram adquiridos os terrenos da Jalapa, na antiga Estrada do Cemitério, iniciando as obras em 1945. As obras e aumento da fábrica foram-se sucedendo durante a década de 50, consequência do crescimento da marca e evolução das técnicas e maquinaria utilizada. 108

Fig. 43 | Anúncio da Fábrica SECLA, ainda sobre a designação de Fábrica de Cerâmica Mestre Francisco Elias, de 1947

104. Joaquim Ribeiro – A Nova Cerâmica das Caldas, séc.XX, 1989, p.11 105. Idem, p.12 106. Helena Gonçalves Pinto – Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, 1999, p.9 107. Joaquim Ribeiro – A Nova Cerâmica das Caldas, séc.XX, 1989, p.12 108. Helena Gonçalves Pinto – Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, 1999, p.9

66


A secla

Mas já com a Fábrica a tomar forma, Clifford Furst desiste do negócio, mas providenciando o contacto de Martin Freeman, especializado no comércio e importação de louça, que viria a partir daí a trabalhar com Joaquim Ribeiro enquanto parceiro e cliente. Pouco depois também a VOLCAR perdeu o interesse pelo novo sector, e como forma de entrar um maior capital a firma Costa & Arez, Lda. decide entrar em sociedade com Joaquim Ribeiro e mais um amigo seu. Esta sociedade constituída pelos 5 elementos ficou constituída a 16 de Dezembro de 1946, e abrindo actividade a 1 de Janeiro de 1947, convertendo-se na SECLA – Sociedade de Exportação e Cerâmica Lda. 109 No início de produção, a louça produzida era semelhante à tradicionalmente produzida nas Caldas da Rainha, com inspiração naturalista. A variação que sofreram era na forma e dimensionamento, por concelho de Martin Freeman, de modo a melhor satisfazer o mercado norte-americano, e a um padrão internacional moderno. Estas peças de louça eram de carácter muito mais funcional e design mais estilizado e moderno, onde a natureza surgia apenas como apontamento. Começam a ganhar maior força a partir de 1948 com uma estruturação no uso de moldes em gesso e alteração da pasta anterior, muito frágil para o uso prolongado doméstico. Trocariam a produção por uma à base de pasta feldspática com uma maior resistência. 110 Já dentro dos anos 50, com um nome a ser cimentado no mercado interno e externo, começa a ser explorado um novo rumo criativo lançando peças únicas de produções de artistas plásticos, assim como um desenvolvimento da expressão artística mais apurada na linha de produção. A esta secção, nomeada de ‘Estúdio SECLA’ 111, a Cerâmica foi utilizada como expressão artística individual, um pouco em seguimento da ideia de Arts and Crafts. Todas as criações únicas eram livres à concepção artista, tendo apenas que ter o carimbo da SECLA, e algumas eram depois expostas em exposições e galerias nacionais e internacionais ao lado de peças de produção, oferecendo um maior destaque e prestígio à marca. Na procura de um Director Artístico, que iria guiar o Estúdio assim como modernizar a produção em série, foi convidada a pintora e ceramista húngara Hansi Stael (1931-1961), que já vivia e expunha

109. Joaquim Ribeiro – A Nova Cerâmica das Caldas, séc.XX, 1989, p.17 - A sociedade foi dividida da seguinte forma: Fernando da Ponte e Sousa – 30%; Joaquim Alberto Pinto Ribeiro – 25%; Fernando Carneiro Mendes – 15%; Victorino Costa Vinagre – 15%; Américo Castro Arez – 15% 110. Idem, p.20 111. Helena Gonçalves Pinto – Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, 1999, p.12

67


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

em cima Fig. 44 | Conjunto têteà-tête, composto por duas chávenas de café, pires, uma leiteira e um açucareiro, desenhado por Fernando da Ponte e Sousa com a decoração de Hansi Stael, na embalagem de origem, década de 1960. em baixo Fig. 45 | Colecção desenhada por Ferreira da Silva, 1955

68


A secla

trabalhos em Portugal.112 Tornar-se-ia uma das artistas mais importantes e que mais fulgor deu ao Estúdio durante a sua existência. O Estúdio viria a marcarse como um protótipo nacional inovador para a renovação e modernidade da cerâmica nacional, levando a indústria a atentar ao papel do artista na criação de novas peças. Por ordem de conseguir um maior controlo de produção das fornadas, foi criado um laboratório de controlo da qualidade dos componentes da pasta. Este progresso permitiu igualmente a utilização de novas técnicas de produção, obtendo um aumento de qualidade. Por sua vez este maior controlo e utilização de novas técnicas ajudou a que surgissem mais pequenos estúdios de artistas na cerâmica nacional, como Jorge Barradas, Manuel Cargaleiro e Querubim Lapa, o que veio em certa medida revolucionar o padrão de estilos e emergir novas linhas e criadores. Ao esgotar a capacidade de cozedura dos fornos tradicionais a lenha e carvão foi instalado o primeiro forno contínuo eléctrico Sitti. Este, instalado em 1958, de 14 metros era de origem italiana e foi um dos primeiros do género instalados no país. O novo forno permitia, para além de um maior controlo na temperatura, economizar a energia de produção.113 Mais tarde, a produção seria complementada por mais dois fornos eléctricos Shelley, possibilitando uma segunda cozedura e temperaturas mais altas.114

em cima Fig. 46 | A Fábrica da SECLA na década de 1950. Nesta altura ainda existiam os fornos a lenha, como vemos pela presença da chaminé, e pela entrada em arco, que seria recortada para permitir a entrada dos camiões com os fornos eléctricos. 112. Idem, p.12 113. Joaquim Ribeiro – A Nova Cerâmica das Caldas, séc.XX, 1989, p.38 114. Helena Gonçalves Pinto – Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, 1999, p.16

69


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Pela década de 70, continuava a ter um forte nível de exportação, com o mercado nórdico a tomar cada vez uma maior percentagem deste. Este contínuo aumento de produção levou à construção da Fábrica 2, localizada um pouco mais abaixo do terreno da fábrica original. 115 Também por esta altura, com o decréscimo da popularidade da cerâmica de autor e aumento do design industrial, o Estúdio deixa de existir. 116 A fábrica tornou-se muito mais direccionada para a industrialização e produção em massa, mas na necessidade de criação de protótipos e testes de novas criações foi criado o Gabinete de Estudos e de Desenho sob orientação de Herculano Elias. 117 Com o decorrer do tempo, a produção não mostra sinais de fraqueza, empregando mais de 700 pessoas e produzindo 12 milhões de peças anualmente pela década de 90. Na entrada do novo milénio ganha a fama de ser a primeira empresa portuguesa exportadora de louças decorativas e cimentando o papel de uma das maiores à escala mundial. 118 Mas volvido o ano de 2008 que a marca entra em falência, cessando a produção a 30 de Junho desse ano. As causas deste término são referenciadas como a globalização, a forte concorrência dos mercados asiáticos, sobrevalorização do euro, retracção da procura e escassez de encomendas. 119 Encerra assim uma das maiores fábricas de cerâmica do país, tornada uma referência histórica e artística na cerâmica a nível nacional e internacional, por não conseguir oferecer uma resposta a uma conjuntura da crise e actualidade.

Fig. 47 | Alçado Principal da Fábrica da SECLA, década de 1960. 115. Carlos Cipriano - “Empresa sexagenária sem meios para sobreviver”, Público, 12 de Julho, 2008, acedido a 18 de Dezembro, 2016, https://www.publico.pt/2008/06/12/economia/noticia/maior-ceramica-dascaldas-da-rainha-vai-encerrar-no-final-deste-mes-1332086 116. Helena Gonçalves Pinto – Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, 1999, p.13 117. Idem, p.21 118. Carlos Cipriano - “Empresa sexagenária sem meios para sobreviver”, Público, 12 de Julho, 2008, acedido a 18 de Dezembro, 2016, https://www.publico.pt/2008/06/12/economia/noticia/maior-ceramica-dascaldas-da-rainha-vai-encerrar-no-final-deste-mes-1332086 119. Idem

70


A secla

5.2 | A Evolução do edificado

É dada licença para ser construída a Fábrica em Novembro de 1945 nos terrenos de Jalapa em frente ao cemitério das Caldas da Rainha. A partir da década de 1950, com o sucesso e crescimento da marca, sucedem-se múltiplas ampliações à fábrica, comprando e crescendo aos terrenos vizinhos. O crescimento da Fábrica foi constituído por muitas obras, recorrentemente alteradas, perceptível pela comparação dos desenhos técnicos com o existente. Entre as sucessivas modificações ao espaço é demarcado o começo do uso de fornos eléctricos em 1958, que mesmo sem eles é notável o seu lugar nas naves de produção pelos intervalos na laje, originando situações de pé-direito duplo. Para além das sucessivas modificações, de modo a responder à evolução técnica e da maquinaria, também foram introduzidas melhorias de modo a fomentar um melhor ambiente e condições de trabalho. Por exemplo, entre a década de 50 e 60, foram adicionados um refeitório para uso dos trabalhadores e criado um campo de jogos,120 do qual já não existe qualquer vestígio. É possível destacar diferentes construções e épocas destas, olhando não só pelas variações na fachada, como com as janelas, mas principalmente pela estrutura interior que pode variar no uso de um piso e sistema de asnas em madeira em zonas mais antigas, ou betão se mais recente. Mesmo a estrutura, apesar de parecer contínua mostra diferentes anos de construção, por reduções no tamanho, determinadas pela evolução das técnicas construtivas em zonas mais recentes do edificado. A estrutura é composta por betão armado, com as paredes interiores e exteriores em tijolo furado de diversas profundidades. Não existe qualquer isolamento térmico. A cobertura, nas secções mais antigas, apresenta uma estrutura de asnas em madeira ancorada na estrutura de betão, com telhas cerâmicas. Já as secções mais recentes como as naves de produção, já incluem em parte, asnas em betão pré-fabricado e cobertura em chapas de fibrocimento com fibras de amianto. O revestimento exterior consiste em reboco de argamassa de areia e cimento, com uma pintura num rosa velho com branco a acentuar a estrutura, hoje um pouco desvanecida. Nas janelas são usadas caixilharias de carácter funcionalista e industrial em ferro pintado 120. Joaquim Ribeiro – A Nova Cerâmica das Caldas, séc.XX, 1989, p.25

71


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

com vidro simples. Esta Fábrica apresenta em si um baixo valor arquitectónico para a zona, sendo o mais relevante à sua preservação e da memória associada, o que produziu e o seu significado na cidade e na cerâmica nacional. Nos anos 70 é criada a Fábrica 2, próxima da primeira, num terreno vizinho ao cemitério e da linha de comboio. Existe ainda a Fabrica 3, construída já na década de 90, localizada fora da cidade na zona industrial das Caldas da Rainha. Pela mesma altura a Fábrica 1 foi encerrada em finais da década de 90, muito provavelmente pelo peso da idade da construção, limitando as condições de trabalho. A Fábrica 1 e a Fábrica 2, localizada na proximidade, foram vendidas à banca por um valor de 11 milhões como forma de amenizar os custos de funcionamento da marca e da sua produção nos últimos tempos antes de entrar em falência. Ambas as fábricas localizadas hoje numa área de expansão da cidade, deixadas à degradação natural e actos de vandalismo. Recentemente a Fábrica 2, que ainda apresenta condições estruturais, começou a ser utilizada pontualmente para eventos como o Caldas Late Night e a iniciativa ReSeclar.

esquerda Fig. 48 | Planta de implantação da Fábrica na década de 1950 direita Fig. 49 | Planta de implantação da Fábrica em finais da década de 1950

esquerda Fig. 50 | Planta de implantação da Fábrica em finais da década de 1960 direita Fig. 51 | Planta de implantação da Fábrica na década de 1970

72


A secla

em cima Fig. 52 | Conjunto industrial da Fábrica da SECLA na década de 50 em cima, meio Fig. 53 | Conjunto industrial da Fábrica da SECLA na década de 60 em baixo, meio Fig. 54 | Conjunto industrial da Fábrica da SECLA na década de 70 em baixo Fig. 55 | Conjunto industrial da Fábrica da SECLA na década de 80

73


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

em cima Fig. 56 | Fachada principal da Fábrica, que ruiu parcialmente em 2011, 2016 baixo Fig. 57 | Naves produção, 2016

74

de


A secla

em cima Fig. 58 | Vazio entre pisos nas naves de produção, 2016 baixo Fig. 59 | Sala para o trabalho de moldes, 2016

75


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

76


Proposta de intervenção

Capítulo 6

77


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

página anterior Fig. 60 | Asnas das naves de produção em betão armado, 2016

78


PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

6| Proposta de intervenção 6.1 | Aplicação de Conceitos

6.1.1 | Regeneração Urbana

O quarteirão e zona circundante onde se encontra a Fábrica da SECLA é já uma zona de fraca movimentação e interesse de passagem pedonal, apesar da proximidade com pontos de interesse público com mais visitantes, como o centro comercial La Vie e o Parque D. Carlos I. Ainda assim a passagem por meio automóvel é de grande afluência e acessibilidade na Avenida Dr. Manuel Figueira Freire da Câmara que continua como Rua General Amílcar Mota, ambas nomeações de troços da N8, antiga ligação a Lisboa, que ainda hoje serve como eixo principal enquanto entrada Sul das Caldas da Rainha. A intervenção na antiga Fábrica da SECLA proporciona a visita e maior passagem pedonal na área por um novo público, residente e visitante às Caldas da Rainha. Traz a implementação de novos trabalhadores que irão trazer uma vivacidade fixa ao local, mas oferecendo valências expositivas, museológicas e proporcionar eventos, que trará visitantes temporários ao espaço. Estes novos habitantes do espaço levam a uma maior confluência à zona em redor, favorecendo a sua imagem. Isto irá com o tempo influenciar um investimento na zona, levando a uma melhor oferta de construções e espaço público. Dentro do quarteirão onde está inserida a Fábrica, de modo a fomentar o seu melhor aproveitamento, a intervenção contempla a demolição de algum edificado

Ce n t r o d a s Ca ld a s d a Ra in h a

Ce n t r o H is t ór ico

F á b r ica Bor d a llo Pin h ei r o

F á b r ica SECL A

ESA D

Fig. 61 | Conceito de atravessamento entre pontos de interesse alvo pela fábrica da SECLA

79


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

de habitação de baixa altura de baixo valor arquitectónico, assim como alguns exemplares em ruína, como a antiga loja da SECLA. Esta demolição de algumas pré-existências fora da fábrica permite a melhor acessibilidade e abertura à cidade da proposta de projecto. Assim é construída uma praça de entrada que, associada a uma comunicação entre a pré-existência e o novo auditório proposto, convida à entrada na área de projecto. Tendo em conta a tentativa do melhoramento de espaço público da área, em específico da Fábrica, para além de demolições alheias a esta, também segmentos de edificado fabril são demolidos ou parcialmente retirados, para criar um atravessamento unicamente pedonal pelo interior do quarteirão passando pelo antigo piso 1 das naves de produção. De modo a realizar o aproveitamento da laje da Fábrica é criada uma escadaria de resposta à diferença de cotas do atravessamento, desenhada com a existência de assentos, quase em plateia. Esta ligação interior permite uma passagem desassociada do trânsito automóvel que dará, no fim da área da Fábrica, continuação a uma proposta de uma ponte que ligará à ESAD. Esta ponte e caminho da Fábrica à ESAD podem ser complementados pela inserção de uma residência de estudantes e artistas. Com este atravessamento existe assim uma ligação directa e rápida da ESAD a pontos de interesse das Caldas da Rainha.

6.1.2 | Memória

A reconversão, e consequente reutilização, da Fábrica da SECLA é ponderada pelo facto, não só das possibilidades que oferece enquanto espaço amplo e adaptável à inserção de novos usos, característico de antigos espaços industriais, mas também pela preservação da memória colectiva da marca SECLA na cidade. O impacto na indústria da cerâmica, seja na produção em massa como na exploração desta como arte, que a SECLA enquanto marca teve no país e na cidade merece a sua preservação de parte do seu espólio edificado, como amostra e recurso de memória. Esta imagética da memória surge como a causa maior da sua preservação, porque a Fábrica enquanto peça de arquitectura apresenta uma certa banalidade no tratamento estético, apesar de algumas soluções

80


PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

formais de estrutura serem interessantes a certo ponto. Devido a esta imagem simples e pouco marcante enquanto peça, a Fábrica oferece uma base que pode ser facilmente modificável e reaproveitada, criando algo mais marcante e iconográfico.

6.1.3 | Reconverção da Fábrica

A reconversão da fábrica surge pela potencial reutilização dos seus espaços interiores, principalmente as amplas naves de produção, que oferecem uma liberdade a novos usos. Estas naves, tal como se encontram, são apenas pontuadas pelos pilares da estrutura em betão armado reticular. Esta descaracterização do espaço oferece uma grande adaptabilidade, fomentando a possibilidade de inserção de uma nova arquitectura e um novo uso. Recorrendo à modernização do espaço, em termos de conforto ambiental do espaço, oferece uma facilidade de inserção de novos programas para lá do industrial, para o qual originalmente concebido, que já não se aplica ao corrente estágio urbanístico mais habitacional da zona. De modo a celebrar e memorizar o período e concepção industrial, a estrutura em betão armado pilar-viga, assim como as asnas que demarcam o piso 1, são mantidas, mesmo se na proposta de projecto deixam de ter utilização em certos pontos. Com esta preservação da estrutura, enquanto peças de valor memorial, ganha um valor de presença no espaço, levando à sua demarcação na criação de uma nova arquitectura.

6.1.4 | Uso da Cerâmica

Devido à ligação à cerâmica enquanto factor memorial, reforçando a identidade passada da marca da SECLA, a cerâmica foi extensivamente usada no projecto enquanto material de revestimento e criação de uma segunda pele. Com uma presença em todo a proposta de projecto, o destaque na sua

81


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

utilização é a grande fachada curva do alçado principal original das naves de produção, na Rua Fernando Ponte e Sousa. O uso da cerâmica na proposta surge pela criação de uma peça de 50x30 cm que com a sua repetição em conjunto com variações, permite a criação e manipulação de padrões tridimensionais, conseguindo uma fluidez e imagem característica ao projecto. Esta peça é criada a partir do estudo do catálogo na azulejaria da SECLA pegando no padrão criado pela repetição do mais conhecido azulejo de 5x5. Com esta segunda pele, é possível conciliar a extensa fachada já referida, tornando-a um objecto iconográfico em si mesma.

em cima Fig. 62 | Esquema de elementos a modificar e demolir baixo Fig. 63 | Esquema de edificado a adicionar

82


PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

6.2 | Programa

6.2.1 | Pré-existência

A base programática do corrente projecto de reconversão é de oferecer um espaço de co-working e de centro de desenvolvimento de starups e pequenas empresas. O espaço amplo de nível térreo da zona das naves de produção da Fábrica é agora organizado por espaços open-space que possibilitam uma diferenciação de áreas de trabalho. Estas áreas de trabalho dividem-se em áreas de co-working e co-studying, “contentores” e ateliers. Os espaços de co-working são localizados, para além do nível térreo, na nave preservada. Concebidos para fomentar a produção de trabalho com mesas largas e estantes com cacifos integrados, direccionados a pessoas cujo trabalho se encontra apenas num portátil. Os “contentores” são concebidos como salas que oferecem um espaço que pode ser encerrado para a inserção de empresas e start-ups com bens materiais ao qual deve ser dada uma maior segurança. Estes “contentores”, idealizados em dois tamanhos, são equipados com zonas de trabalho, com mesa e estantes, mas também, nos módulos maiores, uma zona de estar e reunião no centro. A terceira valência de espaço de trabalho são os ateliers, salas fechadas, mais amplas que oferecem um espaço, apesar de livre à interpretação do utilizador, concebidas para trabalhos artísticos. Por esta razão são um pouco mais afastadas de outros pontos de trabalho por razões de possível ruído associado. De modo a oferecer um espaço de reunião e apresentações privadas, necessárias para as empresas e start-ups, são associadas salas para o efeito no piso 1 da nova construção anexada à nave preservada. Já no piso térreo deste novo membro construído foi colocado um espaço de refeitório e cafetaria que permite uma habitabilidade do espaço total da Fábrica. Por todo o complexo é concedida a existência de espaços verdes, que propiciam uma melhor e mais agradável vivência do espaço público. Dentro deste conjunto de espaços verdes, dois são condicionados à utilização dos utilizadores dos espaços de trabalho, visando o seu melhor disfruto e contacto com a natureza. É criado um espaço verde no piso térreo com presença a grande parte dos espaços de trabalho, que aproveita o maior vazio presente na laje original do piso 1 das naves, que associado à repetição da estrutura

83


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

de pilares cria, em certa medida, uma imagética de claustro. Sendo o piso 1 em parte um atravessamento pedonal público, é propiciado uma situação de comunicação e interacção em diferentes níveis com a vegetação colocada. Este vazio tomado agora enquanto jardim e ponto de descanso e a maior fonte de iluminação natural zenital da zona de trabalho. O outro espaço verde, associado ao novo membro junto à nave preservada, colocado no piso 1 em comunicação com o espaço de co-working e salas de reuniões desse piso. Este espaço verde é desenhado tendo em conta aberturas zenitais com a zona de cafetaria do piso abaixo, permitindo uma permeabilidade de luz entre níveis. Estas aberturas oferecem também a possibilidade de associar no nível térreo a plantação de árvores e outra vegetação, dando uma nova vivacidade ao espaço de lazer da cafetaria. De modo a permite a reunião de um maior número de pessoas, assim como possibilitar a realização de actividades que necessitam de um maior espaço, foi criado um espaço polivalente ligeiramente afastado da área de trabalho, mas com entradas próximas, permitindo o seu uso de maneira independente. Esta sala é uma adição nova à estrutura pré-existente que de forma a contemplar a existência da grande escadaria de ligação da laje superior ao piso térreo é enterrada. Já o edificado mais antigo do complexo industrial, com frente para a Rua São João de Deus, obteve uma reformulação do alçado de modo a conseguir uma coerência na sua continuidade e aumentar o seu interesse. No seu interior oferece, no piso térreo, que foi modificado para obter diferentes pontos de entrada, quatro espaços comerciais incluindo um de dois pisos. Já no piso 1, com ligação ao espaço de co-working da nave, foram colocados os escritórios de administração do complexo de trabalho

6.2.2 | Novo Edificado

De forma independente à pré-existência, foram criados outros dois edifícios que fornecem um uso apelativo à sua visita para lá do trabalho. Um primeiro edifício é criado segundo uma implementação préexistente que pelas dimensões reduzidas foi decidida substituir, mas com a tentativa de reproduzir o espaço interior original numa pequena secção. Este

84


PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

edifício tem uma principal função enquanto espaço expositivo e museológico centrado na exposição de peças da SECLA e em novas artes. Este edifício é dividido em dois volumes. Um mais alto de dois pisos com comunicação com a Fábrica, concebido a pensar em dois níveis expositivos de carácter fixo. O segundo volume, mais baixo de apenas um piso térreo, foi concebido como uma sala que pode ser isolada ou aberta para exposições temporárias. Também neste volume encontramos salas e gabinetes de restauro e pesquisa de peças a expor assim como reserva e arrumo destas. O segundo edifício é um auditório, caracterizado como o mais alto edifício dentro do actual projecto, e que é, devido ao contacto com a Avenida Dr. Manuel Figueira Freire da Câmara, o ponto de destaque que convida o interesse à visita e entrada na área da Fábrica. Em comunicação com o edifício antigo da Fábrica é aberta uma praça que afunila para dar entrada e passagem a outros momentos da reconversão. No momento de entrada deste edifício temos uma grande escadaria distribuidora por dois auditórios e zonas de administração. Também no piso térreo existe um café direccionado para o Parque oferecendo uma oferta de entrada para além dos eventos realizados nos auditórios. De um ponto de vista de espaços técnicos neste piso térreo existe, atrás de uma face de entrada, camarins e salas de ensaio, I.S. e arrumos de carga. Ao subir a grande escadaria, sensivelmente a meio podemos chegar ao piso 1 que tem um pequeno auditório de carácter mais polivalente, fornecendo o único vão para o alçado da Avenida. Continuando a escadaria até ao fim chegamos a um patamar que oferece entrada a espaços de administração deste edifício e entrada ao grande auditório, o espaço principal concebido para conferências e concertos, que ao fim do palco tem um enorme envidraçado com vista para a fábrica e o seu trajecto de atravessamento.

Fig. 64 | Programático Intervenção.

Esquema da

85


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

86


cONSIDERAÇÕES FINAIS

Capítulo 7

87


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

página anterior Fig. 65 | Série de tijelas e pratos deixados para trás após o fecho da fábrica da SECLA, 2016.

88


CONSIDERAÇÕES FINAIS

7 | Considerações Finais

Com este capítulo, podemos aferir de que modo a Arquitectura Industrial surge e a evolução que promove, não só com a introdução da produção em massa de uma linha de produção, mas também o avanço técnico da arquitectura, concebendo uma nova resposta a novas questões de espaço e programa. É importante perceber que ambos estes resultados provocaram uma forte mudança social, criando uma grande mudança e sentimento de lacuna temporal, entre o antes e o pós-Revolução Industrial. Esta separação temporal marca uma forte quebra dos ideais da sociedade, formulando as raízes para a Modernidade. Num primeiro momento, o aparecimento da indústria revelou-se prejudicial à vida da cidade na sua proximidade, o que iria fomentar uma nova visão urbanística higienista. Esta evolução viria a criar um profundo corte temporal no urbanismo de uma cidade, passando de uma concentração densa medieval de edificado, para a abertura de avenidas. A partir deste momento o que era anterior à indústria é olhado como um pedaço de um passado e por isso, para evitar a sua perca, é começado a ser preservado. Esta noção de preservação, apesar de ser iniciada segundo um espectro curto, preservando apenas grandes e importantes monumentos, com o passar do tempo é entendido que mesmo obras de menor valor deveriam seguir o mesmo tratamento de modo a preservar a memória da vivência do espaço e da cidade. Desta forma, de maneira a não impedir o avanço de um melhoramento de condições da cidade, deve existir uma coerência entre o preservado e as novas arquitecturas. Em muitos casos para permitir a reabilitação de um antigo edifício ou mesmo zona, é soberano fazê-lo render. Este é um factor que não se aplica necessariamente a grandes peças que se tornam monumentos e trazem um rendimento e atractividade pela história e peça em si. Mas no edificado geral é introduzido uma reutilização do espaço acomodando um novo uso e programa. Um exemplo explorado no presente trabalho é a reconversão de antigos espaços industriais, cujo uso original já não pode ser aplicado no edificado para o qual foi concebido. Esta saída do uso fabril, é resultado de

89


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

uma constante modernização da linha de produção para o qual o edificado não consegue responder a não ser se extensivamente alterado. Assim como com a evolução urbanística da cidade, em que muitas fábricas são assimiladas pelo crescimento da cidade empurrando a indústria para outro ponto de modo a preservar a melhor habitabilidade da zona, mas deixando a marca do edificado fabril. A Arquitectura Industrial trouxe uma das maiores evoluções dentro da arquitectura, com novas espacialidades e utilização de novos materiais na construção. Esta nova espacialidade, caracterizada principalmente por maiores vãos e uma maior leveza da estrutura, necessária a permitir a melhor organização da linha de produção. Esta exploração espacial formalizou o uso do aço e mais tarde do betão que daí se iriam espalhar a outras arquitecturas. É este período de experimentação e quebra da tradição construtiva e diminuição de elementos decorativos clássicos, que levaram, associando também à perspectiva social, á uma génese do que seria o Modernismo. O edificado fabril, enquanto peça de arquitectura, é das mais adaptáveis por causa da sua origem, em que a forma responde à função, criando um espaço principalmente focado na optimização de espaço e linha de produção. Isto significa que a sua reconversão é facilitada devido ao seu amplo espaço pontuado pela estrutura. Mas muitas vezes, pela sua extensão que ocupa no território, é difícil intervir, não só pelo custo da reabilitação e reutilização sobre os parâmetros actuais de conforto, mas também porque ocupam parcelas que são vistas hoje como desejadas para a construção de habitação ou escritórios. Os exemplares que são preservados celebram uma memória de um passado da cidade e podem mesmo ser uma mais-valia para esta, potenciando um novo valor à área com o programa inserido. Casos de reconversão do espaço, como escolas e centros de trabalho de start-ups e pequenas empresas, permitem uma nova vivência da área em volta, criando postos de trabalho e novos habitantes do espaço que revitaliza, não só a arquitectura, mas a zona e cidade. É esta revitalização que evolui a uma regeneração urbana com um investimento na arquitectura e espaço público. O presente projecto obedece a este forte intuito de mostrar que um espaço industrial pode ressurgir com a sua reconversão de uso. Desta forma é dado um reaproveitamento de um espólio arquitectónico com a mais-valia de preservar e fortalecer uma memória associada, não só à fábrica e marca, mas à cidade e população que representa.

90


CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Romper com o passado não significa nem abolir a sua memória, nem destruir os seus monumentos, mas conservar uns e outros num movimento dialéctico que, simultaneamente, assume e ultrapassa o seu significado histórico original, ao integrá-lo num novo estrato semântico.” - Françoise Choay 121

121. Françoise Choay – Alegoria do Património, 1992, p.117

91


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

92


BIBLIOGRAFIA

8 | Bibliografia 1| Livros AIRES-BARROS, Luís, coord., Caldas da Rainha: Património das Águas, Lisboa: Assírio & Alvim, 2005. ISBN: 972-37-1047-1 CALADO, Rafael Salinas, et al. - A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha – De Bordalo Pinheiro à actualidade: Sua história, 1ª Ed., Porto: Civilização, 2008. CHOAY, Françoise – Alegoria do Património, 2ª Ed., Lisboa: Edições 70, 2015. ISBN: 978-972-44-1274-0 CULLEN, Gordon – Paisagem Urbana, 1ª Ed., Lisboa: Edições 70, 2009. ISBN: 972-44-0530-3 GRACIA, Francisco - Construir en lo construído, La arquitectura como modificacion. Madrid: Editorial Nereia, 1992. ISBN: 84-86763-65-7 HENRIQUES, Paulo, coord., Estúdio SECLA – Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, Lisboa: Ministério da Cultura. Instituto Português de Museus, 1999. ISBN 972-776-037-6. KATZ, Marshall – Cerâmica das Caldas da Rainha – Estilo Palissy 1853-1920, 1ª Ed., Lisboa: Edições Inapa, 1999. LE GOFF, Jacques, aa.vv – Enciclopédia Einaudi, Ed. Portuguesa, Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994. ISBN: 972-27-0660-8. LYNCH, Kevin – A Imagem da Cidade, 1ª Ed., Lisboa: Edições 70, 2009. ISBN: 972-44-0379-3 RAVARA, Pedro - O Edifício Fabril em Betão Armado, 1ª Ed., Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2016. ISBN: 978-989-658-371-2 RIBEIRO, Joaquim - A Nova Cerâmica das Caldas, séc.XX, Lisboa: A. P. Ribeiro,1989. VAZ, Pedro, et al. - Built Heritage Management And Conservation – Round table with national and international experts, 1ª. Ed., Lisboa: Museu da Presidência da República, 2015. ISBN: 978-972-8971-78-6

93


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

2 | Revistas e jornais CIPRIANO, Carlos - “Empresa sexagenária sem meios para sobreviver: Maior cerâmica das Caldas da Rainha vai encerrar no final deste mês”, Público, 12 de Junho, 2008. https://www.publico.pt/2008/06/12/economia/noticia/maiorceramica-das-caldas-da-rainha-vai-encerrar-no-final-deste-mes-1332086 folgado, Deolinda - ““A memória ao Negro” ou a salvaguarda como reduto da memória”, Património Estudos N.º6, 2004, 20-28 lopão, Manuel - “Vinculo ao interesse público”, Património Estudos N.º6, 2004, 5-10 lusa - “Intervenção de Souto de Moura em antigo mercado de Braga ganha prémio de reabilitação”, P3, 4 de Fevereiro, 2013, (acedido a 20 de Janeiro, 2017), http://p3.publico.pt/cultura/arquitectura/6514/intervencao-de-soutode-moura-em-antigo-mercado-de-braga-ganha-premio-de-r Martins, Ana Cristina - “Património Histórico-cultural: a emergência das reformas (do liberalismo ao republicanismo) – 1ª parte”, Património Estudos N.º5, 2003, 33-34 MOURA, Paulo - “O cowork não é o novo Flower Power, mas é uma revolução”, Público, 24 de Julho, 2016. https://www.publico.pt/2016/07/24/ economia/noticia/o-cowork-nao-e-o-novo-flower-power-mas-e-umarevolucao-1739093 NARCISO, Natacha – “Investigador revela que Maria dos Cacos foi a primeira empresária da cerâmica caldense”, Gazeta das Caldas, 22 de Julho, 2016, (acedido a 20 de Janeiro de 2017), http://gazetacaldas.com/cultura/ investigador-revela-maria-dos-cacos-primeira-empresaria-da-ceramicacaldense/ OLIVEIRA, Luísa Soares de - “A outra louça das Caldas”, Público, 7 de Janeiro, 2000. https://www.publico.pt/noticias/jornal/a-outra-louca-das-caldas-138358 REDACÇÃO - “António Cardoso – Uma vida ligada à cerâmica”, Gazeta das Caldas, 28 de Abril, 2016. http://gazetacaldas.com/sociedade/antoniocardoso-uma-vida-ligada-a-ceramica/ VELOSO, Isodora - “Silos: um contentor com 55 anos e sete andares criativos”, P3, 10 de Novembro, 2016. http://p3.publico.pt/cultura/palcos/22109/silosum-contentor-com-55-anos-e-sete-andares-criativos

94


BIBLIOGRAFIA

3 | Artigos Ciêntificos vieira, João; Lacerda, Manuel - Kit 01 - Património Arquitectónico - Geral, Igespar, 2010. vieira, João; Lacerda, Manuel - Kit 03 - Património Industrial, Igespar, 2010. “Carta De Nizhny Tagil sobre o Património Industrial”, The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH), Julho 2003, “Carta de Veneza”, International Council on Monuments and Sites (ICOMOS), Maio 1964,

3 | Teses de Mestrado e Douturamento COSTA, Mário - O Conceito de Cluster como Agregador de Actividades Criativas na Cidade - Uma Proposta de Reabilitação do Hospital Miguel Bombarda na Cidade de Lisboa”, (Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, FAUL), 2013 DUARTE, Bruno - “Reabilitação da Fábrica de Cerâmica “SECLA” em Caldas da Rainha” (Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Universidade da Beira Interior), 2011. FREITAS, Maria - “Memória da Modernidade Industrial - Três Intervenções no Património do Movimento Moderno Português”, (Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, FAUP), 2014 FOLGADO, Deolinda - “A nova ordem industrial. Da fábrica ao território de Lisboa.1933-1968”, (Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa), 2009. SANTOS, Susana - “A flexibilidade na permanência - Uma proposta para a reutilização da Cordoaria Nacional”, (Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, FAUL), 2012.

95


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

4 | Sites http://www.metalocus.es/es/noticias/redescubriendo-los-80-mercado-docaranda-por-souto-de-moura http://www.plataformaarquitectura.cl/cl/02-100043/entrevista-a-eduardosouto-de-moura-en-el-diario-el-pais http://estudio-caldasdarainha.com/intro/ http://olivacreativefactory.com/wp/ http://architizer.com/blog/slow-manifesto-lebbeus-woods/ http://architizer.com/blog/video-spanish-architect-ricardo-bofill-and-hishome-in-a-transformed-cement-factory/ http://www.archdaily.com/2240/oslo-school-of-architecture-jva https://www.dezeen.com/2015/05/03/oma-fondazione-prada-art-centregold-leaf-cladding-wes-anderson-cafe-milan/ http://oma.eu/projects/fondazione-prada http://ceramicamodernistaemportugal.blogspot.pt/

96


BIBLIOGRAFIA

97


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

98


anexos

9 | ANEXOS ANEXOS I

Plantas Históricas

ANEXOS II

Registo Fotográfico. Imagens do Autor, 2016

ANEXOS III

Esboços e Desenhos

Maquetes de Estudo

Maquetes Finais

ANEXOS IV

Apresentação Gráficas do Projecto Final de Mestrado

1| Planta de Envolvente - Esc. 1/2000 | Esquemas | Registo Fotográfico

2 | Planta de Cobertura - Esc. 1/500

3 | Planta Piso -1 - Esc. 1/200

4 | Planta Piso 0 - Esc. 1/200

5 | Planta Piso 1 - Esc. 1/200

6 | Planta Piso 2 - Esc. 1/200

7 | Axonometria Explodida

8 | Secções AA’, BB’, CC’, DD’ | Alçado Oeste - Esc. 1/200

9 | Secção EE’ - Esc. 1/50 | Visualizações

10 | Planta Piso 0 - Esc. 1/50

11 | Corte Técnico - Esc. 1/20

12 | A Peça Cerâmica

99


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Plantas Históricas

Planta do PIso 1 - 1970 - Esc.1/200

Planta do PIso 1 - 1970 - Esc. 1/200

100


anexos I

Corte AB, transversal - 1970 - Esc.1/100

Corte AB e CD, transversal - 1970 - Esc.1/100

Corte CD, longitudinal - 1970 - Esc.1/100

Alรงado Principal - 1970 - Esc.1/100

101


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Registo Fotográfico

102


anexos II

103


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

104


anexos II

105


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Esboços e Desenhos

106


anexos III

107


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

108


anexos III

109


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Maquetes de Estudo

Maquete de forma - 1/500

110

Condição actual - 1/500

Proposta 1 - 1/500

Proposta 2 - 1/500

Proposta 3 - 1/500


anexos III

Proposta 3 - 1/500

Proposta 3 - 1/500

111


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Maquete de área urbana - 1/1000

Proposta 1 - 1/1000

Proposta 2 - 1/1000

112


anexos III

Maquete de espaรงos - 1/200

Maquete de espaรงos - 1/200

Maquete de espaรงos; Pormenor do conjunto de asnas - 1/200

113


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Estudo de Fachada cerâmica do Potsdamer Platz Office Building (Renzo Piano) - 1/50

Estudo de Fachada cerâmica do Pavilhão Espanhol Expo 2005 (AZPML (FOA)) - 1/20

Estudo de Fachada cerâmica do Aragonia Complex (Rafael Moneo) - 1/20

114


anexos III

Estudo de Fachada cerâmica da Extenção do Oceanário de Lisboa (Pedro Campos Costa) - 1/20

Estudo de Fachada cerâmica do Terminal de cruzeiros do Porto (Luís Pedro Silva Arquitecto) - 1/10

Estudo de Fachada cerâmica do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (AL_A) - 1/20

115


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Maquetes Finais

Maquete Final - 1/200

Maquete Final; Piso 1 - 1/200

Maquete Final; Piso 0 - 1/200

116


anexos III

Maquete Final - 1/200

Maquete Final; Piso 1 - 1/200

Maquete Final; Piso 0 - 1/200

117


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Maquete Final; Secção Norte - 1/200

Maquete Final; Detalhe - 1/200

Maquete Final; Detalhe da escadaria - 1/200

118


anexos III

Maquete Final; Secção Sul - 1/200

Maquete Final; Fachada - 1/200

Maquete Final; Detalhe da Secção Norte - 1/200

119


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

Conjunto de peças de fachada e estrutura - 1/20

Conjunto de peças da fachada - 1/20

Conjunto de peças da fachada - 1/20

120

Conjunto de peças da fachada - 1/20


anexos III

Conjunto de peรงas da fachada - 1/5

Conjunto de peรงas da fachada - 1/5

Conjunto de peรงas da fachada - 1/5

Conjunto de peรงas da fachada - 1/5

121


A REGENERAÇÃO URBANA PELA Reconversão DE antigos ESPAÇOs INDUSTRIAis

122


anexos IV

Apresentação Gráficas do Projecto Final de Mestrado

123


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.