Guia de Apresentação - Os Passos da Paixão de Cristo

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INTRODUÇÃO Podemos encontrar, na cidade de Setúbal, cinco Passos da Paixão de Cristo que representam cinco das sete estações, da procissão com o mesmo nome. Quatro destes Passos são dedicados a Santos ou figuras religiosas que surgem na história da cristandade, nomeadamente na prática da Via-Sacra (Os últimos Passos de Cristo até ao Monte Calvário). Esta procissão é, ainda hoje, recriada pelos fiéis em diversas localidades do nosso País.

Os cinco Passos datam do ano de 1738, todos os edifícios são de características Barrocas e a sua arquitectura (métrica/geometria) cumpre com os cânones arquitectónicos barrocos, representando uma época, um espírito. Os objectivos desta dissertação passam pela protecção e salvaguarda dos edifícios que retratam os Passos da Paixão de Cristo, bem como a protecção do percurso que os constituía e sua envolvente.

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Perguntas que podem ajudar a compreender o tema e os objectivos a atingir, propostos pela presente dissertação: Quais as influências destes edifícios na malha do núcleo histórico da cidade de Setúbal?

Quais as razões sociológicas/religiosas inerentes à implantação dos edifícios em questão? É através do papel social da Arquitectura que se pretende, com esta dissertação, a consciencialização para a importância do património das nossas cidades.

Para a compreensão histórica deste património cultural apresentam-se, nesta dissertação, os diferentes papéis sociais de algumas instituições que, pela sua importância, contribuíram indelevelmente para a instituição desta manifestação religiosa na cidade de Setúbal. Destas instituições destacam-se a Ordem de Santiago, cujo Arquitecto João Baptista Barros foi o responsável pela projecção destes edifícios, a Santa Casa da Misericórdia de Setúbal e a Irmandade dos Passos.

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As directivas do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, IGESPAR, que referem: “Para a classificação de Bem Imóvel, o mesmo tem que ser distinguido pelo seu valor histórico, cultural ou estético e garantir a sua conservação, conferindolhe uma protecção legal e um estatuto privilegiado. A criação de zonas de protecção resulta da necessidade de proteger a envolvente próxima dos bens culturais classificados.”

No conjunto, estes edifícios, e pelas suas características arquitectónicas e tipológicas, representam um exemplo único desta manifestação religiosa no nosso País. Nas outras cidades onde se encontram exemplos tipologicamente semelhantes, ou não se encontram na sua totalidade, ou não apresentam as características estéticas e formais dos Passos da Paixão da cidade de Setúbal. Pela importância urbana dos Passos da Paixão, e a sua ligação às diferentes características da malha urbana do núcleo histórico, definidas pelas diferentes zonas, castas, da cidade de Setúbal, seria pertinente a protecção destes edifícios 4


ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL DAS RUAS DE SETÚBAL NO SÉC. XVIII

18 - Igreja de S. Julião

Instituto de Arquivos Nacionais – Torre do Tombo e a Planta da Vila de Setuval da autoria de Maximiano Joze da Serra, Sargento-Mor do Real Corpo de Engenharia, elaborada em 1805 – Museu de Setúbal/Convento de Jesus

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O ESPAÇO SAGRADO


A MANIFESTAÇÃO DO SAGRADO

O espaço sagrado, para o homem religioso, não é homogéneo. “O espaço sagrado é feito de rupturas, que definem as diferentes partes deste espaço, qualitativamente diferentes entre si e dos restantes tipos de espaço”. A igreja é, portanto, um espaço diferente da rua onde esta se encontra. Nesta diferenciação, as noções do dentro e do fora, ensinadas por Gaston Bachelard, ajudam à compreensão dos diferentes espaços.

No interior do templo o mundo profano é transcendido, a ligação física e espiritual, com a divindade consagrada no templo, torna-se possível. O templo é a porta para o alto, onde a Divindade se faz presente junto do fiel (teofania), e este ascende, simbolicamente, ao Céu, à morada divina, aproximando-se do seu Deus. O templo surgiu nas grandes civilizações antigas como uma representação terrestre de um modelo transcendente, como um lugar santo e casa dos deuses. O templo torna o lugar profano num espaço sagrado. 7


A SIMBOLOGIA DO ESPAÇO SAGRADO

Para os Cristãos a basílica, ou catedral, prolonga o simbolismo do espaço sagrado. A igreja Cristã é edificada para representar a Jerusalém celeste, reproduzindo o Paraíso ou o mundo celeste. Outro dos símbolos relacionados à experiencia religiosa é o labirinto, que simboliza a defesa de um centro. A protecção deste espaço fazia-se por complexos percursos, demarcados pela entrada, como símbolo de uma iniciação doutrinária.

O espaço de génese sagrada representa um ponto fixo, que nos orienta na homogeneidade caótica. Os Passos da Paixão são pequenos monumentos representativos do espaço sagrado, são pontos fixos que ligam o percurso procissional, através da Procissão dos Passos. Este itinerário, labiríntico, define um percurso, considerado sagrado na cidade de Setúbal. Representava um rito penitencial, onde os pecados eram expiados através da procura do caminho pessoal, através da simbologia da procissão. 8


A MANIFESTAÇÃO DE DEUS NO LUGAR SAGRADO

A igreja reflecte um espaço diferente da rua onde ela se encontra, como já foi dito anteriormente. Esta diferença é assinalada pela continuidade para a abertura ao espaço interior da igreja pela sua porta, símbolo da transição entre o profano e o sagrado. Ao limite entre estes dois espaços, chamamos limiar que os separa e que indica a distância entre estes dois modos de existir, profano e religioso. ELIADE, Mircea, in O Sagrado e o Profano [tradução Rogério Fernandes]. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 19.

Para os Católicos o limiar surge representado pelo purgatório, como ritual de passagem para o outro mundo. A expiação dos pecados, por parte dos fiéis, pela dramatização da via-sacra representava a ligação entre estes dois modos de existir o profano e o sagrado. Sem que exista uma manifestação de Deus ou uma hierofania, basta um pequeno sinal para que um lugar possa ser considerado sagrado. Muitos dos mitos fundacionais das cidades da antiguidade revelam este fenómeno. 9


OS PASSOS DA PAIXテグ DE CRISTO



PLANTA DA CIDADE DE SETÚBAL

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PLANTA DA CIDADE DE SETÚBAL

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PLANTA DE LOCALIZAÇÃO DOS PASSOS E DE EDIFÍCIOS DE RELEVO

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PASSO DE S. FRANCISCO XAVIER IPA Monumento Nº IPA PT031512010034

DESIGNAÇÃO Capelas dos Passos da Procissão da Paixão LOCALIZAÇÃO Portugal, Setúbal, Terreiro de S. António ÉPOCA CONSTRUÇÃO séc. XVIII ARQUITECTO João Baptista Barros MATERIAIS Cantaria de mármore e brecha da Arrábida, alvenaria, faiança de tijoleira, azulejos e telha, ferro e vidro.

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PASSO DO HOSPITAL DA MISERICÓRDIA (OURIVESARIA) IPA Monumento Nº IPA PT031512010034

DESIGNAÇÃO Capelas dos Passos da Procissão da Paixão LOCALIZAÇÃO Portugal, Setúbal, Rua Doutor Paula Borba ÉPOCA CONSTRUÇÃO séc. XVIII ARQUITECTO João Baptista Barros MATERIAIS Cantaria de mármore e brecha da Arrábida, alvenaria, faiança de tijoleira, azulejos e telha, ferro e vidro.

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PASSO DE S. CRISTÓVÃO IPA Monumento Nº IPA PT031512010034

DESIGNAÇÃO Capelas dos Passos da Procissão da Paixão LOCALIZAÇÃO Portugal, Setúbal, Rua Detrás da Guarda ÉPOCA CONSTRUÇÃO séc. XVIII ARQUITECTO João Baptista Barros MATERIAIS Cantaria de mármore e brecha da Arrábida, alvenaria, faiança de tijoleira, azulejos e telha, ferro e vidro.

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PASSO DE S. TIAGO IPA Monumento Nº IPA PT031512010034

DESIGNAÇÃO Capelas dos Passos da Procissão da Paixão LOCALIZAÇÃO Portugal, Setúbal, Largo da Verónica ÉPOCA CONSTRUÇÃO séc. XVIII ARQUITECTO João Baptista Barros MATERIAIS Cantaria de mármore e brecha da Arrábida, alvenaria, faiança de tijoleira, azulejos e telha, ferro e vidro.

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PASSO DE S. MARÇAL IPA Monumento Nº IPA PT031512010034

DESIGNAÇÃO Capelas dos Passos da Procissão da Paixão LOCALIZAÇÃO Portugal, Setúbal, Rua Frei Agostinho da Cruz ÉPOCA CONSTRUÇÃO séc. XVIII ARQUITECTO João Baptista Barros MATERIAIS Cantaria de mármore e brecha da Arrábida, alvenaria, faiança de tijoleira, azulejos e telha, ferro e vidro.

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A RELIGIOSIDADE NA CIDADE DE SETÚBAL


A IRMANDADE DOS PASSOS

A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA

A irmandade fazia-se representar pela Santa Casa da Misericórdia em Setúbal.

Responsável pela procissão dos Passos na cidade de Setúbal e pela realização das obras de misericórdia, tarefa que dividida com a Ordem de Santiago.

Foi instituída em Lisboa, no ano de 1586, no Convento da Graça por intermédio de Luís Alvares. A ORDEM MILITAR DE SANTIAGO

As leis de Desamortização e a consequente colocação dos Passos da Paixão em hasta pública. A Lei da Separação da igreja do Estado de 1911.

Poderio político-económico e influência da ordem, sediada em Palmela, sobre a então Vila de Setúbal. 21


A PROCISSÃO DOS PASSOS DA PAIXÃO DE CRISTO Procissão dos Passos em Setúbal, que se realizava no Convento de Jesus, no séc. XVII. Foi uma das primeiras procissões que retratavam os Passos da Paixão de Cristo, associada às irmãs que viviam em clausura no Convento de Jesus. Realizou-se, mais tarde, pelos populares até à Ermida do Senhor do Bonfim, tendo sido instituída por Frei António das Chagas em 1680 e recuperada em 1728.

A VIA – SACRA Como já foi dito, a via-sacra consiste em acompanhar espiritualmente o trajecto de Cristo desde a agonia no Getsémani até à morte e sepultura no Calvário (Gólgota). A sua prática desenvolveu-se depois das Cruzadas, promovida pelos Franciscanos. O Papa Clemente XII, em 1731, concedeu aos padres franciscanos a possibilidade de erguer a Via-sacra em qualquer lugar, igreja ou capela, mesmo que não pertencesse à sua ordem e jurisdição. 22


A PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO E DE SALVAGUARDA


OS CONCEITOS DE CONSERVAR, RESTAURAR E RENOVAR

CLASSIFICAÇÃO E SALVAGUARDA DO PATRIMÓNIO CULTURAL

O que significa conservar, restaurar, ou renovar?

O património é mais do que uma referência no espaço, é uma herança que deve ser compreendida e preservada.

As intervenções, num qualquer património com valor cultural, devem ser realizadas sem alterar a sua forma ou a sua génese, e através do uso das mesmas técnicas que foram utilizadas na sua criação. A procura da verdadeira natureza dos materiais é uma das principais razões pela qual devemos conservar, ou se quisermos também restaurar, sem renovar.

Cada vez vamos mais longe mas de forma inversa cada vez nos esquecemos mais, do aqui tão perto. O nosso património deve re-ligar de forma indelével a nossa cultura a cada um de nós. A salvaguarda do património deve ser, um “dever cívico básico” de cada cidadão como nos é relembrado na Carta de Bruxelas de 2009. 24


REFLEXÃO FINAL No início deste trabalho, interrogava-se sobre as influências morfológicas dos edifícios dos Passos da Paixão, na malha urbana do núcleo histórico da cidade de Setúbal e as razões sociológicas/religiosas inerentes à sua implantação na malha urbana desta cidade. De facto, não foram os Passos da Paixão que influenciaram a malha urbana de Setúbal, como já se previa, mas o contrário. Na verdade encontramos a resposta nas duas questões que iniciaram esta dissertação.

Foi neste período de consternação social, que a Procissão dos Passos, que se fazia à responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal, simbolizou uma conexão social entre as diferentes classes desta cidade. Os Passos foram implantados em áreas estratégicas da cidade, para que se abrangesse o maior número possível de habitantes, envolvendo todos os estratos em torno desta manifestação social e religiosa.

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Não é de estranhar o envolvimento da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal nesta manifestação do sagrado, pelo seu, importante, papel social na cidade e porque era a instituição religiosa com maior influência nesta cidade.

Assim, os conceitos desta tese de mestrado centramse na: •

Relação Urbana dos Passos da Procissão da Paixão com a envolvente histórica;

A Ordem de Santiago representava a mesma importância, na vida social e na realização das obras de misericórdia. A ligação entre estas duas instituições proveio da realização destas obras por intermédio dos seus hospitais.

Reabilitação e salvaguarda destes imóveis/património;

Proposta de classificação de património e zonas de protecção. 26


Deve-se acrescentar, que é na defesa do património que a nossa identidade perdurará e que outros a entenderão, lendo e aprendendo sobre todos nós no futuro. A sensibilização para a urgência da protecção do património cultural/arquitectónico que ainda se encontra ao abandono nas nossas cidades é a principal premissa desta dissertação.

Os edifícios apresentados neste trabalho não estão totalmente esquecidos, por via da insistência daqueles que amam o seu património. O nosso património receberá os frutos deste fervor e a nossa história, gostos, cultura, no fundo a nossa identidade, serão preservados…

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