Uma Epopeia na Liberdade JoĂŁo Pedro Moura
Uma Epopeia na Liberdade Alegoria da memória, as bacantes nas heterotopias e os kamikazes maneiristas na paisagem urbana.
São Paulo 2020 Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac - Santo Amaro como exigência para obtenção do grau de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador Prof. Dr. Ricardo Luis Silva
Agradecimentos Ondeando em pensamentos felizes e aliviantes, paro um momento para lembrar das boias que me apoiaram durante essa espetacular odisseia que foram os 5 anos de faculdade. Acima de tudo ao meu pai, Sidnei Moura, por ter me contaminado com todo seu conhecimento e me acudido durante as travessias de grandes tempestades. Sem ele para me colocar a bordo, não existiria esse trabalho. As minhas grandes amigas e ilhas emocionais que me acompanham desde sempre, sem vocês o João não seria e o Pedro, e o Pedro não seria o João, Bianca Soares, Gabriela Guindo, Samara Ferrari e Tatiana Riquetto Consul. As novas grandes amizades que subiram no barco comigo, atravessando momentos de crises e felicidades durante os 5 anos a bordo, Mariana Chagas e Victória de Almeida. Ao meu orientador e amigo, Ricardo Luis Silva, por ter me contaminado com todas suas inquietações da cidade, me convidando por diversas flanagens pela grande metrópole que redescobri durante os anos de curso A todos meus colegas de trabalho e oráculos do Theatro Municipal de São Paulo, por terem me contagiado com todas as suas paixões por teatro e pela memória, em especial aos meus mentores Beatriz Vicino e Stefan Salej Gomes, por todos ensinamentos e oportunidades. A Camila Campos, Carina Ruiz, Tatiana Moscheta, Thayna Pazzianotto pelos auxílios intelectuais e emocionais durante o desenvolvimento deste trabalho. E finalmente a Josué, por nossa tão esperada “quase trégua” depois de 24 anos de conflitos internos.
PRÓLOGO Resumo - A Eterna Alegoria EXTRA - Covid 19
p.12
p. 13
I Os 3 Espaços
p.18
O Espaço (Mal)dito?
p.20
O Espaço Extasiado!
p.26
O Espaço Genérico...
p.38
II A Liberdade de Foucault
p.48
O Teatro Atropelado p.50 As Bacantes no Bairro da Liberdade: Hades, Orfeu e Hermes se juntam na cópula de Dioniso p.76
III O Encontro desprentesioso com o Oráculo Kamikaze 01 - Deus Ex Machina Kamikaze 02 - O Argo Kamikaze 03 - O Estaleiro
p.90
p.94
p.100 p.118
Banho de Oxum - A fertilização do Espaço
p.152
EPÍLOGO À maneira de muitos, à maneira da cidade Bibliografia p.168 Lista de Imagens p.172
p.164
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prรณlogo
Resumo A eterna alegoria
O bairro da Liberdade, lugar de variadas arquiteturas e personagens históricos distintos, sempre esteve vinculada com a especulação social e/ou econômica vigente. Hoje, é um bairro bem característico, com raízes em uma história tendenciosa, servindo de especulação do capital interno e externo da cidade de São Paulo. Essa pesquisa nasceu com a vontade de resgatar as memórias de uma antiga praça e teatro do começo do século XX, demolidos para a construção da Radial Leste-Oeste. A Praça Almeida Jr. e o Theatro São Paulo foram palcos para um cotidiano bem efervescente por conta da modernização da cidade e, ao mesmo tempo, nostálgico devido aos constantes apagamentos que São Paulo sofreu por conta do progresso. Este trabalho se fundamenta em interpretações históricas desenvolvidas pelo historiador Nicolau Sevcenko; no conceito de Heterotopia do filósofo Michel Foucault, analisando o bairro da Liberdade como uma grande heterotopia durante os séculos; em conceitos teóricos e projetuais do arquiteto Rem Koolhaas; e em personalidades míticas da mitologia grega para elucidar e representar, poeticamente, os diferentes espaços/tempo de memória que compõem o bairro da Liberdade através de um complexo teatral na Praça Almeida Jr.
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O polígono delimitado pela Praça Almeida Júnior estará destacado em vermelho durante todos os mapas, tendo-se assim um melhor entendimento espacial das memórias que serão utilizadas na intervenção.
Praça Almeida Jr.
EXTRA COVID - 19
O presente trabalho foi desenvolvido, na maior parte do tempo, na pandemia do coronavírus. Desde março, teve-se a impossibilidade de se realizar visitas em campo, caminhadas especulativas pelo território, pesquisas em bibliotecas/ universidades e outras atividades além do isolamento social. Ainda é cedo para darmos uma resposta exata do que será o mundo pós pandemia. Poderá mudar completamente a maneira como nos relacionamos com arquitetura, piorando ou melhorando, já que além do vírus expor um problema sanitário sério, expõe também as crises que o neoliberalismo gera para sociedade, como o consumo exacerbado, a crise social, a autoprodução e cobranças para sempre sermos seres que produzem inconsequentemente. Algumas dessas crises são elucidadas em um dos espaços/tempo da Liberdade, sendo a especulação projetual final, talvez, uma tentativa singela de volta da civilidade tão características dos gregos. A aglomeração não é a razão do covid existir e sim é o veículo que se utiliza para crescer. Receio que se utilizem da pandemia para justificar a implantação de um sistema ainda mais prejudicial para a saúde mental das pessoas, continuando a super produtividade em massa que alimenta o sistema. É usar essa crise como uma forma de enxergar o espaço público e suas interações com as alteridades como causadores da pandemia.
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Essa pesquisa é uma eterna alegoria e cada um é capaz de perceber ela como convém, desde sendo algo que leve à uma alternativa/ solução para as crises ou uma eterna saudade dos tempos que não existirão mais.
Resume The Eternal Allegory
The Liberdade neighborhood, a place of varied architectures and distinct historical characters, has always been linked to current social and / or economic speculation. Today, it is a very characteristic neighborhood, with roots in a biased history, serving as a speculation of the internal and external capital of the city of São Paulo. This research was born with the desire to rescue the memories of an old square and theater from the beginning of the 20th century, demolished for the construction of Radial Leste-Oeste. Praça Almeida Jr. and Theatro São Paulo were stages for a very effervescent daily life due to the modernization of the city and, at the same time, nostalgic due to the constant blackouts that São Paulo suffered due to progress. This work is based on historical interpretations developed by the historian Nicolau Sevcenko; in the concept of Heterotopia of the philosopher Michel Foucault, analyzing the neighborhood of Liberdade as a great heterotopia during the centuries; in theoretical and design concepts by architect Rem Koolhaas; and in mythical personalities from Greek mythology to elucidate and represent, poetically, the different spaces / times of memory that make up the Liberdade neighborhood through a theater complex in Praça Almeida Jr.
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The polygon bounded by Praça Almeida Júnior will be highlighted in red during all maps, thus having a better spatial understanding of the memories that will be used in the intervention.
Praça Almeida Jr.
EXTRA COVID - 19
The present work was developed, most of the time, in the coronavirus pandemic. Since March, it has been impossible to carry out field visits, speculative walks around the territory, research in libraries / universities and other activities in addition to social isolation. It is too early to give an exact answer to what the post-pandemic world will be. It can completely change the way we relate to architecture, making it worse or better, since in addition to the virus exposing a serious health problem, it also exposes the crises that neoliberalism generates for society, such as exacerbated consumption, the social crisis, self-production and collections to always be beings that produce inconsequentially. Some of these crises are elucidated in one of the spaces / times of Liberdade, the final project speculation being, perhaps, a simple attempt to return civility so characteristic of the Greeks. Agglomeration is not the reason covid exists, but it is the vehicle used to grow. I fear that they will use the pandemic to justify the implementation of a system that is even more harmful to people’s mental health, continuing the massive super productivity that fuels the system. It is using this crisis as a way to see the public space and its interactions with otherness as the cause of the pandemic.
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This research is an eternal allegory and each one is able to perceive it as convenient, since it is something that leads to an alternative / solution to crises or an eternal longing for times that will no longer exist.
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I
Os 3 Espaços A Liberdade como Palimpsesto
Produtos e cheiros exóticos, luminárias vermelhas, cultura pop oriental e escritas em alfabeto não latino são algumas construções que, se juntarmos no imaginário dos paulistas, constrói-se a imagem do bairro da Liberdade. A construção simbólica, subordinada a elementos arquitetônicos orientais, foi propositalmente instaurada na região depois dos anos 60, associada a uma exploração turística e comercial da região. Antes disso, poderia-se dizer, que na São Paulo dos anos 30 a Liberdade era um lugar burguês enraizado no ecletismo europeu e, muito antes disso, era um lugar dos considerados marginais e lar dos, por assim dizer, ignorados da cidade de São Paulo. “A cidade de São Paulo é um palimpsesto” (TOLEDO, 1983, p. 67). Como um pergaminho antigo, sua história foi apagada de tempos em tempos para vincular-se com o interesse presente em determinado momento histórico. Porém, dentro de todo o perímetro central da cidade, que tem como âmago o triângulo histórico, a Liberdade é o lugar que mais sofreu raspagens propositais e que se escavarmos a fundo em sua história, enxegaremos no território presença destas ações. Os tempos em comum com a região da Liberdade foram condensados em três tipos de espaços diferentes: O Espaço (Mal) dito?, O Espaço Extasiado! e O Espaço Genérico... Cada um
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desses tempos nasceu pela presença de um, ou mais, elementos incorporados no espaço ou pela retirada dos mesmos. O Espaço (Mal)dito? nasceu da mudança da Forca para a Liberdade em aproximadamente 1789. O Espaço Extasiado! nasceu na inauguração do Theatro São Paulo no antigo Largo São Paulo, em 1914. O Espaço Genérico... surgiu com a chegada da Radial Leste-Oeste e a demolição de várias arquiteturas neste espaço, em 1967. Importante deixar claro que, por mais que esses tempos se colocam em cena nos anos especificados, resquícios deles ainda se encontram espacializados no bairro da Liberdade, por isso, por hora não possuem uma data de término. Durante o primeiro canto desta pesquisa, investiga-se cada um dos tempos que formam, o que é o bairro da Liberdade, sem preferências históricas, analisando todas as ocupações que esse território sofreu. Utiliza-se também do conceito de heterotopia apresentado por Michel Foucault (1967) no seu ensaio intitulado “De Outros Espaços” como forma de explicar suas relações durante o decorrer da formação do centro histórico da cidade de São Paulo.
O ESPAÇO GENÉRICO... 1967
O ESPAÇO EXTASIADO! 1885
O ESPAÇO (MAL)DITO? 1789
O Espaço (Mal)dito?
A primeira São Paulo se estabeleceu no que historiadores e pensadores denominam “O Triângulo Histórico”, sendo suas arestas as ruas XV de Novembro, São Bento e Direita. Nos vértices das arestas, localizam-se as ordens das igrejas que acolhiam seus respectivos seguidores e paulistas encaixados na sociedade, os conventos de São Francisco, São Bento e Carmo. A colina delimitada pelos conventos funcionava como uma espécie de Acrópole (TOLEDO, 1983), simbolizando todo o centro do vilarejo, com seus cidadãos fazendo parte cotidianamente da pólis de São Paulo. A priori, as pessoas/ cidadãos eram enterradas nas ordens das igrejas que faziam parte, para permanecerem mais próximas de Deus no seu descanso eterno. Para os que não eram considerados cidadãos — os negros, indígenas e imigrantes —, o destino desses grupos era de ser enterrado em um local distante ou nos confins da vila, preferencialmente fora dos muros da “Acrópole-Paulista”. Tratando-se disso, e resolvendo a questão da punição dos negros não obedientes com seu destino e o sepultamento dos mesmos, surgiu o O Espaço (Mal)dito? no Distrito da Glória.
Fig. 01 Largo S. Bento - 1862
Fig. 02 Largo S. Francisco - 1862
Fig. 03 Ordem do Carmo - 1874 20
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02 03
01 Ordem de S. Bento 02 Ordem de S. Francisco 03 Ordem do Carmo
Planta Histรณrica da Cidade de S. Paulo 1800 - 1874 Affonso A. de Freitas
Não apenas por seu afastamento da vila, a verruga urbana (SEVCENKO, 2004) que se impôs à Forca e próxima dela, o primeiro cemitério público da cidade — Cemitério dos Aflitos — a qual era um lugar para ser visto e temido, onde a geografia do terreno auxiliava na simbolização imposta de poder, como um sinal de alerta para os não cidadãos da vila. O pelourinho (hoje Largo 7 de setembro), O largo da forca (hoje Praça da Liberdade), O cemitério dos Aflitos (hoje um conjunto de prédios na Liberdade) e a Casa da Pólvora (hoje Largo da Pólvora) faziam parte de um conjunto da São Paulo colonial que compunha a sinfonia do espaço dos marginais, indigentes e esquecidos da “Acrópole Paulista”. No início do século XIX, com a mudança da corte e a nova era simbolizando o Brasil Império, a corte portuguesa, preocupada com a falta de influência perante as vilas e cidades longe das costas, encontrou-se necessitada a impor sua presença à esses territórios interiorizados (TOLEDO, 1983). Foi nessa época que os portugueses viram necessidade em construir mais lugares de repressão e poder, adentrando-se um novo conjunto dos mesmos no espaço maldito: Quartel da Legião dos Voluntários Reais, o Hospital Militar e a Casa da Câmara e Cadeia estabelecidos a norte do O Espaço (Mal) dito?, próximo ao pelourinho paulista. Além da presença do império português, São Paulo recebeu a visita de diversos artistas e cientistas para estudar aquela vila longínqua, resultando nos primeiros registros da metrópole e descrição dos paulistas, onde, em muitos casos, se compunha de uma de uma visão tendenciosa dos cidadãos.
Fig. 04 Pelourinho - Jean-Baptiste Debret - 1830
Fig. 05 Largo da Forca - Larissa Linder
Fig. 06 Matadouro de Humaita - Larissa Linder 22
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01 Largo do Pelourinho
04 Casa da Pólvora
02 Largo da Forca
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03 Cemitério dos Aflitos
Matadouro e Tanque Planta Histórica da Cidade de S. Paulo 1800 - 1874 Affonso A. de Freitas
Pode-se dizer que, no início do século XIX até seu final, acontece o ápice da era do Espaço (Mal)dito?, pelo afastamento de várias instituições problemáticas para aquele lugar (SEVCENKO, 2004), como o Hospital da Santa Casa, o Asilo dos Alienados e o Matadouro de Humaitá, que coloria de sangue as águas do anhangabaú até o Bixiga. Além dos negros, surgem novos grupos renegados que encontraram a paz naquele espaço expurgado da acrópole, os Indígenas e Imigrantes. Em especial aqueles que não seguiam a fé católica, decidiram morar em chácaras afastadas do centro da vila, já que não eram bem recebidos pelos cidadãos da pólis. A exemplo disso temos a Chácara dos Ingleses com uma história muito curiosa de sua ocupação (FREITAS, 1921), servindo de morada para o inglês Randemaker, de anexo ao hospital da Santa Casa a República de Estudantes. Cortiços, botequins e casas de diversão acharam seu lugar no meio do submundo dos renegados. Percebe-se que O Espaço (Mal)dito? não era apenas o lugar do sofrimento das almas renegadas. Naquele espaço expurgado, grupos que não se encaixavam acabavam por encontrar um lugar onde poderiam ser livres e viver tranquilamente das punições ou preconceitos dos paulistas da Acrópole. Era um lugar harmônico de condições geográficas com rios e córregos que faziam parte intrínseca do cotidiano dos habitantes (mal)ditos: “a molecada ainda descia a Rua São Paulo para ir nadar e se divertir, jogando peteca pelados nas águas do Tamanduateí.” (SEVCENKO, 2004, p.22).
Fig. 07 Chácara dos Ingleses - 1874 - Pedro Alexandrinho
Fig. 08 Morro da Forca e ao lado casa de Chico Mimi- 1874 - Pedro Alexandrinho
Fig. 09 Panorama da cidade de São Paulo - 1821 - Arnaud Pallière 24
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03
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01 Chácara dos Ingleses
Caminho das Crianças que jogavam peteca no Rio Tamanduateí
02 Casa do Chico Mimi
Caminho para Santos
03 Rio Tamanduateí
Planta Histórica da Cidade de S. Paulo 1800 - 1874 Affonso A. de Freitas
O Espaço Extasiado!
O triângulo histórico, da maneira como foi proposto e ocupado pelos jesuítas, fazia muito sentido nos primeiro séculos de vida de São Paulo. Sua posição geográfica de difícil acesso em relação ao território do estado, seu isolamento perante ao litoral e a Serra do Mar, seus rios meândricos e matas virgens que muravam a aldeia, conseguiam sustentar a vida pitoresca de um vilarejo comandado por padres que acreditavam em uma missão sobre-humana de catequização das almas doentes de religião e civilização. O pequeno adensamento paulista se manteve praticamente intocado por mãos estrangeiras durante séculos. Entretanto, o vilarejo foi ganhando notoriedade no início do século XIX, por conta do desejo da coroa portuguesa de se estabelecer politicamente em áreas mais isoladas do país. Mas o que realmente iria apagar a cidade colonial seria a repentina valorização de uma “toxina estimulante” (SEVCENKO, 1992) no curso da aceleração industrial: o café. O café, até meados do século XIX, era produzido apenas para consumo interno. Com a desvalorização das exportações, por exemplo as de algodão e açúcar, junto com a demanda por essa toxina estimulante pelas sociedades europeias já industrializadas, empreendedores e estrangeiros vislumbraram no planalto paulista uma oportunidade de enriquecimento. Além do rico solo, essa região espumava uma posição privilegiada e estratégica, sendo toda a safra escoada, administrada e manipulada na nova São Paulo industrial, permitindo “manobras especulativas fabulosas” (SEVCENKO, 1992). Dada a tamanha concentração de poder monetário e administrativo,
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São Paulo sofreu uma metamorfização urbana forçada tendo como lápis a Companhia Light. A empresa estrangeira usou do espaço público como uma folha de papel sem precedentes, manipulando o solo urbano para lucros próprios e redesenhando o centro de São Paulo com os interesses das classes dominantes. A paisagem pitoresca, que antigamente era o motivo para a cidade colonial existir, acabaram por se tornar seu próprio impedimento para expansão. Os rios meândricos, as colinas íngremes e as florestas virgens ficaram no caminho da dilatação da Acrópole Paulista. O Tamanduateí foi retificado e suas curvas alinhadas, aumentando o espaço para instalação de fábricas e aproveitando o rio para escoamento de resíduos. O Anhangabaú foi atravessado e retificado, surgindo primeiramente em seu lugar, um parque e o logo depois em um intervalo curto de tempo, incorporado no Plano de Avenidas de Prestes Maia. O automóvel era o novo luxo dos jovens extasiados de velocidade, mais do que um novo meio de se locomover pela cidade moderna, era um aparato místico funcionando como uma “moldura mecânica sofisticada de poder”(SEVCENKO, 2004). A “primeira perimetral” (MUZI, 2014), formada pelas Av. Ipiranga, Av. São Luís, Av. Maria Paula, Praça João Mendes, Av. Rangel Pestana, Parque D. Pedro II, Av. Mercúrio e Av. Senador Queiroz, foi proposta por Prestes Maia em 1930 na qual propunha resolver os constantes congestionamentos no triângulo histórico e conectar o centro de São Paulo com seus bairros perimetrais.
Rio Tamanduateí - Leito Original Rio Tamanduateí - Retificado 1930 Ribeirão do Anhangabaú e seus córregos canalizados
Planta Histórica da Cidade de S. Paulo 1930 SERASA - GEOSAMPA
As primeiras infraestruturas urbanas começaram a ser desenhadas, todas aos moldes europeus, especialmente inspiradas nos boulevards franceses, grande referência de uma metrópole na época. Essa urbanização organizacional também serviu de palco para recursos artificiais educarem a mentalidade e os corpos da sociedade paulista, aumentando o potencial de produção individual de cada um. A velocidade imposta pelos novos meios de produção fundamentava-se e ganhava força com os frescos modos de lazer da sociedade industrial, transmitindo a ação e a velocidade como parte do conjunto do que era “ser moderno”. Esses espaços de êxtase foram peças fundamentais para apoteose e mudança do comportamento de uma sociedade colonial para industrial. Praças, lugares de encontros, cafés, espaços de variedades e ruas comerciais tornaram-se veículos de exploração monetária, potentes para conversão da mentalidade paulistana. Como protagonistas, temos os grandes teatros de variedades que foram adaptados para transmissão da nova invenção que mudaria o jeito das pessoas enxergarem a cidade, o cinema: O Cine Teatro Colombo no Largo da Concórdia no Brás; O Cine Central na Avenida Anhangabaú; o Cine Teatro São Paulo no Largo São Paulo -
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teatro evidenciado nesta pesquisa; o Cine Teatro Santa Helena na Praça da Sé e o Cineteatro São Pedro na Barra Funda, sendo esse o único sobrevivente da expansão da metrópole nos anos 60. Essas grandes edificações existiram pelo sistema de “arredatamento”, o qual o especulador usufruia monetariamente do terreno da cidade com a construção das arquiteturas de êxtase, pagando mensalmente um aluguel para a prefeitura. No final do contrato, o edifício passava a ser parte da prefeitura, o que foi muito facilitado para o apagamento póstumo dessas edificações. Essas arquiteturas do êxtase e a nova interação social, fez surgir a multidão como novo personagem na metrópole, invocando a alteridade de seres anônimos que formam o novo corpo da sociedade industrial. A arquitetura de êxtase com maior relevância nesta época para o aparato da industrialização foi o Theatro Municipal de São Paulo. Além dos espetáculos mais nobres da cidade, a arquitetura do edifício invocava lugares internos de encontro burguês, como um grande desfile de personalidades da sociedade paulista.
Fig. 10 Theatro Colombo - 1920
Fig. 11 Cinema Central - sem data
Fig. 12 Theatro São Paulo - 1920
Fig. 13 Theatro Santa Helena - 1935
Fig. 14 Theatro São Pedro - 1919
Fig. 15 Theatro Municipal de São Paulo - 1920
São Paulo se estabeleceu como a cidade da massa e dos espectadores desse espetáculo a céu aberto. Os diversos corpos estranhos compunham a própria identidade da metrópole, extasiada com as novas tecnologias, passatempos e ações que contribuíram para o progresso. O culto a saúde corporal, exercícios e a toxinas do café eram vistos como articuladores essenciais para o contínuo desenvolvimento paulista do começo do século XX. Essa nova metrópole artificial, do culto ao corpo e da produtividade anabolizada pelo café serviu de modelo para o desenvolvimento industrial do país. São Paulo era uma verdadeira “exposição universal” a céu aberto (SEVCENKO, 1992). Trazendo elementos artificiais e carregados de símbolos, São Paulo é nostálgica mesmo sem identidade com sua polifonia de estilos arquitetônicos e urbanísticos. A constante chegada de imigrantes impulsionada pelo governo republicano contribuiria também para essa grande cidade de múltiplas identidades.
Fig. 15.2 Cartaz: São Paulo , Sinfonia da Metrópole
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Planta Histรณrica da Cidade de S. Paulo 1930 SERASA - GEOSAMPA
Com isso, a acrópole paulista restringida pelos seus vértices das três ordens religiosas começou o seu processo de dilatação, contaminando todos seus territórios adjacentes e os transfigurando para pertencer à nova metrópole extasiada. O vírus do café e da industrialização chega então ao Espaço (Mal)dito?, raspando sua heterotopia da segregação e incorporando o êxtase e o espetáculo da industrialização nos espaços apagados. O bairro começou com seus primeiros desenhos de ruas e calçamentos, apagando os espaços malditos que já não faziam mais sentido para a nova paisagem urbana. O cemitério dos Aflitos foi fechado, a chácara dos Ingleses foi demolida, o largo da forca se transformou na Praça da Liberdade e residências burguesas e lares de imigrantes, que agora eram vistos como contribuidores da máquina da indústria cafeeira, nasceram assim como o espaço perfeito para os corpos industriais saciarem sua sede por velocidade e deslumbramento coletivo. O Espaço (Mal)dito? mistura-se com a acrópole paulista e torna-se então o Espaço Extasiado!.
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ST. CECILIA
BRÁS
REPÚBLICA
SÉ
CONSOLAÇÃO
CAMBUCI
BELA VISTA
LIBERDADE
Primeira Perimetral Grandes Avenidas Conectadas
Planta Histórica da Cidade de S. Paulo 1930 SERASA - GEOSAMPA
Os espaços urbanos e edifícios que faziam o Espaço (Mal)dito? foram raspados ainda no século XIX da paisagem urbana e substituídos por lugares públicos de encontro e arquiteturas de êxtase. Nas praças e largos vemos ainda as antigas delimitações malditas desenhando esses lugares de êxtase: o Largo da Forca foi desativado e virou a Praça da Liberdade; o Largo do Pelourinho desativou seu lugar de julgamento e virou o Largo 7 de Setembro; A Casa da Pólvora foi demolida restando apenas o Largo da Pólvora. Em especial, temos o cemitério dos aflitos que foi loteado, transformando-se em residências burguesas. No entanto, a Capela dos Aflitos foi a única arquitetura maldita preservada, sendo envolta pelo novo entorno. No antigo lugar do hospital da Santa Casa, foi fundada uma escola de prestígio com a arquitetura eclética do escritório de Ramos de Azevedo. A chácara dos ingleses foi loteada, tendo sua frente de terreno transformada no Largo da Glória, depois no Largo São Paulo e Praça Almeida Jr. que recebeu uma arquitetura de êxtase marcando a nova Liberdade: o Cine Theatro São Paulo. A história detalhada desse lote será tratada mais adiante no decorrer do trabalho. O Espaço Extasiado!, diferentemente de seu antecessor, não apresen-
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tou as mesmas delimitações geográficas do seu falecido, sendo alguns lugares de memórias vinculados com a geografia do lugar, soterradas em nome do progresso. Em especial, as conexões tão presentes com os córregos do Anhangabaú, do Moringuinho e o rio Tamanduateí foram renegadas pelo Espaço Extasiado, já que simbolizavam um impedimento para o crescimento da metrópole.
01
Rua Tabatinguera Rua Condé do Pinhal
Rua Galvão Bueno
03
04 Rua Barão de Iguape
01 Largo do Pelourinho
Rua São Paulo
Rios Atualmente
03 Capela dos Aflitos
Rua da Glória
Rios Antigamente
04 Largo da Pólvora
Planta Histórica da Cidade de S. Paulo 1930 SERASA - GEOSAMPA
Fig. 16 Praรงa Liberdade - sem data
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Fig. 17 Theatro Sรฃo Paulo - 1952
02 01
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03
04 05
01 Praça Liberdade
04 Theatro São Paulo e Praça Almeida Jr.
02 Externato S. José
05 Lega Italica
03 Casarão
06 Casa de Portugal
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O Espaço Genérico...
A São Paulo dos anos 1960 ainda continuava seu processo de dilatação seduzida sempre pela ideia de progresso em marcha. Aficionados pela nova era da metrópole e assombrados pelos constantes problemas de escoamento de veículos nos “bairros centrais” (MEYER e GROSTEIN, 2010), as estratégias urbanísticas já começaram a ganhar forma no primeiro Plano de Avenidas de Prestes Maia em 1930. Entretanto, a Primeira Perimetral que conectava o centro com os bairros centrais, já não era mais suficiente para comportar a entropia crescente e fora de controle que era São Paulo. A ideia de uma segunda via perimetral foi lançada na mancha urbana central, com o objetivo de arrematar melhor os fluxos de veículos vindos dos bairros periféricos em constante crescimento. Essa perimetral externa à região do antigo triângulo histórico, constituída na parte sul pela Ligação Leste-Oeste; a noroeste pela Duque de Caxias e a Rua Theodoro; e a leste com a Av. do Estado no Parque D.Pedro II, atropelaria os bairros centrais mudando a estética física desses lugares, apagando parte da memória e produzindo espaços vazios de vida urbana. O constante movimento migratório das pessoas mais abastadas da área central para os bairros periféricos em busca de pitorescas paisagens nos bairros jardins, inspirados nos subúrbios americanos, contribuiu para o esvaziamento, trans-
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formação econômica e degradação do centro de São Paulo no final do século XX. Com isso as arquiteturas, filhas do Espaço Extasiado!, começaram o seu processo de esfacelamento no cotidiano da cidade e a atrapalharem o seu desenvolvimento, assim como as paisagens pitorescas do Espaço (Mal)dito? e nostálgicas do Espaço Extasiado! Bairros como a Bela Vista, Barra Funda, Liberdade e a paisagem do Rio Tamanduateí com o Parque D. Pedro II iriam sofrer com descaracterização de suas feições por esses novos traçados urbanos. Diversos teatros e cinemas de variedade do começo do século XX começaram a ser demolidos dando lugares a novos espaços comerciais ou avenidas. Por exemplo o destino de espaços já apresentados no Espaço Extasiado!: O Cine Teatro Colombo no Largo da Concórdia do Brás, também previsto para ser demolido para o traçado da Radial Leste, foi vítima de um incêndio criminoso em 1966; o Cine Central no Vale do Anhangabaú, demolido em 1947 para o traçado da Av. 23 de Maio e Prestes Maia; o Theatro São Paulo na Liberdade, demolido em 1967 para o traçado da Radial Leste-oeste; o Cine Teatro Santa Helena demolido em 1971 para as obras do metrô e o Theatro São Pedro na Barra Funda sendo o único sobrevivente, entretanto já bem degradado na época.
ST. CECILIA
BRÁS
REPÚBLICA
SÉ
CONSOLAÇÃO
CAMBUCI
BELA VISTA
LIBERDADE
Primeira Perimetral Segunda Perimetral
Fotografia Aérea São Paulo 2017 Google Earth
O Theatro São Pedro e o Municipal foram os únicos remanescentes dos teatros da década de 10, sendo tombados pela Secretaria da Cultura em 1984. Como a prefeitura era finalmente proprietária de antigos edifícios arrendados para exploração comercial, era como resolver diversos problemas em um só traçado. A prefeitura iria aproveitar o grande vazio urbano que esses edifícios iriam gerar para o nascimentos dos viadutos, tendo como questão, apenas a desapropriação das residências e paisagens urbanas que ficariam no caminho. A Liberdade receberia o traçado da Radial LesteOeste com conexão à oeste, com o minhocão, e à leste, a Av. Alcântara Machado e o futuro viaduto do Glicério. A continuidade histórica do Espaço (Mal)dito? com o baixo glicério foi submersa pela massas de viadutos sobre o Rio Tamanduateí. As residências e edifícios do Espaço Extasiado! foram sepultados levando consigo características importantes da São Paulo moderna como o Theatro São Paulo e todo cotidiano que alimentava a Praça Almeida Jr. Além de sofrer o atropelamento da via expressa seccionando o bairro, sofreria um processo de mudança de narrativa baseada em especulação turística e econômica.
Fig. 18 Radial Leste Oeste - 1971
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Radial Leste - Oeste
Planta Histรณrica da Cidade de S. Paulo 1930 SERASA - GEOSAMPA
Em 1939, o bairro da Liberdade começa a receber uma onda de imigração oriental, colocando-os já em cena com diversos imigrantes que já ocupavam o lugar, como os portugueses e italianos, reforçando o resquício do Espaço (Mal) dito? como o lugar dos estrangeiros. Os imigrantes europeus começam a ascender financeiramente e buscam outras localidades, dando espaço para massiva presença oriental do bairro. Cinemas com exclusividade em filmes orientais passaram a dominar a paisagem entre as décadas de 1950 a 1980 como os Cine Niterói, Cine Tokyo, Cine Nippon e Cine Joia. No entanto, grande parte deles não sobreviveram à crise dos cinemas de rua da década de 1980. (KISHIMOTO, 2010) Com as obras da Radial Leste - Oeste e as obras do metrô remodelando o bairro, surge dentro da comunidade oriental (lideradas por Randolfo Marques Lobato, jornalista e presidente de uma comissão de chineses, coreanos, japoneses e vietnamitas) um plano de orientalização do bairro da Liberdade em 1969. O poder público da época enxerga então uma oportunidade de exploração monetária e turística dentro da própria cidade, importando a ideia das grandes Chinatowns americanas como em Nova York e São Francisco. Dessa forma, foi aprovado o plano e a remodelação estética do bairro entrou em cena.
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Ocorre a substituição dos antigos postes nostálgicos da companhia light por modelos desenhados aos moldes orientais. Os viadutos que nascem em virtude da Radial Leste - Oeste são batizados com nomes de grandes personalidades japonesas As fachadas de vários edifícios foram pintadas e reformadas ao estilo oriental e nas entradas principais do bairro seriam colocados grandes arcos chamados de Tori. Nasce-se assim, o lugar que iria definir a estética do bairro até os dias atuais, O Espaço Genérico...
Fig. 19 R. Galvão Bueno - 2017 - Maria B Mascaro
Fig. 20 R. Américo de Campos - 2017 - Maria B Mascaro
Fig. 21 Jardim na R. Conselheiro Furtado - 2017- Maria B Mascaro
Fig. 22 Praça da Liberdade - 2017 - Maria B Mascaro
Fig. 23 Praça Almeida Jr. - 2020 - João Pedro Moura
Fig. 24 Avenida Radial Leste - 2020 - João Pedro Moura
A inserção do elemento pastiche do bairro da Liberdade é talvez o exemplo, dentro da Metrópole de São Paulo, mais escancarado que expõe a Cidade Genérica abordada pelo arquiteto Rem Koolhaas (2010) no livro “Três textos sobre a cidade”. As Cidades Genéricas são lugares que expurgam qualquer vínculo de identidade/ história no caminho da expansão econômica de uma metrópole: “A cidade genérica é a cidade libertada da clausura do centro do espartilho de identidade” (KOOLHAAS, 2010, p. 35). A Liberdade sofreu raspagens de memórias tão significativas desde sua formação que esse acúmulo de camadas apagadas a faz ser um lugar sem identidade, ou melhor, um lugar de uma identidade volátil, onde de tempos em tempos, molda-se como suporte para uma narrativa vigente. Essa falsa identidade do bairro também é vinculada com a Cidade Genérica. Ao mesmo tempo que ela descasca o passado recente, principalmente se considerado insalubre, ela vincula o lugar com um aparato histórico duvidoso para gerar uma exploração pelo turismo (KOOLHAAS, 2010). O elemento exótico e diferente, antes imunizado no Espaço (Mal)dito? torna-se consumo instantâneo. A Liberdade é um lugar que até os dias de hoje, é tão característico que chega a ser artificialmente controverso.
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01 Largo do 7 de Setembro
01 Praça Liberdade
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Praça Almeida Jr.
Rua São Paulo
ESPAÇO (MAL)DITO?
03 Capela dos Aflitos
02 Externato S. José
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Lega Italica
Rua da Glória
ESPAÇO EXTASIADO!
04 Largo da Pólvora
03 Casarão
06 Casa de Portugal
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II
Liberdade de Foucault A Heterotopia das Heterotopias
Ao levantar historicamente os diversos Espaços/Tempos inseridos no bairro da Liberdade, é evidente que, superficialmente, eles não parecem ter ocorrido no mesmo lugar. São diversificados e insolúveis uns aos outros, o que reitera que seus resquícios ainda se encontram espalhados por essa mancha urbana. Para a leitura deste território, assume-se o conceito de Heterotopia, apresentado no texto “De outros Espaços” de Michel Foucault (1967). Desde o surgimento da Liberdade como Espaço (Mal) dito?, espaços heterotópicos espalham-se pelo território contaminando e ressignificando algo, vinculados ou não com um interesse específico. No caso do Espaço (Mal)dito?, instituições de autoridades são colocadas naquele lugar para servir de referencial em relação à “Acrópole Paulista” servindo de um controle social: O Pelourinho, a Cadeia, o Cemitério dos Aflitos e principalmente a Forca. Até lugares que eram afastados do centro, por serem problemáticos para saúde pública, como o Matadouro. No caso da cadeia e do pelourinho, temos o que Foucault chama de “Heterotopia de Desvio” (FOUCAULT, 1967, p. 81) no caso são locais que surgem para conter comporta-
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mentos que desviam da ordem social imposta. Ao combinar isso com os lugares como o cemitério e também o matadouro (para Foucault é algo que a cidade precisa, devido à mudança de leitura de morte que passa a ser vista como uma questão sanitária que é necessária ser deslocada) constrói-se uma dependência do afastamento dessas instituições problemáticas e, ao mesmo tempo, vitais para manter a “Acrópole Paulista”. Enquanto o pelourinho julgava os crimes de todos e para os brancos a punição mais grave seria a cadeia, a Forca para os negros era a punição exclusiva, assim como as chibatadas. A Forca aqui surge como esse símbolo ambíguo para os negros e para os brancos. Era a sentença final para os escravos e negros rebeldes e um símbolo para os brancos aclamarem. Com a abolição da escravidão e o café contaminando o centro expandido, as arquiteturas malditas como o Pelourinho e a Forca sofrem uma metamorfose em praças públicas para os novos corpos extasiados pelo extensão da metrópole. No Espaço Extasiado! temos o surgimento de praças e parques como uma passarela para desfile dos burgueses. Foucault, no terceiro princípio fala: “A heterotopia consegue sobrepor, num
só espaço real, vários espaços, vários lugares que por si só seriam incompatíveis” (FOUCAULT, 1967, p. 82), aqui temos o exemplo do surgimento vertiginoso das arquiteturas de êxtase como os teatros/cinemas de variedades no começo do século XX em São Paulo. O Theatro São Paulo floresce na Liberdade no centro da Praça Almeida Jr. alimentando os corpos extasiados daquele bairro central da cidade. Com a explosão de imigrantes em São Paulo, esses sujeitos começam a inaugurar na cidade diversos estilos arquitetônicos endêmicos de outros lugares, tornando-a um lugar de vários lugares, sendo uma verdadeira Exposição Universal. A própria arquitetura do Theatro São Paulo satura elementos da árabes com seus pares de cúpulas orientais. No Espaço Genérico... temos esse pastiche da sobreposição de lugares elevados no grau mais ostensivo. Além da instalação de elementos orientalizados inaugurando uma memória tendenciosa e de exploração econômica, temos os diversos festivais “heterocrônicos” (FOUCAULT, 1967, p. 82), inaugurando essa heterotopia ligada à fugacidade do tempo, atraindo corpos sedentos pelo exótico para prestigiar essa
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apócrifa festividade com a promessa de te levar para o oriente, mesmo com seus pés em em terras ocidentais. Usar a heterotopia de Michel Foucault para caracterizar os tempos que formam a Liberdade é assumir esse território com seus nós embaraçados e construir uma nova imagem de alteridade múltipla no espaço. Esses nós não precisam ser desembaraçados, precisam ser expostos, análogos a eles mesmos, ressignificando a Liberdade como o lugar da múltipla alteridade e potencializadora da vida civita.
O Teatro Atropelado A Praça Almeida Jr. como investigação
O bairro da Liberdade é um lugar de vários lugares, um tempo de vários tempos, uma heterotopia de várias heterotopias, desorientando-se entre si, criando espaços morfologicamente desconexos. Dos lugares apresentados no decorrer da exposição dos três espaços que compõem o bairro, a Praça Almeida Jr. é o local que mais se metamorfoseou de acordo com a especulação social e/ou econômica vigente. No Espaço (Mal)dito?, a atual Praça Almeida Jr. era parte do lote da arquitetura colonial da Chácara dos Ingleses. O casarão tinha como vizinho da frente o cemitério dos aflitos e a Rua da Glória, principal saída da cidade para Santos. Havia como fundo a paisagem pitoresca do Rio Tamanduateí, reservado para as crianças que desciam a Rua dos Ingleses (hoje Rua São Paulo) para brincar com as petecas de Chico Mimi nas águas meândricas do rio. Essa morada serviu de vivenda para não cidadãos da “Acrópole-Paulista”, palco de atos extraconjugais, primeira residência da Instituição Santa Casa de Misericórdia, república de estudantes e morada de um delegado/ professor no seu último suspiro de vida. Seu primeiro morador foi o comerciante inglês John Rademaker, que após sua morte
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em 1820, foi vendido para o coronel João de Castro Canto e Melo. O coronel possuía como filha Domitila de Castro Canto e Melo, a futura Marquesa de Santos, amante do imperador Dom Pedro I. Pelo historiador Affonso A de Freitas, foi naquele casarão indiscreto que os dois pombinhos foram avistados pela primeira vez em concubina (FREITAS, 1921). A própria localização do casarão permitia as indiscrições do Imperador com a amante, utilizando de sua natureza de inserção urbana para ficar junto a futura Marquesa (SEVCENKO, 2004).
Fig. 25 Chรกcara dos Ingleses - 1823 - Edmond Pink
Fig. 26 Dom Pedro I - 1835 - sem artista definido depois de John Simpson
Fig. 27 Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa de Santos - 1826 - Francisco P. do Amaral
Em 1824, a Santa Casa da Misericórdia comprou o casarão e em 1825 instaurou sua primeira sede naquelas paredes coloniais. No mesmo ano, a pedido das autoridades, foi instalada ali uma Roda dos Enjeitados para aliviar as recorrentes tensões sociais conjugais entre as elites — esse antigo mecanismo era utilizado para abandonar recém nascidos, onde em forma de porta giratória aquele que abandonava a criança não era visto por quem a recebia. Índias vindas do aldeamento de Santo Amaro trabalhavam como amas de leite para os pobres abandonados, constituindo um posterior povoamento de indígenas nos baixos da Glória (SEVCENKO, 2004). Após 15 anos, em 1840, a Santa Casa abdicou e vendeu o edifício para se mudar para um maior na esquina da Rua da Glória com a Rua dos Estudantes, e o casarão se transformou numa frenética República de Estudantes.
Fig. 28 Roda dos Enjeitados
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01 Chรกcara dos Ingleses 02 Rua da Glรณria 03 Rua Conselheiro Furtado
04 Rua Sรฃo Paulo
O casarão foi palco das mais truculentas festas e foi morada dos romancistas Bernardo Guimarães e Álvares de Azevedo, tendo muito de seus romances escritos ali mesmo. Para o historiador Nicolau Sevcenko (2004), Álvares de Azevedo no seu livro “Noites na Taverna” usa como inspiração o casarão como o endereço do demônio na citação: “— Tenho uma casa aqui na entrada da cidade. Entrando à direita, defronte ao cemitério(…)” (SEVCENKO, 2004, p. 24). Durante toda sua existência, o lote do casarão foi constantemente desapropriado para urbanização como traçados de ruas e Largos. O desenho da Praça Almeida Jr. nasceu da divisão do lote da chácara dos ingleses em duas partes, aparecendo pela primeira vez do mapa da cidade em 1855. Primeiramente, foi intitulado pelos habitantes como o “Largo do Cemitério, pela sua proximidade com o cemitério, depois mudando respectivamente de nome para “Largo da Glória” e “Largo São Paulo” .
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O último morador do casarão foi o Conselheiro Furtado de Mendonça, professor da Faculdade de Direito e delegado cronista, que deu nome a atual Rua Conselheiro Furtado. Após sua Morte em 1890, a segunda parte restante do terreno original do casarão foi loteada e começou o processo de estabelecimentos de residências burguesas naquele mesmo local. Em 1895 o Largo São Paulo, correspondendo a primeira parte do terreno original da Chácara dos Ingleses, recebeu o Tendal de Carnes, um mercado e estoque de carnes de segunda linha que recebia as peças abatidas do novo matadouro localizado na Vila Mariana, hoje a Cinemateca Brasileira.
Limites Originais da Chรกcara Limites pรณs Rua Conselheiro Furtado Futura Extensรฃo da Rua Conselheiro Furtado
Planta Histรณrica da Cidade de S. Paulo 1881 Arquivo Histรณrico Municipal de S. Paulo
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Fig. 29 Tendal de Carnes - sem data
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Chรกcara dos Ingleses jรก demolida
Planta Histรณrica da Cidade de S. Paulo 1895 Arquivo Histรณrico Municipal de S. Paulo
No Espaço Extasiado!, pela alta demanda e exploração comercial de cinemas e teatros de variedades, em 1911 foi autorizado pelo prefeito da cidade o arrendamento do Tendal de Carnes para sua transformação em um teatro de variedades. O arrendamento consistia na concessão do edifício e do terreno por cerca de 25 anos, para exploração comercial e, logo em seguida, seria propriedade da prefeitura. O processo do Tendal de Carnes foi inspirado no mesmo procedimento do mercado de verduras no Largo da Concórdia para construção do Teatro Colombo em 1908. Ambos os recursos foram realizados pelo mesmo incorporador: Pedro França de Pinto, que junto com vários sócios — incluindo Carlos de Andrade, pai de Mário de Andrade, fundou a sociedade Gadotti e Cia em dezembro de 1911, sendo o prazo da sociedade equivalente ao arrendamento do terreno. O fornecimento de cervejas e outros produtos era exclusividade da Companhia Antarctica, na qual o próprio Pedro França de Pinto era sócio. As bebidas alcoólicas eram de suma importância para a manutenção do êxtase dos telespectadores.
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O projeto arquitetônico do edifício foi concebido pelo engenheiro-arquiteto Alexandre Albuquerque; e a construção encarregada pela empresa de Luiz Apostólico e Vicente Spisso. Durante a construção do edifício existiu impasses com a prefeitura para aprovação do projeto, especialmente na proteção contra incêndios. Um engenheiro da prefeitura exigia uma caixa d’água sob o palco para apagar um possível incêndio, e uma cortina metálica contra incêndios separando a boca de cena da platéia. As medidas foram questionadas pelo próprio Pedro de França Pinto ao argumentar que, no caso da cortina, se houvesse um incêndio ela iria enfurnar como uma vela de um navio, sendo de pouca serventia para proteção. Depois dessa turbulência para aprovação do projeto, o Teatro São Paulo localizado no antigo Largo São Paulo foi inaugurado em 28/01/1914 com um espetáculo privativo e bem elogiado pela imprensa. Além do grande espaço para os espectadores, contemplava também com o seu bar servindo as bebidas e sorvetes extáticos. Sua plateia era diferente dos demais teatros, pois seu assoalho poderia ser retirado para adaptar o teatro para circo.
Fig. 30 Theatro São Paulo ainda com suas cúpulas em estilo árabe -1914
Fig. 31 Theatro São Paulo - Vista R. Conselheiro furtado antes da reforma que iria mudar o nome de Largo São Paulo para Praça Almeida Jr.-1914
Em 1916, Pedro França Pinto vendeu sua parte da sociedade e, durante os próximos anos, as relações da firma de arrendamento iriam se complicando, sendo passado a maior parte da sociedade para a Companhia Cinematográfica Brasileira no ano de 1924. Muitas vistorias foram realizadas durante esse período e o anterior, revelando infrações de contrato com a prefeitura e a construção do edifício, dando início às obras de adaptação. Durante a Revolução Paulista de 1924, o Cine-teatro foi ocupado pelas tropas do general Isidoro Dia Lopes, onde sofreu bombardeios que o danificaram consideravelmente. Foi reaberto em novembro de 1924, com o período de arrendamento alongado por mais 15 anos. Em 1931, o Largo São Paulo mudou de nome para Praça Almeida Jr., de acordo com o pedido requisitado pela Sociedade Paulista de Belas Artes em homenagem ao pintor. Sofreu sua última reforma em 1944, sendo oficialmente passado para prefeitura naquele ano. A década de 50 é o período de mais vida do edifício. Estiveram reunidas apresentações de importantes artistas como Bibi Ferreira e foi palco para gravações das radionovelas de época.
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Carlos Salzer Leal, morador desde os dez anos do Espaço Extasiado! e da Liberdade, relata suas memórias de infância e jovem adulto que tiveram como palco a Praça Almeida Jr. Tive a oportunidade de encontrá-lo em fevereiro deste ano, onde me contou toda a sua história com o Theatro São Paulo, me passando suas fotos pessoais no cotidiano da antiga Praça Almeida Jr. Contou para mim que os habitantes do entorno a praça, sempre a intitulam de Largo São Paulo, mesmo com a mudança de nome em 1931. Sua história foi publicada no livro “São Paulo Minha Cidade.com - Mais de Mil Memórias”, realizado pela Prefeitura de São Paulo e pela Secretaria Estadual da Cultura em 2008, contando com mais de 1500 histórias escritas por 320 moradores da nostálgica São Paulo do começo e metade do século XX:
Fig. 32 Theatro São Paulo -1953
Fig. 33 Theatro São Paulo - Sala de Espetáculos -1917
“Em 1948, aos 10 anos de idade, vim morar na Rua Conselheiro Furtado, 373, situada no Bairro da Liberdade, bem em frente ao antigo Largo São Paulo; já naquela época com o nome de Praça Almeida Júnior. Era uma praça muito bonita entre as Ruas da Glória e Conselheiro Furtado toda ajardinada com muita grama, flores e árvores, tudo muito bem cuidado por um jardineiro da Prefeitura (Sr.Salvador) muito cuidadoso e orgulhoso do seu trabalho. Bem no meio da Praça, foi construído um majestoso prédio que funcionou por muito tempo como Teatro São Paulo, mas que já nos anos 40 passou a ser um belíssimo cinema, como aliás era comum, na maioria dos bairros Paulistanos. Nessa Praça me criei, ali, convivi com meus melhores amigos, onde brincávamos despreocupadamente. Ali, também, conheci minha esposa, vizinha que morava nesta Praça, a poucos metros da minha casa. No Cine São Paulo, assistimos aos nossos heróis dos filmes de cowboy, bem como dos seriados
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semanais. Com muito orgulho assisti à instalação da primeira linha de Ônibus Elétrico em 1950 (linha Pça. da República até a Praça General Polidoro na Aclimação), pois o Ônibus passava em frente a minha casa. Pude acompanhar o declínio dos cinemas com advento da televisão, que para tristeza de todos nós que ali crescemos, presenciamos o fechamento e abandono do nosso querido Cine São Paulo. Muito me comoveu a leitura dos depoimentos (Mappin, Salada Paulista, Cinemas da Av. São João, Av. Ipiranga, Praça da República...) de outros paulistanos que como eu, tivemos o prazer de viver naquela linda, elegante, maravilhosa São Paulo dos anos 40 e 50. Anos felizes, que guardo com muita alegria e prazer ao recordar as pessoas que eu gostava de admirar pela elegância e simplicidade com que se vestiam e cujas expressões eram de rostos descontraídos e despreocupados. (...)”
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01 Theatro São Paulo 02 Rua da Glória 03 Rua Conselheiro Furtado
04 Rua São Paulo
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Fig. 34 Theatro São Paulo - 1954
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Fig. 35 TFrente do Theatro São Paulo 1954
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Fig. 36 Esquina Praça Almeida Jr. - 1954
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Fig. 37 Fundos da Praça Almeida Jr. 1954
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Chรกcara dos Ingleses e Tendal de Carnes
Planta Histรณrica da Cidade de S. Paulo 1930 SERASA - GEOSAMPA
No Espaço Genérico... ,temos a decadência dos antigos cinemas e teatros de variedades, assim como a problemática distribuição de fluxos na região central da cidade. Entretanto, com o declínio dos cinemas de ruas, e a necessidade de outras reformas por conta de seu teto que ameaçava desabar, o Cine Teatro São Paulo foi interditado em 1959. Em seu último suspiro de vida, em 1966, foi ocupado por uma escola de bailados de danças folclóricas. Em 1967 foi demolido para a construção da Radial Leste-Oeste que mudaria mais uma vez a cara do Bairro Liberdade.
Fig. 38 Theatro São Paulo demolido em 1967
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Fig. 39 Vista aérea do Theatro São Paulo demolido
Os orientais, em exclusivo os japoneses, já eram os protagonistas da Liberdade, estabelecendo sua cenografia oriental com o Plano de Orientalização do bairro de 1969. A Praça Almeida Jr. ganhou os viadutos Mie Ken na R. Glória e o Shuhei Uetsuka na R. Conselheiro Furtado, acompanhados do conjunto de lanternas/ postes japoneses. Os espaços atônitos/ residuais que sobreviveram ao atropelamento da Radial LesteOeste tornaram-se lugares vácuos de vida urbana, porém com árvores gigantescas e plantas genéricas. A norte da praça, foi impedido o acesso pela instalação de um guarda corpo vermelho para negar a Radial Leste embaixo. A sul, o vácuo restante foi trabalhado com um desenho de praça e recebeu uma banca de jornal em sua esquina. Dentro desse resíduo, foi instalado um monumento pequeno de homenagem a Yoshio Takemoto, imigrante japonês escritor de livro didáticos e editor de variadas revistas japonesas de circulação em São Paulo. A Praça Almeida Jr. nos tempos do Espaço Genérico... não é atrativa. Seu entorno lateral ainda concentra alguns resíduos do Espaço Extasiado! como dois casarões ecléticos e o edifício da Lega Itálica, entretanto se encontram, em sua maioria, degradados e fechados. A esquina da com a R. Conselheiro Furtado é um espaço bem vindo para pessoas consideradas à margem da sociedade, como usuários de drogas e moradores de rua, talvez um resquício do Espaço (Mal)dito?.
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Fig. 40 Monumento na Praça Almeida Jr. - 2020 - João Pedro Moura
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01 Radial Leste - Oeste 02 Rua da Glรณria 03 Rua Conselheiro Furtado
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04 Rua Sรฃo Paulo
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Fig. 41 Praça Almeida Jr - 2020/ João Pedro Moura
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Fig. 42 Praça Almeida Jr - 2020/ João Pedro Moura
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Fig. 43 Praça Almeida Jr - 2020/ João Pedro Moura
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Fig. 44 Praça Almeida Jr - 2020/ João Pedro Moura
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Theatro São Paulo Chácara dos Ingleses e Tendal de Carnes
Fotografia Aérea de São Paulo 2017 SERASA - GEOSAMPA
Chรกcara dos Ingleses
Theatro Sรฃo Paulo
Radial Leste - Oeste
As Bacantes no Bairro da Liberdade Hades, Orfeu e Hermes se juntam a cópula de Dioniso.
Os três Espaço/tempo que ocupam o lugar da Praça Almeida Júnior e constituíram o bairro da Liberdade possuem uma amarração embaraçada, residual e constantemente torcida por elemento externos. Ao apresentar até aqui essas temporalidades, avisto uma oportunidade de transparecer esses tempos no território, por meio de uma arquitetura alegórica de um Teatro. Por isso, ao assumir a alegoria como representação das memórias trançadas da Liberdade, relaciono esses diferentes tempos com divindades/personagens e mitos clássicos do mundo grego. De certa maneira, esses personagens amarram-se entre si com suas sucessões de estórias, que serão brevemente comentadas.
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Para o Espaço (Mal)dito? utiliza-se o Deus grego do submundo e Rei dos Mortos — Hades. Usando como referencial o olhar dos cidadãos da antiga acrópole colonial paulista, O Espaço (Mal)dito? se relaciona melhor com Hades no contexto do submundo das almas expurgadas, de punição/ repressão e lugar de enterro dos renegados. No mundo clássico, as pessoas temiam Hades por ele ser o Deus do submundo, por isso o culto a esse Deus era raro e quando existia era às escondidas (MÉNARD, 1991). As representações de Hades eram sempre dele acompanhado de seu cão de três cabeças, Cérbero que simbolizava a primeira criatura e guardiã do Submundo. A visão de submundo como o inferno é atribuída a uma visão cristianizada, quando na verdade todas as almas para os gregos viajavam para o submundo e recebiam sua sentenças finais naquele lugar, podendo ser desde uma punição até uma vida de luxos e recompensas. O submundo de Hades é ambíguo assim como o Espaço (Mal)dito? para São Paulo.
Fig. 45 O Rapto de Proserpina - 1621 - Bernini 78
Para o Espaço Extasiado! utiliza-se o personagem já destacado pelo historiador Nicolau Sevcenko no Livro de referência do trabalho “Orfeu Extático na Metrópole” (1992) — Orfeu, filho de Apolo com a musa Calíope, tinha sua lira onde nada podia resistir ao encanto de suas melodias, levando até as feras mais violentas ao êxtase. A sociedade paulistana do século XX é tratada por Sevcenko por esse êxtase coletivo levando em consideração a intensidade da produção industrial, nas palavras do próprio autor: “No seu núcleo, ela narra como Orfeu, filho de Apolo e sacerdote de Dioniso era um músico tão prodigioso que, quando ele cantava e tocava a sua lira, todas as mulheres e homens, todos os animais, árvores, plantas e até pedras acorriam irresistivelmente atraídos, compondo um círculo ao redor para ouvi-lo. Ele seduzia mesmo deuses, monstros e criaturas infernais com sua música, socorrendo assim os Argonautas nos piores apuros de sua peregrinação, chegando inclusive a tentar resgatar sua mulher do reino dos mortos.(...)” (SEVCENKO, 1992, p. 17)
Fig. 46 Orfeu - 1777 - Antonio Canova 79
Para o Espaço Genérico... temos a presença do Deus grego Hermes, mensageiro dos Deuses, Deus do Comércio, dos ladrões e guia das almas dos mortos para o submundo de Hades. O espaço em si nasceu da especulação monetária, dada a construção da Radial Leste - Oeste e do aumento da velocidade dos meios de comunicação geradas pelo advento tecnológico. Em muitas literaturas, Hermes é a divindade que ajuda Orfeu no seu percurso para o submundo para resgatar Eurídice. De todos os deuses clássicos, Hermes apresenta as funções mais generalistas, sendo desde Deus dos Ladrões a Deus da medicina e outras funções. Apresenta-se também como uma divindade auxiliadora das outras, como uma espécie de assistente divino.
Fig. 47 Mercúrio - 1780 - Augustin Pajou 80
Para a temporalidade alegórica que se pretende desenvolver pela arquitetura de um teatro, utiliza-se o Deus Dioniso, Deus do Teatro, das festas, do tédio, da contemplação da vida. No mundo clássico, incluindo o mundo dos Romanos, as chamadas dionísias urbanas correspondiam à uma comemoração de caráter cívico-religioso com duração de dias para a sagração do ócio, do teatro, da festa e até mesmo amenizar conflitos gerados pela política. Nessa grande festa, todos as pessoas que habitavam a cidade participavam, até mulheres e escravos. Nascido como um renegado, Dioniso é um Deus errante pelo mundo que sai para conquistar fiéis com suas festas e sagrações de sua invenção de bebida de êxtase, o vinho. Conquistando espaços e seguidores, Dioniso vai arrebatando seus fiéis da mesma forma como Orfeu e sua lira de acordes encantados. As jornadas dionisíacas do mundo clássico eram também vinculadas com a capacidade de fertilidade e crescimento dos cidadãos dentro das pólis: “Mesmo no espaço limitado de um teatro, Dioniso rompe com os valores políticos vigentes, alarga as perspectivas e abre na alma dos cidadãos espectadores uma compreensão profunda sobre o valor sagrado da vida.” (DA ACKER, 2010, p. 72).
Fig. 48 Dioniso - Séc II d.c - Desconhecido 81
Hades e Orfeu se entrelaçam quando Orfeu, indignado com a morte prematura de sua esposa Eurídice, sai em busca de sua alma no reino dos mortos. Ele vai com sua lira seduzindo e encantando todas as criaturas terríveis que regem o submundo, capturando-as com seus acordes encantados. Consegue então chegar na sala do trono de Hades e Perséfone e mais uma vez com o som arrebatador de seu instrumento, convence o Deus dos mortos a liberar a alma de Eurídice, com a condição de que, enquanto atravessava seu caminho de volta, não poderia olhar para trás e ver se ela o continuava a seguir. Os dois vão seguindo para o mundo superior num silêncio absoluto, e quando vislumbra a atmosfera, Orfeu não resiste e olha para trás, testemunhando a alma de Eurídice sendo arrebatada mais uma vez para o mundo inferior.
Fig. 49 Orfeu e Eurídice - 1709 - Jean Raoux
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Hermes e Dioniso fazem parte de um nó muito firme. Zeus, em mais um de seus muitos casos extra conjugais, engravida a princesa Sêmele sem o conhecimento de Hera (esposa legítima de Zeus e Deusa do casamento). Ao saber da traição, Hera se disfarça de mortal e convence Sêmele de que Zeus estava mentindo por dizer ser quem ele era. Transtornada, e acreditando nas palavras do disfarce de Hera, Sêmele exige que Zeus revele sua verdadeira forma e prove que ele era o Deus dos Deuses. Ao atender a exigência, Zeus tirar sua camada que o faz ser mortal e revela sua forma divina, aterrorizando a princesa, que acaba morrendo dando a luz prematuramente à Dioniso. Zeus para proteger seu bastardo, o esconde em sua coxa para o bebê completar sua gestação. Pronto para nascer, Zeus entrega Dioniso a seu filho Hermes e pede para ele levar o pequeno para ser criado junto com as ninfas.
Fig. 50 Mercúrio confia Baco ao cuidado das Ninfas 1638 - Laurent de La Hire
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Essa arquitetura alegórica e o desejo de ser apresentada como um Teatro, surge como a única possibilidade de democratização dos nós embaraçados que a Liberdade possui. Foucault nos apresenta o teatro como um dos exemplos de heterotopia ao dizer que “A heterotopia consegue sobrepor, num só espaço real, vários espaços, vários lugares que por si só seriam incompatíveis. Assim é o que acontece num teatro, no retângu dem, um atrás do outro, um estranho ao outro” (FOUCAULT, 1967, p.82). Ao atribuir a heterotopia da Liberdade em função de sua construção/destruição de memória e a que um teatro representa, assume-se todas as identidade que o bairro possui, democratizando esses tempos apagados por atitudes tendenciosas no passado. Aqui, pego emprestado o conceito do que é o teatro para o diretor Peter Brook: “teatro é feito no vento, todos os dias se destrói, todos os dias se cria, não há fórmulas, não há preconceitos (...).O teatro é sempre uma arte autodestrutiva” (BROOK, 1970, p. 02); sendo o teatro essa espécie de Kamikaze contemporâneo com o poder de se destruir para lançar algo novo sob o pergaminho recém apagado do palco.
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A heterotopia lançada do teatro é habilitada para apresentar tanto um espaço de êxtase quanto um espaço político. O ato político democrático é inaugurado no mundo clássico, no entanto trata-se de uma democracia disfarçada numa segregação de gênero e escravocrata. As grandes salas de espetáculos dos teatro italianos e especialmente as que surgiram na belle époque, como o Theatro Municipal de São Paulo, surge como uma arquitetura que, além do vislumbre dos espetáculo, segregava em seus espaços interiores as ordens de visão da Sala de Espetáculos, assim como os espaços para perambular e se mostrar para a sociedade no meio do êxtase de adornos e luzes. Os teatros que surgiram nos anos póstumos, especialmente o grupo do Teatro Oficina tinham em seus espetáculos um caráter mais politizado, combinado com sua arquitetura capaz de trazer à tona as vontades de um espetáculo mais democrático e solto do retângulo do palco da arquiteta Lina Bo Bardi.
Fig. 51 Croqui para Teatro do Sesc Pompeia - Lina Bo Bardi
Além do Teatro Oficina, Lina Bo Bardi projetou o teatro do Sesc Pompeia orientando-se pelos antigos teatros gregos com o desejo dos espectadores se envolverem mais nos espetáculo. Assume-se até o mobiliário dito cujo “desconfortável” com o atributo de distanciar e envolver, e não apenas de sentar-se como os teatros de êxtase (BARDI, 2009). A potência do evento do espetáculo, quando associado a arquitetura do local, pode resignificar e gerar a politização de um espaço antes construído só para o êxtase. Tomo como exemplo o dia em que o Teatro Oficina apresentou o Roda Viva no Theatro Municipal de São Paulo. Por experiência, me coloco como um espectador arrebatado pela combinação do evento e da mensagem do espetáculo com a arquitetura eclética e extasiada do Municipal. O Roda Viva no Municipal é um marco de desconstrução e ocupação contemporânea durante as quatro horas performando nessa arquitetura símbolo da vida burguesa em 1911, em um espaço democrático e político em 2020. Foucault, termina seu texto falando que a heterotopia mais genuína é o navio, um pedaço flutuante de espaço (FOUCAULT, 1967), com a infinita possibilidade do mar abrindo caminhos diferentes em seu percurso que nos leva a lugares inesperados e arrebatadores. A analogia do barco como teatro
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e o teatro como barco, ao apresentar os dois como heterotopias, me faz ruminar das coisas que pessoas me dizem, ou as que leio, e acabam prendendo no emaranhado de nós que são meus neurônios. Já me disse o cenotécnico do Theatro Municipal de São Paulo, Jonas Pereira Soares: “Nos primeiros teatros, buscava-se contratar os marinheiros que manipulavam as velas das caravelas para controlar as varas das caixas cênicas dos teatros italianos, já que a engenharia por trás de um teatro se assemelha muito com a de uma caravela.” Leio relatos históricos do primeiro arrendador do Theatro São Paulo ao defender a não instalação de uma cortina metálica na boca de cena para proteção de incêndios, já que seria de pouca serventia onde a cortina iria enfurnar como uma vela de um navio. O Espaço (Mal)dito? era delimitado pelas curvas do Rio Tamanduateí e a São Paulo colonial era de certa forma, protegia por esse rio meândrico que hoje encontra-se hibernado na paisagem urbana da cidade. Surge aqui, uma vontade de vincular esse teatro com a memória do Rio Tamanduateí, resgatando os tempos apagados das crianças do Espaço Maldito, que desciam a Rua São Paulo para embarcar no pântano do Rio Tamanduateí e brincar de jogar as petecas de Chico Mimi.
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III
O Encontro desprentesioso com o Oráculo A Praça Almeida Jr. como especulação projetual
Durante um período desse trabalho, esboçou-se vários caminhos para realizar uma arquitetura que transpareça toda, ou parte, da carga poética emergida durante os Cantos 1 e 2 e, junto com eles, criar algo eufônico com o entorno da região da Liberdade. Os neurônios ruminantes perdem-se nesses emaranhados de referências, manifestações poéticas que poderiam ser materializadas em uma arquitetura, sem as vezes chegar em um determinado discurso. Vários partidos lançados no terreno, várias ideias sem força total e nenhuma com explosão o suficiente para, das cinzas das memórias dos três Espaço/tempo, desabrochar um outro cosmo para devolver à cidade. Um espaço do Teatro que, por meio das relações arquitetônicas estabelecidas, se manifestam os três Espaços que conformam a Liberdade: O Espaço (Mal)dito?, O Espaço Extasiado! e O Espaço Genérico... Acidentalmente — ou quase nem tanto — por estar trabalhando dentro de um teatro, sou contaminado com os conhecimentos dos vários oráculos que habitam o cerne do edifício. Diversos falatórios inocentes, eventos internos para espalhar os conhecimentos, a arquitetura labiríntica, são pequenos contágios que fazem ser um ótimo espaço para captar as muitas coisas que fazem um teatro. A proposta a ser apresentada contempla as decisões projetuais e estéticas para o novo espaço que a cidade irá ocupar, criando assim mais uma heterotopia para o bairro da Liberdade.
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Há, ao todo, três Kamikazes que são lançados no polígono da Praça Almeida Jr., os quais, separados, representam outras coisas. Ao utilizar o termo “kamikaze” no lugar de “partido” entende-se, além de uma oportunidade de poética às avessas, que os veredictos vão além de um clássico modo de partido arquitetônico. Os kamikazes eram pilotos de aviões japoneses carregados de explosivos, com a missão de se detonar e causar mais impactos em navios inimigos durante a 2ª Guerra Mundial. Suas mortes eram aclamadas pelo imperador, e ainda existia uma comoção e um incentivo pelos óbitos honrados, já que estavam se sacrificando pelo país. Uma fascinante antagonismo, já que da morte nasciam os heróis. Deve-se aqui, fazer uma ponte entre o surgimento de heróis na Epopeia de Homero — “Ilíada”, onde um dos protagonistas, Aquiles, manifesta sua honra abalada pelo seu inimigo Agamenon, expressando sua vida curta à sua mãe, Tétis: “Mãe, já que me geraste para ter vida curta, o Olimpio deveria pelo menos estender-me honra, Zeus troveja-no-alto; agora nem pouco me honrou. Sim, a mim o Atrida, Agamênom extenso-poder, desonrou: tem minha mercê que ele mesmo arrancou.”
(1,352-356) (HOMERO, 2018, P. 91)
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Os diversos nós do Espaço/tempo do polígono da Praça Almeida Jr e da Liberdade são confusos, complexos e muito característicos. Qualquer decisão que resolva harmonizar com o entorno da Liberdade, ao entendimento dessa pesquisa, é injusta com os outros tempos passados do bairro. O primeiro Kamikaze lançado no terreno é o mais importante, é o que irá ditar o ritmo arquitetônico do espaço, sendo ele extremamente chocante na paisagem. Além de toda ideologia dos kamikazes lançados, visualmente acredita-se que eles expõem com excentricidade a heterotopia urbana. Extravagante aos moldes de uma pintura maneirista, afinal de contas, está sendo exibido um lugar que foi chácara dos amantes, hospital, instituição de caridade, mercado de carnes, teatro burguês e avenida, em um intervalo de 147 anos. Os Kamikazes Maneiristas representam a transmutação de suas funções programáticas, arquitetônicas e fluidas de um terreno. O Deus Ex Machina, o Argo e o Estaleiro se acasalam e, pela força do evento de Oxum, os fazem serem todos amarrados.
O Deus Ex Machina O Deus surgido da máquina
Inquieto e com e com os neurônios cansados por essas diversas tentativas projetuais fracassadas, acidentalmente encontro o reviramento projetual em um dos muitos oráculos do Theatro Municipal de São Paulo, esse que com seu conhecimento cênico me auxiliou a entender o cerne de um teatro e suas semelhança técnicas entre navios e teatros barrocos. Singelamente, por meio de um evento, apresentou para mim e para os colaboradores as curiosidades dos teatros, entre elas uma técnica grega de resolução de narrativas inacabáveis, ainda utilizada nos dias atuais no cinema, intitulada de Deus Ex-Machina.
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Nos tempos clássicos, quando existiam narrativas teatrais intermináveis, ou sem uma resolução adequada, contavam com um artifício de um elemento absurdo como forma de encerramento da prosa. No caso, utilizavam-se de um ator ou uma estátua interpretando um deus, que descia em cena por meio de um guindaste rudimentar dando uma solução arbitrária para um impasse vivido pelo personagem ou pela narrativa. O recurso pendural dava uma impressão flutuante do divino, e funcionava majestosamente bem para disfarçar os impasses da narrativa. Nota-se o recurso amplamente usado em filmes blockbuster de alta bilheteria em Hollywood. Artifícios impressionantes que surgem e deixam os espectadores extasiados. A exemplo temos o famoso clássico “Mágico de Oz “do diretor Victor Fleming, de 1939; onde ao final da história, quando a Bruxa do oeste tenta atear fogo no Espantalho sem cérebro, Dorothy joga um balde com água na vilã, que simplesmente derrete sem nenhuma explicação.
Fig. 52 Mágico de Oz
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Fig. 53 Deus Ex Machina
O artifício narrativo do Deus Ex Machina é muitas vezes taxado como uma impossibilidade de resolução do final de uma narrativa já anêmica. Entretanto, os nós emaranhados dos Espaços/tempo do bairro da Liberdade são extremamente complexos. Há tantas narrativas heterotópicas que se juntam em uma verdadeira panela de ingredientes que não se misturam, que fica desgastante, sendo quimérico achar um modo harmônico para devolver o espaço para a cidade. O Teatro, suspenso pelo guindaste sob a Praça Almeida Jr., será um elemento visualmente impactante na paisagem, causando um incômodo visual no entorno do bairro da Liberdade. Esteticamente, o guindaste pousado será o mesmo utilizado em Estaleiros de Construções navais contemporâneas, relacionando-se com a heterotopia de Foucault e as semelhanças técnicas entre navios e teatros. Quando arrebatado pelo outros Kamikazes maneiristas, transmuta sua função de guindaste de construção para sustentar e dar suporte ao teatro necessário na Praça Almeida Jr.
Fig. 54 Guindaste de Pórtico
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Ganchos Movimentação vertical
TEATRO
Guindaste Movimentação Horizontal
Guindaste Proposto
O Argo Os muitos lados, os muitos espetáculos.
Suspender tecnicamente um teatro e especular arquitetonicamente sua disposição interna, é laborioso. Deliberar qual tipologia cênica ele irá ter para representar os Espaços/Tempo da Liberdade é de difícil apuração, já que, por mais que as memórias foram colocadas no mesmo pergaminho, entende-se que para elucidá-las em forma de teatro são necessárias tipologias cênicas diferentes. E sendo todos espaços heterotópicos, é prudente um teatro com tipologias miscigenadas. Frente a isso, e combinado com a referência projetual de Rem Koolhaas e OMA, foi projetado um espaço a maneira do projeto “Prada Transformer “realizado em 2009. Seria improcedente negar suas semelhanças estéticas e dispositivas. Entretanto, a disposição interna do novo teatro da Praça Almeida Jr. é o que constrói os diversos palcos para os diversos lugares. Pede-se licença ao dizer que, o Prada Transformer e o novo teatro são praticamente meios irmãos, tendo esse como “pai”, o Koolhaas e “mãe”, essa pesquisa.
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O “Prada Transformer” foi uma estrutura temporária erguida em 2009 no Palácio de Gyeonghui na Coreia do Sul, em Seul. Concebido com esses 4 lados, onde cada face seria um tipo de uso diferente para exposições de arte, moda e design sendo eles: Exposição, Cinema, Desfile de Moda. O objetivo disso era criar um espaço onde as artes poderiam se misturar. Na hora da movimentação, 4 guindastes eram utilizados para girar o edifício e mudar de acordo com o programa. Uma malha sintética branca transparente, usada para envolver e proteger peças de máquina, era como um tensionador para estrutura, enrijecendo a forma ainda mais.
Fig. 55 Prada Transformer
Fig. 56 Prada Transformer em movimentação 102
Fig. 57 Prada Transformer diagrama de uso
Fig. 58 Prada Transformer iluminado 104
O novo teatro da Praça Almeida Jr. foi batizado de Argo, referindo-se ao nau (antiga embarcação à vela) que, na mitologia grega, levou os argonautas em busca do Tosão de Ouro. É um edifício/composição onde todas suas faces são tipologias de teatro diferentes, sendo cada fronte uma representação arquitetônica dos Espaços/Tempo da Liberdade. No mito grego, todos os heróis reunidos tinham uma função como marinheiros, e no caso de Orfeu, com sua voz extasiante, tinha como obrigação cadenciar os ritmos de todos os remadores, da mesma forma que o Espaço Extasiado! com sua heterotopia do Theatro São Paulo, sendo o âmago de esmero da pesquisa, ritmou as outras faces a tornarem-se espaços cênicos.
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A Face A, tipologicamente um teatro de arena, caracteriza o Espaço (Mal)dito? e o Deus Hades. Traduz a gênese do teatro e remete aos grandes anfiteatros romanos de sacrificios e espetáculos de pão e circo, semelhante à atração doentia dos antigos paulistas aos enforcamentos dos escravos e negros de São Paulo. A disposição da Arena, permite o destaque centralizado do palco e dos atores, assim como a forca era um elemento de destaque, centralizado na antiga Praça da Liberdade. Como na Praça Almeida Jr, foi a Santa Casa de Misericórdia, possuindo a roda dos enjeitados em forma circular, pode-se colocar que a construção da Face A foi também traduzida nesse elemento também símbolo do Espaço (Mal)dito?
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A Face R, tipologicamente um teatro de palco italiano, caracteriza o Espaço Extasiado!, e o herói Orfeu, representando a tipologia clássica do teatro italiano encontrada no falecido Theatro São Paulo. A disposição escalonada e o palco a um nível elevado, distancia o espectador da cena, garantindo uma fragmentação entre o público e o palco. Os espectadores estão condenados à concentrarem seus olhares somente para o palco, o cenário e os atores em cena, possibilitando o maior afastamento entre os vizinhos de cadeira. O foco do olhar vidrado em um único elemento é a chave para o êxtase coletivo, como os “Antolhos”, acessórios posicionados na cabeça de animais de montaria para limitar a visão e força-los a olhar apenas para frente.
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A Face G, é talvez a mais controvérsia do Argo. Tipologicamente representa um teatro genérico, ou melhor, o Espaço Genérico... da orientalização da Liberdade, simbolizada pelo Deus Hermes. O Espaço Genérico... é fundamentado no texto de mesmo nome de Rem Koolhaas ao transparecer um lugar sem lugar, uma tábula rasa, sendo nas palavras do autor “Um quadro infinito negro onde cada hipóteste pode ser logo apagada, sendo um espaço virtualizado”. Representa uma morte do desenho e uma ascensão da virtualização dos teatros, ou da experiências do evento. A semelhança com Hermes vem daí, é o Deus da velocidade, sendo tão rápido e quase nunca visto por olhos mortais, sendo mensageiro e quem faz o trabalho de levar as almas mortas ao submundo de Hades. Quase como o traslado intelectual que a tecnologia nos proporciona. O teatro da face G foi pensado assim, um teatro de estrutura aparente fazendo o encaixe perfeito nos frontes A e R, sendo estruturador e preenchendo a geometria vazia criadas pelas faces A e R. Cria-se, então, um espaço de experiência virtualizada, sendo a tecnologia o palco para os diferentes espetáculos. Imagina-se os aqueus paulistas desfrutando com óculos de realidade aumentada e todas as tecnologias relativas à generalização da sociedade. Não há atores, já que não é necessário um intérprete para transparecer o lugar das experiências virtualizadas dos próprios cérebros dos espectadores.
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A Face O é o hexágono que, formalmente, une todos os outros. É graças a ele, que os outros A, R e G tem condições de se manifestar arquitetonicamente. Representa o teatro contemporâneo com sua liberdade de especulação do lugar cênico, simbolizado pelo Deus Dioniso e as festas gregas ao seu louvor. Aqui, espera-se figurar com a abrasileiração do Deus pelo diretor do Teatro Oficina Zé Celso. Como o teatro experimental de Zé e Lina Bo Bardi, busca-se uma transfiguração do humano através da experiência da festa e da aproximação do espectador com a cena, explodindo os muros como as outras arquiteturas criam. Esses dois fundem-se e um espetáculo do mítico é proporcionado no espaço. Foi imaginado que a face O explodiria para a futura praça, com suas rampas laterais e passarelas, contaminando os outros usos e o cotidiano da Praça Almeida Jr. Existe apenas um piso livre, permitindo a livre ocupação da cena pelos atores, proporcionando a mistura entre espectador e cena.
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O Argo movimenta-se a todo momento, sobe, gira, inverte seus usos, ancora, é puxado e pendurado, sempre ressoando os mesmos deslocamentos de acordo com o tipo de espetáculo. Assim como um navio, sua deterioração estrutural e estética é iminente, demonstrando marcas do seu uso com o tempo. Uma arquitetura quase suicida, um verdadeiro kamikaze compassado.
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A
R
G
O
O Estaleiro O ponto e vírgula
O Argo, suspenso pelo Deus Ex Machina, não representa nada se não estiver apto a ancorar na Praça Almeida Jr. para contaminar o lugar com suas coordenadas que levam para diferentes espaços. A Praça continua existindo fisicamente no território do Espaço Genérico..., entretanto como um lugar com quase nenhuma urbanidade. No Espaço Extasiado!, lugar de ponto de partida para essa pesquisa, a praça e o Theatro eram intimamente ligados numa relação de simbiose absoluta. Os moradores perimetrais à praça a alimentavam, viviam seu cotidiano e a usavam como ponto de encontro, aproveitando suas tardes e noites no Theatro São Paulo. A Radial Leste Oeste chega atropelando o antigo Theatro São Paulo e, com isso, decepa a Praça Almeida Jr. no meio, deixando o lugar desmembrado em duas partes.
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Porém, negar a Radial na praça é negar o Espaço Genérico que, por mais que tenha sido o responsável por acrescentar o espaço vazio na praça, existe na história de sua ocupação. Por isso ao lançar o Kamikaze 3, é inevitável que a Radial Leste - Oeste coexista com a nova camada de ocupação do espaço. Tecnicamente, aproveita-se o declive da própria avenida para mergulhar parte da Radial, fazendo-a atingir a mesma cota de nível que o viaduto do Glicério, conseguindo então liberar a cicatriz deixada pela avenida, incorporando-a na praça.
VIADUTO CIDADE DE OSAKA (Rua Galvão Bueno)
762 749
Nova Conformação Radial Le
Antiga Conformação Radial 120
Praça Almeida Jr.
este - Oeste
l Leste - Oeste
Viaduto Mie Ken - Rua da Glรณria
Praรงa Almeida Jr.
Radial Leste - Oeste VIADUTO MIE KEN (Rua da Glรณria)
VIADUTO SHUHEI UETSUKA
755
(Rua Conselheiro Furtado)
745 734
746 741
VIADUTO DO GLICร RIO
Se fez necessário também submergir a memória atropelada do Theatro São Paulo, marcando o antigo perímetro da edificação, retirando o retângulo ocupado pelo falecido, gerando um shaft aberto para a cidade. O vácuo em formato retangular constata a ausência clara de algo na praça que jamais poderá ser devolvido, criando uma conexão entre a Radial mergulhada e a praça pairada.
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Aqui surge a posição adequada para o pouso do Deus Ex Machina e o Argo, ambos pairados no exato vazio deixado pelo extinto Theatro São Paulo. O Argo, o novo elemento teatral inserido, nunca irá se encaixar sob o finado, permanecendo estático ali quando não estiver em funcionamento.
Trilho de Percurso do Deus E 124
Ex Machina
A âncora do Argo é posicionada em frente ao buraco do falecido Theatro São Paulo, um tablado com as formas geradas pelos pousos dos lados do mesmo. Um Retângulo e um Círculo misturados, originando hora uma espécie de zapata para pouso e adequação de peso do Argo e hora um espaço para os aqueus paulistas ocuparem da maneira como os convém. Paralelamente ao pouso, existem rampas suavemente inclinadas, gerando uma espécie de plateia para contemplação do Argo e dos eventos cotidianos dos aqueus paulistas.
Rampas/ Esplanadas 126
Nos flancos da Praça, que ainda permanecem nas cotas de nível das ruas laterais do polígono, planificou-se as mesmas chegando nas cotas correspondentes da cicatriz da radial. Assim como um Estaleiro de Construção naval, é todo rebaixado em referência ao nível da água para permitir uma enchente por esse piso, levando assim o navio para o mar. A Praça agora, é totalmente afundada em relação a cidade e pairada em cima da radial leste, liberando o lugar debaixo dos viadutos Mie Ken e Shuhei Uetsuka para ser urbanizado. Para acesso ao fundo do estaleiro, dispõe-se de um sistema de circulação horizontal e vertical, com 3 elevadores posicionados em cotas de nível estratégicas, em conjunto com passarelas que funcionam como ruas suspensas para contemplação da paisagem da nova Praça Almeida Jr.
128
01
02
01 Rua da Glória
Rua Conselheiro Furtado
Passarela: Nível 752.00 Passarela: Nível 749.00 130
Rampa: 746.00 - 743.00
02
Rua da Glória
Passarela: Nível 753.00 Passarela: Nível 751.00
Os paredões laterais do Estaleiro serão preenchidos internamente por usos, para alimentar o teatro e os eventos da praça. Setorizou-se de maneira generalista e sem especulação interna os lugares de suportes para o teatro, como a bilheteria, os camarins, o foyer/exposições, sanitários e administrativo, todos próximos ao lugar de ancoragem do Argo com o estaleiro. Também colocou-se usos que irão trazer a cidade para a praça, atenuando-se um uso pendular, surgindo o Centro de Estudos Cênicos, local de estudo de práticas teatrais, cenografia e iluminação, imaginando um complexo de estudos. Com isso, surgiu a ideia de retorno de estalagem perimetrais ao teatro, instalando-se assim cerca de 13 cápsulas de residências artísticas para estudantes/ atores ocuparem e viverem a experiência do Kamikazes.
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RESIDÊNCIA ARTÍSTICA
CAMARINS
W.C PÚBLICO
ESTUDOS CÊNICOS
DEPÓSITO CÊNICO
ADMINISTRATIVO
RESTAURANTE/CAFÉ
4,40
01 0,80
6,20
2,00 02
1,25
1,00 04
2,60
03
1,60
RESIDÊNCIA ARTÍSTICA
134
01 Dormitório
03 Varanda/Estar
02 Sanitário
04 Cozinha e Serviço
Ventilação
136
01 BILHETERIA
03 OCUPAÇÃO
02 FOYER
04 OCUPAÇÃO
01 03 02
O ESTUDOS CÊNICOS
O RESTAURANTE/ CAFÉ
04
O Estaleiro da Praça Almeida Jr. permite um tipo de fluidez e de atravessamento complicados se comparados com um urbanismo tradicional. Os elevadores e passarelas de acesso geram um fluxo de descida e subida para a cidade, mas pouco provável de atravessamento do polígono. A praça totalmente afundada em relação à urbe, representa quase como um “ponto final”, um destino de ir e voltar por uma razão determinada pelos usos afogados, ao invés da ideia de “vírgula”, do cotidiano da própria cidade transcorrer pela praça. Acontece que, ao proporcionar residências artísticas pendulares com o ambiente cênico, permite-se executar um “ponto e vírgula” no espaço, estabelecendo um cotidiano próprio do complexo teatral do estaleiro. Aquí, o Kamikaze transfigura repetitivamente o ponto em vírgula e a virgula em ponto.
A
ENTRADAS/ SAÍDAS - Nível Cidade
ENTRADAS/ SAÍDAS - Nível Estaleiro 138
B
753.00 751.00
743.00
741.00
746.00
Rua Conselheiro Furtado
744.00
Rua da Glรณria
755.00
741.00
744.00
746.00
752.00
749.00
o B
A
Corte AA
Rua Conselhe
140
Rua da Glรณria
eiro Furtado
Radial Leste - Oeste
Corte BB
142
Praรงa Almeida Jr
Praรงa Almeida Jr
Radial Leste - Oeste
144
146
148
150
152
154
O Banho de Oxum A fertilização do Espaço
O Espaço (Mal)dito? tinha fronteiras bem definidas de acordo com as curvas meândricas à leste com o Tamanduateí e à oeste com Ribeirão do Anhangabaú. As águas do Tamanduateí fazia parte do cotidiano dos habitantes malditos, onde as crianças brincavam de peteca em suas margens, as lavadeiras exerciam seus ofícios, enquanto o rio, como ser vivo, enchia e esvaziava suas margens. O Matadouro da Rua Humaitá coloria as águas do ribeirão de sangue, estabelecendo o ritmo do cotidiano dos habitantes malditos.
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Além das características análogas a elementos marítimos suportados pela heterotopia de Foucault, surge aqui, como oportunidade poética de trazer de volta o elemento da água na Praça Almeida Jr., retornando o cotidiano do elemento vindo na forma simbólica e poética de Oxum, como um modo de reacender as raízes pretas que foram apagadas do bairro da Liberdade. Oxum é a orixá das águas doces, da fertilidade, da beleza, vindo sempre vestida com seus vestes em amarelo ouro, simbolizando a riqueza imaterial que trás consigo. A representação contemporânea de Oxum escolhida para a Praça Almeida Jr., vem com a imagem da artista Beyoncé na concepção do seu álbum “Lemonade” de 2016. De anos para cá, Beyoncé vem se consagrando internacionalmente como símbolo de valorização e representação preta na cultura pop. O álbum visual Lemonade, acompanhado de um filme, é um resgate da ancestralidade negra da cantora, coligado com as religiões de matrizes africanas, assim como a exaltação da mulher negra na cultura ocidental.
Fig. 59 Beyoncé - Apresentação Grammy 2017
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Fig. 60 Beyoncé - Hold up
Fig. 61 Beyoncé - Hold up
Fig. 62 Beyoncé - Hold up
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Enquanto o estaleiro/praça existe por si só, é na potencialidade do evento de Oxum que o Deus Ex Machina e o Argo ativam-se no seu bailado mecânico. Uma cortina de água localizada embaixo do viaduto Mie Ken é ativada como uma sirene, ela anuncia o momento da dança dos elementos, o evento de que o Deus Ex Machina irá rodopiar o Argo e esse atracar no Estaleiro. O acionamento da cortina de Oxum estabelece um alerta a todos os aqueus no Estaleiro. A água invade a bilheteria e o foyer, escorre pelas escadarias, empoça nos espelhos d´água em frente ao elevador de entrada e no vazio do falecido Theatro São Paulo. Os aqueus são arrebatados por Oxum cadenciando o bailado mecânico dos Kamikazes maneiristas. As heterotopias manifestam-se, livres dos enrugamentos urbanos proporcionando a experiência do abrasamento.
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epĂlogo
À maneira de muitos, À maneira da cidade eu, Homero
Não acredito em conclusões, até porque sempre me entendi como alguém preso no eterno meio, compreendendo a arquitetura e a cidade com as mesmas características. Entretanto, por necessidades acadêmicas e para expressão dessa última volta de conclusão de curso, avisto a necessidade de manifestar uma reflexão a respeito dessa epopeia. Durante o desenvolvimento do trabalho, especialmente na concepção dos Kamikazes Maneiristas, refleti junto com o orientador as semelhanças e afinidades íntimas com os projetos de referência, especialmente a gênese do Argo com o Prada Transformer. Foram esboçadas diversas outras ideias não tão formalmente semelhantes ao projeto de Koolhaas, porém nenhuma era tão eficaz para criar o impacto que se pretendia. Admito as semelhanças entre os dois projetos, entretanto cabe ressaltar que isso tudo é fruto da pesquisa e de todas as especulações teóricas a respeito da heterotopia da Liberdade. A questão do Prada Transformer e do Argo é que o projeto de Koolhaas é muito característico, e, quando colocado ambos um do lado do outro, percebe-se a semelhança, entretanto como já falado os considero irmãos do mesmo pai, porém com mães diferentes.
? 168
Uma heterotopia é sempre o adicionamento de novos elementos, sendo eles condizentes ou não. A justificativa para utilização de tantas associações poéticas durante o trabalho vem disso. No caso da Liberdade, temos um local com ocupações descoincidentes, confusas e até singulares. A pesquisa nasceu com o fato poético curioso de uma avenida ter atropelado um teatro do início do século. Ao investigar historicamente o entorno do terreno, pelo olhar lírico de Shevchenko, avisto o lugar do antigo Theatro São Paulo com um oásis de memórias extravagantes. Durante todo o processo de estudo do terreno, e com as afinidades na mitologia grega, percebi as relações dos períodos com personificações clássicas, assim ao recorrer poeticamente aos gregos, começo a esboçar a gênese dessa pesquisa. A Ilíada, a epopeia mais conhecida, é um dos principais poemas épicos da Grécia antiga. O que poucos sabem é que não há comprovações que foi Homero quem a escreveu. A teoria mais aceita é que são vários cantos antigos conhecidos pelas memórias dos gregos sendo Homero apenas uma antena para essas histórias. Diversos historiadores contemporâneos até acreditam que Homero nunca existiu, é um mito criado pela Grécia para personificar as muitas histórias orais. Nesse encerramento de ciclo,
percebo que interpretei o papel de Homero no pequeno polígono da Liberdade, palco das ocupações histórias mais insolúveis que presenciei nesses cinco anos de curso e de outros lugares estudados. Contaminado pelas ideias Shevchenko, Foucault, Koolhaas, Zé Celso, Bernard Tschumi, Homero e Beyoncé, busquei demonstrar essa heterotopia da liberdade de forma exagerada, à maneira de muitos autores e referências, que a primeiro momento não se juntam, mas que boiadas em um contexto, significam uma verdadeira obra maneirista. São ideias sobrepostas em outras leituras que criam uma quimera mística contemporânea. De tão característica, de tão maneirista, de tão condensada em elementos poéticos árduos, revelam o nada, ou nos entendimentos de um quase arquiteto, uma metrópole como cidade de São Paulo. Esse trabalho é de cunho pessoal, não tendo pretensão de resolver arquitetonicamente nenhuma das questões sociais encontradas na Liberdade, mas é nele que me descobri como quase um Homero contemporâneo. Me desliguei de ideais que não mesclavam comigo e me deixavam aflito, me conectando com o estilo que eu mais inferiorizava, o maneirismo. É uma alegoria das minhas afinidades, uma alegoria da cidade, uma alegoria da liberdade.
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Bibliografia
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Lista de Imagens
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Pg. 22
Figura 04 fonte: Wikipediacommons Disponível: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f8/L%27Ex%C3%A9cution_de_la_Punition_de_ Fouet_by_Jean-Baptiste_Debret.jpg Figura 05 fonte: Disponível: http://makidea.com.br/wp-content/uploads/2017/03/largodaforca.jpg Figura 06 Fonte: http://makidea.com.br/wp-content/uploads/2017/03/anhangabau.jpg
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Pg. 24
Figura 07 fonte: (FREITAS, 1978, p. 22) Figura 08 fonte: (FREITAS, 1978, p. 24) Figura 09 Fonte: Brasiliana Iconografica. Disponível:https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/18251/panorama-da-cidade-de-sao-paulo
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Figura 10 fonte: Arquivo Histórico de São Paulo Disponível: http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine3p/img/colombo2.jpg Figura 11 fonte: Arquivo Histórico de São Paulo Disponível: http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine3p/img/central-livro.jpg Figura 12 Fonte: Arquivo Histórico de São Paulo Disponível: http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine3p/img/tsaopaulo.jpg Figura 13 Fonte: Arquivo Histórico de São Paulo Disponível: http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine3p/img/santahelenabmma1.jpg Figura 14 Fonte: Arquivo Histórico de São Paulo Disponível: http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine3p/img/tsaopedro.jpg Figura 15 Fonte: Fundação Energia e Saneamento Disponível: http://www.energiaesaneamento.org.br/boletim_2012/edicao_08/ELE_CEI_SSP_0690.jpg
Pg. 30
Figura 15.2 Fonte: Orfeu Extático na Metrópole pg. 161
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Figura 16 fonte: Folhapress Disponível: https://folhapress.folha.com.br/foto/629268 Figura 17 fonte: http://www.hagopgaragem.com/index.html Disponível: http://www.hagopgaragem.com/saopaulo/sp_diversos14/sp_div14_949.jpg
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Figura 18 Fonte: Museu da cidade de São Paulo Disponível:http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ExibirAcervo.aspx?cdAcervo=10
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Figura 19 Fonte: Acervo Maria B Mascaro Figura 20 Fonte: Acervo Maria B Mascaro Figura 21 Fonte: Acervo Maria B Mascaro Figura 22 Fonte: Acervo Maria B Mascaro Figura 23 Fonte: Acervo João Pedro Moura Figura 24 Fonte: Acervo João Pedro Moura
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Pg. 50
Figura 25 fonte: São Paulo do Passado Disponível: https://saopaulopassado.files.wordpress.com/2015/11/pedro-alexandrino.jpg Figura 26 fonte: Wikipedia Disponível: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portrait_of_Dom_Pedro,_Duke_of_Bragan%C3%A7a_-_ Google_Art_Project.jpg Figura 27 Fonte: Wikipedia Disponível: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Amaral-domitila-MHN.jpg
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Figura 28 Disponível: http://mimiteixeira.blogspot.com/2013/09/roda-dos-exposto.html
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Figura 29 fonte: Arquivo Histórico de São Paulo Disponível: http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine3p/img/tendal.jpgl
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Figura 32 Disponível: http://www.hagopgaragem.com/saopaulo/sp_diversos14/sp_div14_948.jpg Figura 33 fonte: Arquivo Histórico Municipal Disponível: http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine3p/img/cigarrasaopaulo1917.jpg
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Figura 34 Fonte: Acervo Carlos Salzer Leal Figura 35 Fonte: Acervo Carlos Salzer Leal Figura 36 Fonte: Acervo Carlos Salzer Leal Figura 37 Fonte: Acervo Carlos Salzer Leal
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Figura 38 fonte: Museu da cidade de São Paulo Disponível: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ExibirAcervo.aspx?cdAcervo=10 Figura 39 fonte: Arquivo Histórico Municipal Disponível: Acervo Físico
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Figura 40 Fonte: Acervo João Pedro Moura
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Figura 41 Fonte: Acervo João Pedro Moura Figura 42 Fonte: Acervo João Pedro Moura Figura 43 Fonte: Acervo João Pedro Moura Figura 44 Fonte: Acervo João Pedro Moura
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Figura 45 Disponível: pine#show
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Figura 46 Disponível: https://immortalitaromana.wordpress.com/2020/01/31/the-journey-begins/#jp-carousel-138
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Figura 47 Disponível: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8c/Mercury_Pajou_Louvre_RF1624.jpg
https://arthive.com/artists/5821~Gian_Lorenzo_Bernini/works/225863~The_Abduction_Of_Proser-
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Figura 48 Disponível:https://i1.wp.com/www.revistafenix.pt/wp-content/uploads/2016/09/11-Dionysos.-Louvre.-Wikipedia. jpg
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Figura 54 Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=acW-DG1OCDk
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Figura 55 Disponível: https://oma.eu/projects/prada-transformer
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Figura 56 Disponível: https://oma.eu/projects/prada-transformer
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Figura 57 Disponível: https://oma.eu/projects/prada-transformer
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Figura 58 Disponível: https://oma.eu/projects/prada-transformer
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Figura 59 Disponível: http://www.eventrey.com/watch-pregnant-beyonces-performance-at-the-grammys/
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Figura 60 fonte: Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=PeonBmeFR8o Figura 61 fonte: Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=PeonBmeFR8o Figura 62 Fonte: Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=PeonBmeFR8o