Entre Vales: iniciativas de preservação ambiental no Litoral Norte da Paraíba

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ENTRE VALES iniciativas de preservação ambiental no Litoral Norte da Paraíba.

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ENTRE VALES

iniciativas de preservação ambiental no Litoral Norte da Paraíba.

A chegada da década de 2020 trouxe consigo a utilização maciça da tecnologia móvel no dia a dia da população e com isso uma maior facilidade no ato de comunicar-se. No entanto, poucos imaginariam que a nova década também escreveria nos anais da história um dos capítulos mais tristes da humanidade: a disseminação de um vírus mortal, que paralisou o planeta causando transtornos desde pequenos à grandes aldeamentos populacionais, de forma a modificar a realização de atividades simples como aperto de mãos, abraços e ir à mercados fazer compras. Um dos reflexos foi justamente no setor de serviços, que segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contabilizou uma queda de 7,8% em 2020. Em meio ao novo panorama, a atuação dos profissionais de saúde e de comunicação tornou-se a principal aliada das pessoas que passaram a acompanhar atentamente cada boletim, nota ou jornal que trazia consigo atualizações sobre o cenário epidemiológico e as renovadas esperanças – em meio ao caos – da aplicação de vacinas e redução na mortalidade do SARSCoV-2, o novo coronavírus. Uma pesquisa de múltipla escolha do Datafolha, divulgada ainda no início da pandemia, revelou que o jornalismo profissional realizado por meio de emissoras de TVs, jornais impressos, rádios e sites de notícias foram as fontes de maior confiança para o tema, com índices que variaram de 38 a 61%, ante 12% de confiança em relação a informações sobre o tema vinculadas por Facebook e WhatsApp.

Panorama da feira livre e praça Padre João, em Mamanguape, durante a pandemia do novo coronavírus no ano de 2020. // Fotos: Joaquim Neto


ENTRE VALES

iniciativas de preservação ambiental no Litoral Norte da Paraíba.

A imunização chegou ao Brasil para a maioria dos estados em meados da segunda quinzena de Janeiro, com uma inicial letargia na aplicação em razão da alta demanda e inabilidade do Governo Federal, esta motivada devido a embates políticos e negacionismo por parte do presidente da República. O chamado “novo normal”, com novos hábitos após meses de total isolamento, foi o momento também de pôr em prática ações que já haviam sido planejadas antes da pandemia e durante a mesma. Muitas delas formadas a partir das observações sobre a necessidade de abolir ações que de tão comuns acabaram sendo consideradas como normais, a exemplo de embalagens de produtos industrializados em praias e assoreamento de cursos e mananciais d’água. algumas vezes ignoradas como por exemplo o depósito de lixo em ambientes inadequados e o resgate de mananciais de água. Tais ideais serviram como bússola para a elaboração de duas ações populares de preservação ambiental surgidas no Litoral Norte da Paraíba em meados de 2020 e que foram ganhando “forma” ao longo da pandemia. Ao longo desta reportagem, você irá descobrir como os projetos Barra Ecológica e Águas Potiguara têm conseguido criar mecanismo de preservação ambiental, e além disso, têm repassado estes valores a duas comunidades localizadas no Litoral Norte da Paraíba, em locais repletos de muitas riquezas naturais.

Unidade Mamanguape do Campus IV da UFPB e quiosques da Praça Padre João, em Mamanguape no ano de 2020. Início da década foi marcada pela pandemia do novo coronavírus. // Fotos: Joaquim Neto


Rio Mamanguape e Vales ao redor do seu trajeto, em Mamanguape (PB). Cjeia em Maio de 2022, após dez anos com baixo volume. // Foto: Joaquim Neto


| O VALE DO MAMANGUAPE

A região do Vale do Rio Mamanguape está situada no Litoral Norte e Zona da Mata paraibana, abrangendo um total de 12 municípios "cortados" por dois grandes rios: o Mamanguape e o Camaratuba. Área com presença marcante do povo potiguara, sua colonização foi marcada por grandes embates entre povos europeus e povos locais com objetivo de explorar a terra fértil, cercada por vales, e variada fauna. Segundo o IBGE, o Vale tinha em 2021 uma população estimada de 161.850 habitantes distribuídos em pouco mais de 2 milhões de km².

Parte deste território composto por áreas de preservação ambiental públicas e privadas, duas delas com destaque nacional em função da sua importância: a Reserva Biológica Guaribas e a Área de Proteção do Rio Mamanguape, ambas sob administração do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Mas como em qualquer lugar, nem tudo são belas flores.


| O VALE DO MAMANGUAPE

Esta região possui grandes monoculturas de cana de açúcar que nem sempre trazem alegrias as populações, já que há o uso muitas vezes exagerado de agrotóxicos nos solos que margeiam os fluxos d’água apresentam ameaças não apenas às pequenas povoações como também as cidades. Somado a este fator, a falta de coleta de lixo regular em alguns povoados e a existência de lixões por anos, trouxe para a área um visível contraste no que tange a preservação do meio ambiente.

Rio Mamanguape e Vales ao redor do seu trajeto, em Mamanguape (PB). Imagem captada no primeiro semestre de 2022, antes da cheia. // Foto: Joaquim Neto


| O VALE DO MAMANGUAPE A instalação do Campus IV da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com unidades no municípios de Mamanguape e Rio Tinto, tem sido de fundamental importância para debates acerca de tais temas, já que houve a implantação de cursos como Ecologia, Antropologia e Administração. Artigos produzido por mestrandos do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Monitoramento Ambiental (PPGEMA), que atuam como ecólogos no projeto Viva o Peixe Boi Marinho, na APA do Rio Mamanguape, foram publicados recentemente em revistas científicas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Elaborados por Sebastião Silva e Iara Medeiros, os estudos possuem alto impacto e abordam questões ligadas a preservação dos ambientes onde há existência do mamífero aquático, com destaque para a foz do Rio Mamanguape e suas adjacências, evidenciando também os impactos da destruição dos manguezais na vida destes seres.

Campus IV da UFPB. Unidade Mamanguape, no bairro Engenho Novo. Imagem captura em maio de 2022. // Foto: Joaquim Neto


Panorama da Barra do Camaratuba, em 11 de Março de 2018. Imagem captada na falésia as margens da foz do Rio Camaratuba. // Foto: Joaquim Neto


Moradores se unem para recolher lixo estrangeiro de praias desertas A Barra do Camaratuba, vila de pescadores do município de Mataraca, é conhecida nacionalmente em razão das suas belezas e calmaria. O local possui infraestrutura com bares, restaurantes e pousadas, bem ao norte da Paraíba, a 108 quilômetros de João Pessoa e 117 de Natal. A região também é conhecida pelo potencial para energias renováveis, já que desde 2007 possui parques eólicos formando um complexo com mais de 70 turbinas e capaz de abastecer anualmente 104 mil residências segundo a empresa SPIC Brasil, multinacional responsável pelas torres. "Boca da Barra", na vila da Barra do Camaratuba, em Mataraca (PB). Ao fundo, reservas indígenas de Baía da Traição. Foto em março de 2022.// Foto: Joaquim Neto.

Em agosto de 2020, um grupo de amigos começou realizar caminhadas na beira mar de Mataraca. A cada atividade física, percebiam o aumento da quantidade de lixo trazido pela maré, inclusive rótulos que indicavam que o material não era advindo de municípios vizinhos, mas sim de outros países como por exemplo Filipinas e China. A partir disto houve a ideia do grupo reunir-se não apenas para caminhar, mas também para iniciar uma limpeza frequente nas areias das praias locais, iniciando-se na Vila da Barra. Surgia então, no mês de setembro, o Barra Ecológica.


Amanda Assis, 30 anos, é uma das ativistas do projeto. A jovem professora detalha que em 2020 as ações eram realizadas em número reduzido de pessoas, motivado pela pandemia do novo coronavírus. Com o avanço da vacinação, a equipe passou a comportar um maior número de pessoas e as atividades passaram a abranger a praia da Pavuna, próximo a divisa natural com o estado do Rio Grande do Norte. Segundo a professora, há sempre uma variação no número de recipientes encontrados já que eles são depositados pelo mar. “A quantidade de resíduos sólidos encontrada é bem variável. Há semanas que as correntes marinhas trazem mais lixo, em outras, devido ao movimento da maré alguns desses materiais podem ser aterrados, sendo desaterrados em seguida pelo próprio mar em um movimento natural. Mas infelizmente sempre há algum tipo de lixo na costa”, desabafa. A parceria com órgãos públicos e a população em geral auxilia a propagação das ações. Alguns comerciantes locais têm contribuído ao longo da criação do projeto com o transporte do material recolhido até a sede do povoado, ofertando veículos próprios como quadriciclos. O poder público, a exemplo da prefeitura municipal também já auxiliou com a retirada do material encontrado. Equipe de voluntários do projeto "Barra Ecológica" realizam limpeza na Lagoa do Pavuna, em 2021. // Foto: instagram @barraecologica. ...


Lixo ao longo da orla da Barra do Camaratuba, em 2021. . // Foto: instagram @barraecologica

Lixo ao longo da orla da Barra do Camaratuba, em 2021. . // Foto: instagram @barraecologica

Um dos frutos de tanta luta é a sede do projeto, localizada em box instalado no Museu Casa de Farinha, que passou a ser utilizado como sede do projeto. O espaço foi alugado e inaugurado em 2022, servindo como ponto de apoio para as ações, onde o público pode agendar visitas e conferir de perto alguns dos materiais encontrados pela equipe do Barra Ecológica nas caminhadas. “Estamos realizando ações que envolvem além das caminhadas também atividades de educação ambiental. Agora temos uma sede onde recebemos visitas, expomos alguns dos materiais encontrados nas caminhadas e também fazemos uma reflexão sobre o ambiente costeiro e a importância de preservá-lo”, enfatiza a docente.

Lixo recolhido ao longo da orla da Barra do Camaratuba, em 2021. . // Foto: instagram @barraecologica

Lixo ao longo da orla da Barra do Camaratuba, prejudica vida marinho.. // Foto: instagram @barraecologica


Sede do projeto Barra Ecológica . // Foto: instagram @barraecologica

Entrevistada Amanda Assis, na sede do projeto Barra Ecológica . // Foto: instagram @barraecologica

As caminhadas e outras ações são marcadas quase sempre pela rede social Instagram, plataforma digital que é responsável pela “prestação de contas” do projeto, ou seja, onde são divulgados os frutos da iniciativa. Exemplo é a publicação de conteúdo com um verdadeiro tapete, formado por tampinhas de garrafas encontradas ao longo de seis meses nas praias próxima ao vilarejo da Barra do Camaratuba. “As tampinhas são uma pequena amostra da poluição desse material nos oceanos. Infelizmente é bastante triste saber que a quantidade recolhida é uma pequena porcentagem em relação ao número real poluente”, discorre a beletrista, em desabafo. Há poucos quilômetros dali está a Aldeia indígena Potiguara “Alto do Tambá” no vizinho município de Baía da Traição, onde atua o projeto Águas Potiguara.

Manguezal na Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) da foz do Rio Camaratuba, em Mataraca (PB) // Foto: Joaquim Neto.


Rio do Aterro, na Baía da Traição. // Foto: Joaquim Neto.


Rio ressurge em Território Indígena A Baía da Traição é uma das povoações mais antigas do estado da Paraíba, e teve este nome cravado ainda no século XVI. A história mais popular sobre a origem do topônimo é a narrada em 1501 por Américo Vespúcio por meio de uma carta ao rei de Portugal, Manuel I. No conteúdo, foi relatado que os exploradores navegaram por vários dias, até encontrar um porto seguro. Ao avistar as terras paraibanas, mulheres acenavam do alto de uma falésia. Resolvem então enviar quatro homens para o local. Em meio a conversa com as mulheres, foram surpreendidos e terminaram mortos a pauladas pelas costas, assados e devorados.

Ainda no Brasil Colônia e na época imperial, tornou-se um local estratégico em razão de sua boa localização geográfica. De acordo com Adailton Coelho Costa, na obra “Mamanguape Minha Terra”, até a década de 1950, a Baía e outros 10 municípios da região estavam inseridos no território de Mamanguape, como distritos. Pesquisadores apontam que uma das principais razões para o desmembramento dos distritos foram as desavenças políticas entre as famílias Fernandes de Lima e Lundgreen, respectivas proprietárias do Açúcar Alegre e da Companhia de Tecidos Rio Tinto, esta última ligada as lojas de varejo Casas Pernambucanas. Em 1962, após duas tentativas sem sucesso, a Baía torna-se município.

Canhões na Aldeia Forte, em Baía da Traição. // Foto: Joaquim Neto.


Dados do projeto “Trilha dos Potiguaras”, lançado pelo governo do estado da Paraíba, apontam que Traição forma junto a Rio Tinto e Marcação uma importante área indígena no litoral do Vale do Mamanguape, com dimensões que margeiam o Oceano Atlântico e rodovia federal BR 101. São no total 33.757 hectares que abrangem 32 aldeamentos recheados de cultura e respeito aos povos originários, fato que chama atenção da população exterior a região do Vale e auxilia no turismo de base comunitária com visitas muitas vezes guiadas a terrenos considerados sagrados, curso d’água cristalina como a nascente do rio Sinimbú (rio do Gozo), Lagoa Encantada e falésias intocadas que formam uma paisagem repleta de verde e barro multicolorido. Panorama do centro de Baía da Traição a partir do farol, construído na década de 1920. // Foto: Joaquim Neto.

Na Aldeia Alto do Tambá, situada a cinco quilômetros do centro da Baía, o Rio do Aterro tornou-se ao longo dos anos um dos locais com mais relações afetuosas na comunidade. O curso d’água foi responsável por garantir até mesmo a manutenção de diversas famílias na área: devido sua perenidade, era muitas vezes a única fonte para realizar atividades domésticas como tomar banho e lavar louças e roupas. Além disso, sua várzea ou paô serviam para o cultivo de frutas e legumes a exemplo de milho, macaxeira, feijão e arroz. É o que relata com detalhes, o senhor Marcos Antônio Gomes, 58 anos, o ‘Seu Toinho’.


Seu Toinho. // Foto: Joaquim Neto.

Agricultor conhecido como ‘veterinário do povo’, ele faz parte de um grupo que vêm realizando um processo de limpeza no rio. “Não tinha emprego, mas sobrevivam da produção da agricultura. Não era dinheiro para enricar, mas tinha o que comer. Tinha macaxeira, tinha o feijão, tinha a batata, tinha tudo. De tudo tinha. Plantavam também arroz, ai batia naturalmente para tirar aquele arroizinho”, explica Toinho, que com orgulho narra que naquela época os antepassados também faziam limpezas corriqueiras no local. “A gente lembra muito bem dos avôs da gente né, antepassados, eles faziam esse mesmo serviço que a gente está fazendo assim né, abrindo o rio. Trabalho manual. E ai eles faziam isso para sobreviverem na roça, para plantar as coisas no paô, na várzea né? Aí eles faziam conjunto e ia até na nascente. Limpava fazia essa limpeza toda, depois que fazia a limpeza eles iam fazer umas valas na várzea (no paú), dividir as partes do terreno, para plantar”.


Tudo isso em uma época com escassos cuidados com a população indígena e sem água encanada disponível para as pessoas. Com a chegada da água nas torneiras, o velho Rio começou um processo de assoreamento, que tornou seu percurso repleto de plantas aquáticas, em especial a Montrichardia linifera. Conhecida popularmente por Aninga, ela é comum em ambientes de água doce na Amazônia e Litoral brasileiro.

De acordo com Poran Potiguara, engenheiro florestal, a planta pode servir como controle de toxidade em casos de rios que tenha despejo de esgotos. Este não é o caso do Rio do Aterro, objeto de trabalho do projeto Águas Potiguara. Com isso ao invés de ajudar, a planta acaba por fechar o canal onde passa a água em razão do seu crescimento. “Elas não nascem necessariamente onde há poluição, mas ela ajuda a absolver algumas toxidades. Se ela permanecer na margem do rio e o canal do rio aberto, ela não é impactante, agora se fechar o canal do rio aí se torna um fator impactante”. O engenheiro e o veterinário do povo são dois dos componentes do projeto “Águas Potiguara”, que foi pensado durante o primeiro ano da pandemia e começou a ser executado em janeiro de 2021. A ação foi idealizada após um grupo de amigos (hoje também componentes do projeto) que fazia azeite de dendê se depararem com o rio que desfrutavam na infância bastante assoreado. Dalí, recordaram o quanto o curso d’água havia sido fonte de felicidades para eles e a comunidade. Tomaram a iniciativa e reuniram pessoas de todas as idades, com o objetivo da revitalização.

Rio do Aterro. // Foto: Joaquim Neto.


É o que conta Jefferson Luiz, também participante do projeto. Graduando em Antropologia no campus IV da UFPB. Atualmente é professor de Arte, Cultura e Ensino Religioso na rede municipal de ensino da Baía da Traição. Natural do Alto do Tambá, o futuro antropólogo conta que quando iniciou a limpeza do rio junto aos amigos da comunidade nunca imaginou que fosse tomar a proporção atual, pois era uma atividade comum na região. “Eu achei que não ia ter essa proporção. Mas assim, depois de um tempo né, Fernanda mostrando para a gente até onde já tinha ido o projeto, eu me assustei mas assim, aquele susto bom”. O professor e Poran, são exemplos de potiguaras que cresceram acompanhando o rio servindo para uso doméstico e para a diversão. “Há uns 20 anos atrás o pessoal vinha lavar roupas, pratos... o rio era bem limpo”, conta. Na memória dele, o uso para a agricultura familiar citada por seu Toinho também está presente. Recorda que conciliando as estações do ano, os mais velhos tiravam da várzea do córrego seus alimentos. “No verão eles plantavam muito aqui, no paú (várzea) e no inverno plantavam no arisco que é essa parte de cima – aponta ao falar. Então existia essa ligação nessa necessidade de cuidar do rio também, além da plantação”. Hoje, 19 pessoas compõem o grupo, sendo 17 homens e duas mulheres. A equipe é formada em sua maioria por jovens que têm justamente memórias da infância repleta de bons momentos nas margens do curso d’água e outras pessoas, que assim como Seu Toinho, recordam quando o Rio do Aterro era a principal fonte de água local. Há também outros, que não viveram nenhuma dessa situações, mas ao escutarem os relatos ficam entusiasmados com a possibilidade de ver a comunidade e adjacências podendo ser novamente beneficiadas com a recuperação. E unindo os costumes dos antepassados com os conhecimentos das novas gerações, buscam tornar a cada dia esta possibilidade em realização.

Aningas no Rio do Aterro. // Foto: Joaquim Neto.


Jefferson, um dos integrantes do Águas Potiguara. // Foto: Joaquim Neto.

“A gente viveu com o rio e ver ele fechado, coisa que a gente passava nadando por alguns pontos... isso gerou inquietação, por ele ser parte da gente, a gente sentiu... é como se fosse parte do corpo da gente que estivesse machucado”.

Jefferson Luiz


Integrantes do projeto Águas Potiguara. // Foto: Joaquim Neto.


Integrantes do projeto Águas Potiguara. // Foto: Joaquim Neto.


Poran, um dos realizadores do Águas Potiguara. // Foto: FABRÍCIO POTIGUARA

Poran Potiguara lembra que quando passou para a Universidade de Brasília (UnB), em 2009, populares já expressavam que o jovem poderia auxiliar a comunidade com seus conhecimentos. “Quando eu passo para a UnB, todo mundo fala assim ‘ò tu tem que trabalhar com rio. Você vai voltar e você ai trabalhar com o nosso rio, isso será a sua devolução para o nosso território”. O orgulho do ativista ao falar do trabalho desenvolvido junto à comunidade, retrata a alegria de rever o rio que brincava às margens quando era criança sendo revitalizado com auxílio dele, aos 32 anos. Segundo Poran, nesta etapa é realizada uma reprodução do cuidado com o rio que os antepassados realizavam, abrindo o curso d’água manualmente. Após isso, a engenharia florestal entra em atividade com a elaboração dos sistemas de recuperação da mata ciliar.


Poran, um dos realizadores do Águas Potiguara. // Foto: FABRÍCIO POTIGUARA

“A minha parte enquanto engenheiro florestal, ela vai chegar a partir do momento que a gente começar a replantar. Ai sim, eu vou começar a pensar os sistemas né, os sistemas de recuperação da mata ciliar que ai eu vou ter que envolver espécie nativa né, espécie de crescimento rápido, espécie de crescimento tardio, quem melhor se beneficia com a água, quem é da mata ciliar do rio. Então tudo isso eu preciso colocar dentro dum papel e montar um sistema para que a gente possa ter o nosso viveiro de mudar, e aí o viveiro de mudas é função do engenheiro florestal, e esse com viveiro de mudas começam a ser plantadas as mudas nas margens do rio e começa o cuidado”, detalha Poran, que atualmente também é gestor escolar em Baía da Traição.


A influência das redes sociais Vinícius Machado é professor de geografia em Brasília. Amigo de Poran e sua companheira, Fernanda Soraggi, eles se conheceram na UnB. Após convites, foi no início deste ano ao Litoral Norte paraibano. Dentre os pontos do roteiro, estiveram as margens do Rio do Aterro. O intuito era conhecer a iniciativa tão falada pelos amigos, que estava se consolidando à época. “Nessa de visitar a aldeia, conhecer um pouco mais da história do povo potiguara, conhecer um pouquinho mais da reserva indígena também, fui conhecer o projeto do rio que eu já acompanhava também aqui de Brasília pelas redes sociais”, recorda. Por estar na época de confraternizações, o projeto estava com as atividades suspensas. Mas, Poran e Soraggi explicaram de forma detalhada como eram realizadas as ações. “acabou que eu não realizei nenhuma ação de limpeza. Porém, eu consegui ir visitar o rio e entender exatamente como tava ocorrendo a limpeza”, pontuou o geógrafo. Em março ao publicar no micro blog Twitter um “fio” sobre a iniciativa, Vinícius não mensurava o impacto que causaria. É que a ação contribuiu para que o projeto conseguisse atingir um grande número de pessoas, conquistando novos seguidores e gerando impressões que chegaram a marca do milhão, estourando a chamada “bolha” do Twitter e da internet. Segundo Machado, “Isso foi super significativo", excedendo qualquer tipo de expectativa que eu pudesse ter.


A assessora do projeto, Fernanda Soraggi, diz que junto a uma série ilustrativa criada pela equipe, a divulgação do amigo “Vinny” foi importante para a iniciativa. Jornalista formada pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Fernanda informa que o perfil da rede social Instagram @aguaspotiguara ganhou de repente 3.000 seguidores, além do alcance de 1 milhão de contas e mais de 50 mil curtidas. É Soraggi, a responsável pela manutenção do conteúdo nos perfis do projeto nas redes sociais: até junho de 2022, eram quase 5.000 seguidores acompanhado o Facebook, Instagram e Tiktok. Atuação que cresceu ao longo do tempo, com o contato direto nas ações. “No início ele (Poran) fazia lives né, e ele que era responsável pela parte de comunicação dentro do rio. E aí só que ele ficava se dividindo o tempo todo entre trabalhar e filmar. E aí eu começo, começo a filmar, começo a tirar foto, começo a cobrir né os eventos do sábado, então a minha relação com o rio começa aí em setembro do ano passado”. Com sua formação, iniciou junto aos amigos a estruturação da iniciativa. “o nosso projeto tá crescendo muito e a gente tem a necessidade dessa estruturação comunicacional. E como eu sou formada na área de comunicação, eu aproveito esse conhecimento da universidade e trago aqui dentro pro rio”, assevera a jovem que nunca imaginou que ali, praticamente no quintal de casa, encontraria grandes razões para construir novos caminhos no jornalismo e no mundo da comunicação. “Eu venho para o rio e parece que eu sou abraçada de novo pela comunicação e eu me vejo na responsabilidade de voltar tudo isso que a gente tá fazendo para a comunidade. Eu acho que nós não indígenas, a gente tem essa responsabilidade também", conclui.

Fernanda Soraggio, integrante do Águas Potiguara. // Foto: instagram @aguaspotiguara


Só no primeiro semestre de 2022, o Águas Potiguara foi destaque em dez grandes veículos de imprensa. Portais como G1 e UOL, rádios a exemplo da BandNews, CBN e Brasília, são alguns deles. Porém, até maio de 2022 – quando este graduando visitou a iniciativa – apenas duas pessoas da imprensa estiveram presencialmente no local: um correspondente da TV pública da Alemanha que reside no Recife, e este concluinte.

Panorama do Rio do Aterro e aningas // Foto: Joaquim Neto.


Todas as produções foram marcadas por meio de contato iniciado nas redes digitais da ação, evidenciando assim a importância deste tipo de compartilhamento e o novo panorama enfrentado pela imprensa, onde há uma facilidade maior em ter diálogo com a pauta e seus personagens, sendo estes últimos muitas vezes o cinegrafista, fotógrafo. O papel desempenhado pela profissional de jornalismo acabou por facilitar estes contatos e auxiliar não apenas na construção de pautas, como no chamamento da população em geral interessada em ajudar na limpeza do Rio do Aterro. Panorama do Rio do Aterro e aningas // Foto: Joaquim Neto.


Barra do Camaratuba e torres eólicas // Foto: Joaquim Neto.

A primeira iniciativa abordada nesta reportagem, o Barra Ecológica, tem suas redes sociais mantidas pela entrevistada, Amanda e outros integrantes da equipe. A equipe realiza fotografias que chamam atenção para a recorrência do lixo estrangeiro nas praias mais ao norte da Paraíba, que quase sempre são vazias. O trabalho deles também foi destaque na imprensa, com reportagem veiculada no Jornal Nacional, da TV Globo, em maio.


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