Do morro da caixa à passarela

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Cidade EDITOR: Rodrigo Lima

notícias do dia

Florianópolis, sábado e domingo, 19 e 20 de janeiro DE 2013

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rodrigolima@noticiasdodia.com.br

Protegidos. Marinho, da Velha Guarda

Fantasia. Até o cachorro foi para a avenida

Dez mil pessoas na Praça 15 O calor humano tomava conta da Praça 15 de Novembro. Por onde a primeira escola de samba passava, com cerca de 300 componentes, o público de dez mil pessoas vibrava e quase invadia a pista. Somente cordões de segurança separavam quem fazia o Carnaval de quem o assistia na praça. Os desfiles eram mais criativos e até mais ingênuos. Não eram usados carros alegóricos, que surgiram no desfile das escolas só nos anos 1980. “No máximo tinham tripés com estandarte ou bandeira da escola”, disse Marinho, da velha guarda da Protegidos. Até meados de 1960, os sambas-enredo eram adaptações de sambas cariocas. No mesmo dia em que as

escolas desfilavam, se exibia ao público também as Sociedades Carnavalescas, com seus carros de mutação, e os blocos de sujo. No fim das apresentações, se misturavam e continuavam a festa. “Ficava uma coisa meio apoteótica”, descreveu o compositor Edu Aguiar. Depois de surgir a Embaixada Copa Lord, em 1954, o que se tornou memorável na folia do entorno da figueira foram brigas no fim da competição, apontou Marinho, que já presidiu, assim como seus dois irmãos, a escola da qual tanto se orgulha. “Depois que saía o resultado, no mesmo dia era homem brigando, mulher brigando. O perdedor nunca aceitava”, contou.

/nd da memória acervo casa

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Até 1986, surgiram mais sete escolas de samba, entre elas Unidos da Coloninha e Consulado, que permanecem no Carnaval até os tempos atuais. Mas em 1982, as imediações da Catedral já não comportavam tanta gente. A avenida Paulo Fontes passou a ser o palco para os desfiles. O Carnaval ganhou arquibancadas, decoração à prova da chuva e do vento sul. Carros alegóricos davam corpo aos desfiles até então organizados em ranchos, ou seja, pequena escola de samba com representatividade comunitária. Os enredos eram mais elaborados,

O fenômeno Consulado

arquivo/nd

rosane lima/

Escolas de samba menores, lideradas por negros, com até 300 integrantes e alas de cerca de dez pessoas. Desfilavam no mesmo dia que as Sociedades Carnavalescas e blocos de sujo, todos em torno da figueira, sem distanciamento do público.

Arquibancada na Paulo Fontes

AV. PAULO FONTES (de 1982 a 1986)

As escolas de samba tinham mais integrantes e desfilavam com carros alegóricos. Os desfiles eram mais organizados e os sambas mais complexos. Surgiram quesitos fixos para avaliação dos jurados. Público assistia ao espetáculo a partir de uma arquibancada.

PASSARELA NEGO QUIRIDO (1987 a 2012)

As escolas de samba evoluíram e passaram a ser comparadas com as do Rio de Janeiro, referência nacional. O desfile ficou mais longe do público, que nos anos 1980 e 1990 ainda lotava as arquibancadas. A partir de 2000, o Carnaval perdeu público.

A escola Consulado do Samba surgiu em 1986, ano a partir do qual o Carnaval de Florianópolis começou a passar por uma grande transformação. Cariocas que vieram trabalhar na Eletrosul, em Florianópolis, saudosos do samba do Rio, formaram um bloco e, mais tarde, como escola de samba entraram na passarela Nego Quirido para vencer. “Era uma concorrência superior”, afirmou Edu Aguiar, que conhece como poucos a história do Carnaval da Ilha. Segundo ele, a escola iniciou com estrutura de empresa privada e angariando recursos por meio de política de incentivo a cultura da época. Nas outras, a administração era familiar. “A Consulado inflacionou a forma de se fazer o Carnaval”, disse Aguiar. A cobrança sobre todas as escolas se tornou maior e para vencer a novata era preciso mais investimentos. “Desde então o Carnaval acabava com as escolas no vermelho”, lembrou. Hoje, a escola que liderou uma transformação no Carnaval florianopolitano também tem “problemas familiares” e tem dívidas, de acordo com Aguiar.

mas os mestres-salas e portabandeiras continuavam fazendo uma parada para os cumprimentos com políticos da época. “O prefeito descia e apertava a mão deles. Isso era comum”, lembrou Edu Aguiar. Neste momento também surgiram os quesitos para avaliação das escolas. Não havia parâmetro de avaliação fixa na Praça 15. Na Paulo Fontes, foram definidos dez quesitos, número que caiu para nove quando os desfiles passaram a ser realizados na passarela do samba Nego Quirido, a partir de 1987. Lá, a pista é mais larga e distante do público.

Abre-alas. Consulado, no Carnaval do ano passado

Aguiar lembrou que este foi o cenário também para o surgimento da figura do diretor de harmonia, que tornou o desfile das escolas mais estruturado. Antes, era comum uma ala entrar na outra. O Carnaval cresceu e, em contrapartida, sofreu certa “caricaturização”. “É o modelo. É a disputa. O que importa são os jurados e eles vêm do Rio de Janeiro”, criticou Aguiar. Em 2008, mais uma escola de samba passou a compor o time do grupo Especial de Florianópolis, a União da Ilha da Magia. Atualmente, quatro escolas compõem o grupo de Acesso. débora klempous/arquivo/nd

As três fases do Carnaval

PRAÇA 15 (de 1948 a 1981)

ma das sociedades, a U Recreio Carnavalesco, dava bailes e fazia passeios recreativos pelas ruas junto à Harmonia Carnavalesca.

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Beleza. Passista e componentes da bateria na avenida Paulo Fontes luiz evangelista/nd

Foi no Carnaval, no início do século 20, que os negros, ex-escravos, desceram o morro em Florianópolis. Primeiro participaram de blocos, nunca das Sociedades Carnavalescas, nas quais a presença era proibida. Mas conquistaram espaço, efetivamente, a partir da criação das escolas de samba da cidade, explicou a socióloga e pesquisadora de Carnaval Cristiana Tramonte. Tudo começou no Morro da Caixa, em reuniões entre marinheiros cariocas radicados na Capital e moradores. Ali nasceu a Protegidos da Princesa em 1948 e, mais tarde, em 1955, a Embaixada Copa Lord. E esse é só o início de uma história de alegrias e tristezas, que já arrastou multidões pela praça 15 de Novembro, surpreendeu o público na avenida Paulo Fontes e deslumbrou moradores e turistas na passarela do samba Nego Quirido, este ano sem vida. O escrivão de polícia aposenta-

os anos 1830, se N festejava o entrudo com os limões-de-cheiro.

E ntre 1860 e 1870, nasceram inúmeras sociedades carnavalescas que organizavam bailes.

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do, hoje membro da velha guarda da Protegidos da Princesa, Mário Noberto da Silva, 77 anos, já comandou o abre alas da primeira escola de samba da Ilha. “Só entrava negros, fortes e com mais de 1,85 metros como eu”, lembrou Marinho, como é conhecido. “Era para dar estampa”, concluiu. O fato é que o desfile era “eminentemente negro”, disse Edu Aguiar, escritor de enredos e sambas-enredo da Copa Lord há 32 anos, 30 em parceria com Celinho. Somente na década de 1970 é que os brancos passaram a ter maior representatividade nas escolas. Em 1888 a escravatura foi abolida, na teoria. Na prática, exescravos eram excluídos da vida social das cidades. No entanto, no governo de Getúlio Vargas o Carnaval foi incluído no calendário oficial do país e o cenário mudou para os negros marginalizados, observou Cristiana. “O Carnaval deles era tão mais ritmado que os outros foram sumindo”, relatou. “Eles viraram o jogo através das questões culturais.”

Séculos 19 e 20

E m 1856, ocorreu a primeira regulamentação da festa popular. Foram proibidos os limões-decheiro, que voltaram a ser permitidos em 1876. Não era mais de cera, mas sim de borracha – antepassado do lança-perfume.

Praça 15. Desfiles eram mais criativos

Carnaval. Escolas de samba foram a grande virada na vida social dos negros de Florianópolis Letícia Kapper leticiakapper@noticiasdodia.com.br

rosane lima/arquivo/nd

arquivo pessoal edu aguiar/nd

Do morro da Caixa à passarela

No ritmo. Bateria da Coloninha, no desfile das escolas de samba do Carnaval de 2012

Os inesquecíveis limões-de-cheiro Nos anos 1850, o Carnaval sofria “regulamentações” para que as brincadeiras não ferissem a “honra” de pessoas importantes da sociedade. O motivo foram os limões-de-cheiro. A brincadeira consistia em produzir o artefato (membrana de cera com líquido dentro, água com perfume ou outros menos agradáveis) e jogar nos outros. “A cena era impagável: senhoritas e rapazes munidos de um grande arsenal tocaiavam alguma solene figura da cidade: juiz, contador, presidente da Câmara. E zás! – banho de limões na vítima. O enfatiotado logo perdia a cartola e a compostura”, escreveu Átila Alcides Ramos, em seu livro “Carnaval da Ilha”.

s pessoas começaram a A sair de casa para assistir ao Carnaval. Gente granfina saía de máscaras e fantasias. Os mais pobres saíam de sujo, com uma roupa velha qualquer pelo avesso, de cara pintada ou máscaras velhas. Em 1915, algumas sociedades carnavalescas desapareciam e jornais da época lamentavam. Na década de 20, surgiram os carros, nos quais as pessoas desfilavam, entorno da praça 15 de Novembro, e faziam guerras de confete. os anos 1930, contagiada N pelo Rio de Janeiro, Florianópolis entrou na onda das marchinhas. Era tempo de fantasias luxuosas e lança-perfume, proibido mais tarde, nos anos 1960. Em 1935, o jornal “O Estado” registrava a chegada do Rei Momo na Praça 15 de Novembro, esperado por mais de dez mil pessoas. a mesma década, com N a 2ª Guerra Mundial, o Carnaval esfriou. Mesmo assim, marinheiros cariocas que vieram morar na Ilha formaram os primeiros blocos – Bororós (Mocotó) e Filhos da Lua (Prainha). s mesmos marinheiros O cariocas transformaram as redondezas do bar do Tazo, na Major Costa, em reduto do samba. Foram no Morro da Caixa as primeiras reuniões que deram origem à primeira escola de samba.


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