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fotos luiz evangelista/nd
Florianópolis, sábado e domingo, 2 e 3 de março de 2013
Realidades opostas. Crianças que vivem em aldeia dissidente, no morro do Cambirela, não frequentam escola de ensino fundamental
Duas aldeias diferentes
Etnias guarani. Grupo expulso do morro dos Cavalos discorda da demarcação
O
ito quilômetros e inúmeras diferenças estruturais, culturais e ideológicas separam dois grupos guarani em Palhoça, os mbyá e os nhandéva. E, apesar da proximidade geográfica, vivem realidades distantes. Protegidos pela Funai e ONGs parceiras e respaldados pelo artigo 231 da Constituição Brasileira, de 1986, os primeiros estão alojados em casas de alvenaria às margens da BR-101, no km 235. São 30 famílias, em torno de 140 pessoas, das quais 80 são crianças e adolescentes, todos assumidamente oriundos do Paraguai, do Rio Grande do Sul ou do Oeste de Santa Catarina.No morro dos Cavalos, tem escola de ensino fundamental, do 1º ao 8º ano, onde aprendem guarani e português. “São alfabetizados na língua original, e aprendem português, no terceiro ou quarto ano, dependendo do desenvolvimento de cada um. Eles têm uma relação
diferente com o tempo”, explica Cesar Cancian Dalla Rosa, 34, diretor da escola Itaty. O resto do tempo, assistem televisão e brincam à margem da BR-101. Não caçam, nem pescam, recebem cestas básicas da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e Bolsa Escola e Bolsa Família, programas de erradicação da pobreza do governo federal. No km 227 da mesma rodovia, na Praia de Fora, a realidade é outra. Vivendo à moda antiga, em ocas insalubres improvisadas com lonas de plástico, 41 índios nhandéva são considerados desordeiros pelos “irmãos” mbyá. E ignorados pela Funai. São 18 crianças e 10 adolescentes quer tentam garantir a sobrevivência física e cultural dos mais velhos. Curiosamente, o grupo é formado pelos dois últimos descendentes vivos de Julio Moreira, o índio que em 1967 chegou com seis filhos pequenos ao morro dos Cavalos.
Líder dissidente questiona Funai Milton Moreira, 52, era menino quando Julio, chegou ao morro dos Cavalos. Na época, eram 3,5 hectares rochosos e inclinados na mata atlântica, fartos em caça, mas inadequados para plantar. Moreira confirma que a maioria dos mbyá da aldeia atual são mestiços, e questiona a área demarcada. “Os índios precisam de área menor e com estrutura para terem qualidade de vida, saúde e dignidade”, prega. Sem ajuda da Funai, o grupo criou a ong BIAP (Brasil, Indigenato e Pátria). “Vamos lutar por nossos direitos”, diz Ademilson Moreira, 21. Para os jovens, a falta de escola é o problema grave. Adão Nunes, morador mais velho e professor da aldeia Itaty, diz que o grupo de Moreira “é desordeiro”. Segundo ele, para ser mbyá não precisa ser índio, basta seguir seus rituais religiosos. “Nossa etnia representa a espiritualidade dos guarani, qualquer um pode ser. A origem, segundo Adão é indiferente. “Antes, não existiam fronteiras, nem países. Era tudo guarani”, diz.
Abandonados. Em ocas de pau a pique ou improvisadas com lonas de plástico, grupo de índios vive isolado e sem apoio da Funai em área de mata atlântica do Cambirela, na localidade de Praia de Fora. Crianças e adolescentes estão sem escola
Indenização não cobre as terras
P
ara a Funai, o despejo é irreversível. Sem especificar valores nem prazos, Orivaldo Nuno Júnior, da Coordenação Litoral Sul, diz que em breve 60 das 77 famílias desapropriadas serão indenizadas e notificadas oficialmente do pagamento. Receberão apenas pelas benfeitorias existentes antes da avaliação feita em 2010 – cada pé de fruta, casa, rancho de pesca ou galpão rural. Bem abaixo dos preços de mercado. Pela Constituição Brasileira, artigo 131, a demarcação anula títulos de propriedade, cabendo ao Estado, responsável pela concessão das terras para colonização açoriana do litoral, o pagamento da terra. Segundo a Funai, mesmo sem dinheiro, o governo catarinense poderia assumir esta indenização, em convênios com a União. A demarcação abrange áreas históricas, como a ligação entre a primeira Província de Santa Catarina com o Sul do Brasil, construída em 1.740 por
escravos e soldados do brigadeiro Silva Paes, entre Enseada do Brito e a foz do Massiambu. Precário, o mesmo percurso é feito a pé pela maioria por moradores da praia de Araçatuba. É lá que mora a maricultora Ivone Apolinário, 55. “Sabemos que o Brasil tem uma dívida histórica com os índios. Mas, é injusto criarem um problema social com um processo tão questionável. Somos todos brasileiros, podemos conviver em paz, sem interesses obscuros”, ressalta. Como ela, a maioria dos descendentes de açorianos e negros que também se espalharam pelo vale do Massiambu, sem acesso à internet e às ações judiciais, nem sabe o que está acontecendo. Enquanto isso, a Funai processa quem atribuiu a demarcação a interesses financeiros relacionandos à indenização milionária pela construção de dois túneis no morro dos Cavalos. Projeto que emperra ainda mais a demorada duplicação da BR-101 sul.
Massiambu. Comunidade apreensiva promete reagir à desapropriação