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Florianópolis, sábado e domingo, 12 e 13 de janeiro de 2013 fotos joyce giotti/nd
22 Verão Pelo celular. Aos 84 anos, Nilton Cardoso mora sozinho na ilha, e conversa todo dia com a mulher, que vive em Capoeiras
Cardoso, simples e bem-humorado Paraíso. Único morador fixo da Ilha do Campeche tem muitos amigos e boas histórias Joice Balboa redacao@noticiasdodia.com.br @online_ND
S
implicidade é a palavra que resume a vida do aposentado Nilton Cardoso, 84, que mora há 18 anos na Ilha do Campeche. A última vez que saiu da ilha foi há três anos. “O Besc se juntou ao Banco do Brasil e tive que resolver alguns problemas”, lembra. Ele não sente falta da cidade. “Prefiro ficar aqui. Tenho segurança, nenhum moleque vai me apontar uma faca”, garante. Pelo menos três vezes ao dia fala com a mulher, que mora em Capoeiras, pelo telefone celular. Todas as manhãs recebe ligações dela para saber como vão as coisas e contar as novidades. “Ela liga e diz que está com dor, que mal consegue se mexer... Se eu voltar só vou me incomodar”, brinca. “Já tentei que ela ficasse aqui, mas ela tem osteoporose e câncer de pele, e aqui ela vai ficar na areia tomando sol, é uma teimosa”, explica. Sem nenhuma especialidade culinária, seu Cardoso faz sua própria comida. E quem pensa que ele come peixe todo dia está enganado. Ele gosta é de comer carne. “Peixe é uma vez por semana. Eu mando os peixes e ela [a
mulher] a carne”, complementa. primeira vez. Os barcos - a remo Misturando o arroz com o óleo na ou a vela -, iam carregados de lepanela, ele conta que não lava o nha para a ilha. Na época ainda arroz. “Os médicos não dizem pra não tinha o gerador e a iluminadar caldo de arroz para as crian- ção era de querosene. ças quando elas estão doentes? Sócio do clube Couto MagaPra quê eu vou lavar o arroz”? lhães de tiro, caça e pesca, ele Caminhando na areia fofa da ajudou a levar os quatis para praia, pescadores e monitores o caçar e plantar as mudas de árcumprimentam. “Eles gostam de vores frutíferas. Só homens fremim porque eu sou bem-humo- quentavam aquele refúgio a merado”, admite Cardoso. “Um dia, nos de dois quilômetros da praia a mãe de um dos monitores veio do Campeche. “A gente costuaté a ilha só pra me conhecer, mava tomar banho de mar pelaporque eles viviam falando de do pra não molhar a roupa, era mim”, conta orgulhoso. só homens. Depois que fizeram Sentados nos banquinhos de- o convento ali no Morro das Pebaixo das árvores, Cardoso conta dras, vieram reclamar. Elas [as que ele e uns amigos escutaram freiras] deviam ficar olhando de um estrondo na cozinha – olha binóculos, porque a essa distânos quatis nas tuas panelas! Car- cia não tinha como ver nada”, ri. doso foi conferir, e as panelas esDe pé às 5h, seu Cardoso vai tavam todas tampadas nos seus ao seu altar, uma pedra ao Sul da lugares. Era o capacete de um praia, e reza. Ele ora para agradeamigo que tinha caído. cer os dias de vida ali no paraíso. Ele pegou o objeto e “escutou” Depois varre as folhas da calçada, o dono do capacete dizendo que cuida das galinhas, lava a prótinha morrido. E gritou: pria roupa e cozinha. “O fulano morreu”! MorEle gosta de pescar no reu nada, ele está na UTI, costão do lado contráresponderam os amigos. rio da praia. Por volta Mais tarde chamavam: Ô pratos das 17h, recolhe-se em Cardoso come Cardoso, seu macumbeiuma das casas que cuiro! O dono do capacete peixe uma vez da para ver o noticiário por semana. tinha morrido mesmo. na televisão. Assim terEle gosta é de Nilton Cardoso era mina mais um dia do criança quando visitou carne enviada único morador fixo da pela mulher a Ilha do Campeche pela Ilha do Campeche.
Em casa. Seu Cardoso tem tudo o que precisa e prepara a própria comida
Altar. Toda a manhã, ele vai à pedra para rezar e agradecer os dias de vida