A Invenção das Possibilidades

Page 1

a invenção das possibilidades

marcus freitas



1


2

A invenção das possibilidades Marcus Freitas Editora Zaraïza

Copyright © Marcus Freitas Revisão e Diagramação: Jonatha Reis

Ilustrações por: Jonatha Reis e Ingrid Luz FREITAS, Marcus Rua expedicionários, 520, Luz, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brasil. 34889762/ 75704593


a invenção das possibilidades

3


GRITORIUM

4

Solidão I II Sertão no Rio O poema A criança Jardinagem Sonhos Esquecimento Dito de uma anciã Gritorium Canção I Canção II Poeme-se Liberdade Viagem Em Canto Vida gramatical Canção III

8 9 9 10 11 12 13 14 16 17 18 22 24 25 26 28 28 29 30

PRIMEIRA ELEGIA A queda das estrelas 34 Semântica 35 Falo de mim como fosse tu 36 Perfecta mulier Pandora est 37 Primeira Elegia 42 Testamento 44 Vazia 45 Transeunte 46 Ausência 47


A MÁQUINA CEGA Bancos de ônibus Eis o segredo Ela A máquina cega

50 52 53 54

PANDORA Meu amor de infância 68 Carmina Amoris 69 Intrínseco desejo 78 Ode à Bianca 79 Juventude gasta 80 Cantiga de explicação 82 Primeiro Culto à Pandora 84 Transeunte do tempo 86 Declarar-ação-ei 88 Filme de Juliana 89 Tara estranha 98 Declaração de sentimento 100 Menos poesia 102 Amor em pleno século XXI 104 Dedicação 108 Amargo 109 Amor de gafieira 110 Eis o segredo de pandora 111 XXIII 112 XIX 113 Experiência de guerra 114 Juliana de ninguém 118 O amanhecer lindo da flor 120 Tolo ou explorador 122

5


6


PARTE I GRITORIUM

7


SOLIDÃO

8

Só, chora-se a vida, pobre. É nobre reconhecer-se em si, E na beleza da própria inércia Ver que a ausência de outro Sempre é tempo contrária, pois Só se sente falta do que se é. A graça na vida O tempo corre E a graxa some. A graça fica, O tempo morre. O tempo vive morrendo, A vida vive morrendo. A graça é o que tempo não passa, A vida desgasta, e a graxa se engraça. E na não-passagem do tempo, Sem a graxa graciosa da graça, Viver é mera engrenagem, E assim o tempo não passa. Vida nova


I Enquanto vocês contam suas vidas por anos, Eu conto a minha por instantes. Vocês celebram passagens longas, pouco tempo, Eu celebro toda passagem possível. No fim, enquanto alguns de vocês chegarão próximos a cem, Eu já perderei a conta de quanto me renovei.

II Não conto minha vida em anos, não tenho idade. Se contasse, eu teria zilhões de momentos. Todo dia vivo, todo dia morro, e assim será até que finalmente eu pare de viver e de morrer. Eu tenho muitas vidas, dormindo, acordado, sendo. Um grão de areia entra em desespero: Pelos fortes ventos só espera voar. Já nem fazia mais algum apelo, quando fora salvo pelas águas do mar.

9


SERTÃO NO RIO

10

A vida que se vive no sertão É outra vida, diferente da do Rio. Lá a água se esconde da gente, Aqui a gente se esconde do tiro. Lá a fome se sacia na pedra, Aqui a pedra não sacia o vencido. Lá no sertão se aprende com a pedra, Aqui se aprende com o perigo. Não que lá o perigo se ausente, Ele é diferente, é mais vagaroso. Aqui tudo é rápido, passa correndo. Lá se demora e vive matando. Viver é muito perigoso, bastante. Dá-se a realidade, a dificuldade é constante. Ora, no Sertão o poder é a natureza, Aqui é o próprio homem. Cada um com suas mazelas, com sua sorte. A vida que é diferente é igual. Todos temos caminhos distintos Para no final chegarmos à morte.


O POEMA Sob uma árvore descanso e canso. O vento venta a ventania típica. Um indescritível mundo me alavanca, E sussurra em gritos silenciosos O meu fardo de maneira atípica. Palavras se põe para fora de mim, Da boca, dos dedos, enfim, da mente. E de repente, o meu descanso finda, E no ar, na claridade mais cegante, Só sinto um poema não findado ainda. Vinda a vida vejo as palavras: Bêbadas e sóbrias se deliram. Na encruzilhada cantam-se e encantam. Todo poema faz-se do silêncio Que o poeta rouba para si.

11


A CRIANÇA A criança cria um universo Nunca mais vê felicidade É poeta de apenas um só verso É poema duma então feliz idade

12

Criação além e aquém da racionalidade Colorido o céu se faz de amar É poeta da própria poeticidade É poema que se faz sem se criar. o poema do mu(n)do E sem falar uma palavra, disse mais do que todos os poetas que existiram, existem e virão a existir. era tomado não pela vã inspiração, mas estava possuído pelo próprio silêncio, o vazio onde tudo pode dizer. e sem falar uma palavra, disse tudo quando disse nada.


JARDINAGEM Quatro horas cultivam em seu jardim: A primeira, infame, se relaxa; A segunda tenciona a vida, pulsa sementes; A terceira ora - confunde os cultos; E por fim a quarta, em outros fatos, diz que o jardim ĂŠ ultrapassado. Um jardim ĂŠ cultivado por quatro horas: Todas elas passam, filhas do tempo. O jardim se passa - o jardim passado.

13


SONHOS

14

Meu sonho é que o sonho acabe. que a realidade vire uma verdade, e que a verdade seja outro sonho. quero acordado sonhar que não sonho e no sonho não saber que sonho. sonhando eu quero um eterno sonho que minta que acabe. Eu minto que vivo. um mito que sonhe; um sonho amigo. meu sonho é o que o sonho acabe. Visões de uma flor ela-mesma quanto se vê da flor, cada amor, cada dessabor. nunca se vê quem é: uma pétala, um desabrochar, no ar um perfume doce. mas, da flor que se dá no mundo, sendo sempre ela mesma, esse ela da flor jamais se vê. Sombra e água fria Que alguns dizem da vida? Quela é fugidia, quela corre. Quela morre, que já foi um dia. Que digo eu, que digo? Digo nada, não tenho. Não venho, eu passo. Da vida ignoro teorias, Algumas almas são mornas, Algumas almas são frias


Mas são as quentes que sabem Que a vida não foge, Quela não corre. Quela não morre, quela não finda. Quando me sento em sombra, olho ao sol e digo: Ai, ai...que vida linda. Do choro. Caiu, por fim, a lágrima. De felicidade ou mágoa Ninguém sabe. Caíram outras e mais e além, E não sei se sabem bem: Mas chorar é um grande mistério. Per-feitos. nossos sonhos acordaram e nossa vigília dormiu. nossa felicidade consumiu-se e nossa tristeza sorriu. nossos andares pintaram e música virou nossa história. não gozavámos mais da incerteza, erámos tão cheios de glória. de tão certos, de tão sólidos tornámo-nos completos. e já perfeitos não precisamos de nossos amores, de nossos afetos.

15


ESQUECIMENTO Ontem eu era querido Hoje eu sou amigo Amanhã já sou lembrança Ontem eu fui criança Hoje sofro a vida Amanhã eu sou ferida

16

Ontem me gostavam Hoje ainda me lembram Amanhã... Amanhã... Um carpinteiro de asfalto O sol que bate à negra coisa Que passam os pés dos transeuntes Não nos retira a vida, nem ensina A desaprender o fado de uma sina De um destino fastasma do futuro. Nem a flor nascida em quente pedra Bebendo água de fria chuva Ensina o homem que na rua passa A andar descalço - sem trapassa Pelo negrume áspero de um asfalto. Por que e para que andar então? Vai ao campo, segue só seu rumo E na falta de capinar bom sonhos Dorme à cama, cria fins risonhos E se acordar, se torna poeta por momento.


DITO DE UMA ANCIÃ A todos esses que vivem de mau dizeres E dizem sempre aquilo que nunca sabem: Passarão dias em que eu me desconheço E desconhecerão aqueles até a própria imagem. Passarão tanto tempo me procurando Que quando eu achar o que sempre fui Acharão eles a mim no me transformando E só verão águas de um rio que sempre flui. Isso, contente-se em ver somente a mim Já que isto eu faço sempre que posso Pois quando chegarem, como eu, ao fim Veremos que eu sou sempre meu, e nunca nosso.

17


GRITORIUM A voz emerge de si mesmo quando o grito, outrora arma, torna-se mero sussurro. É preciso esquecer-se de como é, para ser aquilo que já se é, sem cair na arrogância de tudo saber e ser somente um pouco do que se pode.

18

Quantos carros passam disparados em cima de corpos ocos E saem sem nem tocar-se que deram um fim a uma vida humana como qualquer. Não se sabe mais o caminho para si, Se é que houve, hoje não há mais. Por isso temos milhões de atos bárbaros jurando serem em nome da paz. Presente do passado Foi-se o passado E continua passando. Não que de mim tenha fugido, Só não é mais presente, Ausentou-se, mas sendo Em mim algo importante. Antigamente antes do mundo tornar-se sujo as crianças brincavam na rua, os velinhos jogavam sua dama, os casais se enamoravam.



mais antes ainda, bem atrás as crianças viviam a vida, os velinhos viviam a morte, os casais viviam a si. e num tempo remoto, bem além as crianças viviam crianças, os velinhos viviam velinhos, o casais viviam casais. E o mundo já não tão imundo mantinha o N que hoje perdeu para não ser mudo.

20

Gritava e se impunha e não deixava loucos seres fazerem a festa na casa do tudo. antes do mundo ser mundo as crianças eram formas de deus, os velinhos pura genética, e os casais vã dialética. Assassinatos um homem era assassino, matava com palavras. sorrateiro ia na noite e ao lado de camas dizia palavras de alto ter mortífero. matou mais de cem assim, sempre com sussurros, com palavras que não eram falsas ou verdadeiras.


quando se mata com palavras, nĂŁo importa a veracidade delas, basta dizĂŞ-las que elas agem por si sĂł.

21


CANÇÃO I

22

Agora eu sou forasteiro, A alma é minha terra, A terra meu tesouro e Tudo que for potência Há de surgir no instante do nada. E, do nada, surgirá vida. E vida, para ser vida, morrerá Um dia. Cria que a fome insaciável nunca se sacie. é melhor a insensatez do desejo eterno que o contentamento pelo efêmero fenômeno do contentar-se. Ou Ou venta Ou chove ou verbaliza tudo. Ou chora ou sorri ou concretiza mudo.


Ou nada na imensidão do abismo. Contente Eis um poema de alegria Sorrindo como a luz do dia. Chorando Chorando Chorando Até que o choro se esgote E ele só possa ser feliz. Paixão de um Quando me vi perdido mente-apaixonado Era no vazio, na sombra... Na ausência De luz No não-dito. No contra-verso No controverso Verso, um apenas Que por ser assim Chamou-se Universo.

23


CANÇÃO II Pertinentes raios de luz atravessam à treva e desfazem a desordem com a pífia ideia de que ordem é luz sobrepujando a escuridão. O sol brilhando demais e com intensidade absurda surdeia a mente humana.

24

O mar calmo demais se desfaz e sem ondas ninguém veleja os peixes se animam. Tudo é tão calmo como um coração desfalecido um batimento cardíaco desordenado e enfurecido é toda a desordem necessitada. Num dia apenas de luz a luz seria a própria treva e no primeiro freixo de escuridão discípulos dela nos tornaríamos.


POEME-SE Poeme-se. Livre-se destas palavras, Destas chagas, destas sinas. Poeme-se, Romanceie seu destino, Faz de conta que é um conto. Termine-o sem um ponto. Poeme-se, poeme-me, poeme-nos. E, se não for poema não importa. Só recite enquanto cria, Só crie enquanto respira. Aspira o ar destes mortos Poemas ainda não concebidos. Poeme-se e será sua vida Por mais longa que venha a ser Tão bela quanto o instante De uns versos.

25


LIBERDADE

26

Mate um passarinho e o tornará livre da vida. Tire-o de uma floresta em chamas E o ponha em uma gaiola com muito amor, Muita comida, conforto e muitas coisas boas. Você o terá tornado livre da morte. Em seguida, se assim puder, pergunte a ele: - Tu, ó passarinho, quais da liberdades preferes? E ele, muito provavelmente, não responderá. Mas, se por ventura venha a responder, Assim, de parecida maneira, poderia ser: Não confiaste em mim, ao salvar-me, Para ser senhor da minha própria vida. Não a salvaste, deixaste-a perecer, E, assim, tomaste-a para ti. Hoje, pobre de mim, Sou mero escravo teu, e já não vivo: Sobrevivo à mercê de tua vontade. Já não vivo, rastejo-me acorrentado Nos trilhos desafortunados do tempo. E, quem sabe, a morte tivesse sido a mim Maior prova de amor para comigo, Por parte tua, do que tua ingênua E maliciosa salvação. Já não vivo. Lutaste contra o que era inevitável, E, jurando imenso gostar, castraste em mim A minha liberdade. Se realmente querias Comigo ser assim benevolente, Poderias apenas teres-me deixado viver,


Isto ĂŠ, deixares que a minha vida Consumisse-se. Que vivesse.

27


VIAGEM Se eu pudesse ter uma girafa voadora, Com certeza eu transcenderia os céus. E lá no alto, acima das nuvens e dos achismos, Tudo seria tão claro quanto um sopro divino. Eu passaria os homens, a terra e os deuses, E lá, num abismo, tudo seria sempre um recomeço.

EM CANTO 28

Canta. Nas (in) tensões Sabemos a reflexão, Nas brigas, nos casos, Nos vasos datados de antes de Cristo, E na sina perigosa da vida também. Alguns ousam mais, des(in)formados de qualquer saber Cantam e chamam a cantiga versos. Pobre de Mozart, foi mais poeta Que a menina mal amada Que contou suas desventuras. Suas aventuras, sua ventura. Pobre de Mozart, que sem falar Uma palavra, disse mais do que eu Em dezesseis versos.


VIDA GRAMATICAL Em certa hora da minha vida Me objetualizei. E se sujeito ainda sou, Com certeza um bem oculto. Complemento da intransitividade De adjunto junto ao nada. Sem preposição, Sem conjunção, Sem uma vírgula, Sou um objeto sem com-texto.

29


CANÇÃO III

30

Desfoca-se o medo. E depois disso nada mais Importa. O frio acalenta a alma. E depois disso nada mais Aquece. Vive-se vazio E de tão vazio que se vive Dele então está completo. Um poema dramático Deprimi-me tanto A ponto Que a depressão cansou-se de mim. Causa da depressão Era a solidão que aqui vivia. Agora estou só novamente, E nem depressivo posso ficar. Resta-me ficar contente, Até que então O contentamento Venha-me abandonar. Diz-me, por favor, Com todo ódio que tens Em tua rubra face, Se não seria o homem (Ou deus, que seja, é o mesmo) Autor de todo o mal De todo o ser que nasce?


A invenção Estupefato criou. Viu que nada era tudo, Fez estrelas, céu, mundo. Deus... ou poeta? Tecnologias, frias, filhas da mente. Por toda gente entre a gente. Invencionou também o amor. Com enorme emoção sonhou. Título máximo de criação. Poeta, demiurgo, artesão

31


32


PARTE II PRIMEIRA ELEGIA

33


A QUEDA DAS ESTRELAS Não é minha culpa se as estrelas caíram para te dar passagem quando descobriram que tu eras de fato um anjo, um anjo querido que meus olhos e coração se embriagaram de tanto te admirar.

34


SEMÂNTICA És como o ablativo do meu verbo, A declinação imperfeita mais sincera, O nominativo imperativo, Um sujeito em forma de genitivo, Confusão gramatical tão severa. A forma sincopada do pretérito, Um futuro alternativo escolhido, Um acusativo fazendo todas as funções da minha mente, língua e coração, És a vigência concreta do subjuntivo, O optativo mais real que eu já vi E o teu nome é o vocativo que só uso. És as cinco declinações e seis os casos de todo o vocabulário que sou eu. Por isso digo, com firmeza: Meu amor, amorem, amore, amoris, amori e amor é todo teu!

35


FALO DE MIM COMO FOSSE TU

36

Falo de mim como fosse tu E de tu como se fosse eu Não tenho mais como descobrir A diferença - se há - entre nós dois. Por isso passei a chamar-te eu, E a mim honro-me com teu nome. Graças a ti não danço mais sozinho, Desaprendi o que é solidão. Não tens só como minha vida E o meu amor, tens a minha dedicação. Não és a minha cara metade, É todo um outro todo que sou eu! És a expansão minha para um perfeito, Sendo assim da dama da minha evolução.


PERFECTA MULIER PANDORA EST Não seria ela, outra senão o justo Vinda de um presente ao robusto Pela audácia e sagacidade Do homem em toda sua habilidade Ao enganar o que -teoricamente- lhe é superior (Não seria ela também o amor?) Também seria ela o castigo Mas que castigo, amigo! Vinda pela audácia e estupidez Do homem em sua plena sensatez Ao querer fazer-se um próprio bem Assim como todo mundo faz também “A eles, em troca do fogo, darei um mal com o qual todos se alegrarão. Cumulando de agrados seu próprio mal” Disse Zeus, cômico, ao planejar sua vingança. Mas que vingança é essa de tamanha vantagem E que dos imortais deuses ganhou presente? Não seria, penso eu, uma miragem? A Beleza de Afrodite, a astúcia de Hermes

37


38


39


De Atenas a sabedoria e as mãos Não bastasse isso era mais! Sagaz, dissimulada e manipuladora Uma bem tão mal aos homens Talvez mais! Talvez dos homens a reguladora! Persuasiva, a fala falsa e o caráter duvidoso Mas não só isso! Também sabia ser o extremo oposto Sincera, ingênua e zeladora

40

Pandora era pura tensão! Bela como um flor Dolor como um veneno A cura de um desapego A raiz de uma depressão! Incompreensível! Mistério! Ah, Pandora a mulher dos sonhos! A flor que nos inspira É flor que com mais espinhos Porque a dor que me delira É a dor de meus versinhos! E ao homem este mal, tão mal Fez com que encontrasse a paixão Fez que visse além da enxada e hidromel Fez uma possibilidade além da solidão Fez com que o houvessem aventuras Fez com diminuísse o pão E se os deuses a chamavam de mal É certo que os homens chamam de bom Pandora abriu uma terrível caixa


As línguas dizem que veio somente desgraça Trouxe dor, lágrimas, medo Tudo que há de ruim Mas em contrapartida, para um aedo Trouxe dez jarros de inspiração! Pandora, a metáfora da mulher! Ser indecifrável, filha do mistério! A eterna procura para a eterna resposta! De sangue e alma um ser só, etéreo Dos males o melhor. E eu discordo Quando dizem ser objeto de vingança Pois, olhem, pensem bem Foi ela que nos legou a esperança!

41


PRIMEIRA ELEGIA (É confuso explicar o que sinto E sinto que não o quero fazer, Mas se não o faço não tenho poema, Então só possuo uma única opção: Explicar o que sinto sentindo.)

42

Ah minha amada, ah minha amada! Te amo porque sei lá, não sei! Não sei porque te amo, mas amo! Não sei explicar nem com desenhos Mas amo, nem sei te cantar o que amo. E amo, nem sei te contar o que amo. E amo. Nem sei se amar é verbo e amo. E se fosse substantivo, eu amo! Eu faria verbo de novo, sei lá, Só porque amo. Porque amo há. Não sei explicar que te amo Por infindas alegorias e metáforas, Como eu poderia metaforizar Para dizer o tão simples te amo? Mas quero muito te dedicar Esta elegia só para te falar O quanto te amo! Não! O quanto não importa! Para que mensurar o que amo? Quero é muito te dedicar Esta elegia só para te falar Que te amo! Ah minha amada, ah minha amada!


Não sei como te amo Não sei por que te amo! Mas te amo, te amo mais! Mais do que ontem e mais do que agora E mais do que o futuro. É que além do tempo te amo.

43


TESTAMENTO

44

Estou mórbido! Não como um defunto Este não tem aflição. Estou sem o amor de minha amada, Com uma espada no peito cravada. Por que não voltas a mim, Inspiração? Estou amargo! Não como uma limonada Esta ainda tem salvação. Estou obsoleto no mundo Caindo em abismo profundo. Por que não voltas a mim, Inspiração? És tu a minha amada És tu a minha fonte És tu a minha Musa És tudo, és a minha direção. E se nos âmbitos outros Eu suporto toda a dor do abandono, É porque de ti, Inspiração Eu não esperava o teu sumiço.


VAZIA A minha vida anda vazia Em Andaluzia Da tua presença Da tua sacra presença Da tua alma... Como preenchê-la? Sem compreendê-la? (A minha vida) É presa por tua alma Por tua essência Ando sozinho no relento Neste espetáculo flamenco Aqui em Andaluzia E minha vida anda vazia Sem tua presença Sem tua alma Sem teus afagos.

45


TRANSEUNTE

46

Ao passar como um qualquer transeunte no portão de quem seria minha amada, vi inscrições um pouco preocupantes dizendo que ali não havia absolutamente nada. Vi também um buquê de flores, E isso me ainda foi mais irritante, assinado pelo ente que naquele momento me era passante e de mim ria com um escárnio zombante! Ah, mas que ódio tive, Se tivesse uma arma eu de certo o mataria, roubou-me a dama e ainda ria - na mão eu certamente não iria com aqueles músculos saltitantes eu seria derrubado em instantes. Melhor, então, pensei eu ser da esplêndida mulher um mero espião do que ser um defunto amante! Pobre, então pensei, do portão Vazio e quebrado como meu coração.


AUSÊNCIA É um deserto seco sem água e sem pretensão de oásis a solidão que sinto em meu peito quando tu não estás presente. É derradeira tristeza como os choros posteriores à guerra e a dramática indulgência dolorosa de quem perdeu tudo o que podia. Exatamente assim sou eu: desabrigado, desinformado e perdido procurando o que sei que não terei em uma busca impossível de vitoriar. A tua ausência é como morar sozinho no universo no mais distante canto dele, em um vazio e esquecer-se em pratos da própria língua.

47


48


PARTE III A MÁQUINA CEGA

49


BANCOS DE ÔNIBUS Deitado em um banco de ônibus sofro um engarrafamento sofro um dilaceramento da veia cadente estelar que me guia nos passos lentos de uma composição.

50

Toca aquela música que não posso ouvir não porque meu corpo reagiria estranho não é um veneno corporal mas ela me lembra o que quero esquecer e me sinto no labirinto de Minos com um abutre me fazendo de Prometeu. Há muito chão entre meu destino e minha localização Como sei disso estando em um labirinto? Mal comecei a sofrer Quando eu estiver compondo sangue hei de saber que já estou a horas ali parado. Meu celular vibra e recebo uma mensagem “você tem aquele livro de Kudera?” Ainda bem que a música já terminou bem que poderiam por Vivaldi seu Verão muito me esfriaria nesse calor típico donde estou e aperfeiçoado pelos motores roncadores Mas ai eu pego o celular e respondo: “Kudera está emprestado, tenho outro


mais singelo, de um tal qualquer aí, serve?” Passam-se horas, anos e dias passam carros ao lado passam crianças sorrindo passam ônibus-sacolões e eu não recebo a resposta da mensagem.

51


EIS O SEGREDO

52

Provo facilmente a minha teoria de que a dor deriva da alegria e a alegria deriva-se da dor Leia na bíblia que desde o início da costela de Adão fez-se sacrifício e de sacrifício nasceu Eva, uma flor E para os gregos, pais de nossa era do barro e dos deuses fez-se quimera e da quimera fez-se belo presente Comeu, pois, a mulher a maçã e também na Grécia foi cruel vilã e vilã deixou homens contentes Amiga da cobra dissimulada dizem que também foi ensinada e ensinada causou-nos uma guerra Se a paz reina em tal império quem há de gozar de tal mistério em qualquer canto desta terra? Sem, então, a tenra e doce dor não haveria espaço para o amor e não conheceríamos a alegria Sem a guerra, não seríamos cientes de que a paz é existente e o mundo não se moveria.


ELA Ela bate em minha porta com um sorriso com fome e com muita ânsia. deu oi e entrou não ligou se eu estava ocupado beijou-me com força agressividade arrepiei. Vadia, pensei saiu sem dar adeus ela é assim: vai e volta quando quer e eu desse jeito: sempre de braços abertos sempre com um buraco irreparável no peito.

53


A MÁQUINA CEGA

54

Quer dor no peito agora sinto! É um vazio imenso, cheiro de fermento, A bateria de meu relógio, que é novo, acabou! Ah, que dor no peito, que dor no peito! Como pode o vácuo que a ele ocupa doer? Como pode nada doer? O meu olfato acabou, Logo agora que moro no campo! Que dor no peito, ah, que dor no peito! Não há semblante de moças que o corrija. Oh, como dói, como me dói há tanto tempo! (E não sei se de fato é há bastante tempo, a bateria do meu relógio acabou!) Não lembro nem mais daquilo que me falta! E dói mais, além do vazio imenso no peito Agora esvazia-me também a memória. As carroças correm como nunca! É como se nunca tivesse havido tristeza naquele momento e em nenhum outro! São carros de homens sem bois sedentos! E os olhos claros de gude babando as atrocidades... As quatro cidades? – Pergunta o surdo. Atores cidades! Atores cidades! Atores cidades! É essa a função das carroças. Pastores de idades! Pastores de idades! Devemos renovar o fluxo? Não faço ideia, é disléxico – Responde o insensato. Cuidado com as carroças sem bois, são perigosas...


Mentirosos assistem a tudo de cima do muro. Estão de que lado? Favores na cidade, favores na cidade, favores na cidade! Estão do lado do vidro. Serão quebrados facilmente! Quando o vento dos carros passar! Cheguei a um momento de minha vida Que preferi isolar-me do mundo Sei lá, ver tudo negro, ou não ver (não sei ao certo a diferença). Sinto constantemente cóleras noturnas, diurnas, taciturnas. Fui a todos os médicos que conheço Disseram que eu possuía virose... Como posso possuir isto? É impossível, Deus é prova disto! Como pode um espírito sem corpo Ter em seu não-corpo as dores da carne? Minha audição piora com o tempo. (E revelo que o tempo não existe) Não sei mais falar as línguas faladas E as cóleras aumentam, crescem, explodem... Ah, como sinto falta dum amigo. Duma amiga, dum inimigo. Dum para sempre contigo, ou comigo. Duma pulga chata, mas sempre presente. Finalmente disseram-me o nome da doença: Sou chato e possuo solidão.

55


56

Já experimentaram a sensação do choro? É gostosa quando nos dá a sensação de leveza. O corpo pesado querendo gritar, não grita. Nem mesmo os poetas conseguem compor. A menina que é chamada de puta por pais moralistas, Sofre da mesma dor que o homem que ama e não diz. O que ambos têm em comum neste estado infeliz? Querem gritar, têm um, dois, mil mundos a dizer. Será que o grito de algum deles ecoará no mundo? Isto eu não sei de maneira alguma responder. Mas já experimentaram a sensação do choro? É como se cada lágrima fosse um alto falante Gritando os pesares e as causas da aflição. Queimaram ontem em praça pública uma prostituta. Pensei, por um momento, terem descoberto a máquina do tempo, E que eu havia sido mandado para a era medieval. Por um momento foi belo, pensei em tornar-me cavaleiro. Mas depois que vi o crepitar das chamas na carne humana, E o cheiro nauseante de churrasco de prostituta, Chorei com lágrimas de sangue e de gente humana Uma volta para meu século XXI. Para meu desgosto profundo, a realidade me bateu à porta Como o choro de um bebe em parto. Vi que nunca havia viajado no tempo, Mas que o tempo viaja sempre nele mesmo Fazendo dele o próprio reflexo e o espelho. A volta do viajante do tempo foi triste. Receberam-no com profunda tristeza. Ouviram-no com expressão obtusa,


Queriam notícias do futuro, sei lá, do futuro. Ele só disse umas canções, falou de uns aviões E disse que a humanidade seria a mesma. Claro, com cortes de cabelos novos E com mudanças repetitivas. Vaiaram-no publicamente, fotos em jornais. Que viajante mais mentiroso, será que foi ao futuro? - Não, só estava lendo um livro de história. Ah, como é belo o céu. Espero que ele nunca acabe. É uma beleza tão bela, pura, azul, branco, negro, estrela. É cometa e meteoro, sublime eclipse, é poesia. Ah, como é belo este céu. É o mesmo céu em qualquer lugar, na bela Dinamarca e no Oriente que apedreja suas mulheres. É um presente imenso! Até os mais miseráveis podem compartilhar desta beleza. É fugaz, astuto, color, abriga o sol, a lua, a chuva, a cheia. A beleza é universal. Ah, como é o belo aquele céu. É o céu que meus pais viram. Que os pais deles viram. Que o índio que morava aqui antes do português viu. E que, com sorte, amanhã um poeta, um pintor, um cineasta, qualquer artista verá e fará dele imortal na memória. Como é triste, amigo, como é triste. Como a tristeza, amigo, me é triste Do silêncio que diz nada e me diz tudo. Se diz tudo, amigo, que tristeza. Como irei saber o que então me disse? Ah, na palavra, amigo, na palavra Há o reflexo de um pensamento, pois A tradução, amigo, então é feita.

57


Como irei traduzir à minha língua, amigo De um livro de infinitas páginas em branco?

58

Sempre fui certo de que eu poderia ser feliz enquanto soubesse que o sol nasceria amanhã. Mas um dia estudando a física do universo, Tive a notícia que desmoronou meu mundo. Como qualquer ser vivo, qualquer estrela, O sol estaria fadado ao destino dos vivos. Como então sem saber se amanhã, como... Como poderei ser certo de que serei feliz Se não sei se amanhã o galo terá para quem cantar? Aí, li em um bilhete, jogado em uma lixeira qualquer: “Sempre fui certo de que eu poderei ser feliz enquanto eu saber que haverá outras estrelas, tantas estrelas para iluminar tantas vidas.” Eu era médico, cardiologista. Fui também psicólogo. Estudei muita filosofia, sociologia. Antropologia também. Cheguei à sábia conclusão de que o coração Não suporta coisas como amor ou paixão, não! Tudo que se dá é uma combinação louca e insana, Mas já sabida do que irá fazer. O coração é um músculo! Se há amor são hormônios combinando-se. É o cérebro o responsável, sim, eu sou psicólogo! Fiz um trato universal com essa descoberta. “Eis que o coração, músculo, não tem amor, ignorantes”. Fui nomeado homem mais inteligente do século. Quebrei o mito já disseminado do amor, da paixão, do sentir. Aos meus oitenta anos de idade, já cansado de estudar, Virei poeta. Decidi que iria apenas criar, criar, criar.


No meu primeiro verso percebi a burrice que fiz! E meus outros versos foram só chorar, chorar, chorar! Como o coração não poderia amar? Como pensei isso? Com palavras dei-me uma flechada! Corri rápido, Queimei todas minhas pesquisas. Não eram humanas. E agora tento, com imenso zelo, tentar consertar o que fiz: Tento mostrar que o amor, está no coração, está no homem, Está nas palavras. Sou poeta, sou criador, sou redentor. E cheguei à óbvia conclusão de que o amor está. E como a luz batendo na janela de um exilado, lembro-me bastante do rosto dela. É sereno como água numa Moscou soviética, e puro como o berço do outono. Ah, que janela! Nunca andei de trem na vida. Já de avião, já de barco. Fui até à lua! Mas de trem não, de trem nunca. Dizem que a sensação é maravilhosa, linda demais. Se é linda deve ser como admirar o sorriso dela. Será que ao andar de trem terei o êxtase de contemplar a criação do universo, tal qual tenho ao ver seus dentes lindos emanando uma luz límpida e revigorante? Ou será que o trem me deixará contente, feliz ao ouvir seu passar nos trilhos, assim como a felicidade me agarra ao ouvir ou imaginar sua suave voz? Não sei, mas já sei o que farei! Comprarei duas passagens: Uma para mim e uma para ela. E se o trem for como dizem, Com absoluta certeza viverei a felicidade máxima. A de ter a alegria de tê-la e de estar no magno trem. Talvez eu vá na linda e única Maria Fumaça.

59


60

No meio da rua havia uma bicicleta, que outrora fora linda, muito linda, como os cabelos flamejantes de Vênus reluzindo ao meio dia, enquanto Apolo passa com seu carro de fogo – o Sol, os raios do próprio astro rei. A bicicleta mostrava que já possuiu imensa beleza. Havia também ao lado, quase imperceptível, de maneira cômica, um fio de sangue, ao lado dos arranhões e do aro empenado. Muita sujeira impedia que olhos desatentos vissem com atenção uma marca que justificaria e contaria toda a história da beleza da bicicleta: Morrera atropelada uma linda moça. Com ela seus sonhos, com elas seus olhos, com ela sua beleza, com ela sua história, com ela sua glória, com ela seus anos que não chegaram a ser seus. Morreu bastante coisa, mas não morrera tudo. Sobrou o fio de sangue para dizer que existiu. A singularidade de minha mente, louca e rouca ficou um dia desses a pensar: Será que seríamos menos infelizes Se não tivéssemos nossos sentimentos? Sei lá, a angústia sempre toma conta é como aquela babá que nunca larga o pé. Pensei que se fossemos mais frios e robóticos Como os robôs que criamos, fossemos nada. É, não seríamos nem felizes, nem não felizes nem sofredores, nem não sofredores nem melancólicos, nem não melancólicos. Seríamos absolutamente muito nada.


61


62

E que vantagem há em nada ser? Nada, nenhuma, nem vantagem nem desvantagem. É um preço justo esta troca? A vida e a morte por nada? Certo dia conversando com um coveiro, Aprendi a fazer covas. Covas fundas, duradouras. Covas excelentes, da melhor qualidade. Eis que fui pôr o que aprendi em prática. Cavei minha própria cova, profunda, duradoura. Foi por curiosidade, por não saber do que se tratava. Cavei com tanto orgulho e zelo! Quão soberbo fui! Cavei e fui cavando, cavei e fui cavando, cavei! Depois, por curiosidade e coragem besta, Joguei-me dentro da cova com tudo. Hoje sofro o vagar do tempo, aguardando atento O findar de mim na cova que eu próprio cavei. Acordei em São Paulo. Não sei como, nem donde. Nem por onde, eu cheguei. Acordei, era cedo, o sol sorria, acordei. Ah, via o Tietê. E aquela obra de arte: Os quilométricos engarrafamentos! Pensei que por carro eu não havia chegado! São Paulo, que doideira. Como vim parar aqui? Pensei que para voltar à casa bastaria eu dormir! Não havia jeito, nem maneira deu sair! Peguei um quadro e fui pintar. Nada mais belo na vida, Do que São Paulo - o desconhecido Pintar. Violentas chibatadas ouvi do meu quintal! Oh, não, oh não, voltamos à escravidão! Corri, olhei para fora, não vida, nada mesmo!


E donde vinham os sons das chibatadas? Depois ouvi o fogo! Depois água! Será que eram os bombeiros? Não. Era a insônia catastrófica do mundo! A escravidão de fato havia estado ali. Fui lacaio lascivo de meus tortos desejos. Gelo e fogo misturaram-se: Robert Frost, você que disto entende me explique, por favor, o que devo fazer! Ah, foi sonho, tremulo sonho, doce sonho! Não! Violentas chibatadas ouvi... Tenho certeza de que se eu desse mais sorrisos, Eu não seria poeta. Ser poeta é uma chaga, uma doença que cumpro. Talvez pela minha cegueira de ser cego. Meus versos são minhas aspirações, minhas dramatizações, meus gritos e meus consentimentos. Tenho certeza de que se eu desse mais sorrisos, Eu não seria poeta. Eu veria a vida de outra forma, com outros olhos com outros motivos. Meus versos, infelizmente não são cópias reproduzidas. São choros inaudíveis de crianças nunca concebidas. Rosa, rosa, rosa, margarida. Amar é tão bom, tão é bom amar Por mais que faça a vida sofrida. Rosa, rosa, rosa e jasmim.

63


64

Viveria eu sem meu amor? Vai, vida, vai: diz para mim! Rosa, rosa, rosa, açucena. Amar é tão bom, tão bom é amar Por isso que amo a minha morena. Um grito especial no natal assustou a todos. O vizinho de nariz roliço deu um pulo. O homem arrogante coçou o bigode. A dama, mulher dos dois – vê se pode! Serviu champanhe ao outro acompanhante. O motivo do grito especial na noite de natal? O champanhe servido não era do bom. A morte do senhor Odorico Lúcio. Vejam, senhores, vejam! É cor de marfim, bem moldado e lixado! Vejam, irmãos, vejam! Em um terno preto e branco, todo listrado. Não há perfume senão os das flores, tão tristes. As moças de véu, ex bailarinas Os homens armados de palavras. Não há choro no entanto. Nem na hora da missa que a ele fizeram. Morreu, senhores, vejam então O corpo estático, frio e rígido dele. Morreu o poeta, morreu aos seus trinta. Vejam, senhores, vejam! Ninguém deve, atentos senhores, chorar sua morte. “Jaz há tantos túmulos abaixo donde outros estão, o corpo de alguém que o mundo não lembrará. Jaz, e transpassou os limites da morte para sucumbir Ao abraço do esquecimento, o Senhor Odorico Lúcio.” A máquina das eras Eis o nascimento da Quimera.


Anunciando num presságio tonto O fim da era dos homens! O que vem a seguir? Qual era? E a palavra dita dos homens? Todas firmaram-se na história, Mas agora nasce a Quimera. A nova era, a nova era, a nova era! Construída sobre as ferrugens De uma máquina cega! Vai além da compreensão humana É físico, metafísico, mais do que isso! Mais do que os humanos podem saber! É a nova era! Qual o nome? Nenhum humano pode nomear. Morreram todos os poetas. Sou o único sobrevivente, Moro nos cacos da máquina cega. Prometo que cedo vos conto As histórias da era presente!

65


66


PARTE IV PANDORA

67


MEU AMOR DE INFÂNCIA

68

Nas cantigas de roda Com toda aquela beleza Que julguei erroneamente pobreza Ouvi contos e lendas e danças E moças tão belas e danças Fiquei perplexo e maravilhado. Vi severamente a moça do sapateado Pulsou meu peito e meu peito pulsou Apagou o sol e apagou a vida Brilhou meu peito e meu peito cresceu ... Eu era apenas um menino. Ah, que sutileza é essa de um amor pueril Tudo são rosas vermelhas que se acham em qualquer lugar! Cravos e margaridas Ah, o cravo dançou com a rosa debaixo de uma sacada! Se essa rua, se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar... Esperei por dias e dias O meu amor passar! Esperei semanas E depois foram meses E depois anos Ai cresci! Nunca mais vi a moça do sapateado Mas lembro todo dia Do som gracioso de seus passos


CARMINA AMORIS Batatinha quando nasce Se esparrama pelo chão Comecei muitos poemas Com esta dor no coração Menininha quando cresce E aprende a dizer não Faz de homens, garotinhos Escravos de uma paixão Menininha, já mulher Quando quer adoração Pisa e despreza o homem Faz dele pano de chão Mulher muito madura Também quer uma diversão Por isso seduz rapazes E lhes causa confusão Homem tolo não enxerga Que mulher é contradição Se ela diz que o adora É porque ela não quer não Homem que ainda faz poema Não sabe a maldição Que é ser belo e ser gentil No meio de um furação Mulher gosta mesmo, amigo É de perigo e de ação Se você é porto seguro Sequer será a tentação

69


70


Tem moça que eu conheço Que anda na contramão Diz que ama príncipe encantado Mas se desposa com dragão Outras dizem serem moças De perfeita comunhão Mas quando veem o paraíso Lhes abocanha a tentação Tive amiga na infância E seu sonho era prisão Nunca quis mocinho amigo Seu sonho é ter um vilão Conheci uma em São Paulo Essa era moça da razão Vendeu seu apartamento Pra morar com o papão Teve outra na Europa Na cidade de Milão Largou a sua vida mansa Por um bomba afegão Conheci uma em Paris Outra no Cazaquistão Todas eram a mesma coisa Sempre atrás da escuridão Moça bela que se preze Corre de atrás de atenção Mas tem que ser homem vil Essa é sua condição Uma vez achei ter ganho Foi uma bela ocasião Mas passou-se alguns dias Vi que foi tudo ilusão Já rodei todo esse mundo

71


72

Fugindo da solidão Mas moças belas só fazem É chamar-me de irmão Tem homem que é sacana E faz-se de homem bom Enganam meninas meigas Num ato de encanação Essas meninas tão puras Vítimas de cruel dom São todas feras feridas Num ciclo de maldição Mulher ainda faz drama Faz crime e corrupção Com homem tolo e burro Elas o fazem de peão Tem ator de novela E ator de encenação Tem ator que é poeta Ela quer o mais durão Mulher é coisa absurda Escreve com sangue na mão Cada choro que ela chora Sempre é chorado em vão Uma noite numa praia Em um luau no sertão Uma moça disse triste Que não existe homem bom Eu então ri de escárnio Ri com muita zombação Ela diz que quer bom homem E nos trata como cão Depois, logo em seguida Logo após a vil ação


Ele se proclama princesa E vai atrás do mau vilão Já amei em Copacabana Uma moça do Leblon Eu era poeta da gema Mas ainda faltava tom Já fui amar mais distante Uma moça do Alemão Eu era fino e elegante Me chamou de caretão Já amei lá na Jamaica Num Reggae calmo e bom Mas fui como sempre largado Por mistérios do coração Fui em aldeia secreta Peguei um caro avião E a moça me chama chato E me manda pro Japão Mulher, escute, amigo É sempre uma confusão Você acha que fica rico Mas no fim vai pro lixão Uma vez escrevi um livro Falando de dura paixão Uma delas disse lindo E depois apertou minha mão Depois disse-me amigo E disse que eu era bom Até compraria o livro Impresso em papel crepom Em épocas ainda mais longes Conheci a perdição Foram noites de amor

73


74

E anos de lamentação Pois mulher é assim mesmo Tem horas que é salvação Mas na maior parte do tempo É motivo de desolação Uma metáfora interessante É chamar mulher de verão Se você muito a curte Amigo, sofre de insolação Já nasceu nessa terra seca Mulher que muitos amarão Mas o que mais tem no mundo É mulher que chorarão Eu mesmo, escute atento Gosto de mulher tensão Aquela que é mistério Alegria, dor, açúcar e limão Tem mulher ai na vida Que diz que ama o brincalhão Mas gosta mesmo é de palhaço Para sambar na sua mão Outras dizem que querem perigo Que na vida querem ação Mas clamam um lindo romance Na parte da anunciação Enganam ai os tão tolos Que seguem o lindo som Fingem-se belas professoras Mestres na alfabetização Pois homem por natureza Acha que não precisa de lição Mas ao ver a bela moça Pede por reprovação


Eu sou um desses repetentes Que nunca tem aprovação Pois acho que sou esperto E repito o erro com razão E mesmo sendo fadado E maltratado na situação Eu nunca mesmo que desisto E uma mulher tão perdição Já rodei todo esse País Cada canto da federação E ainda estou para conhecer Mulher que não ame furação Já fui a tudo que é canto Procurar explicação Para entender a mulher Busquei até em Platão Mas é muito complicada Toda essa situação Parece-me que o segredo É como a marmita de Euclião A mulher sempre esconde O porquê de sua razão Seu sonho é casar com conde Mas só casa com ladrão Talvez eu seja só menino E não tenha condição De saber por que o bom homem Delas só ganha judiação Até em contos de fadas Tem sempre a bifurcação Pode ir pra casa ou pro lobo E escolhem sempre o vilão Depois vem chorosa a amiga

75


76

Pedindo declaração Diz para eu dizer a ela Que o mundo tem salvação Mas se esse mundo pode ser salvo Só ela tem solução Menina, o coração do homem Está em sua bela mão Mas mesmo assim com tudo isso Com essa gorda punição Afirmo com todo juízo O homem ainda quer paixão E o crime fica mais pesado Quando em momento de tensão Grito no mundo a todo lado Que a amo de todo coração Aí sou largado para trás Ela vai atrás de ação Não quer um homem educado... Eu fico com papel na mão Batatinha quando nasce Se esparrama pelo chão Poeta na mocidade Só fala de sua paixão Menininha quando cresce E aprende a dizer não Para todo homem sensível É fruto de inspiração


77


INTRÍNSECO DESEJO

78

Ao cruzar o sol de Ipanema Vejo a cena de cinema A imagem perfeita e feita Que nunca me é desfeita Passear em passos sacros Pela orla daquela praia É loira, é morena é negra É ruiva, é mulher, é mulher Meus olhos não se distraem E traem a minha mente Eu tento é disfarçar Mas faço evidentemente Tenho uma vontade intrínseca De levantar num repente E juntar toda a força Toda a força do meu descrente E sussurrar numa mansidão Poemas de Vinícius Mas baixo, quase rouco Um murmúrio “Mulher que passa” Ar de toda a graça E depois beijá-la Ipanema é grande E meus olhos maiores ainda Meus desejos jovens expandem-se Mulher que passa Mulheres que passam Ah, adoro essa praia.


ODE À BIANCA Branca, como neve (E Branca de Neve mas sem anões) Alva, princesa minha Estrela Dalva Mil constelações Dama amor, minha casa branca Cisne celeste em zona sul Surpresa e susto é teu destino Límpida e viva como um céu azul Branca, como brancura (E Branca como urso polar em seu janeiro) Bela, minha beleza Minha Lisbela Teu prisioneiro Branca, Bianca, branca Luz em via em construção Trepida minha mente E atomiza meu coração Branca, como pureza (E Branca como bandeira de paz de uma nação) Alegria, minha alegria No céu as três Marias És minha constelação.

79


JUVENTUDE GASTA

80

Quero jogar vôlei mas minha namorada não deixa ela quer um beijo ela me beija e rouba toda a atenção A bola vai e volta passa por minha cabeça fico inexato estático me perco na pontuação É sol na praia e passam moças eu não posso dar uma espiada fico tenso e dispenso não posso perder meu amor Quero voltar para a rede fazer saque com a bola ela não deixa me abraça e me pede flor Não sou carpinteiro Sou jogador Mas passo na floricultura e peço logo a mais bela é ela para ela a flor a quem dou esta flor.


81


CANTIGA DE EXPLICAÇÃO

82

Quando eu era moçoilo E arava no sertão Peguei minha viola velha E então fiz essa canção: Olha só moça bonita Muito bem apessoada Quando for passar aqui Passa menos apressada É que meu tempo é escasso Tenho que arar minha terra Mas tenho o prazer do dia Ao olhar pras tuas pernas Olha só moça bonita Das batatas delicadas Quando for passar aqui Passa com as calças apertadas É que desde criança eu gosto De ver um corpo bem esculpido E tenho o prazer do dia Ao ver um corpo bem vestido Olha só moça bonita O trabalho aqui é maçante Quando for passar aqui Passa alegre e dançante É que o trabalho meu é sofrido


A água é escassa e quente Mas tenho o prazer do dia Ao ver moça saltitante Olha só moça bonita Meu trabalho logo acaba Quando for passar aqui Te convido a violada É que meu pai já dizia Mulher boa é a que dança E tenho o prazer do dia Ao viver essa esperança Olha só moça bonita Não sei parar de te olhar Quando for passar aqui Com certeza vou te amar.

83


PRIMEIRO CULTO À PANDORA

84

Pandora, culto do mistério Áspero caminho que leva à perdição (ou seria a perdição?) Meu amor, minha vida minha maldição Caixa divina da divina ação Caixa de males de males tão bons Caixa advinda da falta de confiança (Prometeu traiu Zeus Cronida) Caixa da caixa da caixa da esperança Quando ela passa eu paro Paro de viver Paro de sonhar Paro de sentir Paro de ser Quando ela passa O tempo para Tudo para Quando ela passa Pandora é sofrimento Mas que herói não gosta de sofrer? Pandora é o lamento Mas que divino não lamenta? Pandora é ser E que humano não sabe ser?


É por isso que amo Pandora Ela me faz ser cada dia mais E cada dia mais eu sou.

85


TRANSEUNTE DO TEMPO

86

Sou um transeunte Passante presente Retratado de uma mocidade Beijo simbólico de união Quadro pintado por Picasso Escondido em vão de teatro Nunca achado Mas também nunca procurado Sou um transeunte Passando no vazio opaco No limiar e na margem Do seu caminho E se ainda não me achou É porque, como sempre Não me procurou Sou ensaios de Da Vinci Perdidos em malas de viajantes Sem assinatura e sem identidade Vivo, vivendo, na marginalidade E se me vir acenando ali na próxima esquina Com os olhos vermelhos (vermelhos de nicotina) É porque estou nervoso e aflito Espero há bastante tempo esse momento Quando você chega e sorri Sou um transeunte


Fecundo e disperso no mundo Passado presente Futuro passado ParticĂ­pio eterno Disperso no mundo No fundo de um quadro A te esperar.

87


DECLARAR-AÇÃO-EI

88

Passarás os passos de teus pés Nas montanhas Freudinas que possuo Não permito, no entanto, o seu uso Se não disseres a mim o que tu és. Como assim já sei a tua essência? És menina, leviana, sem prudência! Como assim já sei o que te faz? És menina, leviana e quer paz! Passarás seus lindos dedos em mim Nas costas minhas na massagem nupcial Não acredito que tu dissestes sim No casamento lindo nosso em natal. Como assim dizeres não era impensável? Se te amei foi pelo mistério inexorável! Como assim o teu amor é infinito? Se te amei foi pelo teu ser bonito! Passarás a tua vida ao lado meu No resto da vida que ainda virá Não acredito que a felicidade exista Mas nosso amor profundo a inventará.


FILME DE JULIANA Cena I Belo bueiro vemos E temos sequer dinheiro ouça: nos amemos! Ao som deste carnaval Em fevereiro A vida é como uma novela Passa por capítulos Fora das câmeras refilmamos Todas as cenas E como novela que se preze Temos de dar ação Por isso relembro Nos amemos neste carnaval! Cena II Natália passou por mim Dei oi, beijo, abraço foi-se embora Perdi o laço Passou comercial Socorreu Fugiu Latiu Encontro causal por coincidência forjada Saiu da faculdade toda letrada E recitou Machado de Assis Quem disse que eu quis? A vida é uma novela

89


90

E novela mesmo que se preze Só termina no final. Cena III Ação! Tiros Roubou meu coração delírios Colírios para meus olhos Dançava valsa Que novela! Que ela! Modelo de passarela! Cena IV Que fevereiro! Que Janeiro! Já estamos em Tiradentes E falta-me verba E verbo Para me expressar Calei-me Cacei-me E Nada Já estamos na fila! E o beijo é um remédio Dado em doses médias E em médias prestações Sou um novo Bonde, James Bonde Agente secreto da agência secreta É por isso que não sou reconhecido Nem pelo oi Nem pelo beijo Nem pela cara de gato faminto Ai que saudades de Machado! Cena V É plágio de Augusto


“Vês! Ninguém assistiu ao formidável enterro” É claro que não! Só haviam duas pessoas Eu e a que morreu. E os beijos de novela Juliana levou com ela Pena não ter sido dela A morte que é tão singela Foi da outra, a Lúcia Cantou Caetano e apaixonei Mas ai que isto é ação Romance drama distorção Fomos ao parque Lúdico fui eu Morreu Ela sumiu Trocou a temporada Nunca mais a vi. Cena VI Passou passarinho Passou tão limpinho Passou rapidinho Já estamos no outono! E é outubro! Estou confuso! Juliana virou modelo Passou nas passarelas E eu a passar por ela. Cena VII Ato de desolação Quando a polícia vira ladrão Ou o contrário? Quando a novela vira

91


92

seriado barato e o filme perde o contrato É como a bela história de amor Ao longe, atrás dos arranha-céus Num trio-elétrico de rock e baião vem ao fundo Gisele, linda Gisele De um filme de terror-ação E pele morena me tira a faceta E volto sorriso ao seu caminhar Sou Bonde, James Bonde E perdi minha carteira de agente secreto. Cena VIII É Janeiro! Dia de feriado Ano de intuição Mentira! Janeiro é mês! Férias, intuição e Juliana... A boate lota! Frequentada por todos os cães Há também gatos vira latas sarnentos e cães! Toca samba! E toda a praia a frequenta Vejo a imagem esquizofrênica do bueiro É frase não dita do tal tio Sam Ele parou de me abençoar Juliana parou de amar Alguém viu a carteirinha secreta (do clube do bolinha) Da agência James Bonde? Cena IX


Não se pode esquecer Que a vida A novela é tudo farinha do mesmo saco. Há tantos anos por ai E tantos dias e tantas horas e minutos e absurdos... Quero comercial Olha o preço da batata Vem até com sanduíche! É como o rosto de Michelangelo Pintando pelo próprio em pedra de carvão Rústico e belo Sujo na própria sujeira tornando-o puro Michelangelo sabia pintar-se por isso usou carvão sobre carvão Cena X Meu sábio irmão falou que quem finge não tem mulher que acaricie suas mãos no inverno e que cante como sereia as músicas que os Novos Baianos cantavam e cantam muito bem Que pena de Machado fingiu tanto e tem tantas fãs! Quero Cecília Quero a Meireles! Eu finjo muito, sou artista

93


94

dessa novela, dessa vida Juliana modelo de passarela Quantos não passam por ela? Perdi a licença de Bonde, James Bonde E os bueiros continuam a me incomodar é como um violino desafinado em todo concerto final o último concerto da vida de Pavarotti Cena XI Toda novela tem uma musa Aquele livro lá dos gregos do poeta cego chamou várias musas E aquele outro, também doutro grego que fala de criação chamou outras musas Acredito fielmente que meu pai também filho de um pai filho do filho do filho doutro pai que também teve um pai também teve suas musas É tempo de reflexão e de reflexo Sinto muito saudades de Machado Alguém me canta Gonzaga? Quero minha asa branca de volta O tempo de solidão é o tempo mais eterno possível. Cena XII Passou-se tantos verões tantos carros e aviões tantos passarões e leões


a vida se tornou uma selva um documentário chato e longo descrevendo a vida de chimpanzé a procura de relva na selva Juliana tornou-se musa Eu nunca mais ouvi poemas Há tantos Bondes por ai E tantas carcaças A nossa obra de arte sumiu Monalisa Sempre sorriu De ação nossa novela tornou-se Um programa de fim de domingo que reprisa quatro vezes na televisão Mais uma estação e volto a fevereiro Ai reprisa a novela Por ela Dela Nela E eu desenho a flor. A prefeitura concertou os bueiros É época de eleição Quem sabe assim falcão veloz não voa mais rápido? Relógio de ouro é perdido Agora sou músico e musico tudo que me foi falado Pena que Heidegger confunde minha cabeça Ao dizer sobre o ser do ente que ao ser música por mim faz as pessoas acharem que falo

95


de um ser que está doente A doença é mesmo minha Que dei ao meu filho o nome de Júlio E de Juliana chamei a filha minha E a mãe? Surpresa de final de novela Não está nem nunca esteve nas passarelas Também nunca falei anteriormente sobre ela E a mãe? Nem nome tem Aliás, quem precisa? O que vale mesmo é o amor O resto tudo merece desdém Sinto falta de Machado.

96


97


TARA ESTRANHA

98

É partida de futebol a bola já vai rolando quando a Maria vê o sol O jogador já está agarrando É típico aqui da terra, serem as mulheres assim Todas elas tem uma tara que tara assim ninguém ter por mim Também tem no show de música com palavras rimando no ar Nem ligam para estética e já querem casar É típico aqui da terra, serem as mulheres assim Todas elas tem uma tara que tara assim ninguém tem por mim É estreia de filme, de cinema e de galã todas elas com leveza vão com cheiro de hortelã agarrar o astro cheio de beleza É típico aqui da terra, serem as mulheres assim Todas elas tem uma tara que tara assim ninguém tem por mim É festa animada na praia E tem os poetas recitando Os homens empolgados na vaia E as Marias lá amando É típico aqui da terra, serem as mulheres assim Todas elas tem uma tara que tara assim ninguém por mim


Eu mesmo nada sei fazer Nem mesmo sei capinar Nem prédio eu sei erguer E não te mulher para me amar É típico aqui da terra, serem as mulheres assim Todas elas tem uma tara que tara assim ninguém tem por mim

99


DECLARAÇÃO DE SENTIMENTO

100

Ouve o som do sino? Que balada ao compasso do passo do gostar tão menino que sinto cada vez que penso em você? Eu preferiria e mesmo assim com muita dor Não ver você em mais nenhum momento Para não ter que sofrer quando você se for Mas aí vejo o lamento e entro em questionamento: É melhor ter-te aos poucos segundos que posso E depois angustiado querer um muito mais? Ou não ter-te por perto sempre e rezar um Pai Nosso Para que meu amor se acalme como barco no cais? Não sei e também muito não me importa! Amo-te e hei de amor haja o que houver Amarei-te mesmo depois de morta Pois mesmo não sendo é minha mulher!


101


MENOS POESIA

102

Sentando num bar noturno Um bar lá da Lapa Tomando meu chope escuro Num bar lá da Lapa Morena dançou perfeita Num bar lá da Lapa Foi ela a presa perfeita Num bar lá da Lapa Pedi um guardanapo Dum bar lá da Lapa Escrevi um recado Num bar lá da Lapa A ela levou um garçom Dum bar lá da Lapa Voltou o papel com batom Num bar lá da Lapa Tomei outro chope escuro Num bar lá da Lapa Olhei para um ponto escuro Dum bar lá da Lapa Morena caminha seguro Dum bar lá da Lapa E tenho surpresa imensa Num bar lá da Lapa Morena já vi na imprensa Dum bar lá da Lapa Quem liga? Agora perdi o ritmo


Mas é licença poética Não é todo dia que se encontra Num qualquer bar da Lapa A musa da televisão.

103


AMOR EM PLENO SÉCULO XXI

104

Ela manda um recado via sms Eu retorno falando pela internet Ela diz que quer tomar sorvete Eu digo que posso pedir algo muito mais interessante pela internet e ainda podem entregar em casa e nem levantamos do lugar. Ela (irada) diz que isso não é amar Eu pesquiso no Google o que é amar Colo lá para ela, estou bastante fundado Ela desacredita, diz que é tudo mentira Eu busco então em outras fontes Todas excelentíssimas fontes Ela se recusa ainda a acreditar Tudo por causa de um sorvete que eu não quis tomar? Eu vou e ligo Ela não atende Mas eu a vejo curtindo gente numa rede social Vou e causo intriga Depois causo uma briga Depois causo choro E vem um manolo me perturbar


É o amigo dela Metendo-se em meu relacionamento Tudo por causa de um sorvete que eu não quis andar? Espero dar um tempo Como ninja na sombra a observo Ficam-se os dois de lamento E surgem amigos do oculto (Odeio esse tipinho lazarento) Dois dias é o suficiente Ela manda uma sms Eu mando duas tenho muito a falar Ela responde, pede para ligar Eu ligo, tenho bônus de sobra Marcamos uma pizza Que dia? Sei lá, daqui a duas semanas Tem muito trabalho a se fazer Tenho crianças a lecionar Ela tem casas a arquitetar Passam-se dias e dias Passam-se dias e dias

105


106

Ela vai e de repente curte Tati Bernadi Falando sobre homens de verdade E como esses garotos ficam na internet Fala também que não sabem amar E que mulher que se dá valor Procura homem (Como se homem não tivesse em qualquer lugar) Ai curto e dou uma ironia Respondo seco E ela vem me ligar Perguntando que falta de respeito é essa E retruco dizendo Que a falta de respeito foi dela em primeiro lugar Tudo por causa de um sorvete que não fomos tomar Passam-se dias Passam-se dias Todos sabem que estamos em crise Não resisto, muito a amo E muito ainda a quero amar Compro sorvetes compro chocolates faço postagens faço recados faço massagens troco mensagens e juras de amor Comovidos os entes presentes dão seu apoio a nossa união Ela diz que ama Eu digo que a amo


Marcamos evento Da nossa uni達o E ganho um casamento tudo isso por causa de um sorvete que n達o fui tomar.

107


DEDICAÇÃO

108

A ti tenho grande afeto E olhas bem atenta ao que digo A ti que me dedicastes uns poemas Presta atenção Deu-me uma alegria estranha e única A ti que me inspirastes alguns dias E outros também Dedico estes pobres versos E pensas bem no que agora digo: Amo-te tanto quanto te odeio. É um limiar que não compreendo Quero-te tanto quanto te rejeito É uma contradição que não aceito. Quero-te muito, mas ao mesmo tempo E mais até, sei que me é mal imenso. A ti que no início pensei em dedicar Este poema Digo que por mim jamais lerás Este meu tortuoso dilema.


AMARGO Tudo que é veneno e não é doce tem que escorrer até que se finde Guardá-lo na memória ainda que em dose ínfima é dor e dor que pode ser sanada e ainda dói

109


AMOR DE GAFIEIRA

110

Na madrugada a rosa, o sono, o sonho Pela manhã a dama, indaga e grata Responde ao meu charme de ontem Com doses altas de seu charme mulata No nosso ponto de encontro penso Se realmente devo ir em frente Mas a mulata impele, chama e pede Ela faz tudo para que eu sempre a tente Num bar da lapa quase a meia noite Com doses altas e quentes de aguardente Em samba morno de uma gafieira velha Vejo a mulata sorrir bem sorridente O meu sinal de vida então apita É um sinal divino de vida me alertando Que é perigo muito perigoso Ter uma mulata dessas me flertando Na madrugada a rosa, bem viva e tensa Pelo caminhar que tenta adivinhar a moça Faz graça ao receber um beijo doce E adocicado penso em não usar a força No nosso ponto de encontro fóssil No dia posterior ao nosso encontro doce Ela seca, magra, indiferente age Como se amantes a gente nunca fosse!


EIS O SEGREDO DE PANDORA Provo facilmente a minha teoria de que a dor deriva da alegria e a alegria deriva-se da dor Leia na bíblia que desde o início da costela de Adão fez-se sacrifício e de sacrifício nasceu Eva, uma flor E para os gregos, pais de nossa era do barro e dos deuses fez-se quimera e da quimera fez-se belo presente Comeu, pois, a mulher a maçã e também na Grécia foi cruel vilã e vilã deixou homens contentes Amiga da cobra dissimulada dizem que também foi ensinada e ensinada causou-nos uma guerra Se a paz reina em tal império quem há de gozar de tal mistério em qualquer canto desta terra? Sem, então, a tenra e doce dor não haveria espaço para o amor e não conheceríamos a alegria Sem a guerra, não seríamos cientes de que a paz é existente e o mundo não se moveria.

111


XXIII

112

Não basta ser mistério Tem, além de tudo Que me surpreender Me encantar Me domar! Pois que todo poeta ama E admira tanto quanto ama O belo som de palavras O caminhar de pontos O estrondo que é o encontro Entre dois singelos A’s Não basta ser apenas bela Nem ser toda mistério Tem, e fez com bastante maestria (Aquela que dizia que não havia) Aquilo que de mais belo há!


XIX Dos teus olhos glaucos como de Atenas vem a luz – alva -a me seduzir. São passos finos e sublimes que teus pés agora dão, sigo o rastro, como de um cometa, da tua vida. Sei teus passos, limpo tuas feridas. Teu sorriso é como a flecha superluminosa a perfurar as brumas de meu dia. Tua vida, tua vida é tudo e tudo é tão belo... Já me contento com o teu suspiro.

113


EXPERIÊNCIA DE GUERRA

114

Enunciam-se, lentamente, os desastres os cafajestes, os mal amados, as pestes com meia hora já sem tem um mal e com dois dias de assunto ele já é normal Criam-se anti expectativas de um romance tudo caminha para um desastre sem chance e nos castram elas as esperanças iniciais de que poderíamos ter belíssimos finais Homem é tudo igual, ela pronuncia é o mesmo discurso que sua avó já dizia mas recusa-se a enxergar que seu avô até o dia de sua morte a respeitou Tento de todas as maneiras mostrar-me bom ela evade, se esquiva, finge que perdeu a visão e repete a si mesma num espelho, tão natural que homem não presta, é sempre tudo igual! Viro as costas e ela segue a vida, vai à caça por faro, instinto, vai aos males da mesma raça sempre o enunciado, o desastre, o cafajeste depois chorosa diz: “não há homem que preste!” Dou consolo, não a suporto chorosa ela devolve, muito feliz e carinhosa aproveita-se de mim, me faz carinho e ao final diz “você é só meu amiguinho!” Passam-se anos e muitas estações


ela já está distante há muitos corações e recebo carta de amor e profundo espanto tenho ao descobrir que ela me ama tanto! Não posso, não quero, não devo com a mulher que me fez mal não me atrevo a fazê-la feliz depois de tanto mal me feito talvez agora ela enxergue o homem perfeito! Chorosa ela volta ao seu tipinho vil dizendo que eu sou aquele que viu seu interior e de forma cruel abandonou aquela que por mim se apaixonou! Ora essa, meu tempo não é eterno já suportei por ela tanto e muito inferno que meu afeto congelou-se no nada que está mais irreal que conto de fada E ainda tem coragem infame de dizer que neste mundo ainda está para nascer homem que a trate como Musa Haveria, se ela não fosse tão confusa!

115


116


117


JULIANA DE NINGUÉM

118

Escutas, Juliana, escutas! Que te faça minhas palavras sentidos, E que te alcance bem mais que os ouvidos O que tenho agora a narrar. Escuta também o transeunte, E qualquer outro que a atenção prenda O que tenho a revelar. Escutas, prestas bastante atenção! Vi-te na cegueira mais pura minha A escuridão guiou-nos, tu a mim Eu a ti. Perdi a direção, foi o fim. Bateu-me o coração bem disparado, Pulsou eletro raios meus impulsos, Cantou como um galo minha razão. De cara fiquei preocupado. Escutas, prestas bastante atenção! Juliana, não sou príncipe Ou sequer sou homem dos teus sonhos, Sou poeta de dias tão tristonhos E nada tenho a te oferecer: Nem o conforto de um duque ou conde Nem o conforto de um homem estável. Como disse sou poeta e vivo a escrever. Escutas, prestas bastante atenção! Não tenho um brilhante futuro Mas sei que futuro tenho, garanto Não serei homem na história, não tanto Mas juro que tentarei ser o melhor


Pois que tu és uma princesa Rainha d’ouro em terras secas Mais firme que o mais firme nó! Escutas, prestas bastante atenção! Tua beleza faz eclipse obliterar Faz a escuridão do dia claro desaparecer Faz o sol na noite escura e fria nascer Faz Vivaldi voltar dos mortos e compor Faz a abelha ter zelo por seu ferrão Faz a vida ter todo o sentido do mundo E faz eu redescobrir finalmente o amor! Escutas, presta bastante atenção!

119


O AMANHECER LINDO DA FLOR

120

O mundo é um pecado aos teus pés Porque roubastes dele toda a beleza Superando, inclusive, a natureza Por ser a pessoa bela que tu és Por mais que um homem louco de rancor Por vaidade à sua vaidade Cortasse a tua casca, que maldade! Tu sem tuas pétalas seria, ainda, a perfumada flor E mesmo que sofras na agonia de ser somente caule Sofrendo as cóleras de espinhos da paixão Escondendo-se em pedras por rude precaução Jamais esconderás o bem que vales! És flor, magnifico ser do mundo De beleza e perfumes inigualáveis E a essência, coisa tua, é divindade Não será ferida, pois teu ser é mais profundo És majestosa como a areia no deserto Uma presença deveras necessitada Pois que já intrínseca a beleza já criada Sobressai-se a todos os grãos de certo e certo És como o lobo solitário em matilha Feroz e defensiva com teus tais amigos Mas jamais, flor, assim serás comigo Pois que de longe enxergo tua secreta ilha Sei que todo homem há de errar


E que muitos hão de te ferir Mas, flor, não se esqueça de sorrir A cada passo novo que te faça andar Por trás desta pedra em que se escondes E deste caule seco que tu fizestes Há muito além, além destas pobres vestes Há a linda flor intacta que vive em ondes Lembre-se, e sempre, lembre-se! Que toda folha seca florir-se um dia consegue Que todo galho seco um dia se ergue Lembre-se, e disto lembre-se! Por mais que se aches um fel azedo E que há em ti um veneno que de um mal exale Há sempre de ter um ser que o inale Para tirar de ti teu próprio medo E por cada pétala tua que cair Espere que amanhã o sol amanheça E já não cega talvez saibas que isso aconteça Pois o mundo há de alegrar-se ao teu sorrir Sei que são em teu caminho muitas as tentações E que te achas uma vil e destruidora quimera Mas espero que contigo sejas ao menos sincera E dê-se ao luxo de tentar novas paixões!

121


TOLO OU EXPLORADOR

122

Quem e em face do que Escolheria a solidão Tendo em sua mão Princesa como você Talvez existam muitos tolos Vagando erroneamente neste mundo Talvez além deste motivo ralo Exista um motivo mais profundo Quem dotado de espírito Escolheria vagar só Dando na alma um nó? Por isso nunca desisto! Hei de encontrar o que não encontraram Garimpar seu ouro mais valioso E onde muitos dos outros erraram É lá que sairei vitorioso! (Ou perderei e sairei choroso Mas com a honra de ter tentado Até o último momento tido Por mais que tenha sido penoso)



Este livro foi foi produzido em 2014 seguindo as tipografias Abraham Lincoln 42/45 e Baskerville Old Face 11/15.



Não é minha culpa se as estrelas caíram para te dar passagem quando descobriram que tu eras de fato um anjo, um anjo querido que meus olhos e coração se embriagaram de tanto te admirar.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.