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AUTOR: JORGE ARMANDO PEREIRA ORIENTADOR E REVISOR: PROF. DR. PE. LINDOLPHO ANTÔNIO DA SILVA ILUSTRAÇÃO DE CAPA: SILVIA PELISSERO (Italiana conhecida como “Agnes Cecile”)
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Dedico esta pesquisa de maneira especial aos meus Pais que durante o período de desenvolvimento acadêmico incentivaram-me a prosseguir nos estudos e pesquisas. Ressalto também a colaboração de todos os amigos e conhecidos que de uma forma ou outra contribuíram com a elaboração deste material que hoje ganha seu devido lugar: a partilha do conhecimento.
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AGRADECIMENTOS “Eu gostaria de agradecer a Deus e a todos os familiares, amigos, paroquianos de origem e de estágios pastorais, professores, formadores, seminaristas, diáconos, padres e bispos que participaram e conviveram comigo nestes três anos onde esta pesquisa se desenvolveu. A todos tenho que agradecer imensamente pela atenção e colaboração as quais foram de extrema relevância neste projeto. Sem a colaboração de todos, este projeto não teria saído sequer do papel. Se hoje ele se tornou realidade, é porque cada um sonhou um pouquinho junto comigo. Palavras se tornariam vãs para agradecer tantas pessoas, tantas conversas, tantos bate-papos, tantas correções, tantos livros que eu não pude comprar e amigos providenciaram de uma forma ou de outra. Mas tudo valeu a pena, pois com suas singelas e verdadeiras ajudas, tudo se concretizou, agora o conhecimento pode ganhar seu verdadeiro lugar: a partilha, a vivência”.
Obrigado, Deus os abençoe. Jorge Armando Pereira.
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“Alado pelo gosto, mesmo o rastejante trabalho a soldo escapa ao chão, as correntes da servidão partem-se como ao contato de uma vara de condão, libertando tanto o vivo como o inerte” (FRIEDRICH SCHILLER)
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RESUMO
Inseridos em uma contemporaneidade individualista e convergente ao processo da desvalorização moral, esta investigação está embasada no pensamento do filósofo Alemão Friedrich Schiller que visa ressaltar um novo caminho para a formação da moral humana. Sendo a beleza, a principal agente formadora do caráter ético e moral. Tal objetivo é alcançado utilizando-se dos atributos que a beleza suscita no homem, sendo este inserido ao ambiente estético desde os primeiros ensinamentos para que o tecer de sua moral seja progressivamente moldado sob os padrões da liberdade, espontaneidade e autonomia. Portanto, proporcionado ao individuo um agir e proceder tão natural que o próprio filósofo o caracteriza como alma bela. Assim, suas ações deixarão de ser meramente controladas pela imposição da sociedade, mas sim, impulsionadas por seus próprios valores.
Palavras-chave: Beleza; Formação; Moral.
ABSTRACT
Inserted into a contemporary individualistic and convergent to the process of moral devaluation, this research is based on the thought of the German philosopher Friedrich Schiller which aims to highlight a new way for the formation of human morality. Being the beauty, the main agent shaping the ethical and moral. This goal is achieved by using the attributes that beauty arouses in man, and this added to the aesthetic environment from the earliest teachings to the weave of his morals is gradually molded by the standards of freedom, spontaneity and autonomy. Therefore, provided the individual with an act and proceed as natural that the philosopher himself characterizes as a beautiful soul. Thus, their actions will no longer be merely controlled by the imposition of society, but, driven by their own values.
Keywords: Beauty, Training, Morale.
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SUMÁRIO
1 .BIOGRAFIA...........................................................................................................09
2 O SIGNIFICADO DA BELEZA E SUA EXPRESSÃO 2.1 Natureza e Fenômeno...................................................................................11 2.2 Liberdade e Espontaneidade......................................................................15
3 O BELO NA ARTE 3.1 Arte e o Belo........................................................................................................20 3.2 Estado Natural e Estado Moral........................................................................25
4 A BELEZA NA FORMAÇÃO MORAL HUMANA 4.1 Formação.........................................................................................................31 4.2 Moral................................................................................................................35 Considerações finais.............................................................................................39
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.........................................................................42
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INTRODUÇÃO
Carregamos por séculos, indumentárias que desde a primitiva sociedade tendem a formar o homem submisso aos anseios de uma sociedade determinista. Obtendo assim uma massa onde seus anseios e reações possam ser previstos e interceptados com precisão e força. Com isso, o homem percorreu o limiar da história sendo manipulado na sua forma de pensar e agir. Desta forma, uma pequena parcela elitista sempre esteve à frente da formulação e aplicação de ideias e conceitos, fomentando no homem certo comodismo referente à reflexão e ao agir. O indivíduo acomodado sob conceitos pré-formados cultiva a falta de autonomia e principalmente um agir direcionado ao individualismo e ao egoísmo. Com isto, a realidade parece não ter sofrido muitas alterações, desde os primórdios dos tempos, a sociedade pelo contrário buscou apenas desenvolver uma massa populacional alienada, fonte de um produto manipulável. Liberdade, autonomia, equilíbrio, foram aspectos que a sociedade aniquilou, por meio do comodismo que ela mesma impôs. Diante desta realidade, o autor alemão Friedrich Schiller desvela-nos um universo de possibilidades, para que o indivíduo possa gradativamente ir formando o seu caráter moral e, em contrapartida, desenvolvendo seu senso de autonomia e liberdade, deixado de lado pelo comodismo incutido pela sociedade vigente. O filósofo adentra a particularidade de um termo, muito deturpado pelos homens, a beleza. Partindo do belo ele desmistifica sua origem e demonstra-nos a multiplicidade existente em sua aplicação a formação do homem. Fatores moldantes permitirão que o indivíduo seja direcionado de forma silenciosa e suave a formação de um reto agir. Assim, esta pesquisa proporcionará ao leitor um profundo mergulhar nos mais minuciosos detalhes que acercam a beleza, não apenas como mais um objeto da futilidade, mas tido agora como um preponderante artificio orientador da moral. A cada capítulo podemos conhecer os significados e expressões da beleza, compreendendo cada vez mais o seu papel enquanto fenômeno, natureza, arte e belo. Permitindo conhecer o funcionamento das ações humanas, observando os estados: natural e moral que homem vivencia, para que no final descubramos o valoroso poder formador da beleza. A formação e a objetivação deste estado de “alma bela”, só poderão ser compreendidas após o percorrer atento o desenvolvimento desta pesquisa, onde seremos surpreendidos no final com um belo e substancioso relato da vida real, evidenciando-nos de fato a aplicação desta teoria apresentada.
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1 BIOGRAFIA
Joham Christoph Friedrich Von Schiller nasce em 1759, na cidade de Marbach em Neckar (Wuertemberg). Atingindo a idade dos estudos ele é forçado a estudar Direto na escola de Carlos Eugênio. Por se tratar de uma iniciativa forçada por seus pais, Schiller mais adiante decide abandonar a faculdade e iniciar seus estudos no campo da medicina. Em 1777, ele inicia suas explanações no campo da poesia, sendo sua primeira obra “Os Bandoleiros” que o consagrou em sua época na qual as pessoas viviam sedentas de liberdade. Logo em 1780, Schiller formou-se médico militar e firmou-se no campo da medicina no exército de Wuertemburg. Dois anos depois, sua peça teatral “Os Bandoleiros” foi apresentada em Mannheim onde conquistou o público de imediato, lançando-o em toda a Alemanha. Pouco depois Carlos Eugênio o proíbe de exercer sua função poética. Desta forma, Schiller se obriga a fugir para Mannheim numa noite de setembro de 1782. Residindo em Mannheim, Schiller produziu incessantemente, suas obras lhe projetaram na dramaturgia Alemã. Em Darmstadt, ele conhece o duque Carlos Augusto de Weimar, que lê parte a sua obra, entusiasmado com seu potencial intelectual o convida e o nomeia conselheiro. Em 1787, ele viaja a Weimar e conhece Goethe, ministro e amigo do Duque Carlos Augusto que na ocasião se encontrava na Itália. À primeira vista, não parecem preparados para se conhecerem e somente após dez anos é que ambos iniciaram uma amizade fecunda da qual surgirá as cartas que ficaram famosas na história. Goethe sabia de seu valor, mas algo não o agradava em sua primeira obra “Os Bandoleiros”, pois não lhe transmitia simpatia. Goethe, por possuir a cátedra de história da universidade de Iena, parecem não se suportarem, mas algo os liga: o seu modo de pensar. O encontro que marcaria a história de ambos ocorre em 1794, em Iena, quando eles iniciam uma discussão que levaria a uma grande amizade. A partir disso Schiller inicia um diálogo com Goethe através de cartas, onde ele esboça seus pensamentos. Neste caminhar é que se desenvolve seu pensamento estético, que vai se estruturando a partir da troca de cartas que proporcionaram a Schiller um amadurecimento de suas ideias que, muitas vezes, são iluminadas pelas opiniões de Goethe. Em sua viagem a Iena, Schiller conhece aquela que seria sua futura esposa Charlote. Em 22 de fevereiro de 1790 se casam e constituem uma família com duas filhas e dois filhos. Em 1799, deixa Iena para residir em Weimar, onde recebe o título e passa ser chamado de Friedrich Von Schiller. Vale ressaltar que Friedrich Schiller contou por anos com a ajuda e o incentivo financeiro e intelectual do Príncipe dinamarquês Friedrich Christian Von
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Schleswing-Holstein- Sonderburg- Augustenburg. Esta amizade o impulsionou a dedicar-se mais tempo a seus estudos que não puderam fruir. Assim ambos trocaram durante certo período correspondência, onde Schiller construíra seu pensamento acerca da educação estética. Com isso ele pode ter sua estabilidade financeira definida para que seus estudos pudessem acontecer, sem que a pressão por ele antes enfrentadas das editoras fosse de fato extirpada de sua cotidianidade. Haja vista que a ajuda de custo que o Príncipe lhe oferecera possibilitava que suas despesas corriqueiras dele e de sua família pudessem ser sanadas sem que se houvesse a necessidade que Schiller trabalha-se em outra função senão produzir e estudar sobre o assunto que lhe interessava. Desta forma foi que Schiller produziu e concluiu seu pensamento acerca da educação estética evidenciando pontos fundamentais no processo de formação do caráter humano, haja vista, tendo como fator preponderante a beleza, esta que lhe permitirá alcançar o objetivo final de proporcionar ao homem um processo digno e nobre, para que suas ações futuras sejam de fato morais e belas. Assim o autor, estrutura sua obra embasada num processo de emancipação do homem, incitando a humanidade a redescobrir o valor da arte como mão formadora de caráter, esta que pode transformar a vida do homem em uma obra de arte. Com isso Schiller, esgotou todas as possibilidade formativas da arte, presenteando-nos com seus belos escritos que entraram para a posteridade. Após muitos anos de dedicação à produção poética e filosófica, Schiller debilitado em sua saúde, acometido de uma doença pulmonar (tuberculose) morre em 09 de maio de 1805, aos 45 anos, deixando-nos uma completa literatura sobre a estética, como agente fundamental na formação humana. Entre outras obras Schiller produziu também: Canção do Sino (1790); Dom Carlos (1788); a trilogia Wallenstein (1799); Sobre a educação estética do homem (1795); Sobre poesia ingênua e sentimental (1795); História dos trinta anos e entre outras diversas traduções e romances.
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2 O SIGNIFICADO DA BELEZA E SUA EXPRESSÃO
Seu significado desvela-se como um descortinar do mistério que o envolve, expressando de fato seu verdadeiro valor e expressão no processo destacado.
2.1 Natureza e Fenômeno O filósofo ressalta o conceito de natureza, este que é o cerne de tudo, pois é o que de fato fica após dessecarmos todas as variáveis de um conceito. Para Schiller, esta é por si só, não havendo a necessidade de intervenções exteriores para que a determine. Sua significação se dá a partir do sentido que ela proporciona ao objeto, lhe conferindo o sentido de seu próprio existir1. Observamos que a natureza é o que faz com que algo seja de fato necessário e útil para sua existência. Cabe-nos ainda inferir que este ser é o centro primordial da conceituação das coisas, pois as fazem ser por elas mesmas. “Diante da técnica, a natureza é o que é por si mesmo; arte é o que é através de uma regra” (SCHILLER, 2002, p.85). Esta natureza é o que faz com que algo se comporte como tal, fazendo com que ele seja impulsionado a ser pela simples razão de existir neste espaço cronológico em que vivemos. Assim, por conseguinte, observamos que esta essência possui uma força inexplicável, que incita o objeto em questão a ser impulsionado a realizar ações, tais como o simples ato de se fazer presente. O existir se deve a necessidade a qual lhe é conferida por meio desta natureza, que o autor apresenta como um agente que não está divido, mas intrínseco aos objetos que sofrerão as ações. Neste sentido, ABBAGNANO (2007) entende que a natureza, também ela, funciona como um sistema de regras determinado pelo Grande Autor das coisas. Desta forma, percebemos que este simples e misterioso existir está atrelado à determinação de suas ações, bem com uma regra que lhe determina o que e quando realizar. Todo este processo se deve pela impulsão causada no objeto que o faz digno de ser e estar neste espaço de tempo. Este ser por si só proporciona uma iniciativa primordial, a qual provoca o agir das coisas e determina este que antecede a ação, pois não está nas mãos dos homens, mas sim na determinação das coisas, que não depende de nós para que sejam, mas são por livre e espontânea necessidade de ser.
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“Em sua acepção estética, a natureza da coisa é a sua individualidade, a ‘pessoa da coisa’. Em outras palavras, ela é o ‘princípio interno da existência numa coisa, considerado ao mesmo tempo como fundamento de sua forma; a necessidade interna da forma” (SCHILLER apud BARBOSA, 2002, p.23).
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Esta é como que a pessoa da coisa, pelo que é diferenciada de todas as outras coisas que não são de sua espécie. Por isso, aquelas qualidades que um objeto tem em comum com todos os outros não são propriamente pertencentes à sua natureza, embora essas qualidades não possam ser retiradas sem que ele deixe de existir. Pela expressão natural é designado meramente aquilo pelo que a coisa determinada se torna o que ela é” (SCHILLER, 2002, p.85).
Esta personalidade que Schiller expressa como natureza é que faz com que algo exista, sendo de tal forma a expressão, a alma do objeto ou do homem. Esta natureza o move, o vivifica e o permite ser livre, espontâneo e autônomo, seja na vida como ser, ou seja, como um objeto quanto a sua presença e imponência ao meio2.
Na natureza (pelo que entendo o nexo causal e final das coisas), o homem deve se provar como uma força e ser fundamento de certos efeitos. Esta é, em geral, sua determinação natural. O fim da natureza como ele não é pois ele fim natural já através do conteúdo ou mesmo do material do seu agir, seja qual for o fundamento de determinação ou o elemento formal deste agir. (SCHILLER, 2009, p.109)
A natureza que o autor nos apresenta é aquela que possui em si um fim natural onde determina a ações exercidas pelo homem, fomentando no individuo o impulso necessário para que suas ações aconteçam. Com isso, torna-se evidente uma relação existente neste ato que o filósofo denominará como fenômeno, este que encontra-se atrelado na forma como nós nos comportamos diante da natureza das coisas. Este proceder envolve duas categorias distintas, as quais influenciam diretamente em como realizamos a percepção da essência das coisas. Assim, podemos inferir que, este procedimento diante da natureza, aqui nos apresentada pelo autor com princípio imutável das coisas, pode ser abstraído de duas maneiras: ou passivo ou ativo, e também das duas formas agindo simultaneamente. “Nós nos comportamos diante da natureza (como fenômeno) ou passiva ou ativamente, ou passiva e ativamente ao mesmo tempo” (SCHILLER, 2002, p.54). Segundo a linha de raciocínio do autor, observamos que agimos de formas variáveis perante a contemplação do fenômeno. Com efeito, há duas maneiras de representar estas condutas: passivamente, quando nos utilizamos simplesmente da faculdade do sentir, sem que determinemos algo sobre sua atuação. E, ativamente, quando estabelecemos algo sobre sua atuação. Para Schiller, nós possuímos esta dualidade
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“A natureza o determina a sentir e a agir imediatamente a partir da sensação.” (SCHILLER, 2009, p. 109).
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comportamental diante da natureza que as coisas nos apresentam. O autor ainda diz que estas duas formas comportamentais podem agir de um modo intrínseco, quando as representamos. Estas duas representações dos fenômenos são apresentadas da seguinte forma: por meio da observação ou contemplação. Esta dicotomia nos permite vislumbrar como abstraímos o que de fato é por si só, pois é através desta distinção que desenvolvemos as impressões obtidas, por meio destas duas importantes vias, de como podemos representar mentalmente os objetos. A observação nos remete a uma ação intencional que a busca de conhecimentos específicos sobre algo, já a contemplação nos ocorre de uma forma natural, pois somos incitados pelas coisas que se nos apresenta. Portanto, a contemplação também possui uma subdivisão de como ela ocorre, a mesma pode suceder de dois modos: por meio da expressão passiva, quando somos tocados através do sensível, e pela expressão ativa, quando subjugamos as impressões obtidas às formas da razão. “Os fenômenos tem de orientar-se em nossa representação pelas condições formais da faculdade de representação (pois justamente isso os torna fenômenos), têm de receber a forma do nosso sujeito” (SCHILLER, 2002, p.55). Então, observamos que a sensibilidade nos proporciona o múltiplo de representações que precisam ser organizadas, ou seja, é preciso lhes conferir uma forma, que permita que estas sejam unificadas. Então, nos servimos da faculdade da razão como ferramenta que provoca esta ligação das coisas. “Se pois um múltiplo é dado à sensibilidade, então a razão tenta conferir-lhe sua forma, ou seja, ligá-lo segundo suas leis” (SCHILLER, 2002, p.55). Para que esta conexão aconteça é necessário que tenhamos uma divisão desta razão, pois se esta ligação ocorrer com relação ao conhecimento nós a denominaremos de razão teórica, mas se discorrer por meio da ação, então a nomearemos de razão prática. Ambas caminham lado a lado, pois a razão teórica edifica os conceitos e a razão prática determina a ligação entre a vontade e representação. Vale ressaltar que o fenômeno é um fator que não pertence ao objeto, mas está conectado a relação existente entre ele e o sujeito da situação. Então, podemos inferir que este é participante da relação, fazendo com que ele seja indispensável na ação do mesmo (ABBAGNANO, 2007). A liberdade no fenômeno3 que Schiller afirma em seus escritos como a beleza, promove um processo de liberdade ainda enquanto no campo sensível, porém também podendo ser estendido a objetos ou relações. Este estado de liberdade possibilita que
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“O fenômeno estético permite, ao homem, o acesso à liberdade no próprio sensível. Contemplar uma obra de arte significa, para este autor, libertá-la de toda relação causal, participando do ato pelo qual a obra mesma se cria; a experiência de liberdade, trazida pela participação no ato criador da natureza, é o que Schiller compreende como constituindo o belo” (http://urs.bira.nom.br/index.htm).
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o belo possa ser contemplado em sua totalidade e esplendor, pois esta autonomia e espontaneidade encontram-se presente neste processo. Esta liberdade no fenômeno, ou seja, a beleza é algo que só poderá acontecer quando houver o processo de equilíbrio e harmonização dos impulsos existentes no homem. E com isso a liberdade e espontaneidade poderá ser evidenciada, fazendo do homem meramente grosseiro e desprovido de um reto agir. Por isso, torna-se importante compreender que o homem é movido por sua natureza, ou seja, aquilo que o move em direção de algo, impulsionando-o a realizar suas ações. E com isso tal força existente no homem relaciona-se como os objetos e isso Schiller denomina como fenômeno, esta relação deve acontecer dentro da liberdade e da espontaneidade. Mas evidencia-se que o homem de fato não consegue viver esta virtude, pois suas ações parecem receber determinações externas, fazendo com que suas ações aconteçam mais pautadas sobre uma imposição do que uma liberdade. Para alcançar este ideal de liberdade no fenômeno4 será preciso adentrar as peculiaridades destes dois aspectos fundamentais que fundamentaram uma verdadeira ação moral, ou seja, que o homem possa de fato possuir um caráter belo. Esta liberdade também pode ser comparada a uma espécie de emancipação do homem, ou seja, um libertar-se das amarras das determinações. Para que o individuo possa tomar suas decisões sem que haja nenhuma pressão nem externa e muito menos interna. Suas ações precisam ocorrer pautadas na espontaneidade, ou seja, livres e autônomas. Demonstrando assim, a beleza, ou seja, a liberdade que deve haver no fenômeno. Esta relação deve transcorrer livremente objetando este esplendor de verdade, de bondade e de beleza. O espírito do homem precisa libertar-se das legislações externas, o individuo urge por alcançar este estado de beleza, em fim uma moralidade. A liberdade no proceder será como que o homem aprenda a pensar por si mesmo, a permitir que sua natureza seja direcionada em uma relação livre, tal realização poderá imprimir em seu caráter dois aspectos fundamentais que iremos adentrar no próximo tópico, para que cada vez mais este processo de reconhecimento de si e de suas propensões a liberdade e a espontaneidade possam desvelar-se como pressupostos fundantes neste enobrecimento do homem, que Schiller nos propõem em seus escritos.
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“[...] a beleza é a liberdade no fenômeno, na correspondência como Príncipe estará em jogo o problema dos afetos da arte e do gosto na formação do cidadão do novo Estado exigido pela revolução burguesa” (BARBOSA, 2004, p.21).
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Liberdade e Espontaneidade
A liberdade está ligada ao contrapor o Estado imposto ao homem, não no conceito de desrespeito as leis, mas sim no contexto de não estar subordinado a idéias já formuladas, que incitem o homem a um nível de alienação e imposição de pensamentos. Cabe-nos ainda explanar sobre a dicotomia entre Estado natural e Estado moral, pois cada um possui sua diferenciada atuação, o Estado natural é algo imposto pela determinação racional, então observamos que esta imposição não proporciona a liberdade a qual buscamos, pois nos impõem a um regime pré-concebido de tudo. Já o Estado moral é constituído de liberdade, um processo de harmonização interna do caos existente, visando a formação de um homem ideal ainda inexistente. Como diz Schiller, “o homem físico, entretanto, é real, enquanto o moral é apenas problemático” (SCHILLER, 1991, p. 41). Este caos interno se deve ao fato de que o homem vive aquilo que é e aquilo que deveria fazer parte de sua vida. Assim surge um paradoxo, pois vivemos de uma maneira imposta e conduzida por uma elite intelectual que nos propicia maneiras de pensar para que nós não precisemos refletir. Esta atitude de impor idéias para o homem de tomar suas próprias atitudes e formular suas próprias reflexões, mostra como acontece uma oscilação do Estado natural do homem, que vivencia uma sociedade corrompida que o incita a agir de forma egoísta, dilacerando sua liberdade, que passa a ser contraposta, permitindo que de fato o mal que a sociedade criou seja implantado cada vez mais. Vemos que este mal é a própria descrença moral em que o homem vive devido a pressupostos corrompidos que são inseridos na prática dos mesmos. Com efeito, nos encontramos em uma concepção deteriorada pelo modismo, que tem desfacelado a moral humana vigente.5 Observamos que o mal que se instalou é devido à perda da totalidade, pois atualmente somos como indivíduos fragmentados que se tornam minimalistas, pois deixamos de empregar inúmeras potencialidades existentes em nós e passamos a nos comportar como aleijados, pois utilizamos apenas aquilo que nos convém nos transformando em homens pela metade (SCHILLER, 1991). Todo este processo se deve a racionalização que a sociedade impõe ao homem, fragmentando-o de tal forma que sua totalidade se desfaz como pó,
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“O cidadão do Estado é também cidadão do tempo; e se é indecoroso ou mesmo proibido furtar-se aos hábitos e costumes do círculo em que se vive, por que não seria um dever, aos escolherem-se os próprios atos, considerar a voz do gosto e da necessidade do século? [...] Hoje, porém, a carência impera e curva em seu jugo tirânico a humanidade decaída. O proveito é o grande ídolo do tempo; quer ser servido por todas as forças e cultuado por todos os talentos [...] e mostrarei que para resolver na prática o problema político é necessário caminhar através do estético, pois é pela beleza que se vai à liberdade” (SCHILLER, 1991, p.37-39).
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incitando-o a ser mero fragmento espalhado neste espaço de tempo. Esta ferida chagada na humanidade foi causada pela cultura, que termina nos limitando.6 Na carta VI de Schiller percebemos que o Estado governante aniquila a multiplicidade dos cidadãos de tal forma que não há felicidade. Pois um ser fragmentado vive a falta da unidade, esta que poderia proporcionar-lhe este ápice sentimental que ele tanto busca durante toda uma vida. O homem é convidado a negligenciar a si mesmo cultivando o individualismo e extinguindo a sua totalidade. Percebemos que este mal dilacera o homem interior e sua natureza, porém só poderemos sair deste mal se deixarmos esta submissão e passar a dar vazão à liberdade. Tudo isso se deve ao abuso do homem do livre arbítrio, que acaba não utilizando da liberdade como um todo. É neste processo que o indivíduo perde sua espontaneidade gradativamente (SCHILLER, 1991). Para resolvermos esta problemática, o autor revela uma possível ação: “É preciso, portanto um suporte para a subsistência da sociedade que a faça independente do Estado natural que se quer dissolver” (SCHILLER, 1991, p. 42). Por meio desta suposição o autor mostra que para alcançar de fato esta liberdade de pensamento é necessário o desenvolvimento de um processo de dissolução deste Estado que acorrenta o homem. Pois para se atingir o Estado moral é preciso suspender o Estado vigente, para que se possa iniciar um processo de desestruturação do mesmo, a fim de que, posto abaixo, se inicie a construção de um Estado livre. Para que o homem possa evoluir moralmente diante da realidade vivida, contrapondo tudo aquilo que lhe fora incutido a força. Esta contraposição poderá criar novos cidadãos que poderão de forma social e justa desenvolver uma boa constituição. Todo este processo deverá realizar mudanças sem que se faça a necessária revolução, este processo proporciona a interação do homem moral e o homem racional, pois nos incita, de uma vez por todas a extinguir a divisão. Assim nos servindo de base para esta mudança de Estado que nos motiva a superação da idéia de alienação proposta por Kant. Contudo, percebe-se que é preciso reformular o conceito de liberdade moral7, pois se vive condicionado a um viés prédeterminado pela sociedade, e se pode transpor esta barreira mediante a libertação das correntes impostas pela elite intelectual, para que assim se possa ser indivíduos livres moralmente. 6
“A cultura, longe de dar-nos a liberdade, através de cada força criada cria também uma nova necessidade; o compromisso físico estreita-se mais e mais ameaçador, até que o temor da perda sufoque mesmo o anseio fogoso de perfeição e torne em sublime sabedoria a obediência passiva. O espírito do tempo oscila, assim, entre superstição e descrença moral; é apenas o equilíbrio do mal que ainda lhe estabelece limites” (SCHILLER, 1991, p.49). 7 “Aqui, no que diz respeito à liberdade interna e moral, trata-se inteiramente do mesmo caso relativo à liberdade externa e física; ajo livremente no último sentido somente quando, independente de toda influência estranha, sigo apenas minha vontade” (SCHILLER apud BARBOSA, 2004, p.55).
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Segundo o comentador Barbosa, a liberdade recebe um significado muito além do que nós idealizamos, é algo que não depende apenas de nós, mas também do outro que nos oferta a sua liberdade, para que nós possamos ser livres (BARBOSA, 2004). Contudo, a liberdade está associada à execução de nossa própria vontade, ou seja, “uma ação não deixa de modo algum de se chamar livre porque aquele que teria podido limitá-lo felizmente nada faz; e isso tão logo apenas sabemos que o agente seguiu aqui meramente sua própria vontade, sem considerar uma vontade estranha” (SCHILLER apud BARBOSA, 2004, p.56, grifo nosso). Esta vontade tende de ser resistente as investidas externas, que tentam incansavelmente destruir esta liberdade que cabe ao homem, manter e perseverar diante das tentativas destrutivas ou impositivas que a sociedade pode nos impor. O autor nos evidencia esta realidade, demonstrando como a liberdade acontece no homem.
Pode se tornar mais difícil ou mais fácil para nós agir como homens livres conforme nos chocamos com forças que atuam contra a nossa liberdade e que têm de ser coagidas. Neste sentido, existem graus de liberdade. Nossa liberdade é maior, ao menos mais visível, quando nós afirmamos, por mais veemente que seja a resistência de forças hostis, mas ela não cessa quando nossa vontade não encontra nenhuma resistência, ou quando uma violência estranha se intromete e aniquila esta resistência sem a nossa interferência (SCHILLER apud BARBOSA, 2004, p.56-57).
A liberdade no homem torna-se evidente quando ele mesmo a afirma resistindo às forças que entrevem com a finalidade de desestimulá-lo. Sua liberdade edifica-se quando sua persistência impõe-se aos obstáculos determinando sua força e hostilidade diante das pressões externas. Tal força precisa manter-se firme e forte, para que a própria vontade vigore em seu viver. É possível ser espontâneo desde que sejamos de fato livres, não apenas de palavras, mas essencialmente de espírito. Precisamos ser determinados por nós mesmos e não determinados por outros, que continuarão a nos manipular, jogando-nos numa pseudo liberdade. Segundo Schiller, “ser livre e ser determinado por si mesmo, ser determinado a partir do interior, são a mesma coisa” (SCHILLER, 2002, p.82). Porém esta determinação é algo que está atrelado à liberdade, pois ser espontâneo só poderá ser vivido apenas se a liberdade puder ser vivenciada conjuntamente. Assim se percebe que ambas caminham juntamente sem poderem se separar, pois para o bom êxito das mesmas é preciso que ambas prossigam em ritmo semelhante. Por isso, este meio de representação que explanamos se torna necessário na vida, pois é uma consequência da experiência da razão que incita os indivíduos a realizar tamanhas determinações ao longo de suas vidas.
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“Esse modo de representação é necessário, pois decorre da natureza da razão que, no seu uso prático, exige inflexivelmente a autonomia das determinações” (SCHILLER, 2002, p.81). Tal representação se encontra inflexível às mudanças atemporais, pois devem ocorrer para que os indivíduos não sejam manipulados por outros, nem sejam colocados em comparação entre os mesmos. Esta autonomia, como também pode ser denominada, nos confere uma espécie de autossuficiência que nos impele a um dominar-nos e não deixar-nos dominar. Com efeito, observamos que todo este desencadeamento deve nos conduzir a ações moralmente espontâneas, as quais devem dignificar a moral dos indivíduos que assim procederem. Entretanto nos cabe ainda nivelar a ação moral livre e espontânea com a bela ação que é produzida. Aqui encontramos uma referência direta de Schiller entre a moral e a estética, quando ele considera a possibilidade de que uma ação moral seja também bela. Esse é um ponto que nos interessa particularmente, pois toda a ligação entre estética (beleza) e moral rende na compreensão e implicância da estética no processo de formação do homem. Para Schiller, “uma ação moral só seria uma bela ação se parecesse um efeito da natureza produzido espontaneamente. Numa palavra, uma ação livre é uma ação bela quando a autonomia do ânimo e a autonomia no fenômeno coincidem” (SCHILLER, 2002, p.77). Todo este processo permite a coincidência de muitos fatores que exprime em um reto agir que testemunhará bons frutos morais. Para que esta espontaneidade seja de fato vivenciada o autor nos evidencia que:
É preciso, portanto, para substituir a receptividade pela espontaneidade, a determinação passiva pela ativa, que o homem, por um momento, esteja livre de qualquer determinação, atravessando um estado de pura determinabilidade. É necessário de certo modo, retroceder àquele estado negativo de pura ausência de determinações, no qual se encontrara antes de qualquer impressão ter afetado a sensibilidade. Aquele estado, porém, fora completamente vazio de conteúdo, enquanto que agora o importante é alcançar semelhante ausência de determinações e ilimitada determinabilidade, conjugada ao máximo possível de conteúdo, pois deste estado deve resultar imediatamente algo positivo. A determinação recebida pela sensação deve portanto ser retida, pois se não se pode perder a realidade; ao mesmo tempo, entretanto, na medida em que é limitada, ela precisa ser negada, pois deve instalar-se uma determinabilidade ilimitada. A tarefa, portanto, é destruir e conservar a um tempo a determinação do estado, o que somente é possível se lhe contrapusermos outra. Os pratos da balança equilibram-se quando vazios e também quando suportam pesos iguais. O espírito, portanto, passa da sensação ao pensamento por uma postura intermediária, em que sensibilidade e razão coexistem ativamente e por isso mesmo desfazem mutuamente seu poder de determinação, alcançando uma negação pela contraposição. Esta afinação intermediária, em que o espírito não é coagido nem física nem moralmente, embora seja ativo nos dois domínios, merece o privilégio de ser chamada uma disposição livre, e se
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chamamos físico o estado de determinação sensível e lógico e moral o de determinação racional, devemos chamar estético o estado de determinação real e ativa (SCHILLER, 1991, p.109-110).
Diante desta explanação que Schiller apresenta, torna-se claro como a espontaneidade está intimamente liga a autonomia do homem. Porém, Rosenfeld nos relata este estado de “indiferença”, como um estado intermediário que permite ao homem estar em plena disposição estética8, para que esta tendência natural seja cada vez mais viva e eficaz dentro de si. Tal esforço sem premeditação possibilita ao homem encontrar-se progressivamente mais livre das imposições estranhas a ele. Este é o desejo do autor, de incitar ao homem a possibilidade de se tornar livre das ideias colocadas a força, permitindo que o homem, pondere sobre suas próprias ideias e planos, podendo inferir suas próprias conclusões. Estando o homem disposto vivenciar a cultura estética, ele poderá alcançar a “possibilidade natural de fazer ele de si mesmo aquilo que quiser, já que o que lhe é devolvida completamente a liberdade de ser o que deve ser” (SCHILLER, 1991, p.112). Esta liberdade de ser quem ele realmente é, torna-se de fato evidente a autonomia e a espontaneidade que o homem tem, mas precisar resgatá-la por meio da beleza, mesmo que seja de forma indireta9. Assim, desvela-se a grandiosa força existente no homem, esta liberdade, autonomia encontra-se dentro do homem, mas há a necessidade de que haja um meio pelo qual esta força transborde os limites condicionados pela sociedade. A partir da arte e do belo poderemos compreender melhor como este processo acontece e quais poderão ser seus frutos objetivos.
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“A disposição estética – como estado intermediário de plena liberdade lúdica – restitui-nos, pois, a virtualidades humanas enquanto meras virtualidades, pelo fato de anularem-se mutuamente as oposições da necessidade natural e da necessidade moral. Esta descrição do estado de ‘indiferença’, de neutralização mútua e indeterminação importa uma negação de efeitos ou intenções imediatos de ordem moral ou religiosa, ou qualquer outra espécie, no uso da arte. Mas ao mesmo tempo atribui à arte altíssima função educativa, ainda que indireta, visto ela restituir ao homem a liberdade de tornar-se aquilo que lhe cabe tornar-se”(ROSENFELD, 1991, p.113). 9 O selvagem deixa de contentar-se com o necessário; exige que ele possua uma qualidade a mais, e, na verdade, uma qualidade que já não satisfaz seu impulso animal, e sim um carecimento de origem melhor. Esta qualidade é o belo. Com certeza, belo apenas para o seu gosto bárbaro, mas trata-se aqui não do conteúdo, e sim apenas da forma do julgar, e com esta aconteceu uma mudança. Ele já não mais se funda na sensação imediata e material, e sim na reflexão, na contemplação livre. (SCHILLER, 2009, p.124).
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3 O BELO NA ARTE
O belo permite ao indivíduo a possibilidade de dialogar com o caos existente em sua interioridade equalizando suas preponderâncias sob um novo olhar harmônico e estético.
3.1 A Arte e o Belo
Para que possamos ser introduzidos nesta ramificação filosófica, torna-se necessário, que trilhemos por caminhos que nos permitam melhores esclarecimentos e que nos contextualize nesta práxis estética. Então, precisamos esmiuçar os mais variados aspectos, sendo o primeiro a arte que está intimamente ligada à liberdade, focando a plenitude de sua extensão bem como sua abrangência, a qual está relacionada. Schiller anseia por exortar a sociedade sofrida e reprimida na qual vivia, estava inserido, enquanto desenvolvia estes escritos que fomentaram uma nova visão de como podemos formar uma moral bela, ou seja, a alma bela. Assim, cabe desenvolver uma nova maneira de ver, viver e agir a arte como uma agente ativa neste processo de harmonização, no qual somos convidados diariamente a viver uma profunda condição de liberdade, que nos provoque um grande desprender de tudo aquilo que nos faça pequenos e feios moralmente. Para que se possa utilizar a arte, como uma das molas propulsoras, é necessário passar a manipular através da arte, de uma forma diferente, a nossa sensibilidade, bem como a nossa imaginação. Serão estes os dois pontos chaves neste processo de harmonização, que o autor denomina como jogo harmônico. Relação esta que acontece sem que seja preciso usufruir de conceitos, mas sim, apenas da inteligência que servirá de confronto neste conjunto de ações que nos possibilitarão convergir a uma instância harmoniosa. A estética fará confluir inúmeras características, provindas do caos vivido diariamente, com a finalidade de que se possa alcançar um nível elevado de harmonia. “É preciso encontrar totalidade de caráter, portanto, no povo que deva ser capaz e digno de trocar o Estado da necessidade pelo Estado da liberdade” (SCHILLER, 1991, p. 47). Com isso, somos convidados a integrar a totalidade de capacidades existentes no homem, que suscitam o prazer estético, ou seja, aquilo que julgará um objeto belo ou não, julgamento este que gestará o sentimento de agrado ou desagrado. Segundo o autor, tudo o que nos acerca é aceito ou não, considerado belo ou não, a partir deste embate que ocorre entre as nossas funções mentais, estabelecemos este prazer estético que é provocado pelo belo das coisas.
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É como se a natureza estivesse sendo adaptada às nossas necessidades e não o contrário. Sendo assim, estas relações acontecem de maneira que o homem é o agente ativo e imperativo sobre a natureza das coisas, moldando-a a partir de suas preferências, as quais irão lhe gestar o agrado pelas coisas, sobre o qual ele mesmo cria certa expectativa. O homem acaba, por si só determinando o que será belo para si mesmo, revelando uma forte subjetividade presente neste simples ato de harmonizar, ou seja, o que pode ser belo para mim, pode não ser para o outro. Já que é assim, Schiller decide partir de uma defesa sobre a beleza, na qual ele relata, “irei defender a causa da Beleza perante um coração que sente seu poder e o exerce, e que tomará a si a parte mais pesada de meu encargo nesta investigação que exige, com igual frequência, o apelo não só a princípios, mas também a sentimentos” (SCHILLER, 1991, p. 35). O autor faz esta afirmação já em sua primeira carta, a primeira de um conjunto de vinte e sete cartas, aonde Schiller segue detalhando todo este processo que iremos dissertar. Schiller percebe que a beleza ou belo, possui um grande potencial a ser vivenciado de coração, ou seja, vivido de uma forma livre e autêntica, onde o homem pode utilizar toda a sua potencialidade que está ligada não somente aos princípios, mas também aos sentimentos. Em suas pesquisas sobre a arte, ele mostra que o belo possui um poder misterioso que pode e deve provocar no homem uma mudança de conceitos e atitudes, que o farão um ser diferente dos demais corrompidos pela sociedade. “O que é dito da experiência moral vale em maior medida para a aparição da beleza. Toda a sua magia repousa em seu segredo; a negação do vínculo de seus elementos o é também de sua essência” (SCHILLER, 1991, p. 37). Esta experiência moral que o autor convida a refletir é mais valorosa em comparação com o surgimento da beleza, pois, esta experiência é o ápice que deve ser suscitado no homem, é como se o indivíduo, quando atingisse este estado moral, estivesse atingido o último patamar do processo de busca pela verdadeira conduta moral, a alma bela. Esta vivência é como uma magia que a norteia em sua totalidade, e que convida a vivenciar como algo misterioso. Esta arte que é apresentada como uma filha da liberdade. Segundo o autor, a liberdade a produz e de certa forma nos proporciona um ato ousado, onde ela anseia ser guiada pela necessidade do espírito e não pela matéria. Neste viés do pensamento se tece uma trama bem estruturada que permite observar a relevante importância da arte. Nesta transposição de uma realidade imposta para uma realidade proposta, onde a liberdade direciona todas as atitudes, não como uma desordem ou desrespeito, mas sim, de uma forma calma, unificadora e condizente com o papel da beleza. “Esta precisa abandonar a
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realidade e elevar-se, com decorosa ousadia, para além da necessidade; pois a Arte é filha da liberdade e quer ser legislada pela necessidade do espírito, não pela carência da matéria” (SCHILLER, 1991, p. 38). Neste processo existencial, a arte tem sido cada vez mais depreciada pelo mercado secular, que a tem tratado de forma distorcida e comercial. Ali o valor da arte é basicamente monetário e o seu devido valor vem sendo descaracterizado dia após dia. O verdadeiro mérito da arte já não está sendo mais evidenciado, sua espiritualidade tem sido cada vez mais dissociada. “Nesta balança grosseira o mérito espiritual da Arte não pesa, e ela, roubada de todo estímulo, desaparece do ruidoso mercado do século” (SCHILLER, 1991, p. 38). Assim a arte tem sido cada vez mais transformada em mercadoria, fazendo com seu valor espiritual seja levado ao desaparecimento gradativo. O filósofo nos diz que os indivíduos estão vivendo uma condição que os conduzem a caminhos que os farão vítimas da brutalidade e da perversão que só os degradarão (SCHILLER, 1991). Assim, Schiller nos expõe a situação vivida naquela época e como os indivíduos eram conduzidos por um víeis que os degradava dia após dia, percebendo todo este contexto, o autor busca um meio para que os mesmos possam sair destas sepulturas às quais eles foram lançados pela ignorância e pela austeridade de poucos. Nota-se que somente a beleza poderá salvá-los deles mesmos, pois o meio em que vivem está lhes causando uma podridão interior que somente a beleza poderá resgatá-los. “A beleza deverá recuperá-los deste duplo desvio” (SCHILLER, 1991, p.67). Assim, nós podemos afirmar que através do que é fino, de bom gosto, nos transmite clareza e livre assentimento das coisas, pois as recebemos de maneira suave e representativa. Este caminho da beleza é de fato o que pode proporcionar ao homem um equilíbrio entre seus impulsos que em muitas ocasiões lhes confere consequências não muito boas. Muitos ainda desacreditam neste viés, pois crêem que isso nada pode os enriquecer moralmente. “O apoio é dado pela experiência quotidiana, que mostra o bom gosto quase sempre acompanhado por clareza do entendimento, vivacidade no sentir, liberalismo e mesmo dignidade, enquanto o gosto inculto se apresenta de ordinário ligado às qualidades opostas” (SCHILLER, 1991, p.68). É notório que no dia-a-dia certas atitudes tomadas com o respaldo da beleza, do requinte, do fino trato, transpor a situações corriqueiras a situações imponentes, transformando atitudes errôneas em ações belas moralmente. Propiciando testemunhos vivos
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de uma digna e bela conduta moral, que levará os indivíduos ao ápice do belo10. Todo este processo é ocasionado de forma serena e natural, pois é como a beleza nos norteia de uma maneira sutil e enriquecedora que nos possibilita este transcender da podridão moral à elevação conceitual digna. Schiller é que nos coloca diante de tudo isto, a arte é uma ferramenta educacional que permite ser reeducado nos mais variados aspectos morais11.
A mais urgente necessidade da nossa época parece ser o enobrecimento dos sentimentos e a purificação ética da vontade, pois muito já foi feito pelo esclarecimento do entendimento. Não nos falta tanto em relação ao conhecimento da verdade e do direito quanto em relação à eficácia desse conhecimento para a determinação da vontade, não nos falta tanta luz quanto calor, tanta cultura filosófica quanto cultura estética. Considero esta última como mais eficaz instrumento da formação do caráter e, ao mesmo tempo, como aquele que é inteiramente independente do estado político e que, portanto, deve ser mantido mesmo sem a ajuda do Estado (SCHILLER apud BARBOSA, 2004, p.28).
Para Schiller, era preciso aplicar à educação estes dois aspectos primordiais que podem alavancar este processo de formação de caráter ético e moral. Sendo a arte a mola propulsora da liberdade, moralidade e acima de tudo do belo agir. Sua ênfase se estende até os limites da liberdade humana que a partir desta cultura estética estabelece de fato a emancipação do homem, quanto ser e cidadão. Radicalizar a Aufklarung implicava assim superar a ênfase no intelectualismo como expressão unilateral da cultura teórica, abrindo espaço para uma mediação imprescindível à emancipação do homem das coerções do reino da necessidade e à instituição da liberdade: o poder formador e enobrecedor da arte e do gosto (BARBOSA, 2004, p.29).
Por isso, quando Schiller nos desvela seu argumento triunfante sobre a opressão vivida em seu tempo, ele aponta-nos uma direção para que possamos reverter este processo libertador do ser. Quando o homem consegue elevar-se a partir da arte e gosto, suas atitudes e ações tomam uma nova conotação, enaltecendo algo de sobremaneira que os diferenciam dos 10
Através desta distinção, Magnânimo Príncipe, que me parece fundada na razão e na experiência, é encerrada, como creio, a desavença que se encontra nos juízos dos homens sobre o valor da cultura estética e sua conexão com a cultura ética, ao mesmo tempo em que é aberto através disto o ponto de vista a partir do qual a relação do gosto das artes para com a humanidade como um todo tem de ser apreciada. Resta, pois, justificar a dupla afirmação: primeiramente: que o belo é o que refina o rude filho da natureza e a ajuda a educar o homem meramente sensual, tornando-o um homem racional; em segundo: que o sublime é o que corrige as desvantagens da bela educação confere elasticidade ao refinado homem da arte e combina as virtudes da selvageria com as vantagens do refinamento (SCHILLER, 2009, p.107). 11 “Mas se Schiller ainda guardava alguma esperança de uma ‘regeneração no âmbito político’, ele a depositava justamente na formação do homem e no papel que arte e o gosto deveriam desempenhar aqui” (BARBOSA, 2004, p.29).
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demais, pois estes estão de fato vivenciando algo que a grande maioria desconhece, pois os demais veem e vivenciam apenas a barbárie e a grosseria que os tiranos realizam. A partir disso, nossos princípios deveriam ser guiados pelo coração e pelas belas atitudes que a arte pode incitar no homem, um vivenciar de princípios dignos que visem o bem estar de toda humanidade. A arte e o gosto12 são ferramentas que podem instigar o homem a vivenciar esta beleza, na liberdade e na dignidade de se expressar em suas atitudes rotineiras. A plenitude da arte implicará na atuação moral que pode ser vivida de uma forma com extrema beleza. A arte é para ser vivida em todos seus aspectos e particularidades, transpondo todos os obstáculos que possam trazer a diferença e a exclusão. Sendo assim, a beleza é a fonte da salvação da ignorância e da arrogância da humanidade.
Portanto, cabe ver o gosto como primeiro combatente que, num ânimo esteticamente refinado, sai contra a rude natureza e, antes que a razão tenha necessidade de intervir como legisladora e de falar in Forma, rebate este ataque. Esta vitória do gosto sobre o rude afeto não é, porém, de modo algum uma ação ética, e a liberdade que a vontade ganha aqui através do gosto ainda não é de modo algum uma liberdade moral. O gosto liberta o ânimo do jugo do instinto apenas na medida em que o conduz à sua prisão, e enquanto o gosto desarma o primeiro e manifesto inimigo da liberdade ética, não raro ele mesmo ainda permanece como o segundo que, sob a capa do amigo, pode ser apenas tanto mais perigoso. O gosto, a saber, também rege o ânimo apenas através do atrativo do prazer – de um prazer nobre, sem dúvida, pois sua fonte é a razão – mas onde o prazer determina a vontade, ai não há nenhuma moralidade, ai ocorreu meramente uma troca de grilhões. (SCHILLER, 2009, p.141).
Portanto, somente assim, o homem alcançará a liberdade de seus instintos impulsivos, atingindo assim, ações morais que serão dignas de serem chamadas de belas, tanto quanto uma obra de arte13.
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“O gosto oferece ao ânimo uma disposição conforme a fins para a virtude, pois afasta as inclinações que a impedem e desperta aquelas que lhe são favoráveis. O gosto não pode causar nenhum prejuízo à verdadeira virtude, embora em todos os casos em que o impulso natural provoca o primeiro estímulo ele já decide diante do seu tribunal acerca daquilo que senão a consciência teria de ter reconhecido, e portanto é a causa de que, entre os que são regidos por ele, se encontre muito mais ações indiferentes do que verdadeiramente morais [...] O gosto, em contrapartida, pode ser positivamente útil à verdadeira virtude em todos os casos em que a razão provoca o primeiro estímulo e está em perigo de ser derrotada pela violência mais forte dos impulsos naturais. Nesses casos, a saber, ele harmoniza (stimmt) nossa sensibilidade em proveito do dever, e faz portanto que mesmo num grau menor de força de vontade moral esteja à altura do exercício da virtude (BARBOSA, 2004, p.63-64). 13
“[...] a arte já não existe, tendo consumado o seu papel de introduzir no Silêncio do Único, onde o belo sensível já não é uma valor que precisa de criar, visto que, agora, a própria alma é bela e que o seu próprio ser é uma obra de arte” (PLOTINO apud RUPNIK, 2012, p.74).
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3.2 Estado Natural e Estado Moral
Quando Schiller nos apresenta esta dupla condição, estado natural e estado moral, ele quer demonstrar a dualidade presente no homem, bem como a relação que é estabelecida dentro deste parâmetro. Com isso fica evidente que o homem é gestado pela natureza, onde o mesmo acaba por não se bastar por ela, mas sim busca incessantemente um meio em que ele possa transpor a necessidade em uma ação livre, que pode ser denominada como uma transposição do físico para o moral. Assim, percebemos que a necessidade faz com que o homem seja movido por imposições que não permitem que ele mesmo haja com liberdade ao decidir das situações, tendo em vista que isto não o torna uma pessoa feliz. Com relação a isso, vemos que o estado natural é algo inerente ao homem, que não lhe confere nenhuma autoridade que, ao contrário, a liberdade pode lhe conferir, assim inicia-se uma tentativa de mudança de forma, ou seja, a passagem do estado natural para o estado moral. Este estado natural age nos homens como uma força e não uma lei, o que torna perceptível a possibilidade de mudança, com a qual se abre um novo horizonte de liberdade, que poderá transformar o homem físico em homem moral como já foi dito, “O homem físico, entretanto, é real, enquanto o moral é apenas problemático” (SCHILLER, 1991, p.41). Schiller ainda revela que há uma diferenciação entre ambos, pois o homem físico é real e o homem moral é problemático, ou seja, ocorre um confronto entre a realidade e a necessidade, onde a razão promove um substituir do natural pelo necessário e que o homem passa a ser regido por anseios ainda inexistentes, mas que no futuro poderão ser realizados. É como se o homem natural, fosse regido pelos seus impulsos e que adaptado aos padrões do homem moral, ainda teria seus ideais não aplicáveis, pois estariam ainda apenas presentes em um futuro próximo. Toda esta idéia conceitual acerca destes estados apresentados nos remete a uma nuance política, que está atrelada à condição moral humana, que o autor explana. Enquanto ocorre esta transmigração de estado natural para um estado moral, Schiller sugere que tenhamos um suporte que possibilite este dissociar de uma idéia, passando para uma nova concepção. Suporte este que não se apresenta nem no estado natural nem tampouco no estado moral. Pois, é necessário buscar uma faculdade, ou seja, um terceiro caráter que deve conter características do homem sensível e do homem moral, onde a partir desta união se desfaça a divisão entre ambos, possibilitando então a criação de um suporte neutro, que permitirá a mudança dos estados superando esta dicotomia existente.
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Determinado este “terceiro caráter”, baseado na filosofia kantiana, Schiller decide apresentar como se pode alcançar o sucesso neste processo de mudança. Pois fica, a saber, que o estado moral apóia-se na liberdade e que as necessidades físicas e morais coincidem, mas que ainda, se torna necessário que os impulsos humanos sejam condizentes com as ações morais. Assim, a grande meta do homem é tornar-se puro, coisa que ele busca durante toda a sua existência, procurando unificar suas particularidades. “Este homem puro, que se dá a conhecer com maior ou menor nitidez em cada sujeito, é representado pelo Estado, a forma mais objetiva e por assim dizer canônica, na qual a multiplicidade dos sujeitos tenta unificarse” (SCHILLER, 1991, p. 44). Acabamos de nos deparar com a dualidade novamente implícita nesta dissertação, pois o autor mostra a existência de um homem temporal e o homem ideal, diante destes dois aspectos, o ser humano busca durante a sua trajetória integrar com a finalidade de tornar-se o homem ideal, vivenciando um novo conceito de liberdade e atitude moral diante da sociedade. O homem é posto como em um campo de batalha, pois, de um lado, a razão lhe convida a unidade e, por outro lado, a natureza o convida a multiplicidade. “Embora a razão peça unidade, a natureza quer multiplicidade, e o homem é solicitado por ambas as legislações” (SCHILLER, 1991, p. 44). Desta forma, o homem vivencia um processo de negação da multiplicidade, o ideal é que houvesse um respeito entre as partes e não uma submissão de uma à outra. É neste ponto que o autor associa o artista ao político, pois o artista molda a matéria e o político o homem, mas estas moldagens possuem um diferente agir, este que implica no resultado final, que deve ser a liberdade proporcionada pelas atitudes moralmente belas, onde ocorre o respeito das partes como um todo e não das partes que se submetem ao todo. Com isso, o respeito se dará a partir do momento em que as partes estiverem conexas ao todo, tornando possível que o ideal se torne o real para todos. Assim, quando o homem vive a unidade interior, ele utilizará o Estado como expositor de suas belas atitudes instintivas, ou seja, ações concretamente morais que exprima esta beleza interior que a unidade lhe imprime. “Quando o homem interior é uno consigo, ele salva sua peculiaridade mesmo na mais alta universalização do seu comportamento, e o Estado torna-se apenas expositor de seu belo instinto, fórmula mais nítida de sua legislação interior” (SCHILLER, 1991, p. 46). Em contrapartida, o Estado irá lhe impor leis que provocarão o esmagamento de sua individualidade livre, que a beleza moral lhe proporcionou. A partir disso, o autor coloca duas possibilidades de oposição que o homem pode viver, uma delas é a condição de selvagem,
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onde ele destrói seus sentimentos e a condição de bárbaro, que desonra a natureza e mantémse escravo de si mesmo, sendo este, pior do que a condição anterior. “O selvagem despreza a arte e reconhece a natureza como sua senhora irrestrita; o bárbaro escarnece e desonra a natureza, mas continua sendo escravo por um modo frequentemente mais desprezível que o selvagem” (SCHILLER, 1991, p. 46). Porém, o homem, que recebe uma boa formação, vive a liberdade e impõem ordem a seus impulsos, vivendo assim o esplendor do equilíbrio físico e moral. Desta forma, o homem encontra a totalidade de caráter, que o torna capaz de fato de realizar esta transposição da necessidade para a liberdade. Na VI carta, Schiller enaltece a figura do homem grego que gozou de uma formação privilegiada, onde a dignidade, a sabedoria e a beleza fizeram desta civilização a mais digna de todas, pela postura e autoridade na qual ela fora forjada. “A glória da formação e o refinamento, que fazemos valer, com justiça, não nos vale contra a natureza grega, que desposou todos os encantos da arte e toda a dignidade da sabedoria sem tornar-se, como a nossa, vítima dos mesmos” (SCHILLER, 1991, p. 50). O autor estabelece uma ligação com este ideal grego vivido há tantos séculos, em contraposição ao ideal moral no qual ele quer nos exortar. Na antiguidade grega, os homens prezavam pela verdade, pela dignidade e pela sabedoria, características estas que não se apresentam na realidade vivida pelo autor porém que são aspectos intrinsecamente ligados ao ideal que estamos dissertando. Schiller quer exortar sobre esta expansão de potencialidades presentes no homem, que precisam ser incitadas por algo que lhe faça transbordar toda esta multiplicidade de dons, que podem fomentar a beleza plena a ser vivenciada no contexto de unidade, onde o todo pode e deve ser beneficiado a partir das partes. A atualidade vive o esplendor da razão, colocado como a melhor fase da existência humana, mas que a tem utilizado de maneira mesquinha, arrogante e egoísta. O homem moderno promove a separação e não a unificação, sua erudição provoca nele um dissociar das coisas, uma vida egoísta e centralizadora. Todo este caminho permitiu ao homem achar-se senhor do tempo e da verdade, abandonando provisoriamente a chama da fantasia e da verdade reveladora. As pessoas utilizaram, sim, da cultura em sua formação ética e moral, mas de uma maneira errônea, onde elas passaram a voltar para si mesmas e não colocando suas conquistas à serviço da totalidade, desencadeando um subjetivismo macabro que passou a assombrar esta sociedade tão desvalida de unidade e de totalidade. O homem, vivenciando isso, passou a não encontrar mais a harmonia dentro de si, passando a viver movido pela sociedade, sendo mais
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uma “folha ao vento”, conduzido pelos ventos da corrupção, imoralidade e da prostituição de suas atitudes que passaram a ser pervertidas. Toda esta perversão fomentou no homem de hoje, pressionado pelos negócios, pelos interesses e pelas oportunidades, a viver uma mudança de valores que foram sendo esquecidos diante deste frigir da existência humana. O subjetivismo livre se tornou um ideal utópico diante desta situação, as pessoas se sentem fragilizadas pela opinião imposta e severa que o Estado impõe às leis, tornando os homens subordinados às ordens de seus superiores, sendo regidas pelos outros e não por si mesmas. O Estado gerou o mal e assim não caberá a ele inverter esta situação, mas o viés que deveremos seguir é o de acalmar os conflitos internos, para que possamos iniciar o favorecimento deste estado harmonioso e equilibrado, tão necessário. A partir disso, começamos a dar pequenos passos em direção da verdadeira espontaneidade, no que diz respeito as nossas atitudes. Somos convidados a vivenciar a simplicidade, a verdade e a plenitude de nossas ações, passando a seguir por um processo linear de reeducação de nossos valores morais. Ainda encontraremos algum temor com relação à liberdade que nos é incitada, pois ainda somos acomodados com a escravidão de nossos pensamentos e atitudes que por muito tempo foram algemadas aos padrões impostos. Assim, a filosofia adentra neste campo com a finalidade de auxiliar este processo de mudança, vindo ao encontro com a pacificação dos conflitos existentes, fazendo com que a sua ação ocorra, permitindo que a lei seja postulada. A verdade só poderá vencer esta batalha se ela apresentar-se como a força motriz, que deverá sair vitoriosa diante de tais aparências, para que este ânimo seja motivo de instigação a buscarmos o conhecer, pois seremos incitados primeiramente, em nossos sentidos para que depois possamos ser convidados a conhecer o desconhecido. Desta forma, somos impulsionados a caminhar por meio deste viés educacional, proposto por Schiller: “A educação do sentimento, portanto é a necessidade mais urgente de nosso tempo, não somente por seu meio de tornar ativamente favorável à vida o conhecimento aperfeiçoado, mas por despertar ela mesma o aperfeiçoamento do saber” (SCHILLER, 1991, p.62). Tendo em vista esta concepção, o autor almeja explanar a relevância existente na arte que tem o papel de proporcionar ao homem uma mudança no que diz respeito ao caráter pessoal, provocando em consonância um enobrecimento de seus padrões éticos e morais. Para que aconteça também uma mudança no campo da política é de extrema importância que estas mudanças aconteçam primeiramente no campo do caráter individual, este que fomentará as mudanças relacionadas à política vigente. Torna-se distinto que as
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belas-artes promovam uma abertura de novos horizontes que possibilitem um novo agir e pensar, promovendo inúmeros avanços nos mais variados campos. Schiller apresenta a arte como um agente livre de qualquer alteração provinda das ações humanas.
Arte e ciência são desobrigadas de tudo que é positivo e que foi introduzido pela convenção do homem, ambas gozam de uma absoluta imunidade em face do arbítrio humano. O legislador político pode vedar seu território, mas nunca poderá reinar dentro dele. Poderá proscrever o amigo da verdade, mas esta existe; poderá humilhar o artista, mas não poderá falsificar a arte (SCHILLER, 1991, p.63).
Neste aspecto, observamos que a arte é uma ferramenta incorruptível, ou seja, que nem mesmo o homem pode corrompê-la, sendo assim ela torna-se uma das únicas possibilidades de reversão desta situação pervertida em que a sociedade se encontra. A arte é por excelência salvação da perda da dignidade humana, a partir dela podemos voltar à verdade da qual tanto nos afastamos. É um exercício de olhar para o alto, para a dignidade e a lei e deixar de olhar para baixo, para a satisfação e a necessidade, é como um livrar-se da vaidade e das pretensões acerca dos convites fantasiosos que a sociedade nos faz. Um exemplo claro disto, é o artista que no íntimo de sua alma traz consigo o desejo de voltar-se para as belezas imateriais, que não se corrompem dentro do espaço e tempo, mas que fazem do homem um reflexo desta rara beleza de expressar em seus gestos e atitudes, o que de mais sublime podemos refletir para os outros. É como moldar uma pedra bruta, que se encontra sem forma e sem vida, mas que pelas mãos hábeis do artista ganha beleza, esplendor e liberdade que aparecem diante dos olhos. Assim, a beleza nos possibilita alcançar este ápice moral que tanto buscamos. Todo este procedimento podemos classificar de transcendental, pois em sua essência se pode vislumbrar toda a sua potencialidade inteligível e pura de uma verdade máxima, que permite ao homem ser reeducado com relação a sua moral, podendo tornar-se um ser que pode realizar belas atitudes em benefício da totalidade. O homem a partir disso pode passar a viver feliz, pois a infelicidade foi transmutada para uma nova realidade, onde seus impulsos foram controlados e suas atitudes foram reestruturadas, tendo em vista que a sua qualidade de vida foi modificada, passando de um estado morto para um estado vivo e em plenitude. Esta plenitude se faz condizente para o homem já incluso neste processo, percebe-se que o tempo já não mais caminha lentamente, mas que, diferentemente de antes, o ideal que parecia estar apenas no futuro, parece agora caminhar diante de seus olhos, pois a desordem e o caos em que ele vivia já não se fazem mais tão presentes. Esta calmaria pode lhe
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proporcionar uma evolução em sua sabedoria, imprimindo-lhe um caráter silencioso em sua alma, esta que passará a externalizar a beleza que transita em seu ser. O homem passa a viver em sua época sem ser escravo dela, serve aos seus superiores sem ser escravos deles. A liberdade passará a liderar a sua conduta não de uma maneira desordenada, mas de forma livre e objetiva. Através da faculdade de sentir o belo é pois tecido um laço de união entre a natureza sensível e a espiritual do homem, e o ânimo é preparado, a partir do estado do mero sofrer, para a auto-atividade incondicionada da razão. A liberdade dos espíritos é introduzida pelo belo no mundo dos sentidos, e a pura flama demoníaca deixa (se me permitis a metáfora) suas cores etéreas tocar aqui o espelho da matéria, como o dia as nuvens matinais. (SCHILLER, 2009, p.117-118).
Schiller, almeja expressar que a faculdade de sentir o belo, permite ao homem uma liberdade de espírito, ou seja, pelo universo dos sentidos somos permitidos como que deixarmos as amarras de um condicionamento que apenas o belo, a arte pode suscitar-nos a deixá-lo de lado e passarmos a assumir a nossa verdadeira condição de homens livres para pensarmos e agirmos. Para isso será necessário que haja uma formação pautada na beleza e no gosto, pois a sociedade urge por tal cuidado educacional que permita que ao homem formar-se dignamente seu caráter e sua moralidade14. Apenas a arte poderá proporcionar o equilíbrio ao homem que é movido por seus estados, sejam eles: natural ou moral. Sendo o último, o qual deverá permanecer evidenciando o verdadeiro caráter que o individuo deve conter diante da sociedade. Assim, demonstrando a harmonia que arte pode provocar no caos existente no ser humano, caos este que é inerente ao homem, mas que pode e deve ser suavizado, imprimindo-lhe um caráter refinado diante da barbárie vivida pela grande massa.
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A necessidade mais urgente da nossa época parece-me ser o enobrecimento dos sentimentos e a purificação ética da vontade, pois muito já foi feito pelo esclarecimento do entendimento. Não nos falta tanto em relação ao conhecimento da verdade e do direito quanto em relação à eficácia deste conhecimento para a determinação da vontade, não nos falta tanta luz quanto calor, tanta cultura filosófica quanto estética. Considero esta última como a mais eficaz instrumento da formação do caráter e, ao mesmo tempo, como aquele que deve ser mantido inteiramente independente da situação política e, portanto, mesmo sem a ajuda do Estado. E é aqui, Magnânimo Príncipe, que a arte e o gosto tocam os homens com a sua mão formadora e demonstram sua influência enobrecedora. (SCHILLER, 2009, p.35)
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4 A BELEZA NA FORMAÇÃO MORAL HUMANA A beleza permite ao indivíduo tecer sua formação de caráter dentro de parâmetros divergentes da sociedade determinista, permitindo ao homem ser e agir de forma natural e espontânea. 4.1 A Formação Diante do embate desenvolvido por Emanuel Kant na “Crítica da Razão Prática”, sobre a fragmentação entre natureza e moral, Schiller exprimiu incondicionalmente que “é deste mundo que o homem faz parte enquanto ser físico, joguete de seus impulsos e inclinações” (SCHILLER, 1991, p.18). Esta dicotomia, prevista por Kant, agora instiga o autor a esmiuçar este leque que compete à formação da moral humana. O homem, ser racional, carece de recursos externos que estimulem o desenvolvimento cognitivo e moral, haja vista que esta inconstância existente nele necessita de algo que o harmonize com a finalidade de que estes impulsos ou inclinações possam ocorrer harmonicamente. É preciso agora recuperar a unidade entre natureza e moral. Mas como? Diante desse questionamento o filósofo vai nos dizer que “cabe à cultura resguardar os direitos de cada um dos dois impulsos contra a usurpação do outro, educando a receptividade, as funções sensíveis e emocionais e, de outro lado, as funções racionais, a espontaneidade e autonomia mentais” (SCHILLER, 1991, p.30). A partir disso, torna-se evidente que tal unificação necessite de uma ferramenta harmonizadora, para que esta divisão seja vencida, respeitando os limites de cada uma. Respeitar e equalizar diferenças começa a dar forma a esta deformidade existente no homem. Schiller ambiciona estabelecer uma práxis eficaz naquilo que diz respeito à formação da moral humana, haja vista que a barbárie era latente em seu contexto histórico e social. Era impulsionado pelas adversidades a buscar a harmonia que pudesse imprimir nas pessoas, a liberdade necessária para que a moral pudesse ser forjada a partir do gosto, do belo e do requinte. Era preciso então incutir nas grandes massas, um despertar da “liberdade da razão”. Para isso, Ricardo Barbosa, destaca este seguinte pensamento: “[...] Schiller acreditava que o esclarecimento dessa grande massa deveria começar pelo físico, pois sem a satisfação de suas necessidades vitais mais elementares a ‘liberdade da razão’ permaneceria uma meta distante” (BARBOSA, 2004, p.35). Esta liberdade está relacionada ao desenvolvimento da maturidade do espírito, sendo que a grande massa populacional encontrava-se “escravizada pelos sentidos”. É com esta concepção que Schiller almeja libertar o homem, instigando-o a cultivar
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o esclarecimento das coisas, para que cada vez mais seus pensamentos e atitudes sejam livres de dominações externas (BARBOSA, 2004). Vivendo em meio à barbárie política e social, o autor percebe que, a única forma de contrapor esta situação alienadora, era propor um novo conceito de formação, que incitasse os homens a experimentarem uma visão distinta de todos os fatos que os rodeavam. Para isso, é preciso considerar que o homem encontra-se dividido, pois impulsos sensíveis e formais precisam ser reconstituídos, para que o homem desenvolva sua moral sob uma atmosfera harmônica e não dividida. A partir deste aspecto, torna-se notável a relevância da cultura do gosto cabendo estabelecer limites para esta dicotomia existente na natureza humana. Vigiar e assegurar os limites a cada um dos dois impulsos é tarefa da cultura, que deve igual justiça aos dois e não busca afirmar apenas o impulso racional contra o sensível, mas também este contra aquele. Sua tarefa, portanto, é dupla: primeiramente, resguardar a sensibilidade das intervenções da liberdade; segunda, defender a personalidade contra as forças da sensação. Uma tarefa ela realiza pela educação da faculdade sensível, a outra pela educação da faculdade racional. (SCHILLER, 1991, p.80-81)
No tocante à cultura do gosto, torna-se evidente sua eficácia no processo de formação da moral humana, que necessita unificar os opostos, possibilitando que a verdadeira liberdade aconteça diante da razão. Com isso, Schiller expõe qual deve ser o caminho que o homem precisa adotar para que este caos referente aos impulsos possa ser equilibrado. Quanto mais facetada se educar a receptividade, quanto mais móvel for, quanto mais superfície oferecer aos fenômenos, tanto mais mundo o homem percebe, mais disposições ele cultiva em si; quanto mais força e profundeza ganhar sua personalidade, quanto mais liberdade ganhar a sua razão, tanto mais o mundo ele concebe, mais forma ele cria fora de si. Sua cultura irá consistir no seguinte: primeiro; proporcionar à sua receptividade os mais frequentes contatos com o mundo e levar ao máximo a passividade do sentimento; segundo: conquistar para as faculdades determinantes a máxima independência com relação às receptivas e ativar ao extremo a atividade da razão. Quando as duas faculdades se unificam, o homem conjuga a máxima plenitude de existência à máxima independência e liberdade, abarcando o mundo em lugar de perder-se nele submetendo a infinita multiplicidade dos fenômenos à unidade de sua razão. (SCHILLER, 1991, p.81-82)
Quando o autor trata de limitação15 dos impulsos trata-se de estabelecer um ponto que permita que a oposição se equalize, permitindo com que a razão vivencie de fato a 15
“Os dois impulsos necessitam de limitação e, quando pensados como energias, de um ponto de repouso; aquele, a fim de não burlar o domínio da legislação; este para não penetrar o campo da sensibilidade. O repouso do impulso sensível não deve, entretanto, ser o efeito de uma incapacidade física e de um embotamento da
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unidade. Para que este pressuposto de harmonia aconteça, Schiller fala sobre o impulso lúdico16, que tem como função conjugar os impulsos sensível e formal, superando as limitações, do tempo no tempo (SCHILLER, 1991). Conjugar, superar limitações é uma das partes que fazem parte deste processo, que forja o caráter humano. Contudo, o autor apresenta a existência de um jogo que norteia esta harmonização dos opostos, movimento que se encontra em pleno contato com a beleza e com o impulso lúdico. A beleza realmente existente é digna do impulso lúdico real; pelo ideal de beleza, todavia, que a razão postula, é dado também um ideal de impulso lúdico, o qual o homem deve ter presente em todos os seus jogos. Não erra quem busca o ideal de beleza do homem no caminho em que ele costuma satisfazer o impulso lúdico. (SCHILLER, 1991, p.92)
A beleza é o caminho para a construção da moralidade humana, tendo em vista que seu desempenho neste seguimento postula como princípio unificador que possibilita estabelecer uma condição favorável, para que o homem prossiga por inclinações favoráveis à moralidade. Assim, Schiller postula que a beleza é a própria liberdade e que esta relação da cultura do gosto deveria influenciar na formação do homem (BARBOSA, 2004). Formação que está pautada na liberdade que só poderá ser alcançada na medida em que seus impulsos sejam harmonizados e que a dominação pelo sensível se torne livre, possibilitando a emancipação do homem17. Eis aqui o ponto, Magnânimo Príncipe, onde a arte e o gosto tocam os homens com sua mão formadora e demonstram sua influencia enobrecedora. As artes do belo e do sublime vivificam, exercitam e refinam a faculdade de sentir, elas elevam o espírito dos prazeres grosseiros da matéria à pura complacência nas meras formas e o habituam a introduzir a auto-atividade sensação, pois mereceria então desprezo; deve ser um passo da liberdade, uma atividade da pessoa que modera, por seu vigor moral, a intensidade dos sentidos e toma às impressões, pelo domínio, a profundidade, para darlhes superfície. O caráter deve pôr limites ao temperamento, pois somente ao espírito deverão render-se os sentidos. Tampouco o repouso do impulso formal deverá resultar de impotência espiritual, do esmorecimento das forças do pensamento e da vontade, pois rebaixaria o homem. A plenitude das sensações deverá ser uma fonte honrosa; a sensibilidade, por sua própria força, deverá manter o campo e resistir à violência que o espírito quer fazer-lhe pela atividade antecipadora. Em poucas palavras: o impulso material deve ser contido em limites convenientes pela personalidade, e o impulso formal deve sê-lo pela receptividade ou natureza” (SCHILLER, 1991, p.84). 16 “O impulso lúdico, entretanto, em que os dois se conjugam, irá regrar o espírito física e moralmente a um só tempo; qualquer necessidade, libertando o homem tanto moral como fisicamente” (SCHILLER, 1991, p.84). 17 “Radicalizar a Aufklärung implicava assim superar a ênfase no intelectualismo como expressão unilateral da cultura teórica, abrindo espaço para uma mediação imprescindível à emancipação do homem das coerções do reino da necessidade e à instituição da liberdade: o poder formador e enobrecedor da arte e do gosto” (BARBOSA, 2004, p. 29).
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também em suas fruições. O verdadeiro refinamento dos sentimentos consiste porém sempre em que nisto é proporcionado um quinhão à natureza superior do homem e à parte divina de sua essência, sua razão e sua liberdade. (SCHILLER apud BARBOSA, 2004, p.29-30)
Este refinamento18 na capacidade de sentir influi no homem uma propensão para a tomada de decisões livres e espontâneas que o elevará a uma condição privilegiada de encaminhar-se ao “status” de alma bela. Inclinação pela qual, após um extenso processo de purificação, unificação e emancipação, o homem torna-se consciente de si, agindo por liberdade. Isso comprova que seu agir tornou-se definitivamente espontâneo, sem que o impulso tome a frente de suas decisões, pois ambos encontram-se unidos estabelecendo este estado de paz, liberdade e motivação instantâneo que o caracterizará com um ser ético e moral. Assim como uma apresentação plena de gosto convida ao pensamento e ajuda a promover o conhecimento da verdade, porque ela mesma forma uma matéria para a sensibilidade a partir de conceitos abstratos, assim também o gosto ajuda a promover a eticidade do agir ao fazer com que as prescrições morais da razão concordem com o interesse dos sentidos e ao transformar o ideal da virtude num objeto da inclinação (SCHILLER, 2009, p.133).
Com isso, a gosto convida segundo Schiller, a promover um desdobramento em relação ao conhecimento daquilo que é belo e verdadeiro, incitando o homem a agir segundo uma eticidade que seja recíproca a moralidade. Tal transformação se deve pelo poder que há na arte, poder este que proporciona ao homem um processo de adequação as verdadeiras diretrizes de um bom e reto agir, sem que ninguém ou até mesmo regras precisem impor-lhe tal ação. Assim, poderemos perceber o seu devido valor quando nos depararmos com os resultados promovidos por este processo de refinamento que até aqui engendramos, evidenciando de fato o verdadeiro sentido deste ideal formativo de caráter.
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“Quando o prazer dos sentidos e a dor dos sentidos, \ Unidos em torno do coração do homem \ Atam o nó de mil voltas \ E o lançam ao pó, \ Quem é sua proteção? Quem o salva? \ As artes, que em anéis dourados \ O alçam à liberdade, \ E pelo atrativo de forma enobrecidas \ O mantém suspenso entre a Terra e o céu” (SCHILLER, 2009, p.81) Nota de Roda pé 22.
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4.2 A Moral O homem pode e deve se tornar nobre espiritualmente, ou seja, a partir de uma refinação estética do espírito, deve passar a agir pautado sobre a espontaneidade e a liberdade. Por meio desta afinação, o homem começa a desenvolver seu caráter, deixando de ser um mero ser passivo das ações, mas tornando-se de fato um ser ativo, passando a ser estético. (SCHILLER, 1991) A partir desta passagem, o homem inicia uma mudança quanto à emissão de seus juízos, percorrendo agora um viés mais universal e não tão subjetivo. Vejamos como o autor relata o assunto: “Aquele passo o homem pode dar por sua mera liberdade, já que se trata apenas de aceitar, e não doar, apenas individuar sua natureza, e não ampliá-la; o homem de afinação estética emitirá juízos universais ou agirá universalmente tão logo o queira” (SCHILLER, 1991, p.121). Agir como queira é uma espécie de liberdade que, alcançada por meio da cultura do gosto, desperta no homem antes divido pelos impulsos, unificar-se concentrando suas ações direcionadas mais ao viés da naturalidade. Diante desta ideia, o autor desvela a existência de um novo conceito de moral, que corrobora a influência do belo como auxiliador neste processo de mudança de um estado de selvageria para um estado moral, ou seja, para uma ação moralmente bela19, possuindo assim segundo as leis e regras que regem a universalidade. Porém, não por obrigação ou por imposição, mas por livre e espontânea vontade, sem coação, mas movido por uma inclinação. Esta relação de liberdade segue ao encontro de unicidade, que proporciona ao homem agir sobre um caráter liberto das amarras da obrigação, dever e regra, mas sim, movido pela profunda autonomia descoberta e assumida dentro de suas limitações. Pois, agora Schiller percebe que esta ação em nada tem a cumprir ordens, mas ao contrário, deve ser e realizar ações por si e em prol do bem e da verdade universal. O homem deve, se me permitirdes a expressão, travar a guerra contra a matéria em seus próprios domínios, para isentar-se de lutar contra o terrível inimigo no campo sagrado da liberdade; deve aprender a desejar nobremente, para não ser forçado a querer, de modo sublime. Esta tarefa é realizada pela cultura estética, pois submete o arbítrio humano às leis da beleza em todos os pontos não sujeitos à lei natural ou racional, suscitando a vida interior através da forma que imprime à vida externa. (SCHILLER, 1991, p.123-124)
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“Acima da ação moralmente bela, que para Kant era aquela que se dá exclusivamente pela determinação racional da vontade, Schiller colocava a ação moralmente bela. Nesta, determinação racional e a inclinação sensível se fundem de tal modo que o natural aparece como se fosse o livre, e o livre como se fosse natural, pelo que Schiller se refere à superação cristã do imperativo categórico não por uma simples inclinação, mas por uma livre inclinação” (BARBOSA, 2004, p.51).
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O homem precisa aprender de modo sublime20 a desempenhar suas ações, emitindo de fato juízos pautados sob um limiar universal, reconhecendo sua dignidade humana e aprendendo a conhecer a dignidade dos demais à sua volta. Tais descobertas incitam o homem a transformar sua intransigência interior em atitudes harmônicas e desinteressadas. A partir disto, torna-se perceptível que “no estado físico o homem apenas experimenta o poder da natureza, liberta-se deste poder no estado estético, para dominá-lo no estado moral” (SCHILLER, 1991, p.124). É vão experimentar este poderio referente à natureza, sem que se possa alcançar um estado de domínio, convergindo-o para o bem em comum. Esta purificação interna acontece transformando atitudes meramente animalescas, ou seja, grosseiras e egoístas, em realizações que dirão por si só, o bem e a verdade que nelas existir. Segundo Schiller, após ter enfrentado todo este processo proposto nesta pesquisa, o homem ao chegar ao estado estético21 poderá definitivamente correlacionar seu querer, sua liberdade, sua ação, sem que regras ou leis o oprimam em suas ações. Liberto destes grilhões, o homem eleva-se à situação onde seus gestos imprimem um caráter independente das limitações existentes no campo da natureza. Vale ressaltar que esta liberdade não está atrelada a desobrigação do cumprimento das leis, mesmo porque sua fundamentação não está relacionada ao campo limitado da razão, mas sim, ao ilimitado referente à estética.
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“O sublime é, ao lado do belo, um dos temas principais da especulação estética do século XVIII. A expressão de um caráter sublime é, segundo Schiller, a dignidade. A dignidade é manifestação da resistência que o espírito autônomo opõe ao impulso natural. Como, porém, o ideal da humanidade perfeita exige não antagonismo, mas harmonia entre ser moral e o ser sensível, decorre que este ideal não se conforma bem à dignidade (ou sublime) que, como expressão daquele antagonismo entre ambos os seres, torna visíveis os limites particulares do sujeito ou os limites gerais da humanidade. Daí Schiller dizer, no nosso texto, que devemos aprender a desejar (naturalmente) de forma mais nobre, a fim de não ser necessário querermos (moralmente) de forma mais sublime”. (ROSENFELD, 1991, p.124). 21 “Para leitores que não estejam familiarizados com a significação deste termo tão malbaratado pela ignorância, sirva de explicação o seguinte. Todas as coisas que de algum modo possam aparecer são pensáveis em quatro relações diversas. Uma coisa pode relacionar-se imediatamente com o nosso estado sensível (nossa existência, nosso bem-estar): esta é sua condição física. Ela pode, também, relacionar-se com nosso entendimento, provendo conhecimento: esta é sua qualidade lógica. Ela pode, ainda, relacionar-se com nossa vontade e ser considerada como objeto da opção de um ser racional: esta é sua condição moral. Ou, finalmente, ela pode relacionar-se ao todo de nossas diversas faculdades sem ser objeto determinado para uma isolada dentre elas: esta é sua qualidade estética. Um homem pode ser-nos agradável por prestimoso; pode, pelo diálogo, dar-nos o que pensar; pode incutir respeito pelo seu caráter; finalmente, com independência disto tudo, sem que prendamos nosso juízo que lhe diz respeito a qualquer lei ou finalidade, ele pode ser aprazível à pura contemplação por sua simples maneira de aparecer. Nesta última qualidade, julgamo-lo esteticamente. Existe, assim, uma educação para a saúde, uma educação do pensamento, uma educação para a moralidade, uma educação para o gosto e a beleza. A última tem por fim conformar na máxima harmonia o todo de nossas faculdades sensíveis e espirituais. Para contrariar a corriqueira sedução de um falso gosto, fortalecido também por falsos raciocínios segundo os quais o conceito do estético comporta o do arbitrário, observo ainda uma vez (embora estas cartas sobre a educação estética de nada se ocupem além da refutação deste erro) que o espírito no estado estético, embora livre, e livre no mais alto grau, de qualquer coerção, de modo algum age livre de leis; e acrescento que a liberdade estética se distingue da necessidade lógica no pensamento e da necessidade moral no querer, apenas por não explicitar as leis segundo as quais se comporta o espírito. Tais leis, visto não serem experimentadas como resistência, não se afiguram, portanto, como imposição coerciva”. (ROSENFELD, 1991, p.110-11).
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Esta autonomia, que o homem atingiu, é precedida pelo impulso sensível que, de modo incontestável, auxilia no alcance da amplitude moral, aparecendo docemente neste processo e não mais como mero impulso, mas sim como uma ação equilibrada. O impulso sensível precede o moral na experiência, e por isso confere um começo no tempo à lei da necessidade, uma origem positiva, e transforma, pelo mais infeliz dos erros, o imutável e eterno dentro de si em acidental e perecível. Convence a si mesmo de que os conceitos de justiça e injustiça são estatutos introduzidos por uma vontade, não tendo, portanto, validez e autônoma e eterna. (SCHILLER, 1991, p.129)
O impulso sensível necessita ser superado, não posto de lado, mas educado para que a ação moral possa dar-se, pois, esta natureza impressionável faz com que o homem não consiga agir com independência, prendendo-o aos erros, não permitindo que sua postura seja de fato moralmente bela, ou seja, realizada livremente, caracterizando seu fundamento sob os princípios da autonomia, beleza, verdade e do bem.
Portanto, uma ação moral só seria uma ação bela se parecesse um efeito da natureza produzido espontaneamente. Numa palavra: uma ação livre é uma ação bela quando a autonomia do ânimo e a autonomia no fenômeno coincidem. Por esta razão, o máximo da perfeição de caráter de um homem é a beleza moral, pois ela surge apenas quando o dever tornou-se para ele uma natureza (SCHILLER, 2002, p.77).
Assim, surge no caráter humano uma dessemelhança entre o ser racional e estético, que implica na mudança radical de seus propósitos, reunindo os impulsos opostos, para que, o dever torne-se natureza, ou seja, algo que é por si mesmo e que não é motivado pela coerção. A expressão da natureza, explicitada por Schiller, evoca toda a essência da moralidade, que em meio às diferenças suscita no homem a liberdade de agir, sem que o exterior lhe oprima, mas que em seu interior surja espontaneamente uma ação tão natural, quanto seu próprio existir. Diante de tais explanações sobre a moral e tendo em vista sua nobreza, ou seja, sua beleza encontra-se uma figura ilustre que inscreveu seu nome, bem como sua eminente atitude, merecendo ganhar breves linhas para relatar seu insigne ato. Albert Bruce Sabin22
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“Albert Bruce Sabin (Białystok, 26 de agosto de 1906 — Washington, 3 de março de 1993) foi um renomado pesquisador médico, sendo melhor conhecido por ter desenvolvido a vacina oral (famosa "gotinha") para a poliomielite. Sabin nasceu em 1906 na cidade de Białystok, então parte da Rússia (atualmente na Polônia), e imigrou em 1921 para os Estados Unidos da América com sua família. Sabin estudou medicina na Universidade de Nova Iorque e desenvolveu um intenso interesse em pesquisa, especialmente na área de doenças infecciosas. Em 1931, completou o doutorado em medicina. Passou uma temporada trabalhando em Londres em 1934, como
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causou revolução no meio acadêmico desenvolvendo a famosa vacina oral contra a poliomelite, que salvou muitas crianças no mundo todo. Sua relevante contribuição aconteceu por causa de seu incansável desejo, não apenas em desenvolver algo que muitos pesquisadores almejavam descobrir por mera ambição financeira. Sabin incansavelmente buscou e insistiu em encontrar um antídoto para aquela moléstia que dizimava inocentes crianças. Após inumeros tentames, o pesquisador finalmente descobre que sua experiência poderia surtir efeito sobre o mal que assolava a humanidade. No ano de 1961, os Estados Unidos apoiaram sua vacina, levando a muitos a cura bem como a prevenção da moléstia. É neste exato momento que Sabin mostra que dentro do estado moral é possível agir nobremente tornando a alma bela. Sabin decidiu renunciar a todos os direitos de patente da vacina que desenvolveu, priorizando que sua propagação acontecesse mais breve possível, estendendo a imunização do vírus aos mais variados lugares do mundo. Esta ação, diante de uma sociedade mercantil e oportunista, demonstra o quanto o homem carece ser educado pela estética com a finalidade de se tornar cada vez mais humano diante das realidades. Portanto, Schiller infere que o mundo necessita urgentemente abrir-se ao conhecimento, à educação, à beleza e à verdade, para que “alado pelo gosto, mesmo o rastejante trabalho a soldo escapa ao chão, as correntes da servidão partem-se como ao contato de uma vara de condão, libertando tanto o vivo como o inerte” (SCHILLER, 1991, p.150). Liberto das amarras do rigor, livre para ser e agir por si mesmo, o homem, enfim, aprende a tornar este nobre desejo sua natureza, ou seja, aquilo que possui de mais íntimo. Viver a partir disso, na beleza que envolve o ato de ser abnegado da servidão que a sociedade lhe impõe. Autônomo e espontâneo, simplesmente um ser moralmente belo.
representante do Conselho Americano de Pesquisas. De volta aos Estados Unidos, tornou-se pesquisador do Instituto Rockfeller de Pesquisas Médicas. Nesse instituto, demonstrou o crescimento do vírus da poliomielite em tecidos humanos.Sabin esteve várias vezes no Brasil, acompanhando pessoalmente o combate à poliomielite, tendo se casado em 1972 com a brasileira Heloísa Sabin. Centenas de escolas, hospitais, clínicas e instituições brasileiras levam o seu nome. O cientista recebeu do governo brasileiro, em 1967, a Grã-Cruz do Mérito Nacional” www.wikpedia.com.br
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa tencionou provocar no leitor uma reflexão sobre a formação da moral humana e, através de seus capítulos, inúmeros detalhes puderam dar forma e substância a esta teoria apresentada. Explicitando o significado da beleza e a sua expressão, podemos compreender como as coisas se manifestam e principalmente de que forma. Para melhor compreensão observamos a essência das coisas e como elas se comportam, determinando-se a si mesma, ou seja, imprimindo o caráter de personalidade fazendo que algo exista. Outro relevante aspecto apresentado é o fenômeno como uma relação diante da natureza das coisas, não pertencendo ao objeto, mas sim relacionando com o sujeito da situação. Já a liberdade e espontaneidade abordadas nesta pesquisa foram ser interpretadas como uma manifestação da própria essência do homem, que se contrapõe ao estado imposto pela sociedade. Adentrando este campo, firmamos a singularidade existente entre: liberdade e espontaneidade, e como se encontram entrelaçadas dentro da essência humana. No entanto, precisam de um estímulo forte que as desperte deste pseudo-sono em que a sociedade determinista as submeteu. Neste sentido, mostramos, acompanhando Schiller, como a arte e o belo impulsionam a liberdade e espontaneidade humana, que continuamente deve agir e decidir o curso de sua existência, formando em si mesmo o que o autor chamou de “alma bela”. A beleza, objeto precípuo da arte, pode devolver ao homem a força motriz para enfrentar todo e qualquer deter que é senão a particularidade da arte e do belo poderá devolver ao homem a força determinismo. Seguramente a beleza Este é o jogo harmoniza o caótico processo interno que o homem vive. Tal processo possui o misterioso poder de tecer no indivíduo a mudança de atitude diante do funcionalismo determinista imposto pela sociedade. A arte tida como a “filha da liberdade” orienta a alma humana por um viés livre de imposições e opressões, para que a interioridade humana seja harmonizada diante do caos existente, ou seja, que acaba submetendo o livre agir do homem. Este caos precisa ser apaziguado, para que o homem sinta-se livre para decidir e agir por si mesmo. Este estado denominado como natural exige que o processo nobre de formação equacione as diferenças encontradas no homem, transformando o estado natural em estado moral onde o indivíduo transpõe o homem físico para o homem moral. O homem está imerso num verdadeiro campo de batalha, no qual a razão o convida a unidade, porém a natureza o convida a multiplicidade. Apenas a beleza poderá conferir ao homem a estabilização nesta tensão existente. Superada esta tensão, as ações corresponderão ao belo como algo tão natural quanto o seu próprio instinto. A experiência da beleza suscita no homem a liberdade de
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espírito, deixando as amarras do condicionamento que, apenas a beleza pode romper, permitindo que o ser seja livre no pensar e agir. Mas para isso o homem precisa ser formado na beleza, devendo ser exposto à arte, a música, a literatura, enfim, a todos os atributos referentes à beleza para que os primeiros passos do aprendizado sejam pautados sob um direcionamento livre, belo e espontâneo. O determinismo instaurado pela sociedade vigente tende a ser superado através da aplicação da beleza no processo de educação e orientação ética e moral do indivíduo. Assim, o homem realiza em si mesmo um processo de emancipação onde sua liberdade e espontaneidade tornam-se, por meio de refinamento, ações livres e espontâneas, onde a “alma bela” se instaura com algo natural e intrínseco no homem. Objetivando assim que belas ações aconteçam sem que a sociedade ou suas leis forcem-no a realizá-la. Só assim, poderemos ter indivíduos que ajam livres e conscientes de estar realizando o bem diante da humanidade, sem que estas ações sejam impostas. Esta transformação se dará por meio de um processo onde o homem, encontrando o equilíbrio interno, agirá segundo a sua liberdade engendrando um verdadeiro estado moral, e normalmente determinada pelos padrões culturais possa despertar para um novo olhar e uma nova vivência moral. Tendo em vista esta ampla visão do processo idealizado por Schiller, percebemos o valoroso papel da arte, não mais como uma futilidade, mas agora como uma verdadeira ferramenta do processo formativo moral humano. A arte, é tida como a chave fundamental da harmonização, conduzindo o home a um verdadeiro processo rumo a liberdade (SCHILLER, 1991, p.39). Esta liberdade que o filósofo almeja está muito distante do possível conceito que o homem possui, não se trata de uma mera desordem, pelo contrário, trata-se de um agir livre, mas acima de tudo dentro da ordem e das leis (SCHILLER, 1991). Um reto agir, espontâneo e não determinado. Esta é a meta que o autor nos apresenta, mas para isso é preciso reconhecer no homem o que de fato precisa ser moldado. O filósofo então exalta-nos detalhes sobre “pessoa das coisas”, aquilo que as motiva, ou seja, a sua natureza que pode ser moldada segundo os parâmetros estéticos (SCHILLER, 1991). Para Schiller, uma ação só poderia ser considerada moral se esta acontecesse espontaneamente, sem que determinações externas pudessem conduzi-las. Assim, esta ação poderia ser denominada de bela, livre e autentica (SCHILLER, 2002). Mas, para que esta ação seja de fato realizada, o homem movido pelos estados, natural e moral, precisa encontrar um equilíbrio, que apenas a beleza pode oferecer. Harmonizar os instintos mais profundos, equalizar o caos existente em sua interioridade, lapidando o caráter moral e ético do indivíduo. Como uma espécie de magia, a beleza infunde no homem o
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equilíbrio necessário para que desenvolvam-se liberdade, espontaneidade, autonomia e autenticidade. A beleza como produto da arte desvela-nos a liberdade como mãe da arte, produzindo a ousadia necessária para que o espírito livre e belo resplandeça (SCHILLER, 1991). Apenas a beleza poderá recuperar o homem deste dualismo presente em si mesmo, o indivíduo urge por tornar-se uno, para que a liberdade possa fazer parte integrante de sua vida física e moral. O homem precisa ser enobrecido para que o espírito de sua vontade seja regenerado (SCHILLER, 1991). Esta regeneração proporcionará ações belas e morais, mas para que isso aconteça deverá haver um jogo entre os impulsos, onde a beleza deverá exercer o seu papel de equilibrador. A beleza , portanto, será o caminho para a construção da moralidade humana, tendo em vista que seu desempenho neste seguimento postula como princípio unificador, que possibilita estabelecer uma condição favorável, para que o homem prossiga por inclinações que suscitem à moralidade (SCHILLER, 1991). Estabelecendo uma condição favorável, o homem deverá desenvolver suas ações de uma forma livre, externalizando a força una e, ao mesmo tempo, autêntica que a beleza lhe o incutiu durante o processo de formação moral. Suas atitudes não serão mais determinadas pelo externo, mas sim, por sua natureza, que estando equilibrada poderá suscitar em seu agir, ações tão naturais que nelas encontrar-se-ão a beleza traduzida em gestos e palavras. Suas ações se tornarão desinteressadas por recompensas, acontecerão apenas pelo simples desejo de sentir e viver o momento ou a ação. Nada mais será valoroso, do que o reto agir, porque de fato faremos, porque desejamos fazê-lo, mesmos que digam que não vale apena. Pelo contrário, valerá tanto mais, do que qualquer valor em dinheiro ou status valerá muito, porque será realizado algo que está dentro de nós e que anseia por ser feito. A verdade, a beleza e a moral se confluirão na tão sonhada “alma bela” que Schiller anseia, para que todos os homens à tenham, por meio da beleza. Seremos homens e mulheres de bem, livres de quaisquer determinações externas, mas sim tão somente determinados por nossas vontades livres de interesses. Simplesmente, seremos o que nós mesmos somos: livres (SCHILLER, 1991).
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REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. A sabedoria da Filosofia. Petrópolis: Vozes, [19--]. BARBOSA, R. Schiller & a cultura estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. MARTO. RAVASI. RUPNIK. O Evangelho da beleza – entre Bíblia e Teologia. São Paulo: Paulinas, 2012. ROSENFELD, Anatol. Nota de Rodapé n.22. In: SCHILLER, F. Cartas sobre a educação estética da humanidade. São Paulo: EPU, 1991. p.124. SCHILLER, F. Cartas sobre a educação estética da humanidade. São Paulo: EPU, 1991. SCHILLER, F. Kallias ou sobre a beleza. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. BIOGRAFIA DE ALBERT SABIN <HTTP://www.wikpedia.com.br> . Acesso em: 22 de agosto de 2012. OBS: O autor: Rupnik é apenas uma consulta marginal e não principal deste estudo.