Universidade Católica Portuguesa Pólo de Viseu
PASSADO, PRESENTE e FUTURO da Inovação na Indústria Automóvel
Jorge Leal Mestrado em Gestão de Negócios 2015/2017
Viseu, Janeiro de 2016
Introdução Este trabalho percorre 100 anos de história automóvel, a partir dos momentos de viragem e mais marcantes em termos de inovação na Indústria Automóvel. Desses momentos fazem parte 3 marcas - FORD, TOYOTA e TESLA - reconhecidas que revolucionaram diferentes aspetos deste setor, desde a conceção à produção, a partir de modelos de gestão inéditos e inovadores. Este trabalho explora também os elos de ligação e influências entre as 3 marcas e seus protagonistas, que ao longo de pouco mais de um século impulsionaram o desenvolvimento do mercado automóvel e se tornaram referências incontornáveis deste setor.
Índice Passado: Revolução Industrial Enquadramento histórico A Visão de Henry Ford Inovação Industrial Plataforma personalizável Conclusões
3 3 4 4 5
3
Presente: Revolução na Gestão 6 Um novo ciclo TOYOTA Production System Origens do TPS A Gestão do Conhecimento Conclusões
6 6 7 9 10
Futuro: Inovação Contínua 11 Contexto atual Melhoria Contínua vs Inovação Silicon Valley A Oportunidade de Musk Ponto de situação
11 Contínua 11 12 12 14
Considerações finais 15 Referências bibliográficas
16
Passado: Revolução Industrial
Henry Ford não inventou o motor a gasolina nem o automóvel. Inventou a era moderna.
Enquadramento histórico No final do séc. XIX - no apogeu da Revolução Industrial dos Estados Unidos da América - a mobilidade humana dependia da máquina a vapor (o comboio) para médias e longas distâncias e de veículos de tração animal na agricultura e para o transporte de pessoas em curtas distâncias. Os primeiros automóveis desenvolvidos eram movidos a vapor e foram inventados no séc. XVIII. Contudo, a produção automóvel só se desenvolveu no final do séc. XIX, tirando partido de inovações como a metalúrgica, energia elétrica, como do motor de combustão interna, combustíveis derivados do petróleo e de diversos produtos químicos. No início do séc. XX, o automóvel tinha-se tornado num produto exclusivo das classes mais abastadas, principalmente pelo seu elevado custo de produção, que impossibilitava a sua aquisição pela generalidade da população. O preço variava entre 2.000 e 3.000 dólares,que equivaleria a 47.000 e 70.000 dólares respetivamente, se comparado aos dias de hoje. Nesta época, a maioria dos automóveis utilizava motores elétricos ou de combustão interna (tecnologia recente). A competição entre as duas tecnologias rivais perdurou até 1920, altura em que a propulsão elétrica foi abandonada devido à grande disponibilidade de combustíveis fósseis (Schiffer, 1994). Se tivesse feito o que meus clientes pediam teria construído uma carruagem com mais cavalos, em vez do modelo T. Henry Ford
A Visão de Henry Ford Lançado em 1908 - período de forte expansão económica, que durou até ao crash bolsista de 1929 - o Modelo T da FORD foi o primeiro automóvel do mundo produzido em massa e trouxe consigo muitas inovações para o setor automóvel. Com a introdução do Modelo T, Henry Ford concretizou o seu sonho de produzir um automóvel a preço acessível e que fosse fiável e eficiente. Esse veículo assinalava uma nova era no que diz respeito ao transporte pessoal - era fácil de conduzir, manter e manusear em estradas acidentadas e foi um sucesso imediato (“Fundação da FORD Motor Company”). A versão Touring de 4 lugares custava 850 dólares (cerca de 20.000 dólares atualmente), mas contínuas inovações fizeram baixar o preço para 440 dólares (equivalente a 9.200 dólares atuais) em 1915. Tornou-se tão barato que podia ser adquirido por um operário da própria linha de produção da FORD.
HENRY FORD
I will build a car for the great multitude. It will be large enough for the family, but small enough for the individual to run and take care of. It will be constructed of the best materials, by the best men to be hired, after the simplest designs that modern engineering can devise. But it will be so low in price that no man making a good salary will be unable to own one and enjoy with his family the blessings of hours of pleasure in Gods great open spaces. Henry Ford
TOURING (1909-1927)
Ao contrário da lenda, a primeira versão comercializada (Touring) não estava disponível em preto mas sim em vermelho, seguindo-se o Roadster, disponível em cinza-pérola. A opção do preto como única cor ocorreu no pico de produção, especulando-se que esta decisão visava reduzir o tempo de produção, pelo menor tempo de secagem desta cor. Não obstante, no final do seu ciclo de vida o Modelo T estava disponível em diversas cores, entre inúmeras personalizações.
Inovação Industrial O desenvolvimento do Modelo T foi precedido pela produção de 4 modelos (N, R, S e K) lançados entre 1905 e 1907 e destinados ao único segmento de mercado, caracterizado pelo elevado poder de compra. Nessa fase, Ford construía automóveis do mesmo modo que os outros: um de cada vez. O método utilizado era lento e dispendioso, requerendo mão especializada para preparar as peças e as montar no veículo, que permanecia imóvel.
RUNABOUT (1909-1927)
No entanto, os elevados custos de produção e as dificuldades em encontrar mão de obra qualificada para aumentar a produção levaram Henry Ford a repensar a sua gama de veículos e a identificar a oportunidade de desenvolver um novo segmento de mercado, criando assim o Modelo T: o primeiro automóvel destinado às massas. O propósito de Henry Ford era produzir o maior número de veículos possível, com um design simples e ao mais baixo custo. Quando a posse de um veículo se limitava ainda a uns quantos privilegiados, o objectivo de Henry Ford era o de "colocar o mundo sobre rodas" e produzir um veículo economicamente acessível ao público em geral(“Fundação FORD Motor Company”). Para conseguir diminuir o custo de produção sem prejudicar a qualidade, Henry Ford investiu na automatização dos processos de fabrico, adaptando técnicas desenvolvidas por Elihu Root (pioneiro na produção em série de armamento) e otimizou-as para responderem às especificidades da produção automóvel (Alizon, Shooter, & Simpson, 2009).
COUPÉ (1909-1911,1914)
O processo de fabrico foi dividido em etapas, de modo a simplificá-lo. O conceito consistia em transportar o chassis pela fábrica ao longo de uma linha de montagem (utilizando um sistema de cabos), parando em cada posto, onde trabalhadores não qualificados executavam tarefas simples até o veículo finalizado ser conduzido para fora das instalações, accionado pelo seu próprio motor. Paralelamente, existiam linhas de alimentação ao longo do percurso sincronizadas com a linha principal, para fornecerem as peças correctas no momento certo.
Plataforma personalizável Mas a maior inovação introduzida por Henry Ford foi a plataforma sobre a qual cada Ford T era construído. Todas as variantes do Modelo T a utilizavam, partilhando também módulos, componentes e processos de fabrico, para reduzir o custo unitário de produção. Ao contrário do que é dito, a plataforma sofreu evoluções ao longo dos anos (juntamente com as variantes
do Modelo T) e continua hoje a ser uma referência em termos de design automóvel (Alizon et al., 2009). A plataforma permitia um elevado nível de personalização, desde a carroçaria aos acessórios e acabamentos, possibilitando à Ford lançar muitas variantes do modelo e assim massificar o produto. O Modelo T era várias vezes referido como o “automóvel universal” , porque se adequava a todos os tipos de cliente e podia ser utilizado para todas as situações (Alizon et al., 2009). Alizon et al. (2009) sugere que, ao utilizar uma plataforma comum a todos os Modelos T, Henry Ford implementou uma forma de “lean manufacturing”, evidenciando essa filosofia numa frase do manual do deste carro: “it is foolish in commercial work to use a heavier or larger chassis than is actually needed for the work to be done”. Outra das estratégias para reduzir os custos de produção do Modelo T e reduzir a dependência de fatores externos, consistiu na gradual integração vertical dos processos controlados pelos seus stakeholders, como a produção de componentes e a transformação de matérias-primas. Ao adotar estas medidas, obteve economias de escala e em 1920 atingiu o objetivo de controlar 100% do fabrico.
PERSONALIZAÇÃO MODELO T
Conclusões O Modelo T da FORD Motor Company foi um dos mais bem sucedidos produtos na história do automóvepropriamentel. (Alizon et al., 2009) e o seu sucesso desencadeou uma revolução dos processos de manufatura, alterando o paradigma do design automóvel, da engenharia e da gestão industrial. A sua abordagem inovadora fez de Detroit (E.U.A.) o berço da Indústria Automóvel, e do automóvel um bem de consumo. Conjugada com o conceito de linha de produção em série, a utilização da mesma base/ plataforma para produzir vários produtos é ainda hoje uma estratégia utilizada por empresas de todos os setores, para diminuir custos de desenvolvimento e produção e aumentar quotas de mercado (Alizon et al., 2009). Reconhecido como o pai da produção em série, criou processos de produção normalizados a partir de uma plataforma capaz de evoluir gradualmente e que simultaneamente permitia o desenvolvimento de subprodutos personalizáveis em massa: tendências que perduram no séc. XXI. Embora não fosse propriamente um inventor, a sua visão estratégica revolucionou e impulsionou a indústria automóvel, ao criar condições de produção para viabilizar um novo segmento de mercado. Revolucionou a própria sociedade ao conceber um veículo utilitário e de lazer, alterando o panorama da mobilidade humana – até então refém do cavalo – e democratizando o acesso ao automóvel, que se enraizou no dia a dia das sociedades mais desenvolvidas. Henry Ford, foi um precursor na aplicação de novos modelos de gestão como a Integração Vertical, Economias de Escala e Automação: pilares base da Indústria Automóvel atual, setor que segundo Porter (1979) teve o seu maior crescimento após a 2ª Guerra Mundial, ou seja, 4 décadas depois das inovações de Ford.
Presente: Revolução na Gestão O Japão ficou devastado. A única coisa que tinha eram pessoas informadas.
Um novo ciclo O forte crescimento da Indústria Automóvel após a 2ª Guerra Mundial (Porter, 1979) teve o seu epicentro numa região do mundo sem qualquer tradição ou experiência neste setor: o Japão. Assim, o nascimento da TOYOTA Motor Corporation em 1939 marca o segundo momento de viragem na História Automóvel, caracterizado por várias inovações na Gestão de Operações e Gestão do Conhecimento. Assim, a TOYOTA, primeira marca de automóveis japonesa, foi fundada num período de adversidade, fruto do espírito empreendedor da família Toyoda e da própria cultura japonesa, Por natureza ou através do treino, os japoneses são muito atentos ao detalhe e sentem o dever de assegurar que tudo decorre sem problemas, quer no trabalho quer em casa. Esta atitude potencia o efeito do KAIZEN (Inman, 2007), palavra que deriva de dois termos japoneses: Kai (mudança) e Zen (ótimo, melhor) (Gonçalves, 2008). Esta ‘mudança para melhor’ (mais frequentemente referida como “melhoria contínua”) caracteriza a postura do povo japonês. ESQUEMA MELHORIA CONTÍNUA
TOYOTA Production System Para materializar a sua matriz KAIZEN, a TOYOTA desenvolveu um sistema de gestão de produção denominado TOYOTA Production System (TPS), que almeja não só a melhoria contínua como a “completa eliminação do desperdício”, e que assenta em dois conceitoschave: “Jidoka" e “Just-in-Time” (TOYOTA Motor Corporation, 2014). "Jidoka" pode ser traduzido como “automação com um toque humano”. Equipamento automatizado de forma a trabalhar sozinho, assegurando a detecção de defeitos. Em termos práticos, significa que quando ocorre um problema, o equipamento pára de imediato, evitando que produtos defeituosos sejam produzidos. Os seus primórdios remontam ao tear automático desenvolvido em 1896 por Sakichi TOYOTA, (primeiro sistema a utilizar este princípio) que permitiu automatizar tarefas antes manuais e capacitar uma máquina para fazer juízos sobre si própria. Ao eliminar produtos defeituosos e as práticas de desperdício subsequentes, Sakichi foi muito bem sucedido no aumento da produtividade e da eficiência do trabalho. Está muito ligado à noção de melhoria contínua ou KAIZEN e deriva de um processo demorado de tentativa e erro com o objetivo de melhorar a eficiência das máquinas. O conceito ”Just-in-Time” (JIT )foi desenvolvido por Kiichiro Toyoda (fundador da TOYOTA Motor Company) e preconiza a entrega dos produtos “apenas” na altura, quantidade e local certo. Tem como objetivo eliminar o desperdício, inconsistências e requisitos desasjustados das necessidades (que interligados geram ainda mais desperdício e podem comprometer a gestão da própria companhia), resultando na melhoria global da produtividade. O TPS tem por objetivo produzir de forma rápida e eficiente, veículos capazes de satisfazer plenamente os requisitos dos clientes. O TPS é por vezes referido como “Lean manufacturing
system” (sistema de produção “lean”) ou sistema JIT e é bem conhecido e estudado a nível mundial (TOYOTA Motor Corporation, 2014). Para melhor compreender as relações entre os diversos conceitos, Masaaki Imai (Kaizen Institute) concebeu o “KAIZEN umbrella”, que permite visualizar de forma simplificada diversas ferramentas de gestão subjacentes à filosofia KAIZEN. Pela sua singularidade, destaco dois termos do esquema elencados por Imai:
KAIZEN
Kanban são instruções/etiquetas que, com um olhar, comunicam a informação necessária para o posto de trabalho (Ohno, 1988), servindo para controlar a quantidade produzida e gerir a movimentação de materiais entre os processos. A sua gestação foi iniciada após a visita de Taichii Ohno aos supermercados americanos, Devido a esse facto o Kanban também é apelidado de “método do supermercado”. Kanban é um termo japonês que significa etiqueta. Heijunka consiste na eliminação da variação da carga de trabalho (mura). É operacionalizado através do nivelamento dos volumes de produção de forma a conseguir um fluxo suave, contínuo e eficiente. Com Heijunka, os processos são concebidos de forma a permitirem uma fácil mudança de produtos, produzindo o que é necessário quando é necessário. É uma parte chave do processo do sistema “just-in-time”, porque os custos de stock são minimizados.
Origens do TPS Como referido anteriormente, o TPS tem as suas origens no período pós II Grande Guerra, altura em que o Japão enfrentava uma situação conturbada, devido a um mercado reduzido, escassez de recursos e um clima social e económico adverso. A força que provocou a evolução do TPS foi a necessidade (ou problema) de criar um sistema de produção adaptável à realidade japonesa (Ohno, 1988), adaptação que antecipou em várias décadas os efeitos da globalização, pois no Japão do Pós-Guerra existia a necessidade de optimizar recursos, os pedidos eram em quantidades reduzidas e existia uma feroz competição exterior, no caso da TOYOTA, dos construtores de automóveis americanos. Ou seja, os desafios eram semelhantes aos que são apresentados às organizações dos nossos dias, devido à globalização.
O mercado japonês viu-se obrigado a criar um modelo de produção com parcos recursos, com um clima social adverso e a impossibilidade de produzir grandes lotes, pelo que se pode dizer que conceitos como o JIT, KANBAN e Lean production (entre outros) devem a sua origem ao contexto de pós-guerra.
“O TPS prima pela simplicidade, sendo desde os seus primórdios orientado para a redução do tempo entre a recepção de uma encomenda e a sua entrega, através da eliminação de desperdícios.” Sérgio Gonçalves (2008)
“Segundo Shingo (1996), o TPS é 80% eliminação de desperdícios. Existem 7 tipos de desperdícios: esperas; transportes; stocks; movimentos desnecessários; operações desnecessárias; defeitos; produção excessiva. A produção excessiva é o mais relevante, visto ser resultante de uma decisão directa e incluir os outros desperdícios. Os desperdícios são comparáveis a gordura, com consequências a nível da saúde e agilidade organizacional/ produtiva. Portanto, a respectiva eliminação permitiu o surgimento do termo “lean production”, ou seja, de forma literal, produção magra” (Gonçalves, 2008).
LINHA PRODUÇÃO TOYOTA
Do ponto de vista operacional o objectivo final do TPS é encontrar o método de produção mais eficiente. Mas, como a filosofia inerente é a melhoria contínua, o TPS continua em evolução tal como os métodos de produção, pois estão a ser melhorados diariamente pelos elementos da TOYOTA.
Curiosamente, o desenvolvimento do TPS foi impulsionado por um norte-americano: Dr. Edwards Deming, matemático que usou a sua experiência em redução de desperdícios (na Indústria de Guerra dos EUA) para incentivar os empresários japoneses a concentrarem a sua atenção nos processos e não nos resultados. O seu contributo tirava partido da cultura japonesa e revelou-se fundamental para a reconstrução do tecido empresarial japonês. Alterou a postura das empresas japonesas, e levou a que orientassem a sua estratégia para a inovação dos processos, como forma de se potenciarem no mercado. Na década de 1970 muitas organizações japonesas tinham adotado os conselhos de Deming e desfrutavam dos benefícios desta estratégia (Inman, 2007). O TPS é referido como "TOYOTA spirit of making things” ou “TOYOTA Way” e é reconhecido em todo o mundo, adotado por empresas do Japão e da Indústria Automóvel e noutras áreas de produção a nível mundial, continuando a evoluir continuamente (TOYOTA Motor Corporation, 2014).
A Gestão do Conhecimento No fundo, o TPS têm no seu “código genético” um sistema de gestão de conhecimento. Sistema esse criado de forma sustentada na TOYOTA, ao longo de décadas, com a colaboração de todos os elementos e com o propósito de reduzir desperdícios (Gonçalves, 2008). Assim, importa referir a importância da obra de Nonaka e Takeuchi (1995) que ajuda a compreender as diferenças entre oriente e ocidente, através dos conceitos de conhecimento tácito explícito: conceitos aparentemente opostos que se complementam, como explicado por Gonçalves (2008): “O conhecimento explícito pode ser articulado em linguagem formal, tanto a nível gramatical, matemático, visual, entre outros. É apresentado nas organizações sob a forma de relatórios, manuais, instruções, normas, especificações, entre tantas outras. A transmissão do conhecimento é facilmente transmissível entre colaboradores. Mas como é referido pelos autores, este é apenas a ponta do iceberg do conhecimento existente nas organizações (orientais). Se o conhecimento referido no parágrafo anterior é valorizado no ocidente, o conhecimento tácito é mais valorizado no oriente. Este conhecimento é difícil de formalizar e comunicar aos outros (Nonaka, 1991). Esta é uma das limitações das tecnologias de informação, como suporte único da gestão do conhecimento, pois, segundo Davenport e Prusak (1998), este é quase impossível de reproduzir em documentos ou base de dados. Mas o valor acrescentado deste conhecimento, recompensa o esforço para o transformar em conhecimento explícito, transformação fulcral para a criação da aprendizagem organizacional (Nonaka e Takeuchi, 1995).” O TPS é portanto um sistema de gestão que assenta o seu valor no conhecimento de todos os intervenientes, e que depende do contributo individual a favor da organização.
“If you can not measure it, you can not improve it.” William Thomson Kelvin
Conclusões Se Henry Ford democratizou o acesso ao automóvel, o modelo de gestão da TOYOTA democratizou o acesso a elevados padrões de qualidade, fiabilidade e tecnologia, sob o mote “Good Thinking, good products”. O foco constante na melhoria contínua e acima de tudo na satisfação do cliente, promoveu o aumento global da qualidade dos automóveis produzidos em todo o mundo e fez da TOYOTA líder mundial em vendas, para que contribuem questões de fiabilidade, qualidade e rapidez, sem esquecer as componentes económicas e ecológicas. O seu sistema de controlo de produção e a sua filosofia “lean”permitiram à TOYOTA ser líder mundial de vendas, posição onde se mantém desde 2009, quando destronou o maior construtor automóvel até então, a General Motors (GM). Simultaneamente, o seu sucesso reforçou a necessidade das marcas se diferenciarem entre si e junto do consumidor, que se tornou mais informado e seletivo. Com isso assistimos ao incremento significativo da qualidade do produto final, por via do design, equipamentos e acessórios. Do ponto de vista da Gestão de Operações (e tal como sucedeu com a linha de produção em série de Ford) o TOYOTA Production System instituiu-se como padrão de referência da indústria automóvel e foi exportado para setores produtivos não relacionados com a produção automóvel. O sucesso do TPS levou à cópia deste modelo de forma generalizada, quer por concorrentes, quer por indústrias distintas, e tem sido muito estudada para encontrar os motivos do sucesso e insucesso da sua implementação. Apesar de muitos construtores automóveis mundiais e não só, adoptarem as ferramentas operacionais do TPS, os resultados ficam, para a maioria, muito aquém das expectativas (Gonçalves, 2008). Esta ambiguidade de resultados parece estar relacionada com a influência exercida pelos diferentes tipos de conhecimento (tácito e explícito) em diferentes culturas e indivíduos de regiões, impossibilitando o decalque de metodologias pré-estabelecidas. Por outro lado, ao centrarem-se excessivamente na otimização de processos existentes (sem refletir sobre o seu enquadramento global), a TOYOTA e demais fabricantes da indústria automóvel podem estar a afastar-se do verdadeiro foco da inovação. Deste modo, a melhoria contínua dos processos - pela sua redundância e previsibilidade - começa agora a ser vista como um fator limitador da inovação disruptiva, pois não promove a destruição criativa proposta em 1942 por Joseph Schumpeter, autor abordado no capítulo seguinte.
Futuro: Inovação Contínua
Elon Musk é como Henry Ford, que não inventou o automóvel mas que o tornou viável.
Contexto atual Se colocarmos em perspetiva a Inovação na História da Indústria Automóvel, observamos que até ao início do séc. XXI teve por base os fundamentos de Marshall (1890), que considerava que “os fenómenos económicos são configurados por processos lentos, contínuos e graduais, sem a ocorrência de grandes saltos”, situação em que a cultura empresarial da FORD e TOYOTA se enquadram perfeitamente. Já para Schumpeter (1934), a vida económica experimenta mudanças não contínuas que alteram o limite e o próprio curso tradicional das relações entre os agentes do sistema económico. Schumpeter apelidou a mudanças desta natureza como “revolucionárias”, considerando-as centrais no processo de desenvolvimento económico. “Entenderemos por desenvolvimento apenas as mudanças da vida económica que não lhe forem impostas de fora, mas que surjam de dentro, por sua própria iniciativa” Joseph Alois Schumpeter
Melhoria Contínua vs Inovação Contínua A destruição “Destruição criativa” sintetiza os constrangimentos relacionados como a evolução da actividade económica. Segundo esta teoria, um modo de fazer, um produto ou uma tecnologia, substitui o anterior, tornado obsoleto. Por conseguinte, para que o “novo” seja incorporado no mundo empresarial ou na sociedade, há sistemas ou processos que têm que ser substituídos. Para que uma inovação ocorra, algo tem que deixar de existir. O exemplo mais simples que me ocorre é o fax, tornado um sistema de comunicação tão residual que, só de o mencionar, parece que falamos português arcaico. O seu sucessor, o correio electrónico, “destruiu” um meio fundamental de relacionamento empresarial do século XX.
Kondatriev (1935) explica o impacto da inovação nos grandes ciclos de expansão económica. Como a imagem acima mostra, a inovação é variável em cada onda de inovação, que se têm tornado mais curtas ao longo do tempo. Cruzando a teoria das ondas com a história, verificamos que o fluxo de inovações se enquandra num padrão que gera inovações de forma cíclica, em diferentes setores da nossa sociedade. Observando a imagem, podemos deduzir que estamos agora a fechar um ciclo de inovação, que teve como principal foco as Novas Tecnologias de Comunicação, nomeadamente ao nível do software/programação e redes
digitais. Exemplos do momento que vivemos são: inteligência artificial, robótica avançada ou a “internet das coisas”. Deste modo, existe um aceleramento dos processos de inovação que tem encurtado gradualmente o tempo decorrido entre desenvolvimento e implementação de novos produtos e até processos, motivada pelo desenvolvimento de setores mais dinâmicos, como o das Tecnologias de Informação (TI).
Silicon Valley Muitas das inovações com que nos deparamos hoje em dia são provenientes de uma lógica de pensamento iniciada no maior 'cluster' tecnológico do mundo: Silicon Valley ecossistema empreendedor localizado em São Francisco, Califórnia (EUA). Este ‘'cluster'’ que em tradução literal significa “Vale do Silício”, deve o seu nome à principal matéria-prima utilizada na produção de transistores e chips em eletrónica. Segundo Wadhwa (2016), as 6 áreas que terão maiores desenvolvimentos comerciais e que poderão estar ao nosso dispor no decorrer de 2016 são: Inteligência Artificial, Robótica, Veículos Autónomos, Realidade Aumentada, Internet das Coisas e Tecnologia Espacial. Não é por acaso que praticamente todas elas tiveram origem ou os seus maiores desenvolvimentos neste ‘'cluster'’ tecnológico, dado que Silicon Valley tem sido um amplificador da inovação e conhecimento mundiais. Falando especificamente do setor automóvel, assistimos a uma revolução ao nível da mobilidade, potenciada por hábitos de partilha de veículos em deslocações programadas. Esta tendência surgiu nos últimos 5 anos entre grupos anónimos de pessoas e até empresas (possivelmente como forma de contenção de custos) e é hoje potenciada por redes mundiais de “car-sharing”. Nos últimos anos foi potenciado pela UBER, rede de transporte tipo “táxi”, operada por condutores particulares que se inscrevem na rede. Utiliza uma aplicação para smartphone como principal interface condutor-cliente e foi desenvolvida em Silicon Valley. Também os Veículos Autónomos têm tido os seus maiores desenvolvimentos pela mão da Google e de outras empresas sediadas nesta região da Califórnia, o que evidencia a presença de Silicon Valley em várias frentes da Inovação na Indústria Automóvel.
“Any product that needs a manual to work is broken.”
Elon Musk
A Oportunidade de Musk Sob a perspetiva das 5 forças competitivas de Porter (1979), indústrias como a Indústria Automóvel parece ser especialmente imune à ameaça de novos ‘players’. Porter identifica fatores como a Economias de Escala, Curvas de Aprendizagem, acesso a canais de distribuição, patentes, investimentos irrecuperáveis em Investigação e Desenvolvimento, como principais barreiras à entrada de novas empresas. Porter escreveu: “In the auto industry economies of scale increased enormously with post-World War II automation and vertical
integration - virtually stopping successful new entry.” Quando o fez (em 1979) a Indústria Automóvel, seis das sete principais marcas automóveis eram as mesmas dos dias de hoje, o que demonstra a dificuldade de novas marcas e produtos se afirmarem neste mercado. Musk apercebeu-se que companhias como a GENERAL MOTORS não estavam a desenvolver veículos elétricos de forma tão eficiente como poderiam, o que o fez querer ocupar esse espaço (Stringham, Miller, & Clark, 2015). Assente na ideia de que o maior problema que a humanidade enfrenta é ao nível da sustentabilidade energética (e de que a forma de o resolver é através da inovação), decidiu avançar com a sua própria solução para este problema. Mas em vez de realizar um grande e demorado plano de investimento até comercializar o primeiro modelo, Elon Musk desenvolveu um plano de curto-prazo que levaria a lançar para o mercado o seu primeiro automóvel: um produto minimamente viável, ou seja, caro e produzido em pequenas quantidades. Conseguiu entrar no mercado em 2008, com o TESLA Roadster, um veículo atrativo, exclusivo e diferenciado, que tinha como particularidade o facto de ser elétrico (com uma autonomia superior a 300km). Com o lançamento em 2010 do seu segundo modelo, o Model S, a TESLA conseguiu entrar no segmento dos veículos familiares premium, aumentar as quantidades produzidas. Tornou-se um sucesso mundial no segmento de luxo, e com isso demonstrou a viabilidade dos veículos elétricos de elevada autonomia no mercado automóvel.
TESLA ROADSTER (2008)
Dado que o sucesso de uma empresa depende do sucesso do mercado em que se insere, recentemente a TESLA decidiu libertar as suas patentes para a sociedade, para impulsionar a inovação e permitir que novas empresas possam ajudar a construir um novo mercado. Outro dos aspetos diferenciadores da abordagem TESLA é o facto de preconizar que manutenção dos automóveis vendidos não deve ser utilizada como fonte de receitas, mas apenas satisfazer as necessidades dos clientes, acabando com este ‘lobby’ do setor. Além disso, Em vez de tentar reinventar constantemente a roda, a TESLA apostou no no desenvolvimento de parcerias estratégicas com outros construtores mundiais, para alavancar a suas competências e infraestruturas (Stringham, Miller, & Clark, 2015). Assim, começou por se associar à LOTUS e mais tarde à DAIMLER (detentora da Mercedes). Segundo Elon Musk “as grandes companhias estão encurraladas pela sua própria história” e começa a haver uma maior consciência de mudança na Indústria Automóvel, expressas nas palavras de executivo da TOYOTA: “será que estamos demasiados imersos na nossa própria cultura?”(Stringham, Miller, & Clark, 2015). Mas se é verdade que modelos vigentes tendem a ser destruídos e substituídos de forma criativa para se iniciar um novo ciclo de mudança, também é previsível que os valores instituídos e a alteração de um paradigma seja difícil de implementar sem gerar resistências. Segundo Aghion e Jaravel (2015), “as inovações de um setor são frequentemente baseados em conhecimento que foi criado por inovações de outro setor”, o que coloca empresas provenientes de 'clusters' externos em vantagem competitiva face aos membros ‘naturais’ desse 'cluster'. A TESLA desafiou uma indústria estabelecida e os seus princípios. Aliás, esta aproximação é o único denominador comum na carreira empreendedora do TESLA MODEL S (2010)
seu fundador, Elon Musk, sul africano que além de estar presente no setor automóvel, começou por revolucionar a internet ao fundar o Paypal, maior sistema de pagamentos online. E está também presente na declarada corrida a Marte com a SpaceX, a primeira empresa governamental a conseguir chegar à órbita terrestre. “Great companies are built on great products” Elon Musk
Ponto de situação Tal como Henry Ford, Elon Musk tornou viável uma nova categoria de produto, e utilizou tecnologias provenientes de outros setores como principal fator de inovação. O primeiro veículo de produção em série da TESLA (TESLA Roadster) foi lançado em 2008, teve um custo de desenvolvimento de 140 milhões de dólares , enquanto que o segundo (Model S, lançado em 2010) custou 650 milhões de dólares. Ainda assim um valor baixo , quando comparado com o rival Nissan Leaf que teve um custo global de 5.000 milhões (Stringham, Miller, & Clark, 2015). O Nissan Leaf foi o primeiro veículo elétrico de produção em massa a ser lançado, em 2009, e que vai já na sua terceira geração. Embora seja de uma categoria inferior à do Model S da TESLA, o seu lançamento, foi um ato arrojado por parte da nipónica Nissan. Contudo, é um automóvel que, embora inovador, está em linha com a cultura industrial japonesa, pelos seus padrões de qualidade e que utiliza uma tecnologia de propulsão mais fácil de utilizar.
NISSAN LEAF (2009)
A situação atual é de disrupção com o modelo vigente, o que dificulta uma previsão clara quanto aos próximos passos desta Indústria. As barreiras impostas pelo ‘'cluster'’ de Detroit não faziam prever a entrada de novas empresas, que por sua vez novas linhas de pensamento e novos objetivos para o setor automóvel e para a mobilidade humana. Veículos autónomos sem condutor, em que o GM CHEVROLET BOLT (2016) utilizador pode definir a sua rota e deixar-se conduzir até ao destino. A transição do modelo de propriedade para o modelo de usufruto (sem aquisição), como é o caso da UBER (referida no início do capítulo) e da LYFT (similar ao UBER, que no final de 2015 passou a ter a GENERAL MOTORS como principal investidor) Quantos às formas de propulsão, verifica-se a tão ambicionada expansão dos veículos elétricos, com as vendas a cresceram 300% em Portugal em 2015, face ao ano anterior. Contudo, apesar de praticamente todas as inovações ter um motor elétrico como propulsor, a forma de obtenção/armazenamento de energia não é ainda consensual. O recurso a baterias de lítio está ainda um pouco limitado pelos custos de produção e peso das mesmas, pelo que alguns protótipos e carros experimentais utilizam hidrogénio como forma de alimentar motores elétricos, ou com baterias recarregáveis com água salgada, como é o caso do NanoFlowcell Quant-e. existir um denominador comum entre todas: o NANOFLOWCELL CONCEPT (2014) aumento da eficiência energética.
“When Henry Ford made cheap, reliable cars people said, 'Nah, what's wrong with a horse?' That was a huge bet he made, and it worked.” Elon Musk
Considerações finais Mais haveria a referir sobre a transição de uma estratégia de Integração Vertical (no passado) para o atual modelo de Business Processes Outsourcing, dado que esta é um estratégia comum em empresas TI e que é utilizada pela TESLA para se alavancar em termos de inovação. Este tema está também relacionado com a conversão entre conhecimento tácito e explícito, que parece promover a transferência de conhecimento e inovação entre setores não relacionados e sobretudo nas “learning organizations” (organizações aprendentes). Analisando o percurso desta Indústria, é fácil deduzir que existem vantagens para os pioneiros (ou “First-mover advantages”) (Montgomery & Lieberman, 1988), em termos de inovação em cada fase da História Automóvel. Mas tal conclusão requer uma investigação mais aprofundada da literatura disponível, assim como uma análise aos “first-movers” de que não reza a história, esquecidos devido ao insucesso das suas iniciativas. Não obstante, este levantamento cronológico deixou claro que a inovação tem marcado a evolução da Indústria Automóvel, com mudanças profundas em momentos-chave da sua história, ao nível do produto, gestão e produção. O mercado automóvel está constantemente a ajustar-se às inovações propostas (ou mesmo impostas) por novos “players” do setor verificando-se uma transição gradual dos clientes para novos modelos de ‘consumo’ neste mercado, que não passam necessariamente pela aquisição de um veículo. Os ciclos de inovação têm-se encurtado de geração em geração, e assistimos a uma mudança de paradigma no desenvolvimento de novos produtos, que transitou de uma lógica de “Melhoria Contínua” para uma lógica de “Inovação Contínua”: com processos muito mais iterativos (“learn from error”), transversais a todas as vertentes do negócio e do produto e que, acima de tudo, não tomam nada como certo e definitivo.
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