A Sirene - Ed. 20 (Novembro) - 2 anos da tragédia

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A SIRENE

PARA NÃO ESQUECER | Ano 2 - Edição nº 20 - Novembro de 2017 | Distribuição gratuita


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A SIRENE

Novembro de 2017 Mariana - MG

PARA NÃO ESQUECER

Foto: Larissa Helena

Por: Airton Sales (Bolão), Paula Alves e Simone Silva com apoio de Wandeir Campos

Eu existo além do dia 5 de novembro Somos conhecidos pelo dia 5 de novembro de 2015, mas, basicamente, nossa comunidade é esquecida pela mídia. Após o rompimento da barragem de Fundão, tudo quanto é mídia veio pra Mariana, era uma pauta que dava audiência para os jornais. O trabalho e as brigas com a empresa continuaram e a mídia não divulgou. Eles vêm aqui, querem saber como as comunidades estão, se já foram reconstruídas e se tivemos indenizações. Não é só isso que está acontecendo na vida dos atingidos. A mídia divulga uma manchete que diz: “Samarco indeniza vítimas no valor de 7 milhões de reais”. Quem não acompanha a luta, interpreta que é 7 milhões para cada pessoa, e não é. Esse dinheiro é destinado para todas as vítimas (Mariana e Barra Longa). Então, as mídias têm o dever de esclarecer isso também. Não existe um meio de comunicação que se preocupa com a nossa situação psicossocial. A mídia aparece aqui só quando tem uma audiência que vai decidir algum direito dos atingidos, depois disso, acabou, somos esquecidos. Agora, quando está completando dois anos, a Globo vem e faz uma matéria sensacionalista, mostrando o pouco do que realmente está acontecendo com os atingidos. Porque, hoje, as pessoas estão enfraquecendo dentro de casa e aqui em Mariana.

Airton Bolão, morador de Paracatu de Baixo

Peçam licença para entrar "Sou atingida de Bento Rodrigues e não existo apenas no dia 5, por conta do crime que a Samarco cometeu na minha vida e na de todos os atingidos pelo rompimento da barragem. Antes de entrarem na minha casa para tirar fotos, filmar e utilizá-las para divulgações nas mídias, lembrem de me pedir licença, antes não era assim. Estou longe da minha casa pelo grave motivo que me arrancou dela: a lama de rejeitos. Eu existo depois do dia 5."

Paula Alves, moradora de Bento Rodrigues

O que eu gostaria que me perguntassem "Eu gostaria que a mídia me perguntasse, sobre a minha realidade e a de outros atingidos também e, não acrescentassem falas que não são nossas. A Rede Globo, por exemplo, dia desses veio e filmou na minha casa, mas não colocou as reclamações da Fundação Renova/Samarco que eu relatei. Depois da tragédia, o contexto da minha vida mudou totalmente, o crime não acabou no dia 5. Ainda tem muita coisa a ser dita. A empresa precisa saber que existimos depois do dia 5. Que continuamos de pé, continuamos a lutar e que nós precisamos de justiça, em meio as mentiras que elas divulgam em suas redes sociais e diante das arbitrariedades que elas cometem diariamente com quem é atingido."

Simone Silva, moradora de Barra Longa

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EXPEDIENTE

Realização: Atingidos pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana e Um Minuto de Sirene | Conselho Editorial: Milton Sena, Adelaide Dias, Angélica Peixoto, Cristiano José Sales, Genival Pascoal, Kleverson Lima, Lucimar Muniz, Manoel Marcos Muniz, Mônica dos Santos, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva e Thiago Alves | Editor-chefe: Milton Sena | Jornalista responsável: Rafael Drumond | Editora de Arte: Silmara Filgueiras | Editora de fotografia: Larissa Helena | Editor Multimídia: Flávio Ribeiro | Editora de Texto: Miriã Bonifácio | Editora de Vídeo: Daniela Felix | Reportagem e Fotografia: Carlos Paranhos, Genival Pascoal, Lucimar Muniz, Madalena Santos, Sergio Papagaio, Simone Maria da Silva e Wandeir Campos | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Antonio Junior (Alicate), Guilherme de Sá Meneghin (Promotor de Justiça - Titular da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana), Equipe de voluntários e Direção do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) | Impressão: Sempre Editora | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de ajustamento de conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (2ª Promotoria de Justiça de Mariana).


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Ilustração: Antonio Junior (Alicate)

Editorial Nesta edição de 2 anos, nos deparamos com o desafio de escolher uma capa que refletisse a condição atual dos atingidos de Mariana e de Barra Longa. Queríamos uma imagem que não fizesse referência a nenhuma comunidade específica e que não personalizasse o rosto de nenhum atingido. Buscamos não representar um único tema - como o atraso dos reassentamentos ou as dificuldades dos processos de indenização -, ainda que, ao mesmo tempo, fosse, para nós, importante denunciar o absurdo das condições às quais estamos submetidos dois anos depois do rompimento de Fundão. Debatemos qual mensagem gostaríamos de transmitir com essa imagem-síntese de tanta coisa que estamos vivendo, e esbarramos na imponderável escolha entre a denúncia e a esperança. Para alguns de nós, a escolha deveria ter sido pela mesma capa preta que, no ano passado, simbolizou o luto de nossas comunidades. Para outros, o momento pede otimismo e esperança - não para “tapar o sol com a peneira”, mas para renovar as energias necessárias às lutas anunciadas em nosso horizonte. No desejo de dizer tanta coisa, de exprimir tanto sentimento, optamos pelo silêncio. Chegamos, neste mês, sem capa, sem manchete, sem cor. Sobre esse branco-amarelado do papel-jornal, há de vir um futuro sobre o qual pouco sabemos, apesar de tanto desejá-lo. Conquistas virão e, infelizmente, derrotas também. Certo é que a provisoriedade de hoje não pode ser mantida. Estamos aqui, atentos, aguardando as capas e as imagens que ilustrarão o que a nossa vida será. Dois anos de quê? Dois anos de reuniões, de audiências, de atrasos em projetos de vida. Dois anos de comprometimento da nossa saúde física e mental. Sem reassentamento e sem indenizações, dois anos de injustiças e de sucessivas violações de direitos. Dois anos e os momentos felizes do passado parecem que vão ficando mais longe. E vão mesmo. Amigos e parentes vão se afastando devido a outros compromissos, uns se adaptando à vida provisória melhor que outros. Cada um lidando com o sofrimento a seu modo. Dois anos e as marcas da lama seca, desbotadas pelo tempo, ganham vida nos olhos exaustos dos atingidos. São as inseguranças que temos quando olhamos para trás e vemos o que perdemos. Incertezas que sentimos quando olhamos ao redor e não conseguimos enxergar o trabalho de reparação que dizem estar sendo feito. Dois anos e as lembranças da vida de antes aquecem a memória que iremos levar às nossas novas moradias. A fé e as celebrações religiosas vêm ajudando a superar os obstáculos. A vida das comunidades - que, hoje, resistem no coração da gente - também. Dois anos e a lama ainda escoa. Ainda está no leito do rio. Ainda é um risco à segurança das famílias que seguem vivendo nas proximidades do Gualaxo do Norte. Dois anos e o meio ambiente ainda chora lágrimas contaminadas de rejeito. O significa ser atingido? Durante todo esse tempo, tentamos construir, dentro de nós, o que seria um conceito de atingido. No dia a dia, estamos buscando esse entendimento em justificativas pouco convincentes até para nós mesmos. Ser atingido é levantar todos os dias e não se reconhecer onde está. É ter que sair para continuar em busca de algo que não está mais ao alcance. É lutar, lutar sem vislumbrar horizonte de dias melhores. São dois anos e, a cada dia que passa, perdemos identidade, laços de amizade, lembranças que vão ficando pelo caminho. Vemos que será preciso continuar essa luta, mas não sabemos até quando. Agarramo-nos na fé como nossa principal aliada, bem diferente de um ano atrás, quando acreditávamos mais em nós mesmos.

Atingido não é só quem teve a casa destruída. Atingido é quem correu da lama, quem perdeu o emprego, teve que sair da sua casa perdida na lama ou interditada pela Defesa Civil. Atingido é quem estava longe e sofreu um aperto no coração quando levou um choque ao saber que alguém da família podia não ter sobrevivido. Atingido é quem sentiu a tristeza sem palavras de ver seu temor se tornar realidade. Atingido é quem, numa quinta-feira comum, estava a caminho de casa quando descobriu que não tinha mais para onde voltar. Atingido é quem continua vivendo em áreas de risco, sem ter direito à informação sobre as condições de suas propriedades ou sem receber opções viáveis de moradia. Atingido, como definiu Marino, morador de Paracatu de Baixo, é quem teve a vida invadida pela lama.


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Foto: Eduardo Viana

Minha vida lá A memória é uma forma de viver e de refazer o passado, de lembrar fatos ocorridos e de sentir, no presente, as condições que dão sentido a uma vida. Trata-se de um modo de configurar a identidade de alguém ou de uma comunidade, um jeito singular de habitar um espaço e, ainda, de projetar expectativas para o futuro. Os atingidos, cada um a seu modo, guardam histórias que foram construídas nas comunidades às quais pertencem. A onda de lama foi forte, mas não o bastante para diminuir essas recordações. É desse lugar que muitos tiram energia para enfrentar um cotidiano de adversidades.

Foto: Daniela Felix

Por Marcos Muniz, Maria das Graças Quintão, Maria das Graças Lima Bento, Sérvulo Caetano da Silva, Silvana Aparecida da Silva, Com apoio de Ana Laura Rangel, Daniela Felix, Silmara Filgueiras

Maria das Graças Quintão, Bento Rodrigues

Foto: Sergio Papagaio

"Meu pai fez ele [banco] de pedra, debaixo de um pé de manga, um na frente e outro atrás. Tinha dois pés, agora estão mortos, né? E os bancos tapados. Toda folguinha minha, eu ficava lá deitada de perna pra cima. Dá uma saudade da minha praça, era tão limpinha. Eu fugia de casa e ia pra essa casa que tinha uma cancela, entrava devagarinho e ia lá dentro pro quarto ficar com Dona Augusta e ela ficava lendo pra mim umas coisas antigas que tinham lá. Todo mundo conhecia todo mundo. A gente podia dormir com a janela aberta e todo mundo morava perto. Eu via todo mundo, todo dia. Os vizinhos, a gente gritava um e outro do muro. Dona Penha me gritava de lá, eu gritava ela de cá. Quase toda reunião que tinha era na praça. Quando tinha festa, o som e as brincadeiras também eram na praça. Era o point, né? Minha irmã tinha uma televisão lá na parede do bar. Tinha uma bandeira do Cruzeiro de um lado e do Galo de outro, e, se pusessem a do Cruzeiro primeiro, a gente brigava. Se tinha a do Galo primeiro, a gente também brigava. Até isso tinha. No outro dia, tava todo mundo bem. Hoje, a gente nem vê graça no futebol mais. Não tem graça de brincar mais, porque a gente não vê quase ninguém.

Maria das Graças Lima Bento, Gesteira

Foto: Larissa Pinto

“Toda vida morei em Gesteira. Sei bem como era tudo, caminhava pra lá todos os dias. Nossa igreja, a escola dos nossos filhos e netos, o salão comunitário. Me lembro dos dias de festa, todos trabalhávamos juntos para organizar as coisas. Nossos amigos trabalhavam e, com o próprio esforço, construíram as casas deles e, da noite pro dia, a mineradora destruiu tudo. A gente vai lá e volta pra casa chorando, pois a gente fica triste, faz dois anos e nada foi feito.”

Manoel Marcos Muniz, Bento Rodrigues “As ruas em Bento ganharam nome em 1982, porque foi quando chegou a energia lá. A Rua Raimundo Muniz, onde morava, foi uma homenagem ao meu avô, Raimundo Custódio Muniz. Quando a luz chegou, acharam justo dar o nome dele, pois ele era um contador de histórias. Ele saía de Bento Rodrigues e andava dois ou três quilômetros, no sentido de Mariana, pra contar histórias para as pessoas num lugar que chamavam de ‘piteiro’.


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Foto: Sergio Papagaio

A minha rua era sem saída, a única movimentação foi nos anos 1980, quando eles começaram a mexer com garimpo lá perto. Passava carro direto, mas, depois que o garimpo terminou, não víamos quase movimento nenhum. A Rua Ouro Fino é um caminho que vai pra cachoeira de Ouro Fino, mas eles chamam de Moisés, deve ser por causa de um fazendeiro que tinha na região. O nome Ouro Fino surgiu a partir da extração de ouro que tinha ali perto de um cara chamado Carlos Pinto - inclusive, tem uma rua no Bento com esse nome. Ele trabalhava com maquinário pesado de extração desse ouro e passava ali na estrada. As pessoas costumavam garimpar esse local também, porque achavam um pouco de ouro fininho que ficava lá. Essa história foi que eu ouvi.

Silvana Aparecida da Silva, Gesteira “Eu fui morar em Gesteira quando tinha 17 anos. Lá foi onde construí meus sonhos, minha família. Tínhamos tudo por perto: amigos, família, igreja, enfim, nosso meio social. A barragem de 2015 veio pra nos separar. Hoje, pelo que a gente vê, eles fizeram as destruições, mas não estão preocupados com o que a comunidade está passando. São pessoas que não tiveram suas casas de volta e também não sabem quando vão voltar. Convivi ali por muito tempo e não tem como voltar. A gente só espera algo que possa ser feito por todos da comunidade, pessoas que sofrem por um desastre que eles poderiam ter evitado. Não perdemos a esperança, mas sei que Gesteira, como era antes, não vamos ter de volta. Quero que eles reconheçam que eles acabaram com o nosso convívio social e que, até agora, nada foi feito por nós. Cada um quer seu lar para reconstruir os sonhos e ter tudo o que a gente viveu de volta.”

Foto: larissa Pinto

Foto: Daniela Felix

Sérvulo Caetano Silva, Paracatu de Baixo “Sou nascido e criado em Paracatu. Na época em que nasci, a casa era feita de barro e ripa de bambu amarrados com cipó. Era uma pobreza perigosa. A vida melhorou e o povo ainda acha que tá ruim. Eu morava na chegada de Paracatu, tinha uns oito vizinhos ou mais. Lá não tinha luz não, nois ‘lumiava’ com querosene. A rua não tinha nome, aí colocamos “São Caetano”, porque meu pai se chamava Caetano e todo mundo gostava dele. A gente trabalhava na casa de fazendeiros. Pra comer, eles sentavam em um lugar e os pobres sentavam em outro. Muita gente só comia sopa de banana verde, bambá de couve e canjiquinha, enquanto os fazendeiros comiam mesmo era macarronada - antigamente se fazia com urucum socado. Certas coisas melhoraram bem. Não tenho vergonha de falar, mas não tínhamos roupa, nem calçado, usávamos um pedaço de plástico que, quando pisava, olhávamos na areia pra ver se o rastro tava bonito. Tinha também um tal de “urucubaca” [calçado] feito de sola de piteira com lona por cima. Era bom pra esquentar o pé, mas tinha que ficar veiaco pra não escorregar e cair. Nunca fui de trabalhar muito com criação não. Gostava de trabalhar com tropa de burro. Em Paracatu, as pessoas trabalhavam mais pro mato afora, catando lenha e fazendo carvão, na roça dos outros, roçando pasto, fazendo cerca. Lá era assim, se você tinha um terreno grande, eu plantava meiado com você, depois, a gente colhia e repartia. Eu tinha uma horta grande, sou pai de sete filhos. Todo final de semana, a casa tava cheia de gente. Iam os filhos com a família e todo mundo comia e bebia. Quando iam embora, levavam pra casa um pouco do que tinha na horta e nas plantações. Se sobrasse algo, davam pra alguém que tivesse precisando. Era tudo assim, a gente compartilhava. Era gostosa a vida assim.”

Foto: Daniela Felix


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Reassentamento? Até hoje nada! Lavoura, Lucila e Macacos foram os terrenos escolhidos pelos moradores das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira Velho para a reconstrução dos lugares atingidos. Os dois primeiros foram votados pelos moradores ainda em 2016. No entanto, até o momento, a insuficiência do trabalho da Fundação Renova/Samarco - que não conseguiu comprar todos os terrenos, registrar as terras e ter os licenciamentos necessários para a construção das novas comunidades - cria um cenário angustiante para os atingidos. Hoje, eles temem não só o atraso das obras, mas também as condições de vida nos reassentamentos. Por Antônio (Dalua), Júlio César Gilberto da Silva e Maria Geralda Oliveira da Silva Com o apoio de Carlos Paranhos

Foto: Larissa Helena

“O que eu mais sinto falta é do contato que a gente tinha com o pessoal, com certeza quando construírem nossa casa iremos nos reunir de novo pra jogar papo fora.”


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Os atingidos, juntos com a Assessoria, exigem que estudos sobre a água sejam realizados e disponibilizados, pois, até hoje, não existem garantias de que os reassentamentos terão água disponível em relação à quantidade e à qualidade. Sobre os terrenos, a empresa teve até o dia 31 de outubro para finalizar a assinatura dos contratos de compra e venda, mas ainda não apresentou nenhum documento. Cáritas - Assessoria Técnica

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Até agora ainda não temos uma resposta exata de nada. Sobre o terreno de Lucila, sabemos que boa parte já foi comprado pela Renova/Samarco, mas ainda falta a compra de dois terrenos, que somam nove. Eles não mostraram nenhum papel garantindo que está tudo certo em relação às nossas terras. Nas reuniões junto com a Comissão, eu sempre questiono esses papéis, mas, até hoje, nada. Meu povo ainda está discutindo o mapa que foi apresentado porque algumas ruas que cortam o Paracatu estão em sentidos diferentes. Por exemplo, a Rua Gualaxo, que é na esquerda, mudou para a direita. Entendemos que o terreno é diferente, mas essas coisas precisam ser discutidas. Conheço bem o terreno de Lucila e tenho medo dele não ter água para atender uma comunidade. Nosso Paracatu de Baixo tinha muita água para trabalhar, pescar e cuidar das criações. O mesmo não acontece em Lucila. A empresa alega que irá buscar água em localidades próximas, fazer poços artesianos e tudo mais. Mas e se, um dia, faltar água? Como faremos? No nosso espaço, a gente tinha tudo o que precisava. Se eu quisesse fazer uma verdura, pegava no quintal. Ovo, então, nem se fala. Agora, eu preciso ir sempre ao supermercado. É outra realidade. Por isso, eu quero ter a nossa comunidade junta novamente, como era antes, com as nossas conversas e costumes. Eles falam que estamos em situação emergencial, mas o que estamos é, há dois anos, sem nenhuma resposta. Até quando vamos continuar desse jeito? Maria Geralda Oliveira da Silva, atingida de Paracatu de Baixo

Os terrenos de Lavoura já foram adquiridos pela empresa, mas a documentação ainda está agarrada. Ela tem o contrato de compra e venda, mas o registro ninguém tem ainda. Por conta disso e de outras burocracias que a empresa diz ter, o processo está parado. Até pouco tempo, a SEMAD [Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento] e a Renova disseram ser necessário delimitar a poligonal do terreno para saber se vai entrar só a área urbana ou também a dos sitiantes, ou seja, muito ainda precisa ser feito. O primeiro projeto de urbanização que a empresa fez era muito bonito, mas não tinha nada a ver com a gente. É muito importante que a construção se pareça com o Bento antigo, que a vizinhança seja a mesma, com terra boa pra plantar e tudo. Na Lavoura, tudo vai ser diferente, mesmo assim, será o nosso lugar, e, creio eu, temos que pensar dessa forma. Eles pregam muito pela finalização do reassentamento em 2019 e ele precisa sair! Mas a gente ainda fica com dúvida se vai ser nessa data ou não, porque, se dentro de dois anos, a Renova não começou nem o desmatamento, imagina concluir tudo. Nós queremos nossas casas e queremos que elas sejam seguras, por isso, estamos agendando reuniões com os atingidos e com os demais órgãos para que nosso direito seja assegurado. Antônio Dalua, atingido de Bento Rodrigues

A área acordada entre os atingidos e os donos do terreno (Macacos) já foi levantada, mas ainda não se acordou o perímetro exato. Vamos fazer o estudo da área em diversas questões para auxiliar a delimitação necessária/mínima para o Gesteira. Os atingidos estão se reunindo periodicamente conosco para que a gente exponha as informações e para que eles também tenham voz no processo de entender e dizer o que consideram que deve ter em Gesteira, em contraposição às propostas da Renova. AEDAS - Assessoria Técnica

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A participação da comunidade, da Comissão e da Cáritas em visitas, assembleias e reuniões abriu os olhos dos órgãos do Estado (SEMAD e SECIR) para exigir outras opções para o projeto urbanístico do Novo Bento. No cronograma estabelecido entre órgãos do Estado, da prefeitura, da Comissão dos Atingidos de Bento Rodrigues, da Assessoria Técnica da Cáritas e da Fundação Renova, o projeto final deverá ser apresentado à comunidade até o final deste mês Cáritas - Assessoria Técnica

Estamos com a Assessoria Técnica há pouco tempo, tudo ainda está no início. Até hoje, os terrenos não foram negociados. Tanto que, antes, a Fundação Renova/Samarco alegava que o proprietário não queria vender o terreno onde queremos que aconteça o reassentamento. Só que o próprio dono dos terrenos disse para nós, moradores, que nunca se opôs a essa venda. A questão é que ele nunca foi procurado. Em uma das últimas reuniões das quais participamos, o Ministério Público intimou a Samarco a explicar essa situação, e deu um prazo de 60 dias, que termina em novembro, para que a compra seja efetuada. Meus pais já estão com mais de 60 anos. Eles estão doidos para voltar, mas eu acredito que se acostumar com um novo lugar vai ser difícil. Lá na casinha simples deles tinha tudo. Todas as lembranças, fotos, a herança deixada pelos meus avós, foi tudo embora. Então, eles ainda têm uma certa mágoa, mas meu pensamento ainda é positivo. O que mais sinto falta é do contato que a gente tinha com o pessoal. Com certeza, quando construírem nossas casas, iremos nos reunir de novo pra jogar papo fora. Hoje, nosso contato só acontece por reunião, fora disso, é muito difícil. A expectativa da população é tão grande que, nas poucas vezes em que nos encontramos, a gente sempre pergunta: nós vamos ter o terreno para morar ou não? Nos próximos meses, iremos festejar em Gesteira e fazer algumas reuniões para mostrar para o povo que estamos vivos e que não desistimos. Júlio César Gilberto da Silva, atingido do Gesteira Velha


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Diagramação: Carlos Paranhos Foto: Ana Elisa Novais

Seguindo em frente...

"Não somos parasitas. Não estamos parados. O foco de nossa luta precisa ser a reconstrução, o que parece ser uma tarefa impossível. Acreditamos que a força do trabalho nos permitirá enfrentar esse dias de incertezas. Muitos continuam na lida do dia a dia, nas mais variadas atividades profissionais. Buscamos viver com dignidade e demonstrando grande potencial para produzir em meio a tantas adversidades. A ação nos possibilita seguir em frente. Nossos esforços nos permitem sonhar." - Angélica Peixoto, professora atingida de Paracatu de Baixo

Foto: Tânia Scher

Foto: Ana Clara Delella

Por Keila Vardeli Fialho dos Santos, Joelma Aparecida de Souza e Paula Geralda Alves Com apoio de Ana Clara Delella, Laura Oliveira, Tânia Scher, Vanessa Quinan (pesquisadoras do Observatório C.A.F.É. - Observatório em Crítica, Formação e Ensino em Administração, coordenado pela professora Carol Maranhão) e Carlos Paranhos

“Deus deixou a gente sair disso com vida por um propósito: para lutar!”. Essa frase foi dita por Keila Vardeli Fialho dos Santos, de 34 anos, atingida de Bento Rodrigues, que, anteriormente ao rompimento, fabricava, com mais dez funcionários, a geleia de pimenta biquinho na comunidade, fazendo parte da Associação dos Hortifrutigranjeiros de Bento Rodrigues – AHOBERO. Apesar de ter conseguido dar continuidade à produção em Mariana, com atuais nove associados, ela desabafa: “O que a gente mais quer é voltar a trabalhar do jeito que era lá, desde a plantação até o produto final”. Assim como Keila, Paula Geralda Alves, 38, e Joelma Aparecida de Souza, 27, também moradoras de Bento Rodrigues, usam o trabalho como instrumento de luta e de resistência, e não desistem mesmo com as dificuldades enfrentadas no dia a dia. “Lá no Bento, eu já tinha minhas clientes. Chegou aqui em Mariana e ficou cada uma num lugar, daí eu fiquei desempregada e sem dinheiro pra comprar as coisas pra mim, aqui pra casa e pro meu filho, João Pedro. Aderi a essa coisa de cabeleireiro a domicílio”, diz Paula. Joelma tinha a lanchonete “Cantinho de Minas”, onde produzia rosquinhas, bolos, pães e salgados. “No início, era um cômodo com espacinho para mesas, depois, começou a crescer”, lembra, saudosa, do comércio que havia registrado há dois anos. Além disso, lá no Bento, conciliava o serviço autônomo com outra ocupação, em uma empresa terceirizada. Continuidade e independência Com o rompimento da barragem, as atingidas passaram por dificuldades es-

truturais e financeiras. Keila, juntamente com a AHOBERO, precisou parar a produção da geleia por cinco meses, de novembro de 2015 a março de 2016, devido ao soterramento de 1.500 pés de pimenta. Na época do desastre, Joelma estava grávida de oito meses, tirou licença do trabalho formal e, quando voltou, descobriu uma hérnia no umbigo, o que a fez se afastar por mais quatro meses. Logo depois, foi demitida. Para tentar driblar a falta de dinheiro, intensificou a fabricação dos quitutes, e manteve o mesmo nome do estabelecimento. Além disso, começou a trabalhar como faxineira para complementar a renda. Já Paula conseguiu reaver os clientes que tinha no Bento, e outros novos que fez em Mariana, por meio de estratégias criadas por ela em suas redes sociais. Tarefa difícil para quem agora precisa se preocupar com uma competitividade de mercado. Profissionais dedicadas, as três mulheres ainda não esquecem de seus papéis como atingidas. Por não terem horários fixos, conseguem adaptar a jornada de trabalho para participarem de reuniões e opinarem em momentos de decisão. “Ontem, apareceu um cabelo e uma depilação, mas aí eu fui até a Câmara para ver como estão as coisas. Sempre quando tem reunião, eu gosto de ir, audiência também”, declara Paula. Pouco a pouco, as trabalhadoras, junto com tantos outros atingidos, reconstroem suas vidas, independentemente das insuficientes ações de reparação feitas pela empresa causadora do dano. Isso destaca o esforço que elas empregam para terem seus direitos garantidos.


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DIAGRAMAÇÃO: Gabriel conbê

Fotos: larissa helena e taianara torres

Texto: Ana Elisa Novais

É muito comum medirmos nossos sentimentos como se fossem substâncias que preenchem espaços vazios de nossos corpos. A gente diz que está “cheio de raiva”, que “a paciência chegou ao limite”, que “o amor nos preenche”. É mais fácil entender ideias abstratas quando as relacionamos a ideias concretas. O nome dessa nossa forma de entender o mundo pode ser chamada de metáfora. O rejeito que percorreu mais de 800 km de Minas ao Espírito Santo, matando gente, rio, planta, bicho, é são substâncias concretas, e aqui, portanto, não são metáforas. A marca do rejeito nas árvores, nas casas, nas coisas, na parede da igreja e da escola não é uma metáfora. Essa marca está lá como evidência do maior crime ambiental da história do Brasil. Como metáfora, esse traço marrom impregnado nas coisas por onde passou o rejeito indica o tamanho da nossa indignação e da nossa luta pelo fim da impunidade. Esse rejeito que destruiu histórias, modos de vida, memórias, cotidianos, dignidades. O nível do rejeito ajuda a entender em que nível está a nossa paciência: no limite. Apesar de muita gente pensar assim, a marca do rejeito não está em nós, não é ela que nos preenche. Somos feitos de amor e raiva, como todos são. Hoje, o que transborda em nós é a vontade de reconstruirmos nossas vidas com dignidade.


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Ilustração: Antônio (Alicate)

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Sem fé, o que seria de nós? A fé caminha junto com aqueles que acreditam em algo, que confiam e que, de alguma forma, encontram nela o descanso. Sabemos que os desafios, as dificuldades e o cansaço têm sido insistentes nessa caminhada, porém a fé restitui as nossas forças e não nos deixa desistir de lutar pelo que é nosso. Tenho certeza de que sem ela não seríamos nada, quem sabe apenas marionetes aos comandos da empresa. Mas, como temos a fé, sabemos que somente ela tem o poder de nos guiar, mais ninguém. Por Andreia Sales, Madalena Santos, Maria José Horta Carneiro Silva (Lilica), Marinalva dos Santos Salgado e Mônica Santos Com apoio de Silmara Filgueiras

A nossa fé é muito grande. Peço força a Deus e à Nossa Senhora Aparecida, pois está tudo muito difícil. Se não fosse pela fé, não sei se estaria resistindo. Marinalva dos Santos Salgado, moradora de Bento Rodrigues Esperança. Esperança de que tudo vai se resolver da melhor maneira possível. Aprendi a ter fé com a minha avó Amélia, que nunca desacreditou na misericórdia de Deus. O que me faz continuar na luta é a minha fé, que me ajuda a continuar lutando sempre. Mônica dos Santos, moradora de Bento Rodrigues Se você tem fé, tem tudo. Ela é capaz de mover montanhas. Por meio dela, somos realizados no todo poderoso que é Deus. Acreditar faz toda a diferença nessa luta que parece não ter fim. Se não fosse por ela, eu já tinha desistido. Maria José Horta Carneiro Silva (Lilica), moradora de Ponte do Gama Diante de tudo o que estamos passando, pude perceber que nenhum morador deixou sua fé se abalar, que, a cada dia, todos se agarraram na padroeira para poder vencer os desafios, pois sei que não é fácil ver nossas comunidades sem vida. Mas nós conseguimos reconquistar nossa alegria, através da perseverança e da união das pessoas. É como Zé Jair sempre fala: “Com fé e com paciência tudo se ajeita”. Madalena das Dores Santos, moradora de Ponte do Gama A fé nos sustenta. É ela que nos faz lutar pelos nossos objetivos. Desde quando era criança, ela tem um significado muito forte pra mim. Algumas pessoas nos criticam por estar indo à igreja, participando das nossas festas na comunidade depois que tudo aconteceu. Mas nós temos sempre que manter nossas tradições e agradecer para nos fortalecermos. Andreia Sales, moradora de Bento Rodrigues No dia de Nossa Senhora das Graças, inclusive esse ano fui a rainha da bandeira, fizemos um apelo tão forte para que tudo se desenrolasse tranquilamente, que tudo fosse da vontade de Deus. As festas a gente faz com tristeza e com um misto de alegria, que nada tem a ver com os rituais antigos. A tristeza maior é quando fazemos a preparação e não podemos seguir os mesmos moldes de antes. Não tem mais as mesmas características e também é triste quando acaba e temos que voltar, entrar no ônibus. Hoje, a gente tem que programar, pedir licença, só falta pedir ofício para Deus, mas a gente vai vivendo, tentando resgatar. Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo


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Apoio em rede Infelizmente, a realidade dos atingidos pelo crime da Samarco não é a da justa reparação dos direitos violados. Ao contrário, atingidos e atingidas de toda a Bacia do Rio Doce deparam-se com a necessidade de lutarem para garantirem medidas básicas de cuidado às vítimas e a adoção de práticas participativas de reconstrução e indenização. Nesse contexto, as Comissões dos Atingidos exercem papéis fundamentais. São pessoas que representam e defendem os interesses de suas comunidades. Junto com eles, em Mariana e em Barra Longa, assessorias técnicas independentes trabalham pela inserção crítica e ativa dos atingidos nos processos de reparação, e garantem informação qualificada e acompanhamento especializado. Com essa rede de apoio, os desafios da vida pós-rompimento tornam-se, senão menores, ao menos possíveis de enfrentamento e conquistas. Por Assessorias Técnicas de Mariana e Barra Longa Com o apoio de Letícia Lopes, Rafael Drumond e Wandeir Campos Foto: Wandeir Campos

A Cáritas possui 14 assessores que auxiliam nos processos indenizatórios os atingidos em Mariana.

Comissão dos atingidos - Quem pode conversar com um jornalista que virá à Mariana na próxima semana? - Que horas? - 17 horas. - Esse horário não dá. Tem GT de Patrimônio. - Não é reunião de Cadastro? - Não, a reunião de Cadastro é na quarta, antes da reunião da Comissão. Em Mariana, a rotina dos atingidos que participam das atividades da Comissão não é fácil. Da reunião geral com todas as comunidades (Bento, Paracatu e comunidades rurais), realizadas nas noites de segunda, sai a sempre exaustiva agenda da semana: encontros com e sem a empresa, grupos de trabalho, grupos de base, oficinas, demandas da comunicação, entre outros. Quantos ali trabalham o dia todo e, ainda assim, gastam horas preciosas de descanso noturno e convivência familiar participando desse espaço de luta por direitos? Registramos o diálogo dos atingidos da Comissão de Mariana, que, por proximidade física, acompanhamos mais de perto. Mas o reconhecimento pelo trabalho também deve ser extensivo à Comissão de Barra Longa e a todos os que lutam pelo futuro de suas comunidades. Mariana: Assessoria Técnica da Cáritas e Fundação Ford Na cidade de Mariana, a Assessoria Técnica da Cáritas Brasileira - Regional Minas Gerais foi contratada para assessorar os atingidos e as atingidas na garantia de direitos e de participação nos processos de reparação de perdas e danos de responsabilidade da Samarco, da Vale e da BHP Billiton. A equipe conta com 14 assessores distribuídos entre os três territórios de atuação: Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo

e comunidades da Zona Rural de Mariana (Borba, Campinas, Paracatu de Cima, Pedras e Ponte do Gama). Os assessores dos territórios acompanham todas as discussões referentes ao seu território e dialogam com a base. Além de acompanhar esses diversos espaços de discussão e de negociação com as empresas, a assessoria se empenha em garantir o acesso das comunidades à informação. O papel da Cáritas é justamente o de assessorar os atingidos nas tomadas de decisões, para que sejam devidamente informados de suas possibilidades e direitos. Os atingidos também contam com o apoio da assessoria técnica do Ministério Público Estadual - financiada pela Fundação Ford -, um reforço profissional que permite ao MPE acompanhar mais de perto os casos particulares dos atingidos localizados na cidade. Barra Longa: Assessoria Técnica da Aedas Em Barra Longa, os atingidos também conquistaram o direito de ter uma assessoria técnica independente. Para isso, foi elaborado um Termo de Acordo entre a Comissão dos Atingidos de Barra Longa, o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual, as empresas Samarco, Vale e BHP, a Fundação Renova e a AEDAS (Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social) - esta última responsável por assumir os trabalhos no município. A equipe começou a atuar em agosto de 2017, com o desafio de construir, juntamente com os atingidos e as atingidas, um processo organizativo para discutir, propor, avaliar e pautar direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que foram violados com o rompimento da Barragem de Fundão. Nesses dois primeiros meses, os relatos e preocupações colhidos nos grupos de bases estão ligados, principalmente, ao reassentamento de Gesteira, à reforma de casas, aos quintais que foram atingidos e não foram reconstruídos, à saúde dos moradores que sofrem, até hoje, com a convivência com a poeira da lama e com o trauma gerado pelas mudanças de rotina. Foto: Alexandra da Silva

Seminário de apresentação da equipe AEDAS para os atingidos, em Barra Longa em Agosto deste ano.


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APESAR DAS VITÓRIAS, LUTA POR JUSTIÇAESTÁ APENAS COMEÇANDO

“O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.” - Rudolf Von Ihering, jurista alemão, em “A luta pelo direito” Por Guilherme Meneghin Promotor de Justiça de Mariana

Essas palavras, escritas em 1872, nunca fizeram tanto sentido quanto agora, na luta dos atingidos para reparação de seus direitos. Desalojados de suas casas, ignorados pelos poderes públicos, hostilizados pelos que defendem os criminosos, os atingidos de Mariana retiraram força da fonte que lhes restava: eles mesmos. Nesse cenário adverso, o Ministério Público de Minas Gerais ajuizou diversas ações e executou medidas extrajudiciais que resultaram em vários direitos às vítimas de Mariana, muitos inéditos no Brasil, e que funcionaram como precedentes para todos os atingidos da Bacia do Rio Doce. Abaixo, um compilado da atuação do Ministério Público de Minas Gerais que, como aliado dos atingidos, teve papel fundamental na aquisição de direitos nestes dois anos de intenso trabalho: · Bloqueio judicial de 300 milhões de reais da empresa Samarco, exclusivamente para a reparação dos direitos das vítimas de Mariana; · Casas alugadas pelas empresas para as famílias desabrigadas; · Parcelas de antecipação de indenização, nos valores de 100 mil, 20 mil e 10 mil reais, pagas no final de 2015; · Auxílio financeiro mensal, recebido por meio do cartão, para as pessoas que perderam renda, não podendo ser descontado das futuras indenizações, um direito inédito no Brasil; · Antecipação das indenizações pela perda dos veículos; · Transporte para os servidores públicos da Escola Municipal de Bento Rodrigues; · Ressarcimento dos custos da energia elétrica, devido aos aumentos suportados pelas famílias após o deslocamento para Mariana; · Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o município de Mariana, para a distribuição dos valores arrecadados com as doações, o que resultou em R$ 3.139,84 para cada núcleo familiar; · TAC com a Arquidiocese de Mariana, que gerou a instalação da Feira Noturna, a publicação do Jornal A SIRENE e a reativação do time de futebol União São Bento; · Implementação da assessoria técnica aos atingidos, coordenada pela Cáritas Brasileira, que constitui direito inédito no Brasil; · Compromisso, por parte das empresas, de fazer os reassentamentos, com a efetiva participação dos atingidos; · Compromisso de que serão construídas casas próprias para as famílias que viviam em imóveis alugados nos locais atingidos; · Inclusão dos proprietários com até 25 hectares no reassentamento de Paracatu de Baixo; · Seleção, pelos atingidos, dos terrenos a serem utilizados nos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo; · Leilão dos objetos doados por celebridades para os atingidos; · Desistência da permuta de imóveis por parte das empresas; · Possibilidade de todos os atingidos responderem ao cadastro, necessário ao cálculo das indenizações; · Inclusão de, aproximadamente, 170 famílias que tiveram direitos rejeitados pelas empresas, por meio de ações do Ministério Público; · Novas parcelas de antecipação de indenização, nos valores de 20 mil e 10 mil reais, a serem pagas até 15/12/2017; · Aquisição de cestas de Natal para as famílias, com os recursos doados pela Maçonaria. É importante frisar que tais direitos foram conquistas dos atingidos e não “benevolência” das empresas. Não fosse a atuação do Ministério Público, apoiado coletivamente pelas vítimas, nenhum desses direitos existiria. Asseguro que cada protesto, frase de apoio e instante de união foram fundamentais para o êxito dessas demandas. Mesmo assim, os reassentamentos acordados ainda não foram iniciados e as indenizações finais não foram pagas. O motivo? Negligência das empresas e da Fundação Renova, que cometeram diversos equívocos no último ano - o que exigiu a constante intervenção do Ministério Público. Após dois anos e apesar das vitórias, a batalha pelo direito apenas começou. Inúmeros desafios nos aguardam, mas há a certeza de que a luta unida, incansável e constante trará a Justiça que todos os atingidos almejam.


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Dois anos de lama e luta Diante dos desafios que se anunciam, é preciso unificar a organização, elaborar com clareza a pauta de reivindicações, ampliar alianças e diálogo com a sociedade e fazer a luta social com coragem e esperança Por Movimento dos Atingidos por Barragens Foto: Nilmar Lages

O maior crime ambiental da história do Brasil e um dos maiores da mineração global deixou uma ferida aberta na sociedade brasileira. Ferida que começa em cada uma das mais de 350 famílias que perderam suas casas nas comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu, Ponte do Gama, Pedras, Borba, Campinas, Barretos e Gesteira, e que não sabem sequer o dia em que as obras de reconstrução vão começar. Continua nos proprietários de terra que tiveram perda de renda e destruição de bens no pedaço de chão em que viviam. Cresce em cada morador de Barra Longa que viu casas, quintais, praças, igrejas destruídas pela avalanche de lama, além de terem que conviver cotidianamente com a desesperança, a injustiça e as doenças que se multiplicaram como resultado desse crime. Essa ferida sangra quando a Samarco nega os direitos de garimpeiros e pescadores artesanais em Rio Doce e em Santa Cruz do Escalvado, ao oferecer 1.900 reais para um grupo e 450 reais para o outro, e promover, de forma criminosa, a divisão comunitária e a destruição do processo coletivo. Nas grandes e pequenas cidades, nos lugarejos e distritos, nas vilas e aldeias, esse crime promoveu crise aguda de abastecimento de água, seguida de permanente desconfiança com a água suja pela lama da Samarco - seja

para uso comercial, uso familiar ou na produção agropecuária, seja na pesca artesanal ou profissional. São mais de 13 mil pessoas que perderam essa importante fonte de trabalho nas águas doce e salgada. Neste contexto de injustiça, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) amplia sua presença e esforço de levar informação para as comunidades, construir os argumentos com a participação dos atingidos, transformar informação em poder popular com organização de base e luta social pelos direitos, ao fazer amplo diálogo com a sociedade e buscar alianças para fortalecer a luta em longo prazo. Após a “Marcha de Regência a Mariana” e o “Encontro de 1 ano do Crime”, realizados entre 31 de outubro e 5 de novembro de 2016, com pessoas de todo o Brasil, neste último ano, o MAB realizou inúmeras atividades nas comunidades atingidas. O movimento está organizado em cinco polos de atuação: Mariana, Barra Longa, Ipatinga, Governador Valadares e Colatina, com extensão para Vitória. Nesse período, realizou atos de denúncia contra a inoperância do Poder Judiciário, que atua favorecendo as empresas; protestou diante das sedes das mineradoras (Vale, no Rio de Janeiro); esteve na Assembleia dos Acionistas da BHP Billiton, em Londres; fe-

chou estradas e ferrovias das mineradoras etc. A partir da coragem dos atingidos, conquistas importantes foram alcançadas, como o reconhecimento de comunidades atingidas na Foz Norte e Sul do Rio Doce; a obrigação das empresas de pagar adiantamento de indenização e cartão subsistência, com a mudança de moradias e reforma de casas dos moradores do Parque de Exposições em Barra Longa, além da conquista da Assessoria Técnica independente na mesma cidade, após meses de luta e pressão e enfrentando permanente boicote das empresas. Mesmo com conquistas, muitos desafios se anunciam diariamente para os atingidos da bacia. É preciso crescer em organização e unidade, utilizar, de forma cada vez mais inteligente e unificada, os instrumentos de pressão, com a preciosa contribuição de parceiros das igrejas, universidades, Ministério Público Federal e Estadual, entre outros. Igualmente, é necessário vencer o bloqueio midiático que só se interessa pelos atingidos em tempos de aniversário da tragédia e que não acompanha os processos; elaborar uma pauta clara de reivindicações por cidade ou região, mas que deve ser instrumento de luta de todos os atingidos e, sobretudo, vencer qualquer tentação de desânimo. Não podemos perder a energia diante da tentativa das empresas de “empurrar com a barriga” o processo de reparação, além de combater a autonomia das comunidades por meio da farsa do “Diálogo Social” e da Fundação Renova - instrumento nascido de um ato autoritário e que não deve ser reconhecido pelos atingidos. O MAB não é um conjunto de representações em nome do povo, tampouco um discurso que se ouve em reuniões. É o próprio povo construindo, no campo e na cidade, um instrumento coletivo e popular de luta, de organização e de esperança, reconhecido internacionalmente após mais de 26 anos atuando em 19 Estados do país. Ele tem sua legitimidade reafirmada em cada pequeno lugar onde homens, mulheres, jovens e crianças acreditam e se tornam sujeitos da própria história - incluindo os atingidos e atingidas por este crime que irão ver gerações se sucederem sem terem cicatrizadas as feridas abertas pelo mar de lama.


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diagramação: gabriel conbê

Mulheres do Garimpo Para as moradoras de Rio Doce e de Nova Soberbo, distrito de Santa Cruz do Escalvado, em Minas Gerais, o garimpo era fonte de renda, espaço de convivência e troca de saberes. Por causa dos impactos no rio após o rompimento de Fundão, tiveram que parar de exercer a atividade. Desde 2015, lutam pelo reconhecimento como atingidas e pela garantia de seus direitos.

Por Djanira Rocha, Teresinha Severina e Maria Helena Com o apoio de Daniela Felix

Mudei para a cidade de Rio Doce com 10 anos. Nunca quis sair daqui porque era um lugar tranquilo, onde ninguém te amola, mas, depois dessa lama, nossa vida mudou demais. No dia em que ela veio, tinha deixado meus equipamentos do garimpo escondidos no meio do mato, porque ia voltar pra garimpar no outro dia. Minha bateia e minha banca foram levadas embora. Fui pra perto da ponte e vi a lama trazer árvores, móveis, bichos e corpos junto com ela. Depois desse dia, acabou o rio, a pesca e o ouro. Quando a gente descobriu que o azougue matava os peixes, paramos de apurar o ouro no rio. Agora essa lama acabou com tudo e ninguém faz nada. Djanira Rocha, 74 anos, atingida de Rio Doce

Deixei a escola aos 12 anos pra trabalhar e ajudar minha mãe. Plantava na roça, pescava e garimpava, até que tivemos que sair de nossas casas em Soberbo para a construção da barragem de Candonga. Reassentaram nossa comunidade, mas a vida na antiga Soberbo era melhor. O terreno era maior, dava pra plantar, criar galinhas soltas no quintal. A gente morava, praticamente, dentro do rio, de tão perto que era. Por isso, falo que já estou escaldada de barragem. Já tive que lutar muito na época de Candonga, agora veio essa lama e acabou com tudo outra vez. Não pode mexer com ouro, nem pescar. Tem gente passando fome aqui. Eles [Renova/Samarco] falam que vão nos indenizar, mas, até agora, não vimos dinheiro nenhum.

*Maria Helena e sua mãe, Maria Aparecida, não quiseram ser fotografadas.

Meu marido morreu novo, tive que me virar sozinha com meus meninos. A gente vivia do ouro. No rio sempre tinha gente garimpando. É muito gostoso ficar na água, distrair a cabeça, cantar. O melhor era a alegria de saber que, à tarde, a gente teria aquele ouro pra vender. Mas, depois que a lama veio, acabou tudo. Até mandei fazer uma banca nova porque achei que o rio fosse limpar rápido, mas ainda está tudo contaminado. Não dá pra pescar, nem garimpar. Sou aposentada, mas, com esse dinheiro, também ajudo minha família. Dia desses recebi uma cesta básica, mas fico com vergonha porque toda vida trabalhei muito pra criar meus filhos. Nunca pedi nada pra ninguém. Teresinha Severina, 70 anos, atingida de Rio Doce

Maria Helena, atingida de Nova Soberbo Fotos: Daniela Felix

Djanira, Teresinha e Maria Helena foram procuradas pela Fundação Renova/Samarco para o preenchimento do Cadastro Integrado apenas no início de 2017. Até o fechamento da reportagem, não haviam recebido nenhum tipo de indenização, reparação ou auxílio além das cestas básicas.


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Ser atingido Neste especial, trazemos algumas vozes que nos abrem perspectivas para pensar o que é ser atingido. Para isso, reunimos fragmentos que dizem sobre o significado desse termo que vem sendo construído no curso de dois longos anos.

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Por Nós, A

Com o apoio de Carlos Paranhos, Larissa Hele

José Honorato, 58, atingido de Paracatu de Baixo

Maria Geralda, 52, atingida de Paracatu de Baixo

Mônica dos Santos, 32, atingida de Bento Rodrigues

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Por ser atingido, sinto a minha alma fragmentada porque eu tinha uma vida ativa. Tinha a minha horta lá na roça, tinha o meu serviço, a minha convivência com os meus vizinhos. É muito difícil olhar para trás e ver que você perdeu tudo.

Maria Carmo, 44, atingida de Paracatu de Cima

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Ser atingida é ter a minha vida destruída, ter meu passado apagado. Para mim, é aprender a recomeçar do zero, só com as lembranças de onde eu vivia e do meu passado. Tudo está apagado.

Ser atingido é quando você vivia em uma comunidade, mas vê ela hoje toda destruída, como se fosse um entulho. Agora não vivemos mais em uma comunidade porque tudo foi destruído por uma barragem da Samarco.

Sergio Papagaio, 48, atingido de Barra Longa

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Ser atingido é ter o mundo transformado a partir de um mal súbito, que mudou a vida de uma bacia e de seus conviventes.

Ser atingido é você perder tudo. É você ser julgado e não ter os direitos reconhecidos. A cada audiência, a cada dia você se humilhar para tentar ter seus direitos reconhecidos. Ser atingido é a pior coisa que pode acontecer com o ser humano no mundo.

Luiza Queiroz, 54, atingida de Paracatu

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Ser atingido eu entendo que é a mesma coisa que a gente tomar uma pancada, tipo uma pancada de carro e tudo que está em volta se encerra. Ser atingido é as pessoas esquecerem da gente, as pessoas esquecerem que houve alguma coisa. É as pessoas esquecerem que a gente vive, a gente respira e a gente quer sobreviver, apesar de tudo.


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Atingidos

ena e Lucas de Godoy | Arte Carlos Paranhos

Tomé Anatalino dos Santos, 20, atingido de Ponte do Gama

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Ser atingido, é um sentimento que me põe a pensar o porque? Por que isso aconteceu? Ser atingido não foi uma escolha minha nem sua, mas agora a luta é nossa.

Ana Clara Clementina, 3, atingido de Bento Rodrigues

Tcharle do Carmo Batista, 24, atingido de Paracatu de Baixo

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Ser atingido é ter nossas vidas paradas por dois anos. Ser atingido é ter perdido tudo, assim como nós perdemos. Ter visto o avalanche de lama levar tudo. Ser atingido é ter nosso projeto de vida abandonado lá em Paracatu. Ser atingido é não poder ver nossas crianças crescendo nos nossos distritos, nos laços familiares que tínhamos. Ser atingido é estar aqui brigando por uma causa coletiva.

Keila Vadelli, 34, atingida de Bento Rodriges

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Ser atingido é não ter nada, ser expulso das nossas casas e hoje está vivendo de aluguel e com a incerteza se você vai acordar no outro dia e vai ter um teto pra morar. É ficar sendo julgado nas ruas pelas pessoas que a gente está tirando proveito da situação e que a gente não está enxergando.

Zézé, 47, atingido de Pedras

Marianne Campinelli, 27, atingida de Bento Rodrigues

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Sou atingido porque esse negócio, lama da barragem, acabou com minha vida. Porque eu morava lá tranquilo, tinha minhas crias tudo por perto, ficava alegre trabalhando. Mas acabou, agora a gente tá num lugar que a gente não gosta, com as criações tudo longe. Nossa senhora!

Ser atingido significa ter sido tirado da sua zona de conforto e ser forçado a uma situação completamente nova e incerta.


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Genival Pascoal, 37, atingido de Bento Rodrigues

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Atingido não é só quem teve a sua casa destruída. Atingido é quem correu da lama, quem perdeu o emprego, quem teve que sair da sua casa pela defesa civil. É a possibilidade de perder de vez aquela comunidade que sempre foi unida e tudo mais que estava ali. É aquele que está completamente desamparado pela defesa civil e empresa, aquele que teve sua terra alagada, aquele que teve sua casa derrubada pela empresa com a promessa que rapidamente seria reassentado.

Marino D’angelo Junior, 48, atingido de Paracatu de Cima

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Ser atingido é sofrer de um mal que vai corroendo a gente aos poucos. Perder tudo aquilo que você planejava, ter que aprender a viver de novo, começar do zero e ter que lutar para conquistar aquilo que você trabalhou a vida inteira.

Marlene Agostinha, 44, atingida de Pedras

Madalena das Dores dos Santos, 18, atingida de Ponte do Gama

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Eu me vejo como atingida porque minha vida mudou completamente depois do rompimento da barragem, quando minha mãe perdeu a casa. Hoje meu tempo é só reunião, e antes eu trabalhava né, arrumava cabelo, fazia unha e até dava tempo de eu ir pra academia. Hoje acabou.

Ser atingido é dormir lutando e acordar lutando, e isso parece não ter fim. Ser atingido é uma sensação nada agradável, mas é desafiador. Quando penso que não vou aguentar e a vontade de desistir vem, me recarrego e continuo lutando pelos nossos direitos. Mas uma coisa é certa, não desejo isso para ninguém!

Certa vez, Angélica Peixoto, moradora de Paracatu de Baixo, escreveu que ser atingido envolve aprendizado: “Me sinto atingida por não saber ser atingida”, refletiu a professora na edição 6 do Jornal A SIRENE. Sua angústia diz muito dos primeiros meses que sucederam à tragédia. Afinal, quem poderia “aprender a ser atingido”, sem, de fato, sê-lo? Esse aprendizado só se dá no tempo e jamais aconteceria se não fosse a lama da Samarco ter expulsado Angélica e tantos outros de suas casas, de suas comunidades, de suas vidas de então. Ser atingido implica entender o rompimento de modo particular. Afinal, desse ponto de vista, o maior crime socioambiental da história do Brasil é também a maior tragédia de uma vida. Esse aprendizado do qual nos fala Angélica é construído a cada dia, por cada um, e de maneira diferente. Um saber difícil, feito das lembranças de tudo aquilo que foi perdido e de todas as incertezas em relação a um futuro que parece não chegar. Um saber que é feito na luta, na resistência, no choro e no abraço, que está nas relações que se foram e nas que vieram, na vida desfeita e nas possibilidades de recomeço. Por isso, talvez, atingido, mais que um conceito, seja um sentimento. Quantas respostas cabem às perguntas deixadas pela lama: O que é ser atingido? De quantas formas a lama da Samarco é capaz de atingir uma vida? Por quanto tempo?


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Diagramação: Lucas Campos

Uma visita a Germano

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Por Genival Pascoal Com o apoio de Miriã Bonifácio

Saímos de Mariana, centro, em direção ao complexo de Germano, na Rodovia MG-129, Km 117, com o pensamento de que iríamos encontrar a estrutura gigante de rejeitos que tanto, e ainda, nos assombra. De fato, não vimos algo diferente do imenso ou assustador, mas algumas de nossas percepções mudaram com o andar da visita e com as novas impressões puderam ser feitas a partir daí. Ainda eram nove horas da manhã e, no caderno, estavam anotadas perguntas relacionadas a locais seguros, ao plano de emergências, ao sistema de contenções, aos impactos e a outras questões que, agora, nos surgem quando pensamos no rompimento de uma barragem. Entretanto, essas dúvidas só apareceram depois de termos participado de uma reunião das comunidades da Zona Rural com a Fundação Renova/Samarco, em que um estudo da ruptura da Barragem de Germano - o Dam Break - nos foi apresentado. Nesse documento havia imagens aéreas das comunidades atingidas e uma mancha marrom (Fundão) sobreposta por outra azul (Germano) que tentavam dar a dimensão do que uma atingiu e do que a outra poderia atingir. Mas não davam. Foi difícil, para o nosso olhar, tão destreinado em relação a isso, saber dizer, ao certo, até que altura aquelas marcas iriam se a estrutura realmente se rompesse. Por isso, as dúvidas. Por isso, nossa visita ao complexo de minas de Germano. Para entender, fomos olhar de perto Após a exibição do vídeo institucional da empresa e de percebermos que a ideia de segurança dela é, talvez, exagerada, mas, com certeza, deslocada e tardia - nos jardins que cercam o centro de escritórios havia placas que alertavam sobre os perigos da queda de frutas das árvores -, fomos sendo introduzidos sobre os conceitos de barragens. Descobrimos, então, que Germano está cheia do mesmo rejeito que saiu de Fundão, com diferença apenas no tipo de granulamento do material. E que, em área, ela é um pouco mais que o dobro da barragem rompida. O que não quer dizer que é pouco, nem pequeno, mas, em comparação, algo em torno de “o copo e o balde”. Também ficamos sabendo, pelo coordenador de obras da Samarco, Eduardo Moreira, que a Barragem de Fundão estava perto de se exaurir e que talvez, hoje, se a empresa não conseguisse o alteamento da estrutura, ela já estaria fora de funcionamento. Uma tristeza só de imaginar isso que, por um tempo de dois anos, o crime poderia não ter acontecido. Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira Velho ainda poderiam estar no mapa. Porém, o que mudou mesmo a nossa noção sobre Germano foi perceber que eles [a Samarco] não estão tão preocupados assim com o rompimento dessa barragem, já que, também segundo Eduardo Moreira, ela é assumidamente muito mais

estabelecida do que Fundão era. Esgotada em 2012, ainda nas palavras do coordenador, Germano é tão forte que não se abalou nem diante do que aconteceu naquele dia 5 - com exceção do pé da mina que precisou passar por obras emergenciais de contenção. Desse modo, eles deixaram ver que a maior apreensão ainda está relacionada à Fundão, já que, dos 55 milhões de metros cúbicos de rejeito que comportava, ainda lhe sobraram 13 que, junto com outros 7 milhões de metros cúbicos de água da Barragem de Santarém, formam um montante ainda significativo e muito perigoso. “Eram só ruínas, mas tinha sentimento.” - Genival Pascoal, morador de Bento Rodrigues em relação à construção do Dique S4 À parte isso, vimos uma mega estrutura de obras de contenção e de monitoramento que, controversamente, só foi construída após o desastre e que, também, no caso do levantamento do Dique S4, continuam a invadir e a violar os direitos das pessoas moradoras da região. Assim, entendemos que a Samarco, mesmo que não esteja em operação, continua a explorar e a comprometer territórios. Veja o medo das pessoas que vivem na zona de risco e que temem o rompimento de Germano. Vejam o medo que temos em relação ao que ainda resta de Fundão. Vejam o nosso medo. De todas as perguntas que não conseguiram nos responder, ou não nos convenceram da resposta, aquelas relacionadas à comunicação de riscos no município ainda são as mais inquietantes. Se há dois anos nos perguntávamos onde estavam as sirenes, que poderiam ter salvado as 19 vidas, hoje nos questionamos de quem é a responsabilidade em alertar as pessoas dos riscos que existem quando uma barragem está construída sob suas cabeças. Mais ainda, quais os direitos delas se, após essa comunicação, a vontade for de não permanecer nesse território? Ou o contrário, de ficar com garantias de segurança? Quem assegura isso? O caderno voltou mais cheio de perguntas, mas também abarrotado de constatações. Se Germano é grande, o sistema que gere a exploração de minérios e que controla essas empresas que mudaram a história do Brasil é ainda muito maior.

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Solo perdido

Os 39 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério lançados de Fundão ao meio ambiente destruíram centenas de quilômetros até a foz do Rio Doce, o que implicou em perdas e prejuízos difíceis de serem reparados. Muitos eram os usos que a população fazia daqueles solos. Acostumados ao cultivo nos quintais e à criação de animais, os atingidos sentem a perda desse espaço e se preocupam com a preservação das espécies que mantinham em suas residências. Por Marcos Manoel Muniz, Rosária Ferreira Duarte Frade, Maria da Conceição Martins Com apoio de Cristiane Valéria de Oliveira, Larissa Helena, Silmara Filgueiras e Valéria Amorim. Foto: Larissa Helena

Foto: Valéria Amorim

Lá em Paracatu, a terra era boa demais. Na verdade, eu acho que a terra é de acordo com quem trabalha com ela. Ela é parecida com a gente. Se plantamos e cuidamos com amor, o fruto nasce, mas, se tratamos de qualquer jeito, não dá. Eu sempre gostei de plantar sementes de milho e feijão de espécies diferentes daquelas que encontramos no mercado. Tenho espécies variadas de milho e feijão, como o milho crioulo, milho amarelinho, milho de palha roxa, feijão roxinho, feijão miúdo, feijão preto, feijão fumaça e feijão rapé. Consegui esses tipos variados procurando em outras regiões. Uma das sementes eu trouxe lá de Santa Catarina. Gostava de cultivar essas espécies por causa do sabor. É bom comer algo diferente. Além dos feijões e dos pés de milho, na roça, tinha cana, batata doce, abóbora, banana e melancia. Não era somente eu, quase todo mundo lá plantava de tudo. Conheço gente que só comprava o sal. Hoje, eu ainda replanto as sementes de milho e feijão. Faço isso para preservar as espécies até poder voltar a plantar novamente, como fazia antes. Rosária Ferreira Duarte Frade, atingida de Paracatu de Baixo

O que é patrimônio agrícola? A noção de patrimônio agrícola refere-se a um conjunto de elementos que compõem os sistemas agrícolas tradicionais, desde as plantas cultivadas até outros aspectos, tanto ambientais (solos, recursos hídricos, relevo), quanto socioculturais (saberes, práticas de manejo de solo). O termo é reconhecido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), entidade ligada à ONU, responsável pelo estudo e desenvolvimento da agricultura mundial e produção de alimentos. A perda do patrimônio agrícola nas regiões atingidas - formado pelas sementes, arbustos e árvores que foram destruídos pela lama, bem como pelos animais mortos no desastre e ao longo desses dois anos - revela um caráter ainda mais catastrófico quando adicionamos à essa realidade a devastação dos solos. Com o rejeito de minério, diferentes tipos de solo com características e potenciais diversos foram enterrados e/ou condenados a uma longa espera para que possam (talvez) ser novamente cultivados. A perspectiva de recuperação desse recurso natural é de longo prazo e, mesmo que os solos voltem a ter qualquer capacidade produtiva, o limite de reabilitação desse recurso foi drasticamente ultrapassado. Isso quer dizer que, mesmo que voltem a produzir, eles jamais recuperarão as características originais que possuíam. Outro impacto causado pela perda da qualidade desse componente ambiental está na recarga dos aquíferos e lençóis freáticos. Os solos também são responsáveis pela maior parte de recomposição desses recursos no meio ambiente. Cristiane Valéria de Oliveira e Valéria Amorim (Professoras do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da UFMG)


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Fotos: Arquivo Manoel Marcos Muniz

Durante os 30 anos em que trabalhei na Samarco, sempre encontrava tempo, no intervalo do trabalho, para cuidar das minhas coisas no Bento. Tinha várias cabeças de gado, muitas galinhas e até umas da raça Brahma. Os ovos que elas produziam abasteciam minha família e também eram vendidos em Bento e em Mariana. No pomar, tinha pés de diferentes tipos de laranja, banana prata e caturra, para não falar dos vários pés de jabuticaba. Nas terras que meu pai me deixou, além do pomar e das criações, eu cuidava da horta, de onde saíam verduras que, junto com as frutas e os ovos, enchiam meu carro para atender aos pedidos que chegavam dos fregueses. Antes de aposentar, eu fazia planos de poder ficar em Bento e levar uma vida tranquila, rodeado da família, cuidando de tudo o que ajudei a criar. Por um ano, depois que me aposentei, consegui realizar esse meu sonho: cuidava da terra e da criação. Mas o desastre destruiu isso. Nosso lugar foi “enterrado” duas vezes pela lama: na primeira vez, naquele dia 5 de novembro, e, agora, pelo “lago de lama” que se formou com a construção do Dique S4. Tudo o que eu tinha ficou enterrado, fora a criação que a lama arrastou e matou. Hoje, em Mariana, em um pedaço do terreno onde moro, tenho uma horta e cuido de algumas galinhas. Pelo menos uma vez por semana vou até a Fazenda Bom Retiro para visitar e cuidar do meu gado que conseguiu se salvar da lama e que divide o pasto e o curral com outras cabeças que também conseguiram sobreviver ao desastre. Mas muitas cabeças já morreram nestes dois anos. Eu sempre digo que, apesar da lama, nossa vida precisa continuar, mas dói ver como o nosso Bento ficou. Hoje posso mostrar um pouco do que tinha através das fotografias que, por terem ficado em Mariana, a lama não pôde destruir, mas é triste. Marcos Manoel, atingido de Bento Rodrigues Foto: Larissa Helena

Tinha minha casa, minhas plantações e cuidava das minhas criações. Tinha muitas galinhas, eram mais de 100. Elas eram daquelas raças que botavam muitos ovos. Às vezes, não conseguia pegar tudo, pois elas ficavam soltas e acabava perdendo. Quando a lama da Samarco veio, eu perdi a maior parte delas. Algumas que se salvaram estavam numa árvore que tinha lá. Essas, a Samarco levou lá pro abrigo, mas, pouco tempo depois, elas sumiram, foram roubadas. Fiz o boletim de ocorrência e reclamei, mas a empresa não se manifestou. Hoje, vivo aqui na cidade e a única galinha que tenho foi minha filha que me deu. Cuido dela aqui, mas não é a mesma coisa, não é do mesmo jeito. Maria da Conceição Martins, Paracatu de Baixo


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Dezembro de 2017

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DIAGRAMAÇÃO: IGOR MATTOS

Cadastro: o direito de dizer sobre as minhas perdas Seguindo na luta pela reformulação do Cadastro, em outubro, os atingidos conquistaram o direito de participar do processo de levantamento de suas perdas e danos. Também estão em discussão as discordâncias por parte da empresa, a forma de aplicação do Cadastro e o sentido dos danos morais causados que, até então, não eram considerados. Por Luzia Queiroz e Marlene Reis com apoio de Assessoria Técnica, Letícia Lopes e Wandeir Campos.

O que é o Cadastro? O Formulário do Cadastro Integrado, inicialmente proposto pela Synergia/Renova/Samarco, é responsável por fazer o levantamento de todas as perdas e danos dos atingidos, de forma a garantir a reparação integral ou a restituição, indenização e compensação dos bens. “Quando pegamos o cadastro, a gente assustou! Vimos que muitas coisas não tinham nada a ver com a realidade.” Luzia Queiroz, atingida de Paracatu de Baixo

Por quê reformular o cadastro? O Ministério Público Federal, o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Cáritas Brasileira elaboraram relatórios técnicos que identificaram diversas falhas nesse formulário. O principal problema apontado foi a ausência de participação dos atingidos na sua construção, assim como a linguagem utilizada e os conteúdos que não condiziam com a realidade dos atingidos e com os seus modos de vida. Na reformulação do cadastro, o ponto central é a família (núcleo familiar), com suas variadas formas e diversas perdas que enfrentaram e ainda enfrentam.

As conquistas dos atingidos Em janeiro de 2017, os atingidos, com o apoio do Ministério Público Estadual, conquistaram, em audiência, o direito de reformular o cadastro e dizer sobre suas perdas. Ficou acordado também que a Cáritas, assessoria técnica dos atingidos de Mariana, e a Fundação Renova/Samarco deveriam atuar em conjunto nessa reelaboração. Por meio de reuniões semanais, iniciadas em abril desse ano, os atingidos puderam contribuir e participar do processo, expressar seus descontentamentos e questionar os tópicos do modelo de Cadastro. “Tá sendo muito difícil fazer esse cadastro, mas somos nós, atingidos, que estamos lá, fazendo.” - Marlene, atingida de Pedras Outra conquista alcançada por meio de decisão judicial é que, agora, a aplicação do Cadastro será feita com o acompanhamento de uma equipe contratada pela Assessoria Técnica dos atingidos e treinada para ouvir todos aqueles que se sentiram atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão. O processo também contará com a presença de um técnico da Synergia, empresa terceirizada da Renova.


Dezembro de 2017 Mariana - MG

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PARA NÃO ESQUECER

Reformulação do Cadastro Nos debates para a reformulação do Cadastro foram propostas algumas diretrizes para o procedimento de indenizações, que ainda estão em discussão. A conquista desse diálogo entre atingidos, Assessoria e fundação/ empresa foi importante para a garantia dos direitos e, principalmente, para começar a pensar sobre os danos morais sofridos no dia do rompimento e até hoje - o que não acontecia antes da reformulação. Danos morais é todo dano ou prejuízo à honra, à dignidade e à identidade humana, que gera sofrimento e afeta o psicológico das pessoas. Esses danos serão levantados a partir de uma metodologia em que os atingidos terão autonomia para declarar todos os sofrimentos vividos. Na última audiência do dia 18, ficou decidido que esse levantamento não contará com a presença de técnicos da Fundação Renova/Samarco.

Os dissensos? Há dissenso quando, em algum tópico do Cadastro, a Fundação Renova/Samarco discorda do que foi indicado pelos atingidos e apresenta uma outra proposta. Todas essas divergências, que se resumem a 2% para a empresa, são de extrema significância e interferem diretamente na garantia dos direitos dos atingidos, o que atrasa os processos de indenização. A escolha, pela empresa, do termo impactado, por exemplo, diminui a grandeza do crime, chamado, por ela, de “evento”, e, como estratégia, acaba cansando os atingidos que, após dois anos, ainda precisam reivindicar questões básicas como essas de nomenclatura. Assim, a defesa do conceito de atingido reafirma a responsabilidade da Samarco pelo rompimento da Barragem de Fundão, identifica a existência de um crime com reais vítimas e diz quem deve ser indenizado, contrariando o critério da lama utilizado por ela. O direito dos atingidos sob suas terras também foi um dissenso entre as partes. A empresa alegava que, após o reassentamento, as terras atingidas passariam a ser posse dela, não respeitando o direito dos atingidos de dizerem o que fazer com suas propriedades. Na audiência realizada no último dia 5, por decisão judicial, os atingidos conquistaram o direito de decidir pelas suas terras, excluindo a proposta de “permuta” feita pela empresa.

Ilustração: Antônio (Alicate)

“A terra é nossa! E nós vamos reconstruir do nosso jeito.” Luzia Queiroz, atingida de Paracatu de Baixo

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A quem pertencem as imagens? Por Larissa Helena Com apoio de Flavio Valle, Karina Gomes Barbosa e Lucas Rafael

Na época do rompimento da Barragem de Fundão, e ainda hoje, a cidade de Mariana recebeu diversos jornalistas, emissoras e curiosos, responsáveis por registrarem em vídeos e fotos não só a destruição, mas também o desespero, o desamparo e o medo da população atingida. Nesses momentos, o objetivo costuma ser frio, pois, na busca pela melhor foto que acompanhe a narrativa trágica, não é percebida a maneira exploradora com que se faz isso. E, apesar da imagem ser o meio que convence o público de que algo aconteceu, captar a dor do outro é uma tarefa sobre a qual é preciso refletir. Quando visitam as comunidades destruídas, o que encontram vai além da lama, dos destroços e das ruínas. Lá tem uma parede pintada de verde claro, uma janela de madeira com adesivos colados no vidro, um banheiro com chuveiro a serpentina, camas ainda forradas com edredons, enfim, algo que pertence a alguém. Não se trata, então, apenas dos valores de posse desses pertences, mas da história, da memória e dos afetos que eles carregam. Coisas que a fotografia não necessariamente dá conta de capturar. Será que os jornalistas, ao fazerem suas matérias e fotografarem esses locais, se perguntam como os atingidos se sentem ao verem suas antigas casas na televisão e em jornais? Assistir a dor do outro é diferente? Também, o uso dessas fotografias pretende mudar algo no processo de reparação? Existe, nessa relação, algo próximo a um ideal de justiça para os atingidos? Quando pensamos no espaço público e privado, a intimidade do lar é a fronteira que nos divide. Após a tragédia, o interior fotografado de uma casa ainda pertence a seu proprietário ou ele se tornou algo a ser conhecido pelo mundo? Independentemente de termos essas respostas, hoje, essa intimidade se tornou pública. As produções fotográficas feitas sobre o rompimento da barragem de Fundão, muitas vezes, foram e são guiadas por um viés lucrativo, ou seja, buscam captar aquilo que toca e sensibiliza com o objetivo de ganhar audiência e, assim, veicular a venda desses produtos nos meios de comunicação e em circuitos artístico-culturais. E, também nesses casos, em que não há esforço de pesquisa, o que se busca não é necessariamente o novo, mas algo que tenha força e competência como imagem, que seja capaz de falar e contar uma história apenas comovente. Mas essas produções, divulgadas em jornais, revistas, exposições e em publicações diversas, nem sempre voltam para o lugar de onde elas saíram. Diante disso, qual o papel do interlocutor, ou melhor, seu limite? Como contar uma história respeitando o lugar dos protagonistas? Como explorar visualmente um espaço sem necessariamente invadi-lo? Essas perguntas eu também me faço, sempre, e ainda não encontrei respostas para elas. Mas, tenho aprendido que a melhor saída é escutar a vontade do outro e o respeitar, procurar entender o que aquela imagem significa para ele.

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Foto: Larissa Pinto

Mineração: não somos contra, somos a favor da segurança e da distribuição de renda Por Sergio Papagaio

A mineração foi a mãe do Estado de Minas Gerais. Contrariando o ditado que diz que “mão de galinha choca não machuca pinto”, a mineração vem, desde os tempos do Império, dizimando aldeias de índios, submetendo negros à escravidão e explorando a grande maioria da população para acumular riqueza para uma minoria. Doutrinados sob um sistema capitalista e consumista, a população mineira, assim como toda a brasileira, não consegue viver sem o conforto do mundo moderno e seus privilégios, como: celular, televisão, automóvel e todos os utensílios produzidos a partir do minério extraído da terra. Sabemos que o modelo de desenvolvimento econômico adotado pelo país entraria em colapso sem o aporte das mineradoras. Portanto, encerrar a exploração minerária no mundo do consumismo orquestrado pelo sistema capitalista seria utopia. Ser contra a volta da Samarco é contrariar tudo o que foi dito e contribuir para o desemprego na região de Mariana. O que não queremos é: falta de segurança, medo e o desrespeito pelo ser humano na busca desenfreada pela riqueza a qualquer custo. Afinal, muitos desses custos são vidas humanas. Falo dos que morreram com o crime de Fundão e com a atividade minerária desde a fundação do Estado, dos que ainda estão morrendo, e sem me esquecer dos que vivem com a morte dentro de si pelos vários traumas causados pelos rompimentos das barragens. Desejamos que não se repitam crimes como o da Samarco, que transforma o homem em subproduto do garimpo de ferro, ao misturar seus corpos ao rejeito, transformando-os, na concepção dos exploradores, em rejeitos também. E que a Samarco, que é hoje, no cenário mundial, o exemplo paradoxal de tudo o que não se deve fazer em relação à exploração minerária e à construção de barragens, possa voltar a operar de forma a corrigir os seus erros do passado, e que venha a ser, no futuro, exemplo de como trabalhar com segurança e distribuição de renda, transformando este paradoxo num paradigma.

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Mariana: uma história com a mineração Por Francielle de Souza (estudante de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto)

O relógio já sinaliza quatro da tarde quando a Praça Gomes Freire é atravessada por passos apressados dos primeiros marianenses que deixam seus postos de trabalho, provavelmente já imaginando um banho quente e um merecido descanso no findar do dia. No número 59 da Rua Barão de Camargos ainda resta uma hora de expediente. A biblioteca Benjamin Lemos só fecha às 17 horas. Antes de adentrar o casarão, uma parada para apreciar a vista: a Igreja de São Pedro continua imponente no alto do morro. É ali, naquela rua de pedras irregulares, que se tem uma das vistas mais bonitas da cidade. Do lado de dentro, a simpática senhora que recebe os leitores parece conhecer cada canto da biblioteca. Caminha sem titubear para uma prateleira de livros enfileirados de modo desgovernado. Tortos, até. São eles que nos contam o início desta história. O ano era 1696. O mês, julho. No décimo sexto dia, os bandeirantes paulistas comandados por Salvador Fernandes Furtado encontraram ouro no curso d’água e se estabeleceram nas margens do Ribeirão do Carmo. Assim nasceu Mariana. Ainda sem esse nome, que lhe foi dado depois, como homenagem à rainha Maria Ana D’Áustria. Nas páginas amareladas dos livros que narram as aventuras dos bandeirantes, fica claro que a história de Mariana é também uma história de busca por ouro e de exploração dos recursos naturais. A Mariana que conhecemos hoje não nasce sem a mineração. Em meados dos anos 1970, essa exploração ganhou novos ares: se tornou mais moderna. Agora, com o minério de ferro. É nessa época que as mineradoras chegaram por aqui e, como conta o historiador Paulo Gracino Junior, trouxeram uma sensação de progresso para os moradores. A cidade cresceu, graças à população que veio em busca dos empregos oferecidos pelas empresas. Mariana se viu aprendendo a dividir o espaço e a lidar com o outro, com o forasteiro. A primeira década dos anos 2000 foi marcada por cifras altas. O minério estava mais valorizado no mundo, o que fez as mineradoras aumentarem a produção. Em 2013, o Brasil foi responsável por quase 15% da exportação mundial de minério. Dois anos depois, 19 pessoas morreram na substância de cor amarronzada que tomou conta do que costumava ser Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. A história do distrito de Camargos e dos subdistritos Ponte do Gama, Paracatu de Cima, Pedras, Borba e Campinas também ficou manchada de marrom. O ano, agora, é 2017. Além de enfrentar as consequências do rompimento da barragem de Fundão, Mariana se depara com uma crise da sua própria história. Se é pela exploração dos seus minerais que a cidade nasce e cresce, é também por ela que Mariana agora sofre. Já não é mais a mineração levando o minério de ferro. É a mineração levando gente em um mar de lama. Gente de carne, osso, luta e sonhos. Levando casas, álbuns de fotografias, histórias. É a mineração nos levando e não se sabe até quando.

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Novembro de 2017 Mariana - MG Foto: Voal fotografia

Papo de cumadres: dois anos de lama e lágrimas Por Sergio Papagaio

Consebida diz: - Cumadre, já se faz dois anus que a barrage estorô e até hoje a lama ês num istancô. - É mês, cumadi, a lama continua a vazá e a nós tudu prejudicá. - Há dois anus atrás, nós falava das duença, que já era pra tê saradu, mais elas só tem aumentadu. - Cê num viu Sofia? Continua com alergia, e ainda tem disintiria. - E compadre Malaquia, anu passadu só bibia, agora tá fumanu um tipo doidu de cigarru com seu fiu Gustavo. - Sua fia Marinha, em 2016, engravidou dos homi da Companhia. Hoje carrega nus braçu sua segunda fia. - O cumpadi Zé Geraldo que parecia tá loucu, morreu hoje, agora há poucu. - Este crime da Samarcu é mesmu sem precedente, ele veio foi pra matar a gente, causandu dor em nós e em nossos parente. - Mais nós pricisa lembrá, tem hora que nós custuma ganhá. - U que cê tá querenu falá? - Põe sintidu nu que eu tô te contanu, em Mariana, quem se senti atingido tem o direitu de ter seu cadastru prenchidu, é mais uma vitória deste povo sufridu. - Em Barra Longa, consiguimu assessuria, um exemplu pra toda a bacia. - E com u povo du Parque de Exposição de Barra Longa, tivemu uma vitória tão grande que até em Regência resplande. - Pra mostra prus atingidu se o povo tivé unidu, organizadu pelo MAB e protegidu pelos MPE e MPF, junto com as comissão e assessuria, poderemos ter vitória em toda a bacia. - Qué dizê, se eu tô intentenu, pru povo ter seus direitu atendidu, só precisa ficar unidu? - E aceitá trabaiá juntu com us parceiru, que são tudu intendidu.


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Novembro de 2017 Mariana - MG

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AGENDA DE NOVEMBRO

6 Reunião da Comissão Horário: 18h Local: Escritório da Comissão

7 Oficinas de Reassentamento - Bento Rodrigues (organizadas pela Fundação Renova, acompanhadas por Cáritas e Comissão de Bento) Horário: das 17h às 19h GT’s de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório da Comissão

9 Oficinas de Reassentamento - Bento Rodrigues (organizadas pela Fundação Renova, acompanhadas por Cáritas e Comissão de Bento) Horário: das 17h às 19h

13 Reunião da Comissão Horário: 18h Local: Escritório da Comissão

10 Oficinas de Reassentamento - Bento Rodrigues (organizadas pela Fundação Renova, acompanhadas por Cáritas e Comissão de Bento) Horário: das 17h às 19h

14 Oficinas de Reassentamento - Bento Rodrigues (organizadas pela Fundação Renova, acompanhadas por Cáritas e Comissão de Bento) Horário: das 17h às 19h GT’s de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório da Comissão

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Oficinas de Reassentamento - Bento Rodrigues (organizadas pela Fundação Renova, acompanhadas por Cáritas e Comissão de Bento) Horário: das 09h às 17:30h

20 Reunião da Comissão Horário: 18h Local: Escritório da Comissão

Curso de Direito - última aula da Turma de Bento e Paracatu Horário: 8h às 17h Local: Escritório da Comissão

27 Reunião da Comissão Horário: 18h Local: Escritório da Comissão

30 GT’s de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório da Comissão

8 Oficinas de Reassentamento - Bento Rodrigues (organizadas pela Fundação Renova, acompanhadas por Cáritas e Comissão de Bento) Horário: das 17h às 19h

11 Oficinas de Reassentamento - Bento Rodrigues (organizadas pela Fundação Renova, acompanhadas por Cáritas e Comissão de Bento) Horário: das 09h às 17:30h

16 Oficinas de Reassentamento - Bento Rodrigues (organizadas pela Fundação Renova, acompanhadas por Cáritas e Comissão de Bento) Horário: das 17h às 19h

25 Curso de Direito - última aula da Turma da Comissão Horário: 8h às 17h Local: Escritório da Comissão



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