Ano 14 - Nº 115 - Junho 2015
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“A terceirização é uma fraude ao contrato de trabalho” ta s i v e r t n E
s u o m a D h i d Wa
Wadih Damous, 59 anos, é graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde 1980 e mestre em Direito Constitucional pela PUC-RJ. Quando estudante, foi presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito e do Diretório Central dos Estudantes. Como advogado, ganhou notoriedade em defesa dos direitos humanos, sendo eleito duas vezes presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção RJ. Recentemente, presidiu a Comissão Estadual da Verdade que investigou os crimes cometidos durante a Ditadura, e em maio assumiu o mandato de deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores. Em entrevista ao Bafafá, Damous fala sobre seus projetos como parlamentar, a chamada “crise política” do país, os médicos cubanos, governo Dilma e o projeto de terceirização em trâmite no Congresso. “A terceirização é uma fraude ao contrato de trabalho”, fuzila. Sobre utopias, afirma: “Acreditar nas utopias é acreditar na vida”. Pags 6 e 7
Nesta : o Ediçã
Leonardo Boff Emir Sader José Maria Rabelo Mauro Santayana Angela Carrato Jean Wyllys
Ricardo Rabelo Lucas Ferreira
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Rio de Janeiro - Junho / 2015
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Editorial PSDB: deserto de ideias e de líderes Os tucanos andam por aí como lêmures, almas penadas, sem saberem para onde ir. Não são de esquerda nem se assumem de direita, embora sejam cada vez mais a expressão dos interesses conservadores, a exemplo do que se viu quando a quase totalidade de sua bancada na Câmara de Deputados votou a favor da terceirização. Em carta à direção nacional, um de seus quadros históricos, o ex-vice-governador de São Paulo, Alberto Goldman, reconheceu que o PSDB não tem um projeto de país, o que significa não ter o que recomendar para o futuro do Brasil. Análise corretíssima, pois o partido entende que seu dever é apenas o de opor-se a toda iniciativa do governo federal, independentemente de seu conteúdo, num denuncismo histérico e obsessivo. Além de não ter um projeto de país, nem ideias nem princípios parecidos com isso, não dispõe de uma liderança maior, uma figura que seja o símbolo da legenda. Sem alternativas, seus seguidores procuram desempalhar a múmia política de FHC, exibida de um lado para outro, aqui e no exterior, na tentativa de mostrar que há, sim, alguém para falar por eles e mobilizar a sociedade. Já está provado, entretanto, que o ex-presidente não tem essas qualidades de líder, principalmente pela natureza anacrônica de seu discurso e sua desastrada conduta nas duas vezes em que esteve à frente do governo. FHC tem um discurso anacrônico, Aécio não convence os próprios companheiros, Alckmin mais parece um boneco falante, como aquela moça da propaganda do Magazine Luiza na televisão. O PSDB é isso, hoje: um deserto de ideias e de líderes. Poderíamos indagar se o ex-candidato à presidência da República e presidente nacional da legenda, Aécio Neves, não seria essa imprescindível liderança. Deveria ser, mas não o é. Aécio também não possui condições mínimas para exercer tal função, devido a sua notória falta de estatura política e de aptidão para congregar e conduzir os próprios correligionários. Carece de talento e credibilidade para desempenhar papel tão relevante, conforme já mostrou mais de uma vez. Nesse deserto de nomes, vem logo à mente o do governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin. Reeleito com ampla vantagem, deu a Aécio mais de cinco milhões de votos, salvando-o do total naufrágio, e tornando-se o grande eleitor do PSDB. Mas se ter voto é fundamental, não basta para ser líder. A liderança exige, além de experiência e acervo eleitoral, vários outros requisitos de que Alkmin não dispõe. Ao contrário, trata-se de uma figura amorfa, fria e burocrática, sem o calor e os lampejos de um verdadeiro dirigente popular. Lembrem-se, para simples efeito de comparação, de Getúlio Vargas, Leonel Brizola, Carlos Lacerda, Ulysses Guimarães, que, em posições políticas e ideológicas diferentes, tinham o poder de conquistar o apoio de grandes camadas da população, como acontece também com Lula nos dias atuais. Alckmin, na verdade, mais parece um boneco falante, como aquela moça da propaganda do Magazine Luiza na televisão... Outro que surgiu em certo momento posando de ilustre personagem, o governador do Paraná, Beto Richa, transformou-se no desastre que se conhece, de quem o PSDB nem quer ouvir falar. Assim, desprovido de nomes próprios, o tucanato procura fora de suas hostes um candidato com alguma possibilidade de vencer as próximas eleições. Ensaiou com Joaquim Barbosa no auge do Mensalão, mas a tentativa não vingou, apesar do apoio da mídia conservadora. Já há os que falam agora no juiz Sérgio Moro, o herói da operação Lava Jato, que ele opera com rara maestria para manter-se sempre nas manchetes. Amanhã, outras indicações externas poderão ocorrer, até mesmo a do oportunista sem nenhum escrúpulo que é o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, porque o que lhes interessa é vencer a corrida presidencial, a qualquer custo ou com quem quer que seja. O partido está reduzido a um patético clube de políticos perdidos no tempo e no espaço, afligidos pelos sucessivos fracassos. Sem rumos, absolutamente sem rumos, como um fantasma caminhando por entre outros fantasmas, à espera de um milagre que o leve de novo ao poder. Triste fim para uma agremiação que emergiu na luta contra a Ditadura, propondo um novo Brasil, mas que representa hoje o contrário disso: o passado, o atraso, a alienação política.
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Brasil, China, Rússia: Uma nova ordem mundial José Maria Rabêlo*
Os tratados do Brasil com a China, bem como os da China com a Rússia e outros países, que em breve começarão a produzir seus resultados, abrem a perspectiva de uma profunda alteração no quadro geopolítico mundial. No caso do Brasil, os firmados durante a recente visita da delegação chinesa a Brasília implicam na intensificação de nossos negócios com o vasto mercado chinês e os de outras nações do Pacífico, como as da Oceania e da costa oeste da África, e vice-versa. Ademais, graças à construção da ferrovia transcontinental que partirá do Porto de Açu, no Estado do Rio, e chegará ao litoral do Peru, não teremos apenas o Canal do Panamá para nosso intercâmbio com aquelas partes do mundo, passando a contar com um novo caminho, mais curto e com custos operacionais menores. Os recentes tratados compreendem as áreas de planejamento estratégico, infraestrutura, agricultura, energia, indústria aeroespacial e automobilística, no montante de 53 bilhões de dólares, os maiores já assinados pelo Brasil em toda sua história, havendo ainda a possibilidade de outros negócios no futuro. Por outro lado, os acordos entre a China e a Rússia permitirão a criação de um dos maiores blocos econômicos do mundo, tanto em PIB quanto em população. Os chineses estão atuando num amplo leque de regiões, apoiando o Banco de Desenvolvimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África e do Sul), o Banco de Investimento em
Infraestrutura da Ásia, o Cinturão Econômico Eurasiano e a Nova Rota da Seda, esta última ligando Veneza, no Mar Adriático, à cidade chinesa de Xi’an, numa extensão de oito mil quilômetros, utilizando para isso diversos sistemas de transporte. Os investimentos externos da China ultrapassam de várias vezes o valor total do Plano Marshall, que foi instituído pelo
governo norte-americano para a recuperação econômica dos países europeus destruídos na Segunda Guerra Mundial e impedir assim que caíssem sob a influência soviética. Considerando-se o avanço chinês na América Latina (além do Brasil e Peru, Pequim tem intensificado suas inversões em outras partes da região, como na Argentina [U$ 20 bilhões], e na Venezuela [U$ 18 bilhões]) e seus acordos com a Rússia, poder-se-ia até dizer que estamos diante de uma reedição do Tratado de
Tordesilhas, que, em 1494, reordenou a geografia mundial. A partir dessas movimentações chinesas, baseadas principalmente em suas gigantescas reservas monetárias (quase quatro trilhões de dólares), caminhamos para uma nova ordem geopolítica planetária, que reduz drasticamente o poder político e econômico dos EUA e de seus diversos aliados. Embora nada justifique descurar das atenções com os nossos tradicionais mercados, como os EUA, os países europeus, etc., os tratados com Pequim apontam no sentido de um fortalecimento de nossas estratégias de progressiva abertura comercial. A China, que já é nosso principal parceiro, deverá incrementar ainda mais sua presença no Brasil e em toda a América Latina, o que é altamente vantajoso para ambas as partes Talvez essa perspectiva explique o desconforto e a parcimônia da grande mídia, sempre alinhada aos interesses norte-americanos, em noticiar a realização daqueles convênios. O Jornal Nacional, por exemplo, que é o símbolo maior da subserviência da imprensa brasileira, dedicou menos de dois minutos à cobertura da visita da missão chinesa, chefiada nada menos que pelo primeiro ministro do país, e às negociações com o governo brasileiro. Mas, os fatos estão aí, em plena ordem do dia, e estarão mais e mais nos próximos anos. Não serão nenhuma Rede Globo nem a moribunda revista Veja, com seus aliados internos e externos, que irão impedir que aconteçam. *Jornalista
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Por que os patrões defendem energicamente a terceirização e a aprovação da PL 4330? Lucas Ferreira* Com muita organização e luta, os trabalhadores brasileiros conseguiram garantir a Consolidação das Leis do Trabalho. Nada foi dado de presente. Apesar da conquista histórica da CLT, sabemos que existem diversos trabalhadores na informalidade, com os seus direitos sendo usurpados cotidianamente. Os trabalhadores brasileiros sofrem ataques constantes para diminuição de sua remuneração. A matemática é muito simples: os patrões tentam captar cada vez mais parte do que foi produzido pelos trabalhadores. Quanto mais exploram os trabalhadores, mas obtém a mais-valia. Dentro deste cenário em que vivemos, somente os trabalhadores unidos e organizados podem resistir a estes ataques e conseguir avançar ainda mais nos seus direitos. Para desorganizar a classe trabalhadora, cada vez mais investem pesado ensinando que o correto seria o individualismo, fazendo com que grande parte da classe trabalhadora não consiga enxergar seus verdadeiros inimigos, colocando muitas vezes os trabalhadores contra os próprios trabalhadores, não se enxergando enquanto classe. E no momento atual, o presidente da Câmara dos Deputados, um claro representante dos exploradores naquela casa, decide priorizar o maior ataque a classe trabalhadora brasileira dos últimos anos, colocando para votação o PL 4330/04. Esse projeto não vem simplesmente para regulamentar a terceirização, e sim para ampliar a terceirização e precarizar ainda mais esta relação de trabalho já tão maléfica à classe trabalhadora. O fato é que a terceirização é uma prática cada
vez mais utilizada pelos patrões no mundo inteiro. Mas, uma reflexão se faz necessária: por que seria necessário existir uma empresa que intermedeie a relação entre o trabalhador e o empregador? Como não existe uma lei que regulamente a terceirização, o TST publicou a Súmula 256, onde a terceirização da atividade de segurança foi considerada legal. Posteriormente, veio a publicação da Súmula 331, que tornou legal a terceirização da atividade-meio da empresa. A atividade-meio são todas que não
são inerentes ao objetivo principal da empresa, portanto, trata-se de serviço necessário, mas que não tem relação direta com a atividade principal da empresa. Vale destacar ainda que na Súmula 331 informa que não pode ocorrer pessoalidade e a subordinação direta. Para que existisse uma lei que regulamentasse a terceirização, mas sem precarizar ainda mais as relações de trabalho, foi apresentado o PL 1621/07. É importante destacar que não se trata de ser contra ou a favor da regulamentação da terceirização. Na verdade, a disputa
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real que temos hoje no Brasil é se vamos regulamentar a terceirização garantindo os direitos dos trabalhadores ou se vamos ter uma lei que na verdade sirva para ampliar geometricamente essa prática e precarizar ainda mais as relações trabalhistas. Com a postura atualmente apresentada pela maioria da Câmara dos Deputados e, principalmente, do atual presidente daquela casa, precisamos garantir que o Senado reprove a PL 4330, e construa junto aos movimentos sociais um novo projeto que beneficie o trabalhador, restringindo ao máximo a terceirização e ampliando os direitos dos terceirizados. Um exemplo taxativo do alastramento desenfreado dessa prática nefasta é a maior empresa pública nacional. Em 2014, o Sistema Petrobrás já contabilizava 80% de terceirizados em seus quadros. Nós, do Sindipetro-RJ e da FNP (Federação Nacional do Petroleiros), estamos na luta contra a terceirização e em defesa dos trabalhadores terceirizados. Lutamos para que todos os trabalhadores sejam contratados diretamente através de concurso público. Somos uma classe só, a classe trabalhadora, e, portanto somos totalmente solidários aos terceirizados e estamos juntos na luta. Abaixo a PL 4330! * Economista, Diretor do Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) e Diretor Regional do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) Confira outras matérias em defesa dos trabalhadores e informações da Campanha Todo Petróleo Tem que Ser Nosso na página da Agência Petroleira de Notícias do Sindipetro-RJ (www.apn.org.br).
Encontro no CREA prega união da esquerda Num encontro que pode ser considerado histórico, setores progressistas do Rio de Janeiro lançaram as bases para a unidade da esquerda contra o retrocesso econômico, político e também na agenda do interesse dos trabalhadores. É também uma contra ofensiva com vistas à eleição municipal e estadual, onde visualiza-se a convergência por uma candidatura única, apoiada por segmentos da esquerda, não importando o partido. “O partido não é o importante. A frente é maior do que os partidos”, afirmou o deputado federal Alessandro Molon, presente ao evento, em seu discurso. O rompimento desta frente com o PMDB, no RJ, também foi enfaticamente apoiado. Cerca de 400 pessoas participaram da plenária “A saída é pela Esquerda” com representantes sindicais, de movimentos sociais, parlamentares e líderes estudantis. A intenção do movimento é enfrentar os setores conservadores na sua tentativa de desmantelar os direitos trabalhistas e as conquistas sociais obtidas, principalmente nos últimos 12 anos, com muito esforço e mobilização. E também, defender o governo legítimo da presidente Dilma Rousseff, vítima de articulação golpista no Congresso, na mídia e até de parte do judiciário. A reunião contou com a importante presença do ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro e dos deputados Robson Leite, Alessandro Molon, do vereador Reimont e do senador Lindberg Farias. Escolhendo o RJ como segunda residência desde março, Genro quer contribuir para reerguer o PT, juntamente com as demais forças progressistas, na capital. “O RJ é, no momento, o estado mais importante politicamente do Brasil”, afirmou o ex-governador gaúcho. “O partido deve voltar a se comunicar com a sociedade, com as academias e com as classes trabalhadoras. Precisamos de um partido da emancipação do mundo de trabalho, da emancipação de políticas de consumismo que escraviza a mente das pessoas e leva essas pessoas a exaustão e ao endividamento predatório”, afirmou o ex-governador gaúcho. Sobre a unidade da esquerda foi categórico: “É louvável pensar numa frente que permita um governo progressista que não seja refém do PMDB”, alfinetou. O encontro aprovou o documento “A saída é pela Esquerda” que tem por base os seguintes pontos: A atual crise política não é apenas fruto de impasses do governo. Ela é resultado de uma nova ofensiva do capital financeiro internacional e do imperialismo dos EUA em
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SENGE
escala global, construindo um cenário de dificuldades e constrangimentos sistêmicos em todos os países de governos progressistas. Para além da brutal ofensiva da direita, a crise desnuda também os limites do projeto impulsionado pelo PT ao longo de 12 anos no comando do governo central. O extraordinário processo de inclusão social não foi acompanhado de uma narrativa que politizasse as conquistas; a “paz” social gerada pelo crescimento onde todos os segmentos sociais “saíram ganhando” foi rompida ao primeiro sinal de crise econômica, e a eclosão da desordem neoliberal isolou politicamente o governo, expondo a intolerância conservadora. Somam-se a isso as escolhas equivocadas de montagem do governo, sinalizando essencialmente para setores conservadores e apresentando um ajuste fiscal punitivo para o “andar de baixo”, tudo isso em meio a mais um escândalo de corrupção, alardeado pelo aparato midiático empresarial com a parcialidade virulenta de sempre. O Rio de Janeiro é um palco importante dessa disputa. A dinâmica contraditória da coalização nacional e o peso desempenhado pelo PMDB fortaleceram a participação do PT no governo local, engessando o debate político e a ação crítica do partido, tornado sócio-minoritário de um imenso laboratório de experiências. No plano estadual, é contínua a violação de direitos humanos. O documento encerra afirmando que a frente de esquerda deve ser capaz – e o PT tem papel fundamental no processo – de transformar uma plataforma de ação em um programa para a cidade, mobilizar amplos setores sociais e constituir redes colaborativas democráticas, tornando-se um espaço aberto para uma imensa gama de militantes e ativistas do nosso estado, articulando as dimensões da luta nacional com as pautas e experiências locais. Assinam: Articulação de Esquerda Democracia Socialista Alessandro Molon Lindberg Farias Reimont Otoni Robson Leite
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Ricardo Rabelo Bomba
Caíram como uma bomba as denúncias de corrupção na FIFA. Finalmente, a justiça agiu e prendeu oito cartolas que envergonham o futebol mundial. Os valores desviados são milionários e envolvem muita gente graúda. Foi patético ver o novo presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, abandonar a Suíça correndo para evitar ser preso também. Ou ainda o ex-presidente Ricardo Teixeira voltar dos Estados Unidos a toque de caixa. Este último está vendendo por 15 milhões de dólares a casa que possui em Sunset Island, um dos endereços mais luxuosos de Miami. Alguém duvida que os dois são candidatos a seguir o mesmo caminho de seus íntimos amigos da FIFA?
Abril fechou
Corre piada dizendo que a editora Abril vai mudar o nome para Fechou. Isso porque o outrora império de comunicação míngua à luz do dia, vendendo suas revistas e demitindo funcionários. A verdade é clara: a Abril (ou Fechou?) perdeu credibilidade pelo seu sectarismo político sem nenhum escrúpulo ou limi-
te. Tendo à frente a revista Veja, o grupo de comunicação é a maior fonte desestabilizadora da ordem democrática do País, chegando a pregar o retrocesso. É pena que tanto jornalista vá ser prejudicado, mas o fim da Veja é questão de tempo.
Partido da Imprensa Golpista
Os inconformados com a reeleição de Dilma parecem cada dia mais conformados. Até o playboy mineiro-carioca derrotado nas eleições já desistiu de seu aloprado pedido de impeachment. Mas, a mídia não sossega. Os grandes meios de comunicação continuam tentando desestabilizar o governo a qualquer custo. Está claro que hoje o partido de oposição no Brasil é o PIG – Partido da Imprensa Golpista. Esta posição, além de não surtir efeito, prejudica o País. Até quando TV Globo, O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, a Veja, o Estado de Minas, Zero Hora e afins não vão aceitar o resultado das urnas? Chega de injuriar e conspirar contra a democracia. A eleição acabou minha gente, e não adianta estrilar.
Incongruência
Todo ato de corrupção é inaceitável. No entanto,
não consigo entender como apenas o tesoureiro do PT está preso, se seu colega do PSDB recebeu quase a mesma soma em doações de empreiteiras e continua livre, sem ser incomodado. O juiz responsável pela operação Lava Jato, Sérgio Moro, deve ao País uma explicação sobre essa gritante incongruência.
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pal carioca. Recentemente houve um encontro no CREA com setores progressistas, inclusive o ex-ministro e ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro. Ele deve transferir o título para o Rio, e não está descartada sua candidatura a prefeito. Acho que é hora de juntar PT, PSOL, PDT, PCdoB, para indicar um candidato único. O Rio não aguenta mais o PMDB! Ou acaba com ele ou ele acaba com o Rio.
O que é isso, companheiro?
Eu também condeno
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Caixa-preta
Quando as entidades patronais como a FIESP, a FIRJAN, o SESI, o SESC e outras correlatas irão abrir a caixa-preta de suas atividades milionárias? O que aconteceu com a FIFA não pode ser uma boa sugestão às autoridades brasileiras para investigar esses polvos financeiros?
Vingança do eleitor
Eduardo Cunha
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, parece ter saído das cavernas. O legislativo do País está entregue ao que se tem de mais atrasado na política brasileira. Sua prática beira à irresponsabilidade e ao banditismo. Posso estar enganado, mas acredito que cedo ou tarde ele vai ser desmascarado. Quem viver, verá!
Saída pela esquerda
Vejo com entusiasmo a tentativa de construir uma alternativa de esquerda para a sucessão munici-
a corrupção na Petrobras. Mas, dizer que a empresa está arruinada, como afirmou o Gabeira, é pura mistificação. Os números não apontam nesse sentido, pelo contrário. Arruinada pode ser a carreira de alguns jornalistas antigamente de esquerda e que hoje andam por aí de mãos dadas com os golpistas de direita.
Deboche
É um deboche a cantora Preta Gil gastar dois mil h õ e s de reais num casamento pomposo, com cada uma das 400 garrafas de champagne custando R$ 300 e sair fazendo propaganda disso. Para que um exibicionismo como esse, tolo e grotesco?
Ada Colau, ativista contra os despejos imobiliários, venceu a eleição municipal em Barcelona, na Espanha, como líder da plataforma cidadã Barcelona em Comum. Colau, que chegou a ser detida por agentes durante seus protestos, agora se tornará a responsável pela polícia municipal da capital catalã. A foto que ilustra o fato é de julho de 2013, quando Colau e a Plataforma de Afetados pela Hipoteca pediam, numa agência do Banco Popular, a renegociação da hipoteca de um homem que não podia pagar sua dívida. Em dezembro tem eleições nacionais e existem grandes chances de Pablo Iglesias Turrión, líder do Podemos, ser eleito primeiro ministro. Aí vai ser um terremoto político que pode sacudir a Europa.
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Wadih Damous
Entrevista
Por Ricardo Rabelo
“A terceirização é uma fraude ao contrato de trabalho” Wadih Damous, 59 anos, é graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde 1980 e mestre em Direito Constitucional pela PUC-RJ. Quando estudante, foi presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito e do Diretório Central dos Estudantes. Como advogado, ganhou notoriedade em defesa dos direitos humanos, sendo eleito duas vezes presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção RJ. Recentemente, presidiu a Comissão Estadual da Verdade que investigou os crimes cometidos durante a Ditadura, e em maio assumiu o mandato de deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores. Em entrevista ao Bafafá, Damous fala sobre seus projetos como parlamentar, a chamada “crise política” do país, os médicos cubanos, governo Dilma e o projeto de terceirização em trâmite no Congresso. “A terceirização é uma fraude ao contrato de trabalho”, fuzila. Sobre utopias, afirma: “Acreditar nas utopias é acreditar na vida”.
Quais são as suas prioridades ráter casuístico como a reeleição para a presidência da Câmara e na Câmara dos Deputados? Quero empunhar as bandeiras que eu tendo defendido ao longo de minha trajetória institucional, como presidente da OAB, como presidente da Comissão da Verdade, como advogado: a defesa da ordem jurídica do estado democrático de direito, dos direitos humanos em todas as suas dimensões, o combate à intolerância e a defesa da advocacia. “Eduardo Cunha exerce o poder com gosto e autoritarismo”
Como está vendo a atuação do presidente da Câmara Eduardo Cunha?
Ele se elegeu numa circunstância de confronto com o governo federal, tem exercido a presidência com autoritarismo e desengavetado pautas reacionárias como o PEC da Bengala, PEC da redução da maioridade penal. E ainda ameaça colocar em votação outros PECs de ca-
do Senado, se autobeneficiando com isso. Eduardo Cunha exerce o poder com gosto e autoritarismo. Sua última atitude marcante foi uma manobra regimental que permitiu, após a matéria ter sido rejeitada, constitucionalizar as doações empresariais para as campanhas eleitorais. Isso está sendo objeto de um mandado de segurança impetrado por mim e outros parlamentares no sentido de sustar esse processo deliberativo. Foi uma manobra regimental. Ele perdeu na noite anterior e na noite seguinte reaglutinou sua maioria e fez aprovar a doação a partidos. Isso é um absurdo e está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal. O Congresso não pode decidir duas vezes na mesma legislatura sobre a mesma matéria.
O senhor acha que ele está sabotando o governo Dilma? Está. Quer aprovar uma lei para que o legislativo possa
sabatinar os presidentes de estatais usurpando uma atribuição que é própria do poder executivo de nomear os dirigentes de empresas públicas. O deputado Cunha tem se apresentado como um falso aliado quando na verdade é um oponente.
Esta legislatura é apontada como uma das piores da história. Concorda?
Embora não tenha participado das outras, não consigo imaginar uma legislatura pior do que essa. Se tiver algo pior é o fim dos tempos.
Como vê a atuação de deputados como o Jair Bolsonaro?
Eu par ticularmente acho que o deputado Eduardo Cunha é mais nocivo à democracia do que o Bolsonaro. Este último faz muito teatro, atua ideologicamente, mas não comanda bancada. O deputado Cunha sim.
A Comissão Nacional da Ver-
dade passou a limpo a repressão no Brasil?
Totalmente não. A Comissão Nacional da Verdade ajudou a parcialmente passar a limpo. Mas, só teria passado a limpo de forma integral se tivesse dado uma resposta quanto ao paradeiro dos desaparecidos políticos. Essa continua sendo a grande incógnita, a resposta que ainda não foi dada aos familiares e à sociedade brasileira.
Acredita que algum dia algum agente da Ditadura será punido?
Eu espero, mas por tudo que tem acontecido desde o fim da Ditadura não tenho porque dizer que tenho esperança nesse sentido. Boa parte dos agentes da repressão já morreu. Infelizmente acho muito difícil isso acontecer.
Por que o senhor tem criticado a atuação do juiz Sérgio Moro na investigação do Lava Jato?
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Eu percebo que o juiz Sérgio Moro atua mais como cruzado do que como magistrado, mais como acusador do que efetivamente um juiz que se equilibra entre a acusação e a defesa. Ele se imbuiu de um sentimento exacerbado de limpar o Brasil da corrupção como numa cruzada. A partir do momento em que ele se coloca numa posição de uma das partes, esse processo vai acabar sendo questionado nas instâncias superiores. Ao agir desta forma, o juiz Sérgio Moro e os rapazes procuradores atentam contra a Constituição, contra direitos e garantias fundamentais. Por isso eu critico e vou continuar criticando.
“Acho a delação algo imoral, eu tenho absoluta ojeriza a delatores”
A delação tem mais força do que a prova?
Claro que não, delação não é prova. Acho a delação algo imoral, eu tenho absoluta ojeriza a delatores. Infelizmente o Estado absorve a imoralidade em termo de provimento legislativo da lei da delação premiada. Ainda assim a lei estabelece requisitos e prescrições de como a delação deve se dar. Uma dela é o sigilo. O juiz Moro e os procuradores da Polícia Federal não têm obedecido ao sigilo já que permitem o vazamento seletivo da investigação jogando lama sobre o nome de pessoas que ainda não foram julgadas e que podem em tese a ser absolvidas.
Acredita que existe uma cam-
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panha orquestra para desestabilizar o governo Dilma?
Existe uma articulação midiática e de segmentos do poder judiciário hostil ao governo e ao seu partido. Isso é patente. Quem lê jornal e assiste TV percebe claramente a parcialidade do noticiário e um tratamento desigual no plano do poder judiciário em relação ao PT e ao PSDB. O mensalão mineiro está até hoje parado e deve prescrever, enquanto o chamado mensalão petista já colocou gente na cadeia num julgamento pautado pela mídia em tempo recorde. O tratamento é ostensivamente desigual.
dos trabalhadores está sendo decisiva para colocar um freio nesse projeto. Tenho esperança de que não seja aprovada.
O senhor concorda ou não que o país está em crise?
Não vejo crise, vejo escândalos fabricados por manchetes de jornais. Todos os países no mundo estão encontrando dificuldades econômicas. O deputado Eduardo Cunha toda hora insufla essa crise, os jornais também. Mas, essa crise não existe.
Como viu o acordo com a China?
Com muito bom olhos. Se o Brasil estivesse nessa crise que anunciam, se não merecesse a confiança das outras nações, esse acordo com a China não aconteceria. Eles vão investir bilhões de dólares no Brasil o que mostra que têm confiança no nosso governo. Acho que esse acordo vai ser um fator impulsionador de nossa economia.
Quais são suas críticas à terceirização?
respondida com mais precisão pela população beneficiada, aquela que até a chegada desse programa não tinha assistência médica. Até a oposição e a imprensa tiveram que calar a boca de suas acusações irresponsáveis em relação ao programa. Até porque os prefeitos e governadores de oposição querem o programa. Os cubanos são essenciais porque têm uma cultura de solidariedade internacional, uma excelente formação médica, sabem tratar a população com carinho e por isso são adorados. São verdadeiros heróis que estão ajudando a levar cidadania aos rincões onde os médicos brasileiros não queriam ir. A iniciativa do PSDB de questionar o programa é irresponsável, com isso ele presta um desserviço ao país. Os tucanos serão julgados pela população nas eleições que virão pelo seu papel deletério e irresponsável que atua como inimigo do país. “Tenho esperança de que a terceirização não seja aprovada”
A terceirização passa no E a questão dos médicos Congresso? Eu tenho esperança de que cubanos?
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Essa pergunta pode ser não passe no Senado. A reação
Porque isso significa o retorno ao período pré-CLT. A terceirização é uma fraude ao contrato de trabalho. A empresa tomadora de serviço, que não é o verdadeiro empregador, normalmente não tem idoneidade financeira, não tem recursos materiais para arcar com os encargos trabalhistas e previdenciários. É uma maneira de fraudar a legislação trabalhista.
Acredita que Lula tem potencial para voltar em 2018?
O presidente Lula em pesquisa recentíssima, em meio da chamada crise política, foi avaliado como o melhor presidente da história do Brasil. Ele é adorado, principalmente pela população mais pobre. Ele sempre terá potencial para se eleger. Com certeza a expectativa do povo pobre e do PT é que ele se candidate em 2018.
Tem alguma utopia?
Embora as utopias no final do século XX tenham sofrido um forte abalo de valores anti-utópicos, eu continuo acreditando na utopia do socialismo, de um mundo melhor com justiça social. De um mundo mais tolerante com as diferenças. Não podemos aceitar que sejamos definitivamente condenados a ser um mundo consumista, intolerante e injusto. Acreditar nas utopias é acreditar na vida.
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O direito contra a direita Leonardo Boff* Prolongando reflexões anteriores, vejo que para tentarmos sair da atual crise (se possível) duas pressuposições devem ser consideradas seriamente. Caso contrário há o risco de perdermos tudo o que tivermos projetado: o colapso da ordem capitalista e os limites intransponíveis da Terra. Naturalmente trata-se de hipóteses, mas creio que fundadas. Primeira pressuposição: o sistema do capital entrou em colapso que significa o seu fim num duplo sentido: fim no sentido de que alcançou seu propósito fundamental: aumentar a acumulação privada até o seu limite extremo. Como constatou Thomas Piketty em seu O capital no século XXI: “Os poucos que estão no topo tendem a apropriar-se de uma grande parcela da riqueza nacional”. Hoje essa tendência não é só nacional, mas global. Os dados variam de ano para ano, mas no fundo se resumem nisso: um grupo cada vez menor detém e controla grande parte da riqueza mundial. Hoje são, segundo dados do respeitado Instituto Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH), 737 atores que controlam cerca de 80% dos fluxos financeiros mundiais. Dentro de pouco serão muito menos. Mas esse fim significa também fim como colapso e desfecho final. A agonia pode se prolongar, pois ele usa de mil estratagemas para se perpetuar, mas a crise é inevitavelmente terminal. O capitalismo alcançou o teto e não consegue ir além; pior ainda, não tem mais nada a nos oferecer, a não ser mais do mesmo que é aquilo que produz a crise: sua ilimitada voracidade. Ocorre que encostou nos limites físicos da Terra; a exaustão dos bens naturais é de tal ordem que não tem mais condições de se autoreproduzir pois precisa deles. Ao forçar a sua lógica interna, pode tornar-se biocida, ecocida e, no limite, geocida. Como não pode mais se autoreproduzir volta-se sobre si mesmo, acumulando com mais e mais fúria, via especulação financeira: dinheiro fazendo dinheiro. O lema continua ser o mesmo, o perverso “greed is good” (a cobiça é boa). Danem-se a humanidade, a natureza e o futuro das próximas gerações. Se no Brasil quisermos sair da crise à base desta lógica, estamos escolhendo o caminho do abismo. Dentro de pouco, todos experimentaremos na carne o sentido da metáfora de Sören Kirkegaard: o palhaço convocou os espectadores a ajudar a apagar o fogo nas cortinas de trás do teatro; todos riam e aplaudiam pois pensavam que era parte do espetáculo. Ninguém atendeu o palhaço até que o fogo queimou o teatro inteiro e todos os que estavam dentro e ainda os arredores. A segunda pressuposição, quase sempre ausente nos analistas econômicos convencionais, é o estado gravemente doentio do planeta Terra. A aceleração produtivista está destruindo, célere, as bases físico-químicas que sustentam a vida, além de gerar uma espantosa erosão da biodiversidade (cerca de cem mil espécies, segundo E. Wilson, desparecem por ano) e o irrefreável aquecimento global, cujos gases de efeito estufa atingiram atualmente os níveis mais elevados desde 800 mil anos. Com a subida de 2 graus Celsius de aquecimento, poderemos ainda gestionar a biosfera. Contudo, se a partir de agora nada fizermos, como asseverou já em 2002 a sociedade científica norte-americana, ainda neste século, podemos conhecer o “aquecimento abrupto”. Este poderá chegar de 4-6 graus Celsius. Sob esta temperatura,
adverte a comunidade científica, as formas de vida conhecidas não irão subsistir e grande parte da humanidade será atingida gravemente com milhões de vítimas. Como sair desse impasse? Talvez ninguém tenha condições de oferecer uma alternativa realmente viável, pois ela possui uma dimensão que vai além do Brasil, pois é global. A nós, intelectuais, cabe refletir, alertar e urgir medidas concretas. É o nosso imperativo ético. Minha bola fosca de cristal me sugere três caminhos: O primeiro, face à gravidade da crise, criar um consenso mínimo, suprapartidário, envolvendo parlamentares progressistas, sindicatos, empresas, a inteligentzia nacional, ONGs, as igrejas e povo na rua, ao redor de um projeto mínimo de Brasil fundado em alguns princípios e valores assumidos por todos (seguramente se exigirá uma reforma política, tributária e pesado investimento na agroecologia). Estimo que a liderança de Lula seria ainda suficientemente forte para encabeçar esta proposta. O Governo de Itamar Franco, pós-crise Collor, poderia servir de referência inspiradora. O segundo, seria constituir uma frente ampla e vigorosa de partidos progressistas, sindicatos e outros grupos e intelectuais progressistas para fazer frente ao forte avanço da direita com suas políticas neoliberais, associadas ao projeto-mundo, liderado pelos países centrais. A direita não tem uma preocupação social consistente, pois ela está interessada no crescimento via PIB que favorece as classes proprietárias e os bancos, deixando os pobres lá onde sempre estiveram, na periferia. Novamente, estimo que a figura mais adequada para costurar esta frente progressista seria Lula. Mas sua condução deveria ser pluralista e não personalista. A convergência na diversidade, não anularia as singularidades dos partidos e dos grupos que possuem sua identidade e sua história. Mas face a um risco geral, devem relativizar o particular em função do universal. O terceiro caminho seria o PT fazer uma rigorosa autocrítica, (até hoje nunca fez) se recompor internamente, reforçar o nexo do poder com os movimentos sociais, politizar o mais rapidamente possível as bases e apresentar-se com uma agenda nova que completaria a primeira cujos itens básicos seriam a infraestrutura em saúde, educação, transporte, a urbanização das favelas, a reforma política, a tributária e a agrária, entre outros itens. Mas vejo que o desgaste do PT a partir de um punhado de traidores e ladrões que envergonharam mais de um milhão de filiados e desmoralizaram o país face a si mesmo e ao mundo, torna frágil, talvez até inócuo este caminho. Por algumas destas saídas se poderá superar a perplexidade, o sentimento de impotência e construir alguma esperança de que ainda temos jeito. Seja como for, o que conta mesmo na superação de qualquer crise é esse tripé, verdadeira Trindade da economia sã que vai além do PIB pequeno ou grande: o emprego, o salário e a promoção social das bases. Isso garantirá a sobrevivência da maioria e criará uma ordem suportável. Seja como for, à direita política que excogita saídas fora da democracia, devemos opor o direito. Não podemos aceitar a quebra do rito democrático, pois a história mostrou que ela não possui um compromisso sério com a democracia; para salvar seus interesses não teme a quebra das regras. Quanto a nós não nos é permitido desistir de buscar o melhor para o nosso país, para além das diferenças e desavenças que possam existir. O bem comum deve prevalecer sobre qualquer outro bem particular. *Teólogo e escritor, publicado no site https://leonardoboff.wordpress.com
O 'Cunha Shopping' é um acinte Emir Sader* Depois de fazer aprovar uma série de iniciativas na Câmara, Eduardo Cunha se sente dono da Casa e capaz de passar qualquer proposta. Já há algum tempo, antes que estivesse envolvido na Lava-Jato, ele tinha decretado a concessão de passagens de avião para as esposas dos deputados. Diante da reação negativa generalizada a mais esse privilegio dos parlamentares, Eduardo Cunha teve que recuar e a suspendeu. Agora ele volta à carta com uma medida ainda mais despropositada: a construção, por um valor calculado de um bilhão de reais, de um shopping center na Câmara de Deputados. A aprovação foi rápida, com a oposição apenas do PT, do PC do B, do Psol e do PDT. Nada mais simbólico do que instalar um shopping-center em um Congresso eleito pelo poder do dinheiro, controlado pelos lobbies dos grandes negócios. O shopping-center é a utopia neoliberal, o resumo de como eles gostariam que fosse a sociedade: só consumidores comprando mercadorias das grandes marcar globalizadas. Um mundo em que tudo é mercadoria, tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra. O shopping-center da Câmara – se chegar a ser instalado, com todas as dúvidas que pairam sobre que se tolere que exista – representa a continuidade, sob a forma de lojas, de grifes, - do toma-cá-dá-lá que impera no Congresso e de que Eduardo Cunho é o grande gerente. Se decide, se vota, de aprova, como quem entra em uma loja de uma grande marca globalizada e se arrematam mercadorias. Se paga com cartões de crédito, se pechincha os preços, se aproveitam liquidações. Eduardo Cunha pretende instaurar uma continuidade linear entre o plenário sob sua presidência e o desfile de marcas e suas ofertas.
O Cunha-shopping é um acinte. É a demonstração de que o presidente da Câmara pretende fazer o que pretenda dessa Casa, rebaixando-a a níveis como nunca haviam sido atingidos, fazendo com que chegue a um nível tal de degradação, de que o próximo passo seria instaurar um cassino, com roleta e tudo. No Shopping desaparece tudo o que é local, substituído pelas marcas globalizadas. No Shopping não se encontram pobres, cidadãos, apenas consumidores com grande poder aquisitivo. Os Shopping não costumam ter janelas, para fechar-se sobre si mesmos, fazendo abstração da sociedade real que fica do lado de fora. O Shopping é todo feito em função da compra e da venda, a circulação por seus espaços é adaptada a isso. O Congresso parece espelhar nos Shopping-Centers o seu funcionamento atual. Atende os grandes interesses econômicos, privilegia o anti-nacional, faz abstração da sociedade real, se fecha sobre si mesmo, sem janelas para o mundo real. Só pretende responder às grandes marcas, às grandes empresas, aos interesses globalizados. Mas entre tantas incertezas sobre o que passará no Congresso, esta é a maior delas. Apesar de aprovada na Câmara, a construção do Shopping-Center ainda vai ter que passar por várias provas. A primeira, a rejeição da opinião pública. Isso aconteceu com as passagens para as esposas dos deputados, sobre o que Eduardo Cunha teve que retroceder. Caso passe por esse primeiro obstáculo, virão os outros: construção, inauguração e aí, caso chegue até esse momento, o maios obstáculo: o funcionamento. Vai ser objeto do repúdio da cidadania, do boicote, dos rolezinhos, das ocupações, das manifestações, até torná-lo inviável. O Cunha-Shopping seria mais um passo no processo de mercantilização do Congresso, de gastos indevidos e acintosos em relação ao momento que vive o pais. Não passará. *Sociólogo, publicado no site Carta Maior (www.cartamaior.com.br)
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O Brasil, a manipulação e a especulação financeira Mauro Santayana* A informação, recentemente divulgada, de que o Real teve sua cotação descaradamente manipulada, por bancos que acabam de ser multados em 5,6 bilhões de dólares por fraude cambial nos Estados Unidos, corrobora aquilo que sempre se afirmou nos meios mais nacionalistas, e que é ridicularizado e tratado como uma fantasia esquerdista pelo público conservador e de extrema direita: A economia brasileira é constantemente pressionada e manipulada, institucionalmente, por parte do chamado sistema financeiro internacional. Dele fazem parte jornais, revistas e outros meios de comunicação “especializados”, sediados em Londres e em Nova Iorque. Veículos “normais”, muitos deles ligados a instituições financeiras, com edições em português e já instalados no Brasil, como o El Pais (que conta entre seus acionistas, com o Santander e o HSBC. E os “analistas” de sempre, as agências de “classificação”, os escritórios de “auditoria”, bancos estrangeiros e mega especuladores de toda ordem. Temos nossas vidas diuturnamente controladas e diretamente influenciadas por um esquema “azeitado”, integrado e estreitamente coordenado em que espertos fazem verdadeiras fortunas, da noite para o dia, manipulando fatores de variação, muitas vezes “cruzados”, da taxa SELIC, da cotação da moeda, do valor das principais commodities brasileiras e das ações de empresas brasileiras no Bovespa e em bolsas do exterior. Muitos podem alegar que não há nada a fazer, já que o que acabamos de descrever não passa de um bem acabado retrato da sociedade capitalista atual, que a cada dia gera novos escândalos, como foi o caso do relacionado ao próprio HSBC, estranhamente “desaparecido” dos meios de comunicação nas últimas semanas, ou da manipulação da taxa LIBOR, que envolveu também bancos agora denunciados
no esquema de manipulação cambial. Mas o mundo já não é bem assim. Há países como a China, em que as autoridades, e a população de modo geral, dormem e acordam literalmente se lixando para o que dizem o Financial Times, a The Economist, o Wall Street Journal, o Miami Herald, e outros que tais. Países em que o estado soberanamente controla a cotação de sua moeda, para que outros não o façam, e que optaram por não atrelar, umbilicalmente, suas economias ao sistema financeiro “ocidental”, com tal
sucesso, que se transformaram, para outras nações, em uma alternativa ao próprio sistema financeiro internacional como se viu pelos acordos assinados na recente visita do primeiro-ministro chinês ao Brasil, há poucos dias. O exemplo chinês mostra, de forma cabal, que a Europa e os EUA devem ser vistos, principalmente, como mercados, e não, como ocorre no Brasil, como matrizes e oráculos da estratégia econômica nacional, já que eles defendem seus próprios interesses, e há em jogo também os interesses particulares dos especuladores, que dominam e controlam as organizações financeiras privadas e os meios de comunicação. Precisamos de menos, e não de mais, dependência
do exterior, e há caminhos para isso, entre eles, o do fundo de reservas e o do Banco dos BRICS. Assim como precisamos de mais pensamento estratégico e de menos, e não de mais, ortodoxia econômica, e de mais, e não de menos, empregos, produção e renda. É importante – mas não a custo de recessão – estender a outros fundamentos da economia a diminuição da dívida líquida pública e a recuperação das reservas internacionais alcançadas nos últimos anos, reservas que se mantêm acima de 370 bilhões de dólares, e fazem, hoje, do Brasil, com todos nossos “problemas”, o terceiro maior credor do tesouro norte-americano. O Brasil é um dos maiores mercados do mundo e a sétima maior economia do planeta. A China, que só cresceu depois que fechou, durante certo tempo, sua economia, para “liberalizá-la” depois, aos poucos, seletiva e estrategicamente - o que continua fazendo até agora dificilmente teria chegado até onde chegou, se tivesse feito o contrário, abrindo de qualquer maneira suas fronteiras às empresas, importações e especuladores estrangeiros, e levado ao pé da letra, como muitas vezes já se fez aqui, as considerações dos editoriais de jornais e revistas ingleses e norte-americanos, dos “analistas” da FOX e da CNN ou os ditames do FMI. A manipulação da moeda brasileira por bancos como Barclays, o Citibank, o JP Morgan, o Royal Bank of Scotland, o UBS e o Bank of America, e os outros esquemas parecidos que, com certeza continuam a ocorrer neste momento, se inserem, como outros fatos recentes – incluída a campanha contra a Petrobras, aqui e no exterior – em um contexto mais amplo. O Brasil precisa escolher entre autonomia e dependência, soberania ou submissão. Como o viajante, diante da esfinge, a grande pergunta que temos que responder ao Século 21 é que país queremos ser e que futuro queremos ter, como Nação. *Jornalista, publicado no site www.maurosantayana.com
Proteste, reclame, mobilize-se Jean Wyllys* A força da grana suja e as tenebrosas transações venceram essa batalha, infelizmente. Apesar de ter sido derrotado, Cunha fez de tudo para conseguir o que queria. Atropelando o regimento interno da Câmara, os acordos feitos publicamente no plenário sobre a pauta de votações e a civilidade política mínima (que desde sua chegada ao Trono não existe mais), o presidente da Casa, que se acha imperador, colocou em votação pela segunda vez o financiamento empresarial de campanha, e dessa vez conseguiu. Um “segundo turno” para reverter o resultado do primeiro, mesmo que isso seja uma aberração institucional, porque já era matéria vencida. E, por incrível que pareça, o placar da votação mudou. Quer dizer, deputados que ontem tinham votado NÃO à constitucionalização da corrupção, hoje votaram SIM. Por que será? Os hipócritas do PSDB e do DEM, que gostam tanto de bater panela “contra os corruptos”, votaram em bloco a favor da corrupção institucionalizada. Porque o que foi aprovado é isso. Financiamento empresarial de partidos significa priva-
tização da política para que as empresas, as corporações econômicas, o poder do dinheiro mande e desmande. Empresa não doa, faz investimento, e recebe em troca muito mais do que investiu. Não é por acaso que 255 dos atuais 513 deputados federais receberam para suas campanhas dinheiro das empreiteiras envolvidas na operação lava-jato. O Congresso deu as costas à população, mais uma vez, em defesa de obscuros interesses. Uma política financiada pelas empresas significa que os planos de saúde doam dinheiro para as campanhas e depois têm as multas do PROCON perdoadas (como já aconteceu) e a saúde pública sucateada para beneficiá-los. Significa que a indústria farmacêutica doa para as campanhas e depois tem remédios caros para o trabalhador. Significa que as empreiteiras doam para as campanhas e depois recebem contratos milionários dos estados federal, estaduais e municipais, com superfaturamento e sem atender aos interesses da população. Significa que as empresas de ônibus e metrô doam para as campanhas e depois a passagem aumenta e o Estado não fiscaliza o péssimo estado desse serviço público. Significa que bancos doam para as campanhas e depois mandam no Ministério da Fazenda e no BC. Significa que as grandes
mineradoras e os pool de soja doam para as campanhas e o Congresso redesenha os códigos florestal e de mineração para atender seus interesses, prejudicando o meio ambiente, as populações locais e as economias regionais. Significa que grandes fazendeiros doam para as campanhas e depois a polícia e o exército os auxiliam para expulsar os índios e os sem terra. Significa que o mercado imobiliário doa para as campanhas e não tem regulação dos alugueis, cada vez mais caros, do seguro-fiança e de outros abusos, e nem políticas de moradia popular. Quem se prejudica com tudo isso é você! O financiamento empresarial da política prejudica sua vida cotidiana, porque quando o Estado serve aos interesses daqueles que pagaram as milionárias campanhas dos candidatos, os interesses do povo ficam relegados. E porque as enormes quantias de dinheiro que eles investem fazem com que seja muito difícil que os candidatos independentes do poder econômico (e, portanto, com campanhas pobres) se elejam. Não deixemos essa aberração contra a democracia passar. A proposta ainda precisa ser aprovada em mais um turno na Câmara dos Deputados e em dois turnos no Senado. Proteste, reclame, mobilize-se, faça barulho, manifeste-se nas redes e nas ruas. Diga não à contra-reforma de Cunha! *Deputado Federal PSOL
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O rato que rugia Ângela Carrato* Outro dia, revi, em vídeo, uma comédia política muito interessante ”O rato que ruge” (The mouse that roared), dirigida pelo inglês Jack Arnold e estrelada pelo inesquecível Peter Sellers. O filme, de 1959, é baseado no livro homônimo do escritor irlandês Leonard Wibberly e faz uma sátira à política internacional da época, marcada pela guerra fria e pelo conservadorismo. Divertimento à parte, não pude, ao longo do filme, deixar de pensar no Brasil atual e em alguns políticos brasileiros, especialmente no presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Impossível não associá-lo à ideia de alguém que se imagina mais poderoso do que é e, a partir de então, se lança em tantas e tamanhas bravatas que rapidamente experimenta a derrota. Pior ainda: cai no ridículo. A presidência da Câmara dos Deputados é um cargo dos mais importantes. É o terceiro na linha da sucessão presidencial no Brasil. Seu ocupante, seja lá quem for, tem poder, mas seu poder não é absoluto e nem está acima do bem e do mal. Eduardo Cunha surfou na onda conservadora que envolveu o país na última campanha eleitoral e, em meio a ela e como parte dela, conseguiu a vitória para a presidência da Câmara. Já durante a sua campanha para a direção da Casa ficava patente como a mídia comercial brasileira, que tem pavor a qualquer avanço social e à perda do monopólio que exerce, o havia transformado em “queridinho”. Além da enorme visibilidade dada às suas ideias e propostas, nada de negativo sobre Eduardo Cunha era mostrado. Como num passe de mágica, a mídia esqueceu-se de seu passado ligado a Fernando Collor, quando não só integrou seu partido, o PRN, como foi coadjuvante de Paulo César Faria na arrecadação de recursos. Esqueceu-se de suas ligações com o controvertido ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, nos tempos em que pertenceu aos quadros do PP e dirigiu a Companhia Estadual de Habitação (Cehab), onde não faltaram denúncias contra sua gestão. O próprio garotinho, em seu blog, chegou a chamar Cunha de “deputado-lobista”, a serviço de setores da energia, telefonia e construção civil. A mídia esqueceu-se, sobretudo, da faceta ultraconservadora de Cunha, o radialista e pregador evangélico que usava seus programas para combater a união estável entre homossexuais, criminalizar pesadamente o aborto (10 anos de cadeia para médicos que ajudassem mulheres a abortar), defender a redução da maioridade penal além de ter entre os seus projetos de lei a criação do Dia do Orgulho Heterossexual. Os cultos que realizou nas dependências da Câmara são talvez os exemplos cabais do desrespeito nutrido por ele em relação à Constituição brasileira que define o estado como laico. O fato de Cunha, com suas propostas e ações, contribuir para um enorme retrocesso político e social no país parece não ter preocupado nem um pouco a mídia e muito menos aos “revoltados”. Para estes dois setores – ou será apenas um? – o importante era e continua sendo derrotar a política desenvolvimentista colocada em prática desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República, em 2003. Cada nova investida conservadora de Cunha, a exemplo de posicionar-se contra a regulação democrática da mídia
e de ser a favor da terceirização em todas as atividades, era saudada pela mídia como positiva e contribuía para aumentar seu poder. Nos bastidores oposicionistas, onde as coisas são ditas sem meias palavras, Cunha era o homem capaz de derrubar Dilma Rousseff e, de quebra, destruir o PT. Nem o fato do nome de Cunha integrar a relação dos parlamentares que estão sendo investigados no âmbito da Operação Lava Jato foi suficiente para reduzir a blindagem que recebia da mídia. O todo poderoso presidente da Câmara dos Deputados parecia fadado a ser o responsável por colocar abaixo os avanços conquistados a duras penas pela população brasileira: legislação trabalhista, igualdade de gênero, o Sistema Único de Saúde (SUS), além de estar prestes a aprovar uma reforma política que interessava apenas ao poder econômico e aos seus prepostos. O rato rugia.
Sua vitória para a presidência da Câmara se deveu, em grande medida, ao fato de ter se colocado como o candidato a dirigir não um Poder, mas um sindicato de deputados. Os chamados integrantes do “baixo clero” vibraram e os adeptos do “terceiro turno” para a eleição presidencial também. Mas nem tudo foram flores. Decisões suas como o pagamento de passagens aéreas, via bolso do contribuinte, para esposas dos parlamentares e a ideia da construção de um shopping center na Câmara foram pessimamente recebidas pela população. Ao derrotar a proposta do “distritão”, defendida com unhas e dentes por Cunha, a maior parte dos deputados sinalizou que não aceita autoritarismos e imposições. Na segunda-feira, 25/05, a comissão da Câmara incumbida de elaborar parecer sobre o tema, encerrava seus trabalhos sem votar o parecer. Para os ingênuos, Cunha estava prestes a ganhar mais uma parada. Mas só para os ingênuos. O placar de 264 votos a favor do “distritão”, 44 menos do que o mínimo necessário para a sua aprovação não deixou dúvidas. O deputado Marcelo Cunha (PMDB-PI), relator da matéria, do alto do seu quinto mandato, desabafou: “me sinto de alma lavada” com a derrota, atribuindo-a ao autoritarismo de Cunha. “Ele estava se sentindo tão poderoso, tão capaz, que estava se dando o direito de agir como se fosse um Deus, que sabe o que todo mundo pensa, que sabe o que está na cabeça de cada um. Deu no que deu”, sentenciou. Dois dias antes, Marcelo Cunha, um parlamentar dos mais respeitados, havia sido ridicularizado pelo presidente da Casa por discordar do “distritão”. Tanto que o trabalho da
Comissão que presidia foi descartado e o projeto de reforma política levado diretamente ao plenário. Criticado por quase todos os cientistas políticos, o “distritão”, se aprovado, iria fragilizar ainda mais os partidos e dificultaria a eleição de representantes das minorias para o Congresso Nacional. Em outras palavras, Eduardo Cunha queria, no fundo, uma regra em que ele e seus iguais se perpetuassem como representantes do povo. Outra quase derrota de Cunha, em se tratando da reforma política, diz respeito ao financiamento das campanhas eleitorais. Já os oposicionistas, Cunha à frente, conseguiram emplacar o fim da reeleição para cargos majoritários, mas tudo isso ainda terá que passar pelo Senado. Na contramão do desejo da grande maioria da sociedade brasileira e do próprio governo federal, ele queria aprovar o financiamento privado de campanhas e constitucionalizar essas doações, temendo o resultado da apreciação do STF sobre a matéria. Como se sabe, o placar no STF estava favorável ao fim do financiamento privado quando o ministro Gilmar Mendes (sempre ele) pediu vistas ao processo. Desde então se passaram nove meses. Cunha achou que podia inclusive conter o STF. O financiamento privado de campanha é visto por analistas políticos e pelo cidadão minimamente politizado como uma das “portas” para a corrupção. Quem disse isso, aliás, foi um dos principais delatores da Lava Jato, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, ao lembrar que as empresas procuram receber o que investiram por meio de contratos. “Não existe almoço grátis”, frisou. O erro de Cunha, como na comédia, foi acreditar que possuía poder muito acima do real. A Câmara não é lugar para ingênuos e muito menos para bobos. Por isso, a arrogância naquela Casa costuma ser fatal. E o troco em tempo real. Ganhar ou perder fazem parte da política, mas a arrogância e a soberba, definitivamente não. O Palácio do Planalto manteve-se discreto. Aos poucos o governo e as forças sociais que o apoiam reagem à maior ofensiva conservadora organizada pela direita brasileira (com os suportes internacionais de sempre) desde o golpe dentro do golpe, em 1968. Uma frente de esquerda começa a ser organizada e a uni-la um manifesto (que já está circulando pela internet) recupera a agenda progressista e convoca a atuação de todos em prol de avanços. Por outro lado, fica cada vez mais difícil para a oposição apresentar-se como moralizadora e paladina no combate à corrupção. Muitas batalhas políticas ainda terão de ser travadas para barrar a ofensiva conservadora, que tem por objetivo desmoralizar a política e o próprio Estado brasileiro com o intento último de submetê-lo à especulação globalizada. Frear esta ofensiva só será possível se os setores progressistas estiverem unidos através de uma pauta realista capaz de enfrentar o poder do dinheiro que corrompe a democracia e em condições de se opor ao monopólio das comunicações. Cunha acreditou no canto da mídia e supervalorizou a si próprio. Foi obrigado a ver que não é bem assim. Aos poucos, por alguns méritos próprios e erros crassos dos adversários, o governo Dilma sai do emparedamento a que foi levado pelas forças conservadoras e volta a respirar. Pelo menos um rato não ruge mais. Bom sinal! *Jornalista e professora da UFMG
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O lixo à espera de remoção Está sendo longa a agonia, embora o corpo já esteja em decomposição há muito tempo. A revista Veja, essa cloaca da imprensa brasileira, tem os dias contados. A Editora Abril, que a edita, vendeu as duas torres em que funcionava na Avenida Paulista, em São Paulo. Acaba de vender as revistas Placar, Contigo, Você S.A., Você RH, Ana Maria, Tititi, Arquitetura e Construção. Antes, havia vendido Aventuras na História, Bons Fluidos, Manequim, Máxima, Minha Casa, Minha Novela, Recreio, Sou+Eu, Vida Simples, Viva Mais. Já fechou as Veja BH e Brasília e as de Rio e São Paulo farão parte da edição normal. Mais de 200 funcionários da empresa foram demitidos e outros terão o mesmo destino, numa tragédia anunciada. O caminhão de lixo está à porta, na espera do último suspiro. José Maria Rabelo, jornalista
Mico Os defensores do impeachment – 23 manifestantes – marcharam pela estrada, de São Paulo a Brasília, por quase um mês. A ideia era arrastar uma multidão pelo caminho que seria recebida apoteoticamente por outra multidão. Os líderes previam que 30 mil manifestantes marchariam pela Esplanada. O tsunami humano teria força para varrer a presidente do Palácio do Planalto. Pois bem, saíram 23 e chegaram 23, que foram recebidos por uns 100 apoiadores. E foi com a incrível força destes 123 (que correspondem a 0,00022% dos 54,5 milhões de votos que ela teve) que eles protocolaram no Congresso o pedido de abertura de processo de impeachment. Juro que não é piada. Márcio Bueno, jornalista
Ovo da Serpente Cada vez que um vagabundo insulta em público alguém do governo (como aconteceu meses atrás com o Guido Mantega num hospital e recentemente num restaurante com o Alexandre Padilha), fica fácil entender por que São Paulo virou um cemitério de elefantes de extrema direita. Primeiro foi o Roberto Freire. Depois o Bolsonaro Filho. Agora é o Roberto Jefferson que ameaça se candidatar a deputado por São Paulo. Muito apropriado, aqui é o ninho onde eles estão chocando o ovo da serpente. Fernando Morais, jornalista e escritor
Q uem
cochicha o
rabo espicha
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Festival de Cinema de Brasília: inscrições abertas
Falar com a mão na boca c o m o , a l é m d e E d u a rd o Cunha, técnicos e jogadores de futebol também fazem, não é só sinal de que se está mentindo. Na mais das vezes, é para que ninguém faça leitura labial inconveniente, desvendando um segredo impublicável... Saudades do filósofo e senador Norberto Bobbio: “A democracia é o regime da transparência e nela não pode haver qualquer segredo”. Um dia, entre nós, há de ser! Chico Alencar, deputado federal - PSOL
Cumprimento Ao contrário dos defensores do latifúndio e do atraso no campo, alguns deles tendo devolvido a Medalha da Inconfidência em protesto à concessão da homenagem a João Pedro Stédile, defensor dos sem terra, enviei ao governador de Minas Fernando Pimentel a seguinte mensagem: Como titular da Medalha da Inconfidência, quero cumprimentá-lo pela concessão da comenda ao sindicalista João Pedro Stédile, que só enaltece a nossa condecoração. Ele é uma personalidade nacional e internacional, devido a sua luta incansável em favor dos trabalhadores rurais sem terra. Parabéns! José Maria Rabelo, jornalista
Femicídio Não O Brasil é um dos países campeões de femicídio, de assassinato de mulheres e violência contra a mulher. Apesar da Lei Maria da Penha, o número ainda é muito grande de violência contra mulher e isso é uma questão cultural. No Brasil, a cada 1 hora e meia uma mulher morre devido à violência masculina, segundo dados do IPEA. Precisamos desconstruir essa cultura de violência contra a mulher! Na Argentina, país com população quase cinco vezes menor, uma mulher morre a cada 30 horas graças à violência de gênero. Ainda que muito abaixo da realidade brasileira, este número ainda é preocupante. E, de tão preocupante, nossos vizinhos lançaram a campanha contra o femicídio, #NiUnaMenos (Nenhuma sequer) que conta inclusive com o apoio de astros internacionais, como o jogador argentino Lionel Messi, e que eu também me orgulho em apoiar. Espero que o êxito da campanha argentina possa também sensibilizar as nossas autoridades para o tema dos direitos sexuais e à erradicação de todas as formas de violência por gênero e por orientação sexual, para que possamos, finalmente, dizer que estamos avançando contra uma realidade quase medieval. Jean Wyllys, deputado federal PSOL
Estão abertas até o dia 5 de julho as inscrições para o 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que acontece entre os dias 15 e 22 de setembro, em Brasília e com atividades em outras cidades do Distrito Federal. O Festival recebe inscrições de curtas, médias ou longas-metragens, concluídos a partir de agosto de 2014 e inéditos no Distrito Federal. Seis longas-metragens (com duração superior a 70 minutos) e doze curtas (com até 15 minutos) e médias-metragens (entre 15 e 70 minutos) serão selecionados para compor a programação das mostras competitivas do evento. Além dos troféus Candango, os filmes selecionados vão disputar um total de R$ 340 mil de premiação em diversas categorias. Inscrições no site http://www. festbrasilia.com.br/ficha-de-inscricao Fonte: Ancine
Carnavália 2015 Iniciativa pioneira no mercado de carnaval, a Carnavália-Sambacon, em sua segunda edição, será realizada de 18 a 20 de junho, no Centro de Convenções SulAmérica, na Cidade Nova. O evento vai reunir a cadeia produtiva da folia em uma feira de negócios (Carnavália) e, em paralelo, realizar o Encontro Nacional do Samba (Sambacon), com debates e palestras sobre temas artísticos, de infraestrutura e modelos de gestão. A expectativa é de geração de negócios em torno de R$ 20 milhões, volume 30% superior aos R$ 14 milhões negociados no ano passado. Fonte: Carnavália
II Simpósio de Responsabilidade Socioambiental A segunda edição do Simpósio de Responsabilidade Socioambiental do JBRJ acontece de 17 a 19 de novembro de 2015, com o tema “Educação inclusiva e Responsabilidade Socioambiental”. Os interessados já podem se inscrever pelo site do evento: http://simposiojbrj.wix.com/jbrj
Frase “Ou construímos escolas ou no futuro teremos um exército de trombadinhas assaltando nas ruas”. Darcy Ribeiro, há 30 anos
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Bauernfest no Palácio do Cristal em Petrópolis A Bauernfest - Festa do Colono Alemão - acontece desde 1989, na cidade de Petrópolis, sendo o segundo maior evento de sua categoria no Brasil ligado à presença germânica. Aos domingos é realizado um grande desfile comemorativo pelas ruas da cidade, com flores, música, dança e alegria. Tem a duração média de dez dias e programação para todos os dias do evento. A festa acontece no entorno do Palácio de Cristal com dezenas de barracas de cervejeiros de Petrópolis e sua produção artesanal. Não tem cobrança de ingressos, é uma festa de rua. Só paga o que consumir. Bauernfest 2015 De 28/06 a 07/07 de 2015 Palácio do Cristal Petrópolis
Rio de Janeiro - Junho / 2015
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Bar do David: o xodó do asfalto Localizado no Morro do Chapéu Mangueira no Leme, o Bar do David acaba de conquistar o terceiro lugar no Comida di Buteco 2015 com o tira-gosto tacos de costela de porco com geleia de abacaxi, pimenta e hortelã. O bar virou xodó do “asfalto” e destaque na mídia. Serve comida e petiscos de qualidade, cerveja gelada, caipirinhas e cachaças. Destaque ainda para a gastronomia: filé de linguado ao molho, feijoada e massas com frutos do mar, feijão tropeiro, camarão ao alho e óleo, bolinhos de camarão, entre outros. Você pode subir a pé, de táxi ou mototaxi com segurança em função da favela ter sido pacificada há alguns anos. É um lugar com cara de boteco onde as mesas ficam na rua. Recentemente ganhou destaque do TripAdvisor. E o melhor: com banheiros limpos ao contrário de muitos bares de riquinhos da Zona Sul. O Bar do David tem preço justo e é uma oportunidade de sentir o espírito carioca. Bar do David Ladeira Ari Barroso, 66 loja 03 Chapéu Mangueira – Leme Rio de Janeiro Informações: 7808-2200 Funcionamento: terça a Domingo, feriados: 08h às 21h
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