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Domingo • 21 de fevereiro de 2010 • Ano I • Número 2

Pré-sal

A Câmara dos Deputados retoma na próxima semana as votações dos projetos de lei que tratam da exploração da camada pré-sal. As negociações para a retomada das votações estão sendo feitas pelo presidente da Câmara, deputado Michel Temer e os líderes partidários. A ideia é concluir a votação dos quatro projetos até o dia 10 de março para encaminhá-los ao Senado Federal. O primeiro projeto a ser apreciado pelos deputados, a partir de terça-feira (23).

Destaques

DESFILE NA SAPUCAÍ

O erro de JK. O expresidente teria sido mais infeliz com a indústria automobilística do que na construção de Brasília.

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A polêmica do trânsito, de novo. Multas irrisórias e impunidade contribuem para o aumento crescente dos acidentes.

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Memória. Histórias do jornalista Marcondes Tedesco, morto em 2001, cheias de lances de realismo e humor.

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Economia

O Estado é mau gestor? Nem sempre É comum ouvir de economistas e cientistas políticos reclamações quanto à ingerência do Estado nas diretrizes econômicas da nação. Alegam que o Estado está (ou é) muito grande que é preciso reduzi-lo a simples instrumento de regulação da economia. O resto ajeita-se por si mesmo. As inúmeras variáveis tendem-se a acomodar no processo de ampla liberdade. Em outras palavras, a intervenção do Estado nas atividades produtivas é desaconselhável, tem ares de socialismo. Em suma, impede a expansão do capitalismo, sob as rédeas do governo. O assunto é polêmico e comporta discussões sem fim, porque envolve política, ideologia e, principalmente, economia. Sem questionar, ou melhor, abstraindo-se de valores que possam ser atribuídos a qualquer sistema ou aparelho ideológico, vale lembrar que o Brasil deu um salto espetacular entre 1950 e 2010. E isso se deveu à iniciativa e participação forte do Estado. Descapitalizada, a iniciativa privada não fez, nem poderia fazer nada nesse período. Somente depois que os diversos governos abriram grandes frentes de trabalho é que surgiram os mega-empresários, capitalizando-se logicamente com o dinheiro recebido dos governos. Tudo isso em meio a um cerrado tiroteio de corrupção, fundada ou infundada. Vamos listar alguns exemplos: Em 1950, o Brasil não tinha rodovias, automóveis, energia elétrica, sistema de saúde, aço, petróleo, universidades, asfalto,

indústria naval, comunicação, etc. Nesse período, - 60 anos – transformou-se de simples exportador de café em um dos países mais importantes do mundo. Autosuficiente em petróleo, exportador de automóveis, aço e manufaturados. Esta citação

Vamos listar alguns exemplos: Em 1950, o Brasil não tinha rodovias, automóveis, energia elétrica, sistema de saúde, aço, petróleo, universidades, asfalto, indústria naval, comunicação é um pálido exemplo do que é o Brasil de hoje, face ao atraso de sessenta anos atrás. De uma certa maneira, todos os governos do período investiram em infraestrutura, até mesmo o dos militares. Agora, onde estava o dedo da iniciativa privada aí? A luta para criar a Petrobras (1953) foi o estopim da crise que levou ao suicídio Getúlio Vargas. Em 1950, o Brasil produzia 500 mil

toneladas de aço. Hoje produz 100 vezes mais. As melhores universidades do país são as da rede pública, que ensinam gratuitamente. A terceira ou quarta maior fábrica de aviões do mundo é a Embraer, criada pelo Estado. A primeira siderúrgica do país – CSN - foi construída por um ditador. No governo de Fernando Henrique foi criado o PROER para “socorrer” bancos falidos. A propósito, essa iniciativa produziu uma das mais engraçadas e cruéis piadas do anedotário nacional. Diz-se que o terceiro melhor negócio do mundo é um banco mal administrado; o segundo melhor negócio do mundo é um banco bem administrado; e o primeiro melhor negócio do mundo seria um banco quebrado. Na crise devastadora desencadeada pela quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, o governo americano escancarou as portas do cofre e criou frentes de trabalho para combater o desemprego e recuperar a economia. Foram investidos 60 bilhões de dólares nessa ação para tirar o país do caos. Corrigido, esse valor hoje equivale a dois trilhões de dólares. Os bancos que fomentam hoje o desenvolvimento do Brasil também são do governo. Quando se exportam produtos brasileiros é com aval ou empréstimo dos bancos estatais. É. Pelo visto, os liberais ou neo-liberais atribuem ao Estado uma culpa que não é totalmente sua (WR).

Desta vez, o que destoou foi o sensacional espetáculo desenvolvido na passarela do samba pela Unidos da Tijuca

CARNAVAL ELETRÔNICO Na opinião e no gosto de muita gente Carnaval é samba no pé. De fato, continuam inesquecíveis os desfiles das grandes sociedades antes do advento de sua industrialização. É claro que com o interesse e a necessidade de se ganhar dinheiro, qualquer evento tem que ser lucrativo. O Carnaval perdeu muito de sua identidade com o povo brasileiro. Estão longe os tempos em que marchinhas e sambas, confetes e serpentinas, pierrôs e colombinas tornavam a chamada festa momesca três dias de beijos, abraços e confraternizações. Se você perguntar hoje, agora, neste momento qual a música que despertou seu maior interesse e que você achou mais bonita você não é capaz de saber responder, porque ficou tudo pasteurizado. Faça um teipe de um desfile da Marquês de Sapucaí, guarde-o num baú, e cinco anos depois faça uma comparação: o ei-iêiê, ai-iá-iá tem o mesmo zumbido. Na falta de imaginação para construção de músicas do agrado geral, as escolas partem

para a parafernália eletrônica. Os sambas-enredo são pouco inspirados e, comumente, buscam temas que não traduzem com fidelidade fatos de repercussão nacional. Mas, já se sabe que isso acontece porque, para satisfazer grupinhos ligados a “entidades” pouco recomendáveis vários são os seus “compositores”. Desta vez, o que destoou foi o sensacional espetáculo desenvolvido na passarela do samba pela Unidos da Tijuca. Desde que o Carnaval se tornou “moderno” nunca se viu um show tão maravilhoso quanto ao dos vencedores deste ano. Misturando criatividade com tecnologia, a Unidos levou ao delírio uma plateia antes habituada à mesmice. A sua Comissão de Frente e o quesito Porta-Bandeira e Mestre-Sala, por si só, foram empolgantes. A qualidade do espetáculo foi tão acentuada que deixou para trás a visão eletrônica que era o objetivo principal da escola. Foi um espetáculo digno de ser mostrado para turistas estrangeiros. Este, sim, valeu a pena!


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Mosaico

Setor metalmecânico

Incluir as indústrias do Pólo Metalmecânico do Vale do Aço no bilionário mercado da indústria naval e offshore brasileiro. Com esse objetivo, o Centro Integrado Sesi/Senai, em Ipatinga, recebe no dia 23 de fevereiro, a partir das 8h, o “Encontro de Desenvolvimento de Fornecedores de Navipeças do Vale do Aço”, promovido pelo Sindimiva e Sinaval, com apoio da PMI e Fiemg.

O Homem de O Brasil continua pitando-mais US$ 100 bilhões Eike Batista, filho do ex-ministro Eliezer Batista e nascido em Governador Valadares, tornou-se celebridade

nacional ao casar-se com a modelo Luma de Oliveira. Houve separação, e a ex-mulher recebe uma pensãozinha de 250

Eike Batista tem 8 bilhões de dólares, mas quer chegar a 100

Petróleo As atuais reservas de petróleo do Brasil bateram na casa dos 15 bilhões de barris. Mas o presidente da Petrobras disse que esse número é “conservador”, isto é, considerado por baixo. Prevê-se aumento das reservas para

Vida Útil

35 bilhões de barris com a exploração do Pré-Sal. É óleo para o país queimar durante 40 anos. Contra o argumento de que o Brasil aumentará seu consumo neste período, na outra ponta está a produção do Biodiesel

mil reais por mês. Mas, a estrela de Eike brilha mais que o brilho da ex-modelo. Ele é hoje o homem mais rico do Brasil (US$ 8 bilhões) segundo a revista Forbes. Aos 52 anos de idade, o bilionário declarou a uma rede de TV americana que em dez anos pretende acumular US$ 100 bilhões. O entrevistador ficou espantado e admirou-se: “então, o senhor será o homem mais rico do mundo. Bill Gates só tem US$ 40 bilhões!” Com a proverbial tranqüilidade mineira, Eike discordou: mas quando eu chegar lá, Bill já terá US$ 150 bilhões!

Balanço analítico publicado pela Souza Cruz mostra receita líquida de vendas e os tributos pagos ao governo no exercício de 2009. A fabricante de veneno que mata lentamente (ninguém tem pressa de morrer) deu ênfase ao pagamento dos impostos e reduziu o tamanho das letras que indicavam o lucro líquido. Veja o demonstrativo abaixo.

Receita líquida de vendas (em milhões de reais):

(etanol) de que o país é líder mundial. Parece que o tal “país do futuro” está dando as caras. Getúlio Vargas, JK, Itamar Franco, FHC e, sobretudo, Lula são os grandes artífices dessa arrancada.

2005

2006

2007

2008

2009

3.727.0

4.241.0

4.846.7

5.300.8

5.792.7

Vocabulário comercial

Inglês Long term Marketing resarch Marketing tend Menger Mint News Warrant Profit Lost Maneger

Português Longo Prazo Pesquisa de Mercado Tendência de Mercado Fusão Casa de moeda Notícias Garantia Lucro Perda Gerente

Lucro Líquido: um bilhão, quatrocentos e oitenta e quatro mil e novecentos reais.

Impostos pagos ao governo 2005

2006

2007

2008

2009

4.238.0

4.458.5

5.111.3

5.748.8

6.328.6

O governo recebeu no período citado 26 bilhões de reais. Contra-senso: o Ministério da Saúde informou que os gastos para combater as doenças provocadas pelo cigarro totalizaram 28 bilhões, seiscentos e cinqüenta milhões de reais.


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Política e Negócios

Supremo publica súmula sobre cobrança do ISS

Reivindicação de advogados tributaristas para a edição de uma súmula vinculante que tratasse da não incidência de ISS sobre locação de bens móveis foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.

Onde mais se compra em Ipatinga A Avenida 28 de Abril pode transformar-se numa 25 de Março. Não é que se isso acontecer signifique seu desaparecimento do mapa de negócios. E quando se fala em 25 de Março nada há de depreciativo, está-se referindo à famosa rua da capital paulista, uma espécie de bazar ou um gigantesco camelódromo. Considerada como berço das atividades comerciais de Ipatinga, a Avenida 28 de Abril está arquitetonicamente feia, mal arrumada, com a cara cheia de rugas e pior ainda, tornando-se intransitável, conforme a hora do dia. Com um shopping bem confortável, onde se pode comprar praticamente de tudo, à sombra, e outros bairros em franco desenvolvimento, aumentam as opções de escolha do consumidor.

Os ‘Geraldos’ Nascimento e Hilário protagonizaram um senta-levanta no último mandato: ao final, o segundo provou que estava certo; e quem paga o prejuízo?

Justiça eleitoral Avenida 28 de Abril está perdendo espaço para expansão do comércio em alguns bairros

O bairro Cidade Nobre, por exemplo, que é o centro geográfico do município, está se tornando a cada dia o ponto preferido das pessoas de maior poder aquisitivo. Há tempos, houve um projeto muito bem bolado para tornar o pri-

meiro “centro” comercial da cidade num polo catalisador de negócios, administrações, políticas públicas, enfim, irradiador de crescimento para a “periferia”. Atualmente, a 28 de Abril ficou para trás. Alguém vai se mexer?

Dilma melhora o discurso Para aumentar o nível de competitividade da economia brasileira e transformar o país em uma “sociedade do conhecimento”, o próximo governo precisará de investimentos maciços em educação, infra-estrutura e ciência e tecnologia. Essa foi a essência do discurso que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, fez no IV Congresso Nacional do PT, no lançamento oficial de sua candidatura à Presidência. O discurso foi um resumo do programa de governo votado pelos delegados do

partido. Ainda bem que a ministra fala em ciência e educação, pontos fundamentais de qualquer programa de desenvolvimento de governo. Educação,

em sentido amplo, é o de que um povo precisa para se tornarem cidadãos conscientes de sua responsabilidade e participação ativa na vida de um país.

Dilma Rousseff, agora candidata oficial do PT

Dois municípios do Vale do Aço pagaram e pagam um preço muito elevado pela maneira como funciona a Justiça Eleitoral, principalmente, a de segunda e terceira instâncias (TRE e TSE). No mandato eletivo de 2005 a 2008, a Prefeitura Municipal de Timóteo viveu um período de instabilidade institucional que, além de provocar danos à população, contribuiu para que ela se tornasse cética quanto ao valor das leis do país, principalmente as que regem o sistema eleitoral. Criadas a cada período de eleições, aumentam as dificuldades para sua interpretação, uma vez que são editadas a poucos meses de cada pleito. Em Timóteo o senta-levanta se repetiu

com tal intensidade que a população local resolveu tratar o assunto com espírito de galhofa: - Alô! Qual é o prefeito do dia? Geraldo Nascimento e Geraldo Hilário trocaram de lugar várias vezes nesse período, o que trouxe interrupção de programas e projetos municipais, mudanças em escalões de segunda e terceira categorias da prefeitura. Mas, há uma pergunta que ninguém ainda fez e para a qual parece não haver resposta muito fácil. Quem terminou o mandato foi o prefeito Geraldo Hilário. Ora, fatalmente, o período anterior deveria lhe pertencer por direito. É evidente que se o problema for encarado do ponto de vista econô-

mico, alguém teria que pagar ao prefeito Hilário os salários ou vencimentos daquele período, porque lhe tiraram o direito de exercer um cargo que no final provou ser seu. Mas o mais engraçado nessa história de senta-levanta aconteceu no ano passado em Timóteo (outra vez) e João Monlevade. Os respectivos prefeitos foram cassados e voltaram ao poder 24 horas depois. Até hoje suas excelências togadas e doutoradas não se dignaram a explicar ao povo essa lambança. Mas o pior aconteceu em Ipatinga. Mandaram suspender um pleito eleitoral em pleno andamento, com vários candidatos na disputa. E ficou por isso mesmo.

Justiça – horas extras O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que as horas extras não podem ser impostas na celebração do contrato. Por maioria de votos, o TST rejeitou o recurso de uma empresa brasileira contra a condenação de pagar com hora normal de jornada as horas extras pré-contratadas no ato de admissão do

trabalhador. O relator dos embargos, ministro Aloysio Correa da Veiga, defendeu a tese de que a pré-contratação de horas extras é ilegítima, justamente porque descaracteriza a natureza extraordinária da prorrogação da jornada normal de trabalho. Quando esse tipo de contrato acontece, afirmou o relator, deve

ser considerado nulo. O caso envolve um ajudante de caminhão, que alegou que vendia botijões de gás para a empresa e assinou acordo de prorrogação de jornada de duas horas extraordinárias por dia. Pediu a declaração de nulidade desse ajuste contratual, e por conseqüência as diferenças salariais daí decorrentes.


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Carta do leitor A POLÊMICA DO TRÂNSITO

Multas irrisórias e impunidade Carta do leitor:

“Ao ler a matéria “O caos Anunciado”, publicada em 07/02/2010, fiquei e estou indignado ao ser chamado de irresponsável, assassino ou suicida por fazer parte dos “mais ou menos trinta mil” condutores de veículo de duas rodas que circulam por está cidade. Devo lembrar a quem escreveu esta matéria e não assinou, que dentre estes “mais ou menos trinta mil” existem muitos assinantes e apreciadores deste jornal, jovens, trabalhadores (inclusive entregadores e funcionários deste mesmo jornal), pais de famílias que aqui votam, pagam seus impostos e contribuem para o crescimento sócio, econômico e cultural desta cidade. Utilizam os veículos de duas rodas citados nesta matéria com muita responsabilidade e que não querem suicidar nem tirar a vida de ninguém. Usam estes por economia ou para trabalhar e sustentar suas famílias como policiais, mototaxista, entregadores e outros mais. Reconheço a imprudência de alguns condutores de veículos de duas, quatro e mais rodas e o caos que iremos enfrentar se as autoridades, educadores, pais e veículos de comunicação (como este jornal) não se unirem para resolver este problema que se agrava a cada dia. Obs. Talvez seja mais eficaz sugerir projetos aos órgãos de tráfego urbano que chamar os motoristas de ignorantes ou sugerir que os mesmos não comprem “caminhonetas de cabine dupla”. Ass. Renato da Silva Renato, Nesse caso, a razão é sua. Pelo que escreveu, você dirige com responsabilidade. Há muito profissional sério em qualquer atividade. Mas a maioria não o é. O índice de acidentes envolvendo carros e motos no Brasil é assustador. E não ponham a culpa em cima das estradas ruins, porque quanto melhor a estrada (como a via Dutra) mais morrem pessoas. Em São Paulo, na capital, morrem 1000 pessoas por mês (motociclistas). Os acidentes de carros nas BR’s e nas MG’s ocorrem sempre nas ultrapassagens. Caminhões se julgam donos das estradas. Automóveis conduzidos por motoristas com a “cara cheia”, inabilitados ou imprudentes, matam famílias inteiras. É proibido dirigir e falar ao telefone ao mesmo tempo. Entretanto, nas ruas e nas estradas você sempre cruza com um engraçadinho com uma mão no volante e outra no celular. E dados estatísticos indicam que o risco de acidentes aumenta 37% quando alguém dirige e fala ao celular ao mesmo tempo. Quem trafega no perímetro urbano de automóveis tem, pela lei, limite de 60km/hora. E qual é o limite de velocidade de um mo-

toqueiro? 100, 120, 150km/hora? Nos sinais eletrônicos de trânsito as motos não esperam o sinal verde para atravessarem. No Brasil, adiantam pouco ou nada campanhas educativas. O brasileiro não tem educação. Programas de ensino e professores confundem ENSINO com EDUCAÇÃO. Ensinar é simplesmente entupir a cachola de uma pessoa para um fim específico. Por exemplo: preparar para cursinhos. Educar é outra coisa completamente diferente. É formar cidadãos para cuidar de si, respeitar os limites do outro ter ética e estar atento a não degradação do meio que habita. Forma-se assim uma ação em cadeia no fim da qual tem-se uma nação, uma comunidade. Brasileiro joga lixo na rua, faz xixi em portões de casas residenciais à noite, dá gargalhadas escandalosas e arrota em restaurantes lotados, fala gritando ao celular. Os tais adolescentes, protegidos por uma lei estúpida, cruzam de bicicleta à sua frente e ainda mandam você tomar naquele lugar! O problema do trânsito só será resolvido, ou pelo menos atenuado, quando o infrator for pesadamente multado no momento em que cometer o delito. Teria que pagar o

Acidentes de trânsito violentos fazem parte do cotidiano: mudar essa realidade será um caminho árduo

valor da multa na hora ou então ter seu veículo recolhido até a quitação do débito. Mexeu no bolso, muda tudo. Veja como campeia a impunidade no país. O brasileiro já nasce com direito de matar pelo menos uma pessoa, nos seguintes casos: - se for réu primário e tiver “bons antecedentes” não vai para a cadeia - se cometer atropelamento e matar também não vai. Dizem que é crime “culposo”, isto é, o cara do volante não tinha a intenção de matar. Boa essa, não? O sujeito enche a cara, enfia o pé no acelerador e não tinha intenção de matar? É melhor dizer que, nessas condições, o motorista só não sabia quem iria matar, o que a meu ver fato que só agrava a pena. Vamos encerrar este assunto com um exemplo concreto. Há alguns anos, um “bem nascido” em Coronel Fabriciano, montado num BMW, avançou o sinal em Melo Viana e espatifou duas criancinhas. O criminoso continua gozando de liberdade e certamente rindo da Justiça, das vítimas e seus parentes. Veja o que o leitor Ronaldo Gomes Barbosa – bairro Dona Clara, Belo Horizonte – escreveu para o

jornal O TEMPO, edição de 7 deste mês: “Órgãos de fiscalização do trânsito deveriam ficar mais atentos em relação a alguns motoqueiros: muitos deles praticam diversas irregularidades, como parar na faixa de pedestres. Ultrapassar a faixa de segurança é quase uma regra. Em vez de ficarem atentos à sinalização dos veículos, prestam atenção no sinal de pedestre. Ao ver que começa a piscar a luz vermelha, indicando que o sinal vai fechar para o pedestre, o motoqueiro age como se aquele fosse o sinal verde para ele, arrancando com a moto, o que coloca em risco a vida dos transeuntes. É estressante para o pedestre que atravessa a rua ser acossado pelo barulho da moto, cujo acelerador é acionado pelo motoqueiro, sem necessidade, causando ansiedade e medo. Além de fiscalização mais incisiva, campanhas educativas específicas talvez ajudem a dar maior segurança aos cidadãos.” Nota do Redator: Não adianta gastar dinheiro com papel, Renato. As medidas têm que ser mais drásticas. Na Alemanha, por exemplo, quem comete uma falta por menor que seja no trânsito, ou paga pesada multa ou vai para o xilindró.


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Nacional

Mudança de posição

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, sinalizou esta semana que “os novos acontecimentos em Honduras podem levar o governo do Brasil a rever sua posição em relação ao país caribenho”. Desde o golpe de Estado, em junho do ano passado, o governo brasileiro considerou ilegítimas as eleições, realizadas em junho, e que deram a vitória a Porfirio Lobo. Sem saída, só resta ao governo brasileiro acompanhar a comunidade internacional.

O problema do ex-presidente teria sido a Indústria Automobilística e não a construção de Brasília

O erro de JK A indústria automo- o poder e os canhões nas bilística no Brasil come- mãos ficaram livres para çou, de fato, em 1960, maximizar o erro de JK no governo de JK. A e a inoportunidade da que existia antes dele era obra. Embora vários praticamente artesanal. generais ocupassem a O país vivia período de cadeira do presidente da euforia nacionalista, que República sem o desgasse acentuou com a “bri- te de submeter-se à aproga” entre o governo e vação do povo. A verdade é que Brao FMI. Juscelino pediu um empréstimo de 1 bi- sília está aí, com seus erlhão de dólares para “to- ros e acertos. Sua grande car as obras de Brasília”. contribuição para o deOs americanos toparam senvolvimento do país a concessão do dinheiro é interiorizar o desenIncorpomas fizeram uma exigên- volvimento. cia pauliana. Queriam o rou os estados de Mato direito de explorar o pe- Grosso do Sul e Goiás à tróleo brasileiro, pratica- região Sudeste e passou mente o que substituiria a crescer com ela. Grana Petrobras Outra cantilena de parte da população criada em dos inimigos concentrada 1953. JK de Brasília é no litoral rompeu redo país deilações com baseada na xou as areias o FMI, e o crença de que quentes das “ o rg u l h o ” a corrupção praias e a dos brasique assola o delícia da leiros ficou água de coco ainda mais Brasil ficou plantar verde e amacentralizada lá e para soja e cana relo. O país acionou as com mais poder. no oeste do país. máquinas Pode ser. Outra da Casa da Moeda para fabricar di- cantilena dos inimigos nheiro sem lastro. É sa- de Brasília é baseada na bido que em semelhante crença de que a corrupcaso a espiral inflacioná- ção que assola o Brasil ria tende a bater no pon- ficou centralizada lá e com mais poder. Pode to mais alto da curva. Sob fogo cerrado da ser. Mas as informações oposição, Brasília foi do que acontece na Cainaugurada em 21 de pital Federal se irradiam abril de 1960, com pom- com tanta freqüência e intensidade graças ao pa e circunstância. Os udenistas (União interesse de jornalistas, Democrática Nacional) lobistas, altos funcionálutavam há vários anos rios, os quais gostariam para chegar ao poder. de trabalhar à beira do Aristocrática e conserva- mar. Brasília é um deserdora como pretende ser to nos fins-de-semanas a atual Oposição brasi- e nos feriados. Dizem leira, acabaram chegan- até que isso é contra os do lá via golpe militar de interesses dos crimes or1964. Os militares com ganizados porque faltam

entre Belo Horizonte e Porto Alegre. Qual seria o custo?

O então presidente JK, no início da construção de Brasília: projeto desenvolvimentista que esbarrou nos interesses americanos

bandidos e mocinhos construir mais 11 mil para assaltar o caixa da quilômetros de trilhos até 2015. Com um terviúva. Um grande erro, sim, ritório praticamente do teria sido a prioridade mesmo tamanho do dos dada ao sistema de trans- americanos chegaríamos a apenas à porte rodoviOs Estados nona parte ário em deUnidos da da rede detrimento das les. vias férreas e América Aí, vem hidrovias. Os possuem 450 o contra-arEstados Unimil quilômetros gumento. dos da América possuem de ferrovias e A indústria 450 mil qui- incontáveis vias automobilômetros de de transporte lística traz a reboque ferrovias e inaquático. O de si micontáveis vias Brasil tem lhares de de transporte aquático. O somente 39 mil empregos Brasil tem quilômetros de nas fábricas de autosomente 39 ferrovia peças, nos mil quilômetros de ferrovia. Agora o consertos e remendos de governo brasileiro anun- estradas. Mas o pessoal ciou o investimento de que estaria consertando 15 milhões de reais para estradas mal construídas

poderia estar plantando tomate ou batata. Consertar obra paga e mal feita seria o mesmo que o governo mandasse dinamitar pontes para reconstruí-las e dar empregos... O transporte ferroviário é indiscutivelmente mais barato que o rodoviário. Poupa combustível, mão-de-obra e transporta mais volume e peso que carretas consumindo óleo pelas estradas sinuosas do país. Uma boa rede ferroviária tiraria de circulação milhares de automóveis e caminhões e pouparia milhares de vida. O índice de acidentes ferroviários é praticamente nulo. Imaginem uma carreta transportando uma bobina de aço de doze toneladas,

EUA NO CAMINHO Quem melhor pode explicar isso é o senador Eliseu Resende. Considerado um mini-gênio em Cálculo, Resende, filho de um fotógrafo lambelambe de Oliveira (oeste de Minas), teve a sorte de tornar-se engenheiro numa conceituada universidade norte-americana. Começou nessa época suas relações com órgãos de financiamento externo para construção de rodovias na América Latina. Os americanos, então os maiores fabricantes de automóvel do mundo, precisavam rasgar estradas, sem as quais ficariam sem mercado externo. Quem iria comprar automóveis sem estradas no Brasil. Esta, a razão por que era difícil conseguir financiamento externo para construir ferrovias. Elizeu montou escritório de intermediação para “facilitar” a aprovação de projetos de empréstimo ao Brasil. A imprensa da época noticiava que qualquer operação dessa natureza “teria que passar por Resende”. Hoje, o Brasil é o país dos automóveis. Somente dentro da capital paulista (onze milhões de habitantes) existem seis milhões deles. Se se considerar a Grande São Paulo - 20 milhões de habitantes – pelo menos metade desse povo está buzinando no seu ouvido! Mas, não se espante. As cidades de porte médio do país já se tornam intransitáveis. (WR)


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Memória

Meu tipo inesquecível Marcondes Tedesco morreu no dia 15 de maio de 2001. Nasceu numa favela no bairro do Catete, no Rio de Janeiro. Filho de pai argentino e de mãe mineira. Muito pobre, fez tudo que um menino faz na infância para sobreviver, inclusive tirar a carne das marmitas que sua mãe fazia pra ele vender no cais do porto. Marcondes Tedesco, José Lewgoy (ator, já falecido) e Silvio Santos fre-

qüentavam o Largo do Machado nas noites de fim de semana. O destino de Silvio Santos – Senior Abravanel – todos já conhecem. Ainda novo, Tedesco mudou-se para Belo Horizonte e, sem nenhum estudo regular, fez testes para publicitário na internacional Mac Erikson e foi aprovado. Instável, irriquieto, deixou o emprego cinco anos depois. Foi parar em Governador Valadares onde

O ex-prefeito Bonifácio Mourão, Ivanor Tassis e o casal Suzete e Tedesco

iniciou carreira de jornalista. Fez sucesso com o Diário do Rio Doce. Em 1978 veio para a “Baixada”, nome que se dava à região à época, e fundou o Diário do Aço. Como todo sonhador, Tedesco padecia de incurável falta de tino administrativo. Já em Ipatinga, dois anos depois, o Diário do Aço começou a fazer água. As despesas cresciam e as receitas diminuíam. “Essa merda nunca empata”, estava sempre reclamando. No dia 21 de janeiro de 1981 comecei a trabalhar no Diário do Aço “convidado” pelo flamenguista mais chato que eu conheci até hoje. Formamos uma trinca: ele, eu e Parajara dos Santos. Em questão de miséria, era um trio respeitável... Perguntei à dupla quanto teria que pagar pela minha participação

– 33% . - Nada. Nós temos uma baita dívida pra pagar. Uns sessenta milhões! E não tem nem papel pra hoje. O que você tem a fazer é começar a trabalhar logo. Para encurtar a conversa, em um ano as dívidas foram pagas e o jornal encontrou seu ponto de equilíbrio econômicofinanceiro. Aí, os dois ensengaram para retornar a Valadares. Estavam malucos pra jogar conversa fora na Esquina do Boi. Comprei os 67% dos dois em doze prestações. Na hora de assinar os papéis Tedesco apareceu de camisa do Flamengo e chuteiras vermelhas. Paguei, na hora, a primeira prestação (dinheiro que tomei emprestado do antigo Banco Nacional). Na noite do mesmo dia, fui à casa dele – rua Chi-

Tedesco, a filha Fernanda, Ten-Coronel Francisco Xavier e a esposa Lana Xavier

le, Cariru – e o encontrei sentado no chão brincando com um Autorama, coqueluche da época. Diante do meu espanto, Tedesco tentou justificar-se: era o sonho do Lúcio, meu filho. Paguei 80 mil cruzeiros por ele e o abraçou carinhosamente. Tedesco me ligou de Valadares, três ou quatro meses depois, me convidando para ir à Argenti-

na.

- Tenho um irmão lá há 40 anos. Só sei que mora em Buenos Aires, mais nada. Vou de kombi. Eu, Suzete, Lúcio, Paulinho, Juliana, Fernanda, Sô Afonso e Dona Isabel (sogros). - Vou, também. Havia comprado um corcel zerinho do Mário Yolete – Brasauto, Coronel Fabriciano.

A viagem – janeiro de 1982 A Argentina vivia o mesmo inferno que queimava o Brasil. Os milicos de lá torturavam, matavam e jogavam los hermanos vivos de avião no Rio da Prata. Quando atravessamos la aduana, em Uruguaiana, era só puliça com metralhadoras embicadas. Tedesco viajava numa kombi em avançado estado de uso. Na primeira abordagem em território argentino, cinco puliça apontavam as metralhadoras com o dedo no gatilho. Eu observava de longe, rezando pela sorte do amigo. Como ensina a psicologia, nos regimes de exceção onde impera o terror, os dedos dos guardas de la pátria coçam de satisfação ante a possibilidade de disparar e fazer sangue. Poucos minutos depois os puliça foram embora. Perguntei para o Tedesco, alto, narigudo: “cumé que ocê saiu dessa?” - Falei com cara de brabo:

tira essa porra daqui! Não estão vendo aqui dentro mulheres, velhos e crianças? Uma noite a gente entrou numa pequena cidade chamada San José. Uma filha do Tedesco menstruou: ai que sangueira, reclamou a moça sentindo-se desconfortável numa kombi entupida de gente. Seu pai bateu na porta de uma farmácia. Abriram a porta, e Tedesco perguntou: -Osted tiene el panoelito blanco para la perseguida? E o da farmácia respondeu: - Fala em Português, seu babaca. Eu sou brasileiro de Governador Valadares... Os beijos e abraços foram inevitáveis e demorados. Quando já entrava na kombi ouviu o grito do conterrâneo: - Olha aqui conterra. Acá no és la perseguida e si la oferecida.

Em Buenos Aires Tedesco pegou o catálogo de telefones e fez umas 50 ligações. O nome Tedesco é de origem alemã. Embora Buenos Aires seja habitada por italianos, alemães, espanhóis e alguns índios, achar um Tedesco-parente com apenas dois nomes seria mais difícil que George Bush ir para o reino dos céus. Excelente piadista, Tedesco contou pelo menos uma bem engraçada. Quando jogava pelada com amigos em Valadares, seu médico proctologista era um ótimo atacante, mas Tedesco era melhor defensor. Puto da vida, o doutor ameaçou Tedesco: - Se você não facilitar as coisas aí pra mim, na próxima consulta vou enfiar dois dedos de uma vez só. O time do médico enfiou uma goleada. A última cena digna de registro que testemunhei, foi no quintal de sua casa. Nunca

pedi licença para entrar nela. Um dia, desses em que Valadares “assa” a gente, encontrei Tedesco e o médico Carlos Vieira sentados, de costas um para o outro, dentro de um prisma de cantoneiras, em atitude de “contemplação” e absoluto silêncio. Perguntei: o que esses dois babacas estão fazendo ali dentro? - Eles dizem que estão se energizando. E é possível. Com quarenta graus de calor vão sair de lá torrados, respondeu Suzete, acrescentando que quanto ao resto não tem importância: estão de costas um pro outro. No dia 15 de maio de 2001, eu voltava de Belo Horizonte. Nas proximidades de Antônio Dias, o locutor da rádio anunciou em voz baixa “lamentamos informar o falecimento do grande jornalista...” Imediatamente, presumi que era Tedesco, quando se falou em “grande jornalista”.

Minha mulher, grande amiga dele, desmanchou-se em lágrimas. Fomos direto para a capela-velório de Governador Valadares. Coincidentemente, a “patroa” trajava vestido preto. E Suzete, a viúva, muito contida, trajava branco. As pessoas iam chegando, abraçando e cumprimentando minha mulher. Tive um princípio de pânico. Será que o defunto sou eu? Meio perdido, recebi atenção do tenente-coronel Francisco Xavier, velho conhecido meu e compadre do Tedesco. Você está vivo. Tedesco também. A qualquer hora, ele levanta daquele caixão e dá uma “banana” pra gente. - Sai daqui seu bando de idiotas! Ninguém saiu. Tedesco foi enterrado e com ele meu “tipo inesquecível”. Foi uma péssima piada. A última que ele não pode contar.


Domingo • 21 de fevereiro de 2010 •VALE ECONÔMICO • Página 7

Literatolice

Vidas Mal Traçadas – Capítulo II Cheguei numa segunda-feira, bem cedo. Uma chuvinha de “molhar bobo” insistia. A cidade, circundada por colinas bem salientes, embranquecera-se como véu de virgem. Senti falta de sol. O cenário levava à introspecção. Melhor estivera eu saindo de novo para outros intermináveis quinze dias. Ou não. Sem rumo, comecei a cismar. Tá parecendo Semana Santa, quando a lembrança de Cristo vem à mente. Cristãos voltam-se para dentro de si. O fenômeno religioso que ora confunde ora explica, nessa passagem ajudou. As pessoas sempre atinam com o impenetrável mistério da morte de Cristo. Por que, Ele, filho de Deus, que tudo pode, haveria de morrer assim, lancetado na cruz? Religiosos, teólogos, ascetas, são unânimes: Cristo sentiu dores físicas. Teria chegado a lamuriar: “Pai, por que me abandonastes?” De repente, sacudi a cabeça, dei de ombros, como se estivesse despertando de um sonho. Por que sou eu quem vai entender tamanho mistério? Existir, por si, só já é o maior deles. Estou parado na pequena rodoviária, perdido. Devo ir agora para a pensão ou demorar mais? A saudade da imagem que não via ao vivo agiganta-se. Me engole. De minha sombra nem seu tamanho percebo. O desejo de avançar cresce. O medo, também. Por que não prolongar mais essa incerteza? Boa ou má, a notícia definitiva assusta. Será que ela vai me perguntar por que estive fora tanto tempo? E se nem tivesse dado conta disso? Puxei a velha cadeira da rodoviária, sentei-me, pedi uma cerveja e um pão com salame. Fixei os olhos em nenhum lugar. O tempo consumido entre a decisão de não ir e beber a cerveja morna e choca fez chegar a hora de ir para o trabalho. Me senti um vencedor havendo suportado cerca de seis horas sem ir para a pensão, a pouco mais de um quilômetro dali. No caminho para o banco, fui falando comigo mesmo: “o que será que ela está pensando? Será que notou minha ausência? E dona Ione, teria falado que eu perguntara por ela? Certamente não. Por que despertar a curiosidade da filha que ela mesma escondia? Foi trabalho difícil tolerar clientes pedindo a “atualização de suas cadernetas de depósito bancário”, calcular rendimentos dos juros entre um depósito e outro. NÃO SE ASSUSTE. BANCOS NÃO LUCRAVAM DEZ BILHÕES DE REAIS POR ANO. Ao contrário, pagavam juros de 6% ao ano para depósitos à vista. Não cobravam taxas, tarifas, ou serviços

prestados ao cliente de qualquer espécie. Hoje, você tem que pagar pra deixar lá seu dinheiro. E se não “movimentar” sua conta, o saldo diminui! Pode até ficar negativo. Aí, mandam seu nome para a lista dos “sujos” e você tem que pagar para limpar. Eles tentam - e conseguem – empurrar sua goela abaixo seguro de vida em grupo, seguro de vida pessoal, seguro para sua mulher, namorada, namorado, seu cachorro, sua casa, seu carro, seus empregados, cartões de créditos, cheques especiais a 150% de juros ao ano. Na Suécia, um dos mais liberais países da Escandinávia, já se fala em seguro para a “outra” ou para o “outro”. Não há governo que dê jeito nisso. Por que? Elementar, meu caro Watson. Quem financia as milionárias campanhas políticas de governadores, senadores e deputados? Eles, né, meu caro e inocente leitor. Quando você realiza uma operação de crédito num banco, na hora de a bufunfa cair na sua conta você jamais escapa da última facada. O gerente cara-de-pau te encosta na parede e diz que é o último dia para “cumprir” sua meta e leva mais um pedaço do seu. Enfim, deu as seis horas da Ave-Maria de Gounod na igreja próxima. Era a senha para apertar o nó da gravata, vestir o paletó e pegar a Praça João Pessoa, caminho mais curto para a pensão. Os quinze dias de viagem agora transformaram-se em dezesseis. Que efeito teria produzido? Talvez algum, talvez nenhum. Desci o calçadão com o peito sempre apertado, a cabeça fervilhando e as mãos suando. Agora, vou ter que ir. Já estou indo. Não quero vê-la. Ou quero? No meio do caminho não tinha uma pedra. Tinha Lea, professora de papo agradável, de boa cultura. Cada palavra sua era um sussurro filosófico. - Pra onde você está indo? - Pra pensão. Quero dizer, acho que vou. Aliás, já estou indo. Um passo pra frente, dois pra trás. Mas tem uma pedra no meio do meu caminho. Graças a Deus. Prática, Lea entendeu, aproveitou o limão que lhe joguei e fez uma limonada com ele. - Então, vamos sentar em cima dela e falar qualquer coisa. No meu caminho estou encontrando pedra no princípio, no meio e no fim. Olha o dedão do meu pé: está sem unha! Naquele momento Lea parecia realista. A pedra não seria de Drummond. Cheguei a ficar com raiva dela. Por que sentar em cima de uma pedra que só existia na poesia drumoniana? Mas Lea era bem mais inteli-

gente do que eu pensava. Ria e fazia piadas da dor – a dos outros. - Falar qualquer coisa de quê? – perguntei, na expectativa de que ela desconfiasse do meu problema. - A vida só vale a pena ser vivida quando há pedras no meio do caminho. Ainda somos novos, temos de saltar muitos obstáculos, muitas barreiras, para chegar a algum lugar. Digo barreiras no sentido real. O amor, a paixão são obstáculos às vezes intransponíveis. Só a dor, uma dor difusa, fica. Corrói. O remédio é o tempo, que a gente acha que nunca vai acabar. Fiquei assustado com as coisas que Lea sabia, ainda bem nova e perguntei: onde você aprendeu tudo isso? - Pára de perguntar e vai lá. - Vai lá aonde? - Lá na casa dela. - Dela quem? Fingi inocência, ignorância e espanto. Mas notei que fui um péssimo ator. Lea quase falou o nome dela. Quando notou que a conversa estava ficando perigosa porque se achava perto de falar o que não devia, não podia ou não convinha, Lea deu sinais de encerrar o papo e o fez me desejando “sorte”. - Tá. Agora eu vou mesmo. Você me deu coragem. No caminho, fantasiei à solta. Idealizeia, pintei-a, esculpi-a à minha feição. Olhos penetrantes, pretos de cigana magiar. Olhos que te buscam, que parecem te escutar. Voz firme brotando de boca feita a pincel. Ela não queria se mostrar por inteiro. Escondia com elegância e personalidade sua identidade. Na verdade, ela se traía. Inteligentemente distraída. Como assim? Costumava perguntar com indolência. Um convite à luxúria? Não. Um enigma. Encarei-a frente a frente. Mas me vi reduzido ao nada, naquele momento. Era o belo em sua manifestação mais pura e real. Sua beleza assusta. Parecia imensa a distância entre ela e os comuns. Rapidamente pulou de seu trono e disse: “Carol falou que você pode me ajudar em Matemática?” Festejei a possibilidade agora real de estar perto dela. É que no “você pode me ajudar” recuperei tudo que havia perdido de mim. Juntei os cacos que restaram da alma esfarrapada e gritei para o meu mundo: É ela – Maria Rita! Depois eu conto para Lea como foi a primeira abordagem. E no dia 7 de março eu escrevo pra você ler, se quiser e tiver saco!



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