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Domingo • 7 de fevereiro de 2010 • Ano I • Número 1

A China e o trem-bala

A China acaba de anunciar um audacioso projeto da construção de 15 mil quilômetros de linhas férreas para trem-bala. O custo final do megaempreendimento chegará a 60 bilhões de dólares

Destaques

Editorial

TRÂNSITO

Economia

Ensino de Baixa Qualidade. Uma pedra no caminho do Brasil-potência

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Fernando Haddad, ministro da Educação

A Usiminas e o Mercado Interno de Aço. Os caminhos para fazer o País consumir mais

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A caça aos CAÇAS. A “briga” para vender aviões de grande porte ao Brasil 6 Charada ou Piquenique? (Para rir, refletir ou censurar) 2 Projeto Olho Vivo, uma grande sacada 5 EXPEDIENTE Suplemento Diário Popular O Vale Econômico é uma publicação de A Gazeta Metropolitana Editora e Gráfica. Email: valeeconomico @ gmail.com Redator: Wilton Rodrigues Edição: Anna Sylvia Rodrigues Diretor: Fernando Benedito

O Caos Anunciado Ipatinga já tem um veículo, de quatro rodas, para cada três habitantes. Juntando-se a essa frota mais ou menos uns trinta mil irresponsáveis que ziguezagueiam a cidade, pedindo para morrer ou matar em cima de duas rodas, não é difícil imaginar o caos no trânsito daqui a uns três anos, quando termina o mandato do atual prefeito ou de outro, se houver eleições. Entupir uma cidade de veículos não é tão dramático quanto lutar contra a ignorância da maioria de seus motoristas (fujam das caminhonetas, principalmente das de cabine dupla!). Em outra matéria, nesta mesma edição, há uma referência a uma cidade. Nela, gente rica e pouco educada, infla o ego, se vê mais potente ao volante e... sai de baixo! Não adiantam campanhas educativas, multas irrisórias. Ou se penalizam mais motoristas, metendo a mão no bolso deles, ou se redimensionam o sistema viário de Ipatinga,cujo planejamento

vem de trinta anos. O prefeito que saiu não se preocupou com o problema. Limitou-se a fazer algumas “rodelas”, de gosto duvidoso, e batizou-as de rotatórias. O atual prefeito, sem estabilidade política no cargo, em virtude da ineficácia da Justiça Eleitoral, parece não ver razões prático-eleitorais para se meter numa empreitada de longo prazo. O volume de carros e motos que circulam na cidade cresce a olhos vistos. Comprados, praticamente, sem entrada e com prazo de sessenta meses para pagar, ter um carro ou uma moto está ao alcance de pelo menos um terço da população economicamente ativa do Vale do Aço.Em Ipatinga estão localizados as indústrias e os serviços mais procurados da região. Isso faz com que se juntem à sua frota pelo menos mais um quarto da atual diariamente. E se a Usiminas reformular seus planos e antecipar o início das obras de Santana do Paraíso? Como é que fica?

Pedimos licença a nossos even- organizarem as cooperativas protuais leitores para uma exposição dutoras e distribuidoras de leite. É pouquinho mais técnica nessa ou não é? abertura do primeiro caderno de Toda atividade econômica é Vale Econômico. É que, ao longo uma função, logicamente. Quando de sua trajetória, esse suplemento se define um projeto, tem-se uma (ainda, quinzenal) pretende não função-objetivo, isto é, um negósó informar mas também tentar cio em vista. A economia é, em explicar em linguagem acessível grande parte, uma ciência de escomo funciona a dinâmica eco- colha. Se decidimos, por exemplo, nômica em escalas macro e micro. montar a padaria Pão Bão iremos Sempre que possível, pretendemos procurar as melhores condições trazer exemplos claros que ocor- para fazê-lo. Capital barato, márem perto de nós, em nosso dia a quinas e equipamentos eficientes, dia. Alguém já chegou a dizer, com pessoal qualificado, matéria-prima muita propriedade, que quem en- de fácil acesso e... principalmente, tende de microeconomia são as mercado para consumir nossos donas-de-casa. produtos. Mas a Economia é uma ciência No regime capitalista, o objeticomplicada. Seu domínio pertence vo de qualquer negócio é o lucro. aos gênios. Há passagens interesAdmitindo-se que Q seja o santes com profesnível de produção sores, catedráticos da Pão Bão, C, o Há passagens no assunto. Às vezes custo total, o luinteressantes assumem altos poscro é determinado com professores tos no governo e pela diferença entre fracassam. Quando Q-C= , represencatedráticos são demitidos, rescomumente no assunto. Às tado pondem às pergunpela letra grega. vezes assumem tas dos repórteres: O lucro será - Agora vou voltanto maior quanaltos postos tar a ensinar. to mais eficientes do governo Quer dizer, se forem a tecnologia e fracassam. não sabe fazer vai dos equipamenQuando ensinar... tos, a qualificação Vamos falar hoje indagados, dizem da mão-de-obra e apenas de uma vero constante increque vão voltar tente de fácil assimento das vendas. a ensinar. Não Mas fique de olho. milação pra quem está metido em neSe Q for menor que sabem fazerm gócios ou pretende C você dança! vão ensinar... fazê-los, enfim, para Neste caso, (x) qualquer pessoa que esteja envol- é o que se chama em geometria vida em assuntos de economia e analítica de variável independente negócios: a OTIMIZAÇÃO DE e (y), que mede o nível de cresciVALORES envolvendo produção, mento da produção e, consequencustos e lucros, seja seu negócio in- temente dos lucros, depende da dústria, comércio ou prestação de eficiência de (x). Então, você já noserviços. tou que o principal fator de produQuantos de nós vira-e-mexe es- ção e de lucro é você mesmo, que tamos falando em otimização? Um se preparou bem para administrar, dos verbos mais falados e escritos digamos essa função-objetivo. Ou hoje é otimizar. Muitas pessoas até em palavras mais simples, o seu o empregam sem saber por quê. negócio. Um fazendeiro, por exemplo, Naturalmente, acadêmicos de quer saber quanto de água (x) terá economia, economistas e admide adicionar a seu leite para au- nistradores de empresa traduzem mentar seu lucro ( )... tudo isso por uma simples equaBrincadeira à parte, isso acon- ção, o que não cabe reproduzir tecia muito no Brasil antes de se aqui.

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Mosaico CHARADA OU PIQUENIQUE? (para rir, refletir ou censurar)

Este espaço se destina a registrar passagens interessantes, desinteressantes; úteis, inúteis. Igualzinho ao que acontece com o homem neste mundo de Deus, ou das multinacionais.Prove que você não é inteligente. Leia-o por favor, tenha piedade.

“Baú de Ossos” O médico Pedro Nava, mineiro de Juiz de Fora, era um tipo controverso. Reclamava do barulho da cidade do Rio de Janeiro, dos assaltos, e até (principalmente) da chuva. Nava tem uma obra famosa chamada “Baú de Ossos”. Este título induz as pessoas a crerem no enterro de tudo que ele considerava descartável. Cansado do barulho e possivelmente da idade – 81 anos – decidiu suicidar-se. Deu um tiro no ouvido e explicou suas razões: “ Pelo menos, o último barulho não vou ouvir...”

O esoterismo da linguagem jurídica Quando um doutor escreve Fummus Boni Iuris quer dizer: - Fumo de rolo para fazer cigarro de palha; - “Verbo” usado por caipira paulista para se referir à ida a algum lugar. Ex: “Nós fumus a Baurur, dispois a Botucatur...” - Mais ou menos isso: “fumaça do bom direito”; - Se a resposta correta for a terceira opção, pra que o latinorum medieval, morto e sepultado até mesmo pela igreja católica?

Dormitar é: - Dormir - Vomitar - Dormir vomitando ou - Vomitar dormindo? Joeirado é: - Peneirar o joio - Forma arcaica da palavra joelho - Neologismo jurídico - Elegância vernacular - Babaquice, data vênia, de alguma excelência no topo da sabença jurídica Perfunctório é: - Furúnculo - Pareba - Pereba - Caçar petróleo no pré-sal Percusciente é: - Instrumento de percussão - Menor distância entre dois pontos - Tratamento cerimonioso que se dá a ministros e desembargadores

O EFEITO DA PROPAGANDA (mesmo enganosa) Às vezes, a gente passa a vida inteira imaginando como seria a beleza dos Jardins Suspensos da Babilônia, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo; ou do Colosso de Rhodes, também inscrito no livro das Belezas. Um dia, você tira 140 milhões na megasena e vai lá. - Mas é isso, pô?! É claro que nem todo mundo com um prêmio desses tem sensibilidade bastante para distinguir a força bruta de um touro da

beleza que emana de uma obra de arte. Qualquer que seja ela. A captação do Belo, depende da imagem que os olhos buscam e levam à área apropriada do cérebro. A comparação é meio tosca, vesga, mas dá um parâmetro. Desde que mudei da roça para as cidades, comecei a ouvir falar em McDonald’s. Depois vi sua maciça publicidade na televisão. - Ai, que gostosura! Aqueles nacos de batata

frita pulando na fritadeira; alface e tomate verde e vermelho, cores que aguçam o paladar. A cobertura de pão crocante que enche a boca d’água, pelo menos no caprichado anúncio da tv. E no meio desse néctar dos deuses, nacos de carne. De tentação em tentação acabei indo lá. No Shopping do Vale. Pedi um. Paguei quinze reais. A batata era fina, quase preta e cheia de sal. Mal acondicionada, a maionese

esparramou-se, melecando minha mão. Dentro do pão (que pão é aquele?) um pedaço de bacon e outro de peito de frango mais duro que bolso de trabalhador no fim do mês. Interessante é que só no Brasil a McDonald’s dá lucro. No resto do mundo trabalha no vermelho. Mas a situação vai piorar. Dois grandes do ramo de fastfood vão entrar no Brasil. Um americano e um mexicano, concorrentes fortes. Ainda bem.

Constituição Federal Dos Direitos Sociais Artigo 7 IV – Salário Mínimo “...o trabalhador terá direito a salário mínimo fixado em lei (atualmente R$510,00) capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, transporte, previdência social.” O dispositivo constitucional não detalha o custo mínimo de cada item, nem quantifica os membros da família. Vamos fazer, por hipóteses, algumas contas imaginando uma “família” de 4 membros. José Maria (o chefe), Maria José (a patroa), Fizico e Fizica (os filhos). 1 – Moradia: um barracão coberto de telha de amianto, três cômodos, 40 graus de calor -------R$150,00 2 – Alimentação: a “família” fez as contas e chegou à conclusão de que se encontrasse um restaurante com “PF” a R$2,00 cada, gastaria somente R$240,00 por mês, isto é, 4 x 30 x R$2,00 ----------------- R$240,00 3 – Educação: pobre não precisa de educação. Basta saber assinar o nome no dia das eleições. Mas os doutores autoridades da Justiça agora

Vida Útil

mandam prender quem não “vai na escola”. Se os filhos forem menores, o pai é quem vai pro xilindró. Aí, o Zé vai para a cadeia, e os R$510,00 diminuem. Então a “família” reuniu-se na sala de visitas, mandou abrir umas loiras bem geladas e decidiu: “É, Nega, os moleques têm de ir”. Custos mais ou menos com mochilas, merendas, passagem de ônibus, cadernos, etc: R$4,00 por dia (25 x 4,00) ------------------------------------------- R$100,00 Total ---------------------------------------- R$490,00 Pronto! Acabou o dinheiro. Porque, se Zé Maria tem carteira assinada, a sobra de R$20,00 fica no caixa do INSS. Observações: Faltou dinheiro pra saúde, lazer, vestuário, transporte, etc. Zé Maria, Maria José, Fizico e Fizica estão peladinhos da silva.. E o doutor Ulisses Guimarães apelidou o livrinho de 1988 de Constituição-Cidadã!

Vocabulário comercial

INGLÊS

PORTUGUÊS

ESPANHOL

INGLÊS

PORTUGUÊS

ESPANHOL

Heritage Manager Market price Market share Net Non-voting share

Patrimônio Gerente Preço de mercado Fração de mercado Líquido Ação sem direito a voto Matriz Lucro Participação nos lucros Taxa (câmbio)

Patrimonio Gerente Precio de mercado Porción de mercado Neto Acción sin derecho a voto Matriz Ganancia Participación em las ganancias Tasa (cambio)

Public corporation

Sociedade de capital aberto Matérias-primas Pesquisa Poupança Especulador de curto prazo Bolsa de valores Acionista Imposto Receita bruta Capital de giro

Sociedad de capital abierto Matérias primas Investigación Ahorro Especulador de corto plazo Bolsa de valores Accionista Impuesto Ingreso bruto Capital circulante

Parent company Profit Profit sharing Rate (exchange)

Raw materials Research Saving Stag Stock exchange Stockholder Tax Turnover Working capital


Domingo • 7 de fevereiro de 2010 •VALE ECONÔMICO • Página 3

Economia

Pequenas empresas

Os pequenos empreendimentos foram os responsáveis pela maioria dos empregos gerados nos últimos dez anos, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada esta semana (4). De acordo com o estudo, entre 1998 e 2008, a cada três empregos criados na iniciativa privada não agrícola dois eram em empresas com até dez trabalhadores.

Se os países emergentes continuarem “emergindo”, haverá um momento em que eles concentrarão 50% da riqueza mundial; mas esses bens terão que servir a seus próprios países

A Usiminas e o mercado interno de aço É ridículo o consumo de aço no Brasil. Cerca de 22 milhões de toneladas por ano. Como a produção atual gira em torno de 42 milhões de toneladas, sobram 20 milhões, números arredondados. Quando as atuais plantas siderúrgicas em construção entrarem em funcionamento (se entrarem), a produção bruta se aproximará das 70 milhões. O dobro da capacidade prevista pelos militares para 1985. São decorridos 25 anos. O Brasil parou nesse período? Como é quase certo que a produção da Ásia e da União Européia, mesmo com a crise, chegará a 800 milhões, fica quase impossível sobrar um pedaço de mercado além-mar para o aço brasileiro, pelo menos neste início de década. Aliás, o próprio Castelo Branco informou, preocupado: “mandei um de meus diretores à Coréia do Sul vender aço. Ninguém quis, a preço nenhum”. Aperto faz sapo pular: antes da “globalização”, Estados Unidos e principalmente Europa, não queriam ouvir falar em

beneficiar matéria-prima em seus terreiros. Sabiam que era bastante mandar um chip pra cá e receber em troca dez caminhões de soja beneficiada. Conclui-se, portanto, que o presidente da Usiminas, submetido às pressões do mercado internacional com gigantes produzindo aço a preço de banana, raciocina na direção certa, ao priorizar o mercado interno. Mas para isso tem de percorrer um longo, tortuoso e incerto caminho. Começando por agregar substanciais valores de mercado a seus produtos. Não se trata de vender apenas chapas e bobinas de aço. Lições de marketing ensinam que ninguém compra uma geladeira ou um aparelho de tv para ornamentar a sala e a cozinha de sua casa. Assim, ao tentar ganhar mercado interno para fugir à brutal concorrência chinesa, por exemplo, a Usiminas terá de vender SOLUÇÕES, melhor, se em kits completos. A não ser para consumidores específicos como a indústria automobilística e os fabricantes da chamada linha branca, uma chapa de aço tem valor algum enquanto apenas um Poder-se-ia dizer objeto quadraque a produtividade do ou retangular. Submetida a nonesse caso são as vas tecnologias “cestas de produtos” de tratamento, empurradas engenho e arte, aumenta seu valor goela abaixo do de venda, atrai nopobre tomador de vos consumidores, empréstimo. produz lucros e É bom que ajuda na mudança da mentalidade se ressalve: brasileira, há 510 “marginais” são anos desmatando os lucros, não os o país. banqueiros. Ou não? O que a indús-

China Daily

Trabalhador em indústria chinesa de aço: vender aço hoje não é fácil

tria brasileira precisa é de criar mecanismos para aumentar a produtividade. O lucro marginal é o que torna os bancos brasileiros os mais rentáveis do mundo. Eles montam uma estrutura enxuta para emprestar dinheiro garantindo-se só com o spread. A enxurrada de dinheiro que entra em seus caixas, oriunda de serviços prestados praticamente sem custo, é que constitui o resultado altamente positivo no fim de cada exercício fiscal. Poder-se-ia dizer que a produtividade nesse caso são as “cestas de produtos” empurradas goela abaixo do pobre tomador de empréstimo. É bom que se ressalve: “marginais” são os lucros, não os banqueiros. Ou não? A nova meta da Usiminas poderá torná-la independente do acirrado mercado externo, onde China e Índia, com um terço da população do mundo, vai ter que exportar até barata enlata-

da para sobreviver. Mas a empresa sabe que terá de agredir o mercado em todas as direções possíveis. Investir em programas de comunicação gerais e pontuais, cujos conteúdos teriam uma linguagem quase didática – ensinar mesmo qual é o valor, as vantagens e o emprego do aço, mais barato que madeira extraída e transportada da Amazônia. A Usiminas já estaria fazendo isso. Há um capítulo à parte, que não se encaixa numa perspectiva muito de perto. Num exercício de imaginação com vistas ao futuro, cabe ponderar: se os países emergentes incluindo todos aqueles em escala pouco abaixo dos do Bric continuarem realmente emergindo, haverá um momento em que eles – mais de vinte – concentrarão 50% da riqueza mundial. Isto em termos de produção industrial, agronegócio, energia e tecnologia avançada. Mas esses bens

A nova meta da Usiminas poderá torná-la independente do acirrado mercado externo, onde China e Índia, com um terço da população do mundo, vai ter que exportar até barata enlatada para sobreviver.

terão que servir a seus próprios países, forçando o crescimento dos mercados internos. Para vender para um de seus “irmãos”, o pretendente terá que chegar à exaustão da mão-de-obra barata, expandir suas fronteiras do conhecimento tecnológico. Mas isso poderá ocorrer com todos ou com a maioria. Assim paradoxalmente – todos ficarão muito ricos ou, pelas novas medidas de riqueza e consumo, todos se igualarão. Aí, todos voltarão a ficar pobres... se considerarmos que riqueza e pobreza são conceitos relativos. A riqueza tem como parâmetro a pobreza e vice-versa. Parece que o caminho do Brasil é mesmo o do mercado interno. Há demanda reprimida. Há nichos inexplorados. Há, principalmente, baixo índice de desenvolvimento tecnológico porque mes-

mo as principais universidades do país, em geral, limitam-se a retransmitir conhecimentos, vindos de fora. As grandes empresas, elas próprias, precisam criar suas alternativas, investindo em pesquisas junto às boas universidades. Dois fatores de produção e desenvolvimento que não escapam à acuidade dos americanos: doação de polpudos recursos às universidades e investimento maciço em propaganda. O aço no Brasil continua sendo o mesmo aço desde os primórdios da China lendária.


VALE ECONÔMICO • Página 4 • Domingo • 7 de fevereiro de 2010

Educação O Brasil já tem 50 mil doutores. E outros 25 mil estão em gestação, informa o ministro Haddad. Mas o problema é outro

Ensino de baixa qualidade pode limitar crescimento O ministro da Educação deu, recentemente, longa entrevista a Marília Gabriela, jornalista, atriz de cinema e mais conhecida por sua idolatria a garotões sarados. O ministro Haddad, por quem as mulheres costumam suspirar, é um ótimo articulador de palavras e idéias. Esbanjou domínio dos assuntos de sua Pasta. A entrevistadora, ex-mulher do galã folhetinesco Reynaldo Gianechini, parecia estar focada mais na cara infantil do ministro que propriamente no conteúdo das respostas. Praticamente, só houve uma pergunta, e o tempo todo ficou livre para Haddad dissertar sobre sua vida acadêmica, profissional, seu currículo e suas realizações no Ministério da Educação. Gabi só ouvia e admirava a lábia e o charme de Fernando Haddad. - Já temos cinquenta mil doutores, e outros vinte e cinco mil estarão saindo do forno dentro de dois a quatro anos – enfatizou. É realmente uma boa notícia para um país que mandava seus mauricinhos e patricinhas para se doutorarem na vetusta Universidade de Coimbra, em Portugal. Mas, doutores, o que são doutores? Os técnicos do Ministério da Educação costumam dividir esquematicamente o Ensino Superior em três etapas. A primeira é a da graduação. Fase em que os estudantes tomam conhecimento do quê e do quantum. Se são egressos de bons colégios, onde o programa

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

O ministro da Educação, Fernando Haddad

de ensino é cumprido à risca, aumentam as possibilidades de se formarem bons profissionais, às vezes já disputados pelo mercado mesmo antes de concluírem o curso que estão fazendo. É importante que aprendam a formular conceitos para facilitar planejamento de vida e destinação profissional. Nas Ciências Sociais, paradoxalmente, as dificuldades aumentam, porque há pouca tatibilidade nessas disciplinas e distância considerável

entre o ler e o apreender. É mais fácil ser um bom engenheiro que um bom psicólogo. Já nas chamadas Ciências Exatas, compreendendo Física, Química e Matemática (EXATA, na verdade, seria só a Matemática, uma ciência quase visceral, quase tátil, imutável) há mais facilidade de o graduando profissionalizar-se porque adquire conhecimentos teóricos e práticos – experimentação – de mecânica, elétrica, engenharia, informática,

Com os conhecimentos adquiridos na Graduação, o profissional já se torna apto a elaborar projetos, isto é, indicar como se fazem as coisas. Um mestrado bem feito e dependendo da escola e do estudante, pode equivaler a um doutorado razoável. Na prática, isso acontece muito

etc, ciências de melhor conceituação e de fácil medida. A segunda etapa dizse que é a do Mestrado. Seria a fase do diagnóstico. Com os conhecimentos adquiridos na Graduação, o profissional já se torna apto a elaborar projetos, isto é, indicar como se fazem as coisas. Um mestrado bem feito e dependendo da escola e do estudante, pode equivaler a um doutorado razoável. Na prática, isso acontece muito. O doutorado seria em tese a última fase dos estudos acadêmicos. O “doutor” estaria pronto para interpretar o diagnóstico e transformá-lo em projeto acabado. Isto é, transformar ciências em tecnologia. Ainda tem os pósdoutorado. Na prática é uma atualização do doutorado. Ah! tem também os pós-graduação. A duração desses “cursos” varia de vinte e quatro a trezentas e sessenta horas. Tudo depende de como anda o caixa da escola. São os lato sensu, caça-níqueis. Fornecem certificados que prestam para coisa alguma. Certa vez, uma professora de primeiro grau, de rede municipal de ensino, me disse que gostaria de escrever “no seu jornal” e se apresentou: “fiz pós-graduação e estou na bica de receber “aviso breve”. O prefeito não gosta de mim”. Certamente, seus possíveis leitores também não iriam gostar... Tudo bem, tudo certo. Mas, via de regra, doutor não gosta muito de trabalhar. Prova-o o fato de o Brasil contri-

buir com pouco mais de um por cento de toda a produção científica mundial publicada nas revistas de ciências renomadas (*). A propósito, observe esse chute na canela: já temos cursos de doutorado por correspondência! EDUCAÇÃO DE BASE É oportuno prosseguir nessa matéria com um conselho prático do professor James Hackman da Universidade de Chicago, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2000. Hackman esteve no Brasil recentemente para participar do encontro promovido pela Fundação Getúlio Vargas que discute a educação de primeira infância, tema de estudos de Hackman. Ele defende maiores investimentos na educação das crianças nos primeiros anos de vida. Na visão do economista, a falta de mão-deobra capacitada será um gargalo no caminho do desenvolvimento brasileiro no futuro. A China já está passando por esse problema, e como tem que produzir muito, em breve terá que importar mão-de-obra. Só não se sabe de onde... A verdadeira força do trabalho está na capacitação técnica intermediária. Um engenheiro químico, por exemplo, é suficiente para gerir uma indústria de médio porte porque a tarefa de executar os projetos que ele elabora cabe a técnicos de nível médio – e poucos! É evidente o exemplo da Coreia do Sul. Nós sabemos que seu rápido

Ah! tem também os pós-graduação. A duração desses “cursos” varia de vinte e quatro a trezentas e sessenta horas. Tudo depende de como anda o caixa da escola. São os lato sensu, caça-níqueis. Fornecem certificados que prestam para coisa alguma desenvolvimento deveuse à maciça aplicação de recursos públicos na educação pré-universitária. Principalmente na correspondente ao nosso primeiro grau. Não existe potência industrial sem ensino básico de primeira qualidade. No Brasil, o nível do ensino tem melhorado, mas ainda está longe de constituir-se na premissa básica de seu desenvolvimento. E há uma realidade preocupante: vão para a pré-escola as crianças que não necessitam dela. Aquelas que já têm condições de se sociabilizarem no ambiente familiar. Os “catarrentos” do alto do morro estão longe de frequentar um dos dois ambientes. Outro pesadelo, este de natureza políticopartidária. Constroemse prédios escolares com bom equipamento didático, orientadores disso, técnicos daquilo, mas o salário dos professores, Ó! é desse tamaninho, como diz Chico Anysio, na pele do professor Raimundo Nonato. (*) Mais recentemente, publicação especializada da USP informou que o Brasil teria ultrapassado a Rússia em número de publicações de artigos científicos no mundo.


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Política

A caderneta de poupança registrou em janeiro captação líquida de R$ 2,619 bilhões. O resultado é o melhor desde janeiro de 1997, quando houve captação de R$ 3,512 bilhões segundo dados da série histórica do Banco Central. Em janeiro de 2010, os depósitos em cadernetas de poupança totalizaram R$ 87,825 bilhões e os saques, R$ 85,205 bilhões. Foram creditados R$ 1,508 bilhão em rendimentos. O saldo total em caderneta passou de R$ 319 bilhões para R$ 323 bilhões de dezembro para janeiro.

Planejamento bem feito e rigor na sua execução geram economia de mais de 4 milhões de reais

Câmara de Ipatinga de olho vivo nas despesas A Câmara Municipal de Ipatinga teve muito o que comemorar neste fim de 2009. Trabalhando em harmonia com o Poder Executivo, como estabelece o dispositivo constitucional – e melhor ainda – com um corpo administrativo eficiente, a Câmara teve uma atuação exemplar. Devolveu R$ 4.100.000,00 aos cofres municipais em duas parcelas. A primeira em setembro, no valor de R$ 1.300.000,00, já aplicados no projeto OLHO VIVO. E a segunda, no fim de dezembro, de R$ 2.800.000,00. Desde que assumiu a cadeira de presidente do Legislativo, Nilton Manoel (PMDB) não mediu esforços para implantar uma política de economia na Câmara. A intenção do parlamentar seria sempre devolver aos cofres do município verba da instituição para ser reinvestida no projeto OLHO VIVO, instalação de câmeras de segurança no Centro

de Ipatinga, o que já foi feito. O foco agora é estender essa tecnologia de segurança a outros bairros da cidade. O objetivo do projeto é a instalação e operacionalização de 42 câmeras de segurança móveis, do tipo speed dome, selecionadas a partir de discussão colegiada entre a Polícia Militar e a Prefeitura Municipal. Seriam localizadas em doze bairros escolhidos estrategicamente, além de um moderno sistema de transmissão de imagens, voz e dados numa rede sem fio de alta performance. O acordo firmado prevê um investimento final de R$ 10.588.000,00 num espaço de quatro anos. O presidente Nilton Manoel prevê economia de R$ 4.000.000,00 de reais em 2010, valor que faria parte do pacote anunciado acima. O propósito é que o OLHO VIVO atinja todas as escolas públicas, unidades de saúde

e prédios públicos. “O projeto permite que se viabilize o acesso a internet a todos os pontos de controle, bem como instalação de centrais de alarmes, sistema de monitoramento e gravação local de imagens com disponibilidade do acervo via web” – explicou o coronel Ricardo Gontijo, especializado no assunto. COMPROMISSO Segundo o prefeito interino Robson Gomes, a prefeitura assumiu o compromisso de seguir as indicações dos vereadores na aplicação dos recursos para implantação do sistema. O presidente da Câmara Nilton Manoel afirmou que a economia realizada não prejudicou os investimentos feitos no próprio Legislativo: compra de dois veículos, 25 computadores e equipamento mobiliário. Para 2010 o orçamento da Câmara está previsto em 21 milhões de reais.

Parte do dinheiro devolvido pela Câmara foi aplicado na instalação de câmeras de segurança

ACS/CMI

O prefeito Robson Gomes exibe o cheque simbólico repassado pelo presidente da Câmara Nilton Manoel: dinheiro revertido para a cidade

Ipatinga está lendo mais Conversei alguns minutos com Liliane Zebral, dona de uma franquia, Livraria Leitura no Shopping do Vale. Vale Econômico quis saber o que a região anda lendo e se houve incremento no nível de vendas nos últimos cinco anos, período específico. A escolha não é aleatória. Vinculase a levantamento feito em 2005. Até aquela época, várias tentativas de se sobreviver vendendo livros fracassaram, e muitos pioneiros fecharam as portas. Para ser mais explícito, além de livros didáticos, obviamente de uso obrigatório, pouca coisa se acrescentava a esse segmento. Best-sellers como Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado e Pequeno Príncipe – o livro de cabeceira das misses - e os de autoajuda, de culinária tinham alguma saída. Hoje, não é muito diferente. Mas segundo Li-

liane, os editores atinaram com a necessidade de modernizar o visual de seus lançamentos, tornando-os mais atrativos aos olhos do comprador compulsivo. Isto é, investir na forma é melhor que no conteúdo, pelo menos mercadologicamente. O que melhorou, segundo a jovem livreira, foi o incentivo que os colégios e faculdades estão passando a seus estudantes. Mas, os clássicos “ensebam”. Ninguém quer saber de clássicos. Liliane disse que foi grande a procura de livros para presente no fim do ano. Mas não revelou o perfil das obras mais procuradas. De qualquer maneira, o Vale do Aço ainda é uma espécie de Uberlândia em termos de cultura geral, a não ser aquela “adquirida” nas colunas sociais. Faz vir

à lembrança a pitoresca “briga” entre duas grandes cidades do Triângulo Mineiro: Uberaba e Uberlândia. A primeira delas, mais antiga e culturalmente mais avançada, para diminuir a distância que a separa em termos econômicos, é uma espécie de mini-Buenos Aires em promoção de eventos engalanados de fraques e salamaleques em salões cheirando a belle époque. Os uberlandenses, em caminhonetas cabine dupla e chapéus de aba larga, respondem, cheios de si e de ignorância: “Nóis é anarfabeto, mas nóis é podre de rico!” Aqui no Vale do Aço substitui-se a leitura pelo churrasco, mais consumido que no sul do país, o que é ótimo para desenvolver câncer de estômago. Principalmente, os vendidos à beira das avenidas e assados com fumaça de querosene.


VALE ECONÔMICO • Página 6 • Domingo • 7 de fevereiro de 2010

Internacional Todos querem vender armas poderosas ao Brasil. O problema é a transferência da tecnologia

A caça aos Caças

É que no pacote de 36 caças e quatro submarinos convencionais, está incluído um “casco nuclear”, que vai permitir a ação conjunta dos dois “países amigos” desenvolver tecnologia nuclear. Está aí a razão do choro do gringo em sua pungente exposição

O jornal norte-americano US Today publicou página inteiro sobre o Brasil em sua edição de quinta-feira última – como aliás é a moda agora. De repente, descobriram que além de Pelé, Carnaval, praias e favelas, o Brasil é um grande exportador de matériaprima. É o país que está aparecendo bem na fita graças a suas poderosas commodities, outro nome em moda, que encaixa bem em nossa pauta de negócios com glamour. Minério de ferro, ferro-gusa, soja, etanol, sucos e até mulata assanhada em New Jersey. Tudo gera divisas. Chato é que para importar um único chip precisamos dar em troca dez caminhões de soja! Quem falou isso na televisão foi um professor de economia na USP, Roberto Macedo, mineiro de Formiga, cidade perto de Furnas, onde também nasceu o padre Fábio de Melo, astro da Igreja Católica e da música popular. Desta vez porém o articulista não exagerou nos adjetivos. Ao contrário, fugiu à linha puxa-saquismo na imprensa lá de fora e deu uma puada em nossa pátria amada, mãe gentil. Aoron Dixon, o escriba, foi cáustico e focou sua crítica nas negociações francobrasileiras para aquisição de caças e submarinos de que realmente precisam a Marinha e a Aeronáutica brasileiras. Não é pirraça de generais (sabia que

Essas bombas, tanto a ‘A’ como a ‘H’, jamais serão detonadas sobre alvo humano. Eu mudaria seu nome para bombas da paz! Cabe agora perguntar ao US Today: - Por que os Estados Unidos e Rússia, juntos, possuem mais de 3 mil dessas engenhocas? - Por que a China já “implodiu” uma bomba ‘H’- fusão nuclear - cuja espoleta é uma bomba A de potência igual à que torrou Hiroshima? Alguém a teria proibido de fazer isso? - Por que Israel, um deserto pouco maior que o estado de Sergipe, armazena cerca de 200 unidades desse terror? Te dou um doce par você adivinhar de

ainda existe no Exército fuzil brasileiro modelo 1908?). Sargentões perfilados e com voz impávida, gritam na ordem unida: - Recruta, que arma você tem nas mãos? - Fuzil modelo brasileiro 1908, sargento, responde o idiota com muito orgulho. O jornal lamentou a inclinação de Lula pelo armamento francês, “embora nosso presidente Obama o tenha chamado de ‘este é o cara’. O jornalista não se informou bem. A preferência de Lula pelos caças e submarinos franceses não é dele, Lula. É dos almirantes, generais e brigadeiros. É que no pacote de 36 caças e quatro submarinos convencionais, está incluído um “casco nuclear”, que vai permitir a ação conjunta dos dois “países amigos” desenvolver tecnologia nuclear. Está aí a razão do choro do gringo em sua pungente exposição. Ele alerta para o ‘perigo’ de um desvio de intenções de rota, e surgirem uma ou mais bombas ‘A’ no lugar de submarino à propulsão nuclear, ou os dois casos simultaneamente. Também, a visita do presidente da autoridade palestina e do controvertido chefe dos iranianos Mahmoud Ahmadinejad forneceu lenha para incendiar o imaginário do jornal ianque. Curiosamente, não fez referência ao governante de Israel. Os três, de ‘cores’ diferentes, e naturalmente

com objetivos também diferentes, visitaram o Brasil praticamente na mesma quinzena, o que mostra que Lula realmente está com tudo - e está prosa. Bobagem. O Brasil pode por si só construir a bomba atômica no momento em que bem entender, pois dispõe de combustível e de tecnologia para tanto. A Marinha já enriquece urânio no percentual desejado desde o tempo dos militares no poder. Zé Sarney, que sucedeu ao último da série nefasta, aproveitou os 15 minutos de fama do Plano Cruzado para anunciar em rede de rádio e televisão que “o Brasil já domina o ciclo completo de enriquecimento de urânio”. O processo de construir uma bomba atômica para quem tem o urânio enriquecido é pouquinho só mais complicado que fabricar rojões em Santo Antônio do Monte (MG). Certamente, por muitas razões, não é o momento de se pensar nisso. Já temos problemas demais. Pensar nas Olimpíadas e realizálas já é tarefa para mamute. Pelo menos enquanto a Argentina estiver mergulhada na merda econômica, sob uma democracia mambembe de pai para filho – ou melhor, de marido para mulher. Hugo Chávez, apesar de suas ambições bélicas, deve ficar só nisso na próxima década. Não conta com o ‘nada obsta’ de Lula.

Lula cumprimenta Mahmoud Ahmadinejad em recente visita ao Brasil: chefe iraniano está no centro de controvérsias internacionais

Mas, num futuro não muito longe, não há como o Brasil abrir mão de empaiolar pelo menos alguns megatons explosivos fissionais. Como potência regional e a caminho de freqüentar a região dos cinco grandes, o País precisa de uma boa moeda de troca. Não para usar, é claro. Quem quer que acenda o pavio de um artefato nuclear estará certamente mijando para cima. É só para impor respeito, dizem os estrategistas. Estados Unidos, China, França, Inglaterra, Índia, Israel, Paquistão, Coréia do Norte, Ucrânia, Geórgia, etc, têm bombas e mísseis para destruir a Terra umas 50 vezes.

onde sai o dinheiro que financia esse arsenal bélico dos judeus. Então, por que o Irã não pode enriquecer urânio? O Brasil assinou o tratado de não-proliferação de armas nucleares, mas se os pré-sal contiverem reservas de petróleo muito acima da anunciada – e já há indícios de que isso existe – vizinhos enciumados vão encher o saco. Os argentinos, por exemplo, não suportam perder pra gente nem na bola. Já imaginaram ver o jornal El Clarín estampar: “Brasil tem petróleo para dar e vender”? Manda bala, Lula, ou quem entrar no seu lugar.


Domingo • 7 de fevereiro de 2010 •VALE ECONÔMICO • Página 7

Literatolice

Mudando de pau pra cavaco

O título da matéria ao lado – VIDAS MAL TRAÇADAS – pretensiosamente aspirando a ser um romance fatiado em capítulos, parece nome de novela mexicana, cujas atrizes têm cara de lombriga atropelada. Essa “novela” tem seu primeiro capítulo publicado hoje. É um misto de ficção e realidade,com apenas duas personagens de carne e osso. Na época que o autor escolheu

para situá-la, as pessoas - e, por conseqüência, o mundo - eram diferentes, muito diferentes. Poder-se-ia dizer (olha aí, o poder-se-ia dizer fora de moda, como gruem em onomatopeia os broders) poder-se-ia dizer (repito) uma época extremamente romântica (às vezes também hipócrita). As mulheres ainda eram donas-de-casa, do lar, prendadas. A pílula, o divórcio e o motel

não existiam. As moçoilas juravam ter se casado virgens. Pelo menos as mães acreditavam. Tenho um amigo, brilhante advogado, culto, baita Don Juan em outros tempos. Mas não se cansa de lamentar o mau gosto das gerações atuais, porcas, tão porcas e naturalistas quanto as Genis do Chico, sem choro e pedidos para salvar a cidade, do Zepelim...

“Naquele tempo” – fala com saudade – “um flerte, dependendo de sua intensidade, malícia e grau de dificuldade de conquista, às vezes era melhor que um orgasmo”, afirmou meu amigo, grande conhecedor do assunto. Falando matematicamente: o primeiro seria uma função contínua. O prazer tende a aumentar por via de tempo e da crescente expectativa

de chegar ao céu. O segundo, uma função discreta, pacote com tempo marcado para terminar. Acabou, acabou. Vai ser bom, não foi? A linguagem quase angelical deste e de outros capítulos pode provocar espanto: “que isso, véio, tá com nada!” Tem importância não. Se VIDAS MAL TRAÇADAS alcançar um leitor, já seremos dois. Três, com o revisor.

O que parece não encaixar bem no contexto de VALE ECONÔMICO é um “romance”. Sua linguagem solta, coloquial, às vezes de duplo sentido e difícil decodificação contrasta com números e comentários racionais da mensagem direta do texto sobre economia. Tomei o cuidado de ocupar a penúltima página. Até chegar lá o leitor já jogou o jornal fora...

VIDAS MAL TRAÇADAS Capítulo I Dona Ione, miudinha, acima dos setenta anos. As pernas já não lhe queriam obedecer a vontade. Deslocava-se a passos curtos. Seu rosto de santa mascarava a aparência do cansaço. Cansaço da vida, cansaço da repetição. Arrastava os chinelos-deliga xadrezados de branco, vermelho e azul. Lembravam-me a bandeira nacional da França. No todo, Dona Ione parecia aceitar a vida como ela é. Tudo era o que tinha de ser, prédeterminado. A filharada ao pé de si bastava-lhe. Tapava o buraco existencial, ou quase isso. Eu morava em sua pensão, esquina da avenida Desembargador Teixeira de Freitas com a Minas Gerais. Bancários, funcionários públicos e comerciários eram seus hóspedes ou, como ela mesma dizia: meus filhos. De fato, a pensão era nossa casa. Eu, ora sim ora não, costumava me sentir do lado de fora desse mundo. Sentia uma dor meio sufocante, indefinida, quando o sino da igreja próxima tocava as seis horas da Ave-Maria de Gounod. Mas as coisas voltavam sempre a seu lugar. A pensão era meu céu. O estafeta Onofre recusou uma promoção para “Belzonte” porque, órfão de pai e mãe muito cedo, achava que em lugar algum do mundo iria encontrar outra pensão assim, povoada de alegria e de piadas pelos filhos de Dona Ione e Seu Leonan. Numa noite de domingo, dessas com cara de festa e roupa nova, topei Dona Ione indo em direção à sala principal, frente para a Avenida Minas Gerais e visão descortina-

da da Praça João Pessoa. Centro de convergência noturna dos que buscavam não-sei-o quê. Pus-lhe o braço sobre os ombros, encurtei os passos para tornar o trajeto mais demorado possível. Queria sorver o calor irrompendo daquele corpinho cheio de histórias para contar. À época, viver setenta anos era uma façanha digna de condecoração. Sete filhos. Todos solteiros, todos em casa. O que fazia da pensão um circo cheio de aventuras e de piadas limpas e espirituosas. A família e os hóspedes se fundiam em um só abraço, cercando o mundo feliz. Era o céu para quem havia deixado a casa paterna pouco afeita a celebrar a vida com fogos de artifício e banda de música. Seu Leonan se especializara em contar a mesma piada três a quatro vezes no mês. E a cada vez que a piada era repetida ela se tornava mais receptiva para a platéia. Seu Leonan se empaturrava de felicidade e caprichava nos detalhes na terceira ou quarta vez. Os antigos, como se diz hoje, se lembram de como era gostoso ouvir piadas inocentes, assistir a espetáculos circenses de má qualidade, e escutar bandas de música tocar dobradões nos velhos coretos durante os dias do mês de maio. Dona Ione e eu apoiamos os cotovelos na soleira da janela e por um bom pedaço de tempo ficamos calados ouvindo e vendo pessoas passarem, simplesmente passando. Pra lá e pra cá.Pra cá e pra lá. Passando por passar. Naquele momento, nasciam milhares de pessoas no mundo que um dia também iriam passar – filosofou Dona Ione. Eu também peguei a imaginar. Por que será que hoje nin-

guém mais passa? Só fica; fica na fila do INSS, fica na fila do banco, fica na fila do emprego, fica com a filha, fica com a mãe da filha! “Não esquece a camisinha, hein! tá com dinheiro pro motel? Ah, que belos e glamurosos , sobretudo excitantes aqueles dias do misterioso fascínio de desnudar uma mulher, tirando-lhe, com respiração curta, duas, três, quatro peças de roupas!Enfim, a terra prometida da adolescência, a canção suspirada estava ali, entregando-se com voluptuosidade... Roupas, mulheres usam-nas hoje. Umas, com quem a natureza colaborou pouco mais na anatomia, mostram com orgulho ou falta de imaginação o que se habituou chamar “cofrinho”, região fronteiriça às zonas litigiosas... Outras, mais azaradas, sacolejando enorme barriga e arrobas de bunda, põem à mostra seu banco central... A praça João Pessoa ficava assim de gente circulando a seu redor. Homens e mulheres em sentidos opostos. Esse arranjo geométrico facilitava a troca de olhares, quase cara a cara. Muitos casamentos começaram aí, em praças e avenidas bem iluminadas. Dona Ione resolveu puxar prosa: Carol saiu com o noivo. Delano, também. Devem estar na praça. Maria ficou por aqui. E continuava falando: não sei, parece que Maria anda meio encabulada. Diria mesmo até triste. Dona Ione puxou essa conversa meio enigmática, de onde se podia extrair alguma insinuação. Para evitar qualquer expectativa me apressei em discordar dela.

Não é bem assim, Dona Ione. Maria é uma professora competente e muito querida em sua turma. Aqui na pensão nem se fala. O Braguinha me parece que anda arrastando asas pra ela. Deixou escapar alguns arroubos de galanteio ontem no almoço. Falei tudo isso pra despistar, deixando a entender que eu estava em outra, sem falar isso diretamente. Maria, a mais velha da casa, com vinte e sete anos, já era considerada velha para os padrões da época. Também não era lá essas coisas. Um dentão desalinhado na parte de cima de sua boca produzia estragos visíveis em sua concepção arquitetônica. E por azar, já direcionava minhas lentes para outro foco, bem perto dali e com dez anos a menos de idade. - E Maria Rita,aonde anda a esta hora? perguntei, fingindo distância e desinteresse.Eu sabia que meninasmoças de dezessete anos eram tesouro que os pais guardavam a sete chaves, intocáveis. Literalmente intocáveis. - Está trancafiada no quarto, estudando. Ela tem dificuldades com Língua Portuguesa. Resposta de Dona Ione foi meio protocolar, era visível. A mãe de Maria Rita se referia à filha como valoroso cristal pronto a despedaçar-se à vista de qualquer aproximação aparentemente indesejável. Era o que se podia traduzir de suas explicações protocolares. Um silêncio pesado foi o ato seguinte, até que as cortinas caíssem. - Boa noite, Dona Ione. Também vou até a praça. E aproveito para dizer que vou fazer trabalho para meu banco em outro estado e só volto daqui a quinze dias.



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