Caderno farroupilha 2014

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JONATHAN HECKLER/JC

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Porto Alegre, 19 de setembro de 2014 Caderno Especial do Jornal do ComĂŠrcio


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Porto Alegre, 19 de setembro de 2014

Farroupilha Farroupilha

Caderno Especial do Jornal do Comércio

• Editor-Chefe: Pedro Maciel (maciel@jornaldocomercio.com.br) • Editora de Cadernos Especiais: Ana Fritsch (anafritsch@jornaldocomercio.com.br) • Subeditoras: Cíntia Jardim (cintiajardim@jornaldocomercio.com.br) e Sandra Chelmicki (sandra@jornaldocomercio.com.br) • Reportagem: Ricardo Lacerda • Projeto co e diagramação: Ingrid Müller • Editor de Fotogr a: João Mattos • Revisão: André Fuzer, Daniela Florão, Luana Lima e Thiago Nestor


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Caderno Especial do Jornal do Comércio

Farroupilha Farroupilha

Caderno Especial do Jornal do Comércio

HISTÓRIAS Da maternidade para o piquete JONATHAN HECKLER/JC

Giovana nasceu antes do tempo. O parto estava programado para o dia 30 de setembro, mas a pequena pegou a família de surpresa e veio ao mundo em 25 de julho, na trigésima semana de gestação. Saiu da maternidade em uma sexta-feira, quando ainCamila fez até o chá de fralda de Giovana no acampamento da pesava menos de dois quilos. No dia 7 de setembro, já fazia sua primeira visita ao piquete da família, o Morada Campeira, a bordo de um delicado carrinho cor de rosa. A mãe, Camila Portal, aproveitou a ocasião para promover um chá de fraldas com os parentes – com direito a decoração personalizada, também em rosa, contrastando com o ar campeiro do galpão. “Já se vão 20 anos que fazemos o nosso piquete. É uma tradição iniciada pelo meu pai e que a Giovana, com certeza, vai levar adiante”, garante Camila.

Grêmio montou o CTG Tricolor dos Pampas

Haja churrasco JONATHAN HECKLER/JC

Grêmio e Internacional também estão presentes no maior evento tradicionalista do Estado. Na edição deste ano, cada clube montou um galpão o ial para receber os torcedores. Enquanto o Grêmio contou com o CTG Tricolor dos Pampas, mesclando atrações da cultura gaúcha com a paixão pelo azul, preto e branco, o Inter trouxe ao Parque da Harmonia o DTG Lenço Colorado, reunindo interessados em manter viva a chama da tradição. Apesar da tradicional rivalidade, o clima fora de campo foi de cordialidade e integração. “Sempre tem espaço para auta, mas o que prevalece é a amizade e a ident cação com a cultura gaúcha, que está acima dos dois clubes”, rma Paulo Renato Bellarmino, patrão do DTG Lenço Colorado. Além disso, há também os piquetes montados por grupos de torcedores. Um deles é o Grêmio do Prata, criado por integrantes de um movimento político tricolor. Gabriel Tessis, o patrão, garante que o piquete chega a receber até 200 pessoas por dia – incluindo-se alguns colorados. “Estamos abertos a todos, sem restrição”, salienta.

Inter trouxe ao Parque da Harmonia o DTG Lenço Colorado

ROBSON PANDOLFI/DIVULGAÇÃO/JC

Garantindo a clientela

JONATHAN HECKLER/JC

Todos os anos, em setembro, o artista plástico Jeferson Cruz sai de Viamão, onde mora, para se instalar entre os cerca de 70 expositores da Feira de Artesanato do Acampamento Farroupilha. Com um estande repleto de pinturas inspiradas no Pampa, o pintor transforma em tela ícones da cultura regional rio-grandense, entre eles, o chimarrão, a estância e o cavalo crioulo. “Geralmente, o cliente traz a foto do próprio cavalo para eu pintar”, explica. Mostrando-se atento ao público de menor poder aquisitivo, Cruz também traz para o acampamento reproduções de suas pinturas, que custam, em média, R$ 250,00 a menos do que as telas originais. Em meio a uma rotina puxada durante os Festejos Farroupilhas, ora atendendo um interessado, ora preparando mais uma obra, o artista plástico garante que o resultado compensa. Com a exposição e o atendimento a um público mais vinculado à temática regional gauchesca, as encomendas acabam sendo su ientes para garantir trabalho e renda para o resto do ano. “O acampamento é uma baita porta que se abre para conseguir clientes”, rma. Cruz transporta para a tela os ícones da cultura gaúcha

Além da costela, vazio e linguiça disputam a preferência dos acampados

Uma história em espanhol

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Equipamento propicia comodidade no preparo dos assados

GILMAR LUÍS/JC

Assado de “supergrelha” No piquete Charla de Galpão, a mística da churrasqueira tradicional dá lugar a uma “supergrelha”. Assim é chamada uma engenhoca onde costumam ser preparados os costelões da família Bianchini no acampamento. Com formato semelhante ao de uma banheira de lata, o equipamento motorizado possui uma engrenagem que gira uma enorme grelha – algo como um espeto rotativo. Danilo Bianchini, patrão do piquete, garante que a invenção é cria da própria casa, ainda que desenvolvida por uma empresa parceira. Com o equipamento, ele garante maior comodidade para o preparo das carnes. “Essa supergrelha é exclusiva nossa. Pode percorrer os vizinhos do acampamento que tu não vai encontrar nada igual.”

JOÃO MATTOS/JC

O Gre-Nal dos piquetes

Se existe uma coisa que jamais pode faltar durante os Festejos Farroupilhas, não há dúvida de que se trata de carne. Ao longo dos 40 dias em qu ca instalado dentro do acampamento, o Açougueiro da Feira – único açougue do evento – chega a vender mais de 40 mil quilos. Ainda que não faltem pedidos por linguiça, vazio, porco e até mesmo ovelha, a preferência geral é pela tradicional costela, cujo quilo é vendido a R$ 15,90 na versão com osso. Há seis anos trabalhando no local, o açougueiro Marcelo da Silva põe abaixo uma das maiores místicas que envolvem o verdadeiro churrasco gaúcho. “Essa história de comer costela gorda não existe. Os caras chegam aqui e reclamam se eu pegar uma carne com muita gordura”, revela. Segundo ele, di ilmente um assado organizado por piqueteiros para 20 ou 30 pessoas sai por menos de R$ 500,00. Em dias de acontecimentos especiais, o açougue chega a vender até 12 costelas de uma só vez, algo em torno de 300 quilos de carne. ROBSON PANDOLFI/DIVULGAÇÃO/JC

Em uma das pontas da Feira de Artesanato do Acampamento Farroupilha, o que chama a atenção é o Piquete da Leitura. Neste recanto literário estão não mais do que meia dúzia de bancas de livros. Entre elas, a Calle Corrientes, especializada em língua espanhola e comandada Gomez é um dos livreiros que pa pa do Piquete da Leitura pelo argentino Miguel Gomez. Nascido na pequena Laprida, província de Buenos Aires, o livreiro vive desde 1977 em Porto Alegre. “Com o golpe militar, a coisa ou meio complicada por lá”, diz ele, que por muitos anos foi jornalista. Estabelecido com seu pequeno comércio na rua Uruguai, no Centro da Capital, o livreiro argentino aproveita os Festejos Farroupilhas para aproximar o contato com a gauderiada. Enquanto ouve um CD de Atahualpa Yupanqui, tradicional folclorista argentino, Gomez faz questão de mostrar obras à venda de Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Ernesto Sabato. Durante o acampamento, no entanto, os títulos mais procurados são aqueles relacionados ao ambiente tradicionalista. “Os livros sobre cavalo são os que mais vendem, mas tem muita gente que procura coisas de guasqueiro”, completa.

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Porto Alegre, 19 de setembro de 2014

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Farroupilha Farroupilha

TEMA

ENTREVISTA

É só olhar e ver Algumas músicas conseguem tocar o imaginário das pessoas. É o caso de “Eu sou do Sul”, do cantor e compositor nativista Elton Saldanha. Considerado um dos hinos informais do cancioneiro gauchesco, o tema exala uma poderosa identificação regionalista. Ao ouvi-la, há quem chegue a salivar, projetando mentalmente o mais genuíno churrasco. Outros pensam no campo, no cavalo ou no galpão. Não por coincidência, o tema dos festejos farroupilhas de 2014 é “Eu sou do Sul”. Afinal, que frase melhor representa a sensação de pertencimento à terra, tão típica dos gaúchos? Escolhida pela Comissão Organizadora dos Festejos Farroupilhas em janeiro, a temática serviu de norteadora para as entidades das 30 regiões tradicionalistas do Estado desenvolverem roteiros próprios para serem apresentados durante as atividades culturais da 27° edição do Acampamento Farroupilha. Na pauta, não faltou atenção a elementos conhecidos do cotidiano tradicionalista – como as danças, a culinária, a indumentária, as lides campeiras, a geografia, a música e, é claro, a Revolução Farroupilha. Com isso, o público que compareceu ao acampamento nestas duas semanas pôde conhecer detalhadamente as diversas manifestações do folclore regional. Aspectos comuns do cotidiano, no entanto, existem aos montes. E foi justamente por isso que a Comissão Organizadora propôs às 30 regiões que explorassem, cada uma a sua maneira, suas particularidades. De acordo com Manoelito Savaris, presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), o tema valoriza as características únicas de cada recanto do Estado. “O município de Rolante, por exemplo, é a terra do Teixerinha; em Dom Pedrito, ocorreu a assinatura do Tratado de Poncho Verde; já Taquara tem o orgulho de ter sido rota de tropeiros... E assim vai”, ex-

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Uma charla com Xirú

plica. Ainda que unidos sob uma mesma simbologia, cada pago do Rio Grande tem sua própria história a contar. E foi isso o que os olhares mais atentos puderam perceber durante os festejos. Ao longo de 20 dias de acampamento, os piquetes mostraram a todos que a cultura nativista tem, sim, suas múltiplas faces – com hábitos e costumes comuns aos gaúchos de todas as querências. “A gente não precisa de muitas invenções. Cultua-se a tradição e ela se basta”, resume Giovani Tubino, coordenador de Tradição e Folclore da Secretaria Municipal da Cultura. Ao contrário do que acontecia em edições anteriores, quando a música-tema era eleita por meio de concurso, em 2014 a escolha aconteceu ao natural. Honrado, Elton Saldanha conta que recebeu com surpresa o pedido para usar sua composição. Em mais de 30 anos de carreira, o artista nunca havia pensado receber uma distinção como esta. “É uma homenagem de grandeza sem tamanho, porque geralmente essas coisas só acontecem quando as pessoas já estão mortas”, afirma, sorrindo. Composta há mais de 20 anos, “Eu sou do Sul” caiu no gosto popular ao ser apresentada na 22ª Califórnia da Canção Nativa, em 1993, em Uruguaiana – além de aparecer com destaque entre as faixas do disco “Cavaleiros da Paz”, de 1995. Comumente utilizada para simbolizar a figura simplória, humilde e receptiva do gaúcho, a canção propõe uma reflexão sobre o que representa, de fato, “ser do Sul”. “Nascido entre a poesia e o arado, a gente lida com o gado e cuida da plantação... Você que não conhece o meu Estado, está convidado a ser feliz neste lugar”, dizem alguns dos versos. Para o músico, temas assim, tal como um cavalo xucro, são impossíveis de dominar. “A música transita sozinha”, conclui.

Dizem os bons costumes que todo anfitrião deve ser atencioso com quem visita sua casa. Ao perambular pelas ruas por onde se espalham os 367 piquetes O Patrono exalta a hospitalidade gauchesca do Acampamento Farroupilha de 2014, Heraldo de Carvalho faz exatamente isso. Observa, cumprimenta e conversa com quem está à sua volta. Ainda que não seja mais o administrador do Parque da Harmonia, cargo que ocupou por 18 anos, Xirú é uma referência na maior festa popular do Rio Grande do Sul. Em 1982, quando o engenheiro Curt Zimmermann concebeu o parque, coube ao tradicionalista a missão de levar a cultura gauchesca para o local. Nada mais do que merecida, então, a escolha deste filho de Cachoeira do Sul para patrono do evento deste ano. “Foi muita bondade os amigos e colegas tradicionalistas terem lembrado de mim”, afirma. Na entrevista a seguir, Xirú recorda os primeiros passos para viabilizar o acampamento e destaca que a hospitalidade está entre as grandes virtudes do povo gaúcho.

De onde saiu a ideia do acampamento?

Quando o Curt fez o ajardinamento do Palácio Piratini, em 1971, conheceu o Glauco Saraiva [folclorista] e questionou por que não havia um espaço público aberto para a gauchada confraternizar. Naquele tempo, a cultura tradicionalista estava um pouco defasada. Aquilo ficou na cabeça do Curt até que, no começo dos anos 1980, de cima do prédio da Smov, enxergou uma oportunidade no local onde seria instalado um terminal de ônibus. Ligou para o prefeito, Guilherme Villela, e ganhou carta branca para construir o parque – desde que não custasse caro demais. Quando as obras começaram, me chamou para trazer o folclore, a cultura gauchesca.

E como a gauchada deveria ser recebida?

Primeiro foi feito um fogo de chão, num local em que o turista chegava e poderia conhecer um pouco mais da nossa cultura. Fazíamos as festas e acampávamos na fazendinha, aqui mesmo. Quando abrimos para grupos, a ideia era trazer uns 10 ou 20, e com isso já daria um acampamento. Para cada CTG que chegava, dizíamos “pega um espaço, de acordo com a necessidade.” Mas a coisa aumentou tanto que tivemos que organizar em piquetes.

Cantor Elton Saldanha compôs um dos hinos informais mais famosos do cancioneiro nativista

De que maneira o acampamento cresceu?

Os CTGs vinham ao natural. Eu trabalhava numa emissora de TV e dançava em dois lugares diferentes, então trazia esse pessoal. Na década de 1990, as outras regiões começaram a vir também, entrou o MTG, as secretarias de Cultura e Turismo... daí só cresceu.

E essa honraria de ser patrono?

Foi uma surpresa. Em 2006, eu já havia sido homenageado na Semana Farroupilha. É muito bom ser lembrado pelos companheiros. O trabalho do patrono é estar sempre presente, sendo o interlocutor entre a Comissão Organizadora e o pessoal acampado.

EDUARDO ROCHA/DIVULGAÇÃO/JC

Na tua visão, qual a missão dos acampados?

Olha, tchê, a marca do gaúcho é estar de braços abertos com a hospitalidade da nossa cultura e tradição, ainda mais para quem vem de fora. É como receber uma visita na casa da gente.

De que modo o acampamento pode ser melhorado?

O governo poderia dar ainda mais assistência. É a nossa cultura sendo exposta. Anos atrás, tínhamos uma imagem defasada. Dificilmente se via alguém de bombacha. Hoje, o tradicionalismo é mais bem-visto. Temos mais amor à cultura e o pessoal é mais unido.

ROBSON PANDOLFI/DIVULGAÇÃO/JC

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