2 minute read

Papai, por que você vai trabalhar?

Next Article
Espaço

Espaço

Ano: 2022

Reitoria

Advertisement

Autora: Bráulio Siffert Relações Públicas no IFNMG e autor do livro “Ser pai transforma”

Volta e meia minha filha de dois anos reivindica ir comigo ou com a mãe “trabalhar”, afinal na cabeça dela toda saída de casa, com exceção dos exames médicos, é, naturalmente, para algo mais divertido do que a casa, sob pena de não fazer sentido sair do conforto do lar. Mas, tudo bem, a criança não tem projeção de longo prazo. A relação de causa e efeito entre o trabalho e o financiamento do pula-pula ainda não lhe faz sentido. “Se todos os dias papai e mamãe saem de casa e ficam horas e horas ‘trabalhando’, coisa ruim num deve ser, porque se fosse, qual seria a utilidade?”, pensa ela. Para piorar, algumas vezes já a levamos para visitas aos nossos locais de labuta. Gente do nosso tamanho sorrindo, computador pra todo lado, ofertas de coisas para brincar, telefone fixo, calculadora, espaço de sobra, salas de aula, papéis e canetas dando sopa. “Assim eu quero trabalhar também!”, deve pensar. É tanto que de vez em quando, ao ir para a escolinha, solta que “está indo trabalhar”, afinal, lá ela também segue regras, faz tarefas, escreve em papéis, vê gente do tamanho dela sorrindo. Mas nada é tão simples que não possa se complexificar. De vez em quando, ao chegar em casa e liberar a babá, minha filha pergunta a ela: “Está indo trabalhar?”. Tentamos explicar, provavelmente sem sucesso, que o trabalho dela é ficar na nossa casa, no lugar que deixamos quando precisamos ir trabalhar e de onde depois ela vai embora cuidar da filha dela, que é cuidada pelo trabalho de uma outra pessoa. “Ahn?”. Essa confusão me fez refletir: Qual sentido tem no meu trabalho? Será que eu me divirto? Valorizo o sorriso das pessoas? Que espaço estou ajudando a construir? Escuto as histórias e demandas dos colegas com paciência, como se criança fossem? Enfim, o trabalho é só uma ferramenta para obter algo, para dar algum resultado objetivo, ou também pode ser um espaço de fruição, de troca, de prazer e de amor? Rubem Alves, em “A educação dos sentidos”, diz que carregamos duas caixas: uma de ferramentas, de coisas “úteis” e outra de brinquedos, de coisas para fruir, desfrutar, amar por elas mesmas; e que temos uma sólida concepção de que não faz sentido gastar tempo com essas “inutilidades” da segunda caixa. De fato, não há o que fazer com uma música de Tom Jobim, um poema de Cecília Meireles, um quebra-cabeças. Mas, completa Rubem, “a vida não se justifica pela utilidade, mas pelo prazer e pela alegria”. Que nós possamos conseguir, como quer ele e minha filha, ter “inutilidades” nas nossas “utilidades”.

This article is from: