Expressão - Ed.6 - 2020

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USJT

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ESPECIAL - Págs. 6 a 9

Cultura do cancelamento As nuances e implicações de um fenômeno que ganha força nas redes dezembro 2020

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CAR@ LEIT@R

Posicionar-se sobre diferentes assuntos, atingindo grandes públicos, nunca foi tão fácil. Basta um celular e uma rede wi-fi para publicar um post que tem a chance de viralizar. Mas e quando essa publicação causa a revolta? Até que ponto a liberdade de expressão permite ao internauta “postar o que quiser”? O linchamento virtual é válido? Todas essas questões remetem ao Especial desta edição, que se debruça sobre um fenômeno que a cada dia vem se tornando mais forte: a chamada “cultura do cancelamento”. Nossos repórteres conversaram com especialistas e com pessoas que foram “can-

Caio De Luca

celadas”, para entender as nuances e consequências desse movimento. O leitor ainda conta com diversos outros assuntos interessantes nesta edição. Poderá compreender melhor o que está por trás da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD); os riscos dos aplicativos que buscam a selfie perfeita; os efeitos da polarização na importante discussão sobre educação sexual nas escolas; a resistência da academia aos filmes de terror; a luta por igualdade dos jogadores LGBTQIA+; dentre outros temas. Uma edição pensada para fecharmos o ano de 2020 de maneira prazerosa e reflexiva. Os Editores

#INSTANTÂNEO

O drama do encarceramento

Bíblia no espaço onde detentos participam de oficinas laborais, na penitenciária de Florianópolis (SC). Imagem obtida durante a apuração da reportagem “Drama do Encarceramento - Retratos da Pandemia”, produzida pelas alunas do curso de Jornalismo da Universidade São Judas, Marina Chaves e Mariana Lima, junto a outros 21 estudantes de todo o país. A matéria foi vencedora do 12º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, 2020. Link para a reportagem: dramadoencarceramento.com

#FICA A DICA

Documentário oferece raio-X incômodo da imprensa brasileira Reprodução

Jornal universitário do 4º ano de Jornalismo dezembro 2020 • ano 27 • edição 6 Chanceler Dr. Ozires Silva Reitora Mônica Orcioli Coords. dos cursos de Comunicação e Artes José Augusto Lobato - Mooca Juca Rodrigues - Butantã Vasco Caldeira - Paulista Supervisores de projeto e edição executiva Prof. Celso Sabadin MTB 14823 Prof. José Augusto Lobato MTB 0070684 Prof. Moacir Assunção MTB 21.984 Prof.ª Patricia Paixão MTB 30.961 Supervisora de projeto e direção de arte Prof.ª Ana Vasconcelos MTB 25.084

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Redação Alun@s do 4º ano de Jornalismo da Universidade São Judas Impressão Folha Gráfica Converse com a gente jornalexpressao@usjt.br Instagram @jorn_expressao Facebook @expressaoUSJT Foto de capa Caio De Luca

Anderson Coelho

A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha - A fraude jornalística que mudou a história do Brasil Diretor: Pablo López Guelli Lançamento: 2019

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Ana Julia Guedes

“Você acha normal isso?” A fala da jornalista Laura Capriglione, logo nos primeiros segundos do documentário "A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha" refere-se à falta de cobertura da imprensa durante as manifestações do movimento #EleNão, ocorridas no período eleitoral de 2018 contra o então candidato a presidente Jair Messias Bolsonaro. Ao longo dos minutos subsequentes do filme, o espectador percorre uma linha do tempo que vai do impeachment da presidente Dilma Rousseff até a posse de Bolsonaro, com o apontamento de diferentes eventos que o levaram ao poder.

Se no século XIX o Quarto Poder tinha o importante papel de atuar em favor da sociedade, os relatos que compõem o filme mostram que, cada vez mais, os valores de veracidade e imparcialidade deixaram de ser uma prioridade na imprensa, substituídos por um monopólio que visa agradar aos interesses de uma pequena elite. Isso fica explícito ao relembrarmos das Jornadas de Junho de 2013 contra o aumento das tarifas de transporte público. O que começou como um evento de luta pelos direitos fundamentais foi rápida e facilmente distorcido pela mídia. Ou, segundo a cobertura da imprensa, uma “festa da democracia”.

Como consequência, vemos no filme a trajetória do aumento da popularidade desenfreada de Jair Bolsonaro (hoje sem partido), que conquistou o apoio da população ao interpretar uma espécie de salvador da pátria - imagem reforçada, mais uma vez, pelos grandes grupos midiáticos brasileiros. A fala do linguista Teun Van Dijk resume perfeitamente a mensagem por trás do documentário: “uma boa manipulação não se nota”. Pablo Guelli, diretor do filme, cumpre, com louvor, seu objetivo geral: denunciar a estratégia de mídia, reforçando a importância de um jornalismo livre e independente, e desafiando a busca pela verificação de informações por parte da população.


PROTAGONISTA

Jornalista-jardineiro homenageia mulheres garis em seu TCC Eduarda de Paula Silva e Yasmin Queiros de Lima

Sentado de maneira despojada, mostrando se sentir à vontade com a entrevista mesmo sendo feita a distância, nem parecia que Luciano Magalhães Diniz, ex-jardineiro e jornalista recém-formado, morador de Goiânia (GO), tinha se preparado para a conversa, mas pelo reflexo dos seus óculos de grau, no entanto, era possível notar uma “ring light” na sua frente, usada para iluminar o local e trazer mais foco para seu rosto. Além disso, ele se preocupou com barulhos ambientes em sua casa, já perguntando, antes do início, se o ventilador estava atrapalhando e pedindo desculpas pela rouquidão de sua voz, causada pela Covid-19: ele tinha sido testado positivo na semana anterior. Luciano Magalhães tem 45 anos. Formou-se em jornalismo na Faculdade Sul-Americana (Fasam) em 2019 e trabalha na assessoria de imprensa da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg). Antes disso atuava como jardineiro na mesma companhia. Desde que sua mãe, Maria Nazaré Diniz, lhe deu sua primeira máquina fotográfica, aos 10 anos, tornou-se um amante da fotografia. “Eu digo hoje que sou fotógrafo formado em jornalismo.” Algumas reportagens que saíram em Goiânia depois do dia 28 de julho de 2019 (época de sua formatura) citavam o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Luciano, que chorou quando recebeu dos seus três professores nota 10 pela apresentação da exposição fotográfica “Sou Mulher, Sou Gari”, em que buscou retratar o universo das trabalhadoras da limpeza urbana em Goiânia. Luciano entrevistou e fotografou 30 garis entre os 3 mil profissio-

Fotos: arquivo pessoal

Luciano Diniz Guimarães, que desde criança é amante da fotografia, registrou imagens de 30 colegas trabalhadoras da limpeza pública

Luciano em sua formatura (à esquerda) e vestido de gari na defesa de seu TCC (acima)

nais da área. As mulheres somam quase 2,7% do total dos trabalhadores da Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia. Para ele, é importante humanizar essas trabalhadoras que são julgadas pelo uniforme laranja que usam, mostrar que elas têm uma vida como a de qualquer outra pessoa e que têm muito orgulho do trabalho que desempenham, pois sabem da importância dele para a cidade. Por meio do seu TCC, Luciano disse esperar que a sociedade reflita sobre o preconceito, a discriminação e o machismo que as pessoas possuem contra as mulheres garis. “Quando chamaram meu nome e entrei vestido de gari, todo mundo olhou meio assim (olhos arregalados), mas eu precisava fechar com chave de ouro, porque eu estava falando de um tema de visibilidade e queria mostrar que a invisibilidade continuava”, explica. Ele conta que escolheu falar sobre mulheres, porque sofreu preconceito sendo

um homem que trabalhava limpando a cidade, então pensou: imagina as mulheres? “Eu me escondia, porque a primeira pessoa que encontrei deu a volta em torno de mim, achou que eu queria fazer algo com ela e chamou até a polícia. Me senti muito mal com isso e pensei: ‘Gente, se sou homem e sofro preconceito, como é uma mulher vestindo esse uniforme?” Luciano queria mostrar o potencial dessas mulheres, contar histórias de superações e ressaltar que, mesmo sofrendo preconceito, elas nunca desistiram e sempre olharam para trás e falaram ‘essa rua está limpa, porque eu limpei’, confrontando os que as oprimiam e julgavam. O CAMINHO ATÉ O TCC

Desde 2006, quando foi aprovado no concurso da Comurg, Luciano cuidava das ruas, praças e jardins da cidade e aproveitava para fotografar as paisagens com uma máquina pequena que ficava guardada no seu bolso, para mostrar aos seus filhos lugares onde estava trabalhando e também para conscientizá-los a não jogar lixo nas ruas e praças. “Então você

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não precisa jogar (lixo) na rua, porque a gente tem que entender que a rua, o planeta é um bem comum de todos nós.” Com tantas fotos em mãos depois de rodar por Goiânia e com a ajuda de amigos, decidiu montar uma exposição chamada “Goiânia em preto e branco”, para mostrar para as pessoas de fora e para seus colegas que são trabalhadores de limpeza urbana o quão importante é o trabalho deles e de certa forma homenageá-los por seu esforço diário em manter os locais públicos limpos. A ideia de fazer jornalismo veio logo depois, já que Luciano desejava não só tirar fotos, mas escrever sobre elas. “Às vezes você não precisa de um grande texto ou uma pequena legenda, se você tem uma bela imagem que fala por si só, então eu aprendi muito isso, gosto da escrita, mas ainda prefiro a imagem”, conta rindo. Luciano faz parte de uma minoria que conseguiu ir para a universidade mesmo depois dos 40 anos, já que, segundo os dados do Censo de Educação Superior de 2015, havia mais de 8 milhões de universitários no Brasil, dos quais 732 mil tinham mais de 40 anos, o que representava 9,12% do total. Durante seus estudos decidiu lançar um livro chamado “Resíduos de Goiânia em preto e branco”, junto com seu amigo Silvio Sousa, de 42 anos, ex-gari, jornalista e professor graduado em Letras, que escreveu os poemas, enquanto as fotos ficavam por sua conta. “Eu sinceramente só acreditei quando vi ele na minha mão. Fui tipo São Tomé, só acreditei vendo, porque era algo muito distante. Eu ficava pensando: ‘será?’. Mas aconteceu”. No ano passado se formou em jornalismo, oferecendo um olhar positivo sobre suas colegas garis. Segundo Luciano, ele queria mostrar um outro lado do trabalho dessas mulheres, dessas profissionais que, de acordo com a prefeitura de Goiânia, andam cerca de 3,6 quilômetros lineares por dia, enquanto empurram um carrinho com capacidade para 150 litros e que pesa 22 quilos quando está vazio.

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EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS

Tecnologia favorece alunos com deficiência auditiva Amanda Beiro, Luciana Vianna e Paula Scateno

Dados divulgados em fevereiro de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) apontam que 10 milhões de brasileiros possuem deficiência auditiva e que, desse total, cerca de 2,7 milhões não escutam absolutamente nada. Em tempos de distanciamento social, digitalização e aulas online, como está a realidade dos estudantes que fazem parte desse universo? Há diferentes graus de deficiência auditiva, variando de pessoa a pessoa. No Brasil destacam-se

Arquivo pessoal João Coelho

Estudante acredita que aulas online têm mais potencial de inclusão do que as presenciais aqueles que necessitam do aparelho auditivo para conseguir ouvir, como é o caso de João Coelho, 21, estudante de Publicidade e Propaganda na Faculdade Cásper Líbero. João utiliza o aparelho desde que tinha 1 ano de idade, e conta com a tecnologia para se adaptar às aulas remotas. “Eu sinto que as aulas online têm bastante potencial para serem bem mais inclusivas do que as presenciais, por conta da contribuição tecnológica”, conta. Para acompanhar as aulas a distância, João utiliza o aparelho Resound, da Dolby Digital. A tecnologia ajuda

João Coelho, 21, conta com a tecnologia para se adaptar às aulas remotas o estudante a ouvir o som do computador diretamente no aparelho. João destaca que, graças

ao Resound, a adaptação se tornou fácil. “Comigo está tudo bem, mas e se eu não tivesse todo esse

equipamento? O que seria?”, questiona. O mestre em Educação, Linguagem e Sociedade, Danilo Pessopane de Almeida, 30, professor na Fundação Municipal de Educação e Cultura de Santa Fé do Sul, no interior de São Paulo, acredita que aulas remotas despertaram uma nova realidade para os estudantes e docentes na busca da adaptação. “Essas aulas tiveram grande influência na busca pela formação continuada por parte dos professores, porque eles precisaram sair da zona de conforto, pesquisar e descobrir novas formas de efetivar o processo de ensino-apren-

dizagem e incluir as pessoas com deficiência”, explica Danilo. Para o docente, as aulas online auxiliam a aproximação entre os alunos com deficiência auditiva e educadores, mas ele destaca que nada substitui a presença física do professor. Para ajudar os alunos que não ouvem ou têm dificuldades, Danilo tem utilizado meios de comunicação em vídeo, como o Google Meets, com o apoio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). O uso dessa e outras ferramentas o ajudou a dar continuidade no processo de ensino e aprendizagem, mesmo a distância.

SOFRIMENTO PSICOLÓGICO

Pexels Andrea Piaquadio

Síndrome do impostor pode afetar rendimento acadêmico

Autossabotagem interfere na vida acadêmica e profissional Djenifer Dias, Kathleen Novaes e Vanessa Machado Você costuma desacreditar dos elogios que lhe são direcionados? Pensa com

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frequência que aquilo que você faz não é bom o suficiente? Se você respondeu sim a essas questões saiba que pode estar sofrendo da chamada “síndrome do

impostor”, uma autossabotagem que é capaz de atrapalhar a vida acadêmica e profissional. Melissa Tavares, 20, estudante da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sofreu com os efeitos da síndrome. Ela não se sentia pertencente à instituição em que estuda. “Achei que fosse um sonho grande demais que tinha se realizado e que eu não estava preparada para ele”. Para muitas pessoas a universidade pública é destinada a uma classe superior, econômica e intelectualmente, que teve competência de passar no vestibular. Melissa

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por muito tempo pensou dessa forma, acreditando que não deveria estar naquele ambiente. O psicólogo Jonatan Miranda Pedres alerta que a ansiedade, a preocupação, o estresse e a vergonha do próprio desempenho estão entre os sintomas da síndrome. “Esses sentimentos são gerados por pensamentos negativos e catastróficos generalizados e por conclusões incoerentes com a realidade, de insuficiência das próprias habilidades e de dúvida constante sobre a opinião das pessoas”, explica. Segundo Pedres, há fatores importantes que desencadeiam a síndrome.

Ele destaca, por exemplo, o caso de uma deficiência na educação primária, que pode ser impulsionada por familiares que negligenciam afeto e estímulo, para que a criança supere suas dificuldades. Também há o caso de pais que não reconhecem bons desempenhos e fazem críticas exageradas. Contam ainda o bullying e a violência psicológica, seguidos de um mercado de trabalho exigente, competitivo e desigual. É importante buscar ajuda de um profissional quando os sintomas interferem na vida profissional, pessoal ou social. A universidade também

pode ser um agente de combate a esse mal. “É necessária que seja feita uma psicoeducação em relação ao tema. É importante desestimular o bullying, dar feedbacks e avaliar de forma honesta. Fazer críticas construtivas, quando elas são necessárias”, explica Pedres. O psicólogo também reforça a importância da empatia e o senso de evolução que os docentes devem ter para com os alunos. Segundo ele, para assistir alguém que possui a síndrome é necessário fazer comentários positivos e realistas, ajudando a pessoa a ter consciência das suas conquistas.


DIVERSÃO QUE ENSINA

Jogos abordam narrativas históricas Aoca Game Lab

Desenvolvidos por pesquisadores e empresas, games oferecem interação e contribuem com o trabalho docente Marina Chaves Costa, Letícia Ozório de Carvalho e Renan de Figueiredo Pereira

Já imaginou aprender sobre História do Brasil por meio de jogos? E que tal descobrir, brincando em um game, como era viver na Irlanda medieval dos séculos 13 e 14? Graças ao trabalho de grupos de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) tudo isso é possível. Eles desenvolveram jogos para tornar o ensino de História mais sedutor e interativo. O jogo virtual SAMBAQUIS - Uma História Antes do Brasil (maio, 2019) e o jogo de tabuleiro Os Triunfos de Tarlac (previsão de lançamento para 2021) são didáticos, com enfoque no Ensino Fundamental e Médio. Ambos são ini-

Cícera, protagonista do jogo "Árida, O Despertar do Sertão" ciativas dos Grupos de Pesquisa ARISE (Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas) e LEME (Laboratório de Estudos Medievais) e são ofertados gratuitamente. Em SAMBAQUIS o jogador é um arqueólogo que viaja no tempo para 3000 anos atrás, quando povos sambaquieiros ocupavam o litoral brasileiro.

Os sítios arqueológicos dos homens do sambaqui são formados pelos resquícios deixados por essa sociedade. O lançamento do game aconteceu no município de Tubarão, Santa Catarina, onde os sítios recebem excursões escolares com frequência. O jogo é uma parceria dos pesquisadores da USP com arqueólogos da UNI-

SUL (Universidade do Sul de Santa Catarina). “A partir do momento que tem um game que é baseado em um sítio arqueológico, que tenta fazer essa construção do passado, você consegue fazer um trabalho prévio com os alunos em sala de aula. Depois é só levar os estudantes a campo, para a excursão”, conta Alex Marti-

nava uma cidade antiga”, explica Vinícius. Existem também alguns jogos históricos que são comercializados. É o caso do Árida: Backland's Awakening (Árida, O Despertar do Sertão), desenvolvido pela empresa baiana Aoca Game Lab. O game é ambientado no sertão baiano, na região de Canudos, no século 19. Após grande sucesso, em breve ganhará sua parte dois: Árida, Rise of the Brave (Árida, A Ascensão dos Valentes, em tradução livre). “Mesmo se dentro desse contexto você estiver trabalhando com elementos temáticos de uma disciplina escolar, o jogo primeiro tem que cumprir a função dele que é a interação”, defende Filipe Pereira, CEO da Aoca.

re, doutor em Arqueologia pela USP e coordenador do grupo ARISE. Já em Os Triunfos de Tarlac, o cenário é a Irlanda medieval dos séculos 13 e 14. Nesse multi-player, os jogadores enfrentam guerras políticas entre diferentes facções. Também precisam sobreviver às dificuldades ambientais típicas da “Pequena Era do Gelo”, esfriamento global que ocorreu durante esse período. O jogo é fruto da tese de doutorado de Vinicius Marino, do LEME. “Além da parte visual, narrativa e sonora, há regras pra contar uma história. Isso é ótimo para a História e para a Arqueologia, porque às vezes é justamente isso que a gente quer passar para as pessoas: como funciona uma sociedade, como funcio-

VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Cinthia Martins e Gabriella Bernardino

Em agosto de 2020 o Brasil esteve imerso num debate inflamado sobre gravidez infantil e aborto. No centro da polêmica estava uma menina de 10 anos, grávida de 22 semanas, após abusos sofridos em casa desde os 6, cometidos pelo seu tio. Casos como este têm sido atendidos com frequência no Sistema Único de Saúde (SUS). Dados do SUS, organizados pela BBC News Brasil, revelam que ocor-

rem, em média, seis internações diárias por aborto envolvendo meninas de 10 a 14 anos que engravidaram após serem estupradas. No país onde a desinformação e a polarização política atingem níveis alarmantes, um dos direitos da criança e adolescente que poderiam ajudar os pequenos a procurarem ajuda contra casos como este, a educação sexual, é negado. Apesar de não ser prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a educação sexual é um direito assegurado pelo ECA (Estatuto da

Criança e do Adolescente), mas infelizmente tem sido muitas vezes interpretada de maneira equivocada e/ ou maliciosa. A dificuldade de implementá-la no âmbito escolar se deve justamente ao fato de não haver leis que a regularizem na educação brasileira. Apenas 20% das escolas abordam o tema. Dados do Disque Direitos Humanos apontam que em 76% dos casos, os abusos contra crianças são realizados no ambiente familiar. Pais e padrastos figuram como principais abusadores.

Segundo Daniela de Souza Ferreira, psicóloga clínica formada pela Universidade Estácio de Sá/ RJ e que trabalha há anos com vítimas do abuso infantil, este tipo de violência abrange as demais. “Não é só uma agressão física. Envolve a violência emocional e psicológica. Gera traumas e problemas que podem se apresentar durante toda a vida da vítima”, afirma. Para a doutora, a subnotificação não é o único fator que sugere que os números reais sejam muito maiores.

“O grooming [aliciamento de menores] é outro problema que pode impedir a criança de se abrir. Nesses casos, o abusador manipula o menor usando pressão psicológica, recompensas concretas, como brinquedos e dinheiro, e atenção”, explica. A educação sexual pode e deve ser utilizada para a conscientização nas escolas, mas não apenas dentro do material didático. “Ela deve ser abordada também pelos pais ou cuidadores em casa ou onde a criança e o adolescente vivem”, salienta Daniela.

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Pixabay

Polarização afeta educação sexual nas escolas

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ESPECIAL • CULTURA DO CANCELAMENTO

Diálogo ou punição? Caio De Luca

Para especialistas, cancelamento tem caminhado para a exaltação de egos e linchamento virtual

Adrianny Cristhine, Camila Santana Quaresma e Júlia Assis

O movimento conhecido como “cultura do cancelamento” surgiu nas redes sociais e ganhou força e visibilidade em 2017. Por meio da hashtag #metoo, vítimas de violência sexual em Hollywood começaram a denunciar casos vindos de pessoas que, pelo posto, reputação ou hierarquia que ocupavam, não eram suspeitas de praticarem abusos. Um dos casos mais famosos foi o do ex-produtor de cinema Harvey Weinstein, condenado a 23 anos de prisão por abuso sexual e estupro, seguidos de cinco anos de supervisão fora das grades. O cancelamento veio para expor causas e dar visibilidade a elas, fazendo com que a sociedade discuta questões importantes antes não debatidas, e entenda as proporções de cada situação no âmbito social. Entretanto o movimento tem tomado caminhos diferentes. Há casos de cancelamento que perdem o intuito de dar visibilidade a uma causa. Segundo a professora Jaqueline Conceição ativista, feminista e fundadora do coletivo Di Jejê, espaço de formação e produção de conhecimento sobre a mulher negra, o cancelamento hoje em dia tem um caráter punitivista. “Ele não ensina. É apenas uma ferramenta que intensifica uma visão unilateral”,

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“O usuário que cancela se coloca na posição de juiz, não de questionador" Alberto Siufi, professor e filósofo afirma. Isso pode ser facilmente percebido como um boicote, ao silenciar a pessoa "cancelada", não dando a ela a possibilidade de diálogo. Para Alberto Siufi, professor e filósofo especializado em Ética e Cidadania na Escola, pela Universidade de São Paulo (USP), a cultura do cancelamento é ruim, porque desincentiva o debate. “O usuário que cancela se coloca na posição de juiz, não de questionador. Isto leva a vítima a perder a sua validação social”, explica Siufi.

De acordo com Fabio Mariano Borges, professor no programa de Mestrado da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e doutor em Sociologia do Consumidor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o processo de cancelamento se assemelha ao linchamento. “Ele é motivado pela vontade de fazer a vítima desaparecer. O meio usado para isto pode ser prejudicando-a comercialmente através do boicote”, esclarece o docente. O processo acon-

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tece de modo que a pessoa atingida não consegue se explicar. O público passou a escrutinar o posicionamento de pessoas e de empresas e qualquer deslize pode ser um motivo para deixar de se tornar seguidor e, por consequência, consumidor. A cultura do cancelamento pode levar internautas a buscarem comentários e posts antigos de alguém nas redes sociais, usando essas mensagens contra a pessoa, mesmo que ela tenha mudado de comportamento. Para Emily Soares, estagiária de Publicidade e Social Media da Agência Mais, é preciso analisar o contexto antes de decidir cancelar alguém: “Em vez de levar a pessoa a um castigo drástico, talvez seja melhor ouvir suas razões e propor uma conversa para discutir as ideias”. LIBERDADE PARA TUDO?

Na internet, as pessoas podem se expressar, debater e expor pontos de vista. Mas para exercer a liberdade que vem com as redes sociais é preciso, primeiro, entendê-la. “Liberdade de expressão é alguém me chamar de macaca e não ser repreendido? Não ser advertido e penalizado por ter uma conduta socialmente inadequada? Ou é a possibilidade de que a gente possa livremente produzir pensamentos teóricos sobre a vida cotidiana, por exem-

plo?”, questiona Jaqueline. A discussão se polariza quando se observa a opinião daqueles que acham as medidas tomadas pelo cancelamento efetivas e boas, funcionando como uma extensão das lutas antirracistas, feministas, favoráveis à população LGBTQIA+, dentre outras. A possibilidade de expressão na internet torna debates mais abrangentes e inclusivos, mas esse cenário cria uma linha tênue entre se expressar como um direito e usar esse direito para ferir. Jaqueline explica que a sensação de poder criada pela internet não significa que a minoria esteja realmente em uma posição superior. “A questão da liberdade de expressão é perigosa, porque beira a desonestidade, no sentido de que cria um falsa polêmica. Uma falsa ideia de que fiscalizar aquilo que é socialmente dito enquanto narrativa produzida por sujeitos em posição de poder é cercear a liberdade daqueles que têm todo poder social.” Um exemplo comum que ela dá é: “Uma mulher apontar um homem nos seus meandros do machismo, e dizerem que por isso ela tira a liberdade de expressão dele ser machista é ridículo! Qual poder uma mulher tem, na estrutura machista em que vivemos, de tirar a liberdade de um homem? O questionamento mais adequado para fazermos é como o Brasil

produz ou, como entende aquilo que chamamos de liberdade de expressão? E qual a relação desse conceito de liberdade entendido pela sociedade para com os mecanismos de opressão?” Perceber o que a cultura do cancelamento se tornou a associa muito mais com o ego das pessoas, do que como uma forma de justiça, no quesito de que o cancelamento sempre vem de quem pertencente à mesma bolha. “É a disputa pelo espaço”, ressalta Jaqueline. Com as proporções reacionistas do cancelamento atual em alguns casos, a causa perde o propósito de se fazer notar, criar movimentos e fortalecer outros. “Todo o sistema em que vivemos que tem uma política de opressão é de fato um sistema, e ele precisa ser combatido na sua perspectiva sistêmica, e não numa perspectiva pontual, porque isso causa muito mais desgaste das questões políticas, do que algum tipo de resposta”, defende Jaqueline. A cultura do cancelamento traz à tona a discussão sobre o papel da justiça. “Se a justiça no Brasil funcionasse, a gente não viveria situações onde a cultura do cancelamento precisa entrar em cena para que haja algum tipo de discussão pública sobre um tema”, argumenta Jaqueline.


ESPECIAL • CULTURA DO CANCELAMENTO

Ninguém está imune Cancelamento atinge pessoas comuns e impacta a saúde mental

Ana Paula Sousa da Silva, Lucca Prioste e Talita Candido

Alessandra Negrini, Gabriela Pugliesi, Nego do Borel, Felipe Neto, Anitta... A lista de celebridades "canceladas" por comportamentos ou opiniões consideradas inadequadas pelos usuários das redes sociais é enorme e está longe de ser encerrada. Mas a prática de deixar de seguir e boicotar pessoas na internet por seus posicionamentos não atinge apenas os famosos. Pode afetar qualquer pessoa que apresente um ponto de vista que, subitamente, acabe viralizando. É o caso da escritora da plataforma Wattpad, Ester Teixeira. Em 2016, ela foi cancelada por quase 5 mil pessoas no Twitter após dar sua opinião sobre webnamoro, os

famosos relacionamentos online. “Foi horrível, as pessoas foram muito ruins comigo e eu achei aquilo desnecessário. Meu coração ficou acelerado e fiquei aflita”, conta Ester. Ângela de Oliveira Silvestre, bióloga, foi cancelada no WhatsApp ao expor opiniões contrárias à maioria do grupo de seu bairro. “Não fui grosseira, sabe? Só quis mostrar para essas pessoas que não é todo mundo que pensa igual. Aí, pronto, começou a maior discussão, fui xingada e, um pouco depois, me expulsaram do grupo”, conta a bióloga. A psicóloga Andressa Cunha alerta para as consequências emocionais para as vítimas do cancelamento. “A pessoa passa a travar uma luta com ela mesma em relação aos seus

defeitos, e isso não garante que ela aprenda com eles. Além disso, os sentimentos de abandono, desconsideração e esquecimento são extremamente nocivos para a saúde mental”, explica a especialista. A socióloga Angela Matheus comenta sobre o impacto do cancelamento na sociedade e o relaciona a um ambiente de maior disputa e violência simbólica. “Uma das consequências seria a intolerância. As pessoas ‘canceladoras’ se tornam críticas demais”, afirma. E essa consequência vai além, uma vez que até casos antigos ou de outras décadas são criticados. “Pode ser que a postagem tenha sido realizada há mais de uma década, que o autor já tenha feito menção do erro e mesmo assim haja

“Foi horrível, as pessoas foram muito ruins comigo e eu achei aquilo desnecessário. Meu coração ficou acelerado e fiquei aflita” Ester Teixeira, da plataforma Wattpad pessoas que critiquem o fato”, acrescenta Angela. ENDEUSAMENTO E HOMOGENEIZAÇÃO

O alcance desse fenômeno tem gerado discussões acerca de seus métodos. Nátaly Neri, youtuber responsável pelo canal Afros e Afins, publicou em janeiro deste ano um vídeo intitulado “Nátaly Neri Está Cancelada: Cultura do cancelamento, representatividade e outras reflexões”, criticando como o próprio debate é prejudicado por essa cultura. A influencer afirma no vídeo que “além de uma generalização absurda dos

nossos níveis de reflexão, essa cultura do cancelamento também vem de um lugar de “endeusamento” das figuras que colocamos como nossos representantes”. A youtuber indica que há um limite na representação que uma figura pública pode ter sobre um movimento, de forma a não desumanizá-la. A homogeneização das pautas que ocorre na cultura do cancelamento define que qualquer atitude que não esteja de acordo com isso deve ser apagada, junto da pessoa que fez a afirmação. No tribunal da internet não existe espaço para retratação.

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DEFESA

Por outro lado, há quem observe esse cenário de forma positiva. Jonnes Alves, 25 anos, é conhecido como Xonis em seu blog “Fofocas da Xonis”. Ele acredita que o cancelamento consegue ajudar várias pessoas a refletirem sobre a forma como se posicionam na internet e a “sairem da bolha”. “Às vezes eu acho o cancelamento necessário para que as celebridades e subcelebridades tomem um choque de realidade e acordem um pouco para a vida, até porque elas influenciam outras pessoas”, afirma.

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ESPECIAL • CULTURA DO CANCELAMENTO

A polêmica do lugar de fala Arquivo Pessoal

Agência PT

Entender o termo é importante para evitar o cancelamento

Giovana Santana

Um homem cis, branco, de classe média, morador do centro de São Paulo, pode falar com propriedade sobre uma mulher trans, negra e moradora da periferia? As vivências e trajetórias dessas pessoas podem ser niveladas? Qual propriedade esse indivíduo, que se posiciona em uma hierarquia de poder numa sociedade estruturalmente racista, machista e homofóbica, tem para debater sobre uma realidade que não é a dele? As respostas para essas questões podem ser obtidas quando se compreende bem o conceito de “lugar de fala”, algo essencial para que as lutas dos diferentes movimentos sociais e identitários da sociedade contemporânea sejam respeitadas; ainda mais no contexto da cultura do cancelamento. Segundo Giselle Marques, arte-educadora, pesquisadora, escritora e coordenadora regional da Rede Estadual de Afroempreendedorismo em Santa Catarina, o lugar de fala traz, na sua essência, a consciência do papel do indivíduo nas lutas. Em entrevista para o portal NSC Total, Giselle explica: “É um conceito que gera uma lucidez de quando você é o protagonista ou coadjuvante no cenário de uma discussão”. Ou seja, o termo reflete a busca para alcançar o espaço para a pessoa que sofre preconceito falar por si, como

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Djamila Ribeiro, filósofa e feminista, autora do livro “O que é lugar de fala?” (de 2017)

Giselle Marques, arte-educadora e coordenadora da Rede Estadual de Afroempreendedorismo

“Uma mulher branca, ainda que feminista, pode reproduzir racismo a partir de atitudes que se tornaram corriqueiras, devido ao senso comum e à tradição” Rosane Borges, jornalista e ativista de relações de gênero intérprete de sua própria luta e movimento. Para entender o lugar de fala é necessário refletir sobre diversas questões, mas em destaque aquelas relacionadas à hierarquia e à estrutura da sociedade atual. É importante pensar, por exemplo, em quem tem mais abertura para falar e ser ouvido. Quais vozes são levadas com seriedade e quais vozes são silenciadas, ignoradas e desmerecidas. No que se refere à população negra, por exemplo, a desigualdade no Brasil é gritante. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada em 2019, 55,4% dos brasileiros se declaram

pretos ou pardos, sendo que 29% são mulheres negras. No entanto, nas 500 maiores empresas do país apenas 4,7% desse público ocupa cargos altos de poder, como o de CEO (e, desse percentual, somente 0,4% são mulheres negras). A grande polêmica é que nem todos entendem que o lugar de fala serve justamente para que a voz dos historicamente alijados seja intensificada. E quando pessoas que não fazem parte dos movimentos minoritários invadem esse espaço, com seus ideais e opiniões, a luta é dita como invalidada. Djamila Ribeiro, filósofa, escritora e feminista negra defende

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em seu livro “O que é lugar de fala?” (de 2017): “O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar. Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas e outras perspectivas”. O lugar de fala chega para confrontar a estrutura social que continuamente cala as minorias, deixando de lado vivências, opiniões e pontos de vista importantes para construção crítica de uma sociedade. "Se nós somos gente e vivemos no mundo, vivemos a partir de uma posição que te diz o que é o mundo", sintetiza, em entrevista à reportagem do UOL/Ecoa, a jornalista Rosane Bor-

ges, ativista de relações de gênero, pós-doutora em Ciências da Comunicação e professora do CELACC-USP (Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação da Universidade de São Paulo). No mesmo texto, Rosane também explica que o "lugar de fala” e a “representatividade“ estão interligados, mas não são correlatos. Mesmo pessoas que integram grupos que são minoria social podem reproduzir preconceitos. “Uma mulher branca, ainda que feminista, pode reproduzir racismo a partir de atitudes que se tornaram corriqueiras, devido ao senso comum e à tradição”, argumenta.

Não se trata de silenciar uma pessoa, mas de abrir espaço para o diálogo e para que vozes distintas sejam ouvidas e levadas a sério. “Não há silenciamento de vozes, na verdade, é justamente nesse ponto que queremos avançar. O lugar de fala traz uma liberdade para cada grupo se reconhecer e entender em qual espaço se encontra, conforme o processo de organização, e falar com propriedade a partir dele”, explica Giselle. Para a coordenadora regional da Rede Estadual de Afroempreendedorismo em Santa Catarina, esse conceito nasceu com o intuito de fazer a sociedade amplificar debates e ouvir outras vozes, não só aquelas em posições privilegiadas. O "falar", como relembra Djamila Ribeiro em seu livro, não se expressa somente no ato de fala, com frases, conversas e discussões, mas como existência. É necessário pensar sobre quais vidas existem tranquilamente na sociedade e quais, ao terem sua fala negada, são ignoradas e deixadas de lado. Na prática isso significa que é nosso dever como sociedade abrir espaço para que as pessoas que podem falar sobre certos assuntos falem e exponham suas visões. Há muito o que aprender com o coletivo, mas esse aprendizado só será concretizado, se houver a escuta e debate de ambos os lados.


ESPECIAL • CULTURA DO CANCELAMENTO

Cinco celebridades canceladas em 2020

EMPRESAS TAMBÉM SÃO CANCELADAS A agência de conteúdo digital Mutato realizou um estudo em julho de 2020 sobre a cultura do cancelamento e seus impactos e ensinamentos para os profissionais de comunicação e as marcas. A pesquisa analisou pessoas que foram canceladas nos últimos três anos nas redes sociais, buscando dados de Social Listening para compreender os mecanismos que levam ao cancelamento, os perfis de quem comumente é cancelado e as consequências desse movimento para as marcas.

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Alessandra Negrini A atriz, que desfila todos os anos no bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, foi cancelada em fevereiro, no Carnaval, por se vestir como uma índia, usando cocar e pintura no rosto. Antes de ser cancelada, Alessandra já havia dito em entrevista à revista Marie Claire que usaria aquela fantasia em protesto contra os constantes ataques aos povos originários. Ela estava acompanhada no bloco por Sônia Guajajara e outras lideranças indígenas. Mesmo assim muitos internautas encararam o fato como um ato racista.

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Gabriela Pugliese Em abril, em plena pandemia de Covid-19, com milhares de pessoas morrendo e sendo contaminadas pelo novo coronavírus, a influenciadora fitness Gabriela Pugliese realizou uma festa com amigos, alegando não aguentar mais o isolamento, e divulgou o evento nos Stories de seu perfil no Instagram. A influencer perdeu mais de 150 mil seguidores e uma boa parte de seus patrocinadores. Como resposta, postou um vídeo com pedido de desculpas e chegou a desativar sua conta no Instagram.

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J.K. Rowling

Léo Lins

Lilia Schwarcz

Usuária bastante ativa no Twitter, a escritora, roteirista e produtora cinematográfica britânica J.K. Rowling, escritora da série de livros Harry Potter, causou indignação em junho em parte dos fãs da franquia e até em integrantes do elenco dos filmes da saga do bruxo. Ela demonstrou transfobia ao criticar uma matéria intitulada “pessoas que menstruam". A autora criticou o uso destes termos, deixando de considerar que a expressão foi usada para contemplar homens trans que nasceram com o sexo biológico feminino e, portanto, também menstruam.

O humorista Léo Lins foi cancelado em julho por ter feito uma piada considerada gordofóbica. Ele usou uma foto da modelo plus size Bia Gremion para chamar a atenção de seus seguidores. Na foto a modelo justamente criticava a cultura heteronormativa que impõe que as mulheres sejam “pequenas, frágeis e extremamente magras”. Mesmo com a repercussão negativa, Léo continuou fazendo comentários gordofóbicos nas redes sociais. O comediante sentiu os efeitos das piadas infelizes. Um show de stand up que realizaria na cidade de Taubaté, no interior de São Paulo, foi cancelado.

Em agosto, após publicar um artigo no jornal Folha de S.Paulo, criticando o “filme "Black is King”, do novo álbum da cantora Beyoncé, a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz foi criticada nas redes sociais. Ela disse que Beyoncé deveria “sair um pouco da sua sala de jantar”, e que “causa estranheza que a cantora recorra a imagens tão estereotipadas e crie uma África caricata e perdida no tempo das savanas”. Representantes, ativistas e intelectuais do movimento negro pontuaram que uma pesquisadora branca não deveria opinar sobre a narrativa de uma mulher negra, e sim repensar o papel da branquitude no racismo estrutural da sociedade brasileira.

dezembro 2020

Resultado da pesquisa: 46% dos cancelados

no período analisado foram homens, brancos e heterossexuais

28% de mulheres,

brancas ou negras, e heterossexuais também foram canceladas

12% foram homens,

negros ou brancos e gays

6% foram mulheres brancas, lésbicas e bissexuais

Três maiores motivos de cancelamento, segundo o estudo: divergência política, homofobia e maucaratismo. Fonte: Agência Mutato

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VIDA DIGITAL

LGPD entra em vigor e exige mudanças de empresas e consumidores Danielle Ramos

O Senado Federal aprovou no dia 26 de agosto a MP 959/2020, que institui a vigência da Lei 13.709/18 – a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Inspirada no General Data Protection Regulation (GDPR), que formaliza a proteção de dados da União Europeia, ela tem como princípios o combate ao vazamento de dados e as invasões à privacidade. Sem lei específica sobre o tema até agora, o Brasil terá, nos próximos anos, um desafio pela frente: implantá-la e fazer com que, na prática, seja assimilada por empresas e organizações. Segundo a estudante de Direito Brunna Soldan, a LGPD será fundamental para garantir a segurança dos consumidores, ainda

mais em tempos em que utilizamos cada vez mais a internet. “A implementação da lei aconteceu no momento certo, o Brasil tinha uma carência de regras que garantiam a segurança dos dados da população.” A LGPD busca trazer mais segurança, privacidade e transparência no uso de informações pessoais, reunindo regras na coleta, no uso, no compartilhamento e no armazenamento de dados dos usuários. Com ela, todo cidadão terá o direito de consultar quais dados as empresas têm e saber como elas o utilizam, podendo solicitar sua retirada do sistema. A advogada e consultora especializada em proteção de dados Aline Carneiro afirma que a exclusão dos dados deve atender a algumas regras. “O consumidor

Pixabay

Prazo para se adequar à nova lei de proteção de dados desafia o setor privado Lucas Azoubel, advogado membro da Comissão de Direito Digital, Tecnologias Disruptivas e Startups da Ordem dos Advogados do Brasil – Distrito Federal (OAB-DF). PRAZOS

Lei Geral de Proteção de Dados irá afetar o nosso cotidiano como cidadãos pode pedir a eliminação dos seus dados pessoais quando estes forem tratados com fundamento na base legal do consentimento”. De acordo com a advogada, quando os dados estiverem ligados em outras bases legais da lei, o titular apenas poderá se opor ao tratamento e pedir a eliminação no caso de dados desnecessários.

A ideia é que o pedido de remoção de dados seja feito de forma simples, sem transtornos para quem se sentir prejudicado. “Todo aquele titular que desejar a eliminação dos dados pessoais tratados deve requerer expressamente ao controlador que tal direito seja efetivamente cumprido, desde que não haja algum impedimento legal”, explica

Com a implantação da LGPD, as empresas, públicas e privadas, terão que se adequar às novas regras. Uma das principais mudanças, é que a lei impõe às empresas que deixem claro como os dados de seus consumidores são utilizados. Elas só poderão coletá-los quando houver consentimento. Hanna Marana, analista de firmas e poderes de uma empresa de fundos de investimentos, afirma que em sua empresa foram realizadas diversas reuniões para falar mais sobre a LGPD e

para a criação de um fluxo de controle de riscos. “Cada setor fez um mapeamento de quais dados são armazenados, do que é necessário e do que não é, e como seria realizada a exclusão de um dado”, explica. Segundo levantamento realizado este ano pela ICTS Protiviti com mais de 192 empresas de diversos setores, 84% delas ainda não estão, hoje, de acordo com a LGPD. O prazo para estar 100% dentro das normas vai até 1° de agosto de 2021. Quem estiver fora dos padrões fica sujeito a uma multa de até 2% do faturamento anual da organização. “Em tese, com a entrada em vigor da LGPD em setembro deste ano, todas as empresas já deveriam estar adequadas às novas regras trazidas pela lei”, afirma Aline Carneiro.

CULTURA

Projeto usa redes sociais para valorizar folclore brasileiro Gabriela Gardeano e Gabriel Daniele Gomes Ferreira Uma aula sobre as lendas e tradições do folclore brasileiro por intermédio das redes sociais. Com perfil no Instagram, página no Facebook e um canal no YouTube, o projeto Folclorando atende exatamente essa proposta. Comandado por Acacio Souto e Marcus Freittas, seu objetivo é disseminar o folclore, com uma linguagem próxima e sedutora. Posts e vídeos descontraídos postados nas mídias sociais do

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projeto abordam diferentes lendas da cultura índigena e do folclore sul americano, em especial o brasileiro. O Folclorando se encaixa como uma iniciativa colaborativa. Muitos conteúdos abordados são oriundos de lendas locais, enviadas pelos seguidores da página. “É uma relação mútua. O folclorando é uma página comunitária. Aprendemos muito com lendas locais. As pessoas querem que falemos da cultura da cidade delas", explica Souto. De acordo com Yuri Colo-

neze, seguidor do Folclorando e poeta popular, projetos como esse são essenciais para a valorização da nossa cultura e para conectar pessoas de diferentes lugares do Brasil. “Essas ferramentas me levaram a conhecer pessoas de diferentes estados e realidades. Isso possibilita a troca de informações e de conhecimento". Daniel Munduruku, índigena, mestre em Antropologia Social, doutor em Educação e pós-doutor em Literatura, considera importantes iniciativas como estas, mas

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pontua que é preciso valorizar os conteúdos produzidos por pessoas da própria localidade de onde a lenda nasce, como os jovens que vivem em aldeias. "Se você pegar um jovem de aldeia, ele terá um conteúdo muito mais interno para oferecer, com um diferencial para as pessoas, porque esse jovem vai ter passado pelos rituais da própria cultura. Ele vai se esforçar para aprender a cultura dominante na sociedade, indo para escola ou faculdade e fazer uma ponte entre as duas coisas", afirma.

Instagram_Folclorando

Página do Folclorando no Insta: 60 mil seguidores Munduruku vê as redes sociais como fundamentais para as pessoas entenderem melhor as populações indígenas. “Quanto mais

informações confiáveis as mídias sociais puderem transmitir, melhor para a sociedade e para a identidade nacional”, ressalta.


CONTRA O PRECONCEITO ESTRUTURAL

Ativistas PCDs amplificam debate sobre capacitismo na internet Erick Luiz, Nathalia Nunes e Sabrina de Castro

Enaltecer pessoas com deficiência por realizarem tarefas simples e relacioná-las automaticamente a exemplos de superação são atos capacitistas, preconceito estrutural caracterizado por qualquer opressão e discriminação contra PCDs (sigla para pessoas com deficiência). O termo ganhou popularidade nas redes sociais graças a criadores de conteúdo que levantam debates e compartilham informações com os seus seguidores. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2018,

o Brasil possuía mais de 45 milhões de habitantes com deficiência, um número equivalente a 24% da população do país. Apesar disso, não é comum que essas pessoas ocupem espaços de visibilidade na mídia. Por esse motivo, influencers PCDs decidiram partilhar por meio da internet as suas vivências a fim de serem vistos e promover diálogos que muitas vezes não são abordados na sociedade. Maria Paula Vieira, jornalista, fotógrafa e modelo, é uma dessas influenciadoras. No começo, seu perfil no Instagram (@maaria_vieira) era pessoal, mas quando começou a contar sobre

Instagram_Zannandra Fernandez

Nova geração de influencers contribui com o empoderamento de pessoas com deficiência e conscientização de temas relevantes à categoria

Ativista PcD Zannandra Fernandez os problemas que enfrenta em uma sociedade capacitista, seu número de seguidores cresceu e ela transformou esse ambiente em trabalho. É comum que as pessoas sem deficiência fiquem surpresas ao encontrar

PCDs em espaços voltados para o lazer, como festas. Além disso, há uma tendência capacitista de objetificação dos corpos de PCDs para saciar curiosidades. "Muitos não têm a percepção de estarem sendo capacitistas. A maior

importância, para mim, é justamente trazer a informação e sair de uma bolha estrutural que vivemos", destaca Maria Paula. Zannandra Fernandez é outro exemplo de ativista PCD que decidiu expor as suas vivências nas redes sociais. Ela também é modelo fotográfica, contribuindo com o aumento da representatividade desses corpos. Em uma foto postada em seu Instagram (@zannandra), a influenciadora usou uma legenda que viralizou na rede: “cadeirante devido ao fato de ser muito difícil carregar o fardo de mulher bonita em pé”. "Quando postei não imaginava que teria tanta repercussão e

que mulheres se sentiriam representadas. Esse é o meu principal objetivo na internet", comenta. Com o aumento da criação e do consumo de conteúdo online, o capacitismo é um dos temas que está recebendo audiência, contribuindo para a conscientização do público. Mas para a ativista PCD, palestrante e youtuber Ana Clara Moniz (@_anaclarabm) ainda não estamos em um cenário ideal: "É muito otimismo dizermos que há uma preocupação real com essa pauta, porém as marcas, as empresas e a mídia estão começando a prestar atenção e se posicionar em algumas situações".

BELEZA FORJADA

Filtros de apps preocupam especialistas Yasmin Lima

Beatriz Leal e Eduarda Maria

Por trás da busca da selfie perfeita, um problema preocupa especialistas em saúde. Segundo artigo publicado em 2019 no Journal of The American Society of Plastic Surgens, a imagem indefectível obtida com a ajuda de aplicativos de fotografia pode causar Dismorfia Instagram ou TDC (Transtorno Dismórfico Corporal), distúrbio que faz com que a pessoa (especialmente o millenial ou jovem desta geração) busque procedimentos estéticos para se

aproximar ao máximo de sua versão online. “Muitos clientes chegam na clínica com o desejo de ter os olhos mais puxados, o nariz mais fino ou a pele mais lisa. Além disso, os tratamentos mais desejados são os de clarear manchas, amenizar rugas e até redução de gordura localizada”, confirma Bruna Marques, técnica em estética. A psicóloga Beatriz Bandeira, especializada em Gestalt-Terapia e pesquisadora de gênero e cultura, trabalha com mulheres e suas singularidades no perfil @desaguarpsicologia. Segundo ela,

o público-alvo destes filtros são as mulheres que desde muito tempo são ensinadas a buscarem uma adequação estética ao padrão imposto. “As complicações com crise de autoimagem são diversas. É até difícil mensurar os efeitos psicológicos que isso pode ter numa pessoa”, explica Beatriz. Segundo a psicóloga, o fato de vivermos numa sociedade que lucra com a insatisfação das pessoas faz com que o mercado esteja quase sempre colocando na cabeça dos consumidores que seus corpos estão errados e precisam de aperfeiçoamentos. Beatriz

também alerta para todos os transtornos adjacentes que vêm com crises severas de Disformia Corporal. “É o caso da depressão, da baixa autoestima, problemas dentro de suas relações por não se sentir merecedora dos afetos, ansiedade, transtornos alimentares, etc...”. Em contrapartida, o skin positivity, (movimento pele livre) engloba mulheres que compartilham peles naturais — com espinhas, olheiras e linhas de expressão, como a influencer Mônica Santos. Criadora do @ monicasantosrv, ela produz conteúdo sobre acne

adulta e aceitação da pele como ela é. Sobre os filtros Mônica diz não usar os que suavizam a pele ou mudem o formato de seu rosto. “A principal mensagem que transmito é so- Filtros distorcem autoimagem bre ser persistente, se amar, amar a pró- manchado, e que, portanpria pele, e não sobre amar a to, ela também poderia acne. Uma vez uma segui- ver beleza em si mesma, dora falou que me achava apesar dos seus próprios bonita mesmo eu estando problemas de pele”, conta com o rosto inflamado e a influencer.

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CULTURA E ARTES

O poder dos clubes de leitura Ettore Falcone, João Paulo Freitas e Pedro Henrique Godoy

Tendo raízes no século XVII, os clubes de leitura contribuem para que muitas pessoas tenham um contato maior com os livros. Durante a pandemia causada pela Covid-19, o hábito de ler tornou-se uma das alternativas para amenizar os efeitos do distanciamento social, sendo importante para manter uma saúde mental mais estável. De acordo com a psicóloga Claudia Leonardi, que media o Clube de Leitura da Companhia Ilimitada, houve um aumento na participação das pessoas nestes clubes durante o período de distanciamento social. Apesar de não ha-

ver encontros presenciais, o fluxo de leitores e debates sobre os livros cresceu no meio online. “Compartilhar expressões diferentes das suas sobre uma obra literária é enriquecedor”, salienta Cláudia, referindo-se às interações que acontecem durante os debates no clube. Aos poucos, os membros desenvolvem autonomia no discurso, confiança e o que Cláudia aponta como o maior objetivo da leitura: o despertar de um senso crítico consciente. Clubes de leitura dos mais variados gêneros literários ganham espaço na vida de muitos leitores, como Isabela Oliveira, estudante de Letras da Universidade de São Paulo

Douglas Souto

Com mais participantes na pandemia, esses espaços proporcionam conhecimento e senso crítico

Há clubes de variados gêneros literários (USP) e participante de um clube de leitura online dos livros da Agatha Christie. Além de organizar seu cronograma literário, Isabela conta que

sua participação no clube trouxe benefícios para seu perfil profissional. Ela passou a se expressar com mais facilidade, perdendo o receio em se comunicar.

A Companhia das Letras realiza desde 2010 clubes de leitura em penitenciárias com o objetivo de incentivar o ingresso dos detentos no mundo literário e a reinserção dos participantes na sociedade, por meio da remissão de pena com a participação destes nos clubes. “O clube de leitura me fez vislumbrar novos horizontes e me possibilitou a rica oportunidade do saber e de querer saber”, relata uma ex-participante do clube de leitura da Penitenciária Feminina de Santana, que, ao sair do presídio, prestou vestibular, e, graças a incentivos estudantis, conseguiu se formar em farmácia. Hoje ela atua como farmacêuti-

ca no Hospital das Clínicas, no Instituto do Tratamento do Câncer Infantil. “Além de sua função educativa e ‘deleitante’, a literatura funciona como uma espécie de remédio contra o conformismo e a mesmice, concedendo ao leitor autonomia. Possui uma essência subversiva, inquietante e insubmissa”, assegura Diana Navas, coordenadora do curso de Literatura e Crítica Literária da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A acadêmica complementa dizendo que a leitura nos ensina a relativizar nossas certezas e funciona como uma forma de favorecimento ao desenvolvimento pessoal e social.

PLATAFORMAS DIGITAIS

Higor Hatano

Batalhas de rima se adaptam à pandemia

Batalha de rimas: MCs Kant e Din Flávia de Oliveira, Guilherme Alves e Victor Martins Com a quarentena ativa desde março, a temporada 2020 das batalhas de rima

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em todo o Brasil foi interrompida, trazendo dificuldades ao longo do ano tanto para os MCs quanto para os organizadores e o público em geral. Várias edições

especiais e torneios foram cancelados ao redor do país. Em resposta às adversidades, algumas organizações buscaram como alternativa continuar as atividades, mas nas plataformas digitais. A Batalha da Aldeia, por exemplo, a maior do país e que conta com mais de 3 milhões de inscritos no YouTube, iniciou um projeto em parceria com o site de streaming Twitch para transmitir as batalhas realizadas no Discord (plataforma de bate-papo). O servidor montado em

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março chegou a quase 8 mil membros. Segundo o apresentador Bob13, as batalhas online são uma ótima vitrine para novos talentos. “Tem muito moleque que fica em choque com todo o público em volta e o microfone na mão. Essas edições a distância servem para um monte de gente ganhar confiança”, destaca. Para o webdesigner e produtor musical Guilherme Arimateia, 20 anos, há uma grande diferença na forma de consumir as batalhas ao vivo e na plataforma online. “Eu acompanho há uns 6 anos, já até rimei algumas vezes e sinceramente é outra parada. É interessan-

te manter a frequência de conteúdo, seja com as batalhas online ou nas entrevistas com os MCs, mas nada como assistir aos eventos de perto. No presencial a vibe é diferente, tem aquele calor da plateia, o cara já entra na roda com o frio na barriga”, afirma. No entanto, Guilherme não vê com bons olhos a volta dos eventos presenciais. “Não é um momento propício. A maioria das batalhas ocorre em espaços públicos como praças e parques, fora que os moleques saem do outro lado da cidade para ir rimar em uma quebrada, aí pega aquele metrôzão lotado... não rola.”

Apesar do sucesso na execução dos confrontos online, a Batalha da Aldeia decidiu retomar as atividades com a presença dos MCs no mês de setembro. Equipe reduzida e medidas de proteção seguidas à risca fizeram parte do planejamento, com transmissão no Twitch direto do estúdio do “QG da Aldeia”. A Batalha da Aldeia, um dos maiores eventos na área do Brasil, ocorre, desde 2016, todas as segundas-feiras em Barueri, na região oeste da Grande São Paulo. Os duelos presenciais contam com uma média de 2 mil pessoas na plateia.


CINEMA

Filmes de horror seguem ignorados pela Academia Divulgação

Apesar de passado de premiações, gênero é pouco lembrado no Oscar fora de algumas categorias técnicas Odilon Reginaldo

Com ampla diversidade de gêneros e formatos para contar histórias, o Cinema é uma das artes capazes de mexer com o público por meio de experiências nem sempre agradáveis. Um filme pode fazer rir, chorar, refletir, perturbar, incomodar e gerar uma imensidão de sensações, usando técnicas para produzir efeitos emocionais. Apesar disso, a listagem histórica do Oscar, principal premiação do ramo, promovida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, não costuma colocar gêneros como o horror e o terror em suas indicações, apesar dos clássicos já lançados na telona. Desde que a cerimônia do Oscar teve sua primeira edição, em 1929, até a última, em 2020, apenas seis filmes do gênero de horror foram indicados à principal categoria, de melhor filme. “Isso é um número tão chamativo quanto o de diretoras indicadas”, diz Bárbara Demerov, jornalista e crítica cinematográfica do Adoro Cinema. “Creio que isso acontece por desinteresse por parte dos votantes em encontrar as mesmas pérolas que estes sempre valorizaram em outros gêneros, como drama, épico e romance”. O baixo volume de indicações de horror - assim como questões ligadas a gênero entre diretores e realizadores - desperta polêmica por parte da crítica,

HORROR NO OSCAR NOME

DIRETOR

PAÍS

DURAÇÃO

ANO

CATEGORIA(S) EM QUE VENCEU NO OSCAR

Dr. Jekyll and Mr. Hyde

Rouben Mamoulian

EUA

98 min

1931

Melhor Ator

O Retrato de Dorian Gray

Albert Lewin

EUA

110 min

1945

Melhor Fotografia

O Bebê de Rosemary

Roman Polanski

EUA

137 min

1968

Melhor Atriz Coadjuvante

O Exorcista

William Friedkin

EUA

133 min

1973

Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Mixagem de Som

Tubarão

Steven Spielberg

EUA

130 min

1975

Melhor Mixagem de Som, Melhor Edição e Melhor Trilha Sonora

A Profecia

Richard Donner

EUA

111 min

1976

Melhor Trilha Sonora

Alien - O 8° Passageiro

Ridley Scott

EUA

117 min

1979

Melhores Efeitos Visuais

Um Lobisomem Americano em Londres

John Landis

EUA

97 min

1981

Melhor Maquiagem

A Mosca

David Cronemberg

EUA

96 min

1986

Melhor Maquiagem

O Silêncio dos Inocentes

Jonathan Demme

EUA

138 min

1991

Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Diretor

Drácula de Bram Stoker

Francis Ford Coppola

EUA

155 min

1992

Melhor Maquiagem, Melhores Efeitos Visuais e Melhor Figurino

Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet,

Tim Burton

EUA

117 min

2007

Melhor Direção de Arte

Cisne Negro

Darren Aronofsky

EUA

108 min

2010

Melhor Atriz

Corra!

Jordan Peele

EUA

104 min

2018

Melhor Roteiro Original

Cena do filme de terror Nós já que os membros votantes da Academia selecionam as obras dignas de reconhecimento de cada temporada. Bárbara ainda chama atenção para obras que, anos depois, foram reconhecidas como grandes clássicos do cinema, mas foram esnobadas pelos votantes do Oscar na época de seu lançamento. “O terror, por ser visto como um gênero mais autoral, acaba por ser desvalorizado até hoje pelos votantes da Academia. E, se pararmos para pensar, o mesmo aconteceu com clássicos como ‘O Iluminado’, ‘O Bebê de Rosemary’ e ‘Frankenstein’. Pensando desta forma, é até surpreendente lembrar que ‘O Silêncio dos Inocentes’ venceu o Oscar de Melhor Filme”, aponta. Felipe Haurelhuk, produtor e realizador audiovisual, apresentador do canal “Meu Tio Oscar”,

reconhece o menor prestígio dos filmes de horror com a Academia, mas pontua que esta não é uma tendência somente destes críticos, mas sim, no geral, da maioria das premiações reconhecidas. “Certamente, os filmes de horror são proporcionalmente menos lembrados do que gêneros como o drama, mas isso não é uma exclusividade da Academia”. O produtor lembra que, na base de dados Stephen Follows Film Data And Education, 84% de todos os filmes que concorreram à Palma de Ouro em Cannes são dramas, mesma tendência que aparece em dois festivais relevantes, os de Berlim e Veneza. “Ou seja: o horror encontra mais dificuldades em cerimônias de premiação do cinema em geral, não é algo sistemático da Academia”, explica.

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ESPORTE E LAZER

As corridas de rua em São Paulo ganharam uma versão virtual Gabriela Carvalho

Com a pandemia, as corridas de rua aderiram ao estilo virtual, que permite a flexibilização de horário e local do desafio, podendo ser executado na rua ou até na esteira. Para participar, é necessário inscrever-se pelo site e comprar o ingresso. Depois, retirar o kit da corrida (que contém camiseta, medalha, bandana, máscaras e outros itens), realizar o percurso e enviar os resultados. “A mensuração é feita com um aplicativo de celular ou relógio frequencímetro, e registra o trajeto

por meio de uma imagem - que também pode ser do painel da esteira. Esse arquivo vai para o site, que gera um ranking dos participantes”, explica Juliana Oruê, CEO e fundadora da Universidade da Corrida. “Acredito que se tornou um fator motivacional forte para manter as pessoas ativas durante a pandemia, mantendo o foco e a saúde”, completa Juliana. Na Universidade da Corrida, o custo dos materiais do kit é pago pelos patrocinadores. Parte das arrecadações vai para instituições como ONGs e Institutos filantrópicos, e

o restante é lucro da empresa e dos organizadores. No Instagram, as hashtags relacionadas ganharam destaque: #corridaderuabrasil tem 213 mil publicações e #corridaderuasp tem mais de 5 mil. Times de futebol também promovem corridas de torcedores, como a Tricolor Run e a Timão Run. “A sensação é a mesma de estar no estádio de futebol", diz a corinthiana Adriana Cruz, que se emocionou com energia e vibração dos torcedores ao tocar o hino do Corinthians na largada. As corridas também apoiam causas, como a

M5K, patrocinada pelo Mc Donald’s em prol da campanha Outubro Rosa. É composta somente por mulheres e considerada a maior corrida da América Latina. Muitos acreditam que é necessário um porte físico específico para correr, mas como explicam as gêmeas Adriana e Andréa Cruz, é um esporte para todos. “O legal da corrida de rua é que você se inscreve em uma corrida, mas não precisa correr. Se você quiser fazer caminhada não tem problema, mas depois de fazer uma, duas corridas, você passa a ter vontade de correr.”

Adriana Cruz FOTOP

Os tênis e camisas de corrida não marcam mais as avenidas da cidade

Corridas de rua em São Paulo ganharam uma versão virtual

MARATONA VIRTUAL Ana Julia Guedes Aos 64 anos, corredor há 17, William já realizou 13 maratonas e após algumas tentativas finalmente se viu prestes a realizar um grande sonho: participar da Maratona de Boston. A pandemia impediu que o evento ocorresse presencialmente, e foi criado um aplicativo que computou, em tempo real, os dados do trajeto dos participantes. Um alívio para William, que após muita preparação pôde desfrutar do evento tão esperado - e sem precisar sair de São Paulo. Nessa entrevista, traz seu relato da primeira edição virtual da Maratona. O que te motivou a correr?

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Comecei por causa da saúde mesmo. Eu fumava na época, então uma das coisas que me ajudou a parar de fumar foram os exercícios físicos. Entrei na academia e lá conheci uma pessoa que me incentivou a correr. Troquei o vício do cigarro pela endorfina da corrida. Como a pandemia impactou seus treinos e corridas? Na minha equipe de corrida, a Foca and Friends, o impacto foi gigante. Cerca de 40% dos integrantes deixaram de correr, já que o professor teve que parar com os treinos presenciais. Como eu já pratico há muito tempo e sou muito disciplinado, nunca parei de treinar. Eu

treinava na rua, diminuí um pouquinho meus treinos, sim, mas não larguei.

segui a classificação três vezes, mas só fui sorteado agora, na quarta.

Como é o processo para participar da Maratona de Boston? Para concorrer ao sorteio, você precisa comprovar que já finalizou uma maratona em um determinado tempo, de acordo com a sua faixa etária. Eu precisei comprovar que fiz uma maratona em, no máximo, três horas e 46 minutos. No meu caso, fiz em até menos: três horas e 41 minutos, na Maratona do Lago Ness. Tem seis pessoas na minha equipe, e eu fui o único que conseguiu se classificar para o sorteio. Na verdade, con-

O que você achou do aplicativo, que evitou o cancelamento dessa edição? Achei superbacana no começo, porque você poderia conectar seus fones de ouvido e escutar uns barulhos como se estivesse em Boston, com a multidão aplaudindo. Só que não funcionou (risos). Acho que esqueci de atualizar o aplicativo e acabou não funcionando, mas a proposta do aplicativo é realmente muito legal.

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Qual foi a sensação ao terminar o percurso? Adorei, porque, como corri

William de Castro

A experiência de uma “corrida a distância”

aqui em São Paulo mesmo, meus amigos estavam me apoiando, algo que não aconteceria em Boston. Foi algo superdiferente, em todos esses anos de corridas, eu nunca tinha feito nada assim.

A 124ª Maratona de Boston contou com participação remota do paulistano William Pereira de Castro


DENTRO DOS CAMPOS

Jogadores LGBTQIA+ lutam por igualdade

Basquete feminino cresce nas redes sociais Gustavo Dervelan, João Pieruzzi e João Ruvolo No dia 4 de julho de 2020 um grupo de oito meninas decidiu fazer um mutirão no Twitter com o objetivo de conseguir maior interação dos internautas com o perfil da Liga de Basquete Feminino (LBF). Preocupadas com a discrepância entre os perfis da LBF e da NBB (Liga Nacional de Basquete), elas decidiram que queriam aumentar o engajamento e, consequentemente, a visibilidade para as pautas das mulheres que praticam o esporte. O movimento foi bem sucedido: mais que dobrou o número de seguidores da LBF no Twitter, que hoje passa dos 10 mil (antes da ação o perfil contava com 5 mil seguidores). Uma das idealizadoras do mutirão, a estudante de 19 anos Victória Galle comenta sobre a iniciativa: “Na verdade, a gente estava conversando no nosso grupo que reúne muitas meninas sobre a diferença de visibilidade que existe entre a NBB e a LBF. Foi aí que decidimos que iríamos pedir para os seguidores do nosso perfil pessoal seguirem também o perfil da LBF”. Outra integrante do grupo, a também estudante Vitória Corrêa, 20 anos, ficou surpresa com a repercussão. O crescimento do perfil ganhou destaque até entre as contas que falam de NBA no Brasil. “Não imaginávamos que conseguiríamos ir tão longe. Apostávamos no aumento de algumas centenas de seguidores, mas acabou gerando mais de 5 mil.

Divulgação Bárbaros

Torcedores e atletas permanecem enfrentando a homofobia em um esporte que sempre foi tachado como "masculino"

MUTIRÃO

Criada em 2018, a Associação Bárbaros Cultural Esportivo é um dos 60 times de futebol LGBTQIA+ espalhados pelo Brasil Victor Mohan Muzatto

O futebol é o esporte mais popular do planeta. Segundo a Federação Internacional de Futebol (FIFA), há cerca de 270 milhões de pessoas que atuam com esse esporte, desde jogadores a árbitros. Desde suas origens, o futebol foi tachado como algo destinado apenas para homens heterossexuais. A homofobia nos campos sempre foi um entrave a ser enfrentado por atletas e torcedores da comunidade LGBTQIA+. O jogador amador Elder Lemos, 26, que faz parte da comunidade, relata enfrentar dificuldades para curtir o futebol. “O medo de ser excluído e ser deixado de lado existe. Também perdemos muitas oportunidades”, diz. Ele ainda ressalta que é

bastante comum escutar piadas homofóbicas nos estádios, sequenciadas com adjetivos baixos. Para Alberto Hossoe, 36 anos, presidente da Associação Bárbaros Cultural Esportivo, um dos 60 times de futebol LGBTQIA+ espalhados pelo Brasil, e localizado na capital paulista, a batalha por espaço no futebol deve ser permanente. “Além das manifestações culturais, como a parada do orgulho LGBTQIA+, a nossa missão é lutar em campo para conseguir espaços dentro dos grandes campeonatos. A habilidade dos jogadores não pode ser definida por gênero”, complementa. O Bárbaros foi criado em 2018 por um grupo de amigos que na época se uniu e alugou uma quadra apenas por diver-

são. Alguns deles jogavam em outros times de várzea e migraram para esse. Atualmente eles são vice-campeões da LiGay, campeonato brasileiro formado apenas por times que sejam compostos por homossexuais. O advogado e presidente da Comissão de Diversidade Sexual e População LGBTI da OAB/PA, João Jorge Neto, 35 anos, diz que os times, em geral, não apresentam grandes resistências à comunidade gay no futebol, pelo menos midiaticamente. “Talvez nos bastidores, mas faz parte da própria luta ter que lidar com essas situações”, pontua. Vale lembrar que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi multada em 2019 pela Commenbol após gritos homofóbicos na Copa América.

“Há uma falta de vontade das pessoas de acompanharem esportes femininos justamente pelo preconceito" Vitória Corrêa

Não chegamos nos 15 mil, mas tá quase, então a gente continua incentivando para seguirem o perfil”, conta. Com a repercussão do mutirão, a cobertura da modalidade cresceu no Twitter. Perfis que cobrem a WNBA (Women's National Basketball Association - liga profissional de basquete feminino dos Estados Unidos) e a LBF também ganharam mais seguidores. Vitória Galle, ou Vick, como também é conhecida, participa do perfil Ala-armadoras. Já Vitória Corrêa participa do site e perfil Backcourt WNBA. Ambas falaram do maior desafio que existe para

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cobrir o basquete feminino é o machismo. “Há uma falta de vontade das pessoas de acompanharem esportes femininos justamente pelo preconceito. Existem dois tipos de machismo: o contra nós mesmas falando de esportes e o do próprio esporte”, disse Vitória Corrêa. Para Vick, o maior desafio são os comentários: “Muita gente fala que a modalidade feminina não é boa, que mulher não sabe jogar, que os jogos são fracos. Então nosso maior desafio acaba sendo tentar romper essa mentalidade para o pessoal assistir com outra visão”.

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INFOGRÁFICO

Podcast no Brasil em números *Perfil dos ouvintes:

*Há quanto tempo os podcasts são ouvidos: Mais de 64%

72%

dos entrevistados ouve até 5 anos

27%

*Onde os podcasts são ouvidos:

*Os 10 podcasts mais citados: 1. Nerdcast 2. Gugacast 3. Mamilos 4. Xadrez Verbal 5. Anticast

0,76% outros

*Faixa etária que mais ouve: De 25 a 29 anos

6. Projeto Humanos 7. Não ouvo 8. Braincast 9. Matando

**Temáticas mais ouvidas:

Robôs

Cultura Pop Humor e Comédia Ciência História Política TV e filmes Tecnologia Games Notícias

Gigantes 10. Poucas

*Como os podcasts são descobertos: A maioria dos ouvintes descobre novos programas por indicação de podcasters e amigos.

*Diversidade: 17,4% LGBTQIA+

2,2% Não definido

80,4% Cis/Hetero

*Escolaridade:

A escolaridade da maioria dos ouvintes varia entre superior incompleto e

pós-graduação completa

Dados sobre a pesquisa: A PodPesquisa 2019 recebeu 16.713 respostas válidas através de formulário digital no período de 21/10/2019 a 15/12/2019, totalizando 55 dias de coleta e foi focada no perfil do ouvinte de podcast brasileiro. Segundo a Abpod, a pesquisa atingiu respondentes de todos os estados do país e também brasileiros residentes no exterior. A região sudeste manteve-se com maioria de respondentes. *Fonte: PodPesquisa/Abpod

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