Impressões #37 - Ocupação do Espaço Público

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Ocupação do espaço público Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 6 - Nº 37 - Maio de 2015

Qual é o som da sua rua? Em alguns bairros, rodas de samba, serestas e shows de blues fazem a música transitar. Páginas 10 e 11

Fortaleza por câmeras e smartphones

Em passeios, fotógrafos profissionais e amadores se reúnem para redescobrir o centro da Capital através das lentes e divulgá-lo nas redes sociais.

Nas calçadas, devoção e trabalho

Acompanhamos o cotidiano de quem monta barracas de artigos religiosos no bairro de Fátima nos dias 13 de cada mês.

Praça: um palco aberto

Projetos do muro pra fora

O abraço entre a rua e o cinema

“2 linhas não se cruzam à toa”

Por meio de projeto independente, artistas movimentam espaços públicos com teatro e malabarismo.

Grupos realizam vivências artísticas em bairros, combatendo sensações de insegurança e de abandono.

Coletivo de audiovisual registra o cotidiano da comunidade do Titanzinho e exibe curtasmetragens ao ar livre.

Com a técnica do estêncil, artistas espalham mensagens afetivas e de crítica social pela Capital.

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Opinião Fortaleza - CE MAIO/2015

Crônica

Editorial

por Rômulo Costa

A calçada de Raimundo Fortaleza: cidade metáfora Oitava cidade mais violenta do mundo, de acordo com o estudo Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal (realizado em 2014 pela Ong mexicana Seguridad, Justicia y Paz), e 13ª em desigualdade social, segundo lista do Centro de Estudos e Monitoramentos das Cidades do Programa da Organização das Nações Unidas (ONU). Mesmo segregada por estigmas e realidades contrastantes, Fortaleza não consegue conter sua carência de conversar consigo mesma. A facilidade com que qualquer movimentação artística ao ar livre chama a atenção dos passantes em Fortaleza é termômetro disso. E essa fome do outro não se traduz apenas em curiosidade. Se o fosse, bastariam locais fechados, as caixas cênicas, e, talvez assim, os equipamentos culturais do Centro da cidade seriam mais frequentados. O céu aberto, no entanto, possui uma receptividade singular. Na praça, na rua ou na calçada, quem observa também está à mostra. Tendo consciência do ato ou não, apropriando-se ou não do papel, participa da cena. Ou, pelo menos, a proximidade com atrizes, malabaristas e palhaços cria raro sentimento de estar sendo acolhido num espaço, na maioria das vezes, tido como hostil. As manifestações de rua nos ensinam que talvez o enfrentamento do medo de estar na rua seja a própria solução para o sentimento de insegurança e falta de pertença. Carece que a população tome de vez as rédeas do roteiro e faça a cidade-fortaleza, cidade-muro vir a baixo, reconstruindo-se como tela, memória viva e resistência.

Seu Raimundo tinha muitas funções e uma delas era a de ser meu vizinho. Não era alto nem baixo. Nem gordo nem magro. Era só um preto velho de cabelos brancos e rugas a lhe espremer os olhos. E permaneceu assim durante muito tempo. Tempo suficiente para fazer as mesmas coisas todos os dias, vestir a mesma calça de brim azul com botão quebrado, a camisa social aberta até o meio do peito e o radinho de pilhas a lhe segurar o sono em bregas e outras músicas de exagerado coração. Acho que envelheceu de tanto sentar naquela calçada e seguir com os olhos os rabos de saias e os bêbados sem destino. Aliás, seu Raimundo adorava os bêba-

dos. Dos piadistas aos rabugentos. Alcoólatras incorrigíveis, papudinhos por ocasião, ébrios que buscam esquecer. Todos, sem distinção, tinham naquele pedaço de rua o direito à prosa e ao café passado pela esposa, Luiza. Mas a vida é ligeira até para quem se demora. Primeiro foi ela. Depois, ele – em casa, com a serenidade da manhã. Coisa de três anos entre a despedida de um e outro. Foi só o tempo de o corpo enfraquecer e as pernas pesarem. Sem ele, percebi que aquela rua tinha o rosto de seu Raimundo. Falava como ele, ria como ele, existia com ele. Uma vez uma mulher nos parou na calçada para saber da ausência do “senhor que sempre sentava

acolá”. Contamos o destino. Ficou espantada, naturalmente, ou fingiu descrença. Benzeu-se e foi embora com a mesma pressa da chegada. Para quem passava ali, na ligeireza dos passos, seu Raimundo não tinha nome. Era só mais um rosto-paisagem – um tipo de gente que existe sempre igual. É que assim são os nossos dias. Recortamos as gentes, seus rostos, ainda que eles se percam na caixinha do presente. Não sabemos seus nomes, não conhecemos sua história, mas guardamos o alívio de vê-las ali no mesmíssimo lugar, como sempre estiveram. Sempre. Na mesma calçada, com a calça de brim azul e camisa social aberta até o meio do peito.

Charge

Deleon Stu, 20, é ilustrador, quadrinista e músico fortalezense. Estudante de jornalismo na Faculdade 7 de Setembro, Stu começou a publicar ilustras e tirinhas individualmente na internet. Em 2014, ele e mais três colegas fundaram o grupo Descarga Coletiva, com que segue contribuindo.

Projeto Gráfico

Pensar na diagramação de um jornal não é uma tarefa fácil ou rápida. Ter que avaliar e redesenhar o jornal Impressões, então, é desafiador em essência. Com o tema escolhido para as produções do semestre, o primeiro passo foi reunir a turma e analisar os jornais anteriores para considerar mudanças gráfico-editoriais. Com base nesta reunião, a equipe de diagramadores do Impressões partiu para o desenho de logo e boneco. Apesar do desejo de inovar, houve necessidade de não quebrar conceitos em design editorial, para que a produção toda pudesse ter uma identidade única, concisa e que refletisse o tema num formato visual. O conceito gira em torno do símbolo de localização de mapas online e da representação de “esquinas” do espaço urbano. Estes recursos cumprem o papel de conduzir o olhar do leitor para os chapéus, cartolas, coordenadas e outros destaques existentes. Assim, o desenho do Impressões evita o desconforto visual convida o leitor a apreciar o produto de maneira fluida e agradável. Impressões - Ocupação do espaço público

Jornal Laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará. Repórteres: Anderson Cid, Antonio Laudenir, Breno Reis, Camila Lima, David Medina, Drielle Furtado, Eduardo Oliveira, Hélio Grangeiro, Luana Bastos, Lucas Barbosa, Luciana Castro, João Paulo Martins, Karoline Rodrigues, Mariângela Chagas, Nathanael Filgueiras, Nyara Cavalcante. Edição: Gustavo Linhares, Luiza Figueiredo, Rômulo Costa. Edição geral: Jadiel Lima. Projeto gráfico e diagramação: Bruno Melgacio, Falkner Moreira. Professora orientadora: Mayara de Araújo. Impressão: Imprensa Universitária. Tiragem: 1000 exemplares. As opiniões expressas em artigos assinados são de responsabilidade dos respectivos autores.

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Ombudsman

por Kamila Fernandes*

A extraordinária missão de noticiar o comum Num mundo que vive em alta velocidade e no qual as pessoas estão cada vez mais hipnotizadas pelas imagens difundidas pelas pequenas telas de seus celulares, falar da vida que acontece na rua, na calçada, na praça, exaltando o que essas ações significam para a dinâmica social, é sim notícia. Mas não uma notícia fácil de ser percebida, trabalhada, significada. Não. Trata-se de um bom desafio para estudantes de jornalismo, ao exigir deles um olhar diferenciado, curioso, para que consigam destacar o que há de extraordinário no ordinário, no comum. Por isso, de saída, é possível afirmar que a proposta desta edição número 37 do Jornal Impressões, produto do Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, acerta ao propiciar um excelente exercício de prática jornalística cidadã aos estudantes que a produziram. Chance de sair da frente da tela do computador, ir a campo, conhecer e se encantar por algo que sempre este-

ve ali, diante de si, mas que nunca havia chamado a atenção. E nesse percurso, foi notável a sensibilidade do grupo ao enumerar as diferentes iniciativas culturais e artísticas que tomam as ruas cotidianamente por diferentes linguagens: música, teatro, religião, cinema, fotografia, artes visuais. Estava tudo ali, era só parar e olhar, e foi isso o que esses futuros jornalistas fizeram. Em tempos de supremacia da imagem, também foi positivo ver textos mais longos, bem produzidos e com múltiplas fontes dando pluralidade aos relatos. Contudo, é importante também não deixar de lado as imagens, que falam muito. Nesta edição, em grande parte, as fotos parecem ter sido deixadas para segundo plano, um tanto tímidas nas páginas e pouco expressivas – a maioria está em duas colunas e não apresenta elementos visuais fortes. É importante não as deixar como meros acessórios, mas sim como elementos significantes que atraem a leitura e dão leveza ao ma-

terial como um todo. Sobre o conteúdo, é válida a opção de mostrar exemplos de ocupação do espaço público sob um viés positivo. Porém, isso não representa a realidade absoluta de uma cidade tão complexa e desigual como Fortaleza. Cidade que quase não tem calçadas e onde as que existem são ocupadas por carros ou por comércio ambulante, onde a violência expulsa os moradores para dentro de suas casas. Como o tema será revisitado em outras edições, espero que esses aspectos não deixem de ser contemplados. Afinal, o jornalismo não pode se despir de sua essência, a criticidade em relação ao que é vivenciado na esfera pública, sobretudo quando se trata de políticas públicas inexistentes ou insuficientes. Mais um motivo para esperar ansiosa pelas próximas edições. *Kamila Fernandes é professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, e já atuou profissionalmente em veículos como Folha de S. Paulo, jornal O Povo e TV O Povo.


Na Rua #1 Teatro de calçada

Fortaleza - CE MAIO/2015

A rua como palco livre de expressão artística Artistas de Fortaleza e de Maracanaú encontram nas praças a solução para dificuldade de pautas nos equipamentos culturais “O mundo é um palco”, proclamou uma vez o dramaturgo inglês William Shakespeare (1564 - 1616). É exatamente por isso que muitos artistas percebem a rua como um espaço propício para dar vasão à própria arte. Por ali, não se limitam a um ambiente fechado, sofisticado e de público seleto. Para eles, a rua é dona do espetáculo e também agente de transformação de cenários e experiências. A plateia se forma aos poucos. Os curiosos se juntam às pessoas já presentes nas praças e espalham o convite por meio do boca a boca. Todos são bem-vindos. Sob estes preceitos, grupos e projetos independentes de teatro se organizam para levar às ruas o drama e a comédia que, para eles, não pode se restringir a posição de um palco convencional. É assim que o projeto Palco Aberto vem ocupando os espaços públicos de Fortaleza e Maracanaú (Região Metropolitana), fazendo de um mero local de passagem um espaço de permanência e encontros. Em atividade há um ano, o projeto foi idealizado pela Companhia Itinerante de Malabares (CIM) e está, em Fortaleza, sob organização do grupo As 10 Graças. O conjunto trabalha com a palhaçaria (a arte de fazer palhaço) e teatro de rua, realizando performances nas praças da Capital. David Santos, integrante do grupo e responsável pelo Palco Aberto, diz que esse trabalho de ocupação é feito “como ato de resistência e de profissão”. “É da rua que a gente tira nosso sustento”, pontua. Como muitos projetos artísticos do gênero, o Palco

Aberto não possui qualquer apoio ou patrocínio. Os eventos ocorrem através da colaboração do público durante as apresentações e do apoio de outros artistas. Afinal, a intenção é fazer com que a arte dos palcos seja influenciada pela filosofia das ruas: um espaço de todos e para todos. “O que acontece aqui é uma soma. A pessoa vem, traz o seu material de apresentação e os artistas ficam à vontade até pra dividir algum material com os outros se ele quiser. Aqui acontece uma verdadeira confraternização nossa”, explica David. Um dos motivos pelos quais o projeto se apropriou das ruas como palco foi devido à burocracia imposta pelas secretarias de cultura do Estado e do Município para fomentar essas expressões artísticas. Apesar disso, David acredita que o artista não deve se prender apenas a órgãos governamentais ou editais de financiamentos para apresentar um espetáculo.

O que acontece aqui é uma soma. A pessoa vem, traz o seu material de apresentação e os artistas ficam à vontade até pra dividir algum material com os outros se ele quiser. DAVID SANTOS integrante e responsável pelo Palco Aberto É nesse sentido que a rua se torna uma possibilidade, pois surge como ambiente livre de exposição artística e facilitador de inspiração. “A rua é onde a gente se sente mais a vontade, onde a gente se estressa menos. Porque é muito estressante correr atrás de equipamento de cultura e não ser atendido”, desabafa. MUDANÇAS O processo de ocupação da rua por meio da arte também acaba, de maneira indireta, promovendo mudanças positivas nos locais por onde finca raízes. Onde há movimento, de acordo com o organizador, é mais difícil que ocorra algum tipo de violência. Além disso, o projeto entende o que espaços públicos, tomados por arte, trazem

O malabarismo é uma linguagem marcante no Palco Aberto, já que a Praça da Gentilândia também é utilizada como espaço de treino pelos artistas. Foto: David Medina

Saiba Mais

O Palco Aberto é um evento mensal que procura fomentar a ocupação de espaços públicos através da mistura de diferentes linguagens artísticas dentro de um picadeiro de circo. O projeto é uma oportunidade de expressão para artistas profissionais e amadores, que procuram a comunhão das artes em geral, com a rua. Um convite à população pra conhecer mais de perto o mundo das artes de rua. Em Fortaleza, o projeto é encabeçado pelo grupo “As 10 Graças” sempre na Praça da Gentilândia, no bairro Benfica. Já em Maracanaú, tem organização do Grupo Garajal de Teatro.

Em seu espetáculo, o palhaço Batuta rege sons, graças e faz da roda uma orquestra. Foto: Eduardo Cunha

uma nova perspectiva até para aqueles que vivem em situação de rua. “A gente mostra pra eles que existem uma profissão digna, que dá pra se sustentar, que é possível”, diz. A arte como meio de vida foi o que trouxe Maurício Rodrigues para se apresentar no Palco Aberto. O ator, palhaço e “excêntrico musical” – como gosta de se definir – se aventura no meio artístico há dez anos. “Eu comecei com teatro e enveredei para a música, depois de um tempo eu conheci a palhaçaria e o circo”, relembra. Vindo de Maracanaú com seu personagem, o palhaço Batuta, Maurício observa que fazer arte de rua tem a ver com dedicação e persistência, além de ser um meio “mais descontraído” se comparado aos palcos tradicionais. O ator explica que escolheu as ruas como local de apresentação após um teatro ter lhe fechado as portas. “Hoje em dia, depois de muitos anos, fazer teatro de rua é uma escolha. Naquela época, eu não tive outra opção, então essa era a única possibilidade pra apresentar a minha arte”. Na opinião de Maurício, os palcos da cidade são “escas-

sos” para o contingente artístico que Fortaleza possui. Por outro lado, ele acredita que montar uma apresentação nas ruas proporciona um ambiente acolhedor e aconchegante, sem qualquer fronteira entre os dois elementos que compõem o espetáculo: o artista e o público. Para ele, a ocupação da rua através da arte é essencial porque possibilita um momento mágico e poético para ambos. “A gente vê na rua muita banalidade, tanta gente querendo fazer justiça com as próprias mãos, então vamos pegar as mãos e fazer uma coisa mais interessante: vamos aplaudir”, sugere.

Serviço: Palco Aberto Fortaleza Primeira terça-feira de cada mês Praça da Gentilândia – Avenida 13 de maio, s/n, Benfica Mais informações: facebook.com/ As10Gracas Maracanaú Segunda quinzena do mês Praça Vademar de Alcântara – Av. Central, s/n, Centro Mais informações: facebook.com/ GrupoGarajaldeTeatro

Praças

Sociabilidade diminui a sensação de insegurança, diz pesquisadora A ocupação dos espaços públicos através de manifestações artísticas tende não só promover novos artistas como também a diminuir a violência. Lugares como praças e bairros onde não há pessoas transitando ou em que não haja nenhum tipo de atividade, na maioria dos casos, geram a sensação de insegurança. É o que afirma a professora Jânia Perla Diógenes, antropóloga REPORTAGEM David Medina e Mariângela Chagas

e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), vinculado ao curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC). Segundo ela, as pessoas tendem a escolher frequentar locais fechados, como shoppings, por conta da violência. As intervenções artísticas transformam o espaço público, amenizando os riscos. Para a pesquisadora, a arte de rua

é uma forma de resistência e um investimento na qualidade de vida das pessoas. Apresentações de teatro, malabares e arte circense nos espaços públicos, fomentam relações sociais pautadas no “face a face”, defende Jânia. “Um certo tipo de sociabilidade que você tinha antes desse crescimento absurdo das cidades nas últimas décadas”, recorda.

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Na Rua #2 Arte engajada

Fortaleza - CE MAIO/2015

Coletivos artísticos pensam ações “do muro para fora” Praia de Iracema e Dias Macedo possuem ações que atraem os moradores para o convívio da rua, em combate à sensação de insegurança e de abandono Ocupar possui diversos significados. Pode ter o sentido de tomar posse, preencher, habitar ou até mesmo dedicar-se a um lugar. Entretanto, diversos fatores podem dificultar a ocupação da rua pelos cidadãos. Na Praia de Iracema, por exemplo, um dos principais redutos turísticos de Fortaleza, a ocupação das ruas encontra sua dificuldade na insegurança dos moradores. Mas há coletivos e artistas que se mobilizam para mudar esse cenário por meio do desenvolvimento de ações culturais para o local. Um desses coletivos, com ações voltadas principalmente para a rua, é o projeto #ocuPI.

Não adiantava somente pensar do muro pra dentro, mas tem que pensar ações do muro pra fora. Karel Guerra, Produtor cultural Formado no final de 2014, o #ocuPI surgiu após diversos debates sobre os problemas encontrados na região da Praia de Iracema. A ideia nasceu após a compra de um sobrado na Rua das Tabajaras, batizado de Multikasa. “A gente viu que não adiantava somente pensar do muro pra dentro, mas pensar ações do muro pra fora”, reflete Karel Guerra, produtor cultural e integrante do grupo. O projeto está divido em quatro eixos: intercâmbio cul-

tural, eventos (lazer, oficinas, workshops etc), produção de artistas locais e independentes e formação cultural. O grupo prevê diversas ações a serem desenvolvidas na comunidade, como o “Graffitaço” na Rua Alegre, Oficinas de Horta Urbana e possíveis ações na comunidade Poço da Draga. Entre os problemas da região, apontados pelo grupo, há o consumo de crack, a prostituição e a insegurança. Até março deste ano, a região da Praia de Iracema e zona litorânea (Área Integrada de Segurança 6) já contabilizava 547 casos de furto segundo a Secretaria de Segurança Pública do Ceará. “A única coisa que vai resolver é se a gente se juntar e ocupar a Praia de Iracema”, afirma Guerra. Para um maior engajamento dos moradores, o coletivo realizou a primeira reunião aberta no último mês de março. Os participantes falaram livremente sobre propostas para a comunidade. “A gente descobriu que o nosso diálogo não pode se restringir a apenas comunicar aos moradores o que vai acontecer, mas também conversar com eles antes que as coisas aconteçam. Aí sim, a gente consegue ter mais força”, comenta Paulo Winz, outro integrante do grupo. Sobre as ações propostas pelo grupo, Francisco Carlos Oliveira, dono do bar Mincharia, aprova. “Eu acho interessante, desde que façam a coisa acontecer. Porque já

Ocorrências na Área Integrada de Segurança 6 (AIS 6) jan a mar de 2015

2014

Crimes violentos letais

09

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Apreensão de cocaína

0,01 kg

3,22kg

Apreensão de crack

0,01kg

0,78kg

Apreensão de maconha

0,37kg

3,83kg

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Ceará

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vieram muitas pessoas com propostas, cheias de ideias, de vontade. Mas tem que tirar do papel”, ressalva. MÚSICA NOS TABAJARAS O coletivo Fertinha, formado por Estácio Facó, Cé da Silva, Bia Turri, Darwin Marinho e Erick Amorim, é responsável pela festa de mesmo nome na Rua dos Tabajaras, também na Praia de Iracema. O evento, aliado a outros estabelecimentos da região, movimenta as noites dos Tabajaras. O grupo de DJs se reuniu primeiramente no início de 2012, no antigo Brom’s Hard Rock Café. O espaço limitado do estabelecimento foi o responsável por fazer da rua um lugar importante para a Fertinha. “A rua é uma extensão da festa”, conta Darwin Marinho, um dos proprietários do restaurante Mambembe - comida e outras artes.

Ministramos oficinas de teatro, não deixando o jovem se perder, principalmente aqui no Dias Macedo onde a questão das ué bem acentuada Luisla Carvalho, coordenado do Prisma de Artes. Com grande influência da música brasileira, a festa é um espaço que atrai um público de diversos lugares. “Quando o evento veio pra Praia de Iracema, as pessoas que frequentavam o Dragão do Mar, o Benfica e outros lugares da cidade, passaram a vir", relembra Estácio, um dos fundadores do evento, ao lado de Erick Amorim. Com a festa, "muitos passaram a olhar a Praia de Iracema de outro jeito. Como um lugar que a pessoa pode habitar", completa Darwin. Sobre o evento, o paisagista Ney Filho, 39 anos, acredita na influência positiva que a festa tem na Praia de Iracema. “Eu sempre venho porREPORTAGEM Camila Lima e João Paulo Martins

O coletivo pretende engajar os moradores da região nas ações desenvolvidas. Entre elas estão: um Grafittaço na Rua Alegre e um workshop de Horta Urbana. (acima) Foto: Paulo Winz. O grupo formado em 2012 possui uma grande influência da música brasileira. (abaixo) Foto: Clara Capelo.

que encontro meus amigos e gosto muito dessas músicas sem preconceitos, né? Acho que o pessoal da Fertinha tem uma força legal pra fazer esse pessoal jovem, uma nova galera, frequentar a Praia de Iracema”. PRISMA A Companhia Prisma de Artes, fundada há 30 anos por Raimundo Moreira, era um grupo da Igreja Católica que participava de eventos promovidos pela paróquia do bairro Dias Macedo. Hoje, o coletivo tem sede própria e se tornou um grupo de teatro junto à comunidade, não só do Dias Macedo, mas de

outras próximas como Boa Vista e Castelão. Com seis integrantes, o grupo ministra “oficinas de teatro, não deixando o jovem se perder, principalmente aqui no Dias Macedo, onde a questão das drogas é bem acentuada”, diz Luisla Carvalho, coordenadora e filha do idealizador da companhia. O Projeto Arte na Praça, desenvolvido pelo coletivo, leva mensalmente espetáculos para uma praça do bairro. O grupo também promove intervenções na própria sede, como cursos gratuitos de webTV comunitária, informática e design gráfico. Apesar de alguns desafios - como problemas de infraestrutura, marginalização, insegurança para o público e plateia -, o Prisma continua estimulando o engajamento da comunidade. Para isso, o coletivo faz uso das redes sociais, da visitação às escolas, panfletagens e carros de som para divulgar a programação.

Mais informações: O coletivo oferece oficinas de web-tv, informática e teatro gratuitas para os moradores do Dias Macedo e arredores. Foto: Divulgação.

Coletivo Prisma de Artes Rua Maria Saraiva, 41 Dias Macedo, Fortaleza - CE Coordenadora: Luisla Carvalho Coletivo #Ocupi Rua das Tabajaras, 554 Praia de Iracema, Fortaleza - CE


Na Rua #3 Fortaleza - CE MAIO/2015

A rua no cinema e o cinema na rua Coletivo Audiovisual do Titanzinho registra as ruas da comunidade em curtas-metragens e os exibe ao ar livre no Serviluz

As exibições do cineclube itinerante Ser Ver Luz divertem os moradores do Titanzinho, que sempre colaboram como podem (acima). Foto: Priscilla Sousa.

No bairro Serviluz, a vida

da comunidade do Titanzinho transcorre entre o mar, a praia e a porta de casa. À noite, o movimento nas ruas é tão intenso que a população chegou a construir lombadas para desacelerar o fluxo de veículos e priorizar a segurança dos pedestres. “A rua é extensão da casa. As pessoas se divertem, brincam, conversam, fazem quase tudo na rua”, diz Pedro Fernandes, coordenador da Associação dos Moradores do Titanzinho. Interessado por fotografia e audiovisual, Pedro tem participado de diversos coletivos que fomentam a ocupação das ruas do bairro com arte. Essas organizações têm incentivado a produção audiovisual local e a circulação desse conteúdo na comunidade. Uma dessas iniciativas partiu da professora Deisimer Gorczevski, do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará (ICA-

-UFC). Deisimer chegou ao Titanzinho em 2011, através de sua bolsista Fabíola Gomes, estudante de Cinema e Audiovisual na UFC. Nascida no Serviluz e integrante da associação de moradores, Fabíola viu no projeto de “in(ter) venções” urbanas de Deisimer a oportunidade ideal de juntar a vontade de fazer cinema às suas experiências comunitárias. No Titanzinho, a Pesquisa In(ter)venções - um coletivo de voluntários e estudantes - propôs oficinas, rodas de conversas, e começou a cartografar e divulgar o conteúdo audiovisual local para a população. Desde 2011, o grupo organiza anualmente a Mostra Audiovisual do Titanzinho, exibindo a céu aberto vídeos realizados na comunidade ou que dialogam com a identidade e as questões do Serviluz. Os integrantes da pesquisa formaram, em 2014, o Coletivo Audiovisual do Titanzinho, que tem documentado em ví-

deo as ruas da comunidade. Essa atividade integra uma performance denominada “É preciso aprender a falar com estranhos”, que acontece em três etapas, como explica Deisimer: “O primeiro estágio foi ir pra uma rua que grande parte do grupo não conhecia, para conhecer pessoas e esse ambiente que a gente nunca tinha visto antes. Num segundo momento, a gente retorna para aqueles que marcaram a nossa história lá. Então a gente passa a conversar com estranhos. Depois a gente volta mais algumas vezes para conviver com eles. Aí produzimos o vídeo da rua com essas pessoas trazendo suas histórias, e a própria rua se comunicando. É ela se mostrando nesse vídeo”. Esse processo performático de aproximação tem por objetivo minimizar o estranhamento causado pelo

equipamento de filmagem e pelos “estrangeiros” que não moram na comunidade. A primeira rua escolhida pelo coletivo foi a São José, processo que resultou no vídeo “O Pessoal da São José”. Agora o grupo está produzindo um curta-metragem na Rua General Titan, uma das áreas mais antigas do bairro e ameaçada de remoção. CINECLUBE Os vídeos realizados pelo Coletivo Audiovisual do Titanzinho são exibidos no cineclube itinerante também criado por eles, o Cine Ser Ver Luz. “Nós estamos indo pra lugares que ainda não fomos, como a região Pontamar. A interação das pessoas com a tela, com o que está rolando na vida delas, já mostra pra gente o impacto”, afirma Deisimer. Segundo Fabíola, a contribuição espontânea dos moradores têm auxiliado as atividades do projeto: “Eles colaboram como podem, com energia, espaço, cadeiras… Sempre tem alguma coisa”.

Nas telas

Além de diversão e entretenimento, as exibições ajudam a reconhecer a identidade da comunidade. “Muitas pessoas moram lá no Serviluz e eles não sabem o valor que tem o local”, pondera Pedro.

Produzimos o vídeo da rua com essas pessoas trazendo suas histórias, e a própria rua se comunicando. É ela se mostrando nesse vídeo. Deisimer Gorczevski, Professora da UFC Vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Artes da UFC, o Coletivo Audiovisual do Titanzinho tem conquistado aprovações dos editais, o que garante vida longa para a iniciativa. “Os últimos editais têm permitido à gente avançar mais, estar mais presente de forma concreta em lugares específicos. Como moradora, eu fico feliz, porque em geral não se leva esse tipo de atividade pra comunidade por se achar que não vai ter público. Mas não, sempre que a gente vai, tem público: infantil, adulto, idoso”, avalia Fabíola. Contudo com as perspectivas de expansão dos projetos do coletivo, que podem permitir que o Serviluz continue a ser, a ver e a luzir.

Saiba mais:

Assista ao curta “O Pessoal da São José” no YouTube: https://youtu. be/7jjWkj3I3UM Ilustração: Ramon Cavalcante.

Longa-metragem

BR-116: Um filme para percorrer a estrada e descobrir-se A BR-116 é uma rodovia lon-

Da esquerda para a direita, Irene Bandeira e Rúbia Mércia. Idealizadoras do filme BR-116. Foto: Eduardo Oliveira.

gitudinal, que começa em Fortaleza e tem fim em Jaguarão, município brasileiro fronteiriço ao Uruguai. É um trajeto construído para deslocamentos e viagens, mas o que buscam as pessoas que deixam suas cidades fazendo uso dessa estrada? Empregos, amores, ou a descoberta de si? Foi a partir dessa dimensão do exílio que a realizadora Rúbia Mércia, também coordenadora da Escola Pública de Audiovisual da Vila das Artes, idealizou seu novo longa, inREPORTAGEM Breno Reis e Eduardo Oliveira

titulado com o nome da via, “BR-116”. Para Rúbia, o desejo de caminhar vem muitas vezes de uma relação de desconstrução da vida ou de angústia. Em “BR-116”, ainda em fase de pesquisa e captação de recursos, a rodovia aparece como lugar de experiência. “A estrada tem esse sentido de expansão, de dar norte a uma personagem”, explica Rúbia. Percorrer a estrada torna-se um processo de cura e auto-entendimento. No filme, a cantora Celeste decide percorrer toda a BR-

116 após romper com o marido, também músico. Escrito em parceria com a realizadora Irene Bandeira, o longa é ficcional, mas com brechas no documentário. Essa relação estética ficará mais nítida com o processo de filmagem, que tem como proposta o risco de usar a estrada como dispositivo. “É como se a vida dela recomeçasse a cada cidade, a partir desses encontros que vão se dar na rua, com os perigos da estrada, com as pessoas que a habitam”, conta Rúbia. Da fuga, o encontro.

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Reportagem Fotografia

Fortaleza - CE MAIO/2015

Fotopasseios revelam uma nova Fortaleza a profissionais e amadores Expressões como “sair para fotografar”, “expedições fotográficas” ou mesmo “rolé” também são utilizados para nomear esses passeios fotográficos

O Fotopasseio convida profissionais e amadores a explorarem e redescobrirem a cidade através da fotografia. Foto: Travessa da Imagem.

Das analógicas às digitais,

as câmeras ganham as ruas da cidade nos chamados fotopasseios. Nesses encontros, um grupo de fotógrafos, entre profissionais e amadores, se reúne para descobrir outra Fortaleza através das lentes. As reuniões são pensadas, principalmente, para socializar conhecimento sobre fotografia na prática, vivenciando os lugares e as situações que a cidade oferece. No Centro de Fortaleza, a Catedral, o Passeio Público e o Mercado Central, são espaços comumente visitados pelos encontros. Outros pontos, como a Praça Luíza Távora e a Casa José de Alencar, também são utilizados para reunir professores e alunos em aulas a céu aberto. Igor Grazianno, fotógrafo e professor da Travessa da Ima-

gem – Produtora e Escola de Fotografia, conta que a ideia dos fotopasseios é fazer com que as pessoas se relacionem e conheçam melhor a cidade onde vivem. “Tem gente que nunca foi no Mercado São Sebastião, ou na parte de baixo da Catedral de Fortaleza. Então a câmera fotográfica é usada como uma forma de acesso e permite que as pessoas conheçam outras culturas”, defende. Mais do que propiciar o conhecimento de outras culturas, os fotopasseios são meios de produzir o próprio cenário cultural de Fortaleza. Igor conta que desses encontros já nasceram projetos de ensaios fotográficos com maior amplitude nos registros. “A cidade precisa ser vista para ser preservada. Acredito que quando a gente ocupa as

ruas com as câmeras fotográficas, produzindo imagem, a gente está ocupando a rua com cultura.” É nessa mesma linha de pensamento que trabalha o italiano Antonello Veneri. O fotógrafo mudou-se para o Brasil em 2011 e, desde então, documenta a humanidade do seu “novo país”. Há três anos, Antonello fotografou os moradores de rua na capital cearense para o trabalho “Fortaleza dos Seres Invisíveis”. Decidido a captar com profundidade o cotidiano dessas pessoas, o fotógrafo optou por viver a rua junto delas. “Pra ter o respeito dessas pes-

A cidade precisa ser vista para ser preservada. Acredito que quando a gente ocupa as ruas com as câmeras fotográficas, produzindo imagem, a gente está ocupando a rua com cultura. Igor Grazianno, Fotógrafo e professor

Alunos da Travessa da Imagem buscando novos olhares para fotografar as ruas da cidade. Foto: Travessa da Imagem.

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soas que você fotografa, tem que viver e compartilhar o dia a dia deles. Todo o meu trabalho é focado no cotidiano”, explica. Os fotopasseios, apesar de proporcionarem uma vivência pontual da cidade, con-

tribuem para que os olhares se intensifiquem e os espaços urbanos sejam vistos de outra forma. Esse é o retorno mais importante que esses encontros dão a designer Louize Ferreira. “Passamos muito rápido pelos locais e não percebemos as belezas que eles podem nos oferecer, tanto na parte arquitetônica, como também nos costumes das pessoas.” Ela conta que “não valorizamos o que temos em nossa cidade” e, por isso, as saídas fotográficas aprofundam as ideias sobre Fortaleza. “Nunca iria imaginar que um espaço tão comum, como o Mercado São Sebastião, poderia render tantas fotos bonitas”, completa. Segundo Igor, os encontros podem servir ainda como terapia para aqueles que enfrentam problemas pessoais. “Ir para as ruas também ajuda as pessoas nos dramas mais íntimos. Sempre tem pessoas que estão passando por uma depressão e vêm buscar forças na fotografia”, comenta. Outro objetivo das saídas fotográficas é a socialização entre os fotógrafos e estudantes de fotografia. Para o professor de fotografia da Casa Amarela, Fernando Jorge, a ajuda é mútua durante as reuniões. “Há pessoas com diferentes níveis de conhecimento. Tem do básico, que a gente começa a ensinar do zero, e tem gente com uma base de conhecimento maior, então

“Eu não me considero artista”

ANTONELLO VENERI

Nascido na Itália em 1973, Antonello vive no Brasil há quatro anos. Trabalha como fotógrafo para o maior jornal da Itália, “La Repubblica”. É autor de vários trabalhos documentais e reportagens fotográficas. Em 2014 venceu o Prêmio National Geographic Itália com a reportagem “Il mio viaggio”. Apesar do prestígio, Antonello não se considera um artista, pois ‘precisa das pessoas’. “O artista precisa trabalhar em cima do proprio ego, é um trabalho por dentro. A fotografia é um trabalho por fora.” Saiba mais em: www.antonelloveneri.com


Reportagem Fortaleza - CE MAIO/2015

A qualidade do equipamento não é o mais importante nos fotopasseios. Encontrar ângulos e enquadramentos diferenciados é o que buscam os participantes. Foto: Nyara Cavalcante.

os próprios alunos vão conversando e se orientando”.

Passamos muito rápido pelo locais e não percebemos as belezas que elas podem nos oferecer, tanto na parte arquitetônica, como também nos costumes das pessoas. Louize Ferreira, Designer Fernando explica que os fotopasseios para os alunos são divididos em três momentos. Primeiramente, a turma é livre para fotografar o que quiser; essa fase é ideal para realizar testes técnicos com a câmera. Em um segundo e terceiro momentos, os alunos devem captar fotografias com mensagens mais diretas e claras. Finalizado o encontro, a aula seguinte é destinada a reflexão e à análise das

imagens fotografadas. O papel social desses encontros está ligado também à luta contra a violência urbana. O medo de ser assaltado durante uma saída fotográfica é comum entre os fotógrafos, mas o estigma de certos pontos da cidade como perigosos é rompido quando os fotopasseios chegam até eles. Segundo Fernando, a violência urbana é sempre uma pauta discutida entre os alunos, devido ao temor que alguns locais causam. “Geralmente fazemos o percurso ‘Dragão do Mar Ponte dos Ingleses’, passamos em frente à ponte metálica e pra muita gente aquilo é o terror. Eu luto muito para quebrar isso, justamente para fazer com que as pessoas ocupem e conheçam outros locais”, comenta. NOVO OLHAR Nos passeios fotográficos, os mínimos detalhes não passam despercebidos. São,

em média, 20 participantes clicando as experiências do fotografar em coletivo. Apesar da quantidade de fotógrafos em um mesmo local, é garantida a distinção nas fotografias. A estudante de jornalismo Stephanie Sousa participou do seu primeiro fotopasseio no Centro de Fortaleza e conta que a experiência é única e pessoal, o que também reflete nas produções. “Estar num fotopasseio não significa que todo mundo vai fotografar as mesmas coisas, do mesmo jeito. Por isso eu procuro mudar os posicionamentos de câmera pra diferenciar dos padrões que todo mundo segue.” O primeiro fotopasseio de Stephanie foi organizado pelo projeto Percursos Urbanos, do Coletivo Mediação de Saberes. A estudante de jornalismo resolveu fotografar cada momento que lhe chamou a atenção. “É muito legal porque, ao mesmo tempo em que você está tirando fotos, que é algo que você gosta de fazer, você também está ouvindo e aprendendo sobre aqueles lugares”, pontua Stephanie. O sociólogo e criador do projeto, Júlio Lira, explica que o Percursos Urbanos busca visitar lugares de Fortaleza, levando uma proposta estética e educativa de se relacionar com a cidade, criando pautas culturais e sociopolíticas em todo o Ceará. “É uma intenção política de discutir determinados temas. Não é só um passeio, queremos promover discussões sobre os lugares.”

Cliques

Convívio

Expandindo a cidade em hashtags Chegando ao Theatro José

de Alencar é possível perceber um grupo de jovens com câmeras e smartphones a postos, esperando o fotopasseio marcado para aquela tarde de sábado. Os laços formados pela fotografia se intensificam a cada reencontro, que acontecem quase todos os fins de semana. Esses encontros são comuns para os doze estudantes que estavam presentes. Os estudantes de publicidade Gabriel Caúla e Zayron D’Ângelo são amigos de longa data e relatam que, nesses momentos, a fotografia vem como um bônus. “A melhor coisa de passar a semana longe dos seus amigos, longe das pessoas que você gosta, é quando chega o fim de sema-

na, e você encontra com eles e saem assim pra aproveitar o dia e fotografar”, relata Gabriel. Seja na Beira-Mar, no Parque do Cocó ou no Dragão do Mar, as risadas são fáceis e os dedos são rápidos a cada cena que renderia uma boa foto. Enquanto uns capturam, outros interagem com o ambiente, posando para retratos junto à arquitetura do lugar. Todos os cliques ganharão, em breve, camadas de filtros, hashtags e algumas dezenas de likes nas redes sociais. Esses aplicativos, além de publicizar as imagens, também são uma forma de encontrar novos amigos interessados em fotografia. “Quando a gente quer conhecer novas pessoas, a gente vai no Instagram, vê

quem é de Fortaleza dos nossos seguidores e acaba chamando eles”, conta Zayron. Após alguns passos, alcançamos o fim de uma visita guiada. Chegamos ao camarim, um dos últimos cômodos exibidos no percurso. Ali as câmeras não tiveram sossego, pois luzes e espelhos embelezavam as imagens. Muitos dos que participavam não tinham entrado naquele espaço e experimentavam, pela primeira vez, estar onde tantos artistas já estiveram. Experiências que enriquecia o ‘viver a cidade’ de Amanda Vitória, estudante de informática. “Eu não gostava do meu país, da cidade onde eu morava, exatamente por não conhecer o lugar onde eu estava vivendo”. REPORTAGEM Nathanael Filgueiras e Nyara Cavalcante

Fotos feitas durante passeio. De cima para baixo, assinam: @louizefc; @omundodela_; @zddangelo; @cauluac; @stephaniegsousa.

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Na Rua #4 Comércio religioso

Fortaleza - CE MAIO/2015

Calçadas a serviço da fé e da labuta No Bairro de Fátima, o dia 13 está além da religiosidade. É sinônimo de resistência e busca por dias melhores

É maio de 1917. Lúcia, a mais velha, tem dez anos e está com os primos, Francisco e Jacinta, nove e sete anos, respectivamente. São pastores e brincam sem se preocupar com as ovelhas que vigiam. Ao meio-dia, detêm-se a rezar o terço e fazem rápido. O intuito é acabar logo para retornarem à diversão. Ao terminar as orações, depararam-se com a Virgem Maria pairando acima de uma árvore. Assustados, Jacinta e Francisco apenas observam a aparição conversar com Lúcia. Ela pede que os pequenos rezem o terço e que retornem àquele mesmo local todo dia 13 de cada mês. O encontro aconteceria pelos sete meses seguintes e, nesse período, as crianças ouviram da aparição o conjunto de revelações, conhecidos como “Segredos de Fátima”. A história gerou peregrinações, e, no local, foi erguido um santuário para a Nossa Senhora de Fátima.

O vendedor chega ao destino no fim da tarde do dia anterior e a montagem da barraca segue até uma, duas horas da manhã. É 12 de abril de 2015. Francisco Robério organiza as imagens de santos em gesso necessárias para levar na viagem. São 118 km separando Canindé, onde o pai de duas filhas reside, e a capital Fortaleza. A missão desse cearense de 44 anos é montar a barraca na praça da Avenida 13 de Maio, situada em frente à igreja de Fátima. O vendedor chega ao destino no final da tarde do dia anterior e a montagem da barraca segue até uma, duas horas da manhã. Robério dorme debaixo da barraca. É “sofrido”. “É coisa só para quem quer ter responsabilidade”, afirma. O 13 de abril começa cedo. Aos poucos a multidão de fiéis, majoritariamente vestida de branco, aglomera-se no Santuário Nossa Senhora de Fátima. Na data

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na qual Fortaleza completa 289 anos de fundação, uma chuva de 60 mm banha a cidade. Robério olha para o céu. A freguesia ameaça cair. “Fiel que é fiel, vem”, diz, confiante. A chuva dá uma trégua. São 14 horas e a celebração ministrada pelo pároco Francisco Ivan de Souza movimenta o entorno. Mesmo com a queda do movimento por conta da chuva, o público que comparece à igreja é suficiente não só para lotá-la, como para transbordá-la, levando muito dos religiosos às bordas do local, já saindo do templo. Nesse momento, os fiéis já dividem espaço com as barracas de comércio que lá se instalam tão religiosamente quanto as celebrações à Fátima. São cerca de 85 dessas barracas, tanto na frente imediata da Igreja de Fátima, quanto na praça frontal ao templo, do outro lado da avenida. O objetivo de tais tendas é saciar os fiéis, tanto espiritual, quanto fisicamente. Daí, haver de camisas e CDs de louvores a batatas-fritas e água. A venda dos santos, entretanto, se destaca. O item se apresenta como o mais procurado pelos fregueses e, consequentemente, dos barraqueiros. A imagem mais vendida por Robério é Fátima. Os preços podem variar, mas Fátima é campeã de vendas em todos os lugares por onde a barraca de Robério passou. Há outros nomes também bastante procurados, garante o comeciante, como o de São Francisco, Nossa Senhora das Graças e Coração de Jesus. Os produtos são manufaturados em Canindé. O OFÍCIO “Já nasci aprendendo a vender imagem. Aprendi com meu pai e minha mãe. Saia do colégio e ia ajudar ele, ficava na barraca quando meu pai ia almoçar e estou até hoje nesse ramo”, recorda Robério. A rotina naquele pedaço de chão seguira até às nove horas da noite. Solitário, garante que termina o desmonte da barraca por volta de meia noite. “O dia 13 me ajuda a completar a renda em casa. Mas é muito cansativo, meu amigo”, desabafa. Só chegará em Canindé por volta de três

Por conta dos 35 anos dedicados à venda de imagens, Robério percorreu vários estados do país. Foto: Antonio Laudenir

São cerca de 85 dessas barracas, tanto na frente imediata da Igreja de Fátima, quanto na praça frontal ao templo, do outro lado da avenida. horas da manhã. Já são 35 anos nesse trabalho. Um dos mais experientes comerciantes das feiras dos dias 13, o cearense acumula rodagem de comércios religiosos tais como o do Círio de Nazaré, em Belém-PA, e o Santuário Nacional, em Aparecida-SP. “Eu conheci o Brasil todinho só vendendo santo”, orgulha-se o comerciante. Na 13 de Maio, está desde o tempo em que poucos eram os concorrentes de barracas. A função é vista de forma pragmática: “Se tivesse emprego bom não estaria aqui.” Na praça, que leva o mesmo nome da avenida, são 53 barracas, dispostas uma ao lado da outra, todas com frentes voltadas à igreja. Em sua maioria, construídas com lonas e armações de madeiras para fácil montagem e desmontagem. Não permitiam estrutura maior do que a de manter à exposição os objetos à venda e manter os proprietários protegidos das intempéries climáticas — algumas nem isso, e o dono precisava esREPORTAGEM Antonio Laudenir e Lucas Barbosa

capar da chuva daquele dia 13 com um outro aparato, como um guarda-chuva ou uma outra estrutura de lona. Outro problema é saciar as necessidades fisiológicas: só mediante abandono do ponto — e do arranjo do indivíduo, já que sequer um banheiro químico é disposto. Alimentação e hidratação também precisam ser arranjadas. Tais adversidades do ofício ainda são acompanhadas da escassez e incerteza do dinheiro. As vendas estão submetidas a pessoas tão vulneráveis às flutuações econômicas quanto os comerciantes. Na primeira vez em que Francisco Robério botou ponto na 13 de Maio, não conseguiu o suficiente para voltar. Quando perguntado se as filhas seguirão os passos do

pai, Robério diz preferir que elas estudem, consigam um emprego melhor. “Se você me perguntar o

Se tivesse emprego bom não estaria aqui. FRANCISCO ROBÉRIO Vendedor que significa essa vida, para eu lhe responder, eu queria que as pessoas olhassem para nós como pais trabalhadores. Tem pessoas que olham para gente diferente. Eles pensam que é fácil mudar de ramo. Não tem outro ramo. A cada ano que se passa a tendência é aumentar ainda mais os vendedores aqui”, finaliza Robério.

Dia 13 em fatos e números As celebrações à Fátima acontecem todos os meses, nos dias 13. Cerca de 30 mil pessoas passam pela Igreja nesses dias, em missas celebradas, de hora em hora, das 5h às 20h. A cerimônia ocorre em alusão à aparição da Santa a três crianças portuguesas, em 13 de maio de 1917. Na ocasião, de acordo com a tradição católica, Fátima pediu às crianças que fossem ao local todos os dias 13, pelos meses seguintes.

A jornada das crianças virou tradição católica. Em Fortaleza, a tradição se sucede desde a inauguração da Igreja de Fátima, em 1954. Estima-se em 30 mil o número de pessoas que passam pela Igreja nos dias 13. No 13 de maio, esse número chega a 50 mil. Na procissão ocorrida nos dias 13 de maio, são cerca de 150 mil fiéis participando, no percurso que se inicia na Igreja do Carmo, no Centro, e vai até a Igreja de Fátima.


Entrevista Fortaleza - CE MAIO/2015

Quando o Az de Ouro passa, a rua testemunha O Maracatu Az de Ouro, fundado em 1936, é o primeiro e mais antigo maracatu da cidade. Criado a partir de influências do maracatu de Recife, o Az vem, desde 1937, construindo a memória afetiva e cultural de avenidas como Duque de Caxias e Domingos Olímpio. Nesses 79 anos de tambores, balaios, ganzás, chocalhos e triângulos, o Az de Ouro traz em sua bagagem memórias da cidade, dificuldades, como a falta de espaço para ensaio e apoio financeiro, mas também muita resistência. Presidente do maracatu desde 1993 até 2010, Marcos Gomes é filho de Mestre Juca do Balaio, um dos fundadores. Em meio às lembranças de quem brincou o carnaval desde os cinco anos, Marcos nos conta as mudanças dessa festa de rua na medida em que os espaços foram mudando. O ex-presidente nos recebeu entre troféus, recortes de jornais e fotos das apresentações do Az de Ouro, na sede da agremiação. – Existem diferenças entre o maracatu do passado e o que ele se tornou hoje? Marcos Gomes – Com certeza. Quando o maracatu veio pra cá, tinha uma proposta diferente do de Recife. O fundador morou em Recife muito tempo, trabalhando como artesão. Como aqui em Fortaleza também havia os reisados, os congos, várias manifestações de rua, quando chegou lá, viu o maracatu e começou a se interessar. Então, quando colocou o maracatu na rua, trouxe umas mudanças muito grandes, era com roupas de rendas, o ritmo era mais cadenciado. Às vezes as pessoas têm um pensamento de achar que o maracatu é da umbanda, da macumba, não é isso. Ele foi

trazido para o carnaval do Ceará como uma brincadeira, para resgatar um pouco da história dos negros. – Onde os maracatus se apresentavam? M.G. – Na verdade, o maracatu Az de Ouro acontecia na casa do fundador, e ele morou em vários bairros, o último, o Vila União. Às vezes, ensaiávamos no Passeio Público, em frente à Igreja da Sé. Só veio para a periferia mesmo depois da década de 1960, pois já não tinha mais espaço nesses lugares públicos. Então viemos para o Jardim América, quando meu pai de criação, o mestre Juca, veio pra cá. Meu pai e o Raimundo Alves Feitosa, o fundador, eram amigos, e isso foi dando continuidade e aqui

Marcos Gomes Atualmente, é assessor da presidência do maracatu Az de Ouro, mas já dirigiu a agremiação de 1993 a 2010. Brinca de maracatu desde os cinco anos de idade, junto do pai, de quem herdou o comando do Az. Hoje em dia não é mais responsável pela presidência, mas ainda é diretamente envolvido com os projetos do maracatu. Nesta foto ele segura a calunga e a coroa, símbolos do maracatu. Atrás, troféus das competições anteriores. Foto: Luciana Castro.

foi onde se enraizou, na periferia. Aqui tínhamos umas casas, uma quadra, o lugar foi propício para comportar o Az, que tinha crescido. Hoje, ensaiamos aqui na rua mesmo, na Edite Braga. Fazemos o cortejo e isso aproxima a comunidade dentro do maracatu, é essa a principal característica dele, a participação da comunidade.

Fazemos o cortejo e isso aproxima a comunidade dentro do maracatu, é essa a principal característica dele, a participação da comunidade. – Hoje, o maracatu tem mais ou menos acesso aos espaços públicos do que antigamente? M.G. – Hoje sim, hoje tem mais espaço. Tem por uma questão de conquistas, né? O maracatu só se apresentava no carnaval, não tinha outro momento. Com essa questão do apoio dos órgãos públicos, a criação do Dia do Maracatu, isso deu condição pra que a gente se apresentasse mais na rua. E aí hoje não é só esse maracatu, nós temos catorze grupos. Isso pra gente é altamente importante, porque ajuda a divulgar. As pessoas que nunca viram, nunca assistiram. Isso faz com que a gente se organize pra que melhore cada vez mais. – Você considera que esses ensaios no meio da rua, com as pessoas acompanhando, fortalecem a comunidade local? M.G. – Com certeza. Incentiva, né? As pessoas aqui de cima sabem que aqui tem um maracatu, mas lá na praça, lá embaixo muitos não sabem. REPORTAGEM Anderson Cid e Karoline Rodrigues

Aí, quando veem, ficam admiradas: “No meu bairro tem isso?”, fica a indagação. “Eu não sabia.” E eu faço também muita divulgação na época dos ensaios, por essas áreas, mas também vem muita gente de outros bairros. O objetivo maior do fundador era esse mesmo, era ir pra rua, não era fazer o maracatu para um salão. Alguns grupos se apresentam em espaços pequenos, tem grupos que botam três, quatro, cinco pessoas, mas o maracatu tem vários personagens, então você tem que ter no mínimo um espaço que possibilite que esses personagens se apresentem. – Os maracatus sempre tiveram uma relação próxima com o carnaval. Como o carnaval influi na maneira com que os maracatus exploram os espaços públicos? M.G. – Bem, o Az de Ouro foi convidado em 1937 pra desfilar. O carnaval começava lá no Passeio Público. Ele vinha pela Conde D’Eu, vinha pela Senador Pompeu, descendo pela Duque de Caxias, aí pegava na Major Facundo, entrava pra parar na Praça do Ferreira. Isso no carnaval da década de 1940, de 1950. Depois da década de 70 é que foi indo pras avenidas, Duque de Caxias, Dom Manuel... E ficou em uma só. Porque antes eram várias ruas, e o cortejo era grande.

Muitos maracatus se perderam no tempo e se acabaram porque não conseguiram se manter nessa briga por espaço. – Além do tamanho dos cortejos, que diferenças percebe no desfile que era feito em praças e depois, nas avenidas? M.G. – A diferença é que, você se apresentando num espaço como uma praça, tem duas coisas: ou você circula a praça ou faz um cortejo reto pra se apresentar e depois terminar. No cortejo de rua você visualiza melhor. Fica mais como uma procissão, dessas de ir acompanhando. Você vê as pessoas batendo foto, admiradas. É uma coi-

Maracatu

sa muito legal como reagem, num primeiro momento com espanto, mas depois se interessam, perguntam, chegam perto. – Você lembra a primeira vez que você desfilou? M.G. – Eu lembro por uma foto que tiraram. Eu tinha três anos de idade. Botaram uma roupa de índio, me puseram no braço e levaram pra avenida. Depois me mostraram essa foto e por isso eu tenho essa lembrança. E aí nos anos seguintes foi acontecendo, me levavam, eu ia, andava lá pelo meio, brincava, era o danado. Corria muito, não queria saber de muita coisa não. E sempre eu ia com o mestre Juca. – Como foi a primeira vez que o maracatu desfilou sem o mestre Juca? M.G. – Há nove anos, em abril, no começo do mês, ele faleceu. Sem ele no inicio foi difícil, em 2007. Eu senti muito a falta dele, porque ele era o meu polivalente, ele fazia de tudo, fazia a loa do maracatu, criava as fantasias, fazia os carros alegóricos... E ele tinha muito mais memória do que eu. Eu nunca tive a oportunidade de fazer um documentário com ele, o que me doeu mais foi isso. Queria ter filmado ele falando da história da agremiação, de como começou a dançar maracatu. – Você tem alguma lembrança especial de algum cortejo? M.G. – Tenho: um na Duque de Caxias, que veio com coisas que maracatu nunca trouxe, como carro alegórico. Tinha um elefante muito grande... Na época, homenageamos a arca de Noé. Outro também muito emocionante foi um que teve a participação do Fagner. Ele queria brincar o maracatu, sair de alguma coisa, aí conseguimos uma roupa de escravo e ele saiu no meio do maracatu. Quando ele passou no palanque das autoridades, o apresentador curiosamente reconheceu – isso era quando ele estava iniciando a carreira ainda, mas já era conhecido. ‘O cantor e compositor Fagner no maracatu Az de Ouro!’ São coisas que a gente vê e guarda na memória.

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Reportagem Lazer

Fortaleza - CE MAIO/2015

A música que ocupa Fortaleza Para além dos bares com ambientes fechados e casas de shows, a cidade possui uma programação musical diversificada para quem deseja ouvir música ao vivo e de graça Quem acha que para ouvir

música ao vivo em Fortaleza é preciso necessariamente estar em um ambiente fechado, pagar ingresso e ficar limitado ao espaço físico do lugar está enganado. Pela cidade estão espalhados vários pontos de ocupação do espaço público com música de qualidade, estilos variados e receptividade dos que promovem e dos que usufruem dos eventos ao ar livre. A agitação do Bar do Zé Bezerra acontece no número 71 da Rua Dom Manuel de Medeiros, no Parque Araxá. Dona Célia Bezerra, 65, é quem atualmente administra o estabelecimento e garante que o legado de seu pai, fundador do bar, permaneça vivo. O samba, realizado aos domingos, já é tradição há 30 anos e movimenta as tardes do bairro. “Quando meu pai faleceu, ficou minha irmã, depois meu irmão e hoje sou eu”, explica Dona Célia, que há oito anos está atrás do balcão e à frente do samba-legado. Ela diz que manter a tradição familiar enraizada pelo pai é a principal motivação para permanecer à frente do boteco. “Eu fico feliz pela família, porque o bar leva o nome do meu pai, e pelos amigos que continuam frequentando desde o tempo dele”, destaca. Mesas e frequentadores tomam a rua e as calçadas. Para o ator de teatro Gyl Giffony, a ocupação da rua não é problema. “A gente só vem pra cá porque existe o bar, que é particular e que se abre para o espaço público, e esse uso da rua é incrível”, afirma. Já o diretor de teatro, Murillo Ramos, 36, destaca a relação das pessoas com o espaço da festa. “Existe a ética da roda de samba. Não existe um caráter de espetacularização do acontecimento. Passa por um outro modo, o da vivência”, ressalta. Tal ética, segundo Murillo, se relaciona à liberdade do momento, na qual os músicos, levados pela harmonia da música e pelo clima do público, improvisam um repertório sem roteiro determinado, mas com uma ordem implícita. Murillo ainda enfatiza o diálogo com a vizinhança. “Existe um vizinho que colo-

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Há 30 anos, o Bar do Zé Bezerra é recanto de sambistas em Fortaleza. Foto: Luciana Castro

cou churrasco e isso amplia o espaço”. De fato, a relação com a comunidade é visível. Bebidas e tira-gosto são vendidos nos dias de samba e movimentam a economia do bairro. Exemplo disso é o comerciante Edvaldo Alves, 37, que aproveita o evento para aumentar a renda familiar vendendo pastéis e cerveja.

A gente só vem pra cá porque existe o bar, que é particular e que se abre para o espaço público, e esse uso da rua é incrível. GYL GIFFONY Ator Quem imagina a cena da festa pode pensar em uma bagunça generalizada, mas não é bem assim. Como diz Murillo, há uma ética, uma ordem. Os músicos chegam, cada um com seu instrumento, e se colocam onde ficam mais à vontade. Com os instrumentos afinados, começam a esquentar a roda de samba. O público vai se aproximando. Começa tímido, observando sentado, mas com a passar das horas

se vê envolvido com cada música. Os que desejam tocar ou cantar, ficam livres para participar, mas sabendo que, se não acompanharem o ritmo, têm de deixar a roda. A qualidade importa, e muito. Para garantir o bom funcionamento e a convivência, a proprietária é pontual. Às ordens de Dona Célia, a roda puxa a última canção às 19 horas, sempre a mesma, ‘Do fundo do nosso quintal’, música do grupo Fundo de Quintal. O refrão que deseja boa noite é cantado a plenos pulmões e o público sabe que depois dela, não há espaço para bis. O movimento que acontece no Bar do Zé Bezerra está em processo de reconhecimento como patrimônio cultural da cidade. O pedido de registro no livro de lugares, protocolado em 2011, está em análise pela Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), que não deu prazo para divulgação do resultado.

há 53 anos ocupa uma esquina discreta e residencial na região. O comércio, herança de família, hoje é gerenciado por Roberto Albuquerque Filho, 51, que dá continuidade ao negócio do pai, e por Zilda Albuquerque, 51, sua esposa. A música sempre fez parte da essência do lugar. “Na época do meu pai, já estiveram aqui Cauby Peixoto, Wando e Valdick Soriano. Quando eles estavam em Fortaleza sempre vinham aqui, cantar, beber e conversar com meu pai”, orgulha-se o dono da bodega. Para Roberto, o lugar pode ser denominado como um “encontro de artistas”, onde

predominam sambistas. Diferentemente dos shows de palco, na rua existe a liberdade dos músicos escolherem o que tocar e pararem para conversar quando quiserem. O cenário intimista faz com que quem frequenta “se apaixone” e continue indo, é o que afirma o dono. De acordo com ele, o público todo domingo é de cerca de 200 pessoas. Para o comerciante, a relação com a vizinhança sempre foi tranquila e cordial. Ele garante que nunca aconteceu um episódio de conflito, visto que o volume da música, segundo ele, é “baixo” e o horário de funcionamento se estende até, no máximo, 18 horas. Para Roberto, é uma “grande satisfação” manter a Bodega. “Graças a Deus eu tô conseguindo botar pra frente o que o meu pai fez. É uma questão de honra pra mim”, afirma, entusiasmado. Há um ano, a cantora e agente administrativa Mônica Costa, 51, vai todos os domingos à Bodega do Seu Roberto e diz preferir o lugar pela liberdade da rua. “Numa casa de show, o ambiente é fechado, você fica restrito, limitado a ficar lá dentro. A rua é livre e você não precisa ter um acesso específico para entrar e participar”, compara. OCUPAÇÃO INTINERANTE Dentre os ritmos, o Blues também passeia pelas ruas e praças de Fortaleza. A dificuldade de conseguir espaço para o estilo musical estimulou o surgimento, em

INTIMISTA Próximo dali, no bairro Monte Castelo, também tem festa, mas a cena se transforma. A música é mais calma, o público mais experiente e o cenário mais tranquilo: é a Bodega do Seu Roberto, que

O chorinho democrático da Bodega do Seu Roberto chega a reunir, segundo o proprietário, 200 pessoas. Foto: Luciana Castro


Reportagem Fortaleza - CE MAIO/2015

1º de janeiro de 2009, da Associação Casa do Blues. Antes da oficialização, o grupo fez alguns shows pela cidade em 2008, como afirma Leonardo Vasconcelos, 33, presidente da Associação. “A iniciativa chamou a atenção do vereador Elpídio Nogueira, que também é blueseiro, e ele lançou a ideia da gente ocupar o espaço público”, conta Leonardo. Tal iniciativa culminou na ocupação da praça do bairro Joaquim Távora como palco da Casa do Clubes, entre março e dezembro de 2009. O projeto realizou cerca de 40 shows, sempre aos sábados, com uma média de público de 500 pessoas por evento. O presidente da iniciativa confirma ainda que “haviam recursos da Prefeitura, por meio de emenda parlamentar, mas era complicado por causa da falta de estrutura do local”.

Quando você tem uma praça, você tem ali o centro cultural de um bairro, pelo menos em potencial. Porque quando ela não é ocupada vira espaço de violência. LEONARDO VASCONCELOS Presidente da Associação Casa do Blues Entre 2011 e 2012, novamente em parceria com a Prefeitura, a Associação ocupou os espaços públicos com o “Casa do Blues nas Praças”. A iniciativa passou por nove bairros, pelo menos um em cada regional. “Quando você tem uma praça, você tem ali o centro cultural de um bairro, pelo menos em potencial. Porque quando ela não é ocupada vira espaço de violência”, destaca Leonardo, sobre a importância de levar o projeto aos espaços de convivência. A Associação trabalhou ainda na perspectiva de ocupar um equipamento público da cidade, com o projeto no Estoril em 2014. “A Casa do Blues se caracterizou por ter música de qualidade e acessível, e quando você tem isso pode colocar em qualquer lugar”, afirma Leonardo, ao ressaltar o bom desempenho da iniciativa também no Estoril.

“Não adianta a gente procurar espaço para tocar se não temos plateia. A gente tem uma mídia muito massacrante em relação a um ritmo só. As pessoas quase que são obrigadas a ouvir só um. A Casa do Blues trabalha com formação de plateia, e o espaço público é o melhor lugar para que esse trabalho aconteça” afirma o presidente da Associação. TERRITÓRIO MUSICAL O ritmo já não é mais o mesmo, mas a construção de um espaço musical aconteceu na praça do bairro Joaquim Távora: o público cativo deixado pela Casa do Blues acabou sendo assumido pela seresta promovida pelo box Canto da Tilápia. “Começamos depois que o Blues saiu, o pessoal já estava acostumado a saber que aqui tinha música, então resolvemos continuar”, conta Bruna Braga, permissionária do box. O romance ecoa pela praça, as letras apaixonadas, ou sobre desilusões amorosas predominam no repertóriço, embalam os encontros de casais e o bate-papo da mesa de amigos. Os copos vão ao alto acompanhados de canto-desabafo quando o seresteiro toca a inesquecível “Princesa”, eternizada na voz do rei da seresta: Amado Batista, e para arrebatar os corações, segue com o pedido unânime, “Evidências”, gravadas por inúmeros interpretes, mas reconhecida principalmente com a dupla Chitãozinho & Xororó. Apesar do repertório tradicional, o artista não deixa de atender ao clamor do público e, assim, o mais novo

Onde curtir Bar do Zé Bezerra - Samba aos domingos - Rua Dom Manuel de Medeiros, 71 - Parque Araxá Bodega do Seu Roberto Chorinho aos domingos - Rua José Cândido com Rua Henrique Autran - Monte Castelo Pagode da Dona Mocinha samba e pagode às sextas, sábados e domingos, Rua Padre Climério, 140 - Praia de Iracema Pagode da Lineu Machado pagode aos sábados, Av. Lineu Machado , João XXIII Café Passeio - música instrumental aos sábados e domingos - Passeio Público Rua Dr. João Moreira s/n - Centro

Na praça do bairro Joaquim Távora, a seresta vem ganhando espaço (Foto: Luciana Castro)

integrante do repertório, Pablo do Arrocha, é tocado à exaustão. A empresária diz que optou pela seresta por ser economicamente mais vantajosa, realizada apenas por um músico e poucos equipamentos de som. Com música ao vivo de sexta à domingo, em local público, o movimento acabou atraindo os paredões de som, prática rejeitada pelos permissionários dos boxes e frequentadores da praça. “A gente pede pra baixar ou desligar, quando eles insistem, chamamos a polícia”, relata Bruna. Ela afirma que os clientes não gostam do som de carro. “Como nosso público não é jovem, são senhores e senhoras, eles não estão interessados em som de paredão”, garante. Forró do Santa Cruz - Forró e Gafieira aos domingos - Rua São Paulo, 70- Centro Praça do Mercado Joaquim Távora - Seresta (às sexta, sábado e domingo) Av. Pontes Vieira, 457, - Joaquim Távora Boteco do Arlindo - (música ao vivo de sexta a domingo) Rua Carlos Gomes, 83, José Bonifácio Bar Pé de Serra - Encontros Raul Seixistas - Av. Aguanambi em frente a AMC Beliske Bar e Petiscaria - Rua Conrado Cabral, 554 (Sábado a partir das 20hs Jovem Guarda com a banda Littrus e Domingo com samba) Dom Gurgel - chorinho e samba aos domingos - R. José Sombra, 243 - Parque Araxá

REPORTAGEM Luana Bastos e Luciana Castro

ROCK NA PRAÇA Na avenida Aguanambi, mais uma mistura de ritmos. O Bar Pé de Serra, apesar do nome, é reduto para os fãs de Raul Seixas. Na primeira e na terceira sexta-feira do mês, o estabelecimento é palco de um encontro voltado para o público que aprecia a trajetória musical do cantor. O evento ocupa além do bar, a praça. Ele começou há cinco anos, em 21 de Agosto de 2010, data do aniversário de morte de Raul, e conta com a presença de um público de aproximadamente 80 pessoas. A ideia surgiu dos, autodenominados "Raul Seixistas" Carlos Gomes, dono do bar, e Leudo Júnior, professor de Filosofia. “São três horas de Raul Seixas para um público variado: casais, idosos, crianças e amigos de todas as idades. O ambiente é familiar”, comenta o dono do bar, que, além desse encontro de fãs do cantor, também promove samba no último domingo do mês. “Quando alguém pede uma música do Raul que eu não sei cantar ou tocar, eu guardo o pedido para, na próxima vez, inserir no repertório”, fala Leudo sobre a preocupação de agradar a platéia fiel. Carlos realiza a manutenção da praça voluntariamente. “Eu plantei vários tipos de plantas, pintei, coloquei iluminação, bancos e mesas. Quando o bar está fechado, os moradores do

bairro continuam utilizando a praça”, relata. O comerciante tentou participar do programa da Prefeitura de adoção de praças, mas não conseguiu, pois não tem o perfil exigido. Apesar da resistência dos Raul Seixistas, o evento deve chegar ao final. A avenida Aguanambi deve passar por uma requalificação e, segundo Carlos, a praça será parcialmente demolida. “Vai ficar só um pedaço. Já avisei aos clientes que o encontro vai acabar”, desabafa. A reportagem entrou em contato com a Prefeitura, que preferiu não divulgar os detalhes do projeto.

Saiba Mais

Para realizar eventos em espaços públicos é necessária autorização da Secretaria Regional do bairro, por meio de um termo de utilização do espaço público. Para solicitar o termo é necessário oficio com a descrição do evento; documentos pessoais; Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), em caso de montagem de estrutura; autorização da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), em caso de utilização sonora e autorização dos Bombeiros se houver show pirotécnico.

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Na Rua #5 No muro

Fortaleza - CE MAIO/2015

Poesia em muros e postes transforma o cenário urbano Usando a técnica do estêncil, jovens artistas espalham pensamentos e provocações por muros e postes da cidade: palavras e imagens que tocam as pessoas e nelas ganham vida Bebi da paixão até você virar

ressaca. 2 linhas não se cruzam à toa. Só me encontro dentro de ti. Essas são apenas algumas das mensagens espalhadas pelos artistas Felipe Yarzon, 29, Ian Thomé, 31, e Leandro Alves, 30, que transformam muros em telas e espalham suas palavras pelas ruas de Fortaleza. O que esses jovens artistas têm em comum é a adoção da técnica do estêncil (do inglês, stencil) como forma de irradiar suas mensagens de incentivo, amor e crítica social. A prática consiste na aplicação de ilustrações imagéticas ou textuais sobre uma superfície, com auxílio de molde preparado previamente em recorte de papel ou plástico. O estêncil é comumente compreendido como uma forma de manifestação do grafite, derivando daí a preferência de sua impressão em muros, paredes e via pública. Para Felipe Yarzon, as maiores vantagens do estêncil são a praticidade e a mobilidade. “Em um sinal fechado consigo deixar minha mensagem e seguir”. Ideia compartilhada pelo colega de profissão e arte Ian Thomé, para quem a técnica é “uma maneira fácil e prática de espalhar frases, pensamentos e raciocínios”. A inspiração, no geral, vem do cotidiano. Yarzon e Thomé, ambos redatores publicitários, tratam a produção

Saiba Mais Legislação

A instalação de qualquer engenho de divulgação de propaganda em locais públicos dependerá da prévia licença da Prefeitura, de acordo com a Lei Municipal nº 8221 de 28 de Dezembro de 1998, que dispõe sobre os anúncios na Capital. A lei define publicidade e propaganda como “forma de difusão de ideias, produtos, mercadorias ou serviços, mediante a utilização de quaisquer materiais, por parte de determinada pessoa física ou jurídica”.

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“Talvez se a quantidade de publicidade presente na cidade fosse ocupada por arte, a população tivesse uma melhor relação com o espaço urbano”, arrisca. AS PESSOAS E A CIDADE

Felipe Yarzon usa seu estêncil para espalhar mensagens pela cidade. Foto: Arquivo pessoal de Yarzon.

artística que realizam quase como uma extensão da carreira profissional – já naturalizados com a realidade de manifestar suas ideias e opiniões por meio do texto escrito. “No lugar do jornal, o muro”, brinca Felipe, que já trabalhou também como contista para uma revista local. Ian também salienta a afinidade com o ofício publicitário: como já trabalha em propaganda, “o sensor de observação já fica ligado sempre, e inspiração pode ser qualquer coisa, em qualquer momento e lugar. Basta observar bem”, ensina. Para Felipe Yarzon, o necessário é responder ao “chamado da ocupação que vem da cidade”. O artista reforça a importância de festivais como o Concreto (Festival Internacional de Arte Urbana) e dos cursos ofertados pelo Porto Iracema das Artes. Segundo ele, essas ações denotam o reconhecimento do espaço urbano da Capital, o que também aparece nas reformas de locais públicos e na realização de eventos gratuitos. Para o artista, essas ações “aumentam o nosso amor pela cidade”. “E amar”, define, “é ocupar todo o espaço”. Leandro Alves – que trabalha tanto texto como imagens em seu grafite – vê nesse tipo de manifestação artística a oportunidade de poetizar o caos do cotidiano da cidade em que vive: uma Fortaleza cada vez mais cercada de prédios, asfalto e propaganda.

Fortaleza é a capital do Nordeste com o maior número de mortes ocasionadas por violência urbana. Nisso, se inclui, entre outras motivações, assassinatos em decorrência de roubos (latrocínio), sequestros ou de relações com o tráfico. A informação vem das Estatísticas do Registro Civil, publicadas em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Fortaleza tem todas as qualidades do mundo, mas um problema: o medo da rua. Poucas são as pessoas que andam por sua rua, por seu bairro. Espalhar frases de incentivo e amor também é um convite para que todos vivam esse espaço que é nosso”, defende Yarzon. O publicitário, porém, acredita que esse “medo das ruas” é um “problema que, aos poucos, está sumindo”. O artista gráfico Leandro Alves concorda. Morador da periferia, ele sentia a necessidade de que sua voz ecoasse pela cidade. No grafite, encontrou a motivação por problematizar, criticar e discutir as questões sociais e de direitos humanos, envolvendo temas como dinheiro, trabalho e valorização da vida. Além de grafitar, Leandro também ministrou cursos e oficinas sobre estêncil e ilustração, mantendo a perspectiva que o impulsionou desde o início: repassar conhecimento e dar oportunidade para que outros jovens e adultos também possam se manifestar pela arte, pelos muros.

Disparo à cabeça, estêncil de Leandro Alves. Foto: Arquivo pessoal de Leandro Alves.

Poluição Visual

Arte disputa espaço com publicidade O artista visual Leandro Alves comenta que muitas vezes se vê, como cidadão, sufocado pela quantidade de propaganda espalhada pela cidade. Ele considera “abusiva e exagerada” a maneira como os anúncios tomam conta das paredes, postes e paradas de ônibus. Chateia-se também quando um trabalho seu é coberto por faixas e cartazes – especialmente em espaços não autorizados. O artista acredita que a ocupação do espaço público – seja por iniciativa independente, cultural, privada ou comercial – tem de acontecer de maneira responsável, pro-

curando sempre formas que não agridam a cidade ou as pessoas. No entanto, diz que “toda essa publicidade reflete a forma como as pessoas consomem esses produtos (ofertados pelo anúncio)”. Para o publicitário Felipe Yarzon, a relação da sua arte com os cartazes comerciais é outra. A efemeridade do trabalho expresso nos muros é uma característica da arte urbana, segundo ele, e pode, inclusive, fazer bem para a cidade. “O muro que tinha o grafite e foi pintado tem uma nova chance de virar obra de arte”, contemporiza.

Serviço Acompanhe os artistas no Instagram: Felipe Yarzon @doyarzon Ian Thomé @ianthome

REPORTAGEM Drielle Furtado e Hélio Grangeiro

Publicidade irregular nas proximidades do Shopping Benfica. Foto: Drielle Furtado.


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