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Mulheres em campo: histórias por trás do apito Júlia Barros
Comportamento O B de LGBT é de quê?
Bissexualidade, seus preconceitos sociais e a invisibilização
Criado pelos ativistas Wendy Curry, Michael Page e Gigi Wilbur, o dia 23 de setembro é considerado o Dia da Celebração Bissexual. A orientação bissexual consiste em pessoas que se relacionam afetivamente, sexualmente ou emocionalmente tanto com pessoas do gênero masculino quanto do gênero feminino (cis ou trans). Componente da terceira letra na sigla LGBTQ+, a bissexualidade é por muitas vezes uma orientação invisibilizada, ou seja, não levada em consideração na sociedade e dentro de sua própria comunidade de acolhimento.
Quando mais novo, Victor Frainer, 19 anos, estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), achava que seus sentimentos em relação a sua orientação sexual eram só dúvidas e angústias. Segundo ele, se deu conta que “sentia atração por pessoas, e o gênero não fazia diferença”. Suas perspectivas mudaram depois que ficou pela primeira vez com uma pessoa do mesmo sexo. Começou a amadurecer como se portava em relação a isso, e sentiu mais liberdade. “Nunca precisei me assumir hétero então não preciso ficar me assumindo não-hétero”, conta o estudante. Para Victor, o movimento LGBTQ+ tem uma tendência excludente em relação às mulheres bis, lésbicas e transexuais. Ele diz nunca ter passado por uma situação em que tenha se sentido invisibilizado, mas já ouviu relatos
Foto: Carla Carvalho de amigas mulheres que sofreram com isso. “Tenho várias amigas que são bi que reclamam disso, e várias que são lésbicas e veem isso acontecer. Acho que tem essa invisibilização, mas a ordem do dia se debruça muito mais na morte da população trans que está sendo morta dia após dia”.
Coletivo paulista debate representação
O professor da UFRGS Fernando Seffner fez sua tese de doutorado nos anos 90 baseada em entrevistas com homens bissexuais. A motivação para esse recorte foi a associação, na época, de homens bissexuais à transmissão de AIDS para mulheres hétero. Eles eram acusados de serem vetores de uma doença que até então aparentava só afetar homens homossexuais. Desde aquela época, algumas coisas permaneceram iguais. “A bissexualidade não construiu efetivamente uma identidade forte”, comenta Fernando. “Seguiu e segue até hoje com uma identidade fraca. Não tem movimentos sociais, bares para se encontrar, sites etc. A cidade tem que ser muito grande para isso acontecer”. Seffner comenta que a falta de classificações mais amplas dificulta a fortificação da identidade. O professor cita como exemplo os intersexuais, pessoas que nascem com características biológicas que não se categorizam nem no sexo feminino nem no masculino. “Tudo isso colabora pra que esse ‘meio de campo’ fique lotado de gente e isso colabora para a invisibilidade”.
O coletivo Bi-Sides, da cidade de São Paulo, surgiu por conta da frustração gerada pela falta de representatividade nas ações e nos discursos LGBT. O objetivo do grupo é levar a representação bissexual para o campo do debate, da política e da cultura dentro da sociedade. Natasha Avital Ferro de Oliveira, 33 anos, integrante do Bi-Sides desde 2010, conta que apenas na parada LGBTQ+ de 2018 foi incluído um Grupo de Trabalho (GT) especificamente para bissexuais, juntamente com panssexuais e polissexuais. Esses grupos tratam de determinados assuntos dentro da parada LGBTQ+ e em atividades que a antecedem, como feiras culturais e ciclos de debates. “Antes existia um GT supostamente de lésbicas e mulheres bi, e homens gays e bi, e um de pessoas trans, independente da orientação sexual. Então, na prática, estávamos totalmente apagados. Eu tentei participar do que seria para mulheres lésbicas e bi, mas houve muita bifobia”, relata Natasha. “Me acusaram de querer ‘roubar’ gente de lá porque sugeri a criação de um GT especificamente bi, sem separação por gênero”. Na parada de 2017, um bloco de bissexuais espontaneamente reuniu assinaturas para a criação de um GT para pessoas bis. “ A bissexualidade não construiu efetivamente uma identidade forte. Fernando Seffner, professor da Faculdade de
Educação da UFRGS
A futura geóloga Samanta Zemnicahak, estudante da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), é lésbica e namora uma mulher bissexual. Ela conta que em uma noite que saiu, uma mulher também lésbica a questionou se tinha medo de que sua namorada a traísse com um homem. “A gente tem um relacionamento súper tranquilo, bom. Se em algum momento ela sentir alguma coisa por outra pessoa, ela vai conversar comigo, ela não vai simplesmente ir atrás de um homem”, conta Samanta, contrariando os falsos estereótipos construídos em relação à mulher bissexual. A bissexualidade é uma orientação em que constantemente os indivíduos se sentem coagidos a dar maiores explicações sobre si mesmos. “Se o nosso relacionamento estiver dando errado, vai ser por conta da minha relação com ela, e não por causa de terceiros”, afirma Samanta.
Esporte Mulheres em campo: histórias por trás do apito
Foto: Júlia Barros
Árbitras e assistentes contam como é fazer parte do quadro da Confederação Brasileira de Futebol
Júlia Barros
Faça chuva ou faça sol, elas estão em campo. Com os olhos fixos na bola, vivenciam com intensidade os 90 minutos de partida, marcando cada vez mais o cenário do futebol. Com uma rotina bastante desafiadora, as assistentes de arbitragem rompem barreiras.
“A torcida normalmente é o que pega mais pesado, e o que deixa a gente bastante chocada é que as ofensas machistas vêm das mulheres”, aponta Luiza Reis, 31 anos, assistente de arbitragem da Federação Gaúcha de Futebol (FGF). No quadro regional, sete mulheres estão responsáveis por apitar e auxiliar a arbitragem nos jogos. Entre elas, três pertencem ao quadro nacional, representado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), sendo uma árbitra e duas assistentes.
Apesar de serem poucas, elas movimentam o futebol brasileiro e buscam, diariamente, por um esporte mais democrático. A mudança já começa em suas rotinas. Luiza Reis, assistente de arbitragem da Federação Gaúcha de Futebol
De acordo com Luiza, as situações a surpreendem positivamente. “Tanto os nossos colegas quanto o pessoal dos clubes já estão bem acostumados com a mulher nesse meio. Felizmente, posso dizer que nunca passei por nenhuma situação, pelo menos não na minha frente, né”, afirma, com bom humor.
Mesmo sem grandes julgamentos, alguns casos acabam acontecendo. Atuando profissionalmente desde 2014, Maíra Maristella Moreira, 27 anos, conta que o processo até ganhar confiança é longo, mas de extrema importância. “Quando comecei a fazer o curso da Federação, entrei em uma associação em Santa Maria, que é onde eu resido. Lembro que na época o presidente da federação – com quem me dou super bem – me chamou para conversar e perguntou se eu tinha certeza que queria atuar, que não era como eu assistia na TV. Falei que sim, que fiz o curso pra isso. Outra vez ainda, antes de me escalar, perguntou: ‘Tem certeza?’”, relata. A assistente de arbitragem ainda ressalta: “É um longo trabalho de confiança, né. No momento que tu ganha confiança, o trabalho só vai”.
Formada desde o ano passado, Andressa Hartmann, 26, conta sua experiência sendo a única árbitra mulher do Estado: “O Rio Grande do Sul é conhecido nacionalmente e até internacionalmente por ter árbitros muito bons em seu quadro. Ser a única mulher é uma responsabilidade muito grande. Responsabilidade que exige muito treinamento, estudo, comprometimento e coragem”. Abordando ainda sobre a visibilidade feminina no futebol, a jovem complementa a importância da figura feminina em campo. “Acredito que a maior visibilidade de uns anos pra cá é resultado de esforço, dedicação e luta que as mulheres enfrentam diariamente”, destaca Andressa. “É preciso legitimar a participação das mulheres no esporte. A luta está sendo feita e continua!”. Como funciona o processo
Para quem deseja atuar na área, é importante focar na preparação pré-processo seletivo. Todas as etapas são muito significativas para a FGF. Há 15 anos no mercado trabalhando diretamente com arbitragem, o presidente da comissão de arbitragem, Luís Fernando Gomes Moreira explica como funciona o processo para tornar-se árbitra da Federação Gaúcha de Futebol: “Para entrar, basicamente precisa fazer o curso, passar, realizar os exames - físico, mental, oftalmológico e eletrocardiograma de esforço - e após essa etapa, iniciar os treinamentos na categoria de base, para depois desenvolver até o profissional. Depois de dois anos na federação, já pode ser indicado para a CBF.”
Como ingressar na CBF?
O percurso para chegar no quadro da CBF não é fácil. São necessários muitos jogos e testes até chegar lá, para ambos gêneros. O trabalho de arbitragem é dividido em três etapas, denominadas por letras (A, B e C). Assim que o curso é finalizado, a participante entra para a categoria C, em que apita jogos de base, começando pelo campeonato infantil. Para isso, é necessário ter o ensino médio completo. Passado pela base, dependendo do resultado em campo, a candidata pode avançar para a categoria B, que atua em jogos profissionais de divisões inferiores à Série A. Porém, estar cursando o ensino superior é pré-requisito.
Com aproximadamente três anos de experiência nestes campeonatos e ensino superior, a árbitra ou assistente de arbitragem pode entrar para os jogos de categoria A, em que participa dos campeonatos do Gauchão. Conforme seu desempenho, seu nome é sugerido para entrar no quadro nacional na CBF.