Caruaru, Pernambuco Junho 2012 Ano VI
Edição Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Faculdade do Vale do Ipojuca - FAVIP
EspeciaI
ISSN 2238-6122
Edição especial em homenagem ao Rei do Baião
Pernambuco celebra os 100 anos de Luiz Gonzaga
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A NOTÍCIA
Caruaru, Pernambuco Junho 2012
Reverências a Gonzaga
Expediente
É com grande satisfação que o curso de Jornalismo da Favip faz circular a edição especial do Jornal A Notícia, em comemoração ao centenário de nascimento do mestre Luiz Gonzaga. Fruto de um trabalho interdisciplinar, envolvendo as disciplinas Técnicas de Reportagem e Entrevista e Planejamento Gráfico e Editoração Eletrônica, o jornal oportunizou aos alunos do terceiro período do curso a vivência prática das técnicas e teorias aprendidas em sala de aula e ainda os levou a conhecerem um pouco a trajetória do Rei do Baião. Nesta edição, os leitores poderão conferir uma reportagem especial sobre a vida do artista, narrando desde a sua infância em Exu, no Sertão, até os últimos dias de sua contribuição em vida à música nordestina. A importância de Luiz Gonzaga na vida de cidadãos comuns também é destaque na matéria que trata sobre os vários fãs que ele deixou na região. Falando de Gonzaga, seria impossível deixar de ouvir a relação profissional e de amizade que ele teve com o caruaruense Onildo Almeida, autor da famosa música A Feira de Caruaru,
que levou o nome da cidade aos quatro cantos do mundo na voz vibrante de Gonzagão. Numa entrevista marcada pela emoção, Onildo fala sobre sua proximidade com o artista e antecipa como será sua homenagem aos 100 anos do mestre “Lua” Poucos retrataram tão bem a realidade do Sertão quanto Luiz Gonzaga, que, através de suas músicas, expressou os dois extremos da vida do sertanejo: a dor e o sofrimento trazidos pela seca; e a humildade e a alegria desse povo guerreiro. Sobre essa tema, A Notícia traz uma reportagem mostrando de que forma as músicas de Luiz Gonzaga podem ser utilizadas como instrumento pedagógico. Além desses assuntos, o jornal ainda registra depoimentos exclusivos de artistas de expressão nacional, como Elba Ramalho, Alcymar Monteiro, Jorge de Altinho e Nando Cordel. É dessa forma que esperamos que esse jornal contribua para o resgate da memória da história de vida do mestre Luiz Gonzaga, que, merecidamente, é o único dono do título de Rei do Baião, pois, como diz a letra da música, Luiz Gonzaga não morreu, nem sua sanfona desapareceu.
Sociedade de Educação do Vale do Ipojuca S.A. (SESVALI) Mantenedora da Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP) Mauricélia Bezerra Vidal Diretora Executiva Roberto Cavalcanti Albuquerque Filho Diretor Financeiro Djalma Lira Santiago Diretor administrativo
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da FAVIP Rosangela Araújo Coord. do Curso de Jornalismo Professores orientadores Carlos Araujo Iraê Mota Rosângela Araujo Supervisão de Projeto Gráfico Carlos Araujo Impressão: Gráfica Jornal do Commercio Tiragem: 3.000 exemplares
O Rei na memória “Eu fui muito próxima do Rei do Baião. Gonzaga era meu paizão. De manhã eu estava vindo de uma dobradinha de shows e ele também. Aí ele me viu entrar e já gritou ‘Elba Ramalho’, com aquele jeitão dele, venha aqui conhecer o velhinho... Ele estava brincando! Conversamos bastante, ficamos amigos. Foi aí que eu gravei Sanfoninha Choradeira. Comigo ele sempre foi muito atencioso. Gonzaga era um homem bravo. Sertanejo, forte. Nós no sertão já nascemos assim, fortes! Se não a gente não resiste. A seca é algo que só um povo forte e determinado consegue superar. E Gonzaga era assim, corajoso, um homem que largou tudo e foi tentar a vida em uma cidade grande. Eu fiz a mesma coisa, saí do sertão em busca do meu sonho, passei por todas as dificuldades, mas não me abati”. [Elba Ramalho] “Luiz me conheceu através de Dominguinhos, ele falava de mim a
Gonzaga. Um dia a gente se encontrou na gravadora BMG Ariola, no Rio. Luiz disse: ‘Você é o Nando Cordel?’, respondi: ‘Sou, seu Luiz’... ‘Dominguinhos fala muito de você’! Ele disse uma coisa bem interessante sobre mim. Ele olhou para Dominguinhos e falou: ‘Não deixe esse maguinho não, viu?’. Eu acho que Dominguinhos acatou o conselho dele e não me deixou mais... Gravei com Luiz Gonzaga a música ‘A todo mundo eu dou psiu’, e foi uma experiência magnífica. Outra coisa que me recordo e agradeço demais a Luiz Gonzaga era que quando eu chegava à rádio ele já avisava antes: ‘Pessoal, vem aí um menino chamado Nando Cordel que é meu amigo, meu parceiro e amigo de Dominguinhos, eu quero que vocês toquem’. Então aonde eu chegava as portas das rádios já estavam abertas no começo da minha carreira”. [Nando Cordel] “Luiz Gonzaga é o Papa, é o gênio, é o mito, não tem como. Na verdade, foi ele quem popularizou o forró bem pé de serra do Araripe. E aí no Rio de Janeiro ele popularizou e trouxe o triângulo que não existia e fez o jogo de fole que também não existia.” [Jorge de Altinho] “A importância de homenagear Luiz Gonzaga é fundamental como forma de agregar valores, mobilizar a imprensa e mostrar ao mundo quão forte essa influência é em nossa cultura, e isso não pode ser esquecido.” [Targino Gondim] “Ele foi o maior artista popular do Brasil, foi a matriz para vários artistas, ele era um gênio, e como todo gênio, ele não sabia da grandiosidade dele, mas nós sabemos e estamos aqui para prestigiar essa riqueza que ele nos deixou.” [Alcymar Monteiro] ‘Falar o quê de quem já disse tudo?’ “A frase que inicia uma canção do meu amigo Pablo Patriota e que homenageia Luiz Gonzaga é uma pergunta muito boa e que poderia ou deveria encerrar qualquer assunto relativo ao Rei do Baião. Qualquer pessoa que conheça, por pouco que seja, sua obra, sempre terá algo a falar sobre sua genialidade.” [Valdir Santos]
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Entrevista
A NOTÍCIA 3
“Mais um ano sem o Rei” Compositor e amigo de Luiz Gonzaga, Onildo Almeida conta como foi ter contribuído para a trajetória de Gonzagão
Adilson Jr’s
Adilson Jr’s, Geovanna Aguiar e Weverton Pierry 3° período
O senhor compôs 21 canções para Luiz Gonzaga, sendo a mais famosa “A Feira de Caruaru”, da qual Gonzaga vendeu mais de 100 mil cópias e rendeu o primeiro disco de ouro do Rei do Baião. Como é para o senhor ter ajudado Gonzaga nesse feito? É um acontecimento raro e de muita importância, tanto para mim, como compositor da música, quanto para Gonzaga, tendo em vista que Asa Branca, a música mais famosa do Rei, e é um hino brasileiro do nordestino, ainda não tinha atingido a vendagem de 100 mil cópias, quando já fazia quatro ou cinco anos que ela tinha sido lançada. E “A Onildo exibe CD com músicas suas em homenagem ao centenário de Gonzaga Feira” deu uma disparada e em um ano atingiu essa vendagem. me mostra?”. Falei: “Está em suas tinha um carinho especial por mãos”. Ele disse: “Posso regravar?”. essa cidade e se dizia filho postiço Como foi que o senhor conheceu Eu respondi: “Pode. Depois a de Caruaru com muito orgulho. Luiz Gonzaga e chegou a trabalhar gente conversa”. Aí ele gravou e Então, a cultura caruaruense, que com ele? foi o estouro da boiada. Com Luiz é nordestina, tinha obrigação de Foi através da música “Feira” que eu Gonzaga, a música aconteceu prestar esse tributo àquele que foi, é gravei primeiro que ele. Quando eu no país inteiro, ele já era o Rei do e continuará sendo o maior músico a fiz, não tinha quem gravasse e, por Baião. Na minha voz foi só aqui no brasileiro, na minha opinião. insistência da fábrica, eu gravei e a Nordeste. música repercutiu. Comigo ela não Como era Luiz Gonzaga, o cantor, vendeu 100 mil discos... Vendeu Este ano, o grande homenageado e como era Luiz Gonzaga do Naspouco mais de 10 mil discos em do São João de Caruaru é o Rei cimento, o cidadão? um ano. Então, Luiz, quando ouviu, do Baião. O que o senhor achou Gonzaga era um homem como disse: “De quem é isto?” Aí disseram: dessa homenagem? outro qualquer, só que ele era “É de um rapaz que trabalha aqui Eles tinham uma obrigação de muito cuidadoso, não fazia amizade na rádio”. Levaram-me até Luiz prestar essa homenagem, em com todo mundo. Muita gente se e ele disse: “É seu, caboclo?” Eu comemorar 100 anos do Rei do aproximava dele para tirar proveito. disse: “É”. Ele disse: “Como é que Baião. Gonzaga gravou cinco Eu me aproximei por causa da você tem um negócio desse e não músicas falando de Caruaru, ele música, nós até tivemos um
choquezinho... Eu esperei com o sucesso da Feira que ele voltasse a me pedir música e ele não me pediu... Então, eu me antecipei e mandei uma fita com seis músicas para ele... Ele levou. Um ano depois ele veio a Caruaru e eu perguntei: “Luiz, e as músicas?” Ele disse: “Que músicas?” (um atestado de que ele não ligou, não ouviu as músicas). Com isso, eu disse: “Enquanto vida tiver esse cara não grava mais músicas minha”. E mantive isso por quatro anos. Chegamos a ser grandes amigos, amigos confidentes até. Chegamos a gravar 21 ou 22 músicas. O que você acha do São João de hoje e a diferença para o de antigamente? Nada é para sempre, a saber, na música... A música do século passado era um tipo de música. A cada década ela se modifica, surgem as novidades. Cada juventude tem seu comportamento. Conte pra gente um caso engraçado que aconteceu com vocês. Ele foi cantar “A Feira de Caruaru” e esqueceu a letra no show. Ele disse: “Eu vou cantar, mas eu não decorei a música. Se eu errar, você me socorre e se você errar, eu lhe ajudo”. Na primeira frase ele errou (risos), aí eu o socorri e está gravado. Isso foi muito engraçado. Foi no começo, em 1957, o povo caiu na risada (risos), todos perceberam na hora. Qual vai ser sua homenagem ao centenário do Rei do Baião? Aproveitando os 100 anos, eu estou lançando um disco: ELE CANTA ONILDO ALMEIDA, e fiz também uma música dos 100 anos de Gonzaga. É um lançamento. Só com composições minha na voz de Luiz Gonzaga, em que eu canto de três a quatro músicas com ele. Dominguinhos gravou e eu também canto a música MAIS UM ANO SEM O REI.
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A NOTÍCIA
Economia
Caruaru, Pernambuco Junho 2012
Centenário do Rei movimenta a economia da região Peças de Luiz Gonzaga têm aumento de 20% nas vendas Itanieta Silva, Levi Emanuel e Wedson Beudini 3° período
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em dúvidas, o São João de Caruaru sempre movimenta o comércio da cidade, sendo seu maior público os turistas que vêm não só de outros Estados como também do exterior. Os moradores compram bem mais nessa época em relação às outras temporadas. E este ano, o período junino homenageia o centenário do Rei do Baião, nestes 28 dias de forró está garantida uma boa renda para todos os comerciantes e ambulantes, que, apesar das dificuldades que a região tem enfrentado com a seca, os comerciantes não deixam de investir nas comidas típicas como milho cozido, canjica, pamonha, pé de mole-
que, bolos, etc. Feirantes e lojistas também investem em vestuário, calçados, cordéis, materiais de decoração, entre outros objetos que remetem ao Rei Luiz Gonzaga. De acordo com os comerciantes do Pátio do Forró, há uma estimativa de 20% no aumento das vendas das peças de Luiz Gonzaga, que vão desde camisas com a sua imagem estampada até CDs com músicas do artista. “A procura está aumentando, e estamos aguardando o recebimento de todos os álbuns de Luiz Gonzaga nesses próximos dias”, afirma o vendedor Luiz Francisco, que ainda reforça que devido ao índice de visitantes ter aumentado consideravelmente na cidade de Exu, a maior parte das vendas está sendo direcionada ao Museu Luiz Gonzaga que fica situado no Parque Asa Branca da cidade, terra natal do Rei do Baião. A Feira de Caruaru, um dos polos econômicos da cidade, teve a contribuição de Luiz Gonzaga através da música “A Feira de Caruaru”,
Itanieta Silva
Esculturas do Rei do Baião vendidas na Feira de Artesanato em Caruaru
de autoria de Onildo Almeida. O local desperta a curiosidade e o interesse das pessoas de fora em conhecer as representações citadas por Luiz Gonzaga. Desde a década de 1950,
quando a música foi composta, até os dias de hoje, continua sendo um grande incentivo à visitação turística, e contribui significativamente na divulgação da cultura e do comércio interiorano.
Luiz Gonzaga é homenageado no São João de Caruaru e Gravatá Cintia Barros e Rayanne Santos 3° período
Em ano de centenário, Luiz Gonzaga é o homenageado no São João de Caruaru, que tem trazido a participação de mais de 300 artistas dispostos em cinco polos da cidade, passando pelos festejos da Capital do Forró nomes como Dominguinhos, Elba Ramalho, Jorge de Altinho, Aviões do Forró,
Santanna e Petrúcio Amorim. Desde o início de junho, os festejos têm atraído turistas de todas as regiões e proporcionado às cidades de Caruaru e Gravatá não só destaque em seu São João, mas tem movimentado a economia das duas cidades do Agreste pernambucano. Segundo a economista Angélica Trindade, professora da Faculdade do Vale do Ipojuca (Favip), durante esse período junino, há um estímulo no
comércio local, o qual resulta no aumento da produção de bens de consumo, influenciando na renda da região e aumentando as vagas de empregos temporários. Para os 30 dias de forró, são esperadas mais de um milhão de pessoas que contarão ainda com apresentações de quadrilhas tradicionais e estilizadas entre outras animações que poderão ser encontradas durante os dias de festa. O centenário do Rei do Baião
é tema ainda do São João de Gravatá, que conta com atrações como Maciel Melo, Geraldinho Lins, Santanna, Dominguinhos, Luiz e Davi, Guilherme e Santiago e artistas da região. Os shows estão previsto para iniciarem às 20h, sendo esperado um público de 150 mil pessoas durante o período junino que, além dessas atrações, poderão contemplar o Polo da Sanfona, trios pé de serra, apresentação de quadrilhas e dança.
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Educação
A NOTÍCIA 5
Luiz Gonzaga: o professor multidisciplinar As músicas do artista como método de ensino
Divulgação: Museu Luiz Lua Gonzaga
Elizama Freitas, Fernanda Beatriz, Paula Beatriz e Thayna Chaves 3° período
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ire da cabeça a ideia de que Luiz Gonzaga foi apenas o “Rei do Baião”. Historiador, biólogo, linguista, matemático, geógrafo – esse é o Luiz Gonzaga que iremos lhe apresentar. Suas canções abordam conhecimentos das diversas áreas do saber. Seja através do contexto histórico da época em que as músicas foram escritas, do tema ou do vocabulário escolhido, o acervo musical de Gonzagão é uma boa pedida para professores e alunos interessados em aprender ou ensinar de uma forma nada convencional: cantando. A interpretação do sofrimento e das alegrias do povo nordestino ainda hoje faz de Luiz Gonzaga um artista reconhecido além da sua música. “O mais importante é o que ele deixou registrado da nossa cultura, que não é só a música e sim a identidade e a história”, afirma a professora de Língua Portuguesa e mestre em Teoria da Literatura, Heleniza Saldanha. “O ideal é mostrar o que as canções representam, enfatizando que a linguagem é produzida dentro de um contexto social, econômico e histórico”, destaca. A professora acredita que o preconceito é combatido quando se vai além do estudo clássico das variações linguísticas apresentando o idioma como uma entidade rica de transformações. Além de representar a realidade, as palavras usadas pelo artista expressam sentimentos à frente de seu tempo. Nada é mais atual que a preocupação com o meio ambiente, já expressa na letra “Xote Ecológico”, escrita por ele e por Aguinaldo Batista em 1989. O xote é dedicado ao defensor da Amazônia Chico
cristalizava no imaginário social brasileiro o perfil de homem forte, moralista, rústico, matuto, não civilizado, nem contaminado pelas novidades dos tempos modernos. Das décadas de 1940 a 1980, suas canções abordam temas do cotidiano do homem do Nordeste. “Qualquer música dele pode ser trabalhada e explorada para elucidar um ou outro período da história ou da própria vida do artista”, afirma o historiador. A utilização das músicas do Rei do Baião na sala de aula exige a apresentação do contexto e das condições em que a obra foi produzida. O professor Veridiano exemplifica: “Para utilizar a música ‘Asa Branca’ é necessário destacar que o rádio foi o veículo utilizado para atingir os nordestinos espalhados no Centro-Sul e enfatizar que a música tem um caráter comercial e está num momento em que a ideia de nação e região está em discussão no país. A linguagem, apesar de rústica, era inovadora, assim como a sonoridade, que era moderna, embora falasse de tradição”, conclui.
Dezessete e Setecentos Mendes e descreve uma realidade onde até as flores “a poluição comeu”. E poluição foi um dos temas da disciplina de Educação Ambiental dos alunos do ensino fundamental do Colégio de Nossa Senhora de Lourdes (CNSL), em Palmares. A bióloga Cristiane Eulália contextualizou o “Xote Ecológico” aos impactos ambientais estudados em sala. “Pedi que os alunos identificassem na letra o que está acontecendo hoje em dia e eles gostaram muito da didática”, explicou. E quem quiser entender Matemática pode recorrer à letra “Dezessete e Setecentos”, composta por Gonzagão e Miguel Lima, em 1947. A música apresenta um personagem frenquentador da academia, que sabe “até multiplicar”, envolvido em uma discussão na hora de receber o troco. Ao ser apresentada à can-
Luiz Gonzaga e Miguel Lima
ção, a professora de Matemática do CNSL, em Palmares, Luiza Arcanjo, disse ter adorado. “Estou trabalhando as quatro operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão) e aproveitarei a música para trabalhar com meus alunos”, contou. Valor histórico é o que não falta na obra de Luiz Gonzaga. Sua música representa a resistência às modernizações e à vida urbana que emergiu durante o desenvolvimento do sudeste brasileiro na década de 1950. Na época, os nordestinos deixaram sua terra natal e migraram para os grandes centros em busca de condições de sobrevivência. De acordo com o historiador Veridiano Santos, a música era uma narrativa de suas trajetórias e serviu como uma espécie de reencontro com as tradições deixadas. Ela inventava e
Eu lhe dei vinte mil réis Pra pagar três e trezentos Você tem que me voltar Dezesseis e setecentos Dezessete e setecentos. Sou diplomado Freqüentei a academia Conheço geografia, sei até multiplicar Dei vinte mangos pra pagar Três trezentos Dezessete setecentos Você tem me voltar. Mas eu lhe dei vinte mil réis Pra pagar três trezentos Você tem que me voltar Dezesseis setecentos Dezessete e setecentos. Eu acho bom você tirar os noves fora Evitar que vá embora E deixe a conta sem pagar Eu já lhe disse que essa droga está errada Vou buscar a tabuada E volto aqui pra lhe provar.
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Especial
A NOTÍCIA
Caruaru, Pernambuco Junho 2012
Wanessa Galvão
Os acord
No centenário de Luiz Gonzaga, A Notícia percorre trajetória, mostrando o porquê de sua consagração maior sanfoneiro nordestino de todos os tempos
“L
uiz Gonzaga não morreu nem a sanfona dele desapareceu...” diz a canção escrita por Zé Gonzaga, irmão do mestre Lua, em parceria com Zé Amâncio. No ano em que o Rei do Baião completaria 100 anos, é possível, mais do que nunca, perceber como sua voz ainda ecoa junto do toque da sua sanfona nos corações não só do povo nordestino, mas do Brasil inteiro. Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu no dia 13 de dezembro de 1912, na Fazenda Caiçara, a 12 km de Exu. Desde a infância, o pequeno Gonzaga se interessava pelo fole de oito baixos, instrumento executado por “Pai Januário”, no qual começou seus primeiros acordes. Antes de Gonzaga completar 16 anos já era conhecido no Araripe e em toda redondeza. Em 1930, revoltado com 1912
Nasce Luiz Gonzaga do Nascimento em Exu, no dia 13 de Dezembro
decepções amorosas, Luiz Gonzaga foge de casa e ingressa no exército de Crato (Ceará). O mestre começava a caminhar para se tornar o Rei do Baião a partir do momento que deu baixa das Forças Armadas, em 1939. Apesar de anteriormente já se apresentar em pequenas festas como sanfoneiro, foi somente neste ano, quando viajou para o Rio de Janeiro e levou sua sanfona nova, que Luiz Gonzaga deu início ao que seria uma das histórias mais promissoras do mundo da música. Em 1940, conhece o guitarrista português Xavier Pinheiros, tocando juntos nas casas noturnas, do Rio de Janeiro. Estava decidido a se dedicar à música. Em 1945, uma cantora de coro, ao qual Luiz mantinha um caso há meses, deu à luz um menino, no Rio. Odaléia Guedes já estava grávida antes mesmo de conhe-
cer o sanfoneiro. Mesmo assim, ele assumiu a paternidade da criança, adotando-a e dando-lhe seu nome: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior. Após o nascimento do menino, as diversas brigas fizeram com que eles resolvessem se separar, com menos de dois anos de convivência. Léia ficou criando o filho, e Luiz, às vezes, ia visitá-los. Mais um “artista de rua” a divulgar seu trabalho e esperar algum retorno financeiro para o sustento, Luiz Gonzaga usava o chapéu de couro para recolher dinheiro, em meio às vias da então capital federal do país. Pensando em dar mais espaço à música tradicionalmente nordestina, compôs dois chamegos: “Pés de Serra” e “Vira e Mexe” que iriam render as primeiras conquistas da carreira. Chegando aos famosos shows de calouros, ele não teve muito êxito
1926
1939
1940
Adquiriu sua primeira sanfona, um 8 Baixos, aos 13 anos
Luiz Gonzaga dá baixa nas Forças Armadas e muda-se para o RJ
Vence o show de calouros de Ary Barroso na Rádio Tupi com a música “Vira e Mexe”
inicialmente. Sem desistir, em 1941 resolveu participar do programa de Ary Barbosa, na Rádio Tupi, onde solou sua “Vira e Mexe” e conseguiu o primeiro lugar. Com o prêmio, começou então a participar de vários programas de rádio e gravar discos como sanfoneiro para outros artistas. Nesse mesmo ano, foi convidado para gravar como solista por uma emissora nacional. Foram nos programas de rádio que o nome do Rei do Baião começou a se construir. Nos anos 40, os artistas eram contratados pelas emissoras e assim Luiz Gonzaga chegou até a Rádio Clube do Brasil e Rádio Tamoio, locais onde gravou mais de 50 solos de sanfona. Em 1943, as roupas de vaqueiros começaram a compor o vestuário do novo artista de rádio, nessa mesma época se iniciou a parceria de seis
1941 Grava assinando pela primeira vez como artista principal e exclusivo de uma emissora nacional
1944
O apelido “Lua”, invenção de Dino 7 Cor pelo rosto arredondado
Especial
Caruaru, Pernambuco Junho 2012
des do
e sua o como o
Fernanda Marúsia, Yngridy Pires, Rebecca Moura, Sabrina Padilha e Wanessa Galvão
rdas o
Rei
3° período
anos com Miguel Lima, que rendeu a letra da música “Vira e Mexe”, um de seus primeiros grandes sucessos. A fama de “maior sanfoneiro do Nordeste” estava se espalhando aos poucos pelo Brasil. O apelido de “Lua” veio em 1944, por invenção de Dino 7 cordas e divulgação do radialista Paulo Gracindo, na Rádio Nacional. O motivo seria o seu rosto arredondado. Um ano depois, grava seu 25º disco como sanfoneiro e o primeiro como cantor, porém o reconhecimento como intérprete somente se deu com o 31º disco da carreira com a mazurca “Cortando o Pano”, em parceria com Miguel Lima e Jeová Portella. Ainda com Miguel Lima criou “Dança, Mariquinha” “Penerô Xerém” e “Dezessete e Setecentos”. Um ano depois, Gonzaga conheceu outro nome de destaque entre suas 1945 Reconhece Gonzaguinha como seu filho
parcerias: o advogado e poeta cearense Humberto Teixeira. Assim, a cultura nordestina ganhou mais força nas criações do mestre Lua. Canções como “Baião” e “Meu Pé de Serra” (1946), “Asa Branca” (1947), “Juazeiro” e “Mangaratiba” (1948) e “Paraíba” e “Baião de Dois” (1950) levavam a assinatura dos companheiros de música e sedimentaram o ritmo do Baião. Em 1946, Luiz voltou pela primeira vez a Exu, e teve um dos mais emocionantes reencontros com seus pais, Januário e Santana, que há anos não sabiam nada sobre o filho. Em 1948, casou-se com sua noiva, a pernambucana Helena Cavalcanti, professora que tinha se tornado sua secretária particular. Eles não tiveram filhos biológicos, mas adotaram uma menina, a quem batizaram de Rosa. 1947
Grava a toada “Asa Branca”, clássico nordestino, em parceria com Humberto Teixeira
1951 É reconhecido como Rei do Baião
A NOTÍCIA 7
Com o falecimento de Odaléia devido a uma tuberculose, Luiz tentou levar Gonzaguinha para morar com ele e Helena, mas esta não aceitou. Assim, entregou a criança para os padrinhos, Leopoldina e Henrique Xavier Pinheiro. O pai sempre o visitava e dava assistência financeira. A década de 1950 marcou a fase áurea da música nordestina. Luiz Gonzaga ganhava o codinome “Rei do Baião”. Em 1950, gravou “Cintura Fina” e “A Volta da Asa Branca” e somou diversas apresentações pelo interior do país. A partir dos anos 80, vieram os grandes encontros com Elba Ramalho, Milton Nascimento, Raimundo Fagner e Dominguinhos, este último, conhecido atualmente como um de seus maiores seguidores. Neste mesmo período, fez dupla com seu filho de criação Gonzaguinha, frealizando shows com a “Vida de Viajante” e passou a ser chamado também de Gonzagão. O primeiro disco de ouro em 1984 com “Danado de Bom” foi um marco em sua trajetória e em seguida vieram duas apresentações pela Europa. Pouco conhecida para o público em geral é a participação de Luiz Gonzaga no cinema. Por volta do fim da década de 1940 e início da de 1950, os filmes mais populares abriam espaço para os músicos de sucesso da época e encontravam grande empatia e aceitação entre os espectadores. No cenário que marca o apogeu do baião, o Rei garante seu espaço na memória cinematográfica brasileira. Entre os filmes com participação do mestre, estão “É com esse que eu vou” (1948), “Sem essa aranha” (1970), “O comprador de fazendas” (1951) e “Hoje o galo sou eu” (1958). No ano de seu centenário, Gonzaga reaparece nos cinemas, 1980 Luiz Gonzaga canta para o Papa João Paulo II na capital cearense
mas agora apenas sendo representado. O fato se deve ao lançamento do filme “Gonzagas: de pai para filho”, com direção de Breno Silveira e estreia marcada para 26 de outubro. Contando a história não apenas do músico, mas também do homem, o foco é na relação entre Luiz Gonzaga e seu filho, Gonzaguinha. A influência de Luiz Gonzaga na música é de tanta importância que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei nº 11.176, em 6 de setembro de 2005, que institui 13 de dezembro de cada ano o Dia Nacional do Forró, em homenagem à data natalícia do sanfoneiro. O Rei disse em entrevista à Revista Veja, em 1972, que “inventara o som do Nordeste”, o que não deixa de ser verdade diante da riqueza de gêneros e ritmos musicais que tocou e cantou e de sua larga contribuição e influência na cultura regional e brasileira. Além do forró, palavra de origem etimológica incerta, Luiz Gonzaga tocou e cantou dezenas de outros gêneros e ritmos. Entre eles baião, bumbá, chamego, choro, maracatu, marcha, polca, rancheira, toada, samba, valsado, xote, entre diversos outros. Para o artista caruaruense Erisson Porto, Gonzaga é o maior representante da música nordestina.“ A realidade do Sertão, a situação social e política eram expostas em seu trabalho de forma muito natural, tornando-se assim elementos essenciais de suas composições. Suas canções contam a história de um povo alegre, trabalhador e sofrido”, afirma. Seriam 100 anos de vida e, embora Gonzagão já não esteja entre nós desde 1989, ainda é o maior nome da identidade musical nordestina. A voz forte e a personalidade simples fizeram do artista de 56 discos e 500 canções a maior referência do forró de todos os tempos.
1984
02 de agosto de 1989
Gonzaga recebe o primeiro disco de ouro com o LP Danado de Bom
Morre Luiz Gonzaga, aos 76 anos de idade
Fonte: Memorial Luiz Gonzaga – Prefeitura do Recife
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Cultura
A NOTÍCIA
Caruaru, Pernambuco Junho 2012
Homenagem a um sanfoneiro que amou seu povo A estátua de Gonzagão tem oito metros de altura e recepciona quem visita o Pátio de Eventos Fotos: Taciana Patricia
Helder Quaresma e Joalline Nascimento 3° período
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Estátua de Luiz “Lua” Gonzaga
aruaru é bastante conhecida por sua feira, pela arte de Mestre Vitalino, pelo forró e pelo São João, considerado o maior e melhor do mundo. A cidade conta com um Pátio de Eventos, nomeado de Luiz “Lua” Gonzaga, em homenagem ao nordestino de Exu que considerava Caruaru como sua segunda casa. Foi assim que, no dia 29 de maio de 1999, Caruaru decidiu homenageá-lo mais uma vez. Tal homenagem ocorreu através da criação do Museu do Forró Luiz Gonzaga. O museu conta um pouco da história de Luiz, desde sua paixão pela música até sua vida pessoal, possuindo um acervo admirável com peças doadas pela família do cantor.
Na entrada do pátio onde foi construído o museu, também foi inaugurada uma estátua, que fica bem em frente para recepcionar os visitantes e o povo caruaruense. A estátua de Luiz Gonzaga tem oito metros de altura e foi construída em concreto pelo artista plástico paraibano Caxiado. O monumento passou por reparos no final de 2011 para acolher os turistas que vieram visitar a cidade no centenário do Velho Lua. No dia 17 de dezembro de 2008, o hall de acesso ao museu e as salas passaram por uma revitalização, apresentando um novo espaço para o estudo, preservação e divulgação dos festejos juninos. O pátio de eventos está localizado em uma área de 40 mil m², onde funcionava a antiga Fábrica Caroá, que foi construída nos anos 1930. Na década de 1970, a fábrica
passou por uma grave crise financeira e acabou decretando falência. O prefeito José Queiroz, no final da década de 1980 conseguiu através do então Ministro da Justiça, Fernando Lyra, que o terreno fosse doado ao município. Neste ano de 2012, “Lua” completaria 100 anos. E é por esse motivo que ele é o principal homenageado do São João da cidade. Afinal, Luiz Gonzaga contribuiu bastante para o crescimento da música popular brasileira e desejava ser lembrado da seguinte maneira: “Gostaria que lembrassem que sou filho de Januário e dona Santana. Gostaria que lembrassem muito de mim, que esse sanfoneiro amou muito seu povo, o Sertão. Decantou as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes. Decantou os valentes, os covardes e também o amor.”
Luiz Gonzaga é tema de quadrilhas André Vinicius e Marina Castro 3° período
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m bom forró e um par de dançarinos já fazem um São João mais animado, mas quando o assunto é dança, as quadrilhas juninas dão show. Com o motivo da grande festa que acontece após o casamento matuto, as quadrilhas surgem com força total até os tempos de hoje. De uma maneira diferenciada em 2012, algumas homenagearam Luiz Gonzaga. Uma das responsáveis, e que vem se preparando desde o ano passado, é a Quadrilha Arrastapé Dom Vital, pertencente à escola de mesmo nome, situada em Caruaru, que aproveita e
faz do Rei do Baião o seu tema. “O bom é que podemos homenagear o homem que saiu do nosso Estado e só nos dá orgulho até hoje. Acaba se tornando uma forma de agradecimento pela herança que ele nos deixou”, explica Wagner Rafael, um dos integrantes da Arrastapé Dom Vital. A quadrilha campeã no concurso de Arcoverde 2011 vem em 2012 com a sua homenagem a Luiz Gonzaga. Além de apresentações na cidade, o grupo participa de concursos em outras regiões e aproveita pra divulgar o São João. É o que diz um dos fundadores da Arrastapé, Walter Reis: “Essa é uma forma de sair de Caruaru e mostrar o que o nosso Figurino, coreografias e músicas em tributo ao Rei Luiz “Lua” Gonzaga. São João tem de bom” .
Caruaru, Pernambuco Junho 2012
Arte sobre foto de Luiz Gonzaga: divulgação
Papo
sem
Opinião
A NOTÍCIA 9
Pauta
O legado de Luiz Gonzaga para Caruaru e o Brasil Caruaru tem o privilégio de ser uma das cidades mais cantadas do Brasil e uma das mais do mundo! Em diversos ritmos, sua história, sua gente, sua produção artística, vários dos seus elementos são cantados, ajudando Caruaru a ser bastante conhecida em diversos lugares. Musa inspiradora, canções a seu respeito foram interpretadas nas vozes de forrozeiros, cantores de frevo, de rock, de MPB, etc. A música, neste sentido, termina por se constituir de um lugar de discurso, de narrativa, de criação de um cenário identitário. São João, forró, feira livre, Vitalino, Alto do Moura, tudo isso é ouvido nas letras que falam da nossa gloriosa terrinha. Podemos dizer que Luiz Gonzaga é, em grande parte, responsável por isto, pois, com seu nome, sua influência e, principalmente, com seu legado, ele abriu caminho para que diversos artistas decantassem Caruaru, mesmo não tendo sido Gonzaga o primeiro a criar uma música de repercussão nacional da cidade A primeira música nacionalmente conhecida, segundo nossas pesquisas, foi “Caruaru”, de Belmiro Barrela, gravada inicialmente, em 1953, por Cauby Peixoto: “Foi num belo dia de verão / Que eu perdi meu coração / Foi numa cidade do Sertão / Que guardo na recordação / Caruaru, Caruaru / A princesinha do norte és tu.” Evidentemente que Caruaru já era tema para artistas locais, já era mote para repentistas, mas, com esta canção, começou a abrir espaços e ser visualizada fora da região. Em 1957, veio o reconhecimento maior com “Feira de Caruaru” (Onildo Almeida) e “Caruaru
Caruaru é uma das cidades mais cantadas do Brasil e do mundo. Qual outra cidade tem tanta coisa dita e cantada sobre si?
- Capital do Agreste” (O. Almeida/ Nelson Barbalho), ambas gravadas por Luiz Gonzaga. Dois anos antes, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro já haviam gravado músicas com a temática “festas” em Caruaru (“O Sanfoneiro Zé Tatu” e “Forró em Caruaru”, respectivamente). Na década seguinte, Ludugero foi um grande divulgador de Caruaru. Entretanto, a massificação de Caruaru como tema musical se deu nos anos 70 e 80, em grande medida ligada à vinda de diversos forrozeiros para a cidade e pela divulgação de suas obras nas rádios caruaruenses (Cultura, Difusora e Liberdade). Vale salientar que Luiz Gonzaga “vivia” por aqui, para divulgar seus trabalhos, sendo, isto, mais uma forma de abertura de espaço para outros forrozeiros. Nos anos 70, o “Velho Lua” gravou “Cidadão de Caruaru”, composta por Janduhy Finizola, com participação de Onildo Almeida. Todo mundo passava, então, a cantar Caruaru: Azulão, Jacinto Silva, Jorge de Altinho, Petrúcio Amorim, Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, bandas de pífanos (dos Bianos, Biu do Pife, João do Pife), Elifas Jr., Lulica dos Palmares, Ezequias, Pedro Sertanejo, Se-
bastião do Rojão, Três do Nordeste, Mestre Zinho, etc. Lembra-se deles? Lembra de suas músicas? Qual outra cidade tem tanta coisa dita e cantada sobre si? O forró passou a ser o rosto musical de Caruaru, ainda hoje sendo famoso o seu período junino e suas manifestações artístico-culturais. E, sendo um de seus maiores expoentes, a música caruaruense tem ultrapassado fronteiras, sejam nacionais ou internacionais. A música mais famosa sobre Caruaru é “Capital do Forró”, de composição de Lindu e Jorge de Altinho, gravada pelo Trio Nordestino em 1980. Desde então, ela é o hino da festa junina caruaruense, sendo obrigação no repertório de qualquer forrozeiro que se preze. Para se ter ideia da proporção da fama de Caruaru, em 1995, foi gravado um cd de forró, em Paris, na França, e o título era: “Caruaru, Capital do Forró”. No encarte deste cd, um aviso: quem quiser encontrar uma das raízes da música brasileira, o endereço é fácil: vá a Caruaru. Nossa cidade tem orgulho desta história e, com certeza, Luiz Gonzaga do Nascimento foi um dos seus grandes artífices.
José Daniel da Silva Mestre em História pela UFPE Professor e pesquisador
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Comportamento
A NOTÍCIA
Caruaru, Pernambuco Junho 2012
Um Agreste de fãs para o velho Lua
Aurelina recorda seu passado ouvindo Gonzagão
Pai e filho guardam relíquias do saudoso Luiz Gonzaga Josa Leite há anos celebra o aniversário do rei Yanna Letícia, Fillipe Rodollfo e André Luiz Melo 3° período
Em três cidades da região residem verdadeiros apaixonados por Luiz Gonzaga
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ã que é fã nunca esquece, assim são os admiradores do cantor e compositor Luiz “Lua” Gonzaga. Diferentemente dos apaixonados pelos ritmos do momento, os seguidores do Rei do Baião jamais apagam da memória as canções que de uma forma ou de outra marcaram suas vidas. Ao chegar a qualquer cidade da região, não é difícil encontrar alguém que saiba cantar uma de suas composições. A exemplo disso descobrimos, no Agreste pernambucano, um verdadeiro quarteto de apaixonados pelo Gonzagão. Passando pela capital do Agreste conhecemos a assistente de finanças Aurelina Leite, 47 anos. Para ela, ouvir uma música de Luiz Gonzaga é sinônimo de emoção. “Quando ouço a música Asa Branca
Ernestina se emociana ao ouvir a música Asa Branca
lembro-me da época em que vivia com meus pais”, recorda. Ela conta que ainda enquanto criança foi levada por várias vezes para apresentações do compositor pernambucano e compara: “No tempo dos shows de Luiz Gonzaga o São João era mais tranquilo, as pessoas iam para brincar”, afirma Aurelina. Já no município de Belo Jardim, são muitos os anos que sintetizam a admiração que o radialista Josa Leite, 53 anos, tem pelo velho Lua. “Há 15 anos que vou com amigos para o aniversário de Luiz Gonzaga em Exu [no Sertão]”, destaca. Josa ainda conta que nunca se esquece do show que o Rei do Baião fez na cidade Belo Jardim. “Lembro-me como se fosse hoje, eu tinha uns 17 anos quando ele fez um show em cima de um caminhão lá na Praça da Conceição”, relembra. Na cidade de Toritama, o jovem Everton Silva, 24 anos, passou
a gostar desde criança das músicas de Luiz Gonzaga através de seu pai. “Luiz Gonzaga tinha um dom de transformar a poesia em música, em suas composições ele retratava a realidade de sua época como, por exemplo: a vida do nordestino, a seca no Sertão e ele trazia todo o reflexo da realidade”, disse Everton. Duas de suas músicas preferidas são a famosa “A Hora do Adeus” e a “Volta da Asa Branca”. Já sua avó Ernestina Maria da Silva, 84 anos, contou algo marcante em sua vida: “Quando minha primeira filha Maria Lúcia tinha completado 4 meses de idade, passou um carro perto da minha casa tocando a música Asa Branca, de Luiz Gonzaga. Naquela época ela estava muito doente e dias depois Lúcia veio a falecer”, lamenta. Há mais de 60 anos da morte de sua filha, Ernestina se emociona sempre que escuta a canção e afirma que vai levar esta recordação até o fim da vida.
Caruaru, Pernambuco Junho 2012
Comportamento
A NOTÍCIA 11
Transmissão e cobertura
do centenário do Rei do Baião Cicero Ismael
A mídia mobiliza equipes de jornalismo para veicular as festividades juninas que homenageiam Luiz Gonzaga Cícero Roberto, Izaias Néu, Karliane Silva e Renê Gomes 3° período
O
São João de Caruaru, que este ano homenageia o centenário do mestre Luiz Gonzaga, assim como tantos outros pelo Nordeste, atrai milhares de pessoas e forrozeiros de todas as regiões do país, inclusive, com grande movimentação de estrangeiros nos polos de animação espalhados por várias cidades do Litoral ao Sertão. Como consequência dessa época festiva, há toda uma preparação da mídia regional (às vezes até nacional) para destacar a importância e grandiosidade desta data para os amantes da cultura nordestina. Muitos são os desafios em fazer uma cobertura especial sobre os 100 anos do saudoso e eterno Gonzagão, visto que é preciso abordar o tema sem cair na mesmice de repetir o que já foi publicado anteriormente pelo próprio veículo ou seu concorrente, bem como montar uma boa estrutura de produção, filmagens, fotos, áudios, entrevistas, análises econômico-culturais, equipe suficiente e, claro, fazer um grande investimento financeiro. O trabalho se dá desde a produção de pauta até o balanço final para avaliar os resultados da cobertura. Para a jornalista e coordenadora do curso de Jornalismo da Faculdade do Vale do Ipojuca (Favip), Rosangela Araújo, a comemoração do cen-
O jornalista Diógenes Barbosa entrevistando a integrante da banda Calypso Joelma no centenário de Luiz Gonzaga tenário de Luiz Gonzaga representa, para a mídia regional, um grande desafio e ao mesmo tempo uma oportunidade de crescimento profissional. Primeiro porque demanda um bom investimento técnico, uma equipe preparada e uma estrutura que dê conta de cobrir todos os polos festivos e, segundo, por mostrar que a imprensa interiorana também tem organização, conteúdo e qualidade para oferecer. “Como prova da competência de nossos jornalistas temos, por exemplo, o caso do Portal Terra (um dos mais bem estruturados do país) que há pouco contratou alguns ex-alunos e hoje profissionais para trabalhar na cobertura do São João 2012 em Caruaru, sendo essa a primeira vez que isso acontece. Tal fato só reflete o quanto nossa mídia está preparada para cobrir grandes eventos como esse”, afirma Rosângela. Grande parte da mídia pernambucana já publicou e/ou citou alguma matéria sobre o São João 2012
e a comemoração do centenário do inesquecível Rei do Baião em Caruaru e diversas outras cidades do Estado. O jornalista Diógenes Barbosa, repórter do Jornal Extra, diz que o veículo tem abordado a temática do centenário em várias edições no decorrer deste ano e especialmente agora com o São João acontecendo na prática. “Assim como os grandes veículos do Estado, temos destinado um espaço interessante do periódico para conteúdos relacionados ao centenário de Luiz Gonzaga. Essa já foi a temática de, ao menos, três capas da editoria de Cultura”, lembra. Como a concentração de meios midiáticos nesse período junino, em Caruaru, é bastante significativa, o desafio dos veículos é trazer um dado novo, um detalhe que faça a diferença na hora de apurar a notícia. Diógenes é enfático ao afirmar que um mês inteiro de festividades representa muito no “descobrir” de
detalhes. “Isso nos faz construir um conteúdo interessante, afinal de contas, o leitor é crítico e é o diferencial que chama a atenção dele. No entanto, é preciso lembrar que os fatos continuam acontecendo a todo instante e não podemos, de forma alguma, deixar que as festividades nos façam abster-se de mostrá-los, e, principalmente, reivindicar melhorias”. Diógenes também destaca que a cobertura do São João de Caruaru em 2012 traz uma sensibilidade jornalística muito peculiar, isso porque Luiz Gonzaga é um dos artistas que levaram um dos ritmos mais populares do Nordeste, o forró, aos quatro cantos do país. “A importância disso está no fato de que estamos inseridos na região onde os festejos juninos significam muito, seja nos aspectos culturais, turísticos ou mesmo econômicos. Mais ainda: na ‘Capital do Forró’, na terra do Mestre Vitalino”.
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A NOTĂ?CIA
Caruaru, Pernambuco Junho 2012