MAPA / JORNAL DE INFORMAÇÃO CRÍTICA / DEZEMBRO 2020-FEVEREIRO 2021
CONTRA AS MINAS E O SEU MUNDO 25 «Todos unidos procuram (...) dar visibilidade a esta luta que não parará enquanto não conseguir dar voz às populações».
a aldeia de Rebordelo, freguesia de Morgade, Montalegre. Infelizmente, um surto de coronavírus num lar do concelho fez com que as concentrações fossem desaconselhadas. Ainda assim, activistas locais estiveram presentes para, pelo menos, garantir a realização de uma reportagem para o canal de TV franco-alemão Arte. Setembro não acabou sem que as primeiras etapas da Volta a Portugal em bicicleta não vissem, pela estrada fora, pessoas a segurar faixas contra as minas. E Outubro começou com a Associação Montalegre com Vida, «no âmbito da 3.ª alteração à 1.ª revisão do PDM de Montalegre e de acordo com o direito à participação», a solicitar que «devem ser retiradas do PDM de Montalegre todas as áreas de salvaguarda, classificadas como áreas potenciais de exploração de recursos geológicos». A 9 de Outubro, o ministro do Ambiente e o Presidente da República foram ao Vidoeiro Gerês Camping (na estrada que liga a vila do Gerês à Portela do Homem) participar nas comemorações do 50º aniversário do Parque Nacional Peneda-Gerês. À sua espera tinham mais de uma dezena de pessoas, da Associação Montalegre com Vida e do Movimento SOS Serra d’Arga, com faixas e vozes prontas para se fazerem ouvir. A cumprir a promessa de que demos conta em edições
passadas do Jornal MAPA: «onde o governo for, nós estaremos lá!» A luta vai aos gabinetes Na proposta de Orçamento de Estado para 2021 a aposta na mineração veio, naturalmente, explícita. O Governo pretende lançar o concurso público para atribuição de direitos de prospecção e pesquisa de lítio e minerais
associados durante o ano de 2021. Dois dias após a apresentação dessa proposta, o governo fazia saber que o concurso do lítio avança até Setembro de 2021 e que − surpresa das surpresas! − inclui onze áreas e não as nove de que sempre se falou. Nesse mesmo dia, ou seja, a 14 de Outubro, ou seja, no dia em que decretava o Estado de Calamidade
para todo o território português, o governo anunciava também a aprovação do Decreto-Lei que procede à regulamentação da Lei n.º 54/2015 (que postula as bases do regime jurídico da revelação e do aproveitamento dos recursos geológicos). De acordo com o próprio João Galamba, o seu conteúdo definitivo (ou seja, que contém – ou não – as recomendações e críticas recolhidas em sede de consulta pública) só será tornado público «após a pronúncia do Presidente da República» (que o pode vetar ou promulgar). Ficou apenas a saber-se que «foram aceites todas as sugestões positivas» e que não foi tida em conta a intenção das autarquias de que os seus pareceres fossem vinculativos neste processo: «dar direito de veto aos municípios seria inconstitucional», afirmou Galamba. O Movimento SOS Serra d’Arga, que tinha uma audiência com o ministro do Ambiente para dias depois, precisamente sobre esse DL, não conteve a sua indignação e pediu uma audiência urgente a Marcelo Rebelo de Sousa. O Movimento anunciou também que solicitaria «audiências a todos os grupos parlamentares, instando-os a usarem todos os instrumentos de fiscalização ao seu dispor, nomeadamente a fiscalização do decreto-lei de forma a corrigir eventuais deficiências e obrigar ao debate da matéria». Apesar destas incursões «nacionais», a luta institucional que o Movimento SOS Serra d’Arga tem levado a cabo desenrola-se sobretudo a nível local, numa
tentativa de «obrigar» as autarquias a aderirem publicamente à oposição à mineração naquele local. Nesse sentido, nos finais de Outubro, o Movimento pediu uma reunião com o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial do Rio Minho (AECT) que acabou por prometer «articular um posicionamento transfronteiriço conjunto» para proteger a Serra d’Arga de um eventual projecto de mineração: «Não existem fronteiras na protecção do ambiente em defesa de um património comum que é o rio Minho. Os problemas ambientais que afectam o rio Minho são comuns no Alto Minho português e ao Baixo Minho galego. Em cima da mesa está uma causa justa, porque a defesa da Serra d’Arga, em conjunto com os galegos, é a defesa do património comum do Vale do Minho», afirmou o director do AECT, Fernando Nogueira. Apesar dos apelos da CE e das belas palavras governamentais sobre participação das comunidades, e sobretudo apesar do aparente apoio de alguma autarquias e outros poderes locais, as populações são, repetidamente, postas perante realidades definitivas sem que tenham sido sequer consultadas. Anunciar que o futuro será cheio de um diálogo que nunca existiu anteriormente não provoca qualquer sensação de segurança. Perceber que se torna pública a aprovação dum Decreto-Lei tão criticado no mesmo dia em que se implementa o Estado de Calamidade soa a encobrimento. Para que o assunto se mantenha na agenda mediática, para que as populações não relaxem e para que a pressão sobre os poderes se mantenha alta e comprometedora, as populações e os movimentos organizados tentam todos os caminhos possíveis. Ao percorrer os mais institucionais, apercebem-se que insegurança e desconfiança é tudo quanto conseguem sentir. E sabem que, no final, terão de ser eles a fazer frente ao ataques aos seus territórios.