REVISTA Edição única
Jornalismo visto de dentro
Jornalismo antinarcisista
O
maior problema do jornalismo brasileiro está, parcialmente, fora dele. Paira no ar, em forma de silêncio, o desconhecimento sobre a construção das notícias. Naturalizamos a informação como se ela fosse dada, automática, fiel, praticamente o retrato da realidade. Mentira. E das mais daninhas. Em vários países do mundo, adolescentes de 14 anos estudam os meios de comunicação: lêem Chomsky, estudam a construção da informação, a interferência de tantos fatores, a fábrica de consenso da mídia comercial... Lembrei da Inglaterra, país famoso pelos tablóides agressivos, como o The Sun, e pensei que esta seria a melhor forma de pensar a liberdade de expressão nos meios de comunicação: todos precisam saber como as informações são construídas. Infelizmente, falar de si é praticamente proibido no jornalismo brasileiro. Uma categoria que sistematicamente cobre greves, nunca publica os seus problemas trabalhistas. E são Infelizmente, falar de si tantos... Em várias cidades, inclusive Londrina, comum não se pagar NEM o piso para um é praticamente proibido éprofissional. Seria motivo para matéria de capa se no jornalismo brasileiro fosse com os bancários: “Mais de 40% dos bancários não recebem nem o piso”. Quantas publicações e programas foram fechados só este ano no Brasil? Resultado: os próprios jornalistas reproduziram o discurso das empresas: “A revista Bravo será descontinuada”. Como esperar que o público seja crítico se nem a educação nem a própria mídia olha para o translúcido espelho? Pensando nestas questões inquietantes, resolvemos entrar parcialmente nas histórias, bastidores e problemas do jornalismo londrinense - material que daria para escrever um livro. Pinçamos alguns temas, escolhemos alguns profissionais e, claro, vários assuntos e pessoas ficaram de fora. Mas, como estávamos discutindo, jornalismo é isso: construção, falhas, descobertas, recorte.
Agradecimento especial ao sempre presente consultor de conteúdo, José Maschio, nosso eterno Gancho jornalístico, a quem sempre estaremos ancorados. EXPEDIENTE
Editora chefe: Márcia Neme Buzalaf. Redação: Angélica Miquelin, Bruna Ferrari, Fabrício Evaristo, Fiama Heloisa, Lillian Cardoso, Lucas Peresin, Marcos Gica, Mariana Paschoal, Mateus Dinali, Maurício Paniza, Wellington Victor, Yvi Leíse. Diagramadores: Lucas Peresin, Marcos Gica, Wellington Victor. Colaboradores: André Azevedo, Bruno Cunha, Luciano Paschoal, José Maschio. REVISTA é uma publicação única, resultado da disciplina de Técnica de Reportagem, Entrevista e Pesquisa Jornalística III, ministrada pela Profª. Drª. Márcia Neme Buzalaf, no 3º ano de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, período noturno, da Universidade Estadual de Londrina.
Novembro de 2013 2
ÍNDICE
Nos BASTIDORES do Jornalismo.04.O lado B de BLOGS.10.Resenha Cidade de Deus.13.Jornalismo POLICIAL.14.Por que não ASSESSORIA de
imprensa?.20.Resenhas Notícia de um Sequestro.24.
Fogo e faísca na REDAÇÃO da rua Piauí.26.AUTONOMIA da descontrução.32.Resenha A montanha dos sete
abutres.38.POLÍTICA e jornalismo são indissociáveis.39. Uma GUERRA (quase) declarada.44.Jornalismo e
Movimentos SOCIAIS.50.Resenha Vlado: trinta anos
depois.56.Entrevista: Elvira Alegre.57.RESISTÊNCIA
impressa.58.Da TV para a sala de AULA.64.Jornalismo em REFORMA.67.Resenha Kika.69.Antes de tudo um CORAJOSO.70
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O lado oculto
Os profissionais “invisíveis” da produção jornalística contam sobre como é estar por trás das câmeras
U
Wellington Victor
m erro técnico e Basta dizer que você está cursando todo o país conjornalismo que sai um “ah, você vai hecia as falcatruas trabalhar no Jornal Nacional? Vai da política e a fraser repórter do Fantástico, hein!” É gilidade do jornalcomo se o jornalismo existisse só na ismo, além de uma Rede Globo . autocensura não percebida, até enNa prática, muitas pessoas tão. Foi em 1º de setembro de 1994 não ocuparão uma bancada de que o equívoco da Rede Globo de telejornal. O diploma de jornalista Televisão transmitiu uma conversa não garante posição privilegiada e 1 em OFF , entre o jornalista Carlos cada espaço nos diversos veículos Monforte e o ministro da Fazenda de imprensa é muito disputado. Rubens Ricupero. Além dos repórteres, âncoras, Este confidenciara que “não tinha locutores que emitem diretamente escrúpulos” e tirava proveito de sua a notícia, o jornalista pode atuar posição política para promover a nos bastidores e ser um pauteiro2, candidatura de Fernando Henrique aquele que encontra e encaminha Cardoso na disputa a notícia, ou ser um O jornalismo presidencial contra Luiz chefe de reportagem ou e o jornalista editor-chefe e coordenar Inácio Lula da Silva. O que Ricúpero e Monforte colocados em toda uma equipe. nem sequer imaginavam cheque, por uma Um cinegrafista pode é que os microfones mostrar a realidade falha técnica estavam abertos. A de diversos ângulos. O transmissão chegou editor de imagens ou às residências por todo Brasil, via áudio seleciona o melhor take3, sinais de antenas parabólicas. ou a melhor sonora4. Muitos Era uma questão de tempo para profissionais dos bastidores fazem aquela bomba relógio explodir tudo o que você , ouve ou lê, e sequer como um dos maiores escândalos pisaram no espaço acadêmico. políticos do país e, talvez, maior É por trás das câmeras que grande ainda para o jornalismo brasileiro. parte do jornalismo é feito. Na Tudo devido a uma falha técnica, apuração da notícia, com o correque convém ser lembrada aqui para corre das pautas, na adrenalina do frisar quão importante é o trabalho jornalismo acontecendo ao vivo, na dos profissionais que atuam nos expectativa do furo5 e na angústia bastidores do jornalismo. do fechamento. Mas para que tudo isso seja realizado é preciso Clichê alheio de uma equipe, uma formada de profissionais. 1 - Informação não gravada. 2 - Jornalista responsável por encaminhar as matérias. 3 - Fragmento de imagem de vídeo. 4 - Fragmento de áudio. 5 - Notícia publicada por um veículo atés de todos os outros.
Ricardo Lima rege a equipe de jornalismo da UEL FM Notícia há 10 anos
do Jornalismo Fotos: Wellington Victor
No rádio, um maestro No rádio, um dos profissionais e fazemos uma avaliação daquilo ocultos é o técnico em áudio, ao vivo. No rádio a margem de erro que tem grande participação e é tem que ser mínima, e acho legal imprescindível para a produção terminar o programa sem ter dado do jornalismo no rádio. O som é o um erro”. Lima também se diz elemento que dá vida a este veículo exigente, ao avaliar as produções a de imprensa, e está sob cuidados nota 10 só aconteceu duas vezes. desse profissional. Mas nada como ser reconhecido “Muitos dos locutores com quem por seu trabalho, não é mesmo? eu trabalho não me chamam de Nem sempre é o caso. O nome técnico, me chamam de maestro”, Ricardo Lima e a função por ele conta Ricardo Messias de Lima, desempenhada são lembrados nos técnico em estúdio ao vivo no jornal créditos finais de cada edição do UEL FM Notícia, da Universidade radiojornal, porém, a tendência, após Estadual de Londrina (UEL). Como o locutor fazer a famosa deixa1, “a um regente que coordena, orienta edição de hoje fica por aqui”, muitos e dirige uma orquestra sinfônica, dos ouvintes se dessintonizam da o técnico em áudio estação ou mesmo da “No rádio a preza pela qualidade do atenção. som, edita, sugere, se pessoa precisa O técnico entende expressa, ajuda a compor que o reconhecimento no mínimo saber por parte do público é todo o radiojornal e a se expressar” algo complicado, já que, coordenar a equipe de locução ao vivo e merece para ele, as pessoas se Lima sim o título de maetro. prendem à imagem. “Se Mas para Lima, sua função vai você está aparecendo, de alguma além desse conceito. “Se fosse pra forma, você é o cara importante. fazer apenas minhas funções técnicas Aprendi com o tempo que não se eu seria um tocador de discos deve esperar do ouvinte, mas sim ou um tocador de matérias. Meu da própria equipe, e eu me sinto trabalho técnico hoje preza muito valorizado na equipe”, confessa. pela qualidade”, explica. Mesmo Lima se denomina um apaixonado aparecer, ou neste caso, não ser o pelo rádio, herdou o gosto do pai, dono da voz que chega ao público, jornalista de carreira no segmento. para ele não muda a importância do Nostálgico pelo estilo clássico e seu trabalho e ressalta que “o técnico amante das antigas radio-novelas, de som é a metade do que vai ao ar, é ele sempre propõe incrementar muito importante na programação”. algo diferenciado em seu trabalho. Seu momento preferido é ver “Gosto muito de usar a linguagem o resultado final: “O que eu mais musical que tenha a ver com o tema gosto é quando termina o programa aplicado”, complementa o maestro. 1 - Trecho de locução que, no rádio e no telejornalismo, indica fim.
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Fotos: Wellington Victor
No volante, o cinegrafista conta com a ajudo do colega, que o guia, para chegar às pautas
De carona com a adrenalina Mesmo enquanto conversávamos sobre as Eram pouco mais de 7h da manhã, de segundaprofissões e o jornalismo policial, a dupla estava feira do último 16 de setembro. Marcos Gica sempre atenta. Ao fundo, um rádio escuta sintonizado e eu estávamos a bordo do carro da equipe de na linha da polícia captava uma ocorrência em jornalismo policial da Rede Massa, reportando outro ponto da cidade. Logo decidiram fazer a uma vivência única, em busca de entender mais volta. Bacalhau virou de uma vez na primeira via sobre o cotidiano dos comunicadores. disponível. De pé em baixo no acelerador, o motorista/ Em pouco tempo, o passeio se transformou em cinegrafista Odair Fernandes, apelidado na infância algo emocionante. Na tentativa de se de Bacalhau, percorria Londrina de 1 cabo a rabo na apuração das pautas e “O Bacalhau, pra livrar do transito lento, o motorista ocorrências do meio policial. Com ele, equipe, é só o costurava entre os carros e, no limite da prudência, perseguia a factualidade da diariamente, está o repórter Reinaldo cinegrafista, mas pauta. “Faz a rotatória. Esquerda, pega Furlan. Como de costume, Bacalhau fazia na prática não é” a segunda à direita”, orientava Reinaldo, que visualizava a localização do endereço suas rotas alternativas, fugindo do Furlan em um mapa da lista telefônica. trânsito matinal rumo às pautas do A alça no teto do carro era o apoio mais dia. Sempre que chegavam a um dos confiante para me segurar. Naqueles momentos de destinos, ele pegava o equipamento, escolhia um adrenalina, às vezes, a conversa cessava e ouvia-se ambiente e a composição dos planos para gravar as apenas o cantar dos pneus. O pé pesado de Bacalhau imagens e entrevistas. Reinaldo conversava com a 2 determinava a velocidade. Em pouco tempo de fonte e, juntos, rapidamente gravavam o material. passeio, pudemos sentir a adrenalina do dia a dia Tudo terminado, eles recolhiam o equipamento e dessa dupla. se dirigiam a outra pauta.
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1 - Direcionamento de temas para matérias e reportagens 2 - Pessoas (especialistas), documetos que tem informações sobre determinado assunto
Bacalhau está nos bastidores do jornalismo há 26 anos, e tornou-se um perito na área policial
Dois em um
simples, o que não é. “O Bacalhau, pra equipe, oficialmente, é só o cinegrafista, mas na prática Mas aqui me interessa falar sobre motorista/ não é”, disse Furlan. cinegrafista Bacalhau, um profissional dos O trabalho da dupla se resume em cooperação bastidores. Já de início o questionei sobre a ambos tem liberdade para opinar e sugerir. junção das duas funções em seu trabalho. “Na Assim como Furlan auxilia o colega nos trajetos verdade o que eu faço é um acúmulo de funções” e percursos no trânsito, o motorista/cinegrafista – Ser motorista e cinegrafista – “Mas as empresas contribui com informações e sugestões de fontes não contratam um motorista só pra ou pautas. O repórter acrescenta que levar a gente. Deveria, mas não faz “Toda a vez que “a experiência que Bacalhau tem, já isso”, explica. eu saia, levava de quase 30 anos na área policial, Na imprensa, Fernandes sempre o torna uma fonte de informação. atuou por trás das câmeras, nem uma fita e uma Muitas informações de ocorrências sempre com as duas funções. Há bateria a mais” chegam diretamente no celular 26 anos começou como office-boy dele”. Bacalhau na CNT, nos tempos de Alborguete. A equipe de reportagem de rua Depois, chegou à motorista. “Toda a está diariamente correndo contra o tempo. Encarar os mais inusitados riscos pela vez que eu saia, levava uma fita e uma bateria factualidade da pauta faz parte desta rotina. a mais”, lembra como, persistentemente, conquistou o espaço desejado como cinegrafista. “Tem hora que a gente tem que bater curvão, Atrás do volante ele é responsável por chegar andar atrás das viaturas. Aí vai chegando multas e tem que ir pagando. Mas é muita adrenalina”, à notícia. Com a câmera no ombro, a experiência conta Bacalhau. faz o processo de cinegrafia parecer muito
Depois da correria, uma pausa para um café no Bar da Xuxa é indispensável
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Da experiência ao diploma No cenário do telejornalismo o editor de vídeos é nunca me viu, mas já ouviu falar do meu trabalho”, mais um agente dos bastidores da imprensa. Peterson partilha o editor. Dias, que há 15 anos atua nesta área, já passou por Para ele, é nos bastidores em que a notícia acontece algumas das principais emissoras de televisão de e estar lá é um privilégio. “Aqui dentro a gente fica Londrina, como a Ric TV e Rede Massa. Visto que sua sabendo de segredos, de notícias que vão estourar e que função ficou ameaçada pelas fusões em que se adapta ninguém mais sabe”. Praticamente em qualquer área o mercado e pela necessidade do diploma, Dias decidiu do jornalismo saber trabalhar em equipe é primordial, ingressar na universidade para cursar jornalismo. e inevitável. Uma observação apontada por Dias como “Eu fiz o vestibular para jornalismo mais pra me essencial para a profissão. “Você tem que trabalhar especializar mesmo”, assume o editor. Preocupado bem e ter mesmo espírito de equipe” com o que o cenário tecnológico sugere É função do editor de vídeos selecionar ao mercado, ele percebeu sua função em “Fiz vestibular pra os melhores takes do cinegrafista, o risco e assegura que “o trabalho de edição melhor áudio do repórter, ou seja, todo jornalismo pra seu esforço será com base no trabalho de vídeos em jornalismo está cada vez mais em decadência, em desuso. Quem vai me especializar de outros profissionais. Para ele, “quem acabar sendo o editor de vídeo é o editor acaba aparecendo é o apresentador, ou o mesmo” Dias de texto”. repórter, mas é um trabalho de equipe”. A Dias afirma que não aparecer é ponto a responsabilidade também cai sobre seus favor e prefere continuar nos bastidores. “Quando eu ombros. “Se eu fizer uma coisa errada eu acabo com me formar quero continuar trabalhando com imagem todo o trabalho dessa equipe”, ressalta Dias. e edição. Não tenho vontade de ser repórter, minha Na academia, a realidade vivenciada por ele não vontade é de trabalhar nos bastidores”. Para o editor, foi bem a de colaboração e espírito de equipe. “Na visualidade mesmo só no quesito profissional. “Eu faculdade às vezes tem muita intriga. Fulano não quer gosto muito que meu trabalho apareça, mas eu não trabalhar com cicrano. No jornalismo não tem dessa. gosto de aparecer”. Se você é brigado com seu colega, o problema é seu, Os anos de experiência lhes garantiram conquistas isso é da porta pra fora” destaca. importantes, como o reconhecimento no espaço de A universidade também contribuiu positivamente, trabalho. “Uma coisa que deixa qualquer profissional mostrou ao editor um jornalismo além da experiência: orgulhoso é, no meu caso, quando alguém fala assim: “O curso vai me ajudar com o embasamento teórico, Putz, você que é o Peterson Dias? Às vezes a pessoa isso o dia a dia não te ensina”, completa o editor.
Foto: Wellington Victor
Dias adiantou que deseja continuar trabalhando nos bastidores
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Bastidores por opção
Conquistar o espaço almejado dentro do jornalismo é o desejo de muitos profissionais, mas estar em uma determinada função, às vezes, é apenas consequência. Não é o caso da jornalista Olga Conceição Leiria da Silva, que há sete anos trabalha como repórter fotográfica da Folha de Londrina. No fotojornalismo ela se encontrou, junto de uma oportunidade para abrir um grande leque de conhecimento. “O barato disso é a vivencia de vários universos em um dia. Você cresce muito como ser humano. Essa vivência com as pessoas, o contato, eu não consigo viver sem isso”, expressa Leiria. Ser um fotojornalista implica compreender o processo da foto também como meio de denúncia dos distúrbios sociais, conforme diz a jornalista: “Eu procuro fazer a diferença. Penso como eu poderia ajudar esse povo com o meu trabalho, porque não é somente ir lá e registrar”. Viver no fotojornalismo é um desafio para poucos. De acordo com Leiria, a profissão no Hardnews1 é brutal. “É difícil quem encara o fotojornalismo, você se suja, tem segurar xixi duas, três horas, fica com sede, fome”. Ter um olhar clínico é a característica mais exigida para trabalhar nesta área, além, é claro, de muita disposição para encarar os desafios dessa profissão (do fotojornalismo). Leiria escolheu ir
ellington Fotos: W
Victor
para trás das câmeras. Outro agente das imagens que se enquadra neste contexto é o jornalista Célio dos Santos Costa, que possui título de mestre em comunicação, e atua como repórter cinematográfico na TV UEL da Universidade Estadual de Londrina. Costa trabalhou 17 anos com fotojornalismo e há três mudou-se do mundo das imagens estáticas para o das imagens em movimento. “Eu me sinto gratificado, mesmo que eu não apareça, porque o conjunto da obra é o que faz um bom material”, afirma. Todo conteúdo da TV UEL é exibido via internet. O cinegrafista afirma que o reconhecimento vem do público que interage com a produção, “o telespectador mais atento sabe que tem um trabalho grandioso de um repórter cinematográfico por trás disso. E que muitas vezes, imagens bem feitas e bem executadas vão ressaltar o trabalho do repórter também”. Técnica, teoria, agilidade, reflexo, isso tudo, segundo Costa, é condizente com o repórter cinematográfico. Ele se diz engatinhando como cinegrafista, já que está em um processo de adaptação. “Como eu sempre trabalhei com imagem parada, comecei a trabalhar com imagem em movimento e essa transição é um desafio terrível. Tenho muita coisa para aprender”, confessa o cinegrafista. Ele também escolheu ficar atrás das câmeras.
Mestre em co munic Costa a se diz engatin ção, na cin egrafi a e qu hando muita e te coisa p ara ap m rende r
1 - Jornalismo diário feito das notícias mais recentes de diversos assuntos do cotidiano.
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O lado B de Blogs No início dos anos 2000, muitos jornalistas do circuito Londrina-Curitiba aproveitaram a criação do blog para unir diversão e informação Eles foram criados no final dos anos 90, como um espaço livre para expressar os seus sentimentos, relatar o cotidiano, soltar os seus demônios, e tudo o mais o que se quisesse expor aos leitores internautas. Sim, amigo leitor. Falaremos do blog. Uma das mais antigas redes sociais, que foi bem recebida pelos jornalistas londrinenses e os que aqui atuam ou atuaram. Amizade. Diversão. Ressaca. Neosaldina. São as definições de algumas das muitas figuras que compuseram o Tipos, uma rede de blogs marcada pela liberdade de expressão e pela forma descontraída no uso das palavras, que nasceu em Londrina, no final dos anos 90. O jornalista Rodrigo Moraes foi quem deu o start para a diversão, convidando os seus amigos de Londrina e Curitiba, ligados ao meio jornalístico, a se integrarem a rede. O seu blog, Cotidianidades, era cheio de coisas do cotidiano e de assuntos nada sérios. Mais tarde mudou o nome para “Muito Bem Flipper. “Esse era um bordão de um seriado com um golfinho. E toda vez que o golfinho fazia uma proeza o menino dizia: muito bem flipper! Então não tinha o menor cabimento. Mas tinha uns [blogs] bons, temáticos”, disse ele. Paulo Briguet era o Repórter das Coisas . Além de usar o blog como bloco de notas, diário, memorial etílico¹ e um caderno de poemas e crônicas também falava de jornalismo, política, literatura e depressão. Muitos dos seus posts se tornaram lendários por atrair malucos de internet. “Publiquei o “Poema da Buceta”. E era bizarro, pois todos os dias apareciam tarados, pervertidos e doidos para comentar o tal poema”, afirma Briguet. Ele classifica a sua passagem pelo Tipos como um “romance de formação”, aquele difícil aprendizado pelo qual o homem se torna aquilo que é. “O blog me ajudou a não mentir mais para mim mesmo. Esse é o primeiro passo para a honestidade intelectual”. Não integrante do Tipos, a jornalista Telma
Elorza aproveitou o template² oferecido pela UOL e criou o Reminiscências em 2002, um blog que também não apresentava uma linha editorial, isto é, onde Telma publicava todas as reminiscências que fervilhavam na sua cabeça. A jornalista conciliou isso com a oportunidade de estender as suas reminiscências ao público internauta, já que, enquanto jornalista, ela guardava muitas crônicas, poesias, que às vezes não conseguia publicar num jornal. Apesar do blog ainda existir, o registro da última postagem é de 10 de abril de 2012. “[O blog] foi agonizando com a entrada do Facebook, espaço onde postamos hoje o que postávamos no blog”, desabafa Telma. Seu outro blog nasceu da vontade de abandonar o vício do tabaco. “O Diário de uma (tentando ser) ex-fumante relata a minha luta para abandonar o tabagismo e, com isso, tentar ajudar alguém que também quisesse passar por essa experiência que é sofrida e solitária”, afirma. Diferente do Reminiscências, este é um blog temático. Apesar de ter assuntos variados, o Paçoca com Cebola, de Cláudio Osti, foca mais no esporte e na política local, estadual e nacional, áreas em que mais atuou em jornais e Tvs. Criado em 2008 e vinculado ao portal “O Diário”, o blog é uma fonte de renda para o jornalista, mas, para ele, o blog representa muito mais: “é uma forma de mostrar ao público leitor que é possível ter informação de qualidade fora dos veículos tradicionais. Obviamente que eu me divirto muito com o blog. Só faço o que me dá prazer. Sem diversão não saio de casa”. Também vinculado ao Diário, desde 2011, o Sport Cars, blog de Devaldo Gilini Júnior, é o ponto de partida para os apaixonados pelo mundo automotivo, com destaques para lançamentos de veículos. Mesmo atuando como jornalista efetivo na Câmara Municipal de Ibiporã, Gilini concilia política com
Início 1 - Derivado do alcoól; 2 - Modelos de página ofertadas pela web.
Quem sou eu: 21 anos, cursando Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina, e recebi uma pauta sobre a importância dos blogs em Londrina. Ah, precisaria de uma edição especial da REVISTA para contar a história do Tipos e a trajetória dos vários outros blogs do ano 2000 até hoje. Que tal, se você puder compartilhar o que sabe sobre os blogs em Londrina... ? Seja bem-vindo e deixe o seu comentário! automobilismo. “Estou satisfeito [na Câmara], porque também gosto da área de política. E ainda tenho tempo para me dedicar ao blog de automobilismo, minha paixão”, afirma. Fábio Silveira também divide o tempo entre o Jornal de Londrina, a RPC TV, a UEL e o seu blog Baixo Clero. O nome se refere à política local: “Política pequena né? E faço outra ironia: por outro lado, cobrir política local também é baixo clero. Tudo bem, né? De baixo clero para baixo clero”. O blog de política foi criado em 2008, através da discussão sobre o fim do jornal impresso e também da necessidade da cobertura em tempo real das audiências da Câmara Municipal de Londrina, segundo o jornalista. O Baixo Clero também ajudou o Ministério Público (MP) e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial em Combate ao Crime) de Londrina em muitas investigações, envolvendo a classe política ou a classe empresarial em Londrina e região, como o caso da vereadora Sandra Graça, condenada por manter um funcionário “fantasma” no seu gabinete. “Ele entrou na justiça pedindo para que eu provasse o que eu estava dizendo. Eu entreguei as provas ao MP e fui testemunha do caso”, confirma Fábio. “O limite do jornalismo é aquilo que eu consigo provar. O que eu não posso provar eu não publico”. Pode-se observar a diversidade de blogs na cidade e a importância que eles têm como um meio de prática jornalística e registro histórico. O país possui hoje uma gama de universidades formando jornalistas e um mercado fragilizado pela falta de espaço para os recém-formados. Por isso, muitas vezes engajam direto no mestrado. E o blog é uma alternativa em meio a essa problemática mercadológica da comunicação e também à grande mídia. O jornalismo impresso está ameaçado de morte. Mas, mesmo se ele vier a falecer, o meio em que se faz jornalismo não importa. Os blogs podem ser uma prova viva e atualizada disso.
Arquivos do blog 2013 2012 2011 2010
Blogs favoritos Baixo Clero Bette Davis Eye, por Margo Channing Cotidianidades Diário de uma (tentando ser) exfumante Efemérides, por LuBru Fábio Cavazotti Informa e Comenta Paçoca com cebola Reminiscências Repórter das Coisas Sport Cars
Postagens Mais antigas
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* Página do blog Tipos, que foi perdendo forças em 2006
5 comentários: Paulo Briguet: 30 de outubro de 2013 18:00 O Tipos foi a primeira rede antissocial do mundo. Até pensamos em criar um portal de blogs na mesma linha, com uma proposta parecida e recursos mais avançados. O nome seria Fakebook. Mas não foi possível...
Rodrigo Moraes 30 de outubro de 2013 18:06 Era uma coisa nova, aquilo não existia. O Tipos era um feudo de anarquia internética. Era algo feita nas horas vagas por todo mundo. Então o que me marcou foi participar da experimentação e da bagunça. A gente se divertia.
Cláudio Osti 30 de outubro de 2013 18:10 Uma dica para os novos jornalistas: hoje em dia há um excesso de faculdades de jornalismo e poucos veículos contratando. Então, o melhor caminho é seguir para outros rumos. A internet é um dos meios de você ter o seu próprio veículo de comunicação.
Telma Elorza 30 de outubro de 2013 18:19 O estudante de jornalismo precisa ter um blog, por que ele escreve pouco. E, de repente, cai no jornal e tem que escrever duas matérias por dia. É preciso ter desenvoltura. O blog vai te exercitar a escrita.
Fábio Silveira 30 de outubro de 2013 18:36 Acho o blog importante pelo seguinte: se eu tenho um blog, se eu estou online, eu solto essa matéria agora. Não preciso ficar esperando até amanha para dar a matéria. As rádios já deram, as tvs já deram... E, assim, a matéria fica velha.
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SE FICAR O BICHO PEGA, SE CORRER O BICHO COME bruno cunha
Este é um filme de incertezas. Os dilemas morais são os que atormentam os moradores da favela homônima, no oeste carioca. Escolher a marginalidade era mais fácil, tendo em vista a demanda de recrutas do crime. O jovem Buscapé também fora influenciado pela violência, mas flagrá-la de maneira subjetiva. A fotografia é a extensão de olhar do rapaz, sempre direcionando onde a urgência do caos social exigia. Instigado pela cultura da morte, o vocação de Buscapé se divide em sua presença em três assassinatos. À técnica, foi apresentado quando um notório bandido de seu bairro, Cabeleira, foi abatido em uma ofensiva policial. Um fotógrafo sensacionalista emerge por dentre os curiosos e registra imagens do corpo. O menino Buscapé fica extasiado com a câmera. Anos mais tarde, ganha popularidade tirando instantâneos dos colegas com uma compacta. Paralelamente, o negócio das drogas cresce na Cidade de Deus, tendo como expoentes Bené e Zé Pequeno, comparsas na amizade e no tráfico. Mas o primeiro era amistoso demais, e opta por abandonar a vida de gângster. Na festa de despedida, a dupla se desentende por ciúmes, e na
confusãoBené acaba morto por engano, por outro traficante que mirava Pequeno. O estopim da briga: uma máquina fotográfica de qualidade, oriunda da troca por cocaína, que seria presenteada a Buscapé. O protagonista teria de esperar para possuir aquela câmera, até o próprio Zé Pequeno o chamar para retratar sua gangue. Furioso por não encontrar fotos suas na mídia, o criminoso visava reconhecimento além dos limites da Cidade de Deus. Com a guerrilha deflagrada, as fotografias acabam vazando no Jornal do Brasil, estágio de Buscapé usado na revelação, e ganham manchete. O país já conhecia o conflito entre aquelas gangues, e agora conhecia os rostos daqueles traficantes. Mas a vaidade de Pequeno o trairia: encurralado por meninos delinquentes, estes o alvejam fatalmente em represália a morte de um colega. Testemunha ocular, Buscapé tira diversas fotos, para uma estampar a página policial do Jornal. Era pouco, avaliando a periculosidadee a exclusividade da invasão. Mas para um rapaz estigmatizado por morar em uma favela, a justa recompensa veio através daquilo que ele sempre soube documentar.
CIDADE DE DEUS É UM FILME DE FERNANDO MEIRELLES, KÁTIA LUND - ROTEIRO: BRÁULIO MANTOVANI - ELENCO: ADÃO XALEBARADÃ, ALEX DOS SANTOS, ALEXANDER CERQUEIRA, ALEXANDRE "CHINA" TAVARES, ALEXANDRE RODRIGUES, ALICE BRAGA, ANDERSON BRUNO MARQUES, ANDERSON FARIA, ANDERSON LUGÃO, ANDRÉ LUIZ MENDES, ANDRÉ PIRES MARTINS, ANTONI GUEDES, ANTÓNIO RODRIGUES, ARLINDO LOPES, BABU SANTANA, BARTOLOMEU BRAGA, BERNARDO SANTOS, BRUNO RICARDO, CARLOS 'LENCINHO' SMITH, CARLOS HENRIQUE AVERNAS, CAROL MEIRELLES, CHARLES PARAVENTI, CHARLES SAMUEL, CHRISTIAN DUURVOORT, CLÁUDIO CÉSAR, CLEITON VENTURA, DAMIÃO FIRMINO, DANIEL ZETTEL, DANIELLE ORNELAS, DARLAN
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v
O M S I L A N R JO Sem moralismo barato, somos curiosos quando o assunto é morte, e talvez por este motivo, que o jornalismo policial seja o de maior audiência na cidade de Londrina. Como trabalhar com ética em assuntos tão delicados? Como se comportar? Quem entrevistar? marcos gica
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P LICIAL O jornalismo é a atividade profissional
que transforma fatos em notícias. O jornalismo policial é a editoria que reporta da delegacia, desde assassinatos até acidentes de trânsito. O repórter de policia é por excelência o desconfiado, um
investigador.
E
por
que
não
investigar quem investiga, entrevistar o entrevistador?. Ignoramos a máxima de que “Jornalismo é igual salsicha: Melhor nem saber como é feito” e fomos atrás dos personagens que fizeram e fazem jornalismo policial em Londrina para mostrar algumas histórias desta longa ronda em busca de informações. ¹ Ato de ouvir a rádio escuta Policial e seguir informações a partir deste.
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v
Bom, jornalismo é feito nas ruas, e, sem dúvida, o repórter policial é aquele que raramente fica parado na redação. Uma ronda¹ de duas horas significa desbravar Londrina inteira . O jornalismo policial pode pecar em alguns ‘abusos do microfone’, mas diferentemente de algumas editorias vizinhas, não peca quando é necessário se dirigir até o local da notícia.
Fotos: Marcos Gica
AQUI AMIGO, A CRÍTICA SÓ A QUEM MERECER
C
arlos Alberto Camargo é natural de Marilândia do Sul, n a s c e u em 16 de fevereiro de 1966. Depois de atuar nas profissões de servente de pedreiro e garçom, Camargo ingressou na Polícia Militar do Paraná. Descobriu o faro¹ de repórter policial trabalhando ao lado de Néri Floriano (já falecido). “Eu fazia diversos boletins, como policial, para diversas rádios de Londrina, até que fui convidado para
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trabalhar como repórter [na rádio Paiquerê]”. Camargo é o dono da maior audiência Londrinense. “Tudo é fruto de muito trabalho, já cheguei trabalhar 18 horas por dia”
“
VENDO COMERCIAL, NÃO VENDO NOTÍCIA
“
“Gosto dos ditados do seu José [libanês dono da loja A Vantajosa] : se não estiver feliz com o seu trabalho, acorde uma hora mais cedo, se ainda
não funcionar, durma uma hora mais tarde, o sucesso é trabalho. Ao soldador, o seu soldo, se não estiver satisfeito com sua profissão, mude”. Além de muito trabalhado, ele aponta e a credibilidade de seu programa e a ética como jornalista fatores essenciais “Vendo comercial, não vendo notícia. Nunca recebi nada em troca de informações” Carlos Camargo é bacharel em direito e atualmente faz pós graduação em teologia na PUC Londrina.
“
ACABOU O JORNALISMO INVESTIGATIVO POLICIAL... ... HOJE O QUE SE VÊ, INFELIZMENTE, É MATÉRIA SEM NOME DE PESSOAS
“
Fotos: Mariana Paschoal
N
icéia Lopes é a alma e memória do jornalismo policial londrinense. Com 49 anos, sendo 30 deles passados no jornalismo policial. “Comecei aos 19 anos na Rádio Clube, tive a honra de trabalhar com o Ângelo Gaioto, o primeiro repórter policial de Londrina - foi ele quem me deu a oportunidade”. Ao avaliar o jornalismo policial atual, Nicéia é objetiva: “Acabou o jornalismo investigativo policial. Hoje o que se vê, infelizmente, é matéria sem nome de pessoas. A questão econômica está sendo preponderante. Os ricos fazem, aprontam e não acontece nada. Só vemos os nomes das pessoas de baixo poder aquisitivo, é muito triste”. Nicéia relembra de alguns crimes londrinenses ainda sem
solução, como o de Vanda Pepiliasco¹ “ela é artista plástica, morava em um triplex na Rua Goiás. Aí em um sábado, por volta das sete da manhã, ligaram na delegacia e falaram que tinha acontecido um suicídio. Fui pra cena do crime e não me deixaram entrar, investiguei e fui lá no IML, na hora que eu vi o corpo, entrei ao vivo e descartei a possibilidade de suicídio, a mulher estava degolada. Essa é a importância de você ir lá ver as pessoas, ver os fatos. Por isso não acredito nesse jornalismo que se faz pelo telefone. Não precisa seguir nenhum manual de redação pra fazer um jornalismo de qualidade.É só seguir o Código de Ética.” . Nicéia está afastada das rondas policiais há alguns anos, mas planeja voltar logo ao jornalismo policial.
¹Vanda Pepiliasco: Artista plástica acusada de ter degolado sua empregada doméstica Cleonice Fátima Rosa no ano de 1993.
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O
menos sangue, mais papel sensacionalismo um
fenômeno
meios
de
Muito
pelo
não
novo
é
nos
comunicação. contrário,
nasceu junto, ou talvez até antes,
do
próprio
jornal
impresso, e até hoje é a mais efetiva ferramenta para
aumentar as vendas dos produtos de comunicação.
O sensacionalismo se baseia em uma linguagem que despreza a razão e a imparcialidade e se
apega ao sentimento. A linguagem sensacionalista é
chamada
no
meio
jornalístico
de
clichê².
Danilo Agrimani Sobrinho em seu livro “Espreme
que sai sangue, um estudo do sensacionalismo na
imprensa (1995)” faz um relato dos Canards, jornais populares, de apenas uma página, vendidos na França,
no século XIX. “Alguns exemplos de manchetes dos
canards: um crime abominável!! Um homem de 60 anos cortado em pedaços ... Um crime pavoroso: seis
crianças assassinadas por sua mãe.” O tempo passou, os meios mudaram, os jornais diminuíram, rádios começaram a sintonizar, as televisões a transmitir e
mesmo assim, parece que as manchetes não mudaram.
Não estou pregando uma sociedade sem crime, apenas sonho com um jornalismo sem fofoca, sem clichê.
ESPREME QUE SAI SANGUE Danilo Angrimani Sobrinho Editora Summus, 1995 152 páginas O autor investiga o fenômeno do sensacionalismo na imprensa sob várias dimensões: sua história através dos tempos, sua produção, e as razões mais profundas que fazem com que um amplo público seja atraído por este produto. O livro analisa como a linguagem utilizada remete ao inconsciente dos consumidores atendendo a necessidades psicológicas coletivas, e investiga os mecanismos que interagem no processo de atração e compra sensacional. (Divulgação)
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POR QUE Nテグ ASSESSORIA DE IMPRENSA? Uma das テ。reas menos conhecidas do jornalismo テゥ das mais presentes no cotidiano Lucas Peresin
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Para quem está do lado de fora do mundo do jornalismo, pouco se diz sobre assessoria de imprensa (AI), essa área da comunicação que está tão ou até mais arraigada no cotidiano da sociedade que o próprio jornal impresso e que os telejornais, por exemplo. Ela é a responsável pela ligação comunicacional entre qualquer pessoa (física ou jurídica) que tenha uma novidade a contar e a imprensa. O profissional de AI pode ser formado em qualquer uma das áreas da comunicação social – jornalismo, relações públicas ou publicidade – e é papel do assessor levar informações aos veículos de comunicação.
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D
entro dos cursos de jornalismo, a assessoria de imprensa não tem muito destaque entre as disciplinas ofertadas. Contudo, existe uma máxima no ambiente acadêmico da comunicação social: não importa o quão concorrido esteja o mercado do jornalismo, sempre vai haver alguém precisando dos serviços de um assessor de imprensa. Desirée Molina, jornalista recém-formada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e especialista em comunicação e moda, experimentou a assessoria de imprensa desde quando estagiava. Hoje, trabalha prestando assessoria a empresas do ramo da beleza em São Paulo e vê a AI como uma área menos instável no mercado de comunicação. “A maioria das pessoas que entram em Jornalismo, entra porque quer escrever para um jornal. Mas eu sinto que, nesse cenário atual de insegurança geral nas redações, de muito jornalista sobrecarregado, a assessoria é quase um porto seguro”, comenta. Uma dualidade pouco discutida, porém real, que envolve a assessoria de imprensa é uma certa disputa que existe entre os defensores do jornalismo diário – jornais, revistas, telejornais, radiojornais e etc – e os adeptos da assessoria. Como a AI tem um papel mais empresarial que o de pura prestação de serviço à sociedade, como é o caso do jornalismo diário, alguns profissionais mais conservadores chegam a dizer que a assessoria não é “coisa de jornalista”.
“Consideravam [a assessoria] uma função pra ‘picareta’, pra ‘não-jornalista’, era uma coisa que te punha numa situação um pouco constrangedora.” José Roberto Francisco
José Roberto Francisco, coordenador do Núcleo de Comunicação da prefeitura de Londrina, trabalhou por 15 anos no jornalismo diário da cidade e escreveu para a Veja Paraná, até que, em 1991, entrou no ramo da assessoria escrevendo o jornal da Associação Comercial e Industrial de Londrina (ACIL), quando conciliava o ofício de editor da Folha de Londrina com o trabalho de assessoria da associação. “Eu combinei essa dupla de atividades profissionais, o que, para muitas pessoas, pode parecer incompatível, mas para mim nunca teve nenhum tipo de interferência, nem de um lado, nem de outro”, explica. Em 1996, José Roberto assumiu o cargo de assessor de imprensa da ACIL num contexto ainda incipiente da assessoria em comunicação na cidade. Ele conta à reportagem da REVISTA como foi essa transição. “Havia, na época, uma cultura de rejeição à atividade de assessoria de imprensa. Consideravam uma função para ‘picareta’, para ‘não-jornalista’, era uma coisa que te punha numa posição um pouco constrangedora. Os próprios colegas de jornalismo ‘torciam o nariz’, mas, felizmente, uns cinco ou seis anos depois não existia mais isso e muita gente já tinha saído das redações e começado na atividade da assessoria, com isso, esse estigma foi desaparecendo”, relata.
“nesse cenário atual de insegurança geral nas reda Desirée Molina
Mas então, de quem é a responsabilidade de assessorar? Do jornalista ou do relações públicas (RP)? Maria Amélia Pirolo, coordenadora do curso de relações públicas da UEL, explica um pouco sobre as aptidões e faltas dos dois profissionais no mercado de assessoria de imprensa e diz não acreditar na diferença entre o trabalho de um e outro nessa área. “Se você falar em organização, eu puxo o peixe para o meu lado, o relações públicas está mais preparado para fazer essa assessoria, mas não vejo nada em legislação nenhuma que vá dizer que esse trabalho é de RP, de jornalista ou de publicitário”, diz com bom humor. “O mercado, hoje, está começando a se abrir mais para o RP, mas ele entende melhor a assessoria de comunicação nas mãos do jornalista pelo fato da facilidade de comunicação com a imprensa”, diz. Já pensando sobre a questão da comunicação interna das empresas, Maria Amélia afirma que o RP é o profissional mais qualificado para a função. “O jornalista não tem nem mesmo disciplinas que o preparem para isso na sua formação. Os RPs têm disciplinas específicas que preparam o profissional para lidar com a comunicação interna e os conflitos entre as divisões das empresas”, reforça. Uma das maiores críticas ao mercado atual do jornalismo é a remuneração dos profissionais da área. O jornalismo de hoje, no Brasil, não é lá uma fonte de riqueza fácil. Dentro dos cursos de comunicação, porém, a assessoria de imprensa é vista como a área do jornalismo que melhor remunera e acaba se tornando um alvo dos recém-formados que visam salários melhores na profissão. A jornalista Andréa Monclar trabalha na área de assessoria de imprensa em Londrina desde o início dos anos 90, quando montou a primeira empresa do ramo no norte do Paraná. Ela comenta que na área há uma oportunidade maior de vantagem financeira do que no jornalismo diário pela possibilidade de se prestar serviço a várias empresas e, assim, obter maior margem de lucro. Andréa também critica o posicionamento dos jornalistas que não se mobilizam por uma melhor remuneração salarial. “Hoje em dia o recém-formado tem medo de não conseguir emprego e aceita qualquer trabalho para receber menos que o piso salarial (que em Londrina é cerca de R$ 2,5mil). O piso, que deveria ser o mínimo, acaba virando uma meta salarial desse jornalista. A consciência de classe do jornalista é muito ruim. Levantam várias bandeiras, mas não exigem um crescimento da própria categoria. Têm vergonha de cobrar o salário e se sindicalizar”, diz. Mesmo sendo um tanto desconhecida da maioria, a assessoria é uma área interessante e muito necessária do jornalismo de hoje. A demanda por assessores de imprensa se consolida na contramão da escassez de vagas nas redações do jornalismo diário. Se há tanta vantagem em embarcar nessa área relativamente nova e desafiadora da comunicação, a pergunta que fica é: por que não assessoria de imprensa?
“O mercado, hoje, está começando a se abrir mais para o RP, mas ele entende melhor a assessoria de comunicação nas mãos do jornalista pelo fato da facilidade de comunicação com a imprensa”, Maria Amélia Pirolo
ações, [...], a assessoria é quase um porto seguro”
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A política dos sequestros de Pablo Escobar
P
Marcos Gica
ablo Emilio Escobar Gaviria, o maior narcotraficante de seu tempo, é o homem por trás dos sequestros descritos no livro Notícia de um sequestro, de Gabriel García Márquez (G.G.M.). Escobar foi um homem tão poderoso que figurou na Forbes com a oitava fortuna do mundo. Um ícone que chegou a propor o pagamento integral da divida externa da Colômbia em troca de sua segurança pessoal. O mito de Pablo foi lapidado pela narrativa genial de G.G.M.. A sombra por trás dos sequestros que inicia o livro que nos envolve de tal forma com os personagens, que parece que estamos vivendo com eles nos cativeiros. Noticia de um sequestro conta a história de dez sequestros políticos elaborados por Escobar. O livro é, antes de tudo, uma peça histórica da Colômbia e da América. Com base em documentos oficiais, cartas, entrevistas, entre outros. G.G.M. narra uma valiosa história do ponto de vista sociológico e jornalístico. A partir dos sequestros o autor consegue definir um fio condutor da sociedade colombiana e mostra, com clareza, os sinais de corrupção e como o narcotráfico se inseriu nas fendas mais profundas do Estado. Sequestro(s) Como explica o próprio autor na nota de agradecimento, a proposta inicial do livro era se concentrar no sequestro de Maruja Pachón e a negociação feita por seu marido Alberto Villamizar. “Eu já estava com o primeiro rascunho bastante avançado quando percebemos que era impossível desvincular aquele sequestro dos outro nove que aconteceram ao mesmo tempo no país. Na verdade, não eram dez sequestros diferentes – como achamos a princípio -, mas um único sequestro coletivo de dez pessoas muito bem
escolhidas, executado por uma mesma empresa e com uma mesma e única finalidade.” O livro narra 10 sequestros de jornalistas, pessoas populares e familiares de políticos, que ocorreram na Colômbia; realizado pelo grupo chamado Extraditáveis, controlado por Pablo Escobar, apesar da carência de provas jurídicas . O sequestro foi um plano arquitetado. Entre as reivindicações, estavam, a não extradição para os Estados Unidos dos envolvidos com o narcotráfico e posterior segurança do Estado para que os acusados não fossem mortos nas cadeias, por policiais ou grupos rivais. Desfecho Pablo Escobar alcançou seus objetivos. Apesar de duas sequestradas terem sido assassinadas (Diana Turbay e Marina Montoya) nas negociações dos sequestros, Pablo conseguiu alavancar a maioria de suas reivindicações, com a ajuda de Alberto Villamizar e da figura santa do padre Garcia Herreros. Após o sequestro o grande chefe do Cartel de Medellín se entregou e foi “preso” em uma prisão de segurança máxima, feita especialmente para ele. La Catedral, como era conhecida a prisão, era uma casa de férias, super fortificada, do poderoso chefão colombiano, construída para sua proteção pessoal e não para tirar a liberdade. Ainda preso, Escobar era visto fazendo compras e participando de jogos esportivos. O livro e o autor Noticia de um sequestro mostra que Gabriel García Márquez está longe de ser só o criador dos Buendía, do livro Cem Anos de Solidão (1967). O autor mostra sua qualidade literária no equilíbrio simétrico entre literatura, texto jornalístico e história.
“Nenhum colombiano em toda a história havia tido e exercido um talento como o dele para condicionar a opinião publica. Nenhum outro teve maior poder de corrupção. A condição mais inquietante e devastadora de sua personalidade era que carecia por completo da indulgência para distinguir entre o bem e o mal.” Notícia de um sequestro, p.199, 1996.
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Fogo Cruzado e Jogo Político no jornalismo
P
Angélica Miquelim
ara quem está acostumado com todo o misticismo do realismo mágico de Gabriel García Márquez, o livro Notícia de um sequestro é um choque de realidade. A realidade de um país assolado pela violência, corrupção, tráfico de drogas e incertezas políticas. A Colômbia dos anos 80/90 retratada no livro reportagem de García Márquez está imersa em um caos urbano, político e moral. O governo trava uma guerra sangrenta contra os narcotraficantes que se veem ameaçados pelo fantasma da extradição para os Estados Unidos. Buscando uma negociação, “Os Extraditáveis”, como são chamados os narcotraficantes liderados pelo misterioso Pablo Emilio Escobar Gaviria, o temido Pablo Escobar, sequestram dez pessoas: Diana Turbay Quintero (filha do ex-presidente Turbay) e sua equipe composta por: Richard Becerra, Juan Vita, Hero Buss, Orlando Acevedo e Azucena Liévano; Francisco Santos, mais conhecido como Pacho (filho do jornalista Hernando Santos dono do Jornal El Tiempo); Marina Montoya; Maruja Pachón e Beatriz Villamizar. Todos são jornalistas exceto Beatriz que é assistente de Maruja na Companhia Estatal de Fomento Cinematográfico Focine. Já famoso e reconhecido mundialmente tanto pelo trabalho literário quanto pelo jornalístico, García Márquez foi convidado por Maruja Pachón e Alberto Villamizar (marido de Maruja) a escrever um livro com as memórias da jornalista sobre os seus seis meses de cárcere. O livro foi publicado em 1996. No processo de construção García Márquez percebeu que era impossível desvincular o sequestro de Maruja dos outros nove. Nas palavras do próprio autor: “Na verdade, não eram dez sequestros diferentes - como achamos a princípio - , mas eram um único sequestro coletivo de dez pessoas muito bem escolhidas, executado por uma mesma empresa e com uma mesma finalidade”. A narrativa não é linear. O autor divaga entre as experiências e pensamentos dos protagonistas concentrando- se principalmente no cárcere onde estavam Maruja, Beatriz e Marina. Notícia de um sequestro é um livro impactante e vivo. Não há ficção, o leitor atento identifica o estilo narrativo de Gabriel García Márquez, mas está ciente de que a trama é real, tensa e bem amarrada. Para libertar os reféns, os narcotraficantes fazem algumas exigências: a punição de policiais do corpo de Elite que estavam realizando massacres nas comunidades de Medellín, condições de rendição que incluía a garantia de proteção pessoal para eles e suas famílias e o principal: a certeza da não-extradição.
Mas Pablo Escobar queria mais. Na verdade seu maior objetivo era conseguir o indulto pelos crimes cometidos e transformar o grupo dos Extraditáveis em um partido político, como aconteceu com os guerrilheiros do M19. O sequestro dos jornalistas foi muito bem planejado. Eles seriam a moeda de troca que garantiria a visibilidade tanto da opinião pública como da elite política do país. Os Extraditáveis sabiam que as famílias dos sequestrados poderiam ter influência nas decisões do presidente César Gaviria. No entanto Gaviria se manteve impenetrável, negociava, mas não cedia muito no prazo que garantia a não-extradição. A pressão aumentava e a morte de Diana Turbay durante uma operação policial, causou uma enorme comoção. Após a tragédia, as negociações começaram a caminhar rumo a rendição que só aconteceu meses depois com o intermédio do padre García Herreros. O relato do livro chama a atenção para as relações de poder que existem dentro do cenário político e como a mídia e os jornalistas estão direta ou indiretamente ligados aos perigos constantes desse meio. O jornalista vive em meio ao fogo cruzado todo dia. É notável que os reféns mais valiosos eram os que tinham maior poder de influência na vida pública da Colômbia: Maruja é esposa de Alberto Villamizar, em campanha para conseguir uma vaga na Assembleia Constituinte; Diana Turbay, filha de um ex-presidente e Francisco Santos, editor do jornal El Tiempo. Sequestrar pessoas influentes com objetivos políticos não é novidade. No Brasil, podemos citar o exemplo do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick no ano de 1969. Em plena ditadura militar os guerrilheiros do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) sequestraram o embaixador e também o usaram como moeda de troca. Conseguiram a publicação do manifesto no qual denunciavam os crimes e torturas da ditadura e a libertação de 15 presos políticos. O sequestro dos jornalistas foi a maneira encontrada por Pablo Escobar para ter voz e espaço na imprensa colombiana, consciente de que os grandes meios eram controlados por pessoas que tinham relações diretas com o governo e isso dificultaria sua aproximação. O livro de García Márquez também faz refletir sobre o papel da mídia e principalmente do jornalismo como uma produção capaz de influenciar a opinião pública. Os veículos de comunicação deveriam ser espaços democráticos e abertos a pluralidades de opiniões e debates produtivos. Entretanto, o monopólio dos meios de comunicação, que em sua maioria são controlados por famílias com vínculos políticos, impede a manifestação de ideias contrárias às ideias que esses próprios meios fabricam e julgam, de acordo com seus interesses.
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FOGO E FAÍSCA NA REDAÇÃO DA RUA PIAUÍ Mariana Paschoal
Acervo CDPH - UEL/Julio Maciel/Mariana Paschoal
A greve de 18 dias da Folha de Londrina
Acervo CDPH - UEL/Mariana Paschoal
A
categoria dos jornalistas passou por várias experiências grevistas no início da década de 60. Uma greve sem precedentes foi decretada em São Paulo em 1961. O sindicato paulista impediu a circulação dos jornais e até a exibição de noticiários de TV e rádio por um fim de semana. Em 1963 foi a vez de Curitiba. Nenhum jornal foi produzido por três dias na capital paranaense. Uma mobilização que conseguisse paralisar as rotativas e bloquear uma rua inteira para que o Diário do Paraná não chegasse às bancas na época era digna de vitória às reivindicações da categoria. E foi o que aconteceu. Com a repressão da ditadura civil-militar, implantada em 1964 no Brasil, o movimento sindicalista entrou em baixa e as mobilizações passaram a ser raras. Foi só com o processo de transição política brasileira para a democracia – que começou no final da década de 70 – que foi permitido que o período entre 1978 e 1992 se tornasse um ciclo com alto número de greves no país. De acordo com o Sistema de Acompanhamento de Greves (SAG-Dieese), o Brasil, entre os anos de 1985 e 1992 registrou um dos maiores níveis de paralisações entre
os países ocidentais. Em 1979 uma greve de jornalistas estourou em São Paulo novamente. Os trabalhadores conseguiram expulsar, do sindicato, infiltrados da ditadura. Porém, como o regime militar ainda era vigente, a repressão foi violenta, alguns pequenos jornais fecharam, muita gente foi demitida, inclusive a direção do sindicato perdeu a eleição de 1981 em decorrência do episódio. “Gato escaldado tem medo de água fria”. É o que disse o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Norte do Paraná, Ayoub Hanna Ayoub sobre o silêncio da categoria desde então. Na análise do sindicalista, criou-se uma cultura de medo. Não é porque a categoria não tem vontade se mobilizar; o que falta é um número razoável de profissionais com disposição para enfrentar os patrões. Outro obstáculo, acredita Ayoub, são as características de uma greve de jornalistas. “Faz greve de ônibus, a cidade vira um caos. Greve de bancários? Os caras fecham as agências. É diferente de uma greve de jornalista, que as coisas continuam funcionando. Pega mal, desanima”. Foi no período da ressaca, com o regime democrático batendo à porta, que gráficos e jornalistas da Folha de Londrina e do Paraná Norte – tablóide¹ criado em 1987 que pertencia
¹ Formato de jornal com páginas que medem aproximadamente 33cm x 28cm. ² Profissional autônomo que recebe um salário por projeto realizado.
ao mesmo grupo da Folha – decretaram greve por melhores condições de trabalho e salário. No dia 28 de fevereiro de 1987 os gráficos do jornal paralisaram os serviços. Os jornais só não pararam de ser distribuídos porque a empresa divulgou, imediatamente, um chamado de contratação de funcionários temporários. Os gráficos voltaram às atividades uma semana depois, no dia 6 de março. Os jornalistas continuaram sem trabalhar. No Paraná Norte, toda a equipe parou, o que refletiu na produção do jornal: as bancas ficaram sem o diário por dois dias até que a situação ficou insustentável e os jornalistas temporários e estagiários reviveram a publicação. Já os leitores da Folha sentiram poucas mudanças; o maior periódico do interior do Paraná contou, imediatamente, com alguns fura-greves e com a contratação de freelancers² e mantiveram os jornais rodando. A única mudança foi que, com a equipe reduzida, as páginas contavam com mais matérias de agências de notícias e releases de assessorias de imprensa. A turma que aderiu à greve contou com a participação de Osmani Ferreira da Costa – novato na Folha – que fora contratado ainda em 87, no ano em que a mobilização estourou. O recém-chegado conta que nunca tinha escutado planos de paralisação pelos
corredores e acredita que a mobilização tenha sido por solidariedade aos gráficos, que começaram toda a mobilização. As reuniões de negociação eram feitas no salão da Secretaria Municipal de Cultura, que ficava na praça da Concha Acústica em frente ao prédio do jornal. Além das assembleias, houve muito protesto. “Os jornalistas, com apoio do Sindicato dos Bancários, queimaram jornais na frente do prédio [no dia 13 de março de 87]. Também tinha panfletagem no centro, que era muito radical, tinha gente falando mal dos patrões para toda a cidade”, lembra Costa. Não demorou muito para a repressão dar as caras. Quem coordenava o processo de negociação era Walmor Macarini, à época, diretor comercial e de redação do Grupo Folha. Costa relata que a chefia já começou a demitir no segundo dia depois da paralisação. Foi demissão em massa: “os patrões não negociaram porque alegaram que os jornalistas fizeram uma greve por nada, uma greve de babaca ligada a uma categoria [gráficos] que não tem nada a ver”. A diretoria também prometeu não recontratar os dispensados. Nunca mais. No Paraná Norte todos os funcionários tiveram de deixar a redação e o tablóide fechou. Na Folha, o recémchegado Costai foi um dos demitidos.
Acervo pessoal Suzi Bonfim
Jornalistas do Paraná Norte se reúnem com o chefe Walmor Macarini para negociar salários
Macarini se recusou a dar entrevista alegando que não se lembrava de greve nenhuma. Por telefone, o ex-chefe de redação do periódico afirmou “eu me lembro de tudo da Folha, menos de greve”. Ao invés da paralisação de mais de duas semanas, Macarini disse que o que aconteceu foi uma manifestação que durou algumas horas. O fechamento do Paraná Norte, de acordo com ele, foi motivado pela falta de assinantes – o que não gerava lucro –, e não porque a equipe inteira foi mandada embora. “A greve foi muito desgastante para a imagem da Folha. A Folha era o único jornal da cidade. Ela sempre exerceu em Londrina um poder de pressão muito grande de monopólio de informação. E tudo isso com apoio de políticos”, constata Costa quando José Eduardo Vieira comprou o jornal. “Eu não acreditava em greve na época, mas aconteceu”. Foi o que disse Caty Mileny, jornalista do Paraná Norte e presidente da Associação dos Jornalistas de Londrina – grupo que discutia a criação de um sindicato londrinense à época. Em fevereiro de 1987 a categoria só contava com um sindicato geral do Paraná, presidido por Desiderio Peron. De
acordo com as fontes desta matéria, Peron conseguiu o posto de presidente através de contatos ligados à ditadura civil-militar. A greve dos jornalistas da Folha não recebeu apoio do Sindicato dos Jornalistas do Paraná e este foi um dos motivos para o interior se rebelar e se mobilizar para a criação de um sindicato próprio e mais representativo. O Sindicato dos Jornalistas do Norte do Paraná foi criado nove meses depois da greve da Folha de Londrina, no dia 15 de novembro. Caty, depois do fechamento do Paraná Norte, foi “reaproveitada” na redação da Folha. Porém, a situação culminou em sua demissão: “eles não me demitiram porque eu era dirigente sindical e tinha estabilidade. Por isso, a Folha entendeu que eu tinha, de alguma forma, responsabilidade pela greve. Eu fiquei sem função. Eu ia trabalhar todas as tardes e não me davam pauta, não me davam nada”. A jornalista acredita que ficou “marcada para morrer”. Levou o caso à Justiça e, depois de cerca de um mês, deixou a redação. Para ela, estava clara a intenção dos chefes de castigá-la. No dia 17 de março, uma audiência na Justiça do Trabalho de Curitiba considerou a greve
“Eu não acreditava em greve na época, mas aconteceu” Caty Mileny
Acervo CDPH - UEL/Mariana Paschoal
Funcionários do Grupo Folha, com apoio do Sindicato dos Bancários, queimam jornais em frente à redação
dos jornalistas ilegal – a Constituição anterior à de 1988 não previa a greve como direito – e as atividades foram retomadas. “Na volta retomase uma rotina com muitas feridas abertas. Havia mágoa, relações foram abaladas”, relata João Arruda, que começou a trabalhar na Folha em 1976, antes mesmo de entrar na faculdade de jornalismo. Arruda foi vítima do remanejamento de função. Ele foi fisicamente transferido da redação para uma sala isolada onde participava de uma editoria especial de reportagem, criada especialmente para uma turma que aderiu à paralisação. Os profissionais chamavam a sala de “Grupo da Siberia”. A intenção, para os jornalistas, era clara: “nos tiraram da redação para nos punir”, disse Arruda. No entanto, o tiro saiu pela culatra. As grandes reportagens produzidas na nova editoria se tornaram uma parte importante do jornal, com direito à vitória do Prêmio Volvo em 1989. João Arruda permaneceu na Folha de Londrina até 2001. A greve sem precedentes da Folha estourou em um momento de efervescência. O ano de 1987, no Paraná, registrou greves de professores, funcionários da Itaipu, INSS, Iapar, bancários, servidores da UEL e prefeitos da região de Maringá. É necessário, para qualquer categoria,
ter condições dignas de trabalho para um resultado confiável, de qualidade e com compromisso. Com o advento da internet dos anos 90 para cá, grandes jornais impressos estão sendo reduzidos, importantes profissionais de carreira, com salários maiores, são trocados por recém-formados e mesmo assim, protestos são raros. No mês de agosto deste ano, a CBN Curitiba se mobilizou e paralisou as atividades por um dia depois de uma denúncia de assédio sexual dentro da redação. Em setembro, os jornalistas do Grupo RBA de Comunicação – comandado pela família do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) – se manifestaram por uma semana reivindicando melhores salários. O maior jornal do Pará pagava uma média de R$ 1 mil por jornalista. No final, um reajuste de 30% foi concedido aos funcionários. Os jornalistas paraenses avisaram – e o recado cabe à toda a categoria brasileira – : “Conclamamos a todos os colegas de profissão, trabalhadores, estudantes, movimentos sociais e sindicais para que nos ajudem a ampliar nossa voz diante de todas as mazelas até aqui expostas”.
A greve sem precedentes da Folha estourou em um momento de efervescência.
autonomia desconstruç
Fanzine é uma publicação autêntica que expressa e critica as hipocri de garantir a liberdade de produção e circulação sem qualquer co
A
Angélica Miquelin
udácia de criatividade, tempo para produzir um bom conteúdo, opinião declarada, assuntos interessantes – trabalhar assim é o sonho de todo jornal, ou melhor, de todo jornalista. Há um tipo de publicação que proporciona e precisa dessas características para continuar sendo um veículo livre, sem amarras com um mercado de comunicação cada vez mais publicitário e menos crítico: o velho Fanzine. Fanzines surgiram na década de 30 nos Estados Unidos relacionados às publicações de ficção científica. O próprio nome se auto-explica: fanzine é a junção dos termos fanatic + magazine, ou seja, revista do fã. Tratase de um veículo de circulação de ideias que é produzido e editado por uma pessoa ou um grupo de pessoas unidas por um interesse, um gosto em comum. Não é periódico, os temas são escolhidos pelo editor e este tem total liberdade para publicar literalmente o que quiser. No livro O que é Fanzine, o autor Henrique Magalhães, divide as publicações em quatro grupos básicos:
Ficção Científica - Para os aficionados por esse gênero, a melhor safra de fanzines é a das décadas de 80/90. O sucesso do filme Star Wars (Guerra nas Estrelas) impulsionou a manifestação dos fãs que criaram várias publicações amadoras para promover o debate entre os fanáticos por Ficção Científica (FC). Há uma ligação entre os materiais de FC e os de Histórias em Quadrinhos (HQs). Ficção foi o primeiro fanzine brasileiro do gênero, começou a circular em outubro de 1965 e pertencia ao Clube Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Reymond, de Porto Alegre (RS).
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Quadrinhos - As HQs conquistaram e continuam conquistando muitos fãs pelo mundo. A FC está muito presente nas histórias que podem ser inspiradas em personagens do cinema ou servirem de inspiração para filmes do gênero. No Brasil os primeiros fanzines de HQ foram produzidos a partir da metade da década de 60. Ficção considerada a primeira publicação de FC também é a primeira fanedição1 de HQ brasileira. Entre 1983 e 1986 os fanzines de quadrinho atingiram seu auge e começou a se discutir o mercado para as HQs no país. Nesta fase várias publicações destacam os estúdios da Marvel e DC. No final da década de 80 os fanzines de quadrinhos entram em crise por problemas financeiros e pela falta de perspectiva de sucesso com o grande público. Gêneros Diversos - Nesta categoria entram fanzines que mesclam vários conteúdos: música, literatura, cinema, ecologia, quadrinhos, ficção científica, tecnologia, etc. Temas atuais que são ou não discutidos pela imprensa tradicional. Mesmo que o assunto já esteja pautado2 em outras mídias, o texto e o argumento do fanzineiro quase sempre vai fugir do senso comum. Isso porque a partir da influência do movimento punk o fanzine carrega um “ar de anarquismo”, de movimento contrário ao sistema. Mas não é regra, cada qual produz o conteúdo de acordo com a sua leitura de mundo.
da ção
isias da grande imprensa, além ompromisso com o mercado
Música - Os fanzines de música funcionam como principal veículo de divulgação de bandas. Foi com as publicações do movimento punk que o termo ganhou popularidade, o primeiro fanzine punk foi criado em 1976: Sniffing Glue (Cheirando Cola) editado pelo americano Mark Perry. Ele estimulava seus leitores a criarem suas próprias publicações para promover a divulgação da escrita punk. No Brasil o primeiro fanzine deste gênero foi o Manifesto Punk, editado por “Tatu” membro da banda carioca Coquetel Molotov. Em geral as publicações punks possuem um consistente conteúdo crítico influenciado pelo anarquismo e pelo lema: “faça você mesmo”. Os zines3 continuam muito presentes no universo punk.
1- Fanedição: fanzine editado, pronto. 2- Zines: para tirar a ideia de fã muitos fanzineiros chamam as publicações de zines 3- Pautado: significa que o assunto já foi ou vai ser abordado/discutido nos veículos de comunicação.
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Fanzine em Londrina
O jornalista Nelson Capucho afirma que Londrina já teve vários fanzines ligados ao rock, à poesia e as HQs, mas os nomes mais lembrados pelos entrevistados são os zines punks. Em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o jornalista Lucas de Godoy Chicarelli pesquisou a história da cultura punk em Londrina e a produção do zine Coletivo Cancrocítrico, publicado entre 1988 e 1993. O trabalho traz informações importantes sobre a história da produção de zines na cidade. Chicarelli afirma que o primeiro fanzine de Londrina foi o CUSP – Zine produzido por skatistas em 1985. Neste período também foram criadas outras publicações relacionadas à música como o Fuck Of editado por fãs de heavy metal. Em 1988 começa a circular o primeiro fanzine punk de Londrina, Utopia. A publicação que durou aproximadamente dois anos era editada por Rogério Ivano e Denoir Cibié. Ivano tinha 17 anos quando começou a produzir o zine - atualmente é professor do departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Em entrevista, o historiador contou que os principais temas presentes no Utopia eram: o
“É uma estética normal mente inusitad a, desal desajus inhada, t irrevere ada, n estimul te e que a a pen sar, a sair da sua zon confort a de o” Lucas d e Godoy Chicare lli, jorna lista
desencanto político, questões ecológicas, comportamento punk, anarquismo e a ideia de contestar o autoritarismo do Estado tratando de algumas questões como o voto e o alistamento militar obrigatório. Logo em seguida começa a circular o Coletivo Cancrocítrico, editado por Luis Eduardo da Silva, mais conhecido como Cientista. Em sua pesquisa, Chicarelli afirma que o objetivo deste zine era divulgar a ideologia punk e construir outra imagem do movimento. Mesmo sem periodicidade, Coletivo Cancrocítrico foi produzido durante cinco anos, um tempo relativamente longo dentro da efemeridade dos fanzines. No final da década de 80 outras publicações punks começam a circular em Londrina, alguns exemplos são os zines Proletários, Nação extinta, Punkadaria e Paradoxo. Em 1988, foi realizada a Expozine, primeira
Fotos: Wellington Victor
Andric, estudante de Ciências Sociais: “O zine assim como o visual é uma continuação da minha ideologia”
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exposição de fanzines em Londrina. Em 1989, houve o primeiro Fanzi-encontro (Encontro de Fanzineiros) na cidade. O segundo Fanzi-encontro foi realizado em 1992. Em 1993, foi criado o fanzine anarquista Gralha Negra, com a participação de alguns colaboradores do quase extinto Coletivo Cancrocítrico. Produção Atual É difícil catalogar todos os fanzines produzidos em uma determinada cidade, região ou país. Há zines com uma única edição, há zines que duram dois, três anos e uma das principais características deste gênero é o não compromisso com o tempo, ou seja, são produções totalmente sem periodicidade. Por não terem compromisso comercial os editores de fanzine podem parar de produzir a qualquer momento. É o que aconteceu cedo ou tarde com todas as publicações citadas. Nas pesquisas e entrevistas foi possível chegar a duas publicações que estão circulando hoje em Londrina, o zine em HQ O não-cotidiano de Juanita assinado por Guäxinarcho Ciklisttö e o fanzine Reviravolta editado pelo Monjenando. O não-cotidiano de Juanita é uma produção do estudante de Ciências Sociais Leonardo Andric Matocanovic que assina com o pseudônimo de Guäxinarcho Ciklisttö. Andric, como é chamado pelos amigos, teve o primeiro contato com o fanzine através da cultura punk em São Paulo. Em 2010, produziu seu primeiro zine intitulado Para as Barricadas. Ainda em São Paulo produziu a primeira e a segunda edição do zine Rebite Enferrujado. Em Londrina Andric fez uma edição única do zine Flor de Setembro em homenagem a um amigo que se foi. A história de Juanita começou a circular em agosto deste ano. Os zines produzidos por Andric são custeados por ele e distribuídos gratuitamente. Reviravolta produzido Segundo Capucho, pelo artista plástico/poeta Fernando Londrina (Monjenando) é “uma reciclagem estética das informações que circulam por aí”. A publicação tem participação de colaboradores e é financiada por empresas locais. O último número foi editado em julho deste ano e vendido na Concha Acústica no Dia do Rock. São dois exemplos que dão uma pequena ideia da pluralidade de conteúdos e da estética do fanzine como gênero. Este tipo de publicação tem uma alma, um corpo e uma perspicácia persuasiva que reflete a ideologia ou as ideologias de seus autores a cada frase, desenho ou montagem gráfica.
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or, um d a r olabo causa, c m a u “Sou atizante d guagem simp mira a lin eza a d pr que a nzines e m dos a u dos f de como is da a ta liberd undamen ” f e bens manidad nalista r hu ho, jo c u p n Ca Nelso “O j o estã rnal e o o f rela ção em con anzine e o . Tanto stant as n e pod forma otí e in t o qua fluenc do jorn cias n ia a tam to o fan r o fan l zin bém zi influ ne pod e e e Luca jorna lism nciar o s de o” God o y C jorn alist hicarel li, a
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Convergência entre o artesanal e o digital Na era da Photoshop usar tesoura para recortar figuras e textos de jornais e revistas para montar um jornalzinho com folhas de A4 dobradas ao meio, xerocar essas folhas e distribuir na rua parece bem trabalhoso. E é. Então por que não fazer uma montagem no computador e compartilhar no facebook? Porque não é a mesma coisa. Emerson Dias, jornalista e professor do departamento de Comunicação da UEL, acredita que “a herança mais importante que o zine deixou foi a ideia da é só um coletividade”, a coletividade de o ã n e in z n fa sentar com seus amigos e pensar “O rios em algum tema, de ter contato á v e d o ic s fí e recort fotos, físico, participar da produção e papéis, várias realmente manusear o ele poder , s re to u a e resultado. “Não é a colagem pela s texto te n colagem, é a reunião de ideias e é propositalm absurdas”, afirma. um recorte de Mas não tem jeito. O papel s to n e m está sendo substituído pelo a s n e vários p teclado e nem as publicações também.” mais tradicionais conseguem jornalista resistir à mudança para a Emerson Dias, plataforma digital. Rogério Ivano, historiador e ex-fanzineiro, não é partidário desta mudança; para ele, se o fanzine migra para outros suportes, “perde a essência, a questão manual, da oportunidade e das soluções que aparecem quando você está montando um fanzine”. Por outro lado, a internet pode ajudar no registro da história dos fanzines. Muitas publicações antigas estão sendo escaneados e disponibilizados na internet, o que facilita o acesso e a pesquisa deste material. Para o estudante Leonardo Andric Matocanovic, a nova geração de fanzineiros deve “utilizar esses meios que já estão disponíveis para suprir as próprias demandas”. Andric recorda que o portal anarcopunk.org disponibiliza as produções dos fanzineiros punks em PDF para facilitar o acesso e a troca de informações. O jornalista Lucas de Godoy Chicarelli acredita que o fanzine como formato já deixou sua marca registrada. Mudando de plataforma, ou não, este tipo de publicação entrou para a história da comunicação: “Vida longa aos fanzines e aos fanzineiros!” , conclui.
Emerson Dias com alguns exemplares da sua coleção de zines
Fanzines preservados O Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) possui um acervo de fanzines catalogados e disponíveis para a pesquisa. A coleção inclui produções locais e nacionais e é formada por doações de Luis Eduardo Da Silva (Cientista), Denoir Cibié e Rogério Ivano. O CDPH também está desenvolvendo um catálogo online para incentivar a pesquisa destes materiais.
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Para ler mais:
O que é fanzine - Henrique Magalhães Coletivo Cancrocítrico: O fanzine como mídia radical e de defesa da identidade punk em Londrina - Lucas de Godoy Chicarelli
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O CIRCO ESTÁ ARMADO. A PRINCIPAL ATRAÇÃO: A DESFAÇATEZ HUMANA
O
Luciano Schmeiske Pascoal
jornalismo é a profissão capaz de explicitar todas as facetas do ser humano. E o cinema conseguiu, diversas vezes, escancarar os aspectos mais sombrios da atuação jornalística. Uma das obras-primas desse gênero é o filme “A Montanha dos 7 Abutres” , dirigido por um dos maiores gênios da 7ª arte, Billy Wilder. E protagonizado por um dos últimos grandes atores vivos de Hollywood, Kirk Douglas, prestes a completar 97 anos de idade. O filme, de 1951, poderia ser considerado uma obra datada, já que mostra os bastidores da produção jornalística numa época em que não havia internet, celular ou câmeras digitais. Mas a ausência de valores éticos norteia toda a história da nossa profissão e se encontra em evidência nos mais diversos meios modernos de comunicação. O filme, assustadoramente atual, devia ser obrigatório na grade de todos os cursos de jornalismo. Vejamos porquê. Um repórter veterano e alcóolatra, Charles Tatum (Kirk Douglas), ou Chuck para os íntimos, tenta refazer sua desastrada carreira na pequena cidade de Albuquerque, no Novo México. O seu plano será encontrar um grande furo de reportagem para recuperar sua posição num grande jornal. Arrogante e prepotente, Tatum já tinha sido demitido 11 vezes pelos mais diversos motivos. Mas a oportunidade de mostrar suas garras demorou a chegar. Depois de 1 ano mofando no pequeno jornal, Tatum e um jovem repórter vão cobrir um festival de caça a cascavéis no deserto. No meio do caminho, a velha víbora se depara com acidente que pode mudar sua vida. Um homem que buscava relíquias fica preso numa caverna numa antiga cidade indígena localizada numa montanha que dá nome ao filme. Tatum se embrenha no buraco, localiza o infeliz, e traça um plano inescrupuloso: transformar o drama desse homem numa epopeia repleta de maldição, compaixão, esperança, sofrimento, enfim, sentimentos imprescindíveis para uma grande narrativa. Alguns diálogos são
memoráveis e parecem fazer parte da cartilha de muitas editorias que despejam e reproduzem diariamente na mídia imagens da hediondez humana. Tatum comenta seu plano ao jovem jornalista que o acompanha: “Você pega o jornal, lê sobre 84 homens ou 284 ou um milhão de homens, como na fome da China. Você lê mas logo esquece. Um homem é diferente. Você quer saber tudo sobre ele. É o interesse humano.” O mesmo interesse sinistro que leva milhões de pessoas a ler e a assistir histórias macabras e imagens chocantes. Ao perceber que o jovem companheiro não conseguiu compreender seu plano, Tatum dispara: “O que você aprendeu na Faculdade de Jornalismo? Propaganda?” E ainda, ao telefonar para seu editor deixa clara sua tática: “esqueça as cascavéis. Temos algo melhor aqui. Temos pássaros. Abutres. 7 deles. A maldição da Montanha dos 7 abutres.” Tatum toma conta da situação e, literalmente, arma um circo para cobrir o resgate do infeliz. A primeira manchete é emblemática: ANTIGA MALDIÇÃO CAI SOBRE HOMEM. Em alguns dias uma multidão de curiosos acampa em frente à montanha para acompanhar o resgate. O que se vê é a manipulação de intrigas e interesses, envolvendo a esposa do homem soterrado, políticos, polícia, comerciantes, imprensa, todos controlados pelo desonesto jornalista. No fundo Charles Tatum também se sentia enterrado naquele fim de mundo e num diálogo com outro jornalista sentencia: “Todos sairemos daqui, mas eu sairei com estilo.” O título original “Ace in the hole” pode ser traduzido como “Um Ás na manga”, a velha artimanha dos jogadores velhacos que escondem um trunfo para o momento decisivo de uma partida. Este tipo de trapaça é uma prática corriqueira em muitos setores da nossa imprensa que vivem chafurdando carniça, vasculhando a desgraça alheia, explorando a miséria humana para, na hora certa, atrair um público ávido e sedento pela bestialidade. O jornalismo alimentado o “interesse humano”.
FICHA TÉCNICA : Gênero: Drama / Direção: Billy Wilder / Roteiro: Billy Wilder, Lesser Samuels, Walter Newman / Elenco: Frances Dominguez, Frank Cady, Jan Sterling, John Berkes, Kirk Douglas, Lewis Martin, Porter Hall, Ray Teal, Richard Benedict, Robert Arthur / Produção: Billy Wilder / Fotografia: Charles Lang / Trilha Sonora: Hugo Friedhofer / Duração: 111 minutos.
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“Política e jornalismo são indissociáveis” Afirmação de Alberico Souza Cruz, ex-diretor de jornalismo da Rede Globo, não deixa incertezas em nenhum lado
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YVI LEÍSE
ornalismo político é um tópico de difícil abordagem e discussão. O Brasil já sofreu com o impeachment de um presidente; Londrina com duas cassações de prefeitos. Ambos os casos foram acompanhados pela mídia e sofreram influências de veículos de comunicação. Pensando nas origens da prática, o jornalista político de Londrina, Fábio Silveira lembra que o jornalismo funciona como um contrapoder com relação ao poder estabelecido. Para os liberais, ele seria o quarto poder; para Marx, o jornalismo seria a boca dos olhos do povo. Em resumo, sua função essencial é de ser um fiscalizador do poder político. Silveira acredita que o político procura um espaço no jornalismo para reforçar sua imagem: “O político tem esse interesse de acessar o campo jornalístico para parecer bem e ganhar votos. A cobertura da política é uma coisa que você está sempre tentando se equilibrar, porque a sobrevivência dos políticos passa por ter uma boa imagem na mídia”.
John B. Thompson, sociólogo que estuda a influência da mídia e da ideologia na formação das sociedades modernas, aborda em seu livro “O escândalo político – Poder e visibilidade na era da mídia” o conceito de escândalo político midiático (EPM). Para ele, o que está em discussão em um EPM é o capital simbólico do político, sobretudo sua reputação. Thompson afirma também que as batalhas políticas são travadas em grande parte na mídia. Nessas análises, percebe-se que a imprensa parte como grande influenciadora dos debates políticos e consegue esquentar ou esfriar escândalos de maneira imperceptível ao leitor esporádico. O momento em que todo esse domínio intelectual e político chega às mãos do jornalista, e ele percebe que o futuro de muitos deputados e vereadores está sendo tratado nas páginas do jornais, é que são tomadas decisões significativas. “O jornalista tem que tomar cuidado para não se tornar manobra do sistema político”, reforça Fábio Silveira.
Ex-prefeito e jornalista, Barbosa Neto
Fotos: Yvi Leíse
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Entenda o caso Belinati Antônio Belinati (PP) foi prefeito de Londrina três vezes: de 1977 a 1982, 1989 a 1992 e em 1996 foi eleito novamente. Em fevereiro de 1999 o Ministério Público iniciou a investigação de denúncia de superfaturamento em um contrato de capina e roçagem na Secretaria Municipal do Meio Ambiente (atual Sema, antes autarquia Ama). As investigações levaram a um esquema de fabricação de licitações na Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU, na época Comurb). As acusações em volta do ex-prefeito, o montante de dinheiro envolvido e seu poder político são incontáveis. Belinati foi acusado de desviar RS 123 milhões do Cogefi – fundo criado por ele para desenvolver projetos na cidade – e investir em campanhas eleitorais de parceiros como Jaime Lerner e Alex Canziani. O pepista chegou a ser preso em 2000, acusado de chefiar uma quadrilha responsável pelo desvio de R$200 milhões dos cofres públicos, além de acusações de superfaturamento de obras, compra de votos, desvio e promoção pessoal com o dinheiro público, fabricação de licitações fraudulentas, peculato, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Sua carreira política não parou mesmo depois da cassação, ocorrida em junho de 2000. Em 2004, Belinati perdeu a prefeitura de Londrina para Nedson Micheleti (PT), mas em 2008 conquistou novamente o cargo. O fator que o impediu de assumir foi que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou seu registro, visto que as contas referentes à sua última gestão foram reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Essa foi a última tentativa do ex-prefeito assumir um cargo na prefeitura da cidade; até agora. Prestes a completar 70 anos, Belinati passa a gozar do benefício da redução pela metade do prazo prescricional, podendo se livrar de cerca de 20 ações criminais que tramitam na Justiça. Jornal de Londrina 29/07/2012 - um dia antes do julgamento na Câmara de Vereadores
Glossário:
Folha de Londrina 31/07/2012 Confirmada a cassação
1 - Off (telejornalismo): texto gravado pelo repórter e coberto por imagens.
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2 - Cabeça (telejornalismo): texto lido pelo apresentador para “chamar” a reportagem. É a introdução do assunto antes da entrada
da reportagem.
Foto: Youtube
Autarquia de Belinati
Mais do que astúcia e coragem, a cobertura política também exige que o jornalista enfrente vários empecilhos. Um dos casos apresentados por Silveira é a diferença entre cobrir política local e a nacional. Na cobertura nacional o jornalista pode fazer uma crítica à presidente ou a algum ministro, mas dificilmente irá encontrá-lo na rua. Já em coberturas locais, as chances de a crítica ser rebatida pessoalmente pelo alvo é muito maior. Outro fator determinante para algumas emissoras, e uma prática anti-ética, é o valor pago por políticos aos órgãos de comunicação para que as notícias sejam sempre positivas. Esse fato não é recorrente na mídia, sendo sempre investigado quando há suspeitas. Fábio Silveira, quando cobria o caso Ama/Comurb, do ex-prefeito de Londrina Antônio Belinati (PP), enfrentou dificuldades para publicar uma série de matérias. “Fiz uma matéria sobre a evolução patrimonial da família Belinati, sobre o enriquecimento ser incompatível com a renda da família e demorei três meses para conseguir publicar a matéria. Tinha toda a apuração, todos os dados, mas demorou devido às pressões políticas da época”.
Cerco à imprensa
Jornalista e professor de comunicação, Luciano Pascoal não suportou por muito tempo a influência que Belinati exercia na imprensa local. Pascoal era apresentador e editor do telejornal da Rede Paranaense de Televisão (hoje Rede Paranaense de Comunicação), em 1999. A cidade enfrentava o maior escândalo político vivenciado com o caso
Luciano Pascoal no Paraná TV (1999)
Ama/Comurb e a Rede Globo não noticiava as investigações, pois conforme afirma Pascoal, a rede recebia propina do então prefeito. “Quando o repórter chegava da rua com a matéria, eu editava a matéria, mandava uma versão pra Curitiba e eles mandavam outra versão, ou outro off¹ pra eu gravar. As vezes o repórter fazia a cabeça² e ela caia. Basicamente, a gente dava uma outra história, ou camuflava a verdade”, conta Pascoal. As reportagens eram tão parciais que a população da cidade começou a perceber e reclamar do veículo. “Olha o pessoal comprado do Belinati. Olha o povo que não dá a notícia”, diziam as pessoas quando encontravam repórteres ou apresentadores da Rede Globo na rua. A situação explodiu para Pascoal quando, em meio a uma coletiva de membros do Ministério Público e pessoas envolvidas no caso, houve a confirmação de que havia um esquema de corrupção dentro da autarquia e acusavam o prefeito de saber do esquema. A matéria foi feita pelos jornalistas, enviada a Curitiba e o editor determinou que a Rede não iria noticiar o fato. “Terminou o jornal eu comecei a atender telefone de gente me xingando”, lembra o jornalista. Logo após o término da
apresentação do telejornal, Pascoal fez uma carta apontando sua indignação diante da situação e enviou a todas as filiais da Rede no Paraná. “Estou assinando minha carta de demissão”, comentou a um colega. De fato foi o que ocorreu. Assim que voltou das férias o apresentador foi chamado à sala do seu editor, e nunca mais frequentou a emissora. Depois da demissão, Pascoal enviou a carta à jornalista Carina Paccola, então diretora do Sindicato dos Jornalistas de Londrina. O documento foi reproduzido e Paccola elaborou um dossiê com recortes de jornal, rádio e televisão e enviou para a central da Rede Globo do Rio de Janeiro, explicando que era a única emissora que não estava denunciando o escândalo. Em menos de uma semana, a Globo fez uma intervenção em Curitiba e afastou o diretor de jornalismo da capital, Marcos Batista, e o diretor de Londrina, Mílton Cassitas. Uma equipe do interior de São Paulo passou a cobrir o caso até a cassação ser anunciada em rede nacional. Terminada parte da investigação, os envolvidos foram afastados de cargos que tinham. “Os autos do processo dizem que Belinati pagava 25 mil pra Globo para as
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Foto: Montagem internet
Montagem tirada do site “Paçoca com Cebola”
notícias não saírem, ou saírem da maneira que ele queria”, esclarece Pascoal. Além dos diretores de jornalismo, o diretor da Globo em Londrina, Evaldo de Melo, faturava mensalmente R$5 mil reais com o esquema. Todas as informações de valores encontram-se nos autos do processo. Pelo montante de dinheiro envolvido, é possível ver como era grande a influência do Belinati com os órgãos de imprensa. Para Fábio Silveira, se o caso estivesse ocorrendo hoje é provável que o ex-prefeito não tivesse tanto domínio assim dos veículos de comunicação: “Hoje se a imprensa não noticia, o Facebook vai lá e destroça. O Belinati não conseguiria ter esse controle da mídia hoje como teve em 1998/1999”.
CP de Barbosa Além de Belinati, Londrina presenciou outra cassação, em 2012, de Homero Barbosa Neto (PDT). Barbosa esteve envolvido na Comissão Processante da Centronic, acusado de pagar com dinheiro da prefeitura vigias para trabalharem em sua rádio particular. As denúncias contra ele se baseiam em improbidade administrativa e desvio de dinheiro pú-
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blico. As investigações do Ministé- da prefeitura. “A política pra mim rio Público, a pressão da Câmara foi um sacerdócio. Eu não me vendos Vereadores e da população di em nenhum momento como acontece com muitos que deixlevaram à sua cassação. Barbosa assumiu a prefeitura am tudo para disputar a eleição. depois de sair vencedor em um Nunca fiz rádio ou televisão como terceiro turno. Em 2008, quando um trampolim político; sempre Belinati teve sua candidatura cas- fiz da profissão que me formei o sada pelo TSE, foi realizada uma meu ganha-pão”, afirma Neto. Barbosa também crê que o jornova eleição entre Barbosa Neto e Luiz Carlos Hauly para eleger o nalista é um formador e influenprefeito da cidade. Barbosa Neto ciador de opinião. Ele acredita que saiu vencedor, mas foi cassado em seu processo sofreu influências de 30 de julho de 2012, antes de com- jornalistas locais e mídias como a internet. “Não tem pletar seu mandato. Horas antes de “O jornalista tem que como você exercer sua cassação, o juiz tomar cuidado para não neutralidade porque da 4ª Zona Eleitoral se tornar manobra do não existe neutralidade no jornalismo. deferiu a candidatusistema político” ra de Barbosa, per- Fábio Silveira, jornalista Os jornalistas acabam passando os mitindo que, mesmo cassado, pudesse concorrer às seus conceitos e valores, mesmo eleições no fim do ano. A cassação que não intencionalmente, e acafez com que Barbosa perdesse os bam influenciando as pessoas direitos políticos por oito anos, com a sua preferência”. Em agosto de 2013, o juiz da 1ª mas ainda assim, tentou novamente a prefeitura de Londrina Vara da Fazenda Pública de Lonsendo derrotado logo no primeiro drina condenou o ex-prefeito por improbidade administrativa, no turno. Além de político, Barbosa é caso da contratação do curso de jornalista e proprietário da Rá- formação da Guarda Municipal, dio Brasil Sul. Durante a sessão em 2010. Em outubro do mesmo de julgamento na Câmara dos ano, o ex-prefeito e os ex-secreVereadores, realizou sua própria tários municipais da Educação e defesa no processo. Mesmo assim, de Gestão Pública, Karin Sabec e o político diz não ter acompanha- Fábio Reali, foram condenados do a cobertura de sua cassação por por improbidade administrativa encontrar-se envolvido com os pela licitação para a compra de compromissos de sua empresa e kits de materiais escolares. Os
outros processos contra Barbosa continuam em análise. A principal diferença de Barbosa Neto e Belinati é o poder político e influências que cada prefeito tinha. Na época, o Belinati tinha a mulher como vice-governadora, o filho como deputado estadual e seu vice era deputado federal. Já Barbosa estava isolado e não conseguiu dialogar com a Câmara de Vereadores.
Marajás de Collor
Fernando Collor de Mello tem sua carreira política marcada por três grandes fatos: foi o presidente mais jovem da história do Brasil (assumiu o cargo com 40 anos), primeiro presidente eleito pelo voto direto após o regime militar e primeiro presidente a sofrer um impeachment. Collor vem de uma família de políticos e donos de meios de comunicação do estado de Alagoas. O pai é fundador da Organização Arnon de Mello, um dos maiores complexos na área de comunicação do norte e nordeste do país. O avô também foi político e jornalista, assim
como o irmão, Pedro Collor de Mello. Durante sua campanha, Collor construiu um discurso de combate aos funcionários públicos que recebiam salários altos e desproporcionais, ficando conhecido na mídia como “O caçador de marajás”. No ano de 1989, são realizadas as primeiras eleições diretas no país após o período do regime militar (de 1964 a 1985). Os candidatos que disputam o segundo turno são Pedro Collor de Mello (PRN) e Luis Inácio Lula da Silva (PT). O debate realizado entre os candidatos na Rede Globo foi tendencioso e ajudou a eleição de Collor. Em 2011, após 22 anos do debate, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, diretor da TV Globo, assumiu que o corte de imagens e a produção do debate foram manipuladas para benefício de Collor. Em 1991, várias denúncias de irregularidades rondavam o então presidente da República. Em maio do ano seguinte, o irmão do presidente, Pedro Collor de Mello revela o esquema de corrupção envolvendo e o ex-tesoureiro da campanha, Paulo César Farias. Em 27 de maio uma Comissão Parlamentar de Inquérito é
instaurada e em outubro o processo de impeachment é aberto na Câmara dos Deputados, motivado pelo movimento das ruas dos Caras-pintadas. Collor renuncia antes que a Câmara impugne seu mandato como presidente. O jornalista Mário Sergio Conti é quem delineia a relação de Collor com os órgãos da imprensa, realizando 141 entrevistas com personalidades dos meios de comunicação da época. O resultado do trabalho é o livro Notícias do Planalto, lançado em 1999. Basicamente, o livro busca mostrar como agem os jornalistas, que relações eles criam com o poder político e como funciona a grande imprensa. A vida jornalística e política de Collor é apresentada nos mínimos detalhes, envolvendo grandes órgãos de comunicação e grandes influenciadores de opinião. O relacionamento de Collor com ex-presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, e com o diretor de redação da revista Veja, José Roberto Guzzo, dentre outros são apontados com muito cuidado pelo autor. A leitura é imprescindível se o desejo é entender mais sobre a mídia e política brasileira.
Para ler mais:
Imprensa e Política : O caso Belinati - Fábio Silveira (Ediota Humanidades, 2001)
Notícias do Planalto - Mário Sérgio Conti (Companhia das Letras, 1ª edição, 1999)
O escândalo político – Poder e visibilidade na era da mídia John B. Thompson (Vozes, 1ª edição, 2002)
Avenida Saul Elkind
Uma guerra
De um lado a grande imprensa comercial com anĂşncios lucrativos e linhas editoriais bem especĂficas,
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(quase) declarada
e do outro, o jornalismo popular, que quer dar voz ao povo, mas ainda carece de forรงa Por Mateus Dinali Fotos: Mateus Dinali
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C
á estamos nós, na pequena Londres, ou ainda A Capital do Café, com seus, 537.566 habitantes (IBGE/ 2013), colocando Londrina nopostodesegundacidademaispopulosadoParaná,eaquartado Sul do Brasil. Aos olhos de um comunicador, mais precisamente de um jornalista, são mais de meio milhão de pessoas para informar, tarefa árdua, que demanda equipes de reportagem, empresas de impressão gráfica, estúdios de gravação, grandes investimentos
que paguem salários e gastos, muita investigação e apuração, e por aí vai. Espalhados por zonas norte, sul, leste e oeste, além do movimentado centro, será que duas grandes empresas jornalísticas de jornal impresso dão conta dessa tarefa? Aliás, será que a “grande” imprensa realmente se preocupa em alcançar toda a pequena Londres? Quem tenta ajudar nessa tarefa (que nem sempre é cumprida) é o jornalismo popular, exercido tanto por jornalistas quanto por pessoas com outras formações.
Cachorro pequeno não tem vez Há dez anos era criada a Folha Norte, jornal que atendia a população da zona norte, produzido pela equipe da Folha de Londrina. Há dois anos, porém, por ser um produto gratuito e não atender aos novos interesses da empresa, a Folha Norte foi encerrada. O jornal era muito querido pela comunidade do norte londrinense, valorizava a região, tinhas pautas populares que cativavam a comunidade, e, além disso, era de graça. “A Folha de Londrina queria um novo produto, mais popular, com outra linguagem, um pouco mais abrangente, com pautas que atendessem a demanda de um público que não lia jornal”, explica Luciano Augusto, editorchefe do jornal, que busca informar seus leitores com uma linguagem irônica e bem humorada. O novo “produto”, assim chamado por Luciano Augusto (o editor-chefe), recebeu o nome de Nosso Dia, e é vendido nos sinaleiros por de R$0,50, além dos 400 pontos de venda espalhados pela cidade, como mercados, lojas, padarias, lanchonetes, bares e as tradicionais, porém escassas, bancas de jornal. Segundo Augusto, a Folha de Londrina é um jornal mais elitizado, com uma linguagem mais complicada e pautas mais complexas. O Nosso Dia entrou com editorias de polícia, futebol e fofoca com títulos como “Tesão da véia”,
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“Polícia na cola”, “Roubo a banco zicado”, “Tá solitário?”, entre outros exemplos de liberdade textual e informalidades no jornalismo. “Por que não manter o Folha Norte, apenas adaptando-o ao padrão Nosso Dia?”, perguntamos. De acordo com Augusto, a Folha de Londrina queria desvincular o novo produto da imagem do Folha Norte, que seguia o modelo tradicional da Folha de Londrina, porém com pautas mais populares. “E os R$0,50? Só um preço simbólico?” Luciano diz que não: “Nós fizemos uma pesquisa antes né, e o que a gente percebeu foi que as pessoas gostam de pagar, pois dá impressão de estarem comprando um produto com mais qualidade. Mas ao mesmo tempo deve ter um valor acessível, daí os 50 centavos”. Mesmo que o lucro não seja grandioso, Augusto conta que a empresa ainda tem a preocupação de aumentar o número de pontos de venda. Com o posto de “jornal do norte” vago, o Instituto Origem, grupo de jornalistas de Londrina que produzem publicações empresariais, aproveitou o espaço e lançou a Folha Nova Norte com o mesmo intuito: dar voz ao povo do norte, com participação massiva da população na escolha de pautas, e levantar a autoestima dessa população que vive alheia às pautas abordadas pela Folha
de Londrina e pelo Jornal de Londrina. Porém, “o preço é sempre pouco para quem recebe e muito para quem paga”, afirma Mahoko Kasuya, superintendente do Instituto Origem, que está se desfazendo por falta de dinheiro para manter a Folha Nova Norte. A população gostou, era ativa no envio de pautas, e amava dar entrevistas ao jornal, ver-se nas fotos e textos, mas não só de fama vive uma empresa. O jornal era gratuito e, mesmo com os lucros dos outros produtos feitos pelo Instituto (revistas do Banco Cicob, Plaenge, Citroen e Unimed), os lucros não foram suficientes para manter a Folha Nova Norte, que também não tinha muitos anúncios. “Não distribuíamos só na região Norte, eram 5 mil exemplares por lá, e outros 5 mil em outras regiões, com uma equipe de 20 jornalistas e uma boa participação da população. Mas o jornal não aguentou”, diz Kasuya. E assim, depois de 50 edições, mais um jornal é fechado. “Quando você vira jornalista, você ganha R$2,6 mil. Mas quando você vira empresário, tem que desembolsar R$50 mil para pagar todos os jornalistas e as outras contas. E aí? De onde você tira? Às vezes os anúncios cobrem os gastos, ou alguns investimentos sustentam o jornal, mas é difícil brigar com os grandes”, desabafa Kasuya, mostrando o espaço onde era feito o jornal, vazio.
O Novo Estado de José
José Faraco
Não. Não é Estado Novo, é Novo Estado mesmo, um movimento criado por José Novaes Faraco, ex-secretário do meio ambiente de Londrina, que tem, inclusive, com seu próprio jornal impresso. Nada de ditadura ou algo do tipo, mas um conjunto de associados que se diz interessado em abrir os olhos da população de Londrina e região quanto a seus órgãos públicos. O jornal do movimento não tem fins lucrativos, possui um ou outro anúncio que, segundo Faraco, são deficitários, e uma intenção clara e direta de apontar cada falha ou ato corrupto do Estado ou de seus membros. “Eu já fui assessor do Requião, e enquanto estava lá, vi que o Estado poderia fazer mais por Londrina. Aqui na prefeitura, vi que ele faz muito menos”, opina Faraco. Para ele, o movimento é um meio de defender a população carente de informação, e acaba por prestar o serviço de defensoria pública às pessoas, mostrando-lhes a realidade política de sua cidade, não só Londrina como também das cidades vizinhas que recebem o jornal, como Bela Vista do Paraíso e Tamarana. Na busca por dar voz aos cidadãos, Faraco diz que o movimento não é ideológico, e nem tem por objetivo tão somente fazer denúncias, mas priorizar os interesses de Londrina, o que não é feito pela grande imprensa da cidade, “O JL? É do mesmo dono da Gazeta do povo, que é de Curitiba. A Folha de Londrina? Os donos também são de Curitiba. Então os dois jornais acabam refletindo os interesses de lá, mas a população não percebe. Não temos uma rede local realmente”. “Faraco, pode-se dizer que o Novo Estado é um movimento de oposição?”, “Não”, respondeu prontamente Faraco: “O movimento procura agir onde o Estado não age. Por termos uma independência editorial, não temos a preocupação de seguir uma ideologia. Temos essa independência, mas não somos oposição. Poderíamos falar bem de alguma coisa boa quando fosse feita, mas muita gente fala bem, não precisa de mais”.
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Maria Salete Corrêa Carvallho à direita
Maria e a Rádio Cincão No dia 27 de maio de 2005 era inaugurada a rádio de nome Cincão, apelido carinhoso dado pelos londrinenses ao Cinco Conjuntos. Dez sócios se juntaram e colocaram a rádio no ar que, hoje, ocupa o posto de única rádio comunitária da cidade. O espaço é improvisado. Uma pequena sala concentra computadores, escritório administrativo, cozinha com mesa para refeições e pia, e um banheiro. No final de um corredor, o estúdio de gravação dos programas. No início, a rádio começou na clandestinidade, pois não conseguiu licença para continuar operando. Resultado: após denúncia da Anatel, a rádio foi lacrada e os equipamentos apreendidos. Sem desistir o grupo de associados comprou tudo de novo e colocou a rádio de novo no ar, em 2004, já amparada pela lei. Maria Salete Corrêa Carvalho é a presidente
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da rádio, única mulher entre os três sócios que sobraram na administração: José Maria, Tito Vale e Manoel Antônio. Formada no curso de Estudos Sociais em História pela Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina – Tubarão), Carvalho é a defensora mor de toda a luta travada para manter a rádio comunitária funcionando. “É muita batalha né, muita burocracia, e por não ser uma rádio comercial, e sim uma rádio comunitária, a gente só pode ir ao ar em Londrina e região. Só vai mais longe se não tiver barreiras. É lei”, conta Carvalho. Com muito orgulho, Carvalho diz que a Rádio Cincão é a única comunitária na cidade, e apesar de fazer anúncios, cobra preços que condizem com o caráter cultural e comunitário da rádio, que não tem nem chance contra as grandes rádios de cunho comercial, mas tem conseguido se sustentar com o apoio cultural.
Para Carvalho, a rádio ainda não fechou por ser dinâmica e ter grande aceitação do público. A programação possui programas como o Sertanejo bom demais, o Túnel do tempo com músicas da Jovem Guarda, o Debate, sempre trazendo convidados, a hora dos aniversários e outras comemorações que tornam a rádio mais próxima do ouvinte, o Espaço da criança, a Mensagem do dia e o programa Saúde e Educação, apresentado por Maria Carvalho, que se arrisca na locução, “você é jornalista Maria?”, “Não, mas a gente tenta, né?”. Orgulhosa por ter a confiança dos patrões, ser a presidente da rádio e apresentadora de um programa, Carvalho não mede esforços na hora de gastar tudo que aprendeu como professora e dar dicas sobre saúde e educação em seu programa, tentando honrar o slogan da Cincão Fm, A rádio que fala a nossa língua.
“Quem não paga, não faz programa” Logicamente a história entre Maria e a Rádio Cincão é belíssima, sendo contada pela própria protagonista. Mas algumas histórias guardam detalhes contraditórios que nem sempre são revelados. Será mesmo a Rádio Cincão uma rádio comunitária? O que vem a ser o jornalismo comunitário? De acordo com o dicionário, é aquilo que é vivido em comunidade, comum a todos que vivem na comunidade. Segundo Guilherme Lima, jornalista pós-graduado pela UEL, não, a Rádio Cincão não pratica de fato o jornalismo comunitário. “Lá, quem não paga, não faz programa, e de acordo com a legislação, eles não podem cobrar, podem no máximo receber um apoio cultural para pagar as contas”, afirma Lima, em entrevista e em sua pesquisa de pós-graduação. Lima explica que uma rádio comunitária deve estimular a participação da comunidade na elaboração da rádio, ou seja, se qualquer pessoa quiser apresentar um programa na rádio, ela não só deveria ter esse direito como também deveria ser incentivada a participar, sendo uma atividade cultural da comunidade.
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Foto: Bruna Ferrari
Manifestação em Londrina/PR - Junho de 2013
JORNALISMO E MOVIMENTOS SOCIAIS “Vândalos”, “invasores”, “baderneiros”: é assim que a mídia tradicional brasileira se refere aos manifestantes que saem às ruas ou ocupam terras improdutivas, empunham bandeiras e defendem suas ideologias Fiama Heloisa Santos
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grande mídia brasileira deturpa o movimento porque ela representa interesses de classes que não são os mesmos dos movimentos sociais. Não só no Brasil, como em outros países, a mídia tem a função de disseminar uma ideologia específica. Aqui é de criminalização dos movimentos sociais”. A declaração é da cientista política Mariana Lopes que explica que o retrato que vemos na mídia nada mais é do que um antigo conceito
já discutido por Karl Marx: a luta de classes. Para fazer essa representação pejorativa, os meios de comunicação apresentam a notícia de forma incompleta, tendendo a generalizar os fatos. A parte torna-se o todo, escolhe-se apenas um aspecto da situação e trata-se aquilo como se fosse a situação completa. Apesar de toda essa deturpação do real, a cientista política destaca que a mídia “não é mentirosa [...] é ideológica”. E é para abordar o “outro lado da história”, conhecer
Feministas “radicais” Um movimento novo por uma luta antiga: a igualdade de gênero. Mas as reivindicações do Movimento Mulheres em Luta (MML) não param por aí, aliam o feminismo classista (em defesa das mulheres trabalhadoras) e o socialismo. A organização surgiu, nacionalmente, em 2008, quando mulheres ligadas a CSP/Conlutas (Central Sindical e Popular) identificaram a falta de representatividade feminina em diversos espaços. Em Londrina, o movimento foi organizado há dois meses apesar do desejo de criação já ser antigo, como conta a educadora social, jornalista e uma das articuladoras, Ana Martinez Soranso. “Aqui em Londrina a gente tenta construir ele [o MML] desde o fim do ano passado. O que a gente conseguiu fazer foi chamar um ato no 8 de março com todas as frentes feministas e agora em outubro, como vai ser o Primeiro Encontro Nacional, achamos interessante não ir apenas um pequeno grupo que conhece o MML e tem vontade de criar. Resolvemos, então, convidar pessoas para construir o MML aqui”.
as demais ideologias, que essa matéria apresenta quatro movimentos sociais locais e suas relações com a comunicação. A visão que a mídia tradicional tem deles, já conhecemos; mas como será que eles se apropriam dos meios de comunicação quando possuem a chance de contar, por si mesmos, a história? Desde um movimento com mais de 30 anos de existência até o que está começando a se estruturar, é possível perceber a importância desses grupos como ferramenta de intervenção e mudança na estrutura social. Vamos lá:
Ações Um diferencial do movimento é a defesa do feminismo com um recorte de classe. Ana Soranso destaca que no feminismo tradicional existem momentos em que as mulheres de todas as classes lutam juntas, mas também existem situações em que a mulher burguesa explora a mulher trabalhadora. “Então a mulher trabalhadora além de ser oprimida pela questão do gênero, ela também é explorada por ser trabalhadora. E dentro da categoria dos trabalhadores, ela é mais explorada ainda cumprindo jornada dupla, jornada tripla”. O MML – Londrina tem buscado contribuir com esse tipo de discussão. No domingo em que ocorreu essa entrevista, por exemplo, estava sendo realizado um fim de semana cultural: no sábado (21 de setembro) houve cine-debate com o filme “Pão e Rosas” (Ken Loach) e no domingo (22 de setembro), um sarau em que grupos de apoio ao movimento se apresentaram. Ana explica que a ação de domingo tem a intenção também de contribuir com a campanha financeira que o movimento está fazendo para financiar a viagem de alguns integrantes do MML – Londrina para participar do Primeiro Encontro Nacional. Comunicações “O Facebook tem sido a ferramenta mais prática e ágil”, declara Ana Soranso ao comentar sobre a forma de comunicação do grupo. As militantes criaram uma funpage do movimento, para divulgação das atividades, e um grupo fechado para os organizadores. Nacionalmente, o MML possui um blog, que apresenta desde a história de formação do movimento
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até indicações de leituras teóricas sobre a questão feminista. Lá também é possível encontrar os Boletins Eletrônicos e os Informativos, que envolvem as atividades do movimento e a discussão de temas ligados a ele. Como explica Ana, para cuidar da manutenção desse blog há uma equipe específica e os grupos regionais contribuem enviando materiais informativos de suas respectivas regiões. “A ideia é, mais pra frente, a gente conseguir construir um blog, assim como tem o blog da nacional”.
Palco de asfalto Quem disse que a rua não pode virar palco? Seja pelo Calçadão, nas praças ou na periferia, o trabalho do Movimento dos Artistas de Rua de Londrina (MARL) tem provado que a arte pode chegar a qualquer lugar. Não é preciso palco italiano, poltronas ou cortinas luxuosas, o artista de rua precisa é estar preparado para os desafios. “(Na rua) A gente está suscetível aos mais variados estímulos: é o bêbado da praça, o pastor que está orando, a caixa de som passando. [...] É preciso trazer também esse ruídos pra dentro da peça, se aproveitar desses improvisos a seu favor.” A afirmação é do ator, palhaço, produtor cultural, relações públicas e militante do MARL, Danilo Lagoeiro. Integrante do movimento desde a sua fundação, no início de 2012, e envolvido com o teatro desde 2008 (pela Companhia Teatro de Garagem), ele destaca que, apesar das dificuldades impostas pelo palco improvisado, atuar na rua é estimulante e acaba se tornando um “vício”. “Na rua, você consegue uma relação singular com o público que acaba sendo muito estimulante para o ator. Quem faz teatro de rua não deixa de fazer jamais”. O MARL reúne artistas de todas as áreas (teatro, maracatu, artesanato, hip-hop, grafite) que desenvolvem o seu trabalho em espaços públicos. É também um dos articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua, movimento nacional que defende, principalmente, o incentivo direto das políticas públicas nas práticas culturais e o livre uso dos espaços públicos abertos. Ações O militante Danilo Lagoeiro divide as ações do movimento em duas frentes: político-jurídico e artísticocultural. A primeira é responsável por negociar com o governo municipal a aprovação de uma lei geral do artista de rua para Londrina (não ser mais necessário pedir autorização e pagar pelo uso do espaço público). Já a segunda, envolve ações práticas do movimento. Nas intervenções realizadas no ano passado, detectouse a necessidade de descentralizar a cultura na cidade. Buscando atingir os bairros e periferias, integrantes do 1 - Fonte: No jornalismo, são pessoas, entidades e/ou documentos que fornecem informações.
MARL passavam um dia nesses locais fechando as ruas para a realização de apresentações culturais. Este ano, foi realizada uma mostra do movimento com atividades nas ruas e em espaços culturais fechados, como o sarau (até agora foram dois saraus: um no dia 30 de junho e outro no dia 29 de setembro). Comunicações “Inevitavelmente, hoje em dia a comunicação é importante como estratégia para qualquer movimento social”, reconhece Danilo Lagoeiro. Ele explica que essa é uma demanda vinda da própria Rede Brasileira de Teatro de Rua, por isso o movimento aplica alguns dos artifícios já utilizados pela Rede. O MARL possui um blog, no qual divulga suas principais ações. Para a comunicação interna de seus articuladores, utiliza-se de um grupo de e-mails, para trocar informações e realizam alguns debates. Também faz assessoria de imprensa, produzindo releases que são enviados à imprensa e cartazes digitais para divulgação no meio online. Nas ações nas periferias, foram realizadas panfletagens e uma iniciativa denominada “TV de Rua” (uma equipe acompanhava as atividades culturais e ficava responsável pelo registro áudiovisual, mas a intenção é retratar o bairro e não apenas o espetáculo. Então, conversava-se com os moradores e, no fim da tarde, as imagens eram exibidas no datashow com edição em tempo real).
Não há divisão específica de funções; as pessoas ajudam de acordo com suas habilidades e possibilidades. Sobre o relacionamento com a mídia, Lagoeiro destaca que é sempre complicado considerando que o próprio processo de comunicação humana é muito complexo. Eles já foram retratados tanto de forma equivocada, quanto de forma positiva. Quando questionado se seria ele um portavoz do movimento – já que o militante é uma fonte¹ recorrente em diversas matérias que abordam o tema do artista de rua, ele nega mas admite que seu contato com os jornalistas é constante devido ao trabalho de assessoria. “Por outro lado, isso revela também um comportamento tradicional da imprensa local e privada, de um modo geral, que é o vício das fontes”, critica.
Os “baderneiros” Com dez anos de história, o Comitê pelo Passe Livre, Redução da Tarifa e Estatização do Transporte Coletivo em Londrina reúne estudantes e trabalhadores que defendem o fim da exploração do transporte por empresas privadas. O movimento é conhecido na cidade por suas diversas atividades como panfletagem, debates e manifestações. No último dia 7 de setembro, seus integrantes participaram do tradicional Grito dos Excluídos, junto com outros movimentos sociais de Londrina. Foi neste cenário, em uma manhã abafada de sábado, que a assistente social Ana Ruzisck, militante do Passe Livre de Londrina há três anos, conversou comigo e contou sobre a relação do movimento com a comunicação, entre outros assuntos. Ela definiu o Comitê como uma frente de luta que trabalha através de decisões coletivas. Não há um número exato de militantes, isso varia de acordo com o momento. As reuniões organizativas também não tem dia certo para ocorrer, mas elas são convocadas sempre que é preciso preparar-se para um ato. São nesses encontros que as decisões são tomadas em forma de assembleia: quem está presente vota e decide as ações futuras. Para organizar o ato do dia 7, o Comitê convocou reuniões organizativas. Ao todo, foram três encontros: dois apenas com integrantes do movimento e uma reunião geral, juntamente com os demais movimentos sociais que participaram do ato. Comunicação interna e externa O Comitê utiliza diversos canais para a comunicação, tais como: internet, jornal, boletim, panfletos informativos. No caso da internet, há um grupo fechado no Facebook para articulação interna dos militantes e um perfil público, que é usado para divulgar os convites feitos a toda comunidade. Outro material em destaque são os boletins. “Toda atividade que a gente vai tem um boletim informando porque a gente está ali”. Não há uma equipe específica de comunicação. Todo o trabalho é realizado de maneira colaborativa, de forma que os próprios militantes produzem os materiais. Muitas vezes, a solução para a publicação acaba sendo a popular xerox. A produção mais ampla do Comitê é a do jornal Manifeste-se. Sua última edição foi publicada em 2011 e distribuída em uma manifestação no terminal central contra a demissão dos cobradores. “Sempre que possível, sempre que o financiamento dá e sempre que
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achamos necessário, a gente faz um esforço maior pra fazer um material mais elaborado”. Internet Apesar de a internet ser uma importante ferramenta para a divulgação das atividades do grupo, as reuniões presenciais são indispensáveis. A militante Ana Ruzisck explica que, para a organização de qualquer ato, elas são convocadas, pois o espaço virtual não possibilita o verdadeiro debate e acomoda as pessoas. “[A internet] facilita na própria comunicação, mas ela desorganiza no sentido de que as pessoas deixam de ir numa reunião presencial porque acham que não é importante. Então a gente utiliza muito para divulgar, mas a gente não abre mão da reunião presencial porque o movimento é na rua, né?”.
Os “invasores” “Lutar pela terra, por Reforma Agrária e por uma sociedade mais justa e fraterna”. É em torno desses três objetivos que se organiza um dos maiores – e quem sabe mais polêmicos – movimentos sociais do país, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O movimento, que já possui mais de 30 anos de história, se organiza em 24 estados brasileiros, estruturado em direção regional, estadual e nacional. Dentro dos assentamentos, as famílias se organizam por Núcleos de Base (NB) e Brigadas (cada dez famílias formam um núcleo de base e cada cinco NB formam uma brigada). Também há a divisão dos setores de atuação - como o setor de Educação, Comunicação e Cultura, Formação -, sendo que cada núcleo tem que ter ao menos um representante nas diversas ações. Para falar de como toda essa organização aplicase à comunicação do movimento, conversei com o professor de Jornalismo da UEL, Manoel Dourado Bastos, e a assistente social Jovana Cestille, ambos militantes do MST e, no caso de Jovana, moradora de um assentamento – Eli Vive – em Lerrovile, distrito de Londrina. Ela também é uma das responsáveis pela frente de comunicação do assentamento em que mora.
de materiais próprios que se dirigem para os militantes como as rádios comunitárias. Já a externa, trata-se da comunicação feita através do site, do jornal e da assessoria do movimento, com informações dirigidas aos não integrantes. No caso do assentamento Eli Vive de Lerroville, há uma rádio comunitária, que ainda não funciona como o planejado, e também uma equipe que desenvolve o trabalho de assessoria de imprensa. “Sempre que tem alguma atividade a gente faz o release , envia para a imprensa, recepciona a imprensa que chega, decide quem vai ser o porta-voz, quem serão as outras fontes que poderão ser entrevistadas”, esclarece Jovana
Comunicação no MST Como explica Manoel Dourado Bastos, nos assentamentos a ideia de comunicação não é igual à ideia tradicional. Os moradores desenvolvem uma comunicação propriamente popular e comunitária, com participação dos militantes na produção de conteúdos. Mas isso se refere à comunicação interna do movimento, já que podemos considerar que a sua frente comunicativa se divide em duas: interna e externa. Interna é a sua parte popular, com a produção 2 - Material jornalístico distribuído à imprensa, que contém informações de interesse da empresa ou órgão que está sendo assessorado. Sua função é a divulgação, sugestão do assunto para possíveis matérias.
Cestille. Desde 2004, o movimento nacional começou um projeto para desenvolver de forma mais efetiva a assessoria de imprensa em seus assentamentos. “Até então, a gente tinha algumas pessoas que respondiam a imprensa e fazia recortes de jornal, mas não era um trabalho específico. A partir desse projeto, foram contratados jornalistas, em estados que tinham ações com relação maior com a imprensa” e, então, o trabalho se desenvolveu. Ainda segundo ela, no Eli Vive a maior parte das informações são repassadas via coordenação: todo sábado de manhã, às 8h, os responsáveis de cada
setor se reúnem para discutir os assuntos. Às 14h, tem reunião dos líderes com seus respectivos setores, que também discutem suas pautas e repassam os informes. Às 16h, é a reunião dos Núcleos de Base e das Brigadas, alternadamente, quando os representantes dos setores repassam as informações para as famílias. A rádio comunitária no assentamento funciona das 8h às 20h, a maior parte do tempo reproduzindo música. A intenção é desenvolver mais programas que apresentem entretenimento, músicas tradicionais, informações internas, discussões importantes feitas pelo movimento e a questão cultural, propiciando o acesso a produções alternativas. Há uma “preocupação de ampliar o repertório musical tanto de quem tá no dia a dia da rádio como das famílias. Muitas pessoas não conhecem MPB, tem preconceito com rap, com hiphop”, comenta Jovana. Nacionalmente, o movimento organiza a sua comunicação com base no Jornal Sem Terra e também através do site. O jornal, publicado mensalmente, “tem um editorial que é de acordo com a conjuntura nacional, tem matérias sobre agroecologia, educação, temas que interessam para o movimento e a parte central dele são as notícias enviadas de cada estado”, informa Jovana. Também tem um encarte – Jornal sem terrinha – voltado para as crianças. O movimento já produziu uma revista – Revista Sem Terra -, mas por problemas financeiros ela não é mais editada. Com relação ao site, geralmente, as produções regionais e estaduais de informação são adequadas e utilizadas no espaço online. MST e a Mídia tradicional “Manoel, você que é da área de comunicação e militante do MST, não tem como vocês fazerem um trabalho para melhorar a imagem do movimento na mídia?”, perguntou inocentemente um colega de Manoel Dourado Bastos ao saber de sua militância política no MST. “É claro que não”, responde ele. “Estamos em polos opostos”, enfatiza. A difícil relação com os meios de comunicação tradicionais é decorrência justamente, explica o professor, da ligação, direta ou indireta, com aqueles que constituem o poder da terra no Brasil hoje: o agronegócio e o latifúndio. Apesar disso, o professor ressalta que o movimento não se nega em falar com a mídia, mas consegue manter uma relação afastada “porque é capaz de produzir a própria comunicação com algum distanciamento da forma hegemônica”. Jovana Cestille, ao comentar o assunto, confessa que já houve um tempo em que o assentamento londrinense se negava a falar com determinados veículos locais, por problemas na transmissão da mensagem. Porém, depois que o movimento passou a ter uma assessoria organizada refletiu-se mais sobre o assunto e chegouse a conclusão de que “por mais que a gente sabe que a mídia não vai dar a notícia do jeito que a gente gostaria que fosse, não podemos nos negar a falar o que nos interessa”.
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O suicídio do regime militar
E
Marcia Neme Buzalaf
m uma sexta-feira 13, de dvezembro seu culto ecumênico, cardeal dom Paulo Evaristo de 1968, o então ditador Costa e Arns e o rabino Henry Sobel, entre tantos, inclusive Silva decretou o Ato Institucional o próprio diretor, amigo de Vlado. n° 5, que acabou com o restinho de As falas colaboram para percepções e direito do povo brasileiro. Vladimir questionamentos sobre o período como a Herzog, jornalista e cineasta de generalização de que, quem não apoiava, era contra origem iugoslava, retornaria ao Brasil no dia o regime, a fácil adjetivação de “comunistas”, os 15, domingo, após um curso na BBC de Londres. diferentes tipos de tortura, o limite nas sessões de Antes, foi para Roma rever um amigo e, lá mesmo, horror e até o cheiro da dor. leu em um jornal italiano a notícia sobre o AI-5. Aí está o mérito de quase 1h30 de filme. Vlado demorou mais uma semana para voltar. Ao Andrade consegue mostrar um pouco do ambiente chegar, viu o agravamento da violência do regime das redações durante o período, as condições militar, que só começaria a afrouxar o de produção, as intervenções, os cabresto após seu assassinato, quase “O DOI-CODI era grupos sociais, os estereótipos, as seis anos depois. um capuz (...). Era o violências, e claro, o medo pairado. Preso em um sábado de manhã, dia Das tantas produções que lidam com 25 de outubro de 1975, para “prestar cheiro deste capuz.” o tema, Vlado é das mais passionais, Paulo Markun depoimento”, Vlado foi torturado mas padece de uma fragilidade e assassinado em poucas horas. À nas discussões importantes, que noite, uma nota oficial informava que ele havia se são apresentadas em um roteiro estranho com suicidado. elementos sem ligação. O peso da morte do O documentário de João Batista de Andrade, jornalista deveria constar nas linhas do tempo de Vlado – 30 anos depois (2005), não fala da vida do qualquer aula sobre a ditadura, justamente pelo jornalista; escolhe sua morte como fato principal e impasse que o fato instituiu e pelo que expôs sobre situa sua história junto com a de seus pares, que a violência no país. Só fica difícil afirmar, como nos também sofreram diferentes formas de violência primeiros minutos de exibição deste documentário, naquele outubro de prisões. Participam, com que “Vlado se torna, assim, um símbolo da luta depoimentos, a esposa Clarice Herzog, os amigos democrática no Brasil”. Ele, não; seu brutal e Paulo Markun, Rodolfo Konder, Rose Nogueira, inesperado assassinato, sim. Esperemos, ansiosos, Sergio Gomes, Frederico Pessoa, George Duque por algum registro sobre a vida de Vlado, seu Estrada, Ruy Ohtake, Alberto Dines, Fernando trabalho na revista Visão, no filme Doramundo, no Morais, Marco Antônio Tavares, os condutores de curta Marimbás, na TV Cultura...
“Tem momentos em que o sofrimento das outras pessoas chega a ser mais forte do que o seu próprio sofrimento.” Frederico Pessoa
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Ficha técnica Título: Vlado - 30 Anos Depois; Gênero: Documentário; Direção João Batista de Andrade; Duração: 85 minutos; Nacionalidade: Brasil; Ano de produção: 2005.
Retrato: Elvira Alegre
Audálio Dantas, presidente do Sindicato dos Jornalistas na época, no velório de Herzog.
Velório de Vladimir Herzog.
Dona Zora, mãe de Herzog (à esq.), e Clarice, mulher do jornalista, com os filhos Ivan e André no velório.
“NUNCA TIVE MEDO DE POR A MÁQUINA NA CARA E SAIR FOTOGRAFANDO” Bruna Ferrari
Primeira repórter fotográfica de Londrina, Elvira Alegre com apenas dois anos de carreira, registrou um momento marcante da história do país. Ela foi a única a fotografar o enterro de Vladimir Herzog, jornalista assassinado durante interrogatório no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), em outubro de 1975. Hoje, aos 57 anos de idade e 35 anos de carreira, a jornalista conta para a equipe do Revista um pouco da sua história. Revista: Elvira, por que jornalismo? Elvira: Na realidade eu ia fazer medicina, mas eu fui fazer estágio na jornal Panorama me encantei. Eu disse para o editor, Narciso Kalili, que eu queria fotografar, ele me deu uma câmera, eu fiz umas fotos e eles gostaram. Daí jornalismo é que nem doença, né? Pegou, não tem jeito. Você fica com pensamento de jornalista. Você não pensa mais igual. Sempre está com aquela visão de querer saber por que, onde, como... R: Você começou no Panorama, e depois? Como foi parar em São Paulo no enterro do Vladimir Herzog? E: Trabalhei no Panorama até a demissão coletiva. Então fui para São Paulo. O Narciso foi um dos criadores do jornal Ex, ele saiu para vir para Londrina e quando voltou, fui com ele e comecei a trabalhar no jornal, foi quando eu fiz as fotos do enterro do Vlado. R: Como foi tirar as fotos no dia? E: Quando eu cheguei Dom Paulo Evaristo Arns, então Cardeal Arcebispo de São Paulo (centro) e Franaco Montoro, líder da oposição ao governo no Senado (à esquerda), no velório de Herzog.
no Einstein (Hospital Albert Einstein) eu comecei a fotografar, e como eu não era conhecida, teve gente que veio me encostar na parede para saber quem eu era, se era polícia ou não. Tanto que no dia da missa da Sé eu não fotografei porque eu já estava visada. R: E a censura? Você sofreu com ela nesse dia ou durante sua carreira? E: Aqui em Londrina não fiz nenhuma matéria que tenha recebido qualquer tipo de cerceamento. Minha grande façanha foi o Velório do Vlado, que ninguém fez. Era muito perigoso e acho até que eu era muita nova e não tinha tanta consciência, mas eu estava trabalhando com um pessoal muito valente, eles eram os melhores do país, tanto que estavam sem espaço. Eu aprendi que jornalismo você tem que ter coragem. A gente ia com muito medo, mas sem medo. Agora, eu acho que hoje em dia, a ditadura está aí do mesmo jeito. Você não pode ir a qualquer lugar e mostrar qualquer coisa. Tanto que matam jornalistas. Porque eles fazem coisas que não pode fazer. R: Tirando as fotos do enterro do Vladimir Herzog, algum outro trabalho da época te marcou? E: Naquela época era duro porque não tinha manifestação de rua, não podia. Eu fiz muita coisa do tipo casa de detenção, mas manifestação de rua mesmo não tinha. Eu acho que o grande lance era esse, a gente não podia fazer certas coisas porque não tinha. Você não tinha porta aberta em lugar nenhum para fotografar. Só se você tivesse a sorte de estar em algum lugar e ver alguma coisa. Eu, particularmente, nunca sofri nenhuma agressão física na época, a agressão era psicológica mesmo, de não poder fazer. R: Sobre todos esses anos de carreira e essa marca que você deixou, tem alguma consideração que você queira fazer? E: Olha, eu tenho 35 anos de profissão e é uma coisa que eu gosto muito e tenho muito orgulho da minha história. Sempre continuei, nunca desisti. Sempre coloquei a visão jornalística nas minhas fotos, tentando retratar a realidade. Nunca tive medo de por a máquina na cara e sair fotografando. Você tem que ter coragem e tocar o barco. Sem medo de registar, porque, palavra é muito importante, mas a imagem fala por si só.
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1964
foi o início de duas décadas que não esqueceremos tão cedo. A ditadura civil-militar teve início em março desse ano, com a tomada do governo do então Presidente João Goulart pelos militares. Foram anos marcados por ausência de direitos constitucionais, perseguição política a oposição, repressão e censura. Seis governos que deixaram cicatrizes na história que pulsam até hoje. Uma época que permitiu a tortura e deixou pessoas exiladas ou proibidas de viver. E é por isso que vale a pena conhecer a história de quem teve coragem, no meio de tudo isso, de escrever aquilo que alguns tinham medo até de ler.
Resistência impressa O jornalismo que abriu espaço nas mordaças da ditadura Bruna Ferrari
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“No auge da ditadura, não tinha imprensa inteligente. Na verdade, era um controle absoluto sobre os meios de comunicação. E não só do ponto de vista político;, informações que não poderiam ser dadas, era também uma forma de manter o país num patamar de comportamento. Então você não tinha só a ditadura da política, que você não podia falar coisas que ameaçassem o regime, como você não podia ser alegre. Parece que estava de luto o tempo todo. Porque alegria... não tem nada mais subversivo no mundo do que alegria.” Foi assim, em meio à repressão e mordaças que o jornalista Bernardo Pellegrini e muitos outros, fizeram a imprensa de Londrina mostrar o outro lado da história. Pellegrini começou na imprensa alternativa ainda no colégio. O periódico Banana Magazine, criado entre amigos para expressar opinião através dos artigos publicados, foi a vitrine que levou o estudante, aos 15 anos, a ser convidado para trabalhar na TV Tibagi em 1973, onde aprendeu tudo sobre a profissão. Na época, não existia o curso de comunicação social ou de jornalismo - assim, os estúdios e redações fizeram a vez das salas de aula: “a gente chegava na redação nesse período e tinha uma placa na parede
com as matérias que não podia dar. Todo dia chegava da censura federal, uns cinco, seis, sete telegramas com os assuntos proibidos do dia” conta o jornalista. Em 1975, Pellegrini entrava, junto com um grupo de jornalistas que traziam as experiências da imprensa alternativa de São Paulo (Revista Realidade, Bondinho, Notícias Populares), para a equipe do Panorama. O jornal chegou na cidade para fazer frente a Folha de Londrina, e apesar da demanda empresarial (era bancado pelo empresário e ex-governador Paulo Pimentel), “essa turma veio com uma visão jornalista, sem partido , a gente era de esquerda mas com uma visão muito clara que jornalismo bom era jornalismo de verdade”, conta. Apesar dos esforços, a crise no Panorama se instalou rápido. O jornal, que não era comandado pelo dono e sim pelos jornalistas, incomodava a elite conservadora londrinense e com a dependência dos anunciantes, ainda no primeiro ano, mais de 50 jornalistas se demitiram, sendo seguidos por outros 11, entre eles, Pellegrini, “chegou um momento em que não tinha mais espaço no jornal para a gente falar sobre o que acreditava”. O periódico durou mais um tempo, e guiado por
outras cabeças, acabou fechando em 1976. Mas não só de jornalistas a imprensa alternativa londrinense foi formada. Em 1971, no início da Universidade Estadual de Londrina, os estudantes foram convocados a eleger um Diretório Central dos Estudantes (DCE). Na época, a universidade, criada dentro da reforma universitária, não trabalhava com centros ou diretórios acadêmicos, mas com um DCE oficial, que foi assumido em 1972 pela chapa Terra Roxa. Da esquerda política, a chapa criou durante seu mandato o jornal com o mesmo nome, que era produzido coletivamente e refletia a política de base feita pelo DCE, com grupos de estudo de cultura, música, jornalismo, etc. Por ser ligado diretamente ao DCE, a derrota da chapa nas eleições de 1973 levou o grupo a perder o título do jornal. No ano seguinte, outro grupo de estudantes de esquerda lançou o jornal Poeira e concorreu ao DCE. Com o lema “Levanta, Sacode a Poeira e dá a Volta Por Cima”, os próximos anos da UEL foram tomados pelo jornal, pelo grupo e pelos reflexos dos anos de chumbo no Brasil. Para não correr o risco de perder o jornal, como aconteceu com o Terra Roxa, o Poeira não utilizava verbas
do DCE. O jornal, produzido em reuniões abertas, no sábado, entre os estudantes, vendia anúncios para bares, livrarias, escolas de inglês e lanchonetes, para sobreviver. “O Poeira começou ali – nas reuniões - e ganhou espaço na universidade, e baseamos todo o diretório nele”, lembra Tadeu Felismino, jornalista e um dos fundadores do jornal. Também participava do Poeira o jornalista Marcelo Oikawa, um dos responsáveis pelo Terra Roxa. Em 1975, o jornal pautava as lutas do DCE contra os exames obrigatórios, por um ensino gratuito e já a favor do passe livre. Nesse ano, quando a chapa ganhou pela segunda vez o DCE, o Paraná passava por uma operação militar: “era uma coisa absurda, você sabia que as pessoas estavam sendo presas e não saia em lugar nenhum. As pessoas estavam sendo sequestradas, eles chegavam na casa, botavam um capuz, colocavam no porta mala e sumiam com o cara. Muita gente, sem nenhuma justificativa” conta Felismino. Na cerimônia de posse do DCE, o diretor do Centro de Ciências da Saúde da UEL estava preso: “ninguém podia falar, ninguém falava.
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Então uns dez dias antes, nós tomamos uma decisão super arriscada, que seria transformar a posse num ato público contra aquelas prisões”, e não por acaso, esse professor foi o primeiro a ser solto. Os problemas começaram a se agravar em 1976. Na época, a assessoria de segurança da universidade acompanhava tudo que acontecia. A atuação do DCE e do jornal na universidade começou a incomodar a reitoria e os anunciantes passaram a ser pressionados. Por fim, a Folha de Londrina que sempre imprimiu o jornal, parou de ajudar. O jornal chegou a ser impresso nas cidades de Maringá, Bauru, Ourinhos, e apesar da pressão, matinha uma periodicidade de circulação de 30 a 45 dias. A distribuição do Poeira era feita de sala em sala, a tiragem tinha como base o número de alunos da UEL (em torno de sete mil exemplares). Quando a impressão fora da cidade começou a sofrer interferência também, o grupo percebeu que, para continuar, seria totalmente independente. Realizando shows e eventos, juntaram dinheiro e compraram a própria impressora: “ali conseguimos autonomia. E virou um pesadelo para reitoria”, afirma Felismino. No segundo semestre de 76, quando as eleições para o DCE se aproximavam, a pressão sobre a atuação do Poeira ultrapassou a ameaça aos anunciantes. Murais foram quebrados e diretórios invadidos. A reitoria
Estudantes durante reunião do DCE para discussão das pautas do jornal Poeira
da universidade parou de repassar os recursos para o DCE, ao mesmo tempo em que cobrava contribuição dos estudantes, na tentativa de asfixiar a entidade. Nessa época, a Polícia Federal passou a exigir que o jornal fosse público com o nome de um diretor responsável, medida que até então era evitada. Como medida de segurança, o Poeira não levava o nome de ninguém que trabalhava na edição. Mesmo impedindo um debate organizado pelo DCE em 1977, ao perceber que não conseguia controlar como desejava o movimento, a reitoria começou a lançar regras para as candidaturas e adiou as eleições de setembro. Notas altas, presença nas aulas e critérios que tinham a intenção de dificultar a participação da chapa foram lançados e, para desgosto da administração da universidade, foram atendidos. O DCE ficou, pela última vez, sob coordenação do Poeira. Por fim, em 1978, a politização obrigatória do jornal, a saída de alguns estudantes que se formavam e as dificuldades decorrentes da própria época, foram enfraquecendo a luta periódico. No segundo semestre desse ano, a reitoria, alegando irregularidades e má aplicação dos recursos – que não eram repassados -, reuniu o conselho e cassou toda representação estudantil. Para Felismino, o que marcou esse dia foi que “o conselho ainda estava reunido, e a gente, sabendo que alguma coisa ia acontecer, estava reunido no
DCE. De repente ligam da casa do estudante, a nossa gráfica ficava lá, e dizem que alguns guardinhas entraram lá, derrubaram a parede, pegaram a máquina de impressão e sumiram com ela, que era o grande problema. O grande problema era o Poeira.” Assim que foram informados sobre a decisão do conselho, os estudantes montaram guarda na sede do DCE e ficaram durante exatamente mil dias ocupando 24 horas a casa. Depois do Poeira, alguns membros se uniram para criar o Fala Paraná, um jornal com o objetivo de organizar as oposições políticas no estado (os partidos começavam a aparecer). Mas com outros projetos surgindo para os jornalistas, o periódico só durou um ano. Em 1977, Tadeu Felismino, Marcelo Oikawa e mais alguns jornalistas criaram a Coopjornal, a Cooperativa de Jornalistas de Londrina. O grupo prestava serviços às empresas da cidade e com esse dinheiro, alguns anos depois, criou o Paraná Repórter, projeto que durou três edições. O jornal era editado por Pellegrini, que relembra da entrada de um grande número de jovens jornalistas no periódico, enquanto alguns profissionais mais velhos se afastaram. A primeira edição do jornal levava na capa a foto do então governador do estado, Ney Aminthas de Barros Braga, com a legenda “Ney Braga, a cruz que o Paraná carrega.” Sem parques que aceitassem imprimir a edição,
Imagem cedida por Tadeu Felismino
Pellegrini conta que pegou o carro com outro jornalista e foi até Sorocaba, interior de São Paulo, para rodar o jornal. Além disso, o Ministério do Trabalho mandou fazer uma auditoria na cooperativa. A segunda edição do jornal falava sobre o prefeito de Londrina na época, Antonio Belinati. Como as bancas são concessões municipais, nenhuma delas aceitou receber a edição, que acabou sendo vendida pelos próprios cooperados, que gritavam parados em frente às bancas: “o jornal proibido por Belinati”. A última edição do Paraná Repórter levou um dossiê com a história de 64, a revolução em Londrina e um dossiê da miséria, consequência do fim da economia cafeeira. Depois das três edições, a cooperativa ainda lançou uma edição extra falando sobre o Londrina Esporte Clube, que na época, chegou a final da série D. O fim do Paraná Repórter, para Pellegrini, foi consequência de uma série de fatalidades. A falta de apoio financeiro que dificultava o projeto, a saída dos estudantes, que se formaram e foram para o mercado, enquanto os mais velhos começaram outras experiências. A vontade de fazer jornalismo era grande, mas a vida tinha que seguir e viver, infelizmente, custa caro. “Sempre teve gerações de jornalistas lutando pela liberdade de imprensa. Os produtos dessa luta sempre foram jornais de qualidade. Nunca duraram muito, mas durabilidade não é um critério que avalia um caso desses.”
¹Reportagem do jornal Paraná Repórter
UMA LUTA CHAMADA SINDICALISMO Pode parecer improvável, mas as lutas sindicais em Londrina ganharam força, não só nos últimos anos de ditadura, como através dos trabalhos de comunicação realizados na época. Um dos responsáveis por isso foi o jornalista Mario Fragoso, ator importante na organização comunicacional da Sindiprol – Sindicato dos Professores de Londrina, de onde muitas associações pré-sindicais da cidade ganharam força para tornarem-se oficiais. “Percebemos que havia uma série de sindicatos que estavam nas mãos de interventores, indicados pela ditadura, e de pessoas que favoreciam os patrões. Todo mundo ali sabia que o trabalho sindical não era meramente coorporativo.” Servidor público da UEL, Fragoso entrou em 1978 na universidade e começou um trabalho sindical, visto com maus olhos pela reitoria. Filiouse ao Sindiprol, já que os servidores não tinham sindicato próprio. Em 1981, 15 dias após voltar da Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), a primeira depois de 1964, foi demitido da universidade. Nesse ano, já estava cursando jornalismo na universidade e foi convidado pelo
sindicato para organizar a publicação Nosso Jornal. “O que houve de alternativo naqueles atribulados anos foi ter percebido junto com o pessoal do Sindiprol que havia esse mercado de trabalho, um trabalho político e de comunicação que ninguém estava fazendo. Foi ter tido o apoio dos professores de Londrina, que entendiam desde o início o sindicato como uma instância de luta maior. E como isso, abrimos o mercado de imprensa sindical”, lembra o jornalista. Num primeiro momento, o jornal não tinha periodicidade e tinha um caráter mais ideológico, lutando para que a universidade reconhecesse o sindicato como representação oficial dos professores, o que só aconteceu em 84. O Nosso Jornal atuou ativamente na campanha para eleições diretas para reitor e nas greves. Para Fragoso, um dos fatores decisivos nessa construção dessas conquistas foi “o perfil das pessoas que trabalharam nela. Eram militantes. Apesar de partidos diferentes, elas se uniram para conseguir dar esse primeiro passo. Depois, cada um ia cuidar do seu quintal.”.
¹As imagens dos jornais Poeira, Terra Roxa, Paraná Repórter e Fala Paraná fazem parte do arquivo do Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH) da Universidade Estadual de Londrina
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MULHERES, JORNAIS E RESISTÊNCIA Entre os jornais alternativos de Londrina, um se destacou nacionalmente e é até hoje, referência da luta feminista no país. O Brasil Mulher foi criado em 1975, fundado pela artista e jornalista Joana Lopes, o objetivo inicial era criar um boletim para o Movimento Feminista Pela Anistia, que buscava assinaturas para pressionar o governo a conceder anistia a presos políticos e exilados. As edições eram publicadas a cada dois meses, com tiragem em torno de 10 mil exemplares, e eram distribuídas por todo país, o que o levou a ser referência para outros jornais e na luta feminista. No entanto, não só de feminismo era feito o Brasil Mulher. O jornal também pautava assuntos diversos, sempre polêmicos e voltados à luta dos direitos humanos. Na segunda edição, o jornal publicou fotos de um ensaio feito pelo jornal Movimento, de São Paulo, mas que havia sido censurado. A edição foi retirada das bancas e
levou Joana a ser chamada na Polícia Federal para dar esclarecimentos. Em entrevista disponível na dissertação de mestrado “Brasil Mulher: Joana Lopes e a imprensa alternativa feminista”, da jornalista K a r e n Debértolis, Joana diz acreditar que a censura ao jornal era um pouco mais amena, pelo movimento ser subestimado pelos militares. O jornal teve vinte edições, a última foi publicada em 08 de março de 1980.²
ÚLTIMAS RESISTÊNCIAS Apesar de ser construída por jornalistas e estudantes de esquerda, a maior parte da imprensa alternativa de Londrina não era vinculada oficialmente a um partido - até o início dos anos 80, estava em vigência a Lei Falcão, que estabelecia e existência de duas legendas, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), que era a favor do regime, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que representava, de forma controlada, a oposição. Mas circulou pela cidade no começo da década de 80 o jornal Tribuna Operária, do PC do B (Partido Comunista do Brasil), apesar do partido ser legalizado apenas em 1985. O jornalista Valdir Brandini Alvares (conhecido como “dentinho”) participou da célula do PC do B que existia dentro do curso de jornalismo da UEL e comandou, entre 81 e 85, a sede do jornal em Londrina. “Na época, dentro do PC do B você era recrutado. Você era convidado
secretamente a entrava em uma das células. A organização era feita para você não conhecer os outros militantes, por segurança”, relata Brandini. “A gente acordava às cinco da manhã para vender o jornal em porta de fabrica, em feira, fazendo maior alarde das manchetes. Era um período de luta muito ativa.” Apesar da ainda estar sobre regime militar, o jornalista lembra que a pressão sobre a produção do jornal era menor, comparado aos anos anteriores, mas não era totalmente livre. Lembra que em uma das vezes que foram vender os periódicos, um vizinho chamou a polícia. Por intervenção de um parlamentar da oposição, os militantes não foram levados, mas os jornais foram apreendidos. “Era uma fase que não sentia tanto peso repressor, mas que tinha que lutar para que a democracia viesse de fato.”
² Saiba Mais: As informações e imagens sobre o jornal Brasil Mulher foram retiradas da dissertação de mestrado da jornalista Karen Debértolis - “Brasil Mulher: Joana Lopes e a imprensa alternativa feminista”.
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Da TV para a sala de aula Universidade é espaço para refletir a prática profissional do Jornalismo
“A MAURÍCIO PANIZA
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rotina dentro da redação é muito pesada. Eu não tinha muito tempo para pensar”. Com os anos de experiência na área de telejornalismo, Thaisa Bacco começou a sentir a necessidade de analisar a sua mídia de trabalho. A percepção do poder que a televisão exercia sobre a sociedade e a chegada da tecnologia digital fez com que a jornalista buscasse bibliografias e pesquisas sobre o assunto. O que começou com a necessidade de suprir questionamentos internos, resultou no retorno de Thaisa à sala de aula - em um primeiro momento como aluna, depois como professora. De 2002 a 2007, a jornada foi dupla, dividindo-se entre a universidade - ministrando aulas em cursos de Jornalismo e cursando uma especialização na área de eduação, e a prática profissional na TV Fronteira afiliada da Rede Globo em Presidente Prudente. A partir de 2007, Thaisa deixou a redação para se dedicar exclusivamente ao ensino e pesquisa em Jornalismo, quando ingressou no Mestrado em Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atualmente cursa doutorado em Educação na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Também com experiência profissional em Telejornalismo, a coordenadora do Mestrado em Comunicação da UEL Flora Neves teve seu primeiro momento em sala de aula em 1989, quando cobriu a licença de uma professora. Um ano depois, a UEL abriu uma vaga em concurso público e Flora se tornou professora da universidade. Naquela época, bastava a graduação na área e alguma experiência profissional para conseguir ingressar como docente na universidade: “Hoje a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional exige que o professor do 3º grau tenha mestrado e doutorado. Com essa exigência e o aumento dos cursos, pensou-se na docência e no desenvolvimento de pesquisas como um caminho a se seguir no Jornalismo”, explica. Apesar da expansão nos cursos de Comunicação e da necessidade de professores para lecionar nessa área, Thaisa e Flora lembram que a experiência profissional não pode ser deixada de lado, especialmente nas disciplinas do eixo prático jornalismo impresso, radiojornalismo, telejornalismo, por exemplo. “Por mais que o estudante tenha uma experiência de pesquisa, que é uma coisa boa, eu acho que ele tem que ter um pouco de experiência profissional, seja em qualquer área do jornalismo, senão ele
“Se você quer preparar a nova geração pra atuar nesse mercado, você precisa conhecer esse mercado” Thaisa Bacco
pode ser pesquisador e escrever bons artigos, mas vai faltar essa experiência na hora de dar aula.”, destaca Flora. Em contrapartida, a professora e pesquisadora também enfatiza que de nada adianta que o professor de Jornalismo ter vasta experiência profissional sem levar em conta a organização didática: “Não importa só você saber fazer, e não saber ensinar como fazer”. Thaisa pondera que para criticar e promover uma reflexão sobre a mídia e o jornalismo, a experiência profissional
não é obrigatória, no entanto, ela não dispensa a importância de que o aspirante à docência conheça a realidade prática da profissão. “Se você quer preparar a nova geração pra atuar nesse mercado, você precisa conhecer esse mercado. Eu gosto muito de um texto do Gabriel Garcia Márquez [A melhor profissão do mundo] em que ele diz que muitas vezes as transgressões de ética do jornalista são por falta de domínio de oficio”, afirma.
“Não importa só você saber fazer, e não saber ensinar como fazer” Flora Neves
Apenas um doutorado em Comunicação no Paraná
A
pesar de o Brasil ter passado de menos de 20 cursos de Jornalismo até o fim da década de 1970 para 343 cursos existentes atualmente – segundo o Ministério da Educação, são pouco frequentes os cursos de pós-graduação lato sensu (especializações). O Departamento de Comunicação da UEL tem cinco cursos de especialização para o ano letivo de 2014; nenhum deles em Jornalismo. A maior quantidade de cursos de pós-graduação para jornalistas no Brasil está nos programas stricto sensu (mestrados e doutorados) na área de Comunicação Social. Nos últimos anos, também foram criados mestrados específicos na área de Jornalismo, que é o caso da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Para jornalistas interessados em cursar um doutorado, não há programa na área de Comunicação/Jornalismo na UEL. As únicas opções da área de Humanas na
universidade são os programas em Estudos da Linguagem e Letras. O Paraná tem apenas um programa de Doutorado em Comunicação, na Universidade Tuiuti, que fica em Curitiba, a 380 km de Londrina. Pesquisadores buscam outras áreas das ciências humanas. Uma característica muito peculiar dos professores e pesquisadores de Jornalismo é que muitos profissionais desenvolvem suas pesquisas nas chamadas “áreas afins”, que compreendem os cursos nas áreas de Letras, História, Ciências, Sociais e Filosofia. Essa movimentação é bem-vinda em um campo tão interdisciplinar como o Jornalismo. A professora Flora Neves afirma que “a Comunicação é muito conciliável e interage com várias áreas”. Quando fazia Doutorado em Comunicação, Flora cursou uma disciplina na área de História que a ajudou a compreender melhor seu tema de pesquisa, que compreendia o poder da televisão.“Eu acho importante o Jornalismo dialogar com outras áreas”, conclui. 65
O Paraná tem apenas um Doutorado em Comunicação. Pesquisadores buscam outras áreas das ciências humanas
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Jornalismo em
reforma
Universidades debatem novo modelo para o curso de Jornalismo Lillian Cardoso
A profissão que nasceu de anseios políticos na Inglaterra do século XVII e tem décadas de história no Brasil, já teve contornos mais românticos. Os jornalistas mais experientes que o digam. Hoje, com as redações cada vez mais enxutas, com profissionais vulneráveis aos passaralhos, com o jornalismo multimídia e seus bytes de acontecimentos pipocando na tela dos computadores em fração de segundos, mudou muita coisa no contexto profissional do Jornalismo. Além das mudanças econômicas e estruturais já mencionadas, houve mudanças na formação intelectual. É o que aponta o livro “As Mudanças no Mundo do Trabalho do Jornalista”, organizado pela Profª Dra Roseli Fígaro, da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP). Lançada em agosto deste ano pela Editora Atlas, a obra indica que o perfil dos novos jornalistas brasileiros é, em sua maioria, de profissionais não sindicalizados e com formação política débil – um dos jornalistas pesquisados não sabia a diferença entre PMDB e PSDB. Outra característica que chama a atenção no
público pesquisado por Roseli é a de que o jornalista não planeja o futuro e não reflete sobre a profissão, especialmente os profissionais freelancers. Após 66 anos da implantação do primeiro curso superior de Jornalismo no Brasil (Faculdade Cásper Líbero/São Paulo), as mudanças agora batem também na porta dos cursos superiores de Jornalismo, com a aprovação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais em Jornalismo. O documento foi elaborado em 2009, mas o Ministério da Educação só publicou a homologação do documento no Diário Oficial da União em setembro deste ano, após tramitar no Conselho Nacional de Educação. Os cursos de Jornalismo brasileiros têm dois anos para se adequarem ao novo modelo. Entre as mudanças, o curso de Jornalismo deixa de ser uma habilitação da área de Comunicação Social e passa a ser um bacharelado com vida própria. O currículo também sofre algumas alterações, com a intensificação da carga horária laboratorial, ou seja, em atividades práticas.
Principais mudanças TCC
Como é: Desenvolvimento de Projeto de Pesquisa na área de comunicação, dentro dos padrões científicos da área de conhecimento escolhida.
Como será: Pode se constituir em um trabalho prático de cunho jornalístico ou de reflexão teórica sobre temas relacionados à atividade jornalística. O TCC deve vir, necessariamente, acompanhado por relatório, memorial ou monografia de reflexão crítica sobre sua execução, de forma que reúna e consolide a experiência do aluno com os diversos conteúdos estudados durante o curso.
Como será: Passa a ser obrigatoriamente supervisionado. Tendo como objetivo consolidar práticas de desempenho profissional inerente ao perfil do formando.
ga r a C ia r á Hor
Como é: Carga horária total para o curso de 2955 horas. Mais 240 horas que deverão ser cumpridas em Atividades Acadêmicas Complementares.
E Cu stág rr ic io ul Como é: Estágio Curriar cular não obrigatório.
Como será: A carga horária total do curso deve ser de, no mínimo, 3.000 (três mil) horas, sendo que, de acordo com a Resolução CNE/CES nº 2/2007, o estágio curricular supervisionado e as atividades complementares não poderão exceder a 20% (vinte por cento) da carga horária total do curso, ou seja 600 horas.
¹Passaralhos: Jargão utilizado no meio jornalístico para denominar as demissões em massa que têm ocorrido nos meios de comunicação nos últimos anos. Remete a uma revoada que destrói tudo por onde passa. ¹Freelancers: Profissionais que realizam trabalhos esporádicos, sem vínculo empregatício e consequentemente, sem os direitos trabalhistas garantidos.
O Profº Drº Sílvio Demétrio, vice coordenador do Colegiado do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina (UEL), fala sobre as mudanças nas Diretrizes Curriculares do curso de Jornalismo. Com vasta experiência profissional e de pesquisa em Jornalismo, o professor já colaborou na construção de grades curriculares da área.
Você defende esse novo rumo do jornalismo?
Sim, o curso precisa mudar, coloco até uma urgência nisso. Percebemos na sala de aula que todo mundo está desmotivado, e não é só aluno, o professor também. A coisa mais triste que tem para um professor é perceber que existe uma desmotivação por parte dos alunos. Parece que você está falando alguma coisa vencida. Ninguém gosta de dar uma aula assim, e também ninguém gosta de assistir uma aula assim.
No que falta/falha o currículo do jornalismo hoje?
Falta modelo prático e crítico de como se fazer jornalismo, não só para os alunos, mas também na própria prática do mercado de quem está atuando a profissão. Talvez uma reforma curricular seja interessante que consiga agregar a criticidade a
essa prática. O aluno que entra no curso de jornalismo espera encontrar praticidade, que vai agregar conhecimento a ele para se utilizado depois em sua profissão.
O jornalismo passa a ser uma habilitação autônoma e deixa de ser uma subárea da comunicação. Este novo critério no curso implica alguma falha em relação à formação critica do aluno, por enfatizar mais a pratica do que a teoria? Toda mudança implica em riscos, depende da maneira como você constrói isso na prática. Essas novas diretrizes, por conta do contexto por qual elas nascem, não é que se negue a teoria. A teoria continua tendo espaço primordial na questão da criticidade é só uma maneira de articular ela diferente dentro da formação. O curso precisa dar mais ênfase na prática porque falta mesmo.
Na UEL, de que maneira o ensino muda com as novas diretrizes? Há alguma especificidade técnicaestrutural?
Existe a possibilidade da construção de um prédio próprio para o Jornalismo. Não vai ser uma ala com salas adaptadas para o curso, vai ser um prédio já com uma estrutura própria para isso. E talvez isso, reforce a ideia de se tornar o curso integral.
Saiba Mais Novas
Diretrizes Curriculares do Jornalismo
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/documento_final_cursos_jornalismo. pdf
Livro: As Mudanças no Mundo do Trabalho do Jornalista http://www.editoraatlas.com.br/Atlas http://www5.usp.br
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HeroínA TragicômicA
André Azevedo da Fonseca
K
ika, um dos filmes mais atrevidos do diretor espanhol Pedro Almodovar, inspira uma provocação interessante a respeito dos níveis de sensacionalismo na imprensa e também sobre os papeis do jornalismo na sociedade do espetáculo. A personagem Andrea Caracortada é uma jornalista escandalosamente equipada com roupa de couro, sutiã de metal e uma câmera em seu capacete. Ela arrisca a vida várias vezes para eletrizar os telespectadores com a cobertura ao vivo dos crimes mais vibrantes e espetaculares. Como uma heroína tragicômica, ela persegue e confronta os bandidos em busca de uma cena de impacto e apanha várias vezes nas tentativas de obter uma declaração bombástica, proferida no calor dos acontecimentos. Jornalista bizarra de um programa ultrasensacionalista, Caracortada se exibe na TV
tal como uma drag queen de estilo vamp. Um de seus trajes chega a exibir um par de seios estilizados, tal como uma diva decadente em um clube noturno underground. Contudo, apesar do visual abusado e futurista, seu discurso é repleto de moralismo, de convencionalismos e de estereótipos. Aparentemente, Caracortada é apenas uma embalagem pós-moderna para embalar velhos preconceitos. Por tudo isso, o filme proporciona a oportunidade de uma crítica interessante sobre a espetacularização da notícia e sobre os preconceitos disseminados através das roupagens modernas das novas tecnologias. Evidentemente, Almodovar é um cineasta original e suas obras são repletas de personagens exageradamente caricatos. Mas essa caricatura é capaz de revelar, pelo excesso, algumas práticas de espetacularização da notícia que são comuns nas mídias contemporâneas.
Ficha técnica Título: Kika; Gênero: Cômica dramática; Direção: Pedro Almodovar; Duração: 114 minutos; Nacionalidade: Espanha; França; Ano de Produção: 1993.
Antes de tudo, um CORAJOSO MATEUS DINALI
Quando comecei a me entender como gente, jornalistas eram os homens que vendiam jornais em bancas de jornal. Depois entendi que esses eram os jornaleiros. Com mais alguns anos de idade, oito, nove anos, coloquei na cabeça que jornalistas eram os rostos bonitos que noticiavam sobre o Brasil na televisão. Eu não reparava muito no monte de papel acinzentado que chegava a minha porta todos os dias. Porém, os textos que escrevia no colégio eram bastante elogiados e comecei a ouvir os primeiros “você daria um bom jornalista”. Aí comecei a reparar nos jornais impressos. Os radiofônicos só me serviam para ligar e pedir músicas. Perdão, eu só tinha 9 anos de idade. Ao me aproximar do ensino médio, decidido pelo jornalismo, me coloquei a pensar no que realmente um jornalista faz. Antes de dormir pensei um pouco e vi nele um pouco de tudo que já tinha pensado sobre ele. De certa forma, ele deveria saber vender a notícia como um jornaleiro, mas se dedicando ao uso das palavras, à linguagem, à criatividade, à verdade e à justiça sendo feita por sua matéria. Também deveria ter boa dicção e desenvoltura como um jornalista de televisão, e, principalmente, “dar a cara a tapa”, sem vergonha de falar sobre qualquer assunto e defender opiniões em possíveis editoriais impressos ou seções de opinião do rádio jornal ou do telejornal. No entanto, o jornalista não deveria almejar jamais aparecer por aparecer. Mas fazer com que a notícia e a informação transmitidas, apareçam. O objetivo deve ser a luta contra a desinformação e o “emburrecimento”, pois autopromoção é para artistas de novela e propagandas publicitárias. Assim, poderíamos ser diversos tipos de jornalistas. Poderíamos nos tornar os famosos “filhos da pauta” que seguem um roteiro pré-determinado para ganhar seus salários e dormirem tranquilos no fim do expediente, poderíamos ganhar rios de dinheiro com programas sensacionalistas que promovem empresas privadas entre uma desgraça e outra, e poderíamos até ser jornalistas com senso crítico, porém, covardes e submissos à ideologia dos chefes. Ou então, poderíamos ser corajosos. Parafraseando Euclides da Cunha em seu texto sobre os sertanejos que são, antes de tudo, fortes, o jornalista é, antes de tudo, um corajoso. Pois, a muitos jornalistas, falta a coragem de se desprender da pauta, se desapegar do enriquecimento fácil e se desvencilhar das algemas do medo da opinião própria. A muitos jornalistas falta a coragem de buscar meios de comunicação onde possam “fazer jornalismo” e não cumprir com o jornalismo de outrem. Um bom jornalista não dá a volta ao mundo para fazer turismo, mas para levar e trazer conhecimento. Um jornalista sério não se amedronta com ameaças ou atentados, mas busca a justiça pelo poder da informação, mesmo que esta não seja feita pelo poder público. Um jornalista digno honra com seudever de bem informar e levar o mundo aos olhos e ouvidos de cada cidadão. Não existe um “ser jornalista”, existe o jornalista que se escolhe ser. Ou se tem a coragem de se deixar apaixonar pelo verdadeiro jornalismo e colocá-lo em prática, ou não.