Teias de Silêncio - excertos

Page 1


Título:

Teias de Silêncio

Autor:

José Eusébio Alpedrinha

Fotografias: José Eusébio Alpedrinha Design, Paginação e Capa:

José Eusébio Alpedrinha

Revisão:

Mª da Conceição M. Sangreman Proença

1ª Edição:

Fevereiro de 2013

ISBN:

978-989-20-3597-0

Depósito Legal:

355471/13

Impresso por:

SNAPBOOK, LDA

© José Eusébio Alpedrinha, 2013 Não é permitido qualquer tipo de reprodução desta obra, no todo ou em parte, sem o consentimento escrito do autor.


Teias de silĂŞncio



Preâmbulo Estes poemas são o que resta do bardo que fui. Quase tudo o que escrevi foi esquecido, mas estes textos ainda resistem aos rigores do Tempo, quais teias de silêncio nas paredes da memória. Falam de pensamentos que tive e angústias que senti. Alguns foram, inclusivamente, letras de canções e são retratos do meu esforço para compreender o que vejo e sinto e o quanto sou responsável por isso. Essa atitude também transparece, aqui e ali, nos meus trabalhos fotográficos recentes e, por isso, decidi publicá-los acompanhados por um conjunto de fotografias de minha autoria criteriosamente escolhidas para o efeito. Desta forma, este livro documenta cerca de trinta e cinco anos de um aspecto essencial e menos público da minha vida. No princípio eram os verbos; agora... gosto de pensar que escrevo poemas de luz, mas essa é apenas uma imagem poética para agradar ao ego. Porém, é nas imagens que se encontram a alegria e o entusiasmo que parecem faltar no que escrevi.

Adamastor Miradouro de Stª Catarina Lisboa, Portugal

-5-


Biblioteca Teol贸gica Mosteiro de Strahov, Praga, Rep煤blica Checa


V Dizem-me triste quando escrevo... Mas as literaturas são todas feitas de amarguras e tristezas! Os ditos de quem escreve escondem dores profundas e tentam pintar dores feias com palavras redondas só para fingir, na agonia do futuro, que há beleza na angústia e harmonia no desespero... Que no muro da solidão quem escreve não sabe rir porque escrever dilacera o coração. No Paraíso há alegria e uma certa loucura — — não há livros, nem gramáticas do riso, nem literatura. No Paraíso ninguém chora e ninguém sonha... só lê e escreve quem está de fora.

- 17 -



VIII Os olhos dos meus olhos vêem a dor da vossa dor nos olhos dos vossos olhos... Julgam que sou demente? Mas a dor que tenho é aquela que os meus olhos sentem porque vêem a dor da vossa dor na cor dos vossos olhos quando os sonhos mentem... Ah! Como vos conheço!...

Olho humano visto através de uma bola de cristal

- 23 -



XI Ainda que o tempo morra, gota a gota, na brevidade da vida e escorra de uma ferida da minha eternidade, hei-de cantar este sonho com o terno silĂŞncio da minha vontade: dorme no centro do sonho maduro que vive por dentro da simplicidade e verĂĄs que a semente do ouro mais puro existe no vento e sonha no meio da tempestade.

Arcanjo EstĂĄtua de Aureliano Aguiar, Vila Nova de Mil Fontes, Portugal

- 31 -



XIV Cada palavra que escrevo é uma roupa que dispo. Transpiro angústia em cada letra que trago vestida. Amarga caligrafia das minhas tristezas! No livro da minha vida, a cada página menos certezas... e quando ficar todo nu, serei apenas a lembrança das mentiras que vesti.

Encenação no circo romano de Mérida, Espanha

- 37 -



XVI Mais vale ter o sonho frio de não querer coisa nenhuma do que gelar no deserto e arder no mar profundo. Sento-me nos rochedos que acabei de inventar, ali na areia branca, e fecho os olhos queimados, cheio de sol e de vento como as águas do mar. Finjo que não vejo, nem sonho, nem desejo, nem quero desejar... como se o querer fosse o ardor que nos mata, sentado nos rochedos, com rios de fogo e prata ou uma chama com bolor que se apaga com os dedos. Mas sei, no fundo, Que mais vale o choro frio caindo n’areia branca como se fosse espuma do que a rocha que me sustenta sem sentir coisa nenhuma...

Pescador Porto Côvo, Portugal

- 41 -


Lua Imagem captada com telesc贸pio


XXI O sol que ilumina a minha cama, reflectido na lua, não é o que a tristeza imagina, mas apenas a luz que lá do alto se derrama na terra nua. Eu é que vejo assim as coisas: projecto no luar o que a lua me faz sentir, imagino promessas nos ardores do vento e vejo o mar a sorrir...

- 53 -



XXIII Sopra um vento quente de sueste... enfuna-me os cabelos num sussurro quente e cheio de humidade... deixa, na minha pele, nuvens de claridade que vêem no sol nascente... Não acredito na morte: acredito que morremos cada dia, a cada instante, e que é assim que medimos a fatídica distância entre a aurora e o poente. Mas sempre que o vento quente afaga os meus cabelos e enche de humidade a pele ressequida, inspiro... respiro.... fecho os olhos e esqueço... não ouço, não vejo... o tempo, a angústia e o medo da morte repetida do desejo... Personagens dos Dias Medievais 2012 Castro Marim, Portugal

(...) - 57 -


Praia de Carcavelos Carcavelos, Cascais Portugal


(...) Na humidade do vento, cheia de claridade, a plenitude sentida, profunda e sem idade, e o amor sedento da eternidade a que chamo Vida.

- 59 -



XXIV Na brisa calma, das tardes temperadas, soprando, mansinho, nas praias sossegadas da minha alma, junto ao rio, invento um sorriso, vislumbro um caminho que corre, sedoso, entre as pedras caladas... e brilha no vidro imenso de um espelho manso, no coração do silĂŞncio, que apenas reflecte as mesmas velhas palavras dos sonhos do outro dia. Durmo desperto, sem nuvens nos olhos ou erros de fantasia no vento morno; apenas o doce canto, o breve sussurro soprando no rio que corre manso... É neste sonho que vivo, neste sorriso que durmo, bebendo, na tarde calma, a claridade da alma e a plenitude do vento, em que descanso.

Serra da Estrela Portugal

- 61 -



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.