Monólogo do Oriente - Patrícia Portela

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—•— Lista de autores, por ordem de saída dos contos:

Pedro Paixão | João Tordo | Rui Zink | Luísa Costa Gomes | Eduardo Madeira | Inês Pedrosa Afonso Cruz | Gonçalo M. Tavares | Manuel Jorge Marmelo | Mário de Carvalho Dulce Maria Cardoso | Pedro Mexia | Fernando Alvim | Possidónio Cachapa | David Machado JP Simões | Rui Cardoso Martins | Nuno Markl | João Barreiros | Raquel Ochoa | João Bonifácio David Soares | Pedro Santo | Onésimo Teotónio Almeida | Mário Zambujal | Manuel João Vieira Patrícia Portela | Nuno Costa Santos | Ricardo Adolfo | Lídia Jorge | Sérgio Godinho

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Contos Digitais DN A coleção Contos Digitais DN é-lhe oferecida pelo Diário de Notícias, através da Biblioteca Digital DN. Autora: Patrícia Portela Título: Monólogo Do Oriente Ideia Original e Coordenação Editorial: Miguel Neto Design e conceção técnica de ebooks: Dania Afonso ESCRIT’ORIO editora | www.escritorioeditora.com © 2013 os autores, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, ESCRIT’ORIO editora ISBN: 978-989-8507-29-7 Reservados todos os direitos. É proibida a reprodução desta obra por qualquer meio, sem o consentimento expresso dos autores, do Diário de Notícias e da Escrit’orio editora, abrangendo esta proibição o texto e o arranjo gráfico. A violação destas regras será passível de procedimento judicial, de acordo com o estipulado no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

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sobre a autora —•—

Patrícia Portela Nasceu em 1974. É autora de performances e instalações, entre as quais se destacam a Trilogia Flatland (Prémio Acarte/Madalena de Azeredo Perdigão, Prémio Associação dos Críticos de Teatro Portugueses 2006), WasteBand (Prémio Teatro na Década e Menção Honrosa Prémio Acarte/Madalena de Azeredo Perdigão 2003) ou Hortus, em parceria com Christoph de Boeck, em 2012. Escreve para vários formatos. Publicou Operação Cardume Rosa (1998), Se não bigo não digo (1999), Odília ou a História das Musas Confusas do Cérebro de Patrícia Portela (2007), Para cima e não para Norte (2008), Banquete (2012). Miguel Real considerou-a a “autora mais desconcertante da literatura portuguesa recente” no JL. Vive entre Paço de Arcos e Antuérpia.

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Monólogo do Oriente —•—

Patrícia Portela

Epá... Estou tão farto de estar aqui, estou mesmo a precisar de férias... há 7 anos que não saio do país, que não passo um fim de semana fora de casa, sempre o trabalho, sempre o trabalho… nunca tenho tempo para nada... O ano passado quase fui à Escócia. Ia lá comemorar os meus 40 anos, queria fazer algo marcante para celebrar a data, ia à procura das minhas raízes, tenho um bisavô escocês que nunca conheci. Era um sonho que eu tinha, ir à Escócia com a Elsa, íamos os dois de carro, atravessávamos o canal, apanhávamos um ferry, e depois outro, íamos juntos, a Elsa também tinha uma cena com a Escócia, falávamos os dois inglês, e íamos juntos, no verão, já estava tudo combinado, chegávamos lá no dia 8 de agosto, no dia do meu aniversário, tínhamos tudo organizado, os mapas dos sítios, as moradas de onde ficaríamos a dormir, o roteiro das cidades e vilas que íamos visitar, a morada do restaurante do meu bisavô, preparámos tudo um ano antes, mas depois, em maio, a Elsa acabou comigo depois de 12 anos juntos, saiu de casa, disse que estava confusa e que não se conseguia decidir e que por isso se ia embora. Nunca mais a vi. Eu fiquei num tal estado que já nem fazia sentido ir à Escócia em agosto, conhecer as minhas raízes, fazer 40 anos, assim, sozinho, sem mais ninguém Epá... eu sei que devia ter ido, mas um gajo nunca tem dinheiro que chegue e agora ir assim gastar uma fortuna sozinho... não me pareceu boa ideia... e para chegar lá e fazer o quê, sem a Elsa? O Guilherme ainda me desafiou para irmos a Creta, temos lá uns amigos a viver, e Creta sempre foi o meu sonho, Creta, a Grécia, íamos juntos, ficávamos em 6

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casa do João, o Tó também ia lá ter, todos solteiros ou divorciados, todos homens de barba rija e sem filhos, e eu levava uma tenda para acamparmos no Olimpo, eu relia o Zorba, ou a Odisseia, bebíamos só vinho local e falávamos só de cinema, refazia a vida nas férias, passávamos os dias a tirar a foto perfeita e a passear em labirintos, mas depois o Tó era contra as companhias aéreas low cost, e eu ainda consegui encontrar uns bilhetes de última hora com 3 escalas na Aegenair por um preço razoável, quando o Guilherme me disse que se recusa a voar por causa das emissões CO2. Ainda fizemos as contas e até dava para dividir os custos se fossemos de carro, mas o Tó enjoa de automóvel e tinha pouco tempo de férias, por isso ia lá ter de avião e, de carro, só nós os dois, saía 3 vezes o preço de uma viagem de ida e volta só para chegar lá. Antes ir à Escócia, mas para ir à Escócia não tinha companhia e como tinha de acabar um assunto no emprego que estava pendente há mais de um ano acabei por passar as férias em casa, mas a trabalhar, ainda pensei tirar um ou outro fim de semana de férias, nem que fosse para arrumar a casa, até ao final do ano, mas sabes como é, é sempre complicado, tirar só três dias de folga para depois estar mau tempo, e depois não se consegue adiantar nada no jardim, depois uma pessoa acorda tarde e quando dá por si perdeu o dia, depois a frustração que acumula domingo à noite por não ter aproveitado o fim de semana como deveria e ainda por cima reparar, tarde demais, que não se tem comida em casa e que já está tudo fechado e que agora só pizza, mas eu também não posso passar os dias a comer pizza, prometi fazer dieta, e acabo a fazer esparguete com um molho improvisado com o pouco que tenho em casa e a beber um litro de cerveja sozinho e a ver um filme na televisão que me apercebo, a meio, já ter visto, mas sem forças para mudar de canal. ... Mas estou mesmo a precisar de férias... Se não descanso, não sei se chego em boa forma ao final deste ano. Este verão estive quase para ir para a Islândia. Tive uma oportunidade única, apaixonei-me por uma mulher que ia de férias com o filho para a Islândia uma semana depois de nos conhecermos. Confesso que quase me deu na veneta e comprei um bilhete de avião, cheguei mesmo a pensar meter férias a meio do mês, assim sem mais nem menos, eu até tenho folgas para gastar, nem precisava de gastar dias de férias e aquela semana até tinha dois feriados pelo meio, e o museu onde eu trabalho até fazia ponte num deles e eu tinha terminado o relatório do ano que é o que me retira mais tempo e me cria mais tensão lá no escritório, eu até podia tirar férias sem perguntar a ninguém, sou o meu próprio chefe no meu departamento, era só preencher o formulário e carimbar, e até era um período calmo no museu, não havia nenhuma exposição prevista para aquela altura, o edifício até estava em obras, e tinha sido perfeito, ela até já tinha sítio para ficarmos, a Islândia era o país dos meus sonhos, não tenho lá ninguém nem conheço nada sobre a Islândia mas sempre lá quis ir, mas não me pareceu correto tomar uma decisão tão irrefletida, há 15 anos que trabalho naquele departamento e nunca fiz nada sem pensar duas 7

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vezes ou ponderar muito bem. Pensei melhor e cheguei à conclusão de que era melhor não ir à Islândia, não podia ser assim tão impulsivo, ainda agora conhecera a Isabel e ia já conhecer a família dela, passar uma semana com o filho, que por acaso até gostou de mim logo à primeira, e depois se tudo corresse mal, como era? Deito logo este amor por terra sem sequer termos tido a oportunidade de nos conhecermos um pouco melhor no nosso habitat natural? Não, não pode ser, por certo teremos outra oportunidade de irmos juntos à Islândia. A Isabel insistiu comigo quando lhe disse que tinha decidido ficar em casa, disse-me que gostava muito que eu fosse com ela, mas a sua insistência ainda me causou mais dúvidas, às tantas sentia-se obrigada a levar-me com ela porque me conheceu agora, e eu não quero criar esse tipo de relação, conhecemo-nos há uma semana e já temos de fazer tudo juntos, se calhar é melhor ter calma, eu saí há um ano de uma relação, ela também, por certo ainda não temos assim tanto espaço livre um para o outro, quanto mais para a Islândia... mesmo que seja um país pequenino, com poucos habitantes e com as paisagens e os cavalos mais raros do planeta... Mas estou cansado… estou mesmo esgotado, e sinto-me sem energias para continuar a vida que levo. Há 7 anos que não tenho férias, como é que é possível? E agora... Não sei, pá, acho que alguma coisa tem de mudar, se calhar devia mesmo ir de férias sozinho, mas a ir tinha de ser para longe, mesmo para muito longe, sei lá, para o sul podia ser de barco, de avião, de comboio, tanto faz olha, podia ser o Expresso do Oriente já viste o que era fazer a rota da seda? Largar tudo e partir, levar só uma malinha e 3 livros e ir para o outro lado do mundo, assim para um sítio onde nunca me passasse pela cabeça ir... ... gostava de ir para o Pacífico, e levar muito tempo até lá chegar, fazer uma daquelas viagens de barco à vela que dão para muitos anos e muitos enjoos, uma daquelas viagens que sempre quis fazer e não fiz porque a Elsa sempre enjoou de barco, sempre teve vertigens e claustrofobia, é isso, vou fazer a viagem que nunca fiz e que sempre quis fazer, cheia de perigos e desportos radicais, comprar um bilhete sem regresso num barco com o destino mais oriental e passar dias e dias no meio do mar, no meio do nada, ao sabor do vento, ao ritmo das ondas e das tempestades tropicais, É isso mesmo, pá... Eu preciso de uma tempestade, até já me imagino lá no meio e, por baixo de mim, vulcões subaquáticos, 8

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epicentros de possíveis terramotos e de potenciais tsunamis, Eu preciso do choque com o clima, com as pessoas, com os cheiros, com as culturas... e de viver constantemente atordoado, a stressar com um possível ataque de piratas para me esquecer dos ataques de pânico que tenho sempre que faço uma apresentação com um power point. O melhor é mesmo subir a costa oriental toda de barco, até Xangai, isso é que era, ir a Xangai, A 5000km de distância da grande muralha, a 5h de avião de distância de Victoria̕s Peak, em Hong Kong, a 500km de distância de um cruzeiro no rio Yang Tse, entre o rio Wang e o rio Chang, ir à China, pá... Respirar o ar da China, já viste o que era? Ir ver os últimos pandas, as grutas cheias de estalactites e estalagmites, as florestas de bambu, O exército de terracota, As cataratas, Ir a Xangai, na China, era um grande plano... Mas o problema é que para ir mesmo à séria, à China, estava agora aqui a pensar, se eu quiser mesmo tirar partido desta viagem, tenho de aprender a falar chinês. Não faz sentido deslocar-me até tão longe e depois só conseguir viajar pelos caminhos turísticos onde falam inglês ou francês e não ter a oportunidade de ver a China real e profunda; já pesquisei uns quantos cursos online e se me dedicar durante um ano e meio a estudar Mandarim duas vezes por semana, e fizer dois cursos intensivos, um em dezembro, um no verão, em dois anos estarei a ler romances leves, jornais e outros documentos com relativa facilidade e a poder usar a língua no dia-a-dia. “Não vou conseguir entender a poesia de Tang nem ler os escritos originais de Mencius”, dizia o site, mas para viajar com algum grau de liberdade penso que dá, e eu nem sequer gosto muito de poesia. O melhor até era combinar as férias com algum trabalho ou alguma pesquisa que eu pudesse fazer na China para o Museu onde trabalho, é sempre bom um contacto com os locais ou através de um amigo que esteja a viver no país que se quer visitar, para tornar a estadia mais aliciante, colorida por certos pormenores do quotidiano que um turista normal não consegue viver quando segue uma excursão ou quando não fala a língua. Mas se quero fazer uma viagem que de facto valha a pena e que me marque para o resto da vida, tenho de escolher de antemão qual a zona do território chinês que desejo visitar para poder escolher aprender mandarim ou cantonense, até porque mandarim aprende-se em qualquer lado mas cantonense não é língua oficial e só mesmo com aulas privadas, talvez 9

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na Missão de Macau consiga arranjar alguém, ou até, quem sabe, chegar à China via Macau, talvez até seja uma boa ideia, começo a viagem numa zona que já foi portuguesa, a arquitetura é reconhecível, vendem pastéis de nata e croquetes e uma pessoa assim não sofre logo um embate quando chega, vai passando de Portugal para o ex-império britânico e só depois de ter aprendido algumas palavras e algumas expressões, passa para a verdadeira China. Pois é, isto de ir à China tem muito que se lhe diga, e eu até só queria ir de férias, para mim podia ser um sítio qualquer, mas se começar a estudar a língua depois tenho de ir até ao fim, até porque depois não é só a língua, é preciso planear muito bem uma viagem destas para não ir na altura errada, por exemplo, se quiser aprender cantonense e ir para o Sul da China, tenho de ter em atenção o período das monções, entre outubro e março, que vêm lá dos planaltos da Mongólia, atravessam a Sibéria e perdem força à medida que se aproximam do sul, provocando um inverno seco e frio com variações térmicas de quase 40 graus centígrados entre o Norte e o Sul da China, é mesmo fundamental não escolher uma época errada para ir à China, uma pessoa pode constipar-se ou, pior, apanhar uma pneumonia atípica, ou uma bronquite, que é muito mais grave, e para além de tudo isto todos me dizem que a melhor altura para ir à China é o outono, mas nessa altura eu não posso mesmo tirar férias, tenho sempre imenso trabalho, é a abertura da nova temporada, para além disso ainda li numa revista especializada em viagens alternativas que é preciso ter atenção às pragas de insetos, que são muito frequentes na China, e é por essas e por outras que é conveniente tomar umas vacinas 4 a 6 semanas antes da viagem, pelo menos as vacinas contra a raiva e contra a febre de Deng, que são as mais importantes, mas também são as que dão mais efeitos colaterais, cansaço, dores de cabeça, vómitos, diarreia, e se eu começo a tomar estas vacinas um mês e meio antes e depois não consigo ir trabalhar vai ser um problema, não consigo terminar o que tenho a fazer antes de partir e a mim ninguém me substitui no emprego quando vou de férias, e se me ponho a levar todas as outras vacinas que me faltam para ter tudo em dia e para estar prevenido como gosto sempre de estar em todas as ocasiões, ainda tenho de levar a vacina contra a malária, contra a cólera, a difteria, o tétano, as hepatites A, B, a japonesa, e a C, e ainda precaver-me contra a encefalite, a poliomielite, a gripe atípica, a gripe das aves, que já não está muito na moda, já não se fala muito desta gripe mas foi lá que tudo começou, e nunca se deve acreditar só nos media, e ainda contra a rubéola, que nunca tive, contra a meningite, que já tem uma vacina, contra a febre-amarela e contra a febre aftosa, ninguém liga nenhuma a esta última, mas também é muito importante, e segundo os meus cálculos vou perder uma semana de trabalho só em folgas para conseguir lidar com tanta injeção, primeiro porque nunca se consegue marcar estas vacinas todas no mesmo sítio, cada uma é num laboratório de um hospital diferente da cidade, depois porque nunca se consegue marcar todas para o mesmo dia, ou se até conseguimos marcar 10

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duas ou três no mesmo dia é sempre a horas diferentes, cada médico tem o seu calendário e o pior de tudo é que tenho medo de agulhas para além de ter uma tendência para fazer alergias a todo o tipo de medicamentos que tomo, seja por via oral ou cutânea, e é por isso que conto sempre com um ou dois dias para descansar e para ir à farmácia comprar os antibióticos que me prescrevem a seguir a qualquer consulta médica, ah, e por falar em farmácias, também não me posso esquecer de levar algo contra o herpes labial. E se isto fosse tudo, eu até acho que ainda ia à China este ano mas ainda há a questão do visto, e se quero ter a oportunidade de decidir a qualquer momento das férias se quero que a viagem dure mais de 90 dias, preciso de ter um visto de longa duração, e nem sempre é fácil obter um visto de longa duração só para turismo para estes países, mas nesse caso até posso fazer como um casal amigo meu fez, vou primeiro até à Tailândia e na embaixada em Banguecoque peço um visto para a China. Depois espero 5 dias na ilha Phuket enquanto bebo cocktails, faço umas aulas de mergulho que sempre sonhei fazer e apanho banhos de sol enquanto leio sobre o Marco Pólo ou sobre o que os chineses pensam sobre o que o Slavoj Zizek pensa sobre a China, um livrinho pequenino mas muito denso e difícil de ler, e quando receber o visto dirijo-me à primeira agência de viagens e marco um voo direto na Catay Pacific até Xangai, e o problema fica resolvido. Se alguma vez precisar de renovar o visto, posso sempre regressar a Banquecoque, e consequentemente a Phuket, e consequentemente à leitura nas praias e ao mergulho. Mas não é só o visto que é preciso organizar para ir à China, não se vai assim para a China de qualquer maneira, sem saber ao que se vai, há sempre o problema da adaptação real e prática ao país mesmo que se tenha lido muito sobre o assunto, mesmo que se tenha tratado de toda a papelada necessária com a devida antecedência, e seria uma pena perder uns dias de férias só para uma pessoa se adaptar aos hábitos, aos costumes e à alimentação na China, antes de partir à descoberta propriamente dita. E eu estive a pensar seriamente nesta viagem e acho que é mesmo melhor ir primeiro a Londres, a China Town, só para ver como é, só para ter a experiência. Posso ir num fim de semana e é uma dupla vantagem: não gasto dias de férias para me habituar à China porque vou num fim de semana e os voos para a Tailândia e mesmo para a China são mais baratos a partir da Grã-Bretanha, e acho que é muito importante ir primeiro à China Town de Londres só para ver como é, só para ter uma sensação mais palpável do que a China pode ser, vou lá comer comida chinesa, com pauzinhos, comprar chá verde, incenso, ir ao ervanário, fazer uma sessão de acupuntura e outra de tai chi, outra de karate, fazer um workshop sobre tradução de Haikus... China Town é um bom plano, até tem um canal com uma pontezinha típica... Estou decidido a ir à China, até acho que esta era uma viagem de que a Elsa ia gostar, sei que os tempos não são os melhores, a vida está difícil e a Elsa nunca virá comigo, mas eu não vou desanimar, mesmo que os voos para Londres sejam caros, eu posso sempre ir a um restaurante chinês que há ali no Martim Moniz e que, já me disseram, é o 11

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melhor de Lisboa, e começo já a treinar, como como se estivesse na China, e peço todas as especialidades da casa: chop suey de lulas, galinha com amêndoas, porco agridoce, maçã pa-si e, no final de tudo, oferecem-me uma aguardente de rosas ou de lagarto num daqueles copinhos pequeninos que dão para ver uma mulher nua lá dentro e ainda me oferecem um calendário com um íman para colocar no frigorífico com 12 fotos de diferentes ângulos da Muralha da China, uma para cada mês, e com um buda que se pode riscar com uma moedinha no cantinho da última página até se verem uns números que podem dar direito a participar num sorteio que oferece uma viagem à China... E talvez tenha sorte… Epá, obrigado por esta conversa, há muito que não desabafava assim. Desta vez estou mesmo determinado a não passar mais um ano sem ir de férias. Mas até lá, e porque hoje estou cansado para ir até ao Martim Moniz a estas horas quando amanhã tenho de me levantar cedo, vou aqui até ao chinês da minha rua comprar um takeaway de chao min e alugar uns filmes do Bruce Lee, só para não dizer que não comecei a preparar-me...

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