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Director Financeiro #05 01 Gestão de Risco Operacional 02 Ética na função financeira

Nº18 EDIÇÃO 5 JANEIRO 2010 7.5 EUROS


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Qualificações em mudança


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Índice

01

A Gestão de Risco Operacional P. 07 “A hierarquia de riscos a que se chegou é claramente dominada por temas de curto-prazo e com ampla cobertura mediática” Tiago Bento, Jerónimo Martins P. 12 Risco Operacional e Governo da Empresa Nuno Ferreira, Barata & Ramilo P. 16 “Já é uma tendência internacional a realização de auditorias internas ao cumprimento do código de ética” Nuno Oliveira, Águas de Portugal

02

Em foco

P. 21 “As empresas tendem a optar por estratégias mais egoístas” Clara Raposo, ISCTE

P. 37 “A crise, mais do que em relação ao director financeiro, traz uma desconfiança para com os auditores” Pedro Falé, Madrilisboa

Ética na função financeira

P. 23 “Temos de voltar a valores básicos” João Ermida P. 28 “Resultados explicam-se pelas melhores vendas, em detrimento de mais vendas” Nuno Soares, Konica Minolta

Barómetro CFO P. 34 Descer à terra

Fiscalidade P. 42 “Pode ser adequado proceder-se a auditorias mais regulares” Rogério Fernandes Ferreira

Automóvel P. 48 Subaru Legacy Wagon O prazer de ser diferente


Editorial

Navegar à vista Este número da revista Intra Director Financeiro centra-se na gestão de risco operacional e na ética da função financeira. No primeiro tema quisemos ir fundo na questão da análise de risco, fulcral em qualquer organização. Numa fase, como a actual, em que há menos crescimento, as vendas têm de ser feitas com mais rigor, porque é importante ter uma visão global para a assumpção e minimização dos riscos. Exige-se que o Director Financeiro tenha um conhecimento mais global e funções mais alargadas, que acompanhe mais de perto a área logística, de vendas e operacional, entre outras. A gestão de risco é fundamental no sentido de aplicar os capitais da melhor forma possível e para garantir que a actividade decorra sem derrapagens, apesar de tal nem sempre ser possível de antecipar. Afinal, a sustentabilidade de uma organização pode depender da elaboração de orçamento conducente à minimização dos riscos ou de um plano de actividades em conjunto com a administração. A recente instabilidade económicofinanceira tem sido um pretexto para voltarmos a questionar os moldes actuais do capitalismo. Daí que, para o segundo dossier, tivéssemos optado

por aferir sobre a ética na função financeira. Com efeito, está bem presente a dificuldade que é discernir, mesmo quem possui uma estrutura moral forte, numa fase em que aceder a dinheiro, poder e a situações sociais mais relevantes dependa da ética. Mas, afinal, os valores éticos cabem no mundo financeiro? Na Europa, ainda predomina a visão mais lírica da direcção financeira. Acreditar nas pessoas ainda está no nosso sangue. Contudo, não é possível, às organizações que se querem competitivas, formar “boas pessoas”. Como dizia Teresa Guilherme há alguns anos, questionada sobre a natureza do programa Big Brother: “a ética não dá de comer”! No fundo, como humanos que somos, todos temos no nosso preço, e a ética, apesar de poder dar um contributo inestimável para resolver alguns dos problemas actuais, dificilmente os poderá resolver. Por isso, a fim de evitar consequências piores que o modelo actual possa vir a trazer, torna-se0 urgente discutir a educação e os valores das gerações vindouras. Boa leitura!

José Branco


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01

Dossier

Gest達o de Risco Operacional


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Entrevista Tiago Bento “A hierarquia de riscos a que se chegou é claramente dominada por temas de curto-prazo e com ampla cobertura mediática” Entrevista de José Branco

Para Tiago Bento, Responsável pelo Departamento de Gestão de Risco e Seguros da Jerónimo Martins, de forma a acrescentar valor, “a gestão de risco operacional tem de estar no terreno, a observar e a dialogar com as diferentes unidades de negócio e áreas funcionais”. Qual a principal dificuldade na identificação e avalia-

saliente, recente ou dramático. É possível identificar esta

ção dos riscos numa organização?

fragilidade humana no relatório “Lloyd’s 360º Risk Insight”,

Ao nível da identificação de riscos, a principal dificuldade é

publicado em Julho deste ano. Esse documento resultou

a limitação do nosso conhecimento. Em particular naquilo

da análise às respostas dadas pelos CEO’s das maiores

que se traduz na incapacidade para antecipar o desconhe-

empresas do mundo, relativamente aos principais tópicos

cido (os chamados “unknown unknowns”). Esta dificulda-

nas respectivas agendas de risco. A hierarquia de riscos

de é exacerbada pela crescente complexidade tanto das

a que se chegou é claramente dominada por temas de

organizações como da envolvente que as rodeia. Infeliz-

curto-prazo e com ampla cobertura mediática. Tópicos

mente a história mostra que são precisamente estes des-

que têm merecido menor mediatização nos tempos recen-

conhecidos – ou “black swans” para usar o termo cunhado

tes, tais como os impactos das alterações climáticas ou os

por Nassim Taleb – que têm maior impacto nas organiza-

cataclismos da natureza, são claramente relegados para

ções (e não só).

segundo plano, em detrimento dos tópicos relacionados

Sendo a gestão de risco uma disciplina que exige distan-

com a economia.

ciamento emocional do contexto em que se insere, ao nível de avaliação de riscos a principal dificuldade consiste

Do seu ponto de vista, na qualidade de gestor de risco

em imunizar o nosso julgamento contra as “distorções” a

da Jerónimo Martins, quais são as principais questões

que somos mais propensos. As ciências comportamentais

em torno da definição da gestão de risco operacional

já demonstraram através de vários estudos que, a nível

nas organizações?

da avaliação de probabilidades, é particularmente notó-

Em primeiro lugar, a gestão de risco operacional tem de

ria a relevância que damos ao que temos mais presente,

estar no terreno, a observar e a dialogar com as diferen-


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“O pior que se pode fazer é deixar arrastar os problemas na esperança de que, com o passar do tempo, eles se resolvam. Este erro é tanto maior quando para permitir que o tempo de vida do negócio se prolongue se investe mais capital e aumenta-se o risco, sem que o retorno potencial suba de forma a compensar esse acréscimo de risco”.

tes unidades de negócio e áreas funcionais, de forma a

Qualquer empresa ou investidor tem de correr riscos para

acrescentar valor. Acrescentar valor em matérias operacio-

colher benefícios. Basta olhar para as estatísticas do em-

nais é, acima de tudo, contribuir para a agilidade e capa-

preendedorismo e concluir que a esmagadora maioria das

cidade de execução da estratégia da empresa; contribuir

iniciativas empresariais não tem sucesso. O meu ponto

para a compreensão de contingências, ameaças e vulne-

de vista é que não vale a pena dramatizar ou tentar ra-

rabilidades dos “activos” críticos. Esse contributo não se

cionalizar estes números. O importante é te-los presentes

faz – ou, pelo menos, não se esgota – com a elaboração

quando estamos a olhar para um negócio. Há, antes de

de checklists ou outras ferramentas administrativas, que

mais, que seleccionar os investimentos com um perfil de

pouco ou nada desafiam a capacidade de julgamento e

risco/retorno adequado. Por outro lado, devem-se planear

a criatividade de quem lá trabalha. Esse tipo de iniciativas

os investimentos correctamente, estabelecendo objectivos

rapidamente se transforma em exercícios burocráticos que

e métricas para avaliar a evolução, bem como condições

em nada contribuem para a gestão de risco. É muito mais

para sair quando se verifiquem violações dos pressupos-

valioso dispender tempo com os responsáveis pelas áreas

tos iniciais que não sejam corrigiveis de forma viável. Os

abrangidas e desafiar pressupostos e perspectivas sobre

desvios devem ser analisados rápida e cuidadosamente,

os riscos envolvidos. Há um enriquecimento mútuo a nível

para minimizar o risco de perdas avultadas. E, no momen-

de conhecimento que se traduz invariavelmente numa melhoria objectiva do perfil de risco da empresa, quanto mais não seja porque há alguém mais alerta e mais preparado para lidar com situações que até aí eram desconhecidas ou desvalorizadas. Sente que nesta fase, em que gerir o risco numa organização é fulcral, a sua função assume um papel mais relevante do que nunca, em especial no auxilio do Director Financeiro? Não apenas do Director Financeiro mas de toda a Gestão de Topo. A função tornou-se mais ubíqua. A “popularidade” está igualmente associada à pressão exercida por certos stakeholders. Um dos efeitos da recessão leva-nos a concluir que as empresas arriscam pouco na protecção dos seus negócios. Qual é a sua leitura?

Perfil Licenciado em Gestão de Empresas pela UCP e tendo completado a parte curricular do Mestrado em Matemática Financeira (ISCTE/FCUL), é responsável, desde Janeiro de 2002, pelo Departamento de Gestão de Risco e Seguros da Jerónimo Martins. Entre as actividades desempenhadas destaque para negociação de instrumentos de cobertura de risco cambial e de taxa de juro nos mercados do Euro, Polónia e Brasil bem como derivados de crédito, acções e obrigações.


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to de tomar decisões importantes, não se pode vacilar. O pior que se pode fazer é deixar arrastar os problemas na esperança de que, com o passar do tempo, eles se resolvam. Este erro é tanto maior quando para permitir que o tempo de vida do negócio se prolongue se investe mais capital e aumenta-se o risco, sem que o retorno potencial suba de forma a compensar esse acréscimo de risco. Em resumo, a regra de ouro é preservar o capital para a próxima iniciativa empresarial. Ou seja, aquilo que acima de tudo requer protecção é o capital, não o negócio. No plano de estratégia comum à Zona Euro recentemente aprovado, cada país terá de agir por conta própria. Nesse sentido, o FMI alerta para que também Portugal possua um plano de contingência operacional, no eventual risco das instituições portuguesas verem

www.algebrica.pt*

agravada consideravelmente a sua situação. Considera que este é um severo teste à capacidade de resistência da nossa economia? De forma eufemística diria que Portugal enfrenta desafios muito sérios. Não faz sentido falar em plano de contingência quando já hipotecámos todas as folgas possíveis e imaginárias para lidar com qualquer choque adicional. Esta não é a altura para nos preocuparmos em como lidar com incertezas. Temos que nos preparar para lidar com as certezas. Ou seja, planear como recuperar a competitividade e reduzir o endividamento externo, para assegurarmos a nossa sobrevivência, assim como o nosso modelo social. A este respeito julgo que Medina Carreira, em “Portugal, Que Futuro?”, faz uma análise muito lúcida do nosso estado actual, bem como dos problemas que teremos de resolver. Por outro lado, a própria Zona Euro enfrenta desafios que desequilíbrios estruturais – como é o caso de Portugal.

*Quem Decide Conhece

colocarão ainda mais pressão sobre os países com maiores


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Opinião Nuno Ferreira Risco Operacional e Governo da Empresa

Nuno Ferreira

I – Introdução

expostas. No entanto, o crescimento

É director financeiro da Barata & Ramilo SA

Ao longo dos anos, o conceito de risco

das organizações associado ao fenó-

(empresa que gere a marca Parfois) desde

tem vindo a assumir um papel crescente

meno da globalização, a desregulação

Janeiro de 2008. Nessa empresa foi também

no seio da sociedade e das organizações.

dos mercados financeiros, a crescente

controller entre 2005 e 2007. Começou como

A assumpção de riscos assume um pa-

complexidade das operações e a so-

auditor financeiro na Ernst & Young (2002/05).

pel fundamental como meio para maxi-

fisticação dos novos produtos finan-

Licenciado em Economia pela Faculdade de

mizar a rentabilidade e a criação de valor

ceiros, aumentaram a sensibilidade

Economia da Universidade do Porto (2002).

das empresas. No entanto, a gestão dos

das empresas a este tipo de risco na

Pós-graduado em Contabilidade, Auditoria e

principais factores de risco assume uma

sua gestão quotidiana.

Fiscalidade pela Universidade Lusíada do Porto

elevada importância na continuidade e

O exemplo mais simples de um risco

(2004). Mestre em Finanças pela Faculdade de

no sucesso das organizações.

operacional é a possibilidade de pa-

Economia da Universidade do Porto (2007).

As empresas estão sujeitas a diversos

ragem de uma linha de produção, por

níveis de risco, como são os riscos: de

exemplo devido à intervenção negli-

mercado, operacional, de crédito, de li-

gente de um elemento humano, o que

quidez, cambial, de taxa de juro, entre

pode colocar em causa todo o proces-

outros.

so de fabrico num dado momento.

A inovação permanente nos produtos, sistemas e processos, aumentando a

II – Risco Operacional

complexidade do quadro em que as

O Comité de Supervisão Bancária de

organizações operam, faz com que

Basileia (2006) define risco operacio-

os sistemas de gestão de risco tradi-

nal como o risk of loss resulting from

cionais sejam incapazes de lidar com

inadequate or failed internal processes,

todo o espectro de questões com que

people and systems, or from external

as empresas se deparam.

events. Daqui resulta muito claramente

O risco operacional, apesar de muitas

que o risco operacional está associado

vezes menosprezado, sempre cons-

e eventos que se desviam dos proces-

tituiu um a que as empresas estavam

sos recorrentes, reflectindo situações


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e comportamentos pouco habituais no funcionamento quotidiano das empresas. Estas particularidades vêm dificultar a quantificação da exposição

“A história mais recente tem demonstrado a sensibilidade e o impacto que o risco operacional pode ter na rentabilidade e na continuidade/ sobrevivência das empresas”.

ao risco operacional bem como a sua previsão e modelização pelas empresas. Ou seja, podendo ter a sua fonte

Numa primeira fase, o risco operacio-

mentos de controlo, quer internos quer

internamente ou externamente e sen-

nal pode ser medido através de dados

externos, tendem a tornar-se mais fle-

do imprevisíveis nos seus impactos, o

externos disponíveis sobre o custo de

xíveis e menos exigentes, potenciando

risco operacional torna mais complexa

incidentes específicos. Além de esta-

a ocorrência de eventos que colocam

a tarefa de o medir, controlar a regular,

tísticas externas, este risco pode ser

em causa o objectivo de criação de va-

quer ao nível do sistema de controlo

medido através do recurso a opiniões

lor para os accionistas.

interno das organizações, bem como

de peritos, inquéritos aos gestores lo-

O cerne da problemática do risco ope-

ao nível das entidades reguladoras.

cais sobre eventos possíveis e quais

racional está intrinsecamente ligado

As fontes de risco operacional podem

as implicações respectivas, obtenção

à problemática da agência, ou seja,

ser divididas entre:

de dados de empresas similares e, por

a separação entre a propriedade e a

- Pessoas;

exemplo, custos de seguros para co-

gestão aos seus diversos níveis, que ti-

- Processos;

brir riscos determinados.

picamente têm interesses e objectivos

- Tecnologias de informação.

Tipicamente, uma abordagem de risco

distintos. Se o sistema de incentivos

O risco associado a pessoas resulta

operacional passa por atribuir uma de-

da gestão não estiver alinhado com os

de erros humanos, falta de conheci-

terminada probabilidade de ocorrência

objectivos dos accionistas, o risco de

mentos técnicos ou mesmo fraude,

de um determinado evento e por esti-

a gestão actuar meramente na prosse-

incluindo aqui o incumprimento das

mar o custo respectivo. O desafio está

cução dos seus objectivos pessoais,

regras e procedimento definidos pelas

muitas vezes numa adequada clas-

sem avaliar o impacto na criação de

empresas.

sificação dos eventos, bem como no

valor da empresa como um todo, vem

Ao nível dos processos, o risco opera-

processo de obtenção da informação

aumentado.

cional está associado a procedimentos

com diferentes fontes potenciais de

É este alinhamento de interesses que

e controlos inadequados de reporte,

custos e probabilidades. O processo

deve ser prosseguido dentro das or-

monitorização e tomada de decisão,

inicia-se com a obtenção de dados,

ganizações. Mais à frente abordarei

procedimentos inadequados de pro-

seguido pela respectiva análise a que

algumas das soluções existentes para

cessamento da informação, como são

se segue a aplicação de técnicas es-

garantir o objectivo de maximização

erros na contabilização de transacções

tatísticas, que permitirão determinar

de valor e minimização do risco ope-

e falhas no cumprimento de legislação

as correlações e os drivers dos riscos.

racional. São diversos os exemplos

e contratos, deficiências organizacio-

O processo termina com a estimativa

do impacto que o risco operacional

nais, deficiente monitorização do risco

das perdas extremas devido a eventos

pode ter nas empresas. Alguns even-

pela gestão, nomeadamente ao nível

específicos.

tos, pela sua dimensão, além de afec-

dos incentivos, bem como erros no re-

A história mais recente tem demons-

tarem uma empresa em particular,

gisto de transacções.

trado a sensibilidade e o impacto que

vêm muitas vezes colocar em causa

Ao nível das tecnologias de informa-

o risco operacional pode ter na renta-

a confiança no mecanismo de mer-

ção, os riscos resultam de deficiências

bilidade e na continuidade/sobrevivên-

cado, o que vem trazer uma pressão

nos sistemas de informação e falhas

cia das empresas. Tipicamente, em

acrescida também para as entidades

dos sistemas.

períodos de crescimento, os procedi-

reguladoras.


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II.1 – Eventos de Risco Operacional Apesar dos esforços praticados pelos reguladores e pelas empresas no desenvolvimento de modelos de gestão

“Para minimizar o risco operacional, é fundamental a definição pela gestão de topo das organizações de um conjunto de linhas orientadores, com enfoque na responsabilização e num código de ética muito claro (...)”.

do risco, a maior parte das perdas que se verificaram nos anos mais recentes,

desenvolveu um esquema que pas-

reportados, devido às políticas conta-

nomeadamente ao nível das institui-

sava pela manipulação dos sistemas

bilísticas que tinham sido seguidas, e

ções financeiras, estiveram associadas

de avaliação do risco, persuasão de

em 2 de Dezembro entra em processo

a fenómenos de risco operacional, de-

colaboradores, transacções fictícias e

de falência.

correntes da acção de indivíduos, com

falsificação de confirmações de tran-

Durante anos a Enron desenvolveu

esquemas de incentivos desalinhados

sacções.

operações extremamente complexas,

com a maximização de valor de longo

Em 2001, a Enron era um conglome-

nomeadamente através de contratos

prazo das empresas.

rado com diversas operações no sec-

de derivados de longo-prazo de difícil

Na base de alguns destes aconteci-

tor energético mas que em simultâneo

compreensão para os leitores da infor-

mentos estiveram sistemas de incenti-

desenvolvia transacções significativas

mação, tendo ainda criado um conjun-

vos ligados a mais-valias em operações

em derivados sobre a energia, através

to de entidades relacionadas fora do

de trading que não tiveram em conta o

de posições altamente especulativas.

balanço sem que fossem divulgadas

nível de risco que implicava a obtenção

Entre 1990 e 2000 o valor de mercado

devidamente. Estes dois factores per-

dessas mesmas mais-valias.

das acções subiu mais de 1000%. Em

mitiram a adopção de práticas con-

Em 1995, uma dos mais antigos ban-

Dezembro de 2000 o valor de merca-

tabilísticas e de reporting altamente

cos de investimento de Londres, o Ba-

do da Enron ascendia a 60 biliões de

questionáveis, tendo dificultado a iden-

rings Bank, entrou inesperadamente em

dólares, existindo elevadas expecta-

tificação dos problemas que estavam a

falência. Este processo começou com

tivas sobre o comportamento futuro

ser criados.

a descoberta que o responsável pelo

da empresa. Ainda em 2000, a Enron

Os problemas que estiveram na base

escritório de Singapura do banco, Nick

foi considerada a empresa mais ino-

do colapso da Enron são de índole

Leeson, tinha deixado posições em

vadora dentro do grupo das maiores

diversa. Em primeiro lugar, houve um

aberto em derivados de acções e obri-

empresas americanas. O crescimento

envolvimento da gestão de topo na

gações Japonesas com perdas de 1,4

que se observou durante a década

manipulação da informação que era

biliões de dólares. Nessa altura, o total

de 90 impressionou os mercados fi-

publicada sobre as operações que a

dos activos do banco era de 550 mi-

nanceiros e a confiança na equipa de

Enron realizava, especialmente, em

lhões de dólares. O caso Barings trouxe

gestão era tal que ninguém questiona-

derivados. O conluio entre a gestão

para a ribalta a problemático do risco

va a estratégia e o modelo de gestão

de topo e os auditores, que estavam

operacional, bem como a importância

que vinha a ser seguido. Contudo, em

perante um conflito de interesses claro

de o medir, monitorar e controlar.

Outubro de 2001, a Enron comunica

entre a área de auditoria e consultoria,

Em 2002, o Allied Irish Bank anunciou

perdas de 1 bilião de USD numa das

funcionou como catalisador de uma si-

uma perda de 691 milhões de dólares

suas empresas de trading de energia.

tuação que deveria ter sido detectada

numa das suas subsidiárias america-

Esta perda veio colocar em causa a

e corrigida antecipadamente se os me-

nas. Estas perdas resultaram da ac-

confiança que o mercado depositava

canismos de controlo interno e exter-

tividade fraudulenta de um trader no

na empresa e na equipa de gestão.

nos tivessem funcionado. Note-se que

mercado cambial, John Rusnak, entre

Em Novembro, a empresa divulga uma

no caso da Enron, a participação acti-

1997 e 2002, período durante o qual

revisão dos resultados anteriormente

va de alguns gestores de topo impe-


13

diu que outros membros tivessem tido

A abordagem do risco operacional

cionistas, o esquema de incentivos e

acesso a informação relevante para a

deve ser muito orientada para as me-

remunerações e o sistema de controlo

identificação dos problemas que esta-

lhores práticas de governo da em-

interno constituem mecanismos inter-

vam a ocorrer. Este facto foi reforçado

presa (corporate governance). Numa

nos de governo da empresa.

pelos sistemas de compensação de

perspectiva mais micro, o sistema de

Ao nível da função do Conselho de

alguns gestores, o que originou infor-

controlo interno é fundamental para

Administração, além de assegurar a

mações falsas sobre o potencial da

uma adequada gestão do risco ope-

idoneidade e a capacidade técnica

empresa, no sentido de aumentar o

racional.

dos seus membros, é fundamental

valor das acções e das opções sobre

garantir a existência de membros não

acções que estes dispunham.

III.1 – Corporate Governance

executivos e de membros executivos,

Os 3 casos acima referidos, apesar de

Cagan (2006) concluiu que existe uma

bem como a necessidade de controlo

distintos, demonstram a dimensão e

relação estreita entre o governo da

e fiscalização dos segundos pelos pri-

as consequências que uma inadequa-

empresa e o risco operacional. Os ca-

meiros.

da gestão do risco operacional pode

sos atrás apresentados constituíram

Ao nível do esquema de incentivos,

ter nas organizações, podendo mes-

exemplos muito claros de falhas nas

importa assegurar o cumprimento dos

mo colocar em causa a sua continui-

diversas linhas de negócio. Nos diver-

objectivos de longo prazo das organi-

dade. Muitos mais casos poderiam ser

sos exemplos, haviam estruturas de

zações.

referidos mas, mais do que identificar

gestão pouco claras e ausência de li-

Os principais mecanismos externos

os problemas, importa perceber algu-

nhas de reporte previamente definidas.

estão associados ao ambiente legisla-

mas das soluções para colmatar este

Em cada um destes casos, existiram

tivo e regulatório.

tipo de risco.

sinais de problemas que não foram

Para minimizar o risco operacional,

devidamente avaliados, devido a uma

é fundamental a definição pela ges-

III – Como minimizar o Risco

complexa rede de reporte e de res-

tão de topo das organizações de um

Operacional?

ponsabilidades, em que ninguém era o

conjunto de linhas orientadores, com

Uma correcta gestão do risco opera-

responsável por lidar com estes sinais

enfoque na responsabilização e num

cional permite às organizações liber-

à medida que eles surgiam.

código de ética muito claro, bem como

tarem mais capital, o que se traduz

O governo das empresas consiste no

a definição de uma estrutura que per-

numa melhor performance financeira,

conjunto dos mecanismos institucio-

mita comunicar, avaliar e monitorizar o

redução das perdas devido a contro-

nais e organizacionais que se destinam

rigoroso cumprimento dos interesses

los mais eficientes, custos inferiores

a resolver os potenciais conflitos de in-

de todos os stakeholders.

associados à resolução de problemas

teresses entre os diversos stakeholders.

Na sequência do colapso da Enron

e aumento da satisfação de clientes e

Os mecanismos de corporate governan-

foram revistas as regras de governo

funcionários.

ce dividem-se em mecanismos internos,

da empresa, tendo surgido diversa le-

A ocorrência de fraudes esteve na base

gerados pelas regras internas à própria

gislação, aplicável fundamentalmente

de um conjunto de medidas e de um

empresa, e mecanismos externos, que

às empresas cotadas, mas que veio

esforço ao nível da regulação, como é

resultam do funcionamento do mer-

reforçar o papel dos mecanismos de

o caso do Sarbanes Oxley Act que, na

cado e da envolvência de entidades

controlo em todas as organizações.

sequência do caso Enron, veio colocar

externas na avaliação do desempenho

Abaixo, resumo as principais medidas

um maior peso ao nível do ambiente

da empresa.

que foram adoptadas:

de controlo interno nas organizações,

A composição do Conselho de Admi-

- Composição do Conselho de Admi-

bem como ao nível da responsabilida-

nistração, que funciona como primeiro

nistração incluindo membros indepen-

de dos auditores.

meio de controlo da gestão pelos ac-

dentes;


intra

das implicações que a falta de clareza na estrutura organizativa e a ausência de linhas de reporte podem ter dentro das organizações. Cabe à gestão de topo incutir na organização os valores orientadores e princípios muito claros de comportamento ético. Os exemplos mais recentes no sector financeiro parecem indiciar falhas claras na comunicação dos valores, uma vez que resultaram de comportamentos menos próprios por pessoas que assumem riscos dentro das organizações, com consequências reputacionais e financeiras que, nalguns casos, superaram o que era previsível. Contudo, não é suficiente à gestão de topo definir uma linha orientadora, sendo fundamental implementar uma estrutura que permita comunicar, avaliar e controlar os respectivos valores. Os sistemas de remunerações e incentivos podem-se tornar numa importante fonte de risco operacional quando estão desalinhados com os restantes pares ou com os objectivos de longo prazo das empresas. Assim, as duas principais funções do corporate governance, como resposta ao risco operacional, passam por: 1 - Definição dos procedimentos e regras comportamentais que estão na - Os comités de nomeação e remune-

cado sobre a problemática do risco

base da estrutura e da natureza das

ração deverão ser compostos inteira-

operacional fá-lo ao nível dos conflitos

operações — processos e pessoas,

mente por independentes;

de interesses na gestão de topo. Des-

tecnologia, procedimentos, informação

- As empresas cotadas devem ter um

de logo, a estrutura do Conselho de

e infraestrutura para as implementar;

comité de auditoria composto exclusi-

Administração constitui um indício dos

2 - Revisão da informação relativa-

vamente por independentes;

valores e da ética das empresas. Por

mente à performance operacional,

- Existência de departamento de audi-

outro lado, é fundamental avaliar se

bem como a medida em que está de

toria interna nas empresas cotadas.

existe uma estrutura clara de linhas de

acordo com as regras previamente de-

Muita da investigação que se tem fo-

reporte. O caso Barings é um exemplo

finidas.


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O corporate governance não pode ser

tar o risco operacional. O sistema de

definição podem existir diversas fon-

visto independentemente das opera-

controlo interno deverá ser tão mais

tes de risco. O primeiro passo para

ções. Muitas vezes é visto unicamente

sofisticado quanto maiores forem as

minimizar este tipo de risco passa pela

ao nível da determinação de políticas

empresas e a complexidade das ope-

classificação dos eventos que podem

e procedimentos, descurando o con-

rações. Um sistema eficaz de controlo

causar perdas para as empresas,

trolo da execução das operações.

interno deve assegurar uma definição

através da quantificação dos custos

Com o crescimento das organiza-

clara da autoridade e delegação de

respectivos e mediante a atribuição

ções e com o aumento da comple-

responsabilidades, a segregação e

de uma probabilidade de ocorrência.

xidade das operações, é fundamental

divisão de funções e o controlo das

A solução para o problema do risco

assegurar mecanismos de corporate

operações.

operacional passa por uma estratégia

governance que se adequem a esta

Ao nível da definição da autoridade e

transversal a toda a organização, com

mesma realidade. Deve ser utilizada

de responsabilidades, deve existir um

enfoque num código de ética muito

uma abordagem de controlo top-down

organigrama claro, a que esteja as-

claro, linhas de reporte, sistemas de

com influências em todos os níveis de

sociada uma descrição de funções e

incentivos e sistema de controlo efi-

gestão, através de procedimentos e

responsabilidades.

ciente.

regras comportamentais e respectiva

A partir de determinada dimensão,

Para uma adequada gestão do risco

monitorização.

justifica-se a adopção pelas empresas

operacional, é fundamental um siste-

de um departamento de auditoria in-

ma de controlo interno eficaz que ga-

III.1.1 – Sistema de Controlo

terna que avalie a eficácia do sistema

ranta a eficiência das operações das

Interno

de controlo interno, bem como a apli-

empresas. No entanto, apesar de ser

Apesar do sistema de controlo interno

cação dos procedimentos definidos.

uma condição necessária, esta não

se enquadrar no âmbito do governo da empresa, entendi desenvolver um

é uma condição suficiente para um IV – Conclusão

pouco mais este tema devido à im-

adequado controlo do risco operacional, quer porque o órgão de gestão

portância que tem na gestão do risco

Citando Bob Flast:

pode não ter interesse na sua apli-

operacional.

“It’s easy to dismiss barings bank’s

cação, quer pela existência de erros

Em primeiro lugar, cabe ao órgão de

catastrophe as a renegade trader

humanos, conluios ou fraudes, quer

gestão o estabelecimento e a manu-

committing fraud. But if the processes

pela ocorrência de transacções me-

tenção de um sistema de controlo in-

had been properly designed and en-

nos usuais que fogem aos sistemas

terno. O Institute of Internal Auditors

forced, a rogue trading incident would

comuns de controlo interno.

estabelece como objectivos do con-

have been more quickly detected, if

Daí que, ao nível do governo da em-

trolo interno a confiança e integridade

not prevented altogether”.

presa, seja fundamental a existência

da informação, a conformidade com

In “No excuses – A business process

de um código de ética que paute a

políticas e procedimentos, salvaguar-

approach to managing operational

actuação dos diversos agentes, ga-

da dos activos, utilização económica

risk”

ranta uma definição clara de respon-

e eficiente dos recursos, bem com a

Os diversos casos que têm sido divul-

sabilidades e de linhas de reporte, as-

realização dos objectivos estabeleci-

gados demonstram o impacto que fe-

segure a independência e o controlo

dos para as operações.

nómenos de risco operacional podem

mútuo dos membros dos Conselhos

Independentemente da dimensão, o

ter nas organizações, podendo colo-

de Administração e uma estrutura de

sistema de controlo interno é funda-

car em causa a sua sobrevivência.

incentivos que garanta o alinhamento

mental em qualquer organização e

O risco operacional pode ser definido

entre os interesses dos accionistas e

um dos principais meios de colma-

como um event risk. Com base nesta

dos gestores.


intra

Entrevista Nuno Oliveira “Já é uma tendência internacional a realização de auditorias internas ao cumprimento do código de ética” Entrevista de José Branco

Numa altura em que se questiona a origem de muitos dos problemas do sector financeiro, fomos ouvir o Director da Auditoria Interna e Controlo de Risco do grupo AdP. Partindo do pressuposto que esta função ganhou outro protagonismo, Nuno Oliveira esclareceu-nos que o auditor “tende a ser a de um parceiro, agindo proactivamente na identificação de áreas de risco”.

Como se audita internamente com a intenção de

outras origens (administração, riscos emergentes, trabalhos

controlar o risco?

de follow-up, conformidade, etc.).

Para auditar com base no risco é necessário promover uma mudança de paradigma na forma como o auditor inter-

Como entende a função do auditor interno junto do

no olha para as principais áreas de risco da organização

Director Financeiro?

e como esta percepciona o trabalho do auditor interno. É

A relação entre ambos deve ser positiva e de confiança mú-

necessário alinhar os objectivos estratégicos da estrutura

tua, apesar de a função auditoria interna, em alguns casos,

com as áreas a ter em conta pelo auditor interno, para que a

ainda ser entendida como o “polícia” da organização.

atenção se centre nos principais riscos que comprometem

Quanto maior for a partilha de informação sobre as matérias

os objectivos da organização e que afectam a remuneração

financeiras, melhor será a preparação do auditor e menores as

do(s) accionista(s).

divergências entre ambos. Acresce que, se o auditor for “con-

Para o processo ser adequadamente desenvolvido, a infor-

sultado” ou se a sua colaboração for solicitada na fase de mon-

mação produzida pela Gestão de Risco – Matriz de Riscos,

tagem ou criação de algumas operações, menor será a proba-

quando existe, deve funcionar como input para o plano de

bilidade de ocorreram surpresas desagradáveis no futuro.

auditoria, permitindo que o auditor se foque nos riscos prin-

O volume e profundidade dos trabalhos que o auditor in-

cipais previamente identificados.

terno realize na área financeira, ponderado pela pertinência

A tendência actual aponta para uma auditoria interna ba-

das recomendações que tenha efectuado, são determinan-

seada no risco, mas disponível para receber contributos de

tes para avaliar a relação entre ambos.


17

Com as alterações que a economia sofreu nos últimos meses, sente que a sua função ganhou maior importância dentro do departamento e da empresa? Os acontecimentos recentes vieram acentuar a necessidade das organizações estarem dotadas de uma função de auditoria interna robusta e focada nas principais áreas de risco. Sendo certo que uma parte significativa dos riscos está directamente relacionada com a área financeira, considero que estes eventos recentes mostraram que é necessário repensar o âmbito do trabalho do auditor interno e, eventualmente, abordar áreas cujo acesso até aqui era limitado, o que é um desafio para o auditor interno. A posição do auditor tende a ser a de um parceiro, agindo proactivamente na identificação de áreas de risco – e este passou a ser um tema que anda na ordem do dia –, pelo que, concordo que a função do auditor interno ganhou importância. O pior que pode acontecer é verificar as situações que originaram perdas para as organizações e perceber que já tinham sido objecto de relato por parte do auditor interno, não tendo sido relevados os alertas do auditor.

Concordo e acho que o auditor deve ser um exemplo quanto a rigor, independência e ética. Sabemos porém que, mui-

Qual o peso de uma auditoria interna numa época

tas vezes, a necessidade obsessiva de atingir resultados faz

em que todos os olhos estão na função financeira

com que as empresas cedam nos princípios éticos e já é

da empresa?

uma tendência internacional a realização de auditorias inter-

O peso varia consoante a maturidade da organização no

nas ao cumprimento do código de ética.

que respeita à função da auditoria interna, grau de proxi-

Julgo que a prevenção através da instituição de controlos

midade da gestão, natureza dos trabalhos que desenvolve

preventivos, acções de formação sobre código de conduta

e as áreas incluídas no seu universo auditável. Estes fac-

e a reprovação explícita de actos de corrupção, apesar de

tores são determinantes para poder avaliar o valor acres-

não evitar a totalidade das situações, ajuda a promover uma

centado que a função de auditoria interna poderá entregar

cultura ética nos negócios.

à estrutura. Neste momento conturbado, é legítimo que

Acresce que situações de falta de ética e corrupção são mui-

exista uma preocupação acrescida com os riscos finan-

to negativas para a imagem da empresa e têm um grande

ceiros, em toda a sua extensão; no entanto, é importante

eco na sociedade por via da divulgação através dos media.

não esquecer que as organizações são afectadas por um rol de outros riscos.

Junto de alguns especialistas, temos recolhido opiniões que apontam que, mais do que colocar em

Numa altura em que se discute a idoneidade, ética e

causa o Director Financeiro, esta crise colocou em

conduta dos actores do sector financeiro, sente que

causa o auditor. Concorda?

o auditor interno tem a responsabilidade de ser o

Tenho alguma dificuldade em concordar. O auditor interno

primeiro a conduzir ao respeito por valores que urge

desenvolve uma actividade de controlo/fiscalização, aler-

demonstrar internamente e junto do mercado?

tando para processos, áreas ou actividades cujo nível de


intra

controlo seja considerado desadequado face aos riscos as-

– abastecimento de água, tratamento de águas residuais e

sociados.

valorização de resíduos sólidos urbanos.

Cada interveniente tem a sua responsabilidade e atente-se

Num segundo nível, são efectuados controlos pela holding,

no seguinte: o conselho de administração é responsável

através de várias direcções que acompanham o negócio e

por instituir um sistema de controlo interno, o qual deve

que produzem informação relevante de gestão.

ser validado pelo auditor interno, enquanto as várias direc-

Julgo que o profissionalismo e o rigor com que as activi-

ções/áreas da empresa operacionalizam a actividade no

dades de controlo são executadas não diferem de uma

dia-a-dia.

entidade não pública. Estamos obviamente sujeitos a au-

Em alguns casos, o auditor interno tem o seu universo au-

ditorias/inspecções por órgãos de fiscalização que actuam

ditável limitado a um conjunto de áreas e factores, pelo

sobre entidades do sector empresarial do estado, o que

que considero imprudente generalizar que o auditor inter-

aumenta a exposição. Mas, internamente, o rigor com que

no foi posto em causa.

o sistema de controlo interno é cumprido permite encarar os riscos operacionais com segurança.

No caso da Águas de Portugal, de que forma é feito o controlado de risco operacional? Há algumas par-

Que processos podem contribuir para minimizar o ris-

ticularidades neste processo, por se tratar de uma

co operacional?

entidade pública?

O processo de Gestão de Risco ajuda, desde logo, a mape-

O risco operacional é controlado a vários níveis, sendo que,

ar e avaliar os riscos a que a organização está sujeita, per-

no primeiro nível, estão as próprias empresas participadas

mitindo identificar quais as áreas em que não estamos ade-

através das actividades de controlo desenvolvidas local-

quadamente preparados para responder aos riscos. Este é

mente, consoante a área de actividade em que laboram

um dos pontos de partida para gerir e minimizar o risco operacional, ao qual podemos acrescentar todas as actividades decorrentes e previstas no sistema de controlo interno. Qual a importância do sistema de controlo interno na gestão do risco operacional?

Perfil

O sistema de controlo interno é uma peça-chave, pois,

Nuno Oliveira é Director da Auditoria Interna e Controlo de Risco do grupo AdP desde 2007. Foi auditor interno na AdP SGPS entre 2003 e 2007 e auditor externo na Ernst & Young entre 1999 e 2003. É mestrando em Auditoria no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa. Licenciado em Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Gestão. Possui experiência como formador em Auditoria Interna e áreas conexas desde 2007 e participou, como orador, em seminários e conferências. É vogal da Direcção do IPAI desde Março de 2008, membro do IIA - The Institute of Internal Auditors e da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.

riscos a que a empresa está sujeita sem estar preparada.

quanto mais abrangente e adequado for, menos são os Importa lembrar que os custos associados a um sistema de controlo interno (SCI) robusto, em alguns casos, implicam investimentos que, muitas vezes, não são comportáveis face aos riscos que se pretende mitigar. Assim, é necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre a qualidade do SCI e os riscos que se querem controlar. No entanto, compete ao auditor interno, através do seu trabalho ir identificando áreas de risco que não estejam controladas e promover melhorias ao sistema. Um bom SCI permite desenvolver a operação com mais segurança e certeza, para caso alguma coisa esteja a correr mal, seja atempadamente detectada, minimizando as perdas para a organização.


Interface Jornadas

NETWORKING NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA hotel olissippo oriente 28 JANEIRO de 2010

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intra

02

Dossier

Ética na função financeira


21

Entrevista Clara Raposo “As empresas tendem a optar por estratégias mais egoístas” Entrevista de José Branco

O clima económico atípico que atravessamos dá azo à revisão de algumas das bases do sistema vigente. Na opinião de Clara Raposo, docente e directora do Mestrado em Finanças e do Mestrado Executivo em Corporate Finance do ISCTE, a livre concorrência pode dar margem para grandes deslizes mas, por si só, não dá incentivos à corrupção.

Um estudo da PWC publicado recentemente (Global

(por exemplo, aumentando ainda mais o risco, desprezando

Economic Crime Survey 2009) mostra que a crise econó-

projectos que beneficiem primeiramente os credores, etc.).

mica mundial agravou as pressões e os incentivos para

Também há quem aponte algumas práticas fraudulentas

cometer fraude. Como comenta este alegado aumento

no sentido de se tentarem expropriar credores e outros

da propensão para a fraude?

stakeholders. No entanto, penso que ainda é prematuro

Esta crise trouxe à superfície alguma fragilidade da economia

concluir-se quanto ao aumento da fraude no período da cri-

global, no sentido em que a maior integração que existe en-

se. Possivelmente existe também um maior escrutínio.

tre os vários sistemas financeiros – quer através do mercado de capitais, quer através da banca – propicia a propagação

O referido estudo sugere que aproximadamente uma em

de dificuldades que surjam num qualquer sector de activida-

cada três empresas em todo o mundo foi vítima de cri-

de económica. Desta forma, é fácil bater-se no fundo. Em

mes económicos durante o último ano. Sente que devido

particular os intermediários financeiros, cuja exposição ao

à repetição de situações como estas, ou as constantes

risco é supostamente mais controlada por regulação, são os

notícias de escândalos financeiros, obrigam à revisão

primeiros a sentir os efeitos de propagação – e a espalhá-los

dos conteúdos programáticos dos cursos na área finan-

pelos restantes sectores. É muito possível que, num cená-

ceira? A ética está contemplada nestas alterações?

rio de crise, quando o sucesso de uma empresa/instituição

Os cursos na área financeira – pelo menos aqueles em que

está comprometido, haja a tentação de tentar medidas de-

tenho tido responsabilidade ao longo do meu percurso pro-

sesperadas. Algumas destas medidas encontram-se tipifi-

fissional de docente ou directora de mestrado – sempre

cadas nos chamados custos de agência do endividamento.

tiveram o cuidado de salientar os limites de actuação dos

As empresas tendem a optar por estratégias mais egoístas

decisores. Pessoalmente não sinto necessidade de particu-


intra

lar alteração na forma como estes cursos são apresentados.

Se o controlo dessas restrições não é eficaz, então cria-se, de

No entanto, penso que a apresentação dos modelos de

facto, uma enorme pressão para “tentar tudo”, uma vez que a

avaliação financeira de novos instrumentos que vão surgin-

livre concorrência não dá margem para deslizes.

do nos mercados carece de maior esclarecimento por parte dos professores quanto às implicações que podem trazer

É da opinião que a formação a este nível deve começar

em termos de contágio e riscos de falência – a discussão

por ser, sobretudo, sedimentada na escola e que é difícil

dos pressupostos é muito importante. Seja como for, este

convencer a actual geração de gestores e financeiros a

ano no ISCTE tivemos o cuidado de introduzir um módulo de

mudarem as regras do capitalismo? O modelo capita-

“personal development”, no qual se discutem aspectos rela-

lista deve ser um misto entre incentivos à corrupção e

cionados com a ética e a conduta pessoal dos intervenientes

à cooperação?

no mundo empresarial.

A formação deve começar em casa e não na escola. Esse é o segundo passo. É em casa que se deve dizer o que é

Será que os gestores caíram na tentação de, perante um

que se espera do comportamento de uma pessoa e o que é

mercado livre e devido à enorme pressão competitiva,

que deixa os pais orgulhosos – não pode ser só o sucesso

corromperem a moralidade?

escolar ou a subida da cotação da acção (a qualquer preço).

Parece-me redutor cingir esta questão aos gestores. Talvez

Tem de haver o desenvolvimento de uma consciência, de

estes sejam – pelo facto de terem de tomar decisões a um ní-

sentimentos de culpa e de vergonha. Nas escolas parece-

vel geral – os agentes mais facilmente criticáveis ou identificá-

me evidente que se tem de voltar a distinguir o bem do mal.

veis no panorama económico actual. Penso que a questão de

E que as regras são para cumprir. O modelo capitalista não

fundo relevante tem a ver com a “moralidade” de toda a socie-

dá, por si mesmo, incentivos à corrupção. Pode é dar incen-

dade, os valores pelos quais nos orientamos, as medidas de

tivos a que aqueles com menores pruridos éticos venham

“sucesso” pelas quais nos regemos. É difícil medir o “bem” e

a ter maior sucesso em algumas fases do desenvolvimento

premiar quem é “bom”. Actualmente, o mundo inteiro tem di-

económico. Mas dificilmente se encontrará um sistema per-

ficuldade em identificar as causas e os objectivos fundamen-

feito. Não se pode é deixar de punir quem é corrupto – quer

tais a incutir às novas gerações. O que a gestão actual ensina

judicialmente, quer socialmente. Não é só a justiça que tem

é, fundamentalmente, o objectivo final de maximizar o valor do

de funcionar, tem de ser a sociedade a ver com maus olhos

capital, sendo que tudo o resto é tratado como uma restrição.

quem prevarica, em vez de dizer que “determinado indivíduo é que foi esperto”… Em que medida discutir os limites de actuação no mercado, tendo em conta uma acção mais incisiva dos re-

Perfil

guladores, poderá ajudar à alteração de mentalidades e procedimentos na função financeira? A regulação e a supervisão têm um papel muito importante.

Clara C. Raposo é actualmente Professora Associada com Agregação no Departamento de Finanças do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. É directora do Mestrado em Finanças (MSc. Finance) e do Mestrado Executivo em Corporate Finance. Possui no seu perfil académico um doutoramento em Finanças pela London Business School (1998), Mestre em Economia pela Universidade de Londres (1994) e licenciada em Economia pela Universidade Nova de Lisboa (1992).

Mas também é verdade que a complexidade das maiores empresas (em particular no sector financeiro) actualmente é tão grande que não se consegue averiguar e medir tudo sem margem para dúvidas. A incerteza e o risco são inerentes ao mundo empresarial actual. É evidente que uma actuação mais profissional, conhecedora e que estabeleça limites mais claros pode vir a facilitar a transparência das instituições – e, em última análise, até reduzir a pressão que existe sobre quem gere estas instituições.


Quem Decide Conhece

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intra

Entrevista João Ermida “Temos de voltar a valores básicos” Entrevista de José Branco

Para João Ermida, exige-se uma “mudança estrutural na sociedade” dado que cursos com componente ética nada irão resolver. No entender deste opinador, “a voracidade para o crescimento de resultados e o condicionamento em que as pessoas se deixam enredar” foram os causadores da incerteza económica vigente.

Para muitos responsáveis do sector, a crise económi-

de médio-prazo, que ninguém quer. Daí que pense que a

co-financeira esteve relacionada com a falta de ética.

crise continua.

Concorda? Acima de tudo, com uma falta de valores. Todo o proces-

Um dos ensinamentos que as instituições recolheram

so que se tinha desenrolado com a crise da internet deu

do panorama económico-financeiro mais tumultuoso

origem a uma série de extravagâncias que levaram as pes-

que se viveu recentemente foi o aumento da neces-

soas a terem a noção que os negócios têm de ser feitos

sidade de informação e formação sobre integridade,

com uma base sólida. De repente, dá-se o escândalo da

ética e responsabilidade social. Acha que é importante

Enron, que nos devia ter alertado que qualquer coisa não

um gestor “precaver-se” com este tipo de formação

estaria bem – pois não é possível que um conglomerado

ou “cada crise” terá a sua especificidade, natureza e

de empresas maiores do S&P 500 estivesse sujeito àquele

imprevisibilidade, que a tornam impossível de anteci-

tipo de encenação. Apesar de, nessa situação, ter havido

par?

algumas detenções e julgamentos, ninguém dentro das

Perante uma situação de emprego precário, principalmen-

empresas questionou se situações como esta poder-se-

te para os recém licenciados, e de quem está a realizar

iam disseminar. Não fazer essas perguntas levou à crise

MBA para tentar subir dentro da empresa, as pessoas

de 2008, que não é mais que uma crise de valores – onde

atemorizam-se. Tem de haver uma mudança estrutural

os gestores actuaram com vista a obterem lucros o mais

na sociedade. Não me parece que frequentar cursos de

rápido possível.

ética vá resolver o problema. Inclusivamente, houve uma

Neste momento, uma das principais discussões no sector

altura em que pensei criar uma empresa para actuar junto

financeiro prende-se com os bónus ligados a performances

do mercado, falando desta temática, e devo-lhe confes-


25

sar que, apesar de ainda não ter desistido, sinto que não resulta. Temos de voltar a valores básicos. Com o que vemos no dia-a-dia, fruto da voracidade para o crescimento de resultados e o condicionamento em que as pessoas se deixam enredar, penso que não chega dizer agora que “as pessoas devem ter ética nos negócios”. Decididamente, não é uma questão de corrigir extemporaneamente as directrizes pelas quais nos regemos, mas começar o mais cedo possível na educação? É voltar a ensinar aos nossos filhos o que é mais importante. Mas é necessário demonstrarmos diariamente que o que fazemos coincide com o que lhes é dito. Ao invés de implementar medidas reactivas, há então que repensar o próprio modelo do capitalismo? Exactamente, pois este modelo, tal como o que importámos dos EUA e da Europa Ocidental, não está são, tal como a crise o provou. Esta situação afectou sobretudo o mundo ocidental – temos 22 milhões de desempregados em solo europeu – e as pessoas só não estão nas ruas, como se calhar muitos já esperariam, porque simplesmente estão a receber subsídios de desemprego (pagos pelos impostos e pela dívida pública a ser emitida). Isto não bate muito certo porque em Espanha, por exemplo, a situação é diferente. Enquanto houver investidores interessados

hoje empresas e consumidores vivem essencialmente do

em comprar dívida pública, tudo bem. O problema será

crédito e da alavancagem.

quando deixar de haver interesse. Este filme só é possível se as economias recuperarem realmente, com um cenário

Em apenas dois anos, muita coisa mudou na realidade

de estabilidade. Portanto, no meu entender, algo tem de

financeira. Tal facto obriga a uma reciclagem de co-

mudar. Dar mais dinheiro aos bancos – aumentando-lhes

nhecimentos dos responsáveis financeiros. Considera

os capitais –, e com o mundo financeiro a seguir por esta

que em Portugal há cursos e mestrados em Finanças

via, irá obrigar, mais cedo ou mais tarde, os governos a

com conteúdos programáticos preparados para col-

segurarem o barco. Parece que não aprendemos com o

matar estas eventuais lacunas éticas?

passado. Não corrigimos nada, apesar de sabemos que

Daquilo que analisei, devo confessar-lhe que não. Mas

se termina mal. Por isso, esperemos que a próxima crise

acho que esse é um problema mundial. Em 1999, Harvard

não termine no caos definitivo.

foi a primeira universidade a olhar para os temas éticos, e

Já tivemos momentos de pânico em Outubro e Novem-

outras seguiram-na. É uma consciência que tem apenas

bro do ano passado, quando os investidores foram aos

dez anos. O problema é que a cadeira de “Felicidade”, por

bancos retirar o seu dinheiro. Os bancos apenas suportam

exemplo, é das que tem maior frequência nesta universida-

esta situação durante dois ou três dias... Não pode ha-

de! Isto significa que as pessoas não estão felizes. O que

ver uma perda de confiança no sistema financeiro, porque

é preocupante.


intra

“Fazer uma cadeira de Ética, isolada de tudo o que é o curso, significa uma perda de tempo. Ao aluno é pedido, ao longo do curso, que seja mais eficiente e que reduza mais custos em menos tempo. A mente já está tão “apanhada” por todos esses conceitos que, quando chega à cadeira de Ética, muitas vezes de carácter opcional, o aluno sente que é apenas um apêndice. Ou está presente em todo o curso, ou é apenas um fait diver”.

é aquele que dá informações à restante estrutura – para o CEO, área comercial e controlo de gestão. Aquilo que temos visto nos últimos dez anos é que os DF se têm tornado nos “magos dos números”. Mesmo que não haja grandes resultados, o importante é como conseguir apresentá-los de forma que pareçam bons. Isto pode ser eficiente a curto prazo mas não a médio e longo, pois não vai ser possível esconder para sempre uma realidade adversa. Dá-se então um setback que já vimos em muitas organizações, em que, de repente, a situação exige restatings, correcções muito severas, porque se estiveram a empolar cenários falsos. Parto do princípio que “a factura chega sempre a casa”, portanto, o melhor é cumprir com uma série de regras básicas para evitar o pior e contribuir para a credibilização de uma área como a direcção financeira, das que considero mais importantes numa empresa – conjuntamente com as

Fazer uma cadeira de Ética, isolada de tudo o que é o cur-

áreas comerciais.

so, significa uma perda de tempo. Ao aluno é pedido, ao longo do curso, que seja mais eficiente e que reduza mais

Premissas recentes, como a dimensão da regulação,

custos em menos tempo. A mente já está tão “apanhada”

gestão do risco e ética, obrigam os responsáveis fi-

por todos esses conceitos que, quando chega à cadeira

nanceiros a discutirem a sua função dentro de uma

de Ética, muitas vezes de carácter opcional, o aluno sente

realidade financeira diferente, em comparação à de

que é apenas um apêndice. Ou está presente em todo o

um passado recente. Sente que o papel do Director Fi-

curso, ou é apenas um fait diver.

nanceiro saiu reforçado com este período económico mais turbulento?

A partir da sua experiência, quais são as verdadeiras

Sai reforçado mas da pior forma – com desconfiança. A

boas práticas que o Director Financeiro pode desen-

ponto de hoje se tentar escrutinar o que as áreas financei-

volver num período de mudança como aquele que

ras andam a revelar. Há regulação a ver se eles são verda-

atravessamos?

deiramente sérios.

A função do Director Financeiro (DF) é, primordialmente,

Quando a base se centra em resultados trimestrais, ao

a de apresentar bons resultados da empresa que gere.

CEO dá-se muito pouco tempo para gerir uma empresa. A

Depois, tem de conseguir que esses resultados sejam os

realidade é que 20% do trabalho é feito com a área comer-

verdadeiros, o que significa entrar em rota de colisão com

cial e 80% com a financeira. E isso é um dos mais graves

muita gente. A única vantagem neste confronto é a de ter

problemas das organizações. Basta ver que, nos últimos

de apresentar uma realidade que pode ser dura mas é real.

anos, os directores-gerais preferem crescer por aquisições

Aquilo que assistimos na Enron, o caso mais típico, foi de

do que organicamente – a verdade é que não há tempo

um DF que se deu ao luxo de falsear todos os números,

para isso. É-lhes exigido é crescer!

durante anos. De repente, dá-se o descrédito total em tudo o que é direcção financeira de uma empresa. O Director

O mercado actual tem mostrado uma retoma lenta.

Financeiro tem a função mais importante na organização,

Apesar de tudo, os especialistas entendem que, com

na medida em que, ao ver os números a todo o momento,

o “recuo” da globalização, uma pequena economia


27

aberta como a nossa não poderá deixar de ser seriamente afectada. Iremos agora, por obrigação, assistir a uma viragem na nossa economia para dentro? Não será esta a melhor altura para, sem demagogia, nos centrarmos na competitividade interna? Economicamente, acho que existem dois países em Portugal! E na minha actual experiência com o BPP – onde já falei com mais de 900 clientes – tenho visto isso claramente. Fiquei com uma noção melhor do que é hoje o nosso país. Temos um norte, acima do Mondego, que depende muito pouco da política e do resto do país para fazer negócios, que encara o sector da economia como global – que vende e consegue instalar fábricas lá fora. Depois há uma economia sulista, composta sobretudo por empresas de serviços, que está agarrada ao Estado. Estas dependem do consumo interno e da legislação criada (de advogados e bancos portugueses). A norte já se aprendeu a viver com a falta de apoio. Isso levou a que, actualmente, tenhamos grupos que são grandes marcos de exportação. Ontem falava com um empresário do mercado dos cafés que me confessava que Portugal representa 5% das suas vendas. Estar sedeado em Portugal é, nos dias que correm, uma questão de escolha e não uma necessidade. Aí a nossa economia, e respectivos empresários, ajustaram-se muito bem. Não temos nenhum medo de viver dessa forma, esta é uma situação que deveria ser mais divulgada, pois é bastante positiva.

Perfil João Ermida nasceu no Porto, a 8 de Janeiro de 1965. Aos 10 anos de idade mudou-se para o Brasil com a família, devido à convulsão política em que Portugal se encontrava depois da Revolução de 1974. Permaneceu no Rio de Janeiro até 1978, momento em que regressa a Portugal. Passou por Coimbra, mas acabou por se fixar em Lisboa, onde estudou Economia na Universidade Católica Portuguesa. Em 1987 iniciou o seu percurso profissional como operador de Bolsa, no escritório do corretor Nuno Contreras. No final de 1988 juntou-se ao Citibank Portugal para integrar a sua equipa de mercado de capitais. Em 1993 iniciou a sua carreira no Grupo Santander: primeiro em Portugal, depois no Brasil e, já em finais de 1998, em Espanha, com a responsabilidade global de Tesouraria e Mercados Financeiros. Em Maio de 2003 demitiu-se da Instituição. Actualmente dedica-se a projectos de cariz social que visam ajudar jovens e idosos mais carenciados. Desenvolveu o método Verdade, Humildade e Solidariedade, aqui apresentado, sobre o qual dá palestras às empresas e escolas de gestão.

Sente que um dos principais entraves à nossa competitividade pode ser a incapacidade dos nossos gesto-

muito curto, pois esta “nova ordem” pode significar voltar

res para se adaptarem à “nova ordem” económica?

à situação anterior. Só quando a intervenção do Estado

Penso que ainda não temos uma “nova ordem”. Estamos

terminar iremos ver se poderemos continuar a viver como

num período de transição em que as organizações ainda

dantes. Portanto, são tempos difíceis para gerir empresas.

se estão a adaptar a esta crise. E as ajudas em todos os

Exemplo disso é o caso espanhol: há uma diferença do

governos ocidentais ainda são tantas, para fazer o ajuste

superávit do governo anterior para o conhecido défice da

da economia, que não sabemos como vai ser essa ordem.

magnitude do actual. E quantos anos serão necessários

Se esta consistir num mundo estatizado, tudo irá ser mais

para voltar a haver superávit? Podem ser 20 anos – uma

complicado, pois os défices não podem estar nos níveis

geração inteira. Isso implicará uma mudança entre o nível

em que estão. Não conseguindo ajustar um défice de

como as pessoas viviam e passarão a viver. Há sectores

10/12% registado em países como a Irlanda, teremos se-

que se adaptarão melhor porque há apoios estatais, mas

guramente uma realidade diferente. E é muito difícil saber

a divida pública não poderá ser infinita e sem repercus-

como vamos viver com esse cenário, num prazo de ajuste

sões.


intra

Entrevista Nuno Soares “Resultados explicam-se pelas melhores vendas, em detrimento de mais vendas” Entrevista de José Branco

Em contra-ciclo com o mercado, a Konica Minolta, mostra, mesmo assim, ambição em encontrar as pessoas certas para a sua estrutura. Nuno Soares, finance, administration and IT Senior Manager da empresa, identifica algumas das debilidades do sector que podem ter contribuído para a crise, nomeadamente a “promiscuidade” entre empresas e auditores. Apesar de identificado, este continua a ser um problema por resolver.

No primeiro semestre fiscal a Konica Minolta apresentou

a saída da administração anterior, em Março de 2008. No

lucros de quase 500 mil euros. No seu entender, que fac-

primeiro semestre em exercício, o foco da nova gestão foi

tores poderão ter contribuído para estes resultados?

a reestruturação e “limpeza” da casa – porque estávamos a

Para começar, estamos presentes em Portugal há 20 anos.

falar da própria sobrevivência da sucursal. Em Julho do ano

Em 2003 deu-se a ligação dos universos Konica e Minolta

passado iniciámos um processo de mudança que conduziu

em todo o mundo. Por cá, essa fusão só se operacionalizou

à saída massiva de cerca de 16% da força de trabalho da

em 2005. Somos uma empresa centenária, com grande en-

organização. Este foi um dos factores para que os resulta-

foque nos produtos da imagem e conhecidos como vende-

dos no final do ano passado e início deste estivessem em

dores de tecnologia. Esta é incorporada na maioria dos apa-

contra-ciclo com o mercado, porque na altura da decisão de

relhos e engenhos que desenvolve em produtos de outras

reestruturar a empresa não se falava em crise económico-

marcas, como por exemplo, nos DVD, que incorporam os

financeira. Quando eclodiu a crise, no final de 2008, apesar

laser ópticos. Não vender apenas o produto brand, mas criar

das decisões difíceis, já tínhamos uma estrutura sedimenta-

também tecnologia, permite-nos estar à frente do mercado

da, com mudança de instalações – encerrámos duas lojas,

nos produtos que apresentamos.

longe da rendibilidade e optimização de recursos desejadas

A Konica Minolta apresenta os melhores resultados da sua

–, procedimentos e aspectos emocionais dos colaborado-

história em Portugal, no período que referiu. Naturalmente

res – algo sempre instável num processo desta natureza

que pretendemos replicá-los no segundo. Porém, a nossa

– completamente normalizados. Assim sendo, o segundo

vida não tem sido sempre pacífica nos últimos anos, devido

semestre já revelou uma enorme potencialidade das vendas,

às mudanças ocorridas na estrutura, particularmente com

boa rendibilidade e recuperação face ao passado. E já o ano


29

fiscal de 2008 tinha sido de performance interessante. Estávamos mais do que preparados para responder à crise, ao ponto de estarmos, nessa altura, a recrutar pessoal para alguns lugares-chave. O actual ano fiscal, que começou em Abril, excedeu claramente as expectativas, mesmo tendo em conta a ambição do plano inicial – ainda para mais sabendo que estamos inseridos num sector de actividade que, a nível europeu (em especial nos grandes países), sofreu uma quebra no volume de negócios. Em sentido oposto parece estar a vossa casa mãe, que anunciou que irá cortar custos para os próximos meses. A que se deve este diferencial relativamente à realidade portuguesa? Esse corte nos custos é necessário. O que acontece em Portugal é que essa política não é de agora. No início de 2009, a Konica Minolta Europa apresentou-nos guidelines com o pedido inequívoco de cortes em áreas como os recursos humanos – os mais fáceis de fazer –, marketing e comunicação. Por isso, os resultados deste ano são ainda mais interessantes porque não temos tido apoios de marketing da sede tão significativos como em anos anteriores. Estes resultados explicam-se pelas melhores vendas, em detrimento de mais vendas. Isto não significa que não queiramos vender mais. Terminámos o primeiro semestre de 2009 com 99,4% do plano de vendas cumprido. Num cenário em que as vendas de produtos e serviços estão a cair a um

detrimento do black & white. Pode parecer um paradoxo,

ritmo de dois dígitos por toda Europa, junto da concorrência,

porque a cor é mais cara e todos estão a conter custos, mas

prevemos vender o mesmo que em 2008.

hoje as empresas optam pela impressão e scanarização a cores – que dá outro prestígio. Também junto de clientes

A qualidade dos vossos vendedores e do produto pode-

cujo equipamento seja o seu negócio, como as artes grá-

rá ser um contributo importante para esse sucesso?

ficas ou reprografias, notamos que prevalece a opção pela

O nosso produto vende-se a ele próprio. Além de responder

qualidade.

à necessidade do cliente, existe, na óptica do serviço, uma grande flexibilidade e uma panóplia de opções (contrato à

Poderemos associar os vossos resultados a uma gestão

cópia, valor fixo com cópias incluídas, facturação trimestral

de risco equilibrada?

ou mensal, além dos produtos de leasing e renting). Ao nível

Temos montado um departamento de controlo de crédito e

do produto, estamos com uma óptima penetração de mer-

cobranças que analisa, tendo em atenção a concessão de

cado, em especial no negócio da cor – onde somos líderes

um parecer creditício, todas as propostas introduzidas no

de mercado e que tem evoluído radicalmente nos últimos

sistema informático. Independentemente da sua dimensão,

anos. O cliente está, cada vez mais, a pedir este produto em

o negócio é tratado da mesma forma. O nosso ERP está


intra

“Se há área que continua a sair muitíssimo chamuscada deste processo megalómano e mundial é a da auditoria. Tal ficou a dever-se à promiscuidade entre as empresas desse sector e os accionistas das auditadas. Essa é uma situação que carece de imediata resolução”.

preparado para trabalhar numa matriz, e que, mediante o va-

começaram a reduzir os plafonds de crédito. Em ape-

lor e o tipo de negócio, carecerá de uma apreciação superior

nas alguns dos concessionários que temos espalhados

do Director Financeiro (DF) ou até do Director-geral, caso a

pelo país se sentiu esse corte – o que significa que a rede

complexidade do processo assim o exija.

possui alguma robustez financeira. Nesses casos, o de-

No âmbito da margem gerada pelo negócio, que depois,

partamento de crédito e cobrança sentiu a necessida-

necessariamente, dará origem à rendibilidade, houve uma

de de ajustar as políticas de crédito para esses parceiros.

transformação positiva assinalável. A melhor venda que referi

Onde tivemos alguns problemas foi na desalavancagem do

significa proporcionar maior margem para o próprio negócio

crédito ao nível do negócio directo, através da não obtenção

(porque oferecer as máquinas nunca é um bom conselho,

de financiamento por parte do cliente final. Neste momento,

as empresas têm de trabalhar para acrescentar mais valor).

em caso de uma mínima dúvida, os bancos não vão con-

Uma das principais alterações prende-se com o comissio-

ceder crédito – originando que não tenhamos conseguido

namento e desconto concedido ao cliente, proporcional à

fechar certos negócios. Portanto, houve máquinas que não

margem que o negócio gera. Esta é uma forma de o segu-

puderam ser colocadas porque os parceiros financeiros

rar, garantindo que o negócio não seja desfavorável para a

entenderam que não poderiam conceder crédito a esses

Konica Minolta. Portanto, mesmo decrescendo o volume de

clientes, em especial devido a incidentes com o Banco de

vendas, de um ano para o outro, conseguimos obter uma

Portugal (BdP) e em empresas novas.

melhor margem absoluta. Outro factor que justifica a rendibilidade é a monitorização de

E não acha um pouco estranho, quando a banca apre-

performances, baseada em critérios objectivos e quantificá-

senta resultados fantásticos, esta recusa em assumir

veis, aplicada a todos os funcionários da empresa. Somos

risco, muitas vezes até sem grande relevância, junto de

uma empresa transparente, virada para a meritocracia. Por

empresas que revelam um espírito empreendedor?

isso, publicamos trimestralmente o ranking dos gestores de

Há países em que a bolha da concessão do crédito é muito

conta. Toda a área técnica é também monitorizada pelo sis-

maior. Mas somos um povo de extremos, e como tal, quando

tema de medição de performance contínuo. Como temos

a crise económica e financeira eclodiu, os bancos parametri-

tido sucesso, ainda neste ano fiscal vamos alterar políticas

zaram novamente as suas políticas e, no sentido de minimi-

em algumas áreas específicas (como por exemplo, comuni-

zarem as perdas, utilizaram práticas de compensação – pelo

cações), no sentido de debelar ainda mais custos.

negócio perdido ao nível do crédito –, tais como o aumen-

Além disso, a Konica Minolta é das poucas, senão a única,

to de spread e comissões. No fundo, aspectos de poucos

neste sector de actividade, a ser certificada localmente em

euros mas que, multiplicados por milhões de clientes, terão

Qualidade pela norma ISO 9001 e em Ambiente pela norma

grande impacto na estrutura e receitas de um banco. Ou

ISO 14001, o que dá um peso enorme junto do cliente.

seja, a mesma rendibilidade, com uma composição distinta. Por outro lado, o crédito malparado em Portugal continua a

Entende que a desalavancagem do crédito poderá ser

assustar, embora se fale numa retoma. As empresas conti-

um perigo potencial nos próximos meses?

nuam a fechar ou encontram-se numa situação de capital e,

Sentimos algumas alterações, em especial quando as

fundamentalmente, de liquidez penosa. Sentimo-lo nalguns

seguradoras de crédito, de um momento para o outro,

dos negócios que fazemos, através da altíssima pressão no


31

recebimento junto das empresas. A própria carga fiscal e a

das empresas de auditoria. Aliás, tenho sentido, junto destas

incapacidade da teia jurídica na cobrança de dívidas não

organizações, uma mudança de abordagem na metodologia

abonam no crescimento do próprio país.

de fiscalização aplicada. Noto um aumento da preocupação em aceder a mais documentos, para perceberem melhor o

Na qualidade de DF, que leitura faz de possíveis medi-

processo, permitindo-lhes estarem mais seguros do trabalho

das para estancar a crise hemorrágica da economia?

realizado – certamente porque tiveram directivas superiores

Não é um momento particularmente pródigo para especular

para que isso acontecesse.

muito sobre esse aspecto, porque o país atravessa, há cerca de dois/três anos, um período turbulento, com escândalos

Enquanto DF, sente que é importante ter um auditor in-

sucessivos que têm impacto na economia – no sentido de

terno – no fundo, alguém que faça a ponte entre as duas

descredibilizarem a função financeira e o país. Contudo, sin-

entidades?

to que essa situação não se repercute nas multinacionais

Temos, de facto, alguém com essas funções de controller,

ou empresas ligadas ao nosso ramo de actividade. Esse

tão importantes que essa pessoa reporta ao departamento

descrédito acontece, sobretudo, ao nível da auditoria, con-

de auditoria interna internacional e ao presidente da Koni-

sultoria, seguros e banca. Hoje em dia paira no mercado a

ca Minolta Europa. Todos os auditores internos palmilham

sensação de que a função financeira é extraordinariamente

os vários países, no sentido de testarem controlos e pro-

importante mas que existiram pessoas que não tiveram o

cedimentos em várias áreas. Pelo menos uma vez por ano

“nariz limpo”, derivado de imensas práticas de cariz duvido-

somos visitados pelo auditor interno internacional e, além

so nos órgãos de regulação – nomeadamente, junto do BdP,

disso, fiscalizados, com maior profundidade, pela casa mãe

Ministério das Finanças e CMVM.

nas áreas que entendam mais adequadas.

Aliás, muitos especialistas fazem a leitura que a actual

Apesar desse papel vital poder estar a pecar em valores

crise se deveu precisamente à falta de ética, de regula-

éticos, difíceis de ponderar com a “diabolização” do ca-

ção e à conduta de alguns DF que apresentaram núme-

pitalismo, sente que há formação à altura aplicada aos

ros que não correspondiam à realidade...

auditores?

É um facto. Houve uma crise de valores inequivocamente

Esse é um tema muito focado internamente. Como qualquer

associada a uma ambição e ganância de crescer fortemente

outra função, a financeira tem de ser idónea. Entendo que a

todos os anos, principalmente junto dos accionistas – o que

crise económica e financeira deverá servir para reforçar o pa-

matematicamente é impossível, quando o mercado se en-

pel do DF dentro das organizações. Aliás, existem estudos

contra estagnado ou cresce 1%. Torna-se impraticável que

que apontam que as pessoas que estão a ascender a car-

todas as empresas a operar no sector possam crescer 20%.

gos de direcção-geral e administração dentro das empresas,

A função financeira, obrigada a acompanhar essa necessi-

sobretudo nas multinacionais, são indivíduos com formação

dade, acaba por sentir uma pressão desnecessária. Isso não

de índole financeira, contrariando o que acontecia há cerca

seria possível, se houvesse trabalho efectivo dos órgãos de

de uma década (em que as pessoas provinham, acima de

regulação. Aliás, se há área que continua a sair muitíssimo

tudo, da área comercial). Outra prova disso é que, actual-

chamuscada deste processo megalómano e mundial é a da

mente, o management team da Konica Minolta Portugal, a

auditoria. Tal ficou a dever-se à promiscuidade entre as em-

começar pelo director-geral, é de raiz financeira. Eu próprio

presas desse sector e os accionistas das auditadas. Essa

tenho funções muito alargadas, comparando com outros DF,

é uma situação que carece de imediata resolução. Devem

mesmo de outros sectores. A nossa direcção financeira tem

existir regulamentos que impeçam que uma entidade de au-

cinco áreas: IT, contabilidade e reporting, crédito e cobran-

ditoria esteja muito tempo num cliente. Seria benéfica uma

ças (que trabalha com agências de informação, cruza dados

rotação das equipas, em especial das de supervisão dentro

com entidades bancárias e que não existe na maior parte


intra

das empresas), facturação (noutras empresas, normalmente

dade, devido à crise instalada que motiva dificuldades em

ligado ao departamento comercial) e a de recursos humanos

arranjar o primeiro emprego, a noção de posse começa

e qualidade. Os recursos humanos são uma área de con-

muito mais cedo. E este aspecto altera completamente a

trolo fundamental. De tal forma, que algumas multinacionais

personalidade quando essas pessoas chegam ao mercado

optam por colocar esta vertente a reportar directamente à

de trabalho, tendo em conta a falta de sacrifício que colocam

sede. A nossa equipa de gestão reporta ao director-geral

na sua actividade. Estivemos numa fase de recrutamento e

espanhol – um financeiro puro, embora haja autonomia total

não foi fácil encontrar, para algumas áreas, as pessoas com

entre as duas entidades. Portanto, a área financeira deve ser,

a predisposição adequada. Apostamos em pessoas com

cada vez mais, entendida como um órgão de controlo das

formação, certificadas, possuidoras dos skills técnicos indi-

práticas/mecanismos existentes e de definição estratégica

cados, mas estamos a ser mais exigentes para com quem

dentro da organização.

revele espírito de conquista dos objectivos. Ter a estrutura mental adequada é algo que procuramos constantemente

No fundo, quase tudo na empresa acaba por passar

no sentido de depurarmos os nossos quadros.

pelo seu raio de acção... Faço parte do conselho de administração, sou o braço-direito do director-geral e tenho grande participação no desenvolvimento estratégico da organização (em especial nas áreas do marketing, plano comunicacional interno e externo, telecomunicações, frota, qualidade e ambiente). Diria que a crise deveria ter contribuído para um reforço da função financeira. Acha então que a função financeira acabou por não reforçar a sua posição? Estudos realizados nos últimos anos, ainda antes da crise, demonstram que está a ser valorizada. Contudo, infelizmente, sinto que ao nível da formação há uma crise geracional. Hoje em dia, o mindset das pessoas para o trabalho e para a profissão, independentemente da área, não está ajustado como estava há dez ou vinte anos atrás. Talvez este fenómeno tenha a ver com o facto de, na minha geração, os pais terem passado as dificuldades com que cresceram para os filhos e de, para os jovens de hoje, ser tudo mais “fácil”. O fenómeno do facilitismo e pouca exigência na nossa sociedade poderá estar a contribuir para esta lacuna. Certo é que tivemos dificuldade em recrutar pessoas com a noção de valores, ética e brio profissional, e em questões simples como a produtividade, exercício da liderança, objectivos e partilha da missão da empresa. Então poderemos estar a lidar com um grave problema na nossa educação... Claramente. Embora seja mais difícil ser jovem na actuali-

Perfil Nuno Soares é licenciado em Organização e Gestão de Empresas pelo ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa), com especialização na Área Financeira. Frequentou ainda um Curso de Especialização em Contabilidade Financeira Avançada, também no ISCTE. Iniciou a carreira profissional em 1997, como Auditor Financeiro na empresa Grant Thornton, tendo em Abril de 1998 ingressado na Minolta Portugal, como Director Financeiro Adjunto e Director do Departamento de Crédito. Em 2000 ingressa no Banco Invest, como Consultor Financeiro, no Departamento de Corporate Finance. Retornou à Minolta Portugal em 2003, como Director Financeiro Adjunto, para apoio ao processo de fusão entre os universos Konica e Minolta em Portugal. Essa fusão viria a operacionalizar-se em Outubro de 2005, tendo assumido a posição de Controller da Konica Minolta em Abril de 2006. Actualmente, e desde Março de 2008, desempenha funções de Director Administrativo e Financeiro da Konica Minolta, sendo simultaneamente membro do Conselho de Administração.


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intra

Em foco


35

Análise do barómetro CFO

Descer à terra

Depois de tantos meses de instabilidade, é agora tempo de fazer um balanço de um grave período da história económica mundial – e que ainda se faz sentir. Entre os réus encontram-se os directores financeiros. Mas, se é verdade que estes não foram os únicos (e, se calhar, nem os maiores) culpados, também é facilmente perceptível que mudaram a sua política e actuação empresarial.

O ano que findou teve todos os condimentos para a refor-

pairou sobre os gabinetes empresariais dos responsáveis

mulação do sector financeiro, em particular nas tarefas e exi-

financeiros nos últimos doze meses – e onde também se in-

gências que o director financeiro viu cair sobre si. Perante

cluem algumas estruturas portuguesas – que cabe agora ex-

um ciclo económico pessimista, consequência da activida-

planar. Metodologicamente, o Barómetro CFO 2009 incidiu,

de especulativa de muitos agentes, capaz de desvirtuar os

entre outras variáveis, numa sondagem totalmente anónima.

méritos que o capitalismo também representa, procuram-se

Numa avaliação aos resultados apresentados, o destaque

alternativas credíveis para o futuro a curto/médio prazo. Em

vai para a opinião mais conservadora de grande parte dos

2009, a receita mágica passou inevitavelmente por uma me-

inquiridos, os quais consideraram ser fundamental uma ade-

lhor gestão de risco, contas equilibradas e racional utilização

quada contenção de custos e redução dos investimentos,

de capitais. Tudo isto alinhado com uma ética a toda a prova,

particularizando a aposta em componentes estratégicas es-

contrariando os indicadores de constante desrespeito pelas

senciais para a evolução da empresa.

regras que casos mediáticos transmitiram a uma opinião pública cada mais chocada, desorientada e impotente.

Cautela e caldos de galinha...

O Barómetro CFO 2009, estudo publicado há cerca de um

Entre as conclusões deste relatório – que, mesmo com cer-

ano pela consultora CSC, em parceria com a CEGID, junto

ca de um ano, mantém a sua actualidade, perante um qua-

de algumas das grandes companhias europeias, perspecti-

dro financeiro que pouco evoluiu, apesar da diminuição do

vou as principais preocupações para o ano transacto, para

pessimismo entre os agentes económicos (fruto de alguns

além de lançar as bases para o funcionamento da área finan-

sinais de retoma, ainda que muito ténues) – assegura-se o

ceira nos próximos tempos. É essa mesma realidade, que

fim do despesismo, com ênfase para a redução de custos,


intra

2010, o CFO da seguradora preconiza um ano de recuperação na área empresarial. No entanto, adverte para a necessidade “de maiores custos para recuperar os investimentos adiados durante 2008 e 2009”. O posicionamento do director financeiro Gregory Cann, director de Marketing e Comunicação da CSC França – entidade promotora do Barómetro 2009 – realça que as empresas, como resposta aos tempos conturbados por que a economia mundial passa, “estão a regressar às ideias simples, controlando áreas de risco e a optimizar as suas organizações”. Entre os responsáveis financeiros contactados para responder ao repto lançado pela consultora gaulesa houve alguma dificuldade em responder às questões levantadas. Apesar disso, das suas reacções é possível aferir resumidamente que: › A crise económica e financeira apresenta quatro desafios às empresas: fontes de financiamento, estratégias, modelos operativos e métodos de gestão; › Os CFO têm que enfrentar uma mudança no exercício das suas funções para se tornarem nos “controladores do desempenho geral” da organização; › As suas prioridades são a gestão de “dinheiro” e a redução para além de uma estratégia com forte pendor na diminuição

de custos;

dos investimentos. Através da leitura do relatório emanado

› Com foco nas operações, têm de assegurar que o trabalho

pela CSC, os objectivos para 2009 privilegiavam ideias tão

desenvolvido por todos os departamentos é consistente.

simples como o controlo de áreas de risco ou a optimização

No meio financeiro ecoam as questões relativamente ao pa-

de fontes de financiamento ao custo mais baixo, afinal duas

pel dos responsáveis máximos desta área. Muitas vezes se

exigências bem actuais e que tão cedo não perderão a sua

apontou o dedo ao director financeiro, culpando-o da actu-

importância.

al situação crítica, motivada pela falta de ética ou excesso

Michel Baise, CFO do Millenniumbcp Fortis, assegura que,

de voluntarismo ao nível de investimentos e gastos. Clara

agora, “os objectivos não são mais modestos que anterior-

Raposo, docente do MBA do ISCTE, considera que “todos

mente, em vez disso, devem ser mais ambiciosos em termos

os intervenientes sofreram perda de credibilidade – directo-

de alcançarem maior transparência”. E remata que “o objec-

res financeiros por sujeitarem as empresas e investimentos

tivo de uma empresa pode ser maior lucro, mas o objectivo

mal sucedidos e auditores por não terem dado mostras de

de uma equipa financeira é focar-se no lucro «correcto»”. De

anteciparem as fragilidades de muitas empresas”. Para a es-

resto, e segundo o mesmo responsável, o contexto econó-

pecialista, a crise teve o condão de trazer à superfície uma

mico é um factor de risco para qualquer empresa, quer se

grande fragilidade da economia mundial, como um todo,

esteja num período de contracção ou retracção, pelo que a

para além de fazer descer à terra o sector financeiro, que

postura de um director financeiro deve ser sempre a mesma:

parecia considerar-se imune às mais ou menos comuns cri-

“em ambos os casos, a questão central é agir no momento

ses económicas. De facto, “a dimensão das possibilidades

certo para atingir os objectivos da empresa”, explica. Para

de contágio não tinha sido percepcionada pela generalidade


37

dos empresários”. Combater este mal-estar passa por uma crescente desconfiança e “a expectativa de uma maior «moralização»”, acrescenta a professora universitária. Ano novo, vida nova? Para 2010 perspectiva-se uma retoma na área empresarial. Isso mesmo assume Michel Baise, responsável do Millenniumbcp Fortis, para quem a “crise está apenas na mente e na consciencialização colectiva. O truque é dispersar e não a cultivar”. Ao focar-se mais concretamente no papel do director financeiro, Clara Raposo considera que este “não perde peso”. “Eventualmente, o Conselho de Administração passa a estar mais focado na informação que lhe é prestada pelo director financeiro, em particular nos detalhes de exposição ao risco da empresa”, conclui. Contrariando a perspectiva de Gregory Cann, acima expressa e referente à necessidade do director financeiro ganhar protagonismo no interior da estrutura de uma organização, Michel Baise defende que é este “que define a influência que quer nas operações”. E assegura: “nada tem que mudar, a não ser que o comportamento do director financeiro não esteja alinhado com o negócio. Sendo um parceiro numa equipa executiva, vai fornecer dados sobre o impacto das escolhas operacionais de uma empresa que irão ajudar no processo de tomada de decisão”. O executivo da entidade seguradora (detida em 49% pelo Millenniumbcp) defende que, no actual contexto de crise, tem como desafio “informar as pessoas, internamente, sobre as oportunidades positivas que provêm da crise: reposicionamento de algumas actividades e oportunidades de crescimento em nichos”. Questão-chave, e cada vez mais preponderante, o desempenho tem um papel crucial na evolução de qualquer empresa. Segundo o CFO do Millenniumbcp Fortis, o grande segredo é saber “apresentá-lo, avaliá-lo e dar feedback sobre como melhorar”. E completa: “uma abordagem puramente financeira não vai levar a escolhas certas. Há que equilibrar esta abordagem com outras considerações, como as que normalmente encontramos num equilibrado boletim de resultados”. Assim, a questão central neste caso não passa por maior transparência, antes pela qualidade dos dados para apoiar as decisões.

Como auscultar o sector financeiro A CSC desenvolve todos os anos vários barómetros, no contexto do programa I.D.E.A.S. (em português, Inspiração, Debate, Executivos e Inquéritos Anuais). Estes relatórios têm como objectivo, nas plavras de Gregory Cann, “analisar tendências e perspectivas de funções-chave com assento nas administrações (recursos humanos, departamento financeiro, tecnologias de informação, aprovisionamento, entre outros), a nível europeu”. Estes estudos são desenvolvidos por instituições independentes, como o IFOP e TNS Sofres, e envolvem a participação de várias centenas de responsáveis de grandes empresas e instituições públicas europeias. Para realizar este estudo definiu-se uma amostra de oitenta CFO, valor atingido, não sem alguma dificuldade. De acordo com o director de Marketing e Comunicação da CSC, fruto deste ambiente de crise, os responsáveis financeiros “estão altamente focados nas suas prioridades a curto prazo e tiveram dificuldades em encontrar tempo para responder”. Recorde-se que este barómetro não utilizou exclusivamente uma metodologia quantitativa (por força de sondagens de opinião a um questionário previamente definido) mas também qualitativa – fruto de entrevistas de fundo levadas a cabo. Porém, e apesar da estreita colaboração para garantir a neutralidade e eficácia na recolha de informação, alguns executivos mostraramse relutantes em responder, muitas das vezes com uma agenda tão carregada, que estas tarefas ficam relagadas para segundo plano: “por vezes, os seus assistentes resistem bastante e não temos oportunidade de falar com eles por telefone. É o que se passa com qualquer estudo”, confessa Gregory Cann. Para o próximo barómetro, o responsável da consultora francesa avança com uma novidade: “Estamos a trabalhar num blogue para continuar em contacto com os CFO durante o ano”.


intra

Entrevista Pedro Falé

“A crise, mais do que em relação ao director financeiro, traz antes uma desconfiança para com os auditores” Os resultados barómetro CFO de 2009 foram o ponto de partida para a conversa com Pedro Falé, da Madrilisboa. Tendo como base o referido documento, em que se indaga sobre as potenciais alterações inerentes à função, este director financeiro conclui que a sua actividade se afirma como uma peça fundamental na hierarquia empresarial e com tendência a sobressair em organizações bem geridas. Que comentário faz a este Barómetro 2009? Numa lei-

temporal a médio prazo. É a partir daqui que depois se

tura prévia, e na opinião dos seus pares, acaba por

irão desenvolver, quer os planos de negócios, quer os or-

ditar um “back to the basics” da função financeira,

çamentos respectivos.

pensar as coisas pelos princípios base da função. Concorda?

Depois desse planeamento elaborado, existe uma per-

Por vezes, torna-se a função financeira mais complicada

manente necessidade de equilíbrio das contas e ra-

do que ela é. Sem dúvida que é complexa, face até aos

cionalização dos custos. Serão estas as dificuldades

instrumentos que se criam. No entanto, a base que se dá

seguintes?

nas universidades tem que estar sempre presente, não

O problema maior que se segue é, geralmente, o controlo

adianta inventar muito mais do que isto. Tendencialmente,

orçamental. O plano de actividades é suportado pelo orça-

uma empresa de capitais privados visa o lucro. Depois,

mento, o qual está assente em determinados pressupos-

deve-se encontrar a melhor forma de o maximizar, minimi-

tos. Estes, por norma, são previstos num futuro de curto

zando outros factores, como os custos e tempo – se for o

prazo, através do atento acompanhamento das tendên-

caso –, rentabilizando-os. Isto é a teoria económica bási-

cias da taxa de juros, financeiras e mesmo dos próprios

ca, que vem elencar num dos aspectos mais importantes

mercados. Com base nisto, o orçamento tem que ser mui-

de uma organização, os planos estratégicos das organiza-

to bem acompanhado. A sua execução, ao contrário do

ções. Será a administração, com orientações estratégicas

que sucede no Estado, deve ser sempre acompanhada

dos próprios accionistas, a definir o plano estratégico para

de perto, rectificando ou não alguma rúbrica que seja va-

a empresa, e assim saber o que quer fazer num espaço

riável. Em comparação, um bom estudo de viabilidade, à


39

partida, vai conduzir a que o orçamento seja elaborado já com a tendência das taxas de juro. Na actual conjuntura, estamos perante uma crise que ninguém esperava e que, em muitos casos, causa desequilíbrios orçamentais. Aí sim, o director financeiro passa a ter um grande problema, no sentido de ter que refinanciar tudo aquilo que estava previsto. Terá que olhar para o orçamento, não de um ponto de vista rígido, antes transformando-o numa peça com outras características – não direi dinâmicas, que do orçamento o que se vê é a execução orçamental, que, como é óbvio, pode ou não falhar. Em resumo, o mais importante é de facto o planeamento, com o qual se terão logo que prever determinados riscos de negócio. Como resultado, a própria banca passa a não estar disponível para financiar da maneira como financiava. Mesmo para empresas que até tenham alguns lucros. Existe alguma dificuldade na obtenção de financiamento... Porque a banca, entre ela, já não confia da mesma ma-

prio sistema. Ao extravazar esta realidade para a empresa,

neira, refinanciando-se a uma taxa muito elevada, o que

passa a haver muito menos liquidez na economia, e a que

faz com que depois seja bastante selectiva nos créditos.

existe é selectiva, obrigando-a a pagar o dinheiro muito

O resultado de tudo isto é um convite às empresas, no

mais caro do que noutros tempos.

sentido destas fazerem alavancagens dos investimentos. Ou seja, vamos supor um empréstimo que se encontra em

No seu caso, que acaba por ter uma visão transconti-

curso e está previsto no orçamento; a tendência natural

nental do mercado, conhece ainda mais esses condi-

era refinanciá-lo praticamente nas mesmas condições. No

cionalismos a nível internacional. O que podemos pre-

momento actual, a tendência é “convidar” a empresa a

ver para 2010? Será que os problemas dos financeiros

liquidá-lo. Se quiser refinanciar, terá que o fazer em condi-

serão os mesmos?

ções totalmente diferentes, quer a nível dos rácios financei-

Creio que na Europa, o BCE ainda não terá muita margem

ros muito apertados, quer também no custo do dinheiro,

para mexer nas taxas de juro. O ano de 2010 manterá a

que passa depois a ser mais elevado. Efectivamente, logo

tentativa de se sair da crise, ainda que timidamente, mas

no início de 2009 previram-se custos de capital bastante

penso que o mercado já se limpou de muitas das empre-

superiores. E é isso o que está a acontecer, vejam-se os

sas. As restantes estão agora sujeitas a regras de crédito

spreads baixos, apesar do BCE (Banco Central Europeu)

totalmente diferentes do que estavam habituadas. O inves-

manter uma taxa de juro historicamente diminuta. Porém,

timento continuará muito brando, porque ainda se está a

mesmo com estas condições, o acesso ao crédito já não é

reequacionar a estratégia das próprias empresas, que se

tão fácil como em anos passados. Inicialmente, estas con-

mantêm num processo de reorganização. Este será um

dições de financiamento com juros baixos tinham como

ano que servirá, sobretudo, para reequacionar os planos

objectivo primordial relançar a economia. O problema é

estratégicos que tinham e verificar o que fazer no futuro,

que a banca está a cortar essa liquidez, porque ela própria

à luz das regras actuais, ou seja, seguramente com me-

não se consegue refinanciar a um valor tão baixo como

nor liquidez e um mercado ainda em fraca recuperação.

anteriormente o fazia, porque perdeu confiança no pró-

No caso português, para além de um recurso ao crédito


intra

limitado, conte-se com um fisco bastante agressivo. Ao

pois terá que “ratear” muito mais o capital, que passa a

nível estratégico, a visão empresarial poderá não passar

ser escasso. A nível de políticas comerciais, poderá haver

pelo mercado nacional, podendo em muitos casos incidir

(ou não) menos recursos para esses departamentos. Creio

numa aposta em mercados que estejam em crescimento

que a crise resultou mais num cartão amarelo aos audito-

e possam proporcionar taxas de rentabilidade muito mais

res, reguladores e supervisores do sistema.

elevadas do se obtém aqui, nomeadamente, em Angola, Brasil e mesmo no leste europeu.

E como é que se garante essa idoneidade? Bom, a justiça à partida é um órgão de soberania, que su-

Até que ponto há uma desconfiança em relação à fun-

postamente é independente e assim deveria funcionar. Há

ção do director financeiro? Diversos problemas da

que confiar nos tribunais, dar-lhes meios para que funcio-

crise e muitos dos escândalos mais conhecidos de-

nem. Não deveremos ter muitos problemas de mercado se

ram-se através de uma famigerada manipulação dos

este fôr bem regulado, com uma supervisão eficiente, e se

números apresentados. E muitas vezes foi o rosto do

depois a justiça funcionar de forma célere. O que verifica-

director financeiro, enquanto responsável máximo da-

mos é que não há confiança, nos reguladores, superviso-

quele departamento, a assumir esse escândalo.

res, ou numa justiça célere. O pior que pode ocorrer é falta

Numa organização bem estruturada, o director financeiro é

de confiança dos agentes económicos, pois estes acabam

sempre uma peça fundamental. Creio que a crise, mais do

por procurar novos ambientes, que ofereçam essa con-

que em relação ao director financeiro, traz antes uma des-

fiança. Portanto, o Estado deve repensar a sua actuação

confiança para com os auditores financeiros, porque, à par-

e criar os mecanismos para que os agentes económicos

tida, e se a empresa for bem gerida, os números vão forço-

se sintam à vontade e possam investir com segurança. Em

samente ser os correctos. E, portanto, ainda agora estamos

conclusão, menos Estado mas melhor Estado!

a ir para um sistema de normalização contabilística, exactamente para universalizar os métodos de contabilização das empresas, para se evitar os casos, como as manipulações. Posto isto, e cumprindo tudo normalmente, à partida o director financeiro fez a sua função. Mais do que colocar em causa o papel deste, que continua a ser o mesmo em termos

Perfil

gerais, esta crise veio pôr a nu o papel, quer dos reguladores dos mercados, quer dos auditores das empresas – muitas delas grandes empresas mundiais de auditoria. E às quais, se calhar, não está a ser apontado o dedo devidamente... Exactamente. Eu penso que ficou demonstrado que os reguladores não funcionaram, as supervisões estatais também não. No caso das empresas privadas, os auditores e os revisores oficiais de contas não souberam alertar para as situações que vieram a ocorrer. Nesse aspecto, o director financeiro, inclusivamente, acaba por ganhar maior visibilidade face a outros departamentos (comum em tempos de crise), reforçando a sua posição. De resto, este responsável vai ter influência directa nos outros departamentos,

Pedro Falé é, desde Março de 2006, Director Financeiro do Grupo Madrilisboa. Entre 2001 e 2006 foi Auditor Financeiro em Amável Calhau, Ribeiro da Cunha e Associados – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas. Licenciado em Economia pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), em 1999. Pós-Graduação em “Gestão e Controlo dos dinheiros Públicos” pelo Instituto Sócrates da UAL, em 2000. Master em “Auditoria Contabilística, Económica e Financeira” pelo Instituto Universitário de Desenvolvimento e Investigação da Administração da UAL em colaboração com a Universidade Autónoma de Madrid e Universidade da Estremadura, em 2003.



intra

Fiscalidade


43

Entrevista Rogério Fernandes Ferreira “Pode ser adequado proceder-se a auditorias mais regulares” Entrevista de José Branco

No entender de Rogério Fernandes Ferreira, o novo Código Fiscal do Investimento é “um instrumento de relançamento da competitividade da economia portuguesa”. Apesar de tudo, para o fiscalista é importante fomentar a abertura da discussão pública das leis antes da sua feitura.

Uma das principais metas a que o novo Executivo se

devidos, mas também de direitos e garantias, algumas

propõe é simplificar os procedimentos tributários e

que urge recuperar, dado estarem num processo de de-

melhorar a relação fisco-contribuinte. No seu enten-

terioração.

der, de que forma isso poderá ser feito? É público, desde o passado dia 13 de Outubro, o rela-

E que medidas concretas se propõem?

tório do grupo de trabalho para a política fiscal, em que

Por exemplo, e concretamente, proceder-se a uma rea-

tive a honra de ser coordenador, precisamente, que se

nálise, mais crítica, dos sistemas de avaliação dos funcio-

ocupou das relações fisco-contribuinte e onde são pro-

nários da Administração tributária, passando aqui a assu-

postas medidas várias, concretas. Estas não promovem

mir-se critérios não apenas de natureza quantitativa, mas

alterações estruturais, nem reformas, mas certamente

também qualitativa e conjugados de forma mais adequada

serão, se forem concretizadas, muito úteis, acabando

e equilibrada. É que a avaliação dos agentes tributários

com algumas interpretações divergentes, procedimentos

está assente ainda em critérios meramente quantitati-

dúbios ou ineficientes, gerando maior certeza, segurança

vos, o que a torna desadequada e pode, infelizmente,

e confiança aos agentes económicos e nos operadores

implicar análises explicativas algo enviesadas sobre o

– aqui incluindo a Administração tributária, magistratura

aumento do número das execuções, compensações ou

judicial e Ministério Público e, principalmente, os contri-

penhoras. Creio, neste âmbito, que pode ser adequado

buintes, empresas e pessoas individuais. Há certamente

proceder-se a auditorias mais regulares e procurar uma

que reposicionar o contribuinte no centro do sistema fis-

mais ampla discussão pública das leis antes da sua feitu-

cal, que o recolocar em primeiro lugar, enquanto sujeito

ra. Deverá também ser feita uma mais adequada divulga-

de deveres, é claro, cujo principal é pagar os impostos

ção dos entendimentos da Administração tributária sobre


intra

nestes incluindo os alternativos e mesmo os arbitrais, para resolução dos conflitos tributários, devidamente melhorados, agilizados, participados e informatizados. Limitar-seia, assim, com respeito pela Constituição da República Portuguesa, o recurso aos Tribunais. Mas muitas outras medidas concretas estão equacionadas, no sentido de alargar a informatização dos processos a todas as áreas funcionais da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e de optimizar os sistemas de informação. Isto com vista à obtenção de maior eficácia na prestação dos serviços tributários, a melhorar e simplificar a relação do contribuinte com a Administração tributária e a reduzir custos de cumprimento, quer na vertente da Administração, quer dos contribuintes. O objectivo será agilizar e automatizar a comunicação entre os diversos operadores, desmaterializando comunicações entre a Administração tributária, o Ministério Público e os Tribunais, recorrendo, se necessário, à assinatura digital qualificada dos documentos envolvidos, a consagração de um regime-regra, em relação a qualquer requerimento e independentemente de a quem seja dirigido. Tal implica que este possa ser apresentado em qualquer serviço da Administração tributária, que, depois, oficiosamente, o encaminha para o órgão competente. Deve passar a ser possível aos serviços centrais e ao departamento de declarações electrónicas emitir nova password, a ser entregue automaticamente e por via electrónica, a contribuintes não residentes. Procudiversas disposições legais, em particular das novas, de

ra-se, assim, conciliar o interesse na flexibilização de pra-

modo a permitir interpretações de decisões muito mais

zos e condições de pagamento das dívidas tributárias com

uniformes e que sejam do conhecimento dos contribuin-

a garantia da igualdade de tratamento dos contribuintes e

tes. E porque não criar-se um serviço especializado por

a dissuasão dos comportamentos evasivos. É ainda cru-

onde passem as questões de maior complexidade ou me-

cial clarificar que as penhoras só podem ocorrer depois de

lhorar as respostas de massa a perguntas frequentes colo-

terminado o prazo dos contribuintes para reclamar, já que

cadas pelos contribuintes, através do e-mail ou call center,

foram detectadas situações em que estes foram confron-

como forma de descongestionar os serviços? No âmbito

tados com a penhora de contas bancárias com o prazo

da simplificação dos procedimentos e dos processos de-

para recorrer aos tribunais ainda a decorrer. E os custos

veriam também harmonizar os prazos de contestação das

de cumprimento, a ter sempre presentes nas decisões de

liquidações e flexibilizar, mesmo na actual conjuntura, as

política fiscal, que tornam premente o estudo comparativo

condições de pagamento das dívidas fiscais, incluindo as

das medidas fiscais especiais destinadas a reduzir o seu

não exequendas. Acima de tudo, deve-se ponderar a cria-

peso, nomeadamente nas PME? Muitas situações que,

ção de um modelo que privilegie os meios administrativos,

além de apontar, urge serem corrigidas.


45

Sente que a aposta na concorrência fiscal, seguida

regime aduaneiro, há um procedimento simplificado de

pelo Governo – e visível através do novo Código Fiscal

concessão do estatuto de Operador Económico Autoriza-

do Investimento, que alargará até 2010 os benefícios

do, destinado aos promotores, e, ainda, a adopção de me-

ao investimento contratualizado, introduzindo também

didas de simplificação, como a dispensa da prestação de

novos incentivos –, será a forma de melhorar a fiscali-

garantia dos direitos de importação e demais imposições

dade actual?

eventualmente devidas pelas mercadorias não comunitá-

O novo Código Fiscal do Investimento pretende assumir-se

rias. Prevê-se, finalmente, um regime especial de tributação

como um instrumento de relançamento da competitivida-

para residentes não habituais, que não tenham sido tribu-

de da economia portuguesa, reformulando as condições

tados em Portugal nos últimos cinco anos e se dediquem

da contratualização dos benefícios fiscais ao investimento

ao exercício de profissões científicas ou de elevado valor

produtivo anteriormente previstas no Estatuto dos Bene-

técnico, por um período consecutivo de dez anos, regime

fícios Fiscais e noutra legislação avulsa. Em concreto, no

este que permite, na prática, e verificadas determinadas

que respeita ao investimento em território português, serão

condições, que tais rendimentos beneficiem de uma taxa

elegíveis os projectos de investimento a desenvolver por

de 20%. Será ainda admitida a isenção de imposto sobre

empresas nacionais ou estrangeiras, até 2020, de valor su-

os rendimentos obtidos no estrangeiro, quando tenham já

perior a 5 milhões de euros, desde que apresentem como

sido tributados no Estado da fonte, e este não seja offsho-

primordial objectivo o desenvolvimento do tecido empresa-

re. Ora, tendo presente tantas e boas novidades, resta-nos

rial nacional e de sectores com interesse estratégico para a

aguardar para comprovarmos se as alterações aí previstas

economia portuguesa. Neste âmbito, prevê-se também o

serão suficientes para relançar a confiança dos operadores

alargamento a empresas que actuem nas áreas do ambien-

económicos nacionais e estrangeiros no investimento em

te, energia e telecomunicações. Alteram-se as condições

Portugal, que é o que se pretende.

de atribuição do crédito de imposto em IRC, prevendo-se uma percentagem de 10% de benefício base para todos

O Governo parece apostado em avaliar e transformar

os projectos elegíveis, que poderá ser majorada até 20%.

profundamente a tributação de impostos em Portugal.

E há factores que eventualmente levarão a um aumento

Não teme que estas reformas impliquem uma redução

de 5% na percentagem de crédito a atribuir, como o de-

do investimento e do próprio crescimento nacional?

senvolvimento do investimento num sector prioritário, ou

Não me parece e não é isso que consta do progra-

numa região com índice de rendimento per capita inferior

ma eleitoral do PS, que só se refere duas vezes a pa-

à média nacional nos últimos dois apuramentos do INE.

lavra “reformas”, a propósito do IRS e do IMI e do IMT,

Também o relevante contributo para a inovação tecnológi-

e que acentua, sim, os aspectos da simplificação e es-

ca ou a criação ou manutenção de 250 postos de trabalho

tabilidade. Se é indispensável, numa economia aberta

e a consideração da manutenção desses postos enquanto factor majorativo constitui igualmente uma novidade. É também alargada a definição das aplicações relevantes para efeitos do cálculo dos benefícios fiscais, passando a poder ser consideradas as despesas com transferências de tecnologia (direitos de patentes, licenças, know-how ou conhecimentos técnicos das patentes). E introduz-se, por último, um regime de amortização do goodwill, com possibilidade de amortização das mais-valias potenciais ou latentes no âmbito do projecto, o que é novidade. Com vista à simplificação e eliminação da carga burocrática do

“O novo Código Fiscal do Investimento pretende assumirse como um instrumento de relançamento da competitividade da economia portuguesa, reformulando as condições da contratualização dos benefícios fiscais ao investimento produtivo (...)”.


intra

“Os atrasos nos pagamentos por parte do Estado e por parte de outros clientes públicos agravam os riscos da insolvência das empresas, particularmente das PME, e do desemprego e acentuam as dificuldades de tesouraria, especialmente também nas PME”.

com o papel do Estado neste processo. O que é que o Estado deve fazer para que essa recuperação seja mais evidente? É inegável que a gestão das finanças públicas, quer numa perspectiva de realização de despesa, quer na óptica de estruturação do sistema de receitas fiscais, influencia o desempenho da economia. Os esforços de redução do deficit e da dívida pública, interrompidos na sequência da crise que se vive actualmente, deverão, como impõe a União Europeia, ser retomados e prosseguidos. As me-

como a portuguesa, eliminar situações de desvantagem

didas que visam a reafectação da despesa e a diminuição

perante os nossos congéneres europeus, o certo é que a

dos gastos públicos serão as desejáveis. Já do lado da

decisão de investimento atende ao grau da taxa efectiva e

receita, as medidas a tomar não deverão deixar também

da pressão fiscal, aos incentivos fiscais, à possibilidade e

de ter em consideração as suas consequências sobre o

facilidade de obter informações vinculativas, as rulings, à

deficit, havendo aqui bem pouca margem de manobra.

rede de Convenções para eliminar a dupla tributação, mas

Ora, os atrasos nos pagamentos por parte do Estado e

também ao grau de complexidade do sistema e à agilida-

por parte de outros clientes públicos agravam os riscos

de da tramitação administrativa, que tem melhorado mas

da insolvência das empresas, particularmente das PME, e

pode melhorar ainda muito. Ao Governo caberá assegurar

do desemprego e acentuam as dificuldades de tesouraria,

a eficiência da Administração e, em concreto, procurar har-

especialmente também nas PME.

monizar a complexa e instável legislação fiscal, bem como resolver a ainda existente morosidade que a Administração

Muitos directores financeiros das empresas queixam-

Fiscal e, principalmente, os tribunais revelam na aprecia-

se do esforço exigido com a dupla tributação. Do seu

ção e decisão das petições que lhes são apresentadas

ponto de vista, o que tem falhado?

pelos contribuintes. Esta realidade é pouco compaginável

A Administração tributária tem, nestas matérias, sido

com a eficácia da cobrança que o Executivo está a incutir

algo obtusa, desconsiderando o que vem de fora, no

na Administração e que não deixa de ser de louvar.

que respeita às dificuldades que impõe aos contribuintes e às empresas em geral. Faz depender a aplicação das

Estarão os directores financeiros das empresas portu-

Convenções para Evitar a Dupla Tributação, em matéria

guesas suficientemente preparados para, num período

de dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre

próximo que se acredita de recuperação, enfrentarem

rendimentos do trabalho, prestação de serviços, juros, di-

a rigidez das leis tributárias?

videndos, royalties ou outros e o reembolso do imposto

A desarmonia e dificuldades suscitadas pelas leis fiscais,

retido, da apresentação dos formulários instituídos para

mesmo em sede de garantias, é que é geradora de um cli-

este efeito. Aqui, não se trata de uma medida de aplicação

ma pouco propício à certeza e à segurança jurídicas, fac-

recíproca, mas sim de um procedimento imposto sobre o

tores estes indispensáveis à actuação dos agentes econó-

residente fiscal de outro país e que obriga as respectivas

micos e às tais decisões de investimento que se pretende

autoridades a certificarem um Modelo em língua estran-

promover.

geira, em português e em inglês, agora com a excepção do espanhol, e em momento eventualmente anterior ao

Segundo um estudo da KPMG, o próximo ano poderá

do cumprimento das obrigações declarativas nesse país.

trazer um cenário de alguma recuperação. Contudo,

Alguns países, ou em algumas cidades, as autoridades fis-

mais de metade das empresas está segura de contar

cais estrangeiras têm mesmo recusado a certificação dos


47

referidos Modelos, alegando, em alguns casos, a inconstitucionalidade desta exigência em face do ordenamento jurídico doméstico, ou o facto de tal formalidade não ser exigível nos termos previstos nas Convenções. Apesar de tudo, tem havido aqui avanços, mas a dificuldade, ou a impossibilidade, da obtenção atempada dos Modelos RFI obriga à entrega do imposto que deve ser retido nos termos da legislação portuguesa. Substituem assim diversas situações de dupla tributação, efectiva, de rendimentos ou, melhor, de agravamento da carga fiscal sobre a empresa portuguesa devedora, e que dificilmente é compatível com as disposições que decorrem da aplicação das Convenções para Evitar a Dupla Tributação. E há mais exigências que devem ser revistas? Muito provavelmente. No âmbito dos processos de análise de declarações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou de revisões oficiosas, por exemplo, a Administração tributária solicita também, muitas vezes, aos contribuintes, a apresentação de documentos originais, emitidos ou certificados pelas Administrações fiscais estrangeiras. Estes devem comprovar o montante do rendimento auferido no estrangeiro, a sua natureza e respectivo imposto pago, de forma a validar o crédito de imposto a atribuir para eliminação da dupla tributação internacional. Aqui, exige-se ainda a tradução dos referidos documentos, excepto se estiverem redigidos em espanhol, francês, inglês ou alemão, conforme Ofício Circulado n.º 20124, de 9 de Maio de 2007. Deveria ser equacionada a eliminação destas exigências de documentos originais emitidos ou certificados pelas Administrações tributárias estrangeiras, pelo menos nas situações em que os rendimentos e os impostos estrangeiros sejam imputáveis a Estados com os quais tenham sido celebradas Convenções para Evitar a Dupla Tributação. Nestes casos a autenticidade da informação prestada com base em meras cópias poderia ser validada através da criação ou dinamização de canais eficazes de comunicação com as autoridades fiscais estrangeiras, em conformidade, aliás, com as regras de troca de informação previstas nas Convenções.

Perfil Rogério M. Fernandes Ferreira é licenciado em Direito, Pós-Graduado em Estudos Europeus e Mestre em Ciências Jurídico‑Económicas pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, é docente, nos cursos de pós-graduação das Faculdades de Direito e Economia da Universidade Católica Portuguesa e do Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito da Universidade (Clássica) de Lisboa, para além de Professor Associado Convidado e Coordenador do Curso de Mestrado em Gestão Fiscal no Instituto Superior de Gestão. Integrou várias Comissões e Grupos de trabalho no Ministério das Finanças, nas áreas do direito fiscal e financeiro e das finanças públicas: Coordenador no Grupo do Procedimento, Processo e Relações entre Fisco e Contribuintes do Grupo de Trabalho para o Estudo da Competitividade Fiscal (2008-2009), Presidente na Comissão de Reforma do Regime do Património Imobiliário Público (2005-2006) e membro na Comissão de Estudo da Tributação das Instituições e Produtos Financeiros (1998-1999), no Grupo de Trabalho para a Reforma da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado (1997‑1998). Foi membro também da Comissão de Infracções Fiscais (1991-1992) e da Comissão de Legislação (1995) da Ordem dos Advogados Portugueses. Foi Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do XIV Governo Constitucional (2001/2002). É Presidente da Associação Fiscal Portuguesa (branch portuguesa da International Fiscal Association e do Instituto Latinoamericano de Derecho Tributario). Advogado, especialista em Direito Fiscal pela Ordem dos Advogados Portugueses e sócio de capital e coordenador na área de prática de direito fiscal na PLMJ – Sociedade de Advogados, RL, é autor de vários trabalhos publicados nas áreas do contencioso tributário e do direito fiscal, financeiro, orçamental e segurador.


intra

Autom贸vel


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Subaru Legacy 2.0 Boxer Diesel Wagon O prazer de ser diferente

Já não será novidade para ninguém que a Subaru continua a conceber carros com um cunho próprio. Pudemos comprovar que a nova carrinha Legacy, modelo que comemora o seu vigésimo aniversário, reúne qualidades que agradarão a qualquer apreciador de boas station wagon e com o carimbo da qualidade deste construtor japonês. É verdade que o lançamento de um novo Subaru nunca

da discrição que a caracterizava, devido a alguns ângulos

levanta grande celeuma. Mas devia. Embora não estan-

estranhos introduzidos. Com efeito, após uma observação

do no topo das vendas de compactos, pudemos com-

mais atenta, concluímos que as novas linhas sóbrias mas

provar que esta wagon é um modelo a ter em conta pois

robustas e elegantes ajudam a aumentar a afinidade por este

trata-se de uma das primeiras viaturas do seu segmento a

modelo, ainda pouco visto nas estradas nacionais. Mesmo

oferecer um motor de quatro cilindros de grande capaci-

que, de forma rebuscada, possamos considerar que se pa-

dade. Além disso, o facto de possuir all-wheel drive (trac-

rece com um VW Jetta visto de traseira, possivelmente a

ção total permanente) como standard é uma mais-valia.

Subaru possui apenas o melhor design entre os fabricantes

Uma alternativa competitiva a compactos para executivos

asiáticos. As portas não têm o tradicional aro, o que lhe con-

como o Audi A4, Alfa Romeo 159 ou a série 3 da BMW.

fere um aspecto desportivo sem o querer assumir. Porventura, devido à sua escolha, este factor poderá até

Modelo porta-estandarte

conferir exclusividade e carisma ao seu proprietário.

Em 2009, o Legacy Concept foi construído para comemorar

Sendo uma das poucas carrinhas desportivas interessantes

os 20 anos do modelo. Este modelo foi tornado público no

disponíveis no mercado, com esta Legacy parece que a Su-

último Salão Automóvel de Detroit e antecipou a quinta ge-

baru conseguiu apelar às massas sem ofender os seus se-

ração, já introduzida no mercado japonês em Maio de 2009.

guidores mais fiéis. Venceu o prémio do carro do ano no Ja-

Inteiramente baseado na nova linha Legacy, esta tourer sur-

pão (2009/10), precisamente no mercado onde possui maior

ge dotada de maior modernidade, além ser mais alta, lar-

expressividade de vendas (mais de 50%). Argumentos como

ga e comprida que a antecessora. Os puristas poderão, no

o seu preço competitivo, conforto no compartimento do

entanto, apontar que algo se perdeu no caminho desta su-

passageiro, excelentes considerações ambientais, avanços

cessão. É possível que refiram que a nova wagon se afasta

na sua performance e condução única, além da segurança,


intra

Ao nível de equipamento, podemos encontrar de série, nomeadamente o banco eléctrico do condutor, computador de bordo, ar condicionado bizona, faróis de xénon, sensores de estacionamento, controlo de estabilidade, entre outros. É certo que não inclui alguns dos gadgets do momento, mas apresenta um equipamento generoso e de qualidade, que promete contribuir para aumentar a quota de mercado do construtor nipónico em Portugal. Um motor do outro mundo A carrinha Legacy oferece-nos, provavelmente, o melhor motor a diesel de dois litros do mercado. O motor é simplesmente genial e estraga com mimo o condutor, devido à sua tenacidade e resposta – atingindo os 100 km/h em 8.9 segundos –, e graças ao sistema de tracção total justificam tal reconhecimento. A série Legacy surge equipa-

permanente automático sem paralelo não se nota grande

da de raiz com a melhor tecnologia Subaru: AWD (tracção

oscilação na direcção do Legacy, como sucede em al-

total permanente) e motor Boxer (até aqui inédito).

guns carros com mais cilindrada. Na verdade, a ausência de oscilações típicas e o seu comportamento levam-nos a

Demarcando-se da concorrência

confundi-lo com um carro a gasolina. O som característico

Os engenheiros da marca japonesa estão hoje concen-

destes motores ganhou popularidade e o baixo centro de

trados em equipar os seus carros com tecnologia se-

gravidade que lhe permite alcançar é um factor que con-

leccionada que acrescente divertimento àquilo que al-

tribui para o bom desempenho dinâmico. Até há bem pou-

guns podem considerar um alinhamento conservador.

co tempo estes motores diesel não estavam disponíveis no

Este Legacy de cinco ocupantes, apesar de agradável e

mercado europeu. O Legacy foi o primeiro a merecer esta

atractivo, não é memorável no seu estilo interior. Alguns utili-

confiança. E em boa hora, pois está equipado para esgrimir

zadores poderão cair no erro de partir do princípio que a en-

argumentos com qualquer uma das melhores propostas do

trada de ar no capot é algo mais próprio para um apreciador

segmento. Os 350 Nm de binário máximo surgem logo às

de tunning. O facto é que este traço característico do mode-

1800 rpm. Aliás, o Boxer começa a progredir às 1500 rpm.

lo é apresentado de forma suave e enquadrada no restan-

Deste patamar até depois das 4000 rpm, o taquímetro sobe

te aspecto exterior do carro. As suas razoáveis dimensões

de forma intensa e a velocidade acompanha essa escalada.

ocultam um habitáculo muito amplo. O interior é acolhedor

Quando paramos, não se sente que o carro está ao ralenti,

e espaçoso, surge dotado de bons materiais, com assentos

com um motor silencioso, isento de vibrações indesejadas.

em pele, proporcionando todo o conforto necessário aos

Dado que os 150 cv à disposição são desenvoltos, talvez se

ocupantes da frente. Uma mais-valia é o facto de ambos

justificasse uma caixa de seis relações. Certo é que as presta-

poderem ser presenteados com ajuste lombar nos assentos.

ções resultam bastante bem para uma carrinha com tracção

Além disso, os comandos do Legacy são fáceis de aceder.

total permanente. Com a vantagem de se conseguir sempre

Pode haver quem lamente a ausência de algum modernismo,

uma motricidade excelente (independentemente do piso).

mas, como também acontece com os Suzuki, é sempre difícil

Na condução, não demos conta de muito ruído vindo dos

ter o melhor de dois mundos. No fundo, é sóbrio e sem gran-

pneus. Contudo, notámos que o habitáculo não tem gran-

des motivos para distracções, em contraponto com alguns

de protecção face aos ruídos provenientes de outros carros

modelos de outros concorrentes do país do sol nascente.

ou camiões que transitem na faixa ao lado. A viagem su-


51

Custos de exploração 48 meses / 120.000 km Empresa Locarent LeasePlan

Valor 801,36 € 841,97 €

Nota: Os valores referidos são meramente indicativos, já incluem IVA, e aplicam-se para a compra de uma viatura/ano. Compreendem manutenção do veículo e duas mudanças de pneus (dois jogos de quatro).

cede sem grandes percalços, com conforto de rolamento elevado, apenas algumas notórias dificuldades em termos de suspensão em pavimentos mais degradados. Os travões são impecáveis para um carro de uso diário e a tracção é na linha das melhores do mundo, provavelmente só ultrapassada pela da Porsche. Deparamo-nos com movimentos previsíveis, embora a suspensão não permita que a Legacy obtenha melhor precisão de entrada em curva. Excelente tracção, aderência, eficácia e alguma diversão, sem beliscar o conforto. Contudo, nem tudo são rosas. Numa média ponderada por

Características Técnicas Motor Tipo: 4 cilindros opostos Colocação: dianteira longitudinal Cilindrada (cc): 1998 Distribuição: 2 v.e.c./16 válvulas Alimentação: injecção directa common-rail Potência máxima (CV/ rpm): 150/3600 Binário máximo (Nm/ rpm): 350/1800 Transmissão Tracção: integral Caixa: manual de 5 velocidades

nós – é certo que sem recurso a tecnologia adequada –, deparámo-nos com consumos superiores aos anunciados. Estimámos que, pelo menos, andará nos sete litros a cada 100 km e não nos anunciados 5,7, em consumo combinado, talvez devido à tracção total permanente, Se pisarmos um pouco mais no acelerador notamos consumos que não chegam aos nove litros, o que mesmo assim é bastante simpático. Herdeiro distinto

Plataforma Suspensão dianteira: tipo MacPherson, barra estabilizadora Suspensão traseira: multibraços, barra estabilizadora Direcção/nº de voltas: cremalheira, assistida/3,2 Diâmetro de viragem (m): 10,8

Travões frente/trás: discos ventilados/discos Jantes/pneus: 205/55 R16 Carroçaria Comprimento/ Largura/Altura (mm): 4720/1730/1470 Peso (kg): 1510 Relação peso/potência (kg/cv): 10,1 Capacidade da mala (l): 459 Capacidade do depósito (l): 64 Prestações anunciadas Velocidade máxima (km/h): 203 0-100 km/h (s): 8,9 Consumos anunciados Urbano/extra-urbano (l/100 km): 7,1/5,0 Combinado (l/100 km)/ CO2: 5,7/151

Estamos perante um excelente automóvel para quem não liga a marcas mas ao automóvel em si, dispensando muita da parafernália técnica que grande parte dos carros disponibilizam de origem – algumas vezes para disfarçar outras

carros de luxo e que o banco de trás seja demasiado aper-

lacunas. Esta Legacy Wagon (versão de 2009) providencia o

tado para três ocupantes. Mas, sobretudo, o que se lamenta

essencial, preferindo equipamento que não dá muitas cha-

é que muitos o desconheçam – mais do que não o pondera-

tices, a um preço ideal. Pela tracção integral é, sem dúvida,

rem na hora da compra.

um automóvel familiar a considerar, sobretudo para quem se

O melhor desta wagon é a sensação que transmite ao utili-

movimente em zonas de clima predominantemente agreste.

zador: é inteligente, confortável, animada, tudo obtido sem

Pena é que as versões de topo estão disponíveis a preço de

exageros de ego ou masculinidade.


intra

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Director Nuno Santos Editor José Branco jose.branco@algebrica.pt Design Luís Silva Composição Gráfica e Produção Margarida Soares

Direcção de Publicidade comercial@algebrica.pt Tel.: 21 120 43 19 Fax: 21 120 43 49 Aquisição de exemplares revistas@algebrica.pt Tel.: 21 120 43 00 Fax: 21 120 43 49 Assinaturas assinaturas@algebrica.pt www.algebrica.pt/intra_df Tel.: 21 120 43 00 Fax: 21 120 43 49 Impressão Loures Gráfica, Lda Rua João Camilo Alves, 6A Bucelas 2670-661 Loures Registo NROCS nº 125010 Depósito legal nº 251277/06 Periodicidade Trimestral Propriedade Março Editora

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