Estudantes se mobilizam na zona leste contra fechamento de escola

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Estudantes se mobilizam na zona leste contra fechamento de escola: “a gente é persistente, é guerreiro” Alunos da Escola Estadual Salvador Allende se organizam e lutam para que o local continue sendo parte da comunidade; Esta é uma das seis ocupadas até o momento. 12/11/2015 Por José Coutinho Júnior, De São Paulo

EE Salvador Allende, em Jornada Cultural no último sábado (7) | Fotos: Victor Tineo/BdF

Cerca de 100 estudantes ocuparam a Escola Estadual Presidente Salvador Allende Gossens, na zona leste de São Paulo, na manhã desta quinta-feira (12). Essa e ao menos outras cinco escolas estaduais estão ocupadas, como a de Diadema, a Valdomiro Silveira, em Santo André, e a Professora Heloisa Assumpção, em Osasco; além da Fernão Dias Paes, na zona oeste, e da Castro Alves, na zona norte da capital. Algumas já sofrem ameaças de reintegração de posse, pela Justiça e policiais. Os jovens da Salvador Allende, assim como os de muitas outras instituições de ensino em São Paulo, estão se mobilizando contra o fechamento de sua


escola, que consta na relação das que sofrerão a “reestruturação” do Governo Alckmin (PSDB). Em lista divulgada pela Secretaria Estadual de Educação, 94 escolas paulistas irão passar pela “reorganização”, afetando 311 mil estudantes e 74 mil professores. “Rebelião dos pinguins” Talvez por coincidência, os estudantes da Salvador Allende, com nome que homenageia o ex-presidente socialista chileno, assistiram, no último sábado (7), quando realizaram um festival cultural, ao filme “A rebelião dos pinguins”, sobre a luta dos estudantes secundaristas no Chile, que ocuparam diversas escolas, em 2013. “A gente conhece a história do Allende e se inspira bastante nele. A frase dele 'ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética' é uma que eu gosto muito”, diz o estudante Rafael Lara Blanco, de 16 anos. Os professores e a direção inicialmente apoiaram os alunos. Depois que os estudantes realizaram um ato na diretoria de ensino, que confirmou o fechamento, eles passaram a lutar sozinhos. Segundo o diretor da escola, Moisés Melo dos Santos, a proposta é que ela se torne uma escola técnica ou um batalhão da Polícia Militar. O principal motivo para o seu fechamento, de acordo com o diretor, é a falta de demanda e o baixo número de alunos na escola: de 18 salas, nove funcionam, com 250 alunos de manhã e 210 à tarde. Os períodos noturnos e o Pátio da EE Salvador Allende Ensino de Jovens e Adultos (EJA) também foram cortados, o que fez com que diminuísse o número de alunos. Para Carolina Freitas, do cursinho popular Baobá, que apoia a organização dos estudantes, a menor demanda de alunos teve início por conta de medidas da direção da escola. “Fechar o período noturno aqui significou cortar uma


demanda que existia, que era viva. E isso faz as pessoas evadirem também”, afirma. Caso a mudança ocorra, todos os professores, funcionários e alunos serão redistribuídos para outras escolas. Famílias e comunidade Rafael tem 16 anos e está no terceiro ano do ensino médio. Estuda no Salvador há um ano, e tem um irmão que está na sétima série. Toda sua família é contra a proposta de reestruturação. “Minha mãe trabalha como inspetora em outra escola, mas já trabalhou aqui e todo mundo parece que pega um carinho com essa escola”, relata. Cursos populares, professores de outras escolas e a comunidade apoiam a luta dos alunos. “Fizemos atos e a comunidade foi a favor do não fechamento”, diz. A sala de Rafael tem 55 alunos matriculados, sendo que 30 estão presentes constantemente. Para ele, o argumento da baixa demanda não faz sentido. “O ensino é melhor com menos alunos, o professor fica menos estressado e a gente entende mais o que ele fala”, avalia.

Rafael Blanco, 16 anos

Ele conta que a maioria dos alunos e funcionários ficaram tristes com a notícia do fechamento. “Essa escola é mais acolhedora entre os alunos, e tem uma fama de ser escola ruim, o que não é”. Realocar os alunos para outras escolas não mudaria só o dia a dia dos alunos, como o das famílias. O irmão de Rafael, por exemplo, irá para uma escola mais longe, e por conta disso sua mãe terá que pagar uma “perua escolar” para levá-lo. “Todas as reuniões das escolas são no mesmo dia. Uma mãe não vai conseguir estar num lado do bairro e depois no outro no mesmo dia, porque seus filhos estão em escolas diferentes. A mãe de um amigo meu tem sete


filhos. Se já não tem como ela estar em todas as reuniões, com essa reorganização vai ser impossível”, afirma Rafael. Para o aluno, a mobilização dos estudantes pode alterar os rumos da escola. “Acredito que quem faz a escola são os alunos. Não são os professores ou o diretores que vão mudar a escola. Eles podem ajudar ou prejudicar, mas quem muda são os alunos”, defende. Consciência jovem No sábado (7), sentados em roda, os estudantes escreviam cartazes contra o fechamento da escola, com mensagens que iam das mais claras, como “não feche nossa Oficina de cartazes na escola escola”, às mais inusitadas “The Alckmin Dead”, e mostravam sua consciência política nas conversas que tinham. - “Tinha um professor que apoiava a Ditadura Militar, era osso.” - “Eu tinha uma professora de história que era evangélica, aí fiz um trabalho sobre a teoria da criação, e ela ficou olhando 'meio assim'… como se tivesse errado. Quer o quê? Que eu acredite em Adão e Eva?” - “Podíamos desenhar a Cruela num cartaz, usando um casaco de estudantes.” - “Minha mãe fica vendo as matérias da Globo falando mal das nossas mobilizações. Um dia falei pra ela que o que a Globo fala é mentira.” - “Vocês viram o Roda Viva com o secretário estadual de Educação? Só tinha gente rica perguntando pra ele sobre a reestruturação. Cadê a mãe pobre pra fazer pergunta?” Pertencimento e acolhida Nicole Priscila de Assis se diz tímida. “Ai velho, vão me filmar”, diz tampando o rosto antes da entrevista. Mas a garota de 19 anos fala com desenvoltura e humor.


Nicole está no segundo ano do ensino médio. Quer fazer educação física quando terminar a escola. Estuda há sete anos no Salvador, mas parou de estudar por um tempo porque se mudou de bairro e não se adaptou à outra escola.

Nicole de Assis, 18 anos

Perguntada sobre o que acha da escola, diz rindo. “Quando passei aqui pela primeira vez, olhei pra cá e pensei: 'mano, essa escola deve ser uma bosta, não sei se vou querer estudar aqui'. Mas vim pra cá e conheci tanta gente, que me acolheu como se me conhecesse há muito tempo… É uma das melhores escolas em que já estudei. A gente se trata como família, um cuida do outro”. Quando sua mãe ficou sabendo que a escola poderia fechar, ficou triste. “Minha mãe nunca foi presente porque trabalha demais. Tem três empregos, não tem tempo para vir na escola. Mas quando falei que a escola ia fechar ela sentiu um baque, porque ela sabe que eu gosto daqui. Eu chorei muito, e ela me consolou”, conta. A maioria dos alunos da Salvador será deslocada para a Escola Estadual Professor Francisco de Assis Pires Correa, a Chiquinho. Segundo Nicole, isso seria péssimo para o aprendizado dos alunos. “O Chiquinho já é lotado, e vai ficar mais agora. O contrário seria melhor, mandar os alunos das escolas lotadas pra cá. Já que falam que a nossa escola é vazia, não tem demanda de alunos, por que não trazer os alunos de lá pra cá?”, questiona. Ela diz que os alunos não tem intenção de desistir, e que vão continuar se mobilizando até que sua escola continue aberta. “A direção e professores falaram que não ia ter como voltar atrás, que a escola ia fechar e não tinha outro jeito. E eles querem fazer nossa cabeça pra desistir também, de que não vale a pena lutar contra algo que já tá escrito e que vai fechar. Mas a gente é persistente. A gente é guerreiro, tipo o Corinthians”.


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