O trabalho de motoristas de aplicativos pode ser enquadrado como contrato de trabalho intermitente?

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O trabalho de motoristas de aplicativos pode ser enquadrado como contrato de trabalho intermitente? José Eduardo de Resende Chaves Júnior1 A Internet das Coisas (IoT em inglês) encontra-se em tensão permanente com o direito dos humanos. Se por um lado é fato que there ain't no such thing as a free lunch, no popular adágio da microeconomia, difundida por Milton Friedman, por outro, o custo de oportunidade na revolução 4.0 tem sido elevado para os trabalhadores. O Direito do Trabalho, do ponto de vista conceitual, demanda uma certa update doutrinária para lidar, de uma forma mais operacional e consistente, com as relações contemporâneas de trabalho regidas pelas plataformas e aplicativos eletrônicos, pela inteligência artificial e pelo big data produtivo. A coruja, a metáfora do conhecimento para HEGEL, como se sabe, parte do mito da Deusa Athena Minerva em Roma - que se fez humana, para convencer os humanos a respeitarem os deuses, mas foi vencida pela habilidade de Arachne de tecer teias. Nesse emaranhado da produção virtual, pode-se arriscar a afirmar que as teias e as redes ressurgem da mitologia greco-romana como habilidade essencialmente humana, como potência virtual para superar a transcendência, mas também para, enredar o trabalho humano. DISCIPLINA E CONTROLE. Na sociedade disciplinar (FOUCAULT), da fábrica, do capitalismo industrial, havia a necessidade do disciplinamento individual (inclusive no que toca a horário ou assiduidade) do trabalhador. Havia a 'linha' de produção. Na sociedade do controle (DELEUZE), do empreendimento de 'produção em rede', é necessário apenas o controle coletivo e estatístico dos trabalhadores, para ajustar o controle à demanda. A idéia de sociedade disciplinar formulada por Foucault, que a identifica a partir do século XVII, a disciplina dos corpos pelos poderes, por meio da vigilância, que é mais rentável do que a punição. A vigilância acaba internalizando a auto-disciplina do cidadão e do trabalhador. A potência da vigilância sempre é mais eficiente, abrangente e econômica do que o ato de punição2. A disciplina se espraia do poder político para os poderes econômicos e privados, do cidadão, ou seja, ela se estende do Estado, da prisão para a família, para a escola, para a fábrica, universidade e hospital. A fábrica é a tradução para esfera da produção da sociedade disciplinar3. A disciplina é desdobrada no plano da produção, por meio da organização taylorista, da linha de produção, que estabelece um vínculo Doutor em Direitos Fundamentais. Professor Adjunto dos Cursos de Pós-graduaçaõ do IEC-PUCMINAS. Desembargador do TRT-MG, Presidente da União Ibero-americana de Juízes - UIJ e Diretor do Instituto IDEIA - Direito e Inteligência Artificial. Coordenador das obras Comentários à Lei do Processo Eletrônico (LTr, 2010), Tecnologias Disruptivas e Exploração do Trabalho (LTr, 2017) e Teletrabalho (LTr, 2017). 2 "Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”. Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação." FOUCAULT,1987, p. 164 3 "A fábrica parece claramente um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada; o guardião “só abrirá as portas à entrada dos operários, e depois que houver soado o sino que anuncia o reinicio do trabalho”; quinze minutos depois, ninguém mais terá o direito de entrar; no fim do dia, os chefes de oficina devem entregar as chaves ao guarda suíço da fábrica que então abre as portas. É porque, à medida que se concentram as forças de produção, o importante é tirar delas o máximo de vantagens e neutralizar seus inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações e “cabalas”); de proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho: A ordem e a polícia que se deve manter exigem que todos os operários sejam reunidos sob o mesmo teto, a fim de que aquele dos sócios que está encarregado da direção da fábrica possa prevenir e remediar os abusos que poderiam se introduzir entre os operários e impedir desde o início que progridam." FOUCAULT,1987 p. 169 1


linear no trabalho, que se internaliza subjetivamente no operário, como estratégia de disciplina ética, de vigilância. A potencialidade de a interrupção individual do trabalho interditar a linha de produção sobrecarrega, no indivíduo, a responsabilidade pela produção coletiva. Com isso diminui-se sobremaneira a necessidade de aplicação do ato de punição. Esse sistema é desdobrado juridicamente para modelo de vigilância jurídica, por meio do contrato de trabalho subordinado, no inicio do século XX. A disciplina ganha, assim, sua potência jurígena, de forma a diminuir a necessidade da aplicação do ato ineficiente de punição. Após a transição no sistema ohnista de produção, atualmente, na «sociedade do controle», as emergentes tecnologias disruptivas, potencializam a capacidade relativa de se flexibilizar a acumulação do capital, seja na perspectiva da regulação territorial, seja no plano da produção ou até na esfera do ordenamento jurídico trabalhista. Estamos em transição para o capitalismo de dados (data is the new oil) no qual a acumulação é baseada na captura do produto da cooperação social, como resultado do incremento da socialização da produção, principalmente pela atividade produzida pelas redes sociais, aplicativos e plataformas eletrônicas, com a captura e a estruturação de dados 4. Nesse contexto, o capital apropria-se do "commons", dos dados e do conhecimento tácito e codificado da comunidade em rede e acaba por capturar as energias de emancipação que eclodem em meio à colaboração produtiva. Deleuze5 de maneira bem perspicaz, quase premonitória, já em 1990, havia identificado o início dessa viragem, dessa torção topológica e de certa maneira sutil, da «sociedade da disciplina», para a «sociedade do controle». Para Deleuze, Napoleão marca o final da transição da sociedade da soberania, que tinha por finalidade (i) açambarcar e (ii) decidir sobre a morte, para a sociedade da disciplina, cujos objetivos passam a ser (i) organizar a produção e (ii) gerir a vida 6. O poder empresarial se expressa mais pela tomada do poder acionário, do que pela formação da disciplina do trabalho; mais por fixação de cotações, do que por redução de custos da produção. O poder empregatício descola-se da disciplina corporal e do tempo de trabalho, para o controle da alma e do marketing7. Ao «controle» já não interessa o confinamento dentro da fábrica, dentro de uma jornada fixa, dentro de uma disciplina linear, de um vínculo jurídico estável, mas, sim, o vínculo etéreo, pós-contratualista, pósmaterial, sonho de liberdade, mas que engendra agenciamentos compromissários, dívidas continuamente diferidas, endividamento recorrente, uma afetação apenas virtual. Trabalho passa a ser compatível com vínculos precários, desde que intermitentes, estendidos, plugados, on line, virtuais. São conexões heterogêneas, sem identidade, similaridade ou homogeneidade, esvaziando o art. 511, § 4º da CLT. Singularidades produtivas, que se opõem às individualidades e coletividades. Mais relevante que o contexto social, é o hipertexto cultural. A disciplina opera de forma individualizada sobre o trabalhador. O controle preocupa-se mais com aspectos estatísticos, coletivos da subsunção do trabalho alheio. Reforça-se a liberdade individual e limitada do trabalho, com flexibilização da disciplina, mas incrementa-se o controle coletivo e dissolvemse os laços de solidariedade da categoria. DOGMÁTICA. Na chamada industria 4.0, a internet das coisas, o aprendizado de máquina, o algoritmo da inteligência artificial do sistema, propiciados pelos "meios telemáticos e informatizados de comando, (LUCARELLI & FUMAGALLI) Fumagalli, Andrea, and Stefano Lucarelli. "A model of Cognitive Capitalism: a preliminary analysis." (2007): 117-133. 5 A descrição da sociedade do controle aparece em dois textos publicados originalmente em francês, em 1990, o primeiro deles numa entrevista concedida ao filósofo e cientista político italiano Antonio Negri. Esses dois textos são publicados em português em 1992: Conversações, 1972-1990 / Gilles Deleuze, tradução de Peter Pál Pelbart, pela Editora 34. Controle e Devir (entrevista a Antonio Negri, 1990) pp. 209 - 218; Post-scriptum sobre as sociedades de controle, pp. 219 - 226. 6 DELEUZE, Gilles 1992, p. 219 7 DELEUZE, Gilles 1992, p. 224 4


controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio".8 Com a redação do parágrafo único do artigo 6° da CLT, na alteração legislativa de 2.011 supra-referida, pode-se concluir com facilidade que a transição da «disciplina» ao «controle» passa a ser dogmatizada pelo nosso estatuto trabalhista. Antes dessa alteração, o vocábulo 'controle' só aparecia na CLT em referência ao conceito de grupo econômico empregador ou como referência do poder administrativo dos órgãos públicos de fiscalizar o cumprimento das normas regulamentares do trabalho. Em outras palavras, o controle informático e telemático exercido do empreendedor, passa a ser critério legal explícito de definição da subordinação, em chave da consideração dos fatores relevantes para a produção contemporânea. Daí, por raciocínio de extensão, cumpre mais do que nunca distinguir o conceito de autonomia trabalhista da noção jurídica de liberdade constitucional de trabalho, pressupondo essa última uma esfera de faculdades fundamentais que transcendem em muito o trabalho forçado, ou seja, uma gama mais ampla da liberdade de trabalho, que pressupõe tanto o direito de resistência, de privacidade e até mesmo a livre deliberação sobre a gestão, por parte do empregado, de seu tempo no trabalho. As hipóteses previstas no artigo 62 da CLT são um claro indicador de que a autonomia para a gestão do tempo de trabalho não é requisito inerente à configuração da relação de emprego. O trabalho a domicílio é, também, uma manifestação de que a própria liberdade para a gestão da assiduidade, tampouco, pode ser corolário do vínculo empregatício, mesmo porque a própria intangibilidade constitucional do lar, é um claro indicativo no sentido de que não pode o empregador invadir essa esfera de liberdade doméstica do empregado a domicílio Não bastasse isso, sem entrar no mérito da constitucionalidade do chamado contrato intermitente, criado pela reforma trabalhista de 2017, é oportuno perceber que para a produção contemporânea não é mais essencial a plena disciplina individual sobre a gestão do tempo ou da assiduidade do empregado, tanto, que de maneira perturbadora para a concepção tradicional de vínculo empregatício, a Lei 13.467/2017 instituiu a plena compatibilidade de recusa do empregado ao trabalho com a subsistência jurídica da relação de emprego - § 3o do artigo 452-A da CLT. A partir dessa polêmica novidade trazida pela reforma trabalhista, o trabalho dos motoristas de aplicativo está, na pior das hipóteses, perfeitamente subsumido na fattispecie da relação de emprego intermitente. É importante anotar que os mecanismos de «controle» telemático e informático são exuberantes, sobretudo em se considerando que as estrelas de avaliação, do motorista ou do passageiro, não servem a ambos, como seria natural numa autêntica relação de cooperação econômica, senão às estratégias de mercado da empresa que detém a plataforma. Vale lembrar que o traço essencial da autonomia é própria estipulação do preço. Na hipótese das plataformas quem define o preço da corrida é o algoritmo programado pela empresa. Não bastasse, até mesmo os percentuais que são aplicados sobre o preço variam discricionariamente a cada corrida, de maneira absolutamente opaca, sem que o motorista tenha qualquer conhecimento prévio a respeito. Importante anotar quem em 30 de abril de 2018, o Supremo Tribunal da Califórnia, nos Estados Unidos, decidiu no caso Dynamex Operations West Inc. vs. Superior Tribunal de Los Angeles definiu um novo critério para identificação da relação de emprego na Califórnia. Houve a superação parcial de um critério multifatorial, em vigor desde 1989, para identificação da relação de emprego, denominado teste BORELLO, que operava a partir de 11 quesitos. Dynamex é um serviço de entregas, que desde 2004 vinha classificando seus motoristas como autônomos.

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De acordo com o parágrafo único do artigo 6° da CLT, incluído pela Lei 12.551/2011


A decisão da Corte de 2018 estabelece um critério rígido, denominado Teste ABC, já aplicado pela Suprema Corte de Massachusetts, pois conta apenas com 3 quesitos, mas com uma perspectiva muito importante, presume que todo trabalho é, como no Brasil, trabalho subordinado, cabendo ao empregador o ônus de demonstrar que o trabalhador é autônomo, o que somente será possível se e somente se o trabalhador puder ser enquadrado em cada uma das 3 condições, concomitantemente, a seguir delineadas: A. se o trabalhador estiver livre do controle e direção do tomador do serviço em relação à execução da obra, tanto no contrato, quanto na execução desse contrato e até independente dele; B.

se o trabalhador executar um trabalho fora do curso normal dos negócios da entidade contratante e

C.

se o trabalhador estiver envolvido num comércio, ocupação ou negócio estabelecido independentemente da mesma natureza que o trabalho realizado para a entidade contratante.

O Parlamento da Califórnia, com o projeto de Lei AB-5, no dia 10 de setembro de 2019, transformou em norma legislativa tal decisão jurisprudencial. A lei também concede às procuradorias dos municípios do Estado o direito de processar empresas por violarem essa lei, o que anteriormente não era permitido. Já existem leis estaduais em sentido contrário 9 nos Estados Unidos, mas não só a importância do Estado da Califórnia, como o fato de ser o berço da Uber faz com que os analistas prevejam um efeito dominó de escala global. Em conclusão, é importante, pois, não se confundir mais a autêntica autonomia para exercer uma atividade, com a liberdade constitucional de trabalho. Muitas vezes, na aparente flexibilidade da organização do trabalho por meio de plataformas, esses conceitos se embaralham, mas na essência mantêm sua característica determinante. Autônomo é aquele que não depende do negócio alheio, nem se subordina às regras de negócio estabelecidas por outrem. Os meios telemáticos e informáticos de subordinação, muito embora possibilitem uma maior plasticidade operacional para se ir ou não trabalhar, para se gerir o tempo, não alteram as condições de latente subordinação e dependência do trabalhador ao empreendimento alheio («alienidade») para conseguir trabalhar e sobreviver.

(CHAVES JÚNIOR, J. E. R. O trabalho de motoristas de aplicativos pode ser enquadrado como contrato de trabalho intermitente? In CALCINI & MENDONÇA Perguntas e Respostas sobre a lei da reforma Trabalhista São Paulo, LTr: 2019 – pp. 106-108)

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Arizona (2016), Flórida, Kentucky, Indiana, Iowa e Tennesse (2018) e Arkansas (2019)


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