PÃO E CRAVOS Jornal dos jovens do Bloco - nº 4 Março/Abril 2016
NESTA EDIÇÃO: EDITORIAL
Mãos à obra | p.2 NACIONAL O perigo da “desverdade” Mafalda Escada | p.3 EDUCAÇÃO Que lições retirar da luta estudantil brasileira? Tomás Nunes | p.4 TRABALHO JOVEM A emigração na juventude Joana Correia Pires | p.5 A LUTA TODA O que deve ser um jovem comunista? Ernesto “Che” Guevara | p.6 A Rua, lugar dos impossíveis Maria Manuel Rola / p.7
O movimento estudantil na Freie Universitat de Berlim Miguel Taveira | p.8/9
INTERNACIONAL Palestina vencerá! Pedro Reis Cortez | p.10 CULTURA Liberdade da arte e revolução Minerva Martins | p.11 TEORIA Nacionalizadas & privatizadas Ana Martins e Samuel Cardoso | p.12/13 HISTÓRIA NATO, braço armado do imperialismo? João Reberti / p. 14 e 15
Editorial
Mãos à obra
O início do ano de 2016 ficará marcado pelas eleições Presidenciais que ditaram a vitória do candidato da direita, Marcelo Rebelo de Sousa. Embora Marcelo seja, na forma, bem mais simpático do que Cavaco Silva, no conteúdo apresenta as mesmas ideias e compromissos políticos: o conservadorismo no plano social e a defesa dos grandes interesses empresariais no plano económico. Para evitar este cenário, foram insuficientes os mais de 10% de votos que Marisa Matias, candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda e por outros setores e ativistas da esquerda, conseguiu conquistar. A campanha de Marisa Matias trouxe a debate temas estruturantes para disputar a hegemonia política e deu voz a centenas de milhares de pessoas que se encontram quotidianamente postas de parte pelas escolhas políticas tomadas pelos governantes nas últimas décadas. Nesse sentido, a candidatura permitiu reforçar o campo político anti-austeritário e anti-capitalista. No entanto, as eleições representam uma derrota para a esquerda, quer pela eleição de Marcelo à primeira volta, quer pelos elevados números da abstenção, que ilustram o afastamento de grande parte da população da política e a insuficiência do trabalho da esquerda para canalizar esse descontentamento para a criação de um forte movimento popular anti-sistema e com uma perspetiva clara de confrontação de classe. Agora, torna-se essencial canalizar o
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nosso esforço militante para criar movimento social que permita afastar, desde já, quaisquer possibilidades de uma avalanche conservadora perante a complacência de Marcelo. Mas que não se fique por aqui: temos de lutar não só pelo possível, mas também exigir o impossível. É preciso passar ao contra-ataque, exigindo transformações estruturais na sociedade, para construir um mundo onde “sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”, como reivindicava Rosa Luxemburgo, militante destacada no movimento socialista e comunista mundial. É preciso sabermos conciliar as formas de organização que nos permitiram conquistas históricas com formas de organização que saibam responder melhor aos problemas da sociedade no século XXI. É preciso termos sindicatos e comissões de trabalhadores que invertam a espiral de diminuição de direitos dos trabalhadores com vínculos estáveis às suas empresas, mas que também saibam dar resposta à crescente precarização dos vínculos laborais. Temos de lutar pela existência de um forte movimento estudantil, que exija o acesso universal a um ensino de qualidade e que combata a lógica da praxe, sabendo criar uma alternativa de integração alicerçada nos princípios da igualdade, da horizontalidade e do companheirismo. Precisamos de um movimento social que não deixe para segundo plano nenhuma das
desigualdades que rasgam a sociedade, e que não se esqueça nunca da complementaridade das lutas, porque cada uma e cada um de nós só vencerá quando todas e todos vencermos coletivamente. Para impulsionar o movimento social existente e para criar novos pontos de efervescência política, precisamos de reforçar a nossa presença nas escolas e nas faculdades, nos locais de trabalho, nas ruas. É preciso que as e os ativistas do Bloco se envolvam neste esforço de construção de espaços de resistência e proposta política, sem nunca tentarem dominá-los em favor do próprio Bloco. O Bloco deve ser um espaço de ativismos e de construção de uma proposta unitária com vista à transformação radical da sociedade, e nunca um espaço de controleirismo do movimento social. Os espaços de discussão e debate político em que participamos são, assim, importantes também por permitirem a troca de experiências de ativismo e a criação de redes de contacto, que nos permitirão pensar e articular os nossos esforços nos locais onde fazemos a nossa vida. O Miguel Portas disse uma vez, referindo-se à participação das e dos militantes do Bloco nos espaços que vão para além dele, que “é lá fora que fazemos sentido”. E continua atual a necessidade de participarmos na construção desse forte movimento social que abra caminho para a vitória da esperança e da justiça. Lancemos mãos à obra.
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Nacional
O Perigo da “Desverdade” Mafalda Escada Alexandre Koyré, filósofo e historiador francês de origem russa foge para Nova Iorque onde, em 1943, reflete sobre a função política da mentira nos regimes totalitários. O ensaio não só prova a complexidade e o poder da mentira totalitária, como nos serve hoje em dia para encontrar paralelos entre este tipo de mentira e aquele que se pratica nos regimes democráticos atuais. A mentira moderna é complexa. Não se trata do oposto da verdade, mas da distorção desta. A mentira não é mentira se não for intencional. Assim, a mentira moderna é a distorção intencional da verdade. Koyré escreveu: “(…) a mentira é uma arma; é a arma privilegiada de quem se encontra numa situação de inferioridade ou debilidade que ao enganar o seu adversário se reafirma e se vinga do mesmo.” Ao definirmos desta forma a mentira, podemos identificá-la infinitamente na vida política portuguesa - ela é sistémica, mas varia conforme o desespero que provoca a utilização desta arma. Ora, desde 2011 a mentira moderna na política (a distorção intencional da verdade) tem aumentado a olhos vistos, mas o recurso desesperado (e descuidado) à mentira nunca foi tão evidente como provavelmente o foi desde que se começou a falar nas legislativas no Verão passado. A mentira política não surte efeito a longo prazo se se pautar por um par de “desverdades” semeado aqui e ali. Ela mexe com a realidade, corroendo-a até ao ponto em que a sociedade não se reconhece nos seus próprios valores. O que foi o discurso da direita nos últimos quatro anos e meio senão a distorção da realidade, numa tentativa de confundir um país inteiro, até que este se começasse a questionar sobre os valores em que realmente assenta desde o 25 de Abril? Questionar-se sobre estes valores é duvidar conscientemente da democracia, basta a aceitação da degradação do Estado Social em nome de “compromissos internacionais”, “confiança” e “estabilidade” para o fazer. A Constituição não só é a lei fundamental do país, como é o símbolo do projeto democrático desenhado no pós-25 de Abril. É por isso um alvo essencial ao discurso contorcionista da direita. ”Vale pouco a Constituição proteger direitos sociais se o Estado não
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tem dinheiro para os pagar.” (Passos Coelho, 2012) Ora, Passos admite que é a Constituição quem protege os direitos sociais, mas não quem os paga, mas a Consituição é insistente, então Passos (entenda-se a direita) tem de lhe assassinar o caráter para que não cause estrago na opinião pública: a Consituição é inconsequente, é irresponsável. “[A Constituição permite] margem de liberdade na Educação para ter um sistema de financiamento mais repartido entre o que pagam os cidadãos e a parte fiscal, que é paga pelo Estado.” (Passos Coelho TVI, 28-11-2012). Passos culpabiliza a troika pelos cortes no investimento público na Educação e a Constituição por permiti-los. Porém, nas Presidenciais, dá-se uma clara viragem no discurso relativo à Constituição. De repente, dava-se a corrida ao respeito pela Constituição. Quem respeita mais e melhor a Constituição? Esta discussão não é de todo descabida. É, aliás, fundamental quando se trata de eleger uma/um Presidente da República. Em Janeiro, a direita omitiu no seu discurso respeitador da Constituição o seu próprio conteúdo. É este esvaziar de conteúdo pilares tão importantes da nossa democracia que permite à direita a confu-
são de valores na sociedade que promove a alienação e até a ridicularização da politização, especialmente à esquerda, permitindo-lhe a instauração de um paradigma político rumo ao paraíso liberal e conservador. Disse Passos em 2008 à TSF: “Sou um reformista e sou um liberal, não sou de direita nem sou de esquerda, acredito nas pessoas e na sua iniciativa e acredito que são as empresas que criam riqueza, que criam emprego e que criam valor, não é o Estado que cria riqueza e que cria valor”. A base ideológica do anterior governo e da atual oposição não é segredo e a crise apresentou-se como o momento perfeito para a apresentar como uma inevitabilidade e não como ideologia. Esta é a manobra de “despolitização da política”: a política da direita pretende apresentar-se como “o que tem de ser feito, porque assim tem de ser”, acusando a esquerda de ser, ironicamente, política. Cabe à esquerda a descontrução deste falso pragmatismo da direita. Esta denúncia não se faz no parlamento, mas sim através do contacto direto com as pessoas, quer através das sessões públicas, como pela forte presença nos movimentos sociais.
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Educação
Que lições retirar da luta estudantil brasileira? Tomás Nunes Os acontecimentos que tiveram lugar em São Paulo, Brasil, nos últimos meses não foram inesperados, mas conseguiram apanhar desprevenido, pela sua magnitude, o governador paulista Geraldo Alckmin. Infelizmente, os media portugueses não deram a devida atenção às mobilizações estudantis brasileiras. Talvez fosse uma perigosa inspiração para o movimento estudantil português. Face ao novo plano de reorganização escolar, que levaria ao encerramento de 94 escolas, os estudantes disseram “Basta!” e, ironicamente, organizaram-se para defender os seus interesses enquanto alunos, os
no público. Sob a capa dos estudos e dos serviços à causa: jardineiros, professores de exemplos estrangeiros, a direita alegou que arte, electricistas, entre outros, que possibias escolas de ciclo único, isto é, EB 2,3, são litaram uma série de reparações nas inframais eficientes que as de ensino integral, 1o estruturas altamente degradadas, bem como ao 12o ano, mas esta questão é de menor actividades diárias, dinamizando as sucessiimportância, pois a opção foi tomada inde- vas ocupações escolares. Esta solidariedade pendentemente do funcionalismo inerente à entre gerações e, mais importante, dentro da organização escolar. A “restruturação” esco- classe trabalhadora, que se uniu para gritar lar tinha apenas uma finalidade: reduzir cus- “Basta!”, demonstrou que sem união não há tos à revelia das necessidades espaço para reinvindicada população, aplicando um ções. “A vitória não era garrote ao sistema de educaNão foi um caso isolacerta, mas o moral, o do. A cada dia que passa ção público. Alargar-se-iam conhecimeto e a cao tamanho das turmas para o fosso entre os trabalhapacidade organizativa dores e a burguesia aualém da capacidade de ensino alcançaram níveis menta: tomam-se lados das suas famílias e, não menos importante, dos professores, ao mesmo e, apesar de ainda haver dos trabalhadores que dependiam do ensino tempo que se iria deslocalizar elevados e é certamuita confusão devido à público. O ataque da direita não ficou sem alunos. Tudo isto sem ter, ou mente algo que os querer ter, em conta a comresposta. estudantes não negli- ainda atrasada consciênRecordemos, uma vez mais, que se tra- plexa luta pelos transportes genciarão no futuro.” cia de classe no Brasil, a luta intensifica-se. Cotou de uma questão de classe. Esta define públicos, que pesaria nos as probabilidades de uma pessoa conseguir bolsos das suas famílias. meça a existir uma clara polarização entre Os estudantes conscientes das conse- os interesses da classe trabalhadora e os vingar, ou não, numa sociedade monopolista e altamente competitiva. O posicionamen- quências terríveis de uma possível “restru- assaltos da burguesia. Novos campos políto de um indivíduo no sistema de produção turação” rapidamente organizaram uma re- ticos conquistam-se, novas trincheiras são capitalista é fundamental, demonstrando posta clara e coordenada. No seguimento erguidas. consecutivamente que a meritocracia é um da greve dos professores contra os despeEm Portugal, fruto do último ciclo de luta mito urbano no sistema capitalista. Enquan- dimentos e a precarização da profissão, que e também de outras componentes sociais, o to a desigualdade, inerente ao sistema de contou com o apoio dos estudantes, ocorreu movimento estudantil não se encontra morprodução actual, se mantiver a meritocracia a primeira ocupação escolar nos arredores to, mas adormecido e com potencial para não passará do papel para a realidade. Nes- de São Paulo. A 1 de Dezembro foi decre- crescer para todos os lados, para travar futute contexto tornou-se fundamental a defe- tada a reorganização, para três dias depois ros ataques da Direita. A crise social catalisa intransigente do ensino público de qua- ser suspensa. 196 foram escolas ocupadas sou as divergências e acentuou as dificuldalidade, assumindo-se desde o início como e uma rede de apoio estava a funcionar. Os des sociais. É necessário criar núcleos ativos, uma questão de classe: a negação do ensino protestos foram acompanhados de uma bru- com processos claramente reinvindicativos e tal repressão por parte da organizados. É urgente abanar as bases que como mera ferramenta que fornece a instruição mínima “[...] tornou-se funda- Polícia Militar. Detenções compõem o futuro da nossa sociedade. E a ilegais, agressões desne- luta dos estudantes do ensino secundário é à classe trabalhadora. Uma mental a defesa incessárias, insultos e uma um exemplo donde se podem retirar lições instrução mínima que pertransigente do ensino profunda falta de respeito importantes para o nosso futuro colectivo. mita ao patronato possuir público de qualidade, por uma geração que de a mão de obra necessária assumindo-se desde facto luta para permanecer para lhe extrair a mais-valia o início como uma com o menor custo de prona escola. Apesar de tudo, questão de classe [...].” os estudantes nunca recudução no factor trabalho mantendo ao mesmo tempo aram. a classe trabalhadora iletrada e sem anseios A vitória não era certa, mas o moral, o de emancipação. conhecimento e a capacidade organizativa O governo paulista pretendia aplicar alcançaram níveis elevados e certamente é a sua agenda austeritária, e que afectaria algo que os estudantes negligenciarão tão 311 mil estudantes e 74 mil professores, cedo. A opinião pública dividiu-se e o movienquantomo governo estadual promove- mento estudantil contou com a solidariedade ria despedimentos em toda rede de ensi- de largos sectores. Estes ofereceram os seus
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Trabalho Jovem
A emigração na juventude Joana Correia Pires Hoje em dia confrontamo-nos com um fenómeno migratório sem paralelo nos nossos quarenta anos de democracia, em consequência das políticas de austeridade do último governo de direita, tendo até o seu primeiro-ministro apelado para que muitos emigrassem para fugirem à emigração, para não serem “piegas”. Devido ao desemprego e à falta de existência de primeiro emprego criado por estas politicas, a corrente migratória existente nos anos da troika compara-se à era da ditadura e da guerra colonial. A Emigração surge sempre como um conceito de duas questões: foi por opção ou por falta de opção que hoje em dias dezenas de jovens foram “obrigados” a emigrar. Por um lado para alguns pode tratar-se de uma opção, mas na grande maioria foi a falta desta que levou à condicionante de terem que sair do seu país. Dados do Observatório de Emigração falam da existência de 1,1 milhões de portugueses que estão emigrados, sendo que destes números falamos de grande parte das pessoas serem de faixas etárias mais jovens, jovens estes com elevados níveis de qualificações académicas e profissionais. O sentimento de “falta de opção” generalizou-se entre os jovens, e não seria para menos. A taxa de desemprego encontra-se elevadíssima: 12,4%. Todos e todas aqueles que possuíam projecções de um futuro melhor, confrontam-se com uma realidade que tenta acabar com a esperança de que cá em Portugal ainda há um espaço para si, de poder viver e trabalhar no seu próprio país. Há quem diga que existem áreas fatigadas ou com excesso de profissionais, mas observando os pesos da balança vimos que não é bem verdade as histórias que nos tentam passar. Pensemos por exemplo no caso da enfermagem. Há quem diga que por ano saem uma média de três mil profissionais de saúde. Isso poderia significar a saturação da profissão. Mas então vejamos o outro lado da moeda, quando analisando o número de enfermeiros ou de qualquer outro profissional de saúde per capita, e temos dados incríveis. Comparando com os números de outros países da União Europeia vimos que o nosso rácio é muito inferior ao desejado.
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Daqui demonstramos que afinal aquilo a que chamamos de “saturação das profissões”, não é real. 20.000 Enfermeiros, 20.000 portugueses, 20.000 pessoas longe das suas casas, 20.000 seres humanos que foram condicionados a uma saída “obrigatória” do seu conforto. Tudo isto porque nos últimos anos a política de emprego foi “disfarçada” com a criação dos falsos recibos verdes e dos contratos precários, que não protegem senão a entidade empregadora, com os famosos estágios, muitos deles denominados requerentes de experiência profissional, quando na realidade são trabalhos sérios assalariados. E é assim que muitos acreditam, quando se fala de emprego, que progredimos ou mudámos, quando na realidade não só estagnamos como regredimos. Não se justifica a existência de empresas que querem fazer do Serviço Nacional de Saúde um negócio lucrativo, fornecendo médicos para hospitais pagos à tarefa ou à hora, e de enfermeiros que são pagos a 3€/h. Este negócio é proveitoso a nível da desprotecção social e da diminuição dos encargos com os trabalhadores, transformando as pessoas em mera mão-de-obra alienada do seu trabalho real. Desacreditar todos aqueles que viviam cá foi a política que a direita proletarizou, as condições de trabalho, levando à saída de dezenas de milhares de pessoas, traduzindo-se numa ingratidão total para com as mesmas. Pessoas com competências, e das quais o governo da altura esqueceu e desprotegeu, acabando com o futuro que estas poderiam ter no seu país. É necessário parar de investir nos demais pontos da sociedade como a banca e os mercados financeiros, quando uma hemorragia chamada desemprego e emigração continua a flagelar os jovens. Portugal sofre actualmente com um balanço negativo, que se caracteriza pelo investimento na formação dos jovens, que depois o país não tem capacidade de os empregar. Pois há um investimento na Educação e formação desta geração, que na sua maioria é uma geração com habilitações literárias de ensino superior, e depois não há capacidade para que possam ficar empregadas no seu país, sendo
necessário ver as suas habilitações certificadas e reconhecidas noutros países. Balanço negativo este que tem também repercussões a nível do aumento das propinas, que impedem um número considerável de estudantes de prosseguir os seus estudos, não por falta de interesse ou competência, mas sim por falta de capacidades socioeconómicas. Algumas das medidas que travam este desmedido fluxo trata-se da implementação no nosso país de políticas fiscais, sociais e económicas que promovam o investimento, a produtividade e o emprego. É necessário promover a criação de novos postos de trabalho, de forma a tornar mais igualitário a distribuição de rendimento, parando o forçoso sacrifício da saída dos jovens do seu país. Não podemos pactuar com a perda da nossa mão-de-obra de forma barata e em condições de precariedade enormes, sendo que os nossos jovens são cada vez mais qualificados. É importante tomar ainda como medidas de protecção aos emigrantes o reforço das estruturas consulares, enquanto meios de informação, e de outros apoios aos mesmos, entre os quais, devem ser dados benefícios a estas pessoas como facilidade de envio dos seus salários ou pensões, bonificadas as taxas de juro dos seus empréstimos e isenção de impostos aos rendimentos a prazo e poupanças. Emigrar tornou-se um ato de sobrevivência dos jovens, tendo sido um ultimato feito pelas políticas de direita, precariedade e desemprego. Já se ultrapassou a ideia de que os jovens emigram na procura de salários melhores, ou até mesmo para adquirir novas competências ou experiências de trabalho. Emigram para lutar pelas suas vidas e por um futuro. Quebrou-se o conceito de Estado social, do viver em sociedade e da relação/factor inter-geracional (as gerações mais velhas trabalharam para “descontar” para possuírem no futuro um reforma, e nesta geração de hoje em dia quebra-se com a precariedade essa linha geracional de passar de geração em geração a sustentação de base, que antes existia), onde existia a criação de postos de emprego condignos, que mantinham a ideia de Estado social, que cada vez se está a tornar mais utópico.
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A luta toda
o que deve ser um jovem comunista? Ernesto “Che” Guevara
Artigo publicado a 28 de Outubro de 1962 Quero formular agora, companheiros, qual é a minha opinião, a visão de um dirigente nacional das ORI, do que é que deve ser um jovem comunista, a ver se estamos todos de acordo. Eu acho que a primeira característica de um jovem comunista é a honra que sente por ser um jovem comunista. É essa honra que o leva a mostrar perante todo o mundo a sua condição de jovem comunista, que não o vira para a clandestinidade, que não o reduz a fórmulas, mas que o exprime a cada momento, que lhe sai do espírito, que tem interesse em demonstrá-lo porque é o seu símbolo de orgulho. Junto disso, um grande sentido de dever para a sociedade que estamos a construir, com os nossos semelhantes como seres humanos e com todos os homens do mundo. Isso é algo que deve caracterizar o jovem comunista. Além disso, uma grande sensibilidade perante todos os problemas, uma grande sensibilidade face à injustiça. Espírito inconformista cada vez que surge algo que está mal. Pôr em questão todo o que não se percebe. Discutir e pedir esclarecimentos do que não estiver claro. Declarar guerra ao formalismo, a todos os tipos de formalismo. Estar sempre aberto para receber novas experiências, para conformar a grande experiência da humanidade, que leva muitos anos a avançar pela senda do socialismo, às condições concretas do nosso país, às realidades que existem em Cuba. E pensar - todos e cada um - como podemos mudar a realidade, como podemos melhorá-la. O jovem comunista deve tentar ser
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sempre o primeiro em tudo, lutar por ser o primeiro, e sentir-se incomodado quando ocupa outro lugar em algo em algo. Lutar sempre por melhorar, por ser o primeiro. Claro que nem todos podem ser o primeiro, mas podem estar entre os primeiros, no grupo de vanguarda. Ser um exemplo vivo, ser o espelho onde os homens e mulheres de idade mais avançada, que perderam certo entusiasmo juvenil, que perderam a fé na vida e que perante o estímulo do exemplo reagem sempre bem. Eis outra tarefa dos jovens comunistas. Junto disto, um grande espírito de sacrifício, um espírito de sacrifício não apenas
todas as formas de opressão dos sistemas injustos. Lembrar sempre que somos uma chama acessa, que somos o mesmo espelho que cada um de nós individualmente é para o povo de Cuba. Somos esse espelho para que se olhem nele todos os povos da América, os povos do mundo oprimido - que lutam pela sua liberdade. E devemos ser dignos desse exemplo. Em todo o momento e a toda a hora ser dignos desses exemplos. Isso é o que nós julgamos que deve ser um jovem comunista. E se nos disserem que somos quase uns românticos, que somos uns idealistas inveterados, que estamos a pensar em coisas impossíveis e que não se
do mundo que também lutam noutros continentes pela sua liberdade, contra o colonialismo, contra o neocolonialismo, contra o imperialismo, contra
e de reconstruirmos o que for destruído, ao fim de isso tudo, um dia qualquer, quase sem repararmos, teremos criado, junto dos outros povos do mundo, a sociedade comunista, o nosso ideal.
para as jornadas heróicas, mas para todo o momento. Sacrificar-se para ajudar o companheiro nas pequenas tarefas e que possa cumprir o seu trabalho, para que possa cumprir com o seu dever no colégio, no estudo, para que possa melhorar de qualquer maneira. Estar sempre atento a toda a massa humana que o rodeia. Quer dizer: apresenta-se a todo o jovem comunista a tarefa de ser essencialmente humano, ser tão humano que se aproxime do melhor do humano, que purifique o melhor do homem por meio do trabalho, do estudo, do exercício da solidariedade continuada com o povo e com todos os povos do mundo. Desenvolver ao máximo a sensibilidade até se sentir angustiado quando um homem é assassinado em qualquer canto do mundo e para que se sinta entusiasmado quando em algum canto do mundo se levanta uma nova bandeira da liberdade. O jovem comunista não pode estar limitado pelas fronteiras de um território, o jovem comunista deve praticar o internacionalismo proletário e senti-lo como uma coisa sua. Lembrar-se, como devemos lembrar-nos nós, aspirantes a comunistas cá em Cuba, que somos um exemplo real e palpável para toda a nossa América, para outros países
pode atingir da massa de um povo que seja quase um arquétipo humano, nós temos de contestar, uma e mil vezes, que sim, que sim se pode, que estamos certos, que todo o povo pode avançar, que pode liquidar intransigentemente todos aqueles que ficarem atrás, que não foram capazes de marcharem ao ritmo que marcha a revolução cubana. Tem de ser assim, deve ser assim, e assim é que será, companheiros. Será assim, porque vocês são jovens comunistas, criadores da sociedade perfeita, seres humanos destinados a viver num mundo novo de onde terá desaparecido de vez todo o caduco, todo o velho, todo o que representar a sociedade cujas bases acabam de ser destruídas. Para atingirmos isso cumpre trabalhar todos os dias. Trabalhar no aperfeiçoamento, no aumento dos conhecimentos de aumento da compreensão do mundo que nos rodeia. Inquirir, pesquisar e conhecer bem o porquê das coisas e colocar sempre os grandes problemas da Humanidade como problemas próprios. Disto isto, num momento dado, num dia qualquer do anos que vêm e após passarmos por muitos sacrifícios, sim, depois de nos termos, porventura, visto muitas vezes à beira da destruição e visto como as nossas fábricas são destruídas e de as termos reconstruído de novo, depois de assistirmos ao assassinato, à matança de muitos de nós
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A Luta Toda
A Rua, lugar dos impossíveis Maria Manuel Rola Uma análise da História dos últimos
séculos demonstra-nos que os movimentos sociais tiveram um papel fundamental
na transformação da sociedade. Os seus exemplos são variados. A Revolução Industrial ficou marcada pela luta dos direitos laborais e redução do horário de trabalho diário. Nos tempos mais recentes,
a luta pela igualdade e pela emancipação
estiveram na ordem do dia. As sufragistas
e os movimentos feministas; a eliminação da segregação nos Estados Unidos da
América (EUA) com a insurgência de Rosa Parks e a comunidade que suportou a sua
desobediência civil, ou mesmo dos quatro estudantes segregados racialmente em Greensboro e que se insurgiram, obtendo
também o apoio da restante comunidade
estudantil; o levantamento histórico em
Stonewall, EUA, contra os raids e a ilegali-
a Europa não é um espaço de esperança,
de força e inverter caminhos.
tos pacifistas contra a guerra no Vietnam
por excelência da prática antidemocrática,
versos, caminhos que confluam em pes-
decisão, de autonomia e determinação.
e que abram espaço para uma sociedade
zação da comunidade LGBT; os movimenentre finais de 1960 e primeira metade de 1970.
Estes
movimentos,
aglutinadores
e
de solidariedade e democracia, mas o local opressora e que nos retira a capacidade de As ameaças constantes de uma troika
mobilizadores, em que as pessoas partici-
2.0, a chantagem do Tratado Orçamental
tiças, a tirania e o poder, representam mo-
como entrave à mudança política que vai
pam, em que se levantam contra as injusmentos de força, de pressão, que vão além
dos media, que se passam em corrente e
que têm em si mesmos a possibilidade da mudança. E Portugal não é diferente.
O novo momento político que atraves-
samos só é possível por causa das lutas dos últimos anos – das manifestações do
Que se Lixe a Troika às grandoladas. O
mesmo se passa com o combate à precariedade, que agora ganha mais força com
o acordo, mas apenas porque houve movimento de precários que iniciou a luta e
que não desisitiu desta durante todo este
e da dívida são as ferramentas utilizadas agora de encontro às pessoas. Foi assim
Cabe-nos a nós fazer os caminhos in-
soas, que permitam construções comuns horizontal que traga a rua para onde ela nunca deveria ter deixado de estar, na
decisão, na pressão, na influência, na exigência e na participação.
O mundo mudou e o Bloco, por várias
na Grécia e tentarão que assim seja em
vezes, percebeu-o e conseguiu ultrapas-
ral de destruição que aplica narrativas de
redirecionemos e recuperemos o movi-
Portugal. A austeridade, modelo neolibeculpabilização alicerçadas no senso comum, tem em vista a continuidade de um
projeto, que embora esgotado, continua obstinado em mostrar que é único. E será
esta a opção da maior parte dos governos europeus, mesmo quando não é da maior parte das pessoas que estes representam. E aqui volta a surgir a insurgência.
Não será do Governo, do Parlamento
sar as suas contradições. Voltemos a isso,
mento enquanto activistas que sempre fomos para continuarmos as lutas que sempre defendemos e com quem sempre o fizemos, nos espaços de participação e de
igualdade que sempre privilegiámos. Sempre quisemos participar nestes espaços para construirmos sínteses em comum, e em horizontalidade, para pressionar para
a construção da igualdade. A nossa for-
tempo. Já para não falar da adopção por
ou das instituições que poderemos alme-
ve-se e pressionou para que a igualdade
trabalho aí é limitado e com pouca capa-
conjunto da sociedade que queremos tem
espaços distantes, em que as hierarquias
espera e o bafio das instituições tem de
casais do mesmo sexo, pois esta mantefosse inscrita na lei, que passasse a ser um facto. É a pressão da luta, e essa as pessoas é que a fazem.
É suficiente? Não, não é. Não foi nem
tem sido, e por isso mesmo tem de se intensificar. E ainda para mais quando um
outro momento surge e maiores embates se vislumbram. Quando percebemos que
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jar a mudança pacificamente, pois o nosso cidade de encorajar a emancipação. São
apenas servem para o distanciamento e
subjugação. O Socialismo virá das ruas. É nestas, na confluência que permitem, no
encontro que provocam e nas contradições que levantam, que se faz o avanço contracorrente que pode alterar relações
mação foi na rua, o nosso espaço é na rua.
Juntarmo-nos para a construção em
de ser uma prioridade. A Revolução não
ser ocupado pela esperança, pela diversidade. É na rua onde as coisas acontecem,
onde os impossíveis se superam. Não fiquemos nós bafientos, mostremos que
conseguimos agir de forma diferente. Sejamos gente!
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Capa
O movimento estudantil na Freie Universität de Berlim Miguel Taveira As duas maiores universidades ge- das numa coligação bastante avançada no que “nem tudo o que custa dinheiro tem rais de Berlim são a Humboldt Universität parlamento estudantil (StuPa) e são eleitos valor, ao mesmo tempo que nem tudo o (HU) e a Freie Universität (FU). A Humboldt pelos membros do StuPa 3 pessoas pro- que é valioso tem preço”. é a histórica universidade de Berlim mas postas pelos anteriores membros (que No dia-a-dia da Freie Universität, a a Freie é hoje em dia a maior. A HU foi também se podem recandidatar) para cada AStA, como representante do movimenfortemente modificada e condicionada du- uma das unidades do conselho de estu- to estudantil, está presente em diversos rante o 3º Reich, com a queima de livros e dantes (AStA), e que funcionam como mi- eventos, alguns dos quais pude testemua expulsão e deportação de nistérios encarregues de nhar. Duas semanas depois do começo alunos e professores judeus assuntos específicos. Se das aulas foi organizada uma semana de “A Freie Universitat para campos de concena imagem da composição orientação crítica (Kritische Orientierunpossui uma associação da coligação que domina gswoche) que serviu para “orientar” os tração, e, depois do fim da 2ª Guerra Mundial, sofreu de estudantes inclusiva o StuPa dá imediatamen- estudantes da universidade, não apenas e diversa [...].” uma enorme reestruturação te uma ideia da sua incli- como estudantes mas como cidadãos pencom a sua re-abertura sob nação política, as unida- santes, críticos. Houve workshops variados a liderança soviética. Ao início, a enorme des da AStA mostram isso mesmo, sendo (criação de cartazes para uma marcha coninfluência comunista na universidade ge- que o núcleo de comunicação é também tra o TTIP, por exemplo), apresentações, rou protestos dentro do movimento es- o núcleo anti-repressão e o núcleo in- discursos e documentários sobre diversos tudantil, o que levou a perseguições pela ternacional é ao mesmo tempo o núcleo temas, desde a revolução de Rojava à crise polícia secreta soviética (NKVD) e ao jul- antifascista. Existe ainda um núcleo femi- na Grécia, e até excursões (também crítigamento de vários estudantes por criação nista, composto apenas por mulheres, e cas) pelos bairros emblemáticos de Berlim. de movimentos de resistência e espiona- um núcleo LGBT, entre outros. O sistema Ao longo da semana, o foyer em frente à gem. Foi a procura de uma alternativa à HU de organização não poderia ser mais di- cantina do edifício principal da universique levou, em 1948, à criação da FU, sob ferente do que o da maioria das faculda- dade esteve ocupado com sofás, tapetes e a organização dos três poderes aliados - des portuguesas, com uma associação de bandeiras, com café e alguns bolos sortiespecialmente do sector americano -, que estudantes disputada entre várias listas e dos grátis para o alunos, e debates quase rapidamente se tornou numa instituição ganha apenas por uma, ocupando-a nos constantes nesse espaço, organizados por conotada com a esquerda, particularmente cargos aos quais se candidataram os seus representantes da AStA. A participação e após as revoltas de ’68, que ocorreram em representantes. interesse dos estudantes neste tipo evengrande parte no seu campus. A organização tem plenários todas as tos foi assinalável. Muitos eram os que Hoje em dia, a universidade traz con- segundas feiras, abertos a todos os es- passavam por ali a caminho de qualquer sigo a história destes tempos não-tão- tudantes e não-estudantes, e comunica lado, reparavam na “sala de estar” ali mon-longínquos (tal como o resto de Berlim), com a comunidade universitária de diver- tada e se colocavam a ouvir, acabando por mas as influências dos EUA ou das revoltas sas formas, através de deficar horas e contribuir, “[...] é preciso conestudantis já não se fazem sentir como há clarações e publicações no de alguma forma, para a quistar de volta o umas décadas. A Freie Universität possui seu site e nas paredes da discussão. uma associação de estudantes inclusiva universidade, por exemplo. Na rotina de um uniespaço da universie diversa - embora quase unicamente de A AStA lança também um dade para que esta se versitário nem sempre há esquerda, como a própria cidade - que “Sozialreader” com inforpossa transformar no tempo para debates que funciona com um sistema de parlamento/ mações e ajuda para quem que verdadeiramente duram horas quando há governo (parlamento estudantil e conse- deseja “viver, estudar e ser aulas a comparecer ou sempre deveria ter lho de estudantes) bastante singular mas feliz em Berlim”, que traz textos a ler, e é preciso sido: uma instituição relaxar. Neste aspecto os altamente democrático. Este sistema de um pequeno artigo de crítida comunidade e representação do voto dos estudantes in- ca à universidade como insespaços comuns da FU para a comunidade, clui as iniciativas de cada departamento tituição de consumo numa foram também uma luque forma cidadãos (História, Sociologia, etc), listas “arco-íris” sociedade capitalista. Nesfada de ar fresco para a conscientes e críticos, minha perspectiva do que (lista de estudantes estrangeiros, lista gay te documento, que é grátis independente, lista queer/feminista/lés- (apesar das suas mais de em vez de obedientes é e deveria ser “a Univerbica/trans, etc), listas de esquerda (lis- 100 páginas), a AStA ofesidade”, muito por culpa e conformados.” ta da esquerda política, lista antifascista, rece alguma ajuda a quem da organização dos seus etc) e outras listas associadas. Quase to- quer viver em Berlim com pouco dinhei- estudantes e das ideias de horizontalidade das estas listas se encontram representa- ro, e pede para os leitores terem em conta e solidariedade que muitos partilham.
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Capa Este envolvimento constante dos estudantes, apesar de não ser de todo maioritário dentro da comunidade estudantil, acaba por melhorar muito a experiência de todos e vai incentivando cada vez mais alunos à participação activa na vida universitária. Outro bom exemplo disto são as constantes intervenções e instalações de cariz político que vão surgindo nos corredores do edifício principal, organizadas sempre com mui-
ta criatividade. Num dia em que cheguei à universidade e ia a passar perto da cantina, ouvi barulhos estranhos de bebés a chorar e pessoas à conversa numa língua que parecia árabe, com um eco que faA FU possui no seu edifício principal zia parecer que provinham de um pavilhão e no campus circundante meia dúzia de gigantesco. Dobrei a esquina para o corcafés, excluindo as cafetarias “oficiais”, redor e descobri uma instalação com três que são na sua maioria organi zados por camas que pareciam macas, com roupas estudantes e para estudantes, e também sujas espalhadas por cima e um pequeno na sua maioria com comida vegetariana urso bebé de peluche. No chão, folhetos ou vegan, sendo que alguns só possuem com uma explicação extensa de um novo esta opção e tentam garantir ao máximo plano da Câmara Municipal de Berlim para a proveniência Fair-Trade dos seus pro- acolher um número absurdo de refugiados dutos. Estes espaços focam-se na redução em ginásios de escolas primárias e secundo lixo que produzem, dárias, e por cima, na pare“Na Freie Universitat de, uma faixa que lia “Villen na promoção do vegetarianismo/veganismo e statt Massenunterkünfte!”, encontram-se vários no voluntariado, e deste que se pode traduzir para bons exemplos que modo acabam por afectar “Moradias contra a acomopoderiam ser (re) grandemente a vida dos dação em massa!”. Outro descobertos e seguiestudantes da universidos pelo movimento exemplo destas tentativas dade e o movimento esde sensibilização da comuestudantil em Portu- nidade estudantil foi, no dia tudantil no seu todo. Em gal.” casos específicos, como o em que começou a Cimeira Café Vermelho (num edifído Clima de Paris, algumas cio antes abandonado ao lado do Instituto paredes da universidade terem aparecido de Ciência Política), a actividade depende completamente cobertas de cartazes que totalmente do tempo dispensado pelos chamavam à atenção para o paradoxo enestudantes e funciona como um projecto tre a sociedade consumista em que vivecomunitário que pertence ao conjunto de mos e a protecção do ambiente. alunos de Ciência Política. Para qualquer estudante português,
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tudo isto faria pensar que existe uma muito boa relação com a direcção da FU, mas a AStA vê a sua posição como antagónica à do Senado (AS, Akademischer Senat) por defender as posições dos estudantes, ao contrário deste último. Os estudantes possuíam, até à década de 80, paridade no AS (¼ dos votos) mas há muito que possuem assento mas nenhum voto. Apesar disto, os últimos confrontos de relevo foram em 2009, quando o governo tentou impôr propinas de 1000 euros por ano. O forte protesto estudantil fez com que esta medida fosse evitada nesta região alemã (mas não em outras regiões). As diversas concessões feitas à AStA têm a ver com a visão do ensino em Berlim e na Alemanha, como um direito assegurado ao estudante e não apenas como um simples um serviço oferecido pelo estado, visto que o financiamento da AStA é uma percentagem do pagamento de inscrição na universidade, tornando-a assim independente das decisões do AS. Na Freie Universität encontram-se vários bons exemplos que poderiam ser (re) descobertos e seguidos pelo movimento estudantil em Portugal. Alguns, como os cafés geridos por estudantes ou a possibilidade de criar intervenções de natureza política dentro do espaço da universidade sem estas serem removidas, dependem da boa vontade das Reitorias e da relação entre a comunidade estudantil e a direcção das instituições. Mas outros, como a remodelação do sistema de representação dos estudantes ou a construção de processos de integração dos estudantes (claro que aqui não existe praxe, e isso é uma diferença gritante) mais abertos, mais críticos e mais focados na formação de indivíduos pensantes em vez de estudantes eficientes, seriam um passo importante a tomar se queremos uma universidade mais aberta, mais horizontal e mais igualitária. É preciso esclarecer que a universidade pertence aos universitários e à comunidade em geral, e não às empresas e à perspectiva financeira de comodificação do ensino superior e aos reitores que põem os interesses destas em primeiro lugar. Para isto, é preciso conquistar de volta o espaço da universidade para que esta se possa transformar no que verdadeiramente sempre deveria ter sido: uma instituição da comunidade e para a comunidade que forma cidadãos conscientes e críticos, em vez de obedientes e conformados.
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Internacional
Palestina vencerá! Pedro Reis Cortez Cinquenta anos depois da ocupação de territórios palestinianos por parte de forças sionistas, parece que não se vê fim para o regime de apartheid que foi imposto. À semelhança da segregação racial que teve lugar na África do Sul, também existe o conceito israelita de Hafrada, que consiste na separação com barreiras físicas nos territórios da Cisjordânia e de Gaza. O projecto sionista na Palestina é e sempre foi um projecto colonial, e como todos os projectos coloniais pretende explorar as riquezas do território colonizado e estabelecer uma classe dominante. Mas, e ao contrário de outros projectos coloniais, não pretende explorar a mão-de-obra nativa, mas substituí-la por mão-de-obra israelita. Esta particularidade é fundamental para entender a natureza económica e de classe da ocupação e o impacto que tem vindo a ter no panorama dos movimentos de resistência. Israel teve então de procurar alianças estratégicas, tanto numa base ideológica como material para reforçar o seu poder em relação aos palestinianos e restantes países árabes. Neste contexto, estabeleceram uma aliança militar, política e económica com os Estados Unidos. O interesses dos EUA nesta aliança é a de ter uma proximidade dos páises árabes, promovendo a hegemonia norte-americana na região. Ao mesmo tempo, protege Israel do descontentamento público e evita que este fique isolado no sistema internacional.
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Israel, por seu lado, satisfaz as necessidades imperialistas dos EUA, obstruindo as forças que possam ir contra esses interesses. Esta alinaça, e as tensões de que dela advêm, é deste modo um factor significativo na garantia da dominação da hegemonia neoliberal. A União Europeia mostra nesta matéria a habitual hipocrisia sempre que Israel ataca palestinianos, condenando as mortes de inocentes em Gaza, mas defendendo o “direito de Israel proteger a sua população”. Torna-se evidente que sem o apoio político e militar do imperialismo norte-americano Israel não seria a força que é hoje. Assim sendo, e mesmo tendo diferenças na abordagem do conflito e de como agir no Médio Oriente, tanto os EUA como a UE irão sempre agir no interesse de Israel. A Palestina é uma das únicas entidades nacionais em que não são garantidos alguns dos direitos fundamentais, como o direito à autodeterminação. Simultaneamente, Israel continua os esforços para anexar importantes partes do território palestiniano, um dos muitos actos de expropriação, humilhação e sofrimento a que os cidadãos palestinianos são expostos diariamente. Como a economia palestiniana está intrinsecamente ligada à economia israelita, a que se acrescenta o bloqueio levado a cabo pelos EUA, Israel tem lucrado com a assistência na Cisjordânia e Gaza. Sempre que a Palestina importa bens com o dinheiro da
ajuda externas, estes vêm ou de empresas israelitas ou de empresas internacionais que pagam taxas aduaneiras ao Estado israelita. Além disso, Israel controla todos os serviços nos territórios ocupados, beneficiando financeiramente dos custos da água e da electricidade. Os palestinianos chegam a ter de pagar até quatro vezes mais que os israelitas ,que ocupam ilegalmente estes territórios, pelos mesmos serviços. A elite dominante de Israel tem, desta maneira, beneficiado da exploração dos territórios ocupados, expandindo as suas zonas industriais, o que tem tido, por sua vez, um impacto negativo na actividade económica da Palestina. No caso do Vale do Jordão Israel tem construído várias habitações, garantindo vários privilégios aos colonos israelitas para desenvolverem a sua actividade agrícola. Esta ocupação faz com que a água da região seja desviada para os territórios de ocupação israelita, assegurando que as colheitas palestinianas morram. Por isso é importante a luta pela paz entre Israel e a Palestina, passando pelo enfraquecimento do poder israelita mas também boicotando as empresas e produtos que lucam à custa da violação dos direitos fundamentais do povo palestiniano. A noção de que o movimento de libertação nacional passa apenas por resistência é muito redutora, pois ignora as condições materiais e sociais necessárias para que tal se alcance. A verdade é que Israel é um Estado capitalista com armamento nuclear e com uma enorme superioridade económica e militar em relação à Palestina. Só uma linha política que rompa com a lealdade das massas a Israel pode trazer, de facto, a libertação nacional à Palestina. É preciso não deixarmos Israel ficar impune enquanto pratica o genocídio do povo palestiniano, que não quer nada mais que viver em liberdade no seu próprio território. Não podemos continuar a ser cúmplices desta atrocidade e devemos, o mais rapidamente possível, partir para a aplicação de sanções económicas a Israel, bem como para acções de apoio à libertação do povo da Palestina.
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Cultura
Liberdade da arte e revolução Minerva Martins Leon Trotsky contribuiu para a produ- perspectiva utilitária. Quer queiramos, quer ção de um conjunto de textos sobre o pa- não, a arte desempenha funções actuais na pel da literatura, da arte e da cultura no manutenção das desigualdades sociais. Ela é desenvolvimento da História. Estes escritos hoje útil a quem explora o trabalho de oupermanecem uma referência para pensar tros. Pensar na criação artística como um acto hoje - recorrendo a uma análise marxista - a intervenção da criação artística no processo imparcial ou neutro é ignorar os diversos revolucionário, na transformação da socie- mecanismos de reprodução das relações de dade para um modo de organização que as- exploração capitalistas. Ocultar essa evidência, isolando cada e qualquer acto expressisegura a liberdade individual e criativa. A liberdade artística não tem condições vo da realidade, é apoiar continuamente esta para existir numa sociedade capitalista em forma de organização que privilegia somente que a maioria está privada do acesso aos uma minoria. meios de produção - inCom isto, não quero “A liberdade artística reiterar algumas opiniões cluindo os meios de produnão tem condições assentes na ideia de uma ção da cultura e da arte. para existir numa manipulação directa do Os artistas estão, paraobjecto artístico sobre a lelamente a profissionais de sociedade capitalista outros sectores, sujeitos a em que a maioria está consciência dos indivíducondições de precariedade e privada do acesso aos os. A arte não está isolada de todo um conjunto de de exploração do seu trabameios de produção lho pelo capital. O mercado incluindo os meios de instituições que participam e organizam a nossa de produtos artísticos fechaprodução da cultura e vida quotidiana, que con-se frequentemente a quem da arte.” tribuem para o isolamendecide não orientar a sua to dos indivíduos uns dos actividade por determinados princípios estéticos, condições laborais, outros, todos os dias. Aliás, essa análise redes de dependência de produção e distri- opor-se-ia a uma análise marxista, em que o buição. São trabalhadores cuja produção é modo de produção corresponde a um modo controlada por interesses de lucro e acumu- de vida - em que o modo de produção é a lação de capital. O seu processo de criação, base real da consciência, da arte, da religião de criação de objectos artísticos, coincide e da política. A arte nunca actua de forma também com a dimensão alienante de outras isolada à restante realidade material. A tentativa de criação de uma arte do actividades produtivas, em que a mercadoria adquire um valor objectivo de troca que proletariado, através de círculos fechados e oculta o real carácter social do trabalho. O afastados da realidade de quem vive da sua
força de trabalho, é utópica. A arte não se pode libertar, de forma abstracta e independente, da vida material - de uma vida material em que o proletariado não tem mecanismos para a produção da sua própria cultura. Este não tem condições para gerir, segundo os seus interesses, as instituições escolares e culturais, ou as instituições associadas ao funcionamento dos meios de comunicação e imprensa. A criação de uma nova cultura pressupõe uma dimensão de massas e universal, de desenvolvimento em todos os campos do trabalho material e espiritual. Tal não é alcançado sem uma revolução - sem a apropriação, pelo proletariado, das actuais estruturas burguesas. É necessário derrubar o poder da burguesia para um acesso democrático e abrangente a uma nova cultura. A arte progressista é aquela que reflecte as contradições do capitalismo, que consolida os trabalhadores na luta contra quem os explora. Embora ainda produto de uma cultura burguesa, é a arte necessária coincidente com a missão de um partido de esquerda anti-capitalista que vise o estabelecer de uma sociedade socialista solidária. A arte progressista é um instrumento de emancipação que contribui, objectivamente, para o processo revolucionário.
produto artístico é também uma mercadoria. A arte é, por isso, um instrumento de dominação de classes. É regida por determinadas políticas favoráveis a quem controla e detém os meios de produção da cultura. Mas a arte pode também ser um instrumento para a alteração das relações desiguais de propriedade e intercâmbio que vigoram actualmente. Pensar o papel da arte na actualidade é pensar nas conquistas dos trabalhadores, dos pensionistas, dos estudantes. É pensar a luta de classes e a incorporação das performances e objectos artísticos para melhor alcançar os objectivos de abolição das próprias classes. A arte deve ser concebida a partir de uma
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Teoria
Nacionalizadas & Privatizadas Ana Martins e Samuel Cardoso As Leituras Erráticas são um espaço de micos são racionais, base da esmagadora liberais dele tiram levantam vários probledebate mensal em que os Jovens do Bloco maioria dos modelos económicos liberais, mas. Antes de mais, a multiplicidade e a de Lisboa discutem uma obra que consi- significa apenas que todos queremos ma- diversidade de comportamentos humanos derem importante para refletir sobre de- ximizar a nossa utilidade (ou, por outras não encaixa no rótulo da racionalidade. A terminado tema. Na sessão de fevereiro, o palavras, que a cada momento do tempo própria economia liberal o defende (mas é livro escolhido foi As voltas que o capita- sabemos sempre qual é a escolha que nos mais difícil construir modelos económicos lismo (não) deu, de João Martins Pereira. trará mais bem estar e temos um conhe- se não assumirmos que os agentes maxiO livro de João Martins Pereira des- cimento perfeito dos meios para alcançar mizam a sua utilidade em todos os moconstrói primorosamente o senso comum esse fim). Sendo todos os mentos). Para além disso, no pensamento e no discurso económico, agentes racionais, é razoassumir que para haver “As escolas de pentendo ainda a qualidade de não se ficar ável assumir que a melhor produção têm de existir samento económico pela crítica e passar para o terreno da pro- forma de trazer bem estar pessoas que definem a alternativas ao liberposta política. Neste texto, discutimos as a todos os agentes é não produção (os gestores) e alismo têm perdido nacionalizações e privatizações, uma dis- regular as trocas entre outras que produzem redestaque, sendo cada tira também da discussão cussão fundamental para um debate apro- eles, porque eles atingirão vez mais excluídas do os modelos de produção fundado sobre alternativas económicas ao sempre o ponto em que ensino da Economia capitalismo. nenhum agente poderá fiem que quem produz deQuando discutimos o tipo de proprie- car melhor sem um outro cide coletivamente como a [...].” dade dos meios de produção, temos de ter ficar pior. produção é feita e em que em conta que o pensamento económico Esta ideia de racionalidade explica o bolo da produção é distribuído justaliberal é hegemónico na nossa socieda- também a lógica da empresa capitalista mente entre tod@s (a luta feita pelos code. Ele é imposto nos espaços de ensino como a única viável e desejável, uma vez munistas visa precisamente chegar a uma e nos meios de comunicação, exercendo que os agentes racionais tomam todas sociedade que se organize com base nesse uma influência esmagadora a nível social, as decisões em cada momento do tempo princípio). Por último, mesmo que fossem e possui um estatuto de quase inques- com o objectivo de maximizar o lucro da verdadeiros os pressupostos de racionationabilidade. As escolas de pensamen- empresa. Uma empresa pública, em que o lidade e de que o lucro privado é o único to económico alternativas ao liberalismo objectivo não é a maximização do lucro, motor da eficiência, poderemos discordar têm perdido destaque, sendo cada vez está naturalmente destinada à ineficiência. da solução. Mesmo que sejamos racionais mais excluídas do ensino da Economia, Um gestor numa empresa pública não tem e mesmo que as hierarquias nas decisões que gradualmente se afasta das (outras) os incentivos necessários para aumentar de produção sejam a única possibilidade, ciências sociais. Este processo de estrei- a produção e eficiência -- normalmen- podemos – e devemos – exigir um “ratamento da diversidade te traduzidos em maiores cional” diferente, uma transformação da “O livro de João de pensamento na Ecoprémios e salários mais sociedade, para que isto não seja assim. Martins Pereira desnomia acompanhou e inaltos. Num outro exemplo, Devemos assim exigir que a economia se constrói primorosatensificou o processo de uma empresa privada tem submeta às escolhas políticas, ao combamente o senso comum acesso a um nível limita- te à pobreza e às desigualdades, e recusar capitulação dos partidos europeus que, chamandodo de crédito e depende sacrificar essas escolhas a bem do “cresno pensamento e no -se socialistas, se reclado seu desempenho para cimento económico contínuo e acelerado”. discurso económico, mavam da social-democonseguir financiamentos Devemos lembrar que o crescimento da tendo ainda a qualicracia tradicional, e que adicionais, enquanto as produção não é um objectivo em si, mas dade de não se ficar progressivamente foram empresas públicas têm o tem como fim um aumento do bem-estar pela crítica e passar aproximando o seu posifinanciamento facilitado e social, e não cumpre esse fim quando para o terreno da cionamento no domínio da que não depende do seu acontece a custo de um aumento de deproposta política.” economia ao dos partidos desempenho. Conclui-se sigualdades. de centro e da direita liberal. O liberalismo assim a necessidade de uma economia Há pelo menos dois instrumentos, dos dias de hoje, que tem como base uma de propriedade privada, em que o Estado aparentemente contraditórios, que podem pretensa racionalidade económica, usa se restringe a garantir o cumprimento de ser úteis para resistir à ideia de que o penessa racionalidade para transformar aquilo funções consideradas essenciais (a defini- samento liberal, por ter como base a raque são posições políticas em conclusões ção de essencial varia dentro das diversas cionalidade económica, se auto-justifica, lógicas da análise económica, eliminando escolas do liberalismo económico, mas a no sentido em que não é mais que a única o espaço para o debate. segurança é o denominador comum). conclusão lógica de uma observação da A ideia de que todos os agentes econóEste pressuposto e a conclusão que os realidade.
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Teoria O primeiro é a exposição das contraAinda assim, dificilmente os processos dições de um sistema que, embora alegue de privatização são levados a cabo com o promover a racionalidade, a põe de lado objetivo de emancipar as classes populasempre que a acumulação de capital é res, o que leva a que no caso das privatiposta em causa. O segundo é a reclama- zações a motivação seja inequivocamente ção do “irracionalismo económico” como a concessão de novos mercados ao caum ponto de partida pospital. Assim, não parece “As nacionalizações sível para sabotar a hegeprovável que sejam feitas podem assim constitu- privatizações à esquerda. monia. ir um primeiro passo Embora sejam um ponto Para lá da análise e das para a construção respostas à lógica domide partida importante, as nante no domínio da econacionalizações são inde novas relações no nomia, importa discutir suficientes para definir e local de trabalho e, como poderão concretipela centralidade que permitir uma política de zar-se os anseios por um a produção ocupa nas esquerda. controlo democrático da Como forma de planenossas vidas, em todos economia. Aqui, as formas ar a alocação de recursos – os espaços sociais.” de propriedade e, deste trabalho, capital, recursos modo, as nacionalizações naturais – dentro de uma e privatizações são uma fonte de debate economia, as nacionalizações apresentam incontornável. argumentos fortes. Menos recursos são As nacionalizações podem ser uma desperdiçados em empreendimentos inresposta a situações de natureza diver- dividualmente rentáveis mas socialmente sa. Vários países europeus asseguraram o excedentários, podendo ser empregues controlo dos setores mais importantes da para utilizações que ao nível individual da economia aquando da reconstrução pro- empresa não eram rentáveis mas que a um dutiva no pós-II Guerra Mundial, peran- nível global da economia são eficientes. te a necessidade premente de estruturar As flutuações nos ciclos económicos das o planeamento da economia de forma a sociedades capitalistas também poderão uma recuperação rápida, que efetivamen- ser mais facilmente controladas, perante te veio a ocorrer. A nacionalização surge uma maior coordenação entre os centros assim com uma motivação política clara, de decisão económica. É óbvio que as emmas sem constituir um processo estrutu- presas públicas não estão a salvo de prátirado para mudar as relações de produção cas pouco transparentes, podendo funciona sociedade. Por outro lado, em muitos nar inclusivamente pior do que empresas outros países, as nacionalizações resulta- privadas. Apenas uma política de transram de uma tentativa de estabelecer um parência, que resida na tomada do poder novo tipo de relações de produção, sendo de decisão por parte dos trabalhadores e vistas como o início do caminho para uma da população em geral, poderá garantir sociedade socialista. Sendo inegavelmente que o interesse público é salvaguardado. um ato com motivação política, as nacio- A razão mais profunda para a defesa das nalizações não são todas iguais, porque a nacionalizações é, por isso, quanto a nós, motivação política poderá diferir. a possibilidade de estabelecer novas relaAs nacionalizações não são por isso ções de produção, derrotando a lógica da uma política necessariamente de esquer- verticalidade e da exploração. da, pela natureza diversa dos anseios As nacionalizações podem assim consa que respondem. Os estados fascistas tituir um primeiro passo para a construção mantinham uma mão de ferro sobre os de novas relações no local de trabalho e, setores estratégicos da economia e isso pela centralidade que a produção ocupa não tornava a política fascista no domínio nas nossas vidas, em todos os espaços da economia algo de esquerda. Era uma sociais. política de classe e de “raça” clara, a que as É preciso uma disputa da hegemonia nacionalizações serviam para permitir por ideológica e a construção de um forte e exemplo o mais rápido desenvolvimento amplo movimento social que derrube as da indústria de guerra, necessária para o escolhas políticas liberais para podermos combate a outros estados. Apenas conhe- em vez de debater apenas a utilidade téccendo o objetivo de uma política podere- nica das nacionalizações, discutir novos mos saber a sua natureza ideológica. modos de estar e viver coletivamente (mas
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conscientes de que será o próprio decurso desta disputa que nos permitirá encontrar modos justos de organização coletiva). E, aí, podemos ter espaço para as questões de fundo: como organizar o trabalho? Como chegamos a essa organização democrática do trabalho? Como organizamos a atribuição de crédito numa sociedade fora da lógica da propriedade privada? Como conciliar a descentralização do poder a nível “micro”, nos locais de trabalho, com a centralização do poder a nível “macro”, do país? Não temos uma resposta pronta a estas perguntas, mas partimos da forte convicção de que precisamos de disputar a hegemonia e construir um mundo onde estas perguntas possam ser amplamente discutidas e pensadas.
“Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatizese a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entreguese por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... E, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos." José Saramago
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História
NATO, braço armado do imperialismo? João Reberti O surgimento da NATO num mundo dividido
O que é e para que serve a NATO?
Necessitamos de uma análise materialis-
Foi no período pós-II Guerra Mundial
ta histórica para entendermos a verdadeira
Tratado do Atlântico Norte (NATO) e que se
enredados nos emaranhados da aparência.
que se deu a fundação da Organização do
concretizou a consolidação da União Soviética (URSS) como super-portência, i.e., uma
potência que através da reconversão de recursos em hardpower conseguiu fazer frente à sua contra-parte: os Estados
Unidos da América (EUA). Dir-se-à que nos anos 40 o sistema internacional estava bem polarizado: países submetidos
a potências com relações de
dominação económica, algu-
A Aliança Atlântica é uma estrutura que tem
Conselho de Segurança das Nações Unidas,
uma finalidade e que defende os interesses
da classe dominante. E que interesse é esse? Actualmente, falamos de um bloco militar
e político composto por potências imperialistas e seus aliados, e que visa
defender os interesses do capital monopolista das
principais
potên-
cias capitalistas, a saber:
manter a sua esfera de influência no mundo
pos de interesses eram a URSS e os EUA. Foi
ção de capitais e exploração de países me-
intuito primoridal de conter a revolução socialista e os movimentos de libertação nacio-
O exemplo mais claro de intervenção
ilegítima está plasmado na invasão da ex-
mas mesmo coloniais, e potência aliadas em
neste contexto que a NATO foi criada com o
possuem armas nucleares.
razão da existência da NATO, não ficando
“[...] a NATO esteve intimamente ligada aos regimes fascistas e ditatoriais da Europa do Sul [...].”
blocos de interesses. As cabeças desses cor-
que daí advêm, pois ambos os opositores
- importação de matérias-primas, exportanos desenvolvidos - com recurso à intervenção armada.
É, portanto, evidente que a NATO nunca
Jugoslávia em 1999. Sem a aprovação do a NATO procedeu à invasão do Kosovo de forma a assegurar a favorabilidade do novo regime que daí resultasse com o objectivo de consolidar a influência ocidental na região e justificar a sua própria existência enquanto organização defensiva, dado que o Pacto de Varsóvia desaparecera. Tudo isto sob a capa
do humanitarismo, na putativa defesa dos
direitos humanos, fabricando números de
kosovares albaneses assassinados por sérvios para accionarem o artigo 39º do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, em que
o genocídio ou o reconhecimento deste por parte das Nações Undias, é suficiente para legitimar o processo de invasão.
É-nos fácil entender, após a constatação
nal no sentido de defender os interesses do
se tratou de uma aliança defensiva, como o
dos factos supracitados, que não é o lega-
ano de 1949, sucedia a revolução chinesa.
tado ofensivo com intenções expansionistas
pedir que as intervenções militares ocorram,
imperialismo norte-americano. No mesmo
Um terço da população mundial ficava assim fora da órbita imperialista.
Durante o período da Guerra Fria (1947-
91), a NATO esteve intimamente ligada aos regimes fascistas e ditatoriais da Europa do
Sul, sendo que Portugal - seu membro-fundador - não foi excepção. Na Grécia apoiou
o golpe que viria a resultar na Ditadura dos
Pacto de Varsóvia o foi, mas sim de um trae imperialistas. Os seus Estados-membros viram-se numa corrida às armas que encheu
os cofres das empresas de armas americanas, israelitas e europeias e que resultou
numa escalada de tensões, precisamente
quando a União Soviética encurtava o fosso entre os respectivos hardpowers.
E depois da queda do Muro de Berlim
Coronéis (1967-74) e na Itália auxiliou os
e da implosão da URSS? Neste novo perío-
Estado, em 1964 e 1969. A seguir, a NATO
e negociatas, expandir-se
neofascistas nas suas tentativas de golpe de voltou a desrespeitar a soberania do Chipre
com a imposição de bases militares e ocupação efectiva do norte da ilha por parte de um
Estado-membro da Aliança, a Turquia. Interviu de uma forma ou de outra em África, tendo ajudado a França na Argélia e permitido a
utilização das suas bases na intervenção britânica contra o Egipto, em 1956, na chamada Guerra do Suez contra o regime de Nasser.
A hipocrisia revelada nas relações que
manteve e promoveu com as ditaduras da
América Latina, do Irão e do regime do apar-
theid sul-africano desconstruíram as falsas pretensões vociferadas pela organização na
sua auto-proclamada missão de exportação da democracia.
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do a NATO conseguiu, através de acordos até à “Nova Europa”: países
como a Polónia, Hungria e República Checa em 1999;
Bulgária, Letónia e Lituânia
em 2004 e, mais recente-
mente, até a Ucrânia tem um plano de acção de adesão individual em curso. O
crescimento do poder militar da aliança imperialista
lismo ou o direito internacional que vão imconquanto os agressores tenham o poder de decisão final nas suas mãos. O que é legal,
legítimo e exequível é-o num dado momento histórico fruto da luta de classes, e tudo o que ela comporta.
As intervenções da NATO e o imperialismo
A invasão do Iraque é talvez a agressão
que mais eco ganhou, em tempos recentes,
no movimento anti-NATO.
“[...] a NATO nunca se tratou de uma aliança defensiva, como o Pacto de Varsóvia o foi, mas sim de um tratado ofensivo com intenções expansioistas e imperialistas.”
Os factos mais recentes só corroboram
as
posições
destes movimentos e da Esquerda em geral. Na questão da análise harmonizam, mas na solução ou resposta
os diferentes grupos dis-
sonam. No entanto, o que
pesa neste momento é o reconhecimento
por
par-
ameaça a estabilidade regional, levando ao
te de senhores da guerra, como Tony Balir,
e a Rússia e a China e, consequentemente,
de destruição massiva no Iraque e que essas
crescimento da tensão entre a Organização a uma corrida ao armamento. Uma escalada
torna-se assim um evento provável de ocorrer com todos os riscos para a Humanidade
entre outros, de como não existiam armas
informações foram fabricadas para legitimar a intervenção. Se a realidade não convém ao
legalismo internacional, então ela é forjada!
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História Volvidos 12 anos, a destruição que ocorreu
do a forma de usurpação tomando contor-
e desenvolver as suas forças de produção,
nos como o Estado Islâmico, para não falar
cia, mas nunca a essência do imperialismo.
a subjugação é a única forma de garantirem
em todo o processo deu origem a fenómenas centenas de milhar de pessoas, civis,
trabalhadores, maioria pobre e já por si desfavorecida, mortos pela necessidade inerente ao capitalismo monopolista!
Não tenhamos dúvi-
das, não se trata aqui de imperativos categóricos
como bem ou mal, bons
ou maus valores, de bons
ou maus ditadores, mas acima de tudo de uma necessidade
sistémica,
de algo intrínseco ao
modo de produção actual, em que as burguesias se
internacionalizaram
mas a contradição entre
pólos nacionais se man-
nos mais sofisticados. Alterou-se a aparênMas o que é isto do imperialismo? O im-
perialismo de que Lenin falava corresponde
a um estágio do capitalismo, onde a concen-
“[...] não se trata aqui de imperativos categóricos como bem ou mal, bons ou maus valores, bons ou maus ditadores, mas acima de tudo de uma necessidade sistémica, de algo intrínseco ao modo de produção actual, em que as burguesias se internacionalizaram mas a contradição entre pólos nacionaionais se manteve.”
tração de capital, natural
ao processo de concorrência,
ocorre
levando
ao
“casamento” entre o capital industrial e o capital
financeiro. Isto é, já não
há empresas industriais
e empresas financeiras,
pois os seus detento-
res entrecruzam-se nos fundos de investimen-
to, os trust funds, que
os quais o ocidente fazia, e faz, negócios.
para negociar e mantar a taxa de exploração a um nível aceitável para as burguesias
imperialistas. Portanto, as pretensões nunca serão democráticas ou humanitárias enquanto vivermos num sistema económico cheio de contradições, onde a demada pelo lucro é, para a classe trabalhadora, a única
linha orientadora na actividade política internacional.
A intervenção armada é uma condição do
imperialismo como fase do capitalismo ac-
nómico. Este “casamento” ocorre em conse-
cias imperialistas, os golpes de Estado e os
capitalista.
E porque importa isto do imperialismo
enquanto estágio do capitalismo? A expor-
oprimida, então invade-se de facto, como
vimento é uma forma de invasão, pois es-
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Daí os inúmeros ditadores, intoleráveis,
acabam por ter os seus
manter taxas de lucro e realizar a mais-valia
era comum até há poucos séculos atrás, ten-
como ocorre na exploração petrolífera.
Os ditadores são simplesmente melhores
eficientes,
quência dos próprios processos do sistema
à revelia da vontade da maioria, a maioria
são os Estados exportadores de capital, tal
compram outras menos
empresas mais eficientes
os recursos aos autóctones, alimentando a pradora, delapidando tudo o que permita
ções onerosas em que ocorre o investimento
assassinos, abomináveis, condenáveis, com
tentáculos envolvidos em todo o sector eco-
burguesia imperialista e a burguesia-com-
esse capital. No fim quem decide as condi-
quando
teve. Se os poços de petróleo não podem
ser explorados “a bem”, diga-se espoliando
mas partem de um ponto de partida em que
tação de capital para países em desenvol-
tual. As intervenções da NATO, as ingerênassassinatos só terminarão quando a economia servir os interesses e as necessidades da classe trabalhadora, e não os interesses de um grupo minoritário da sociedade.
ses países precisam de capital para investir
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