PÃO E CRAVOS Jornal dos jovens do Bloco - nº 2 Novembro/Dezembro 2015
NESTA EDIÇÃO: EDITORIAL
O futuro que se constrói | p.2 NACIONAL E agora? Samuel Cardoso | p.3 EDUCAÇÃO Por uma universidade democrática Pedro Celestino | p.4 TRABALHO JOVEM O primeiro dia do resto das nossas vidas Luís Monteiro | p.5 A LUTA TODA Deficientes mas não calad@s Afonso Jantarada | p.6 Banalidade que não nos pode conformar Luís Casinhas / p.6-7 O que é ser LGBTQIA+ em Portugal? Vicente Pares e Inês Raimundo / p.7 INTERNACIONAL Devemos acreditar numa ameaça fascista em França? Kenza Soares | p.10 CULTURA Uma luta já antiga Jefferson Oliveira | p.11
A Luta nos call-centers Frederico Aleixo p.8/9
TEORIA A Revolução será feminista, ou não será Ana Rosa | p.12 Os Indiferentes Antonio Gramsci | p.12 HISTÓRIA 16 de Bloco Gonçalo Pessa / p. 14 e 15
Editorial
O futuro que se constrói Mais uma edição de Pão e Cravos e mais um jornal com vários temas em debate. Propusemo-nos a este trabalho como forma de reflexão e debate sobre vários ativismos e temas de interesse político actual e de relevância para setores da sociedade mais jovens. De novo muitas pessoas diferentes e de diferentes locais do país escrevem sobre temas variados: desde a história do Bloco de Esquerda, até ao feminismo, desde a organização dos e das trabalhadoras em call center até à organização da cultura em Portugal. Muitos temas são aprofundados. Todas as discussões devem ser balizadas pelo momento político vívido actualmente. Da nossa parte, fizemos uma campanha virada para a rua, o que nos facilitou a ligação à população. Partindo da análise de que os debates televisivos foram um momento de mudança na percepção pública sobre o Bloco de Esquerda, passando a ser visto como um partido com força, coeso, com uma linha política clara no pólo anti-austeridade importa perceber que esse momento nos deu a força anímica necessária para uma campanha tão combativa. Campanha combativa porque não desistimos de nenhuma proposta. Campanha combativa porque estivemos na rua todos os dias, falámos com todos e todas que assim quiseram. Campanha combativa porque nunca faltámos a nenhuma luta. O resultado do dia 4 de outubro foi a confirmação de todo um trabalho colectivo, mas também de um consolidar de propostas políticas que têm o objectivo de melhorar a vida das pessoas. No dia 4 de outubro mais de quinhentas mil pessoas tiveram a coragem de dizer que estavam prontas para mudar, que estavam fartas de uma austeridade que destruiu tudo em que tocou, que estavam descontentes com o rumo seguido e queriam uma mudança de facto. Será ingénuo pensar que todas estas pessoas votaram no BE por se identificarem com uma ideologia socialista, com o anti-capitalismo, mas é importante perceber as motivações destes e destas e dar resposta. Quando se vota guiado por um sentimento de protesto também se acredita em algum tipo de mudança e é nessa resposta que o Bloco
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sempre se empenhou. Continuamos empenhados nessa resposta, que sempre foi o nosso mote e continua a ser a nossa motivação, neste momento em que muito está em jogo e há a possibilidade histórica de fazer diferente: propostas muito concretas para melhorar a vida real das pessoas. Seja na devolução de salários, seja no descongelamento de pensões, seja na inversão das medidas ultra-conservadoras aprovadas no último dia da anterior legislatura sobre o aborto. As nossas razões mantêm-se e os resultados têm uma repercussão directa na vida de cada um e de cada uma que vive e trabalha no país. Não trabalhamos nem fazemos campanhas vazias e despojadas de exequibilidade. Sempre propusemos medidas com impacto real e que pudessem ser postas em prática, mesmo dentro de um quadro de crise económica e financeira. Guia-nos uma matriz básica de devolução de salários e pensões, o que, na realidade, significa que ao final do mês as pessoas terão capacidade para responder às suas necessidades básicas, ao invés de viverem no aperto e na angústia. Independentemente do resultado do cenário pós-eleições ao nível da solução de governo, estamos a fazer todos os possíveis para imprimir na
política portuguesa uma nova palavra de ordem: devolução do que nos foi roubado, devolver a dignidade às pessoas! Da nossa parte, enquanto jovens que se propõem a pensar e debater, cabe-nos um papel importante de reivindicação, criação de movimento social e de massa crítica sobre as nossas propostas. Esse é um trabalho contínuo e que carece de maior visibilidade, mas não conseguimos recordar um melhor momento para acentuar esse trabalho. Temos uma oportunidade única de em todos os locais de activismo, de estudo e de trabalho se criar debate, de se proporem e pensar-se em soluções alternativas. Por mais que nos deva alegrar o reforço do grupo parlamentar, importa, agora mais do que em qualquer outra altura, reforçar o trabalho na rua, na escola, no local de trabalho, no bairro, onde quer que haja alguém disposto a discutir soluções e a criar uma onda de movimentação social que possa dar força às medidas alternativas. A construção de activismos para levarmos a luta de fora para dentro do parlamento é uma tarefa fundamental no futuro próximo. Avancemos.
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Nacional
E agora? Samuel Cardoso No rescaldo destas eleições legislativas, críticas de que apenas servem como partidos um governo que enfrente o medo do romdeterminantes para a sociedade portuguesa de protesto e não como soluções concretas, pimento com as instituições europeias com nos próximos anos, urge fazer um balanço apresentando abertura soluções claras. Assim, esse do que aconteceu (e está a acontecer) de para evitar que a direita programa de governo não “A Esquerda deve modo a escolher os melhores caminhos para continue a esmagar as viapoiar colectivos que pode estar dependente do PS. enfrentar os desafios que se aproximam. das das pessoas ao mes- criem redes de solidarA Esquerda tem de dar o Ao contrário daquilo que se supunha uns mo tempo que deixam exemplo, mostrando que não iedade e alternativas meses antes das eleições, a coligação PSD/ claro que o governo em são todos iguais. Precisa de ao sistema [...].” CDS foi o conjunto político mais votado. no causa é do PS, e portanto aumentar a transparência dos entanto, estes dois partidos tiveram menos diferente daquilo que seseus processos internos e de 727.564 votos (26%) do que em 2011, per- ria um governo que implementasse os pro- ter uma proposta clara e radical para a transdendo a maioria no parlamento. O eleitorado gramas do Bloco e do PCP. O PS encontra-se parência no seio do Estado. não deixou de castigar as políticas de direita diante de um desafio histórico e que será Acima de tudo, a Esquerda não pode perante um retrocesso profundo das condi- fundamental para a sua clarificação políti- esquecer que a rua é o seu lugar e a sua ções de vida das pessoas. ca: governar em favor do povo, recusando razão de ser: o parlamento é apenas um A ambiguidade do PS a chantagem de Bruxelas dos instrumentos de disputa. O facto de o terá sido um dos factores quando for exigido efectuar descontentamento popular não se reflectir “A ambiguidade do que explicam o seu resulcortes adicionais aos sec- numa mudança política de fundo prendePS terá sido um dos tado desapontante. Embora factores que explicam tores mais fragilizados da -se com o facto de a crise dificultr o acescritique a austeridade, no sociedade, ou ceder e faltar so das pessoas à política e desmoralizar a o seu resultado desa- ao prometido. plano da proposta política organização popular, cabendo aos partidos pontante.” o PS apresenta-se próxiQue lições devemos re- de Esquerda chegar a essas pessoas e criar mo da coligação de direitirar das eleições e do pós- as ferramentas para que elas sejam ouvita, partilhando a visão liberal na economia, -eleições e que passos deve a Esquerda to- das. A Esquerda deve apoiar colectivos que como ilustrado por várias das suas propostas mar a seguir? criem redes de solidariedade e alternativas para o mercado laboral. O aprofundamento Na medida em que há muitas Esquerdas, ao sistemas: os que ocupam casas desocudas políticas de austeridade, levadas a cabo importa antes de mais definir que Esquer- padas, os que tentam colocar directamente pela chantagem da dívida e pela promoção da é esta. É a Esquerda que recusa a des- em contacto pequenos produtores e consude políticas de austeridade que perpetuam truição das vidas das pessoas em nome do midores, os que oferecem cuidados de saúuma estrutura produtiva que coloca Portugal cumprimento de compromissos que estas de a populações empobrecidas, etc. Assim, a fortemente dependente do exterior, torna nunca assinaram, que recusa o mal menor Esquerda conseguirá dar voz a quem não a mais díficil ao PS esconder as suas contra- e a substituição de uma opressão por outra tem, mostrando-se acessível e facilitando a dições: alinhar a defesa dos direitos sociais opressão, que continuará a lutar para que aproximação por parte das pessoas. A consdas minorias e dos direitos económicos das o mundo seja um lugar em que ninguém é trução de maiorias sociais, que exijam uma maiorias depauperadas com a defesa intranpolítica de rompimento com as políticas que sigente do cumprimento das regras da União põem as pessoas ao serviço da “economia” e “[...] a Esquerda não Europeia e a liberalização dos mercados. não o oposto, só poderá acontecer precisapode esquecer que a A Esquerda socialista e anti-austeritária, mente se o movimento social se tornar forte, rua é o seu lugar e a da qual o Bloco e o PCP são os partidos de o que, por sua vez, apenas será possível com sua razão de ser: o parmaior dimensão, apresentou um dos meo apoio desinteressado dos partidos. lamento é apenas um lhores resultados de sempre. A clareza das A Esquerda não pode esquecer que a dos instrumentos de propostas para melhorar a vida das pessoas, esperança tem de ser a matriz de qualquer num contexto de destruição social sem preprocesso transformador. Só ela pode vencer disputa.” cedentes, parece-me ter sido determinante o medo que leva a optar pelos mesmos de para este resultado. deixado para trás. O Bloco situa-se nesta Es- sempre. É preciso falar com a razão, mas A disponibilidade do Bloco e do PCP para, querda, mas ela existe para além do partido. também dizer que são os sonhos que comediante o respeito de várias condições que Esta Esquerda tem de ter em mente que a mandam a vida. garantam o alívio da austeridade e a melho- ambiguidade política, para além de ser conria das condições de vida do povo, apoiar traditória, pode inclusive retirar forças, como um governo do PS está a criar uma situação a votação do PS comprovou. É preciso, em única na História da democracia-liberal por- vez disso, aprofundar a proposta política, tuguesa. Mostraram que eram infundadas as preparando mais a fundo um programa para
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Educação
Por uma universidade democrática Pedro Celestino A universidade tem um papel único na sociedade, sendo uma das grandes ferramentas de emancipação, quer pessoal, quer social, uma vez que tanta gente fugiu à pobreza ou mudou de classe após os estudos. Tanta mudança no Mundo provém da Universidade ou de quem lá obteve os conhecimentos, mas também porque a nível social sempre foi um dos locais onde se preparou o futuro. Vejamos mais. Uma pesquisa rápida revela-nos que tal não deve ser uma surpresa, pois desde a sua génese moderna expressões como “comunidade de alunos e professores”, “autonomia por carta real”, “alma mater” ou “livre-trânsi-
to de académicos” revelam que o conceito de uma instituição criada para suprir a necessidade de conhecimento e de avanço da sociedade sempre esteve dependente da liberdade e igualdade, que é natural às pessoas. A História demonstra o conhecimento como uma das primeiras formas de partilha, e as universidades como um dos grandes palcos de transformações sociais, sempre valorizados o suficiente para que a sua liberdade e autonomia tenham sido a norma vigente, mesmo em regimes autoritários. De facto ir para a universidade sempre foi aspirar a melhores amanhãs, era muitas vezes a forma de um/a jovem se emancipar, viver sozinho com a liberdade e responsabilidade que isso obriga, conhecer pessoas e uma parte maior do mundo, mas, mais do que tudo, obter meios para a própria subsistência e até mudar de classe social. Amanhãs melhores por a universidade ser uma das grandes criadoras das ferramentas práticas e conceptuais que marcam a mudança pela valorização nas pessoas que se predispõem a obter o conhecimento. A grande questão é se actualmente a universidade ainda é considerada pelos poderes vigentes como um local de mudança e modernização. Infelizmente a resposta é bem conhecida. Para os poderes vigentes a mercantilização da universidade é a resposta. Tudo deve ser respondido pelas necessidades do
gar o serviço nacional de saúde mas sim para A vida depois da universidade é hoje enriquecer a banca à custa da divida publica, quase tão tentadora quanto uma vida sem a logo não existe interesse em formar médicos ter frequentado. Por isso mesmo é que tesem ser pelo privado. É a elitização do ensi- mos de recuperar o conceito de universidano superior. de, pois esta não deve servir os mercados, A universidade nem é um meio para que mas sim a sociedade cujo desejo colectivo a vida dos estudantes mude, pois dificilmen- de se superar possa continuar a manifestar te garante a subsistência. a emancipação ou na multiplicidade de disciplinas, tão diversas mesmo serve como contributo para a socie- quanto a humanidade. dade. Quem fica a ganhar é É esta Humanidade que a empresa que obtém quem está tanto em falta e as “Para os poderes estagia, quase ou mesmo de praxes são o seu exemplo. vigentes a mercantili- É preciso recuperar a dignigraça. Servem-se da “sorzação da universidade dade individual e o entente” do/a estagiario/a, pois é a resposta.” afinal trabalhadores qualidimento de que o conheficados fazem sempre jeito, cimento se obtém a longo mas pagar salários nem por isso. Querem prazo e não com reformas como a de Boum mero trabalhador qualificado que produ- lonha e que as necessidades de uma sociezirá mais do que para o que está qualificado dade não são as das elites capitalistas. Esta por bastante menos do que produz e sem humanidade depende de cada um de nós que ter direito ao que produz ou ao lucro, que votamos, que criamos e partilhamos ideias fica exclusivamente nas mãos da empresa. ou que participamos casual, cívica e politicaA emancipação profissional que se alcança- menteno ensino superior. va é agora apenas uma mera memória e o/a Depende de nós que a universidade volte precário/a qualificado/a é apenas mais um a ser hoje aquilo que queremos que a socieindivíduo que se deve submeter ao mercado. dade seja amanhã.
mercado e não da sociedade. Os cursos são avaliados pela sua empregabilidade, não pelo seu legítimo valor ou necessidade, ou seja, não interessa se fazem falta médicos, porque os impostos já não servem para pa-
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Trabalho Jovem
O primeiro dia do resto das nossas vidas Luís Monteiro Desde 1999 que o Bloco de Esquerda se assume como um partido-movimento que quer actualizar o pensamento e a luta política à esquerda. Colocamos a precariedade no centro da discussão política em Portugal. Adiantámo-nos nas lutas pelos direitos individuais, pela despenalização do aborto e pelo casamento e adoção por casais homossexuais. Fizemos a diferença nas lutas contra o imperialismo e a presença do exército português no Iraque. Não temos problema em dizer que Angola vive hoje uma ditadura e que é necessário denunciar o desrespeito pelos direitos humanos. Dizemos com todas as letras que a China faz parte do imperialismo capitalista e a EDP, seja vendida a um qualquer privado ou ao Estado chines, é sempre lesivo para o povo português. Quisemos resgatar a força da esperança. E o resultado do dia 4 de Outubro foi um começar de novo. Os últimos 4 anos de governação de Direita destruíram a possibilidade da geração melhor preparada no país trabalhar em Portugal, ter um emprego com direitos. O Bloco vai dar especial atenção aos temas que afectam a nossa faixa etária, como a emigração
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e o desemprego jovem. Obviamente que teremos algumas prioridades que me parecem essenciais. Em primeiro lugar, lutaremos por um investimento maior no ensino superior: não me parece normal o ensino, nomeadamente na área da investigação, sofrer cada vez mais cortes. Só no último orçamento de Estado relativamente a 2014 cortara-se 90 mil milhões de euros, o que é abismal. Essas medidas fizeram-se sentir um pouco por todo o país. Há professores que se reformam e depois não há nova contratação, aulas com imensa gente, falta de condições e de funcionários… É notória essa falta de verbas. Por outro lado, é urgente hoje lutar por um maior apoio à acção social. Nós sabemos que as bolsas têm sido diminuídas e que a dificuldade em entrar na faculdade é cada vez maior devido à política de propinas, e isso não pode continuar. O ensino secundário é também uma das preocupações do Bloco para esta legislatura, no sentido em que é necessário tornar a colocar a escola pública numa posição prestigiada. O próprio ensino artístico, por exemplo, tem sido bastante atacado. É necessário reverter essas políticas e ter a capacidade e
a coragem de voltar a investir na escola pública. Investir também na criação de emprego, visto que não pára de crescer. É preciso combater a realidade dos dias de hoje, os estágios profissionais não remunerados, os falsos recibos verdes. É muito importante que as primeiras medidas que sejam apresentadas sejam o combate à precariedade e a esta emigração forçada que levou meio milhão de pessoas a deixar o país nos últimos quatro anos. Os resultados falam por si e é óbvio que o Bloco não tem a maioria suficiente para colocar em cima da mesa algumas dessas questões, que foram notoriamente esquecidas ou abandonadas. Hoje temos um parlamento onde existe uma maioria. Não uma maioria de esquerda, mas sim uma contra as medidas que foram implementadas nos últimos anos. E, portanto, há uma junção de forças que não querem a continuação deste programa de austeridade. Ainda que tendo em conta todas as diferenças que existem, é importantíssimo que haja um acordo mínimo entre estas forças esquerda para que se consigam objetivos como não o baixar da TSU aos patrões, acabar com a precariedade no aparelho do Estado e não cortar nas pensões. São essas as linhas condutoras que servirão de início a uma conversa com a CDU e o PS. Agora está tudo num impasse, mas é muito importante que o resto da esquerda e o PS não falhem a esta chamada. Não quer dizer que com isto o Bloco desista do seu programa, fomos eleitos para o cumprir e assim o faremos. Mas claro que com uma maioria no Parlamento podemos lutar por ele e cumpri-lo da melhor forma. O primeiro dia na Assembleia da República foi histórico. A eleição de um Presidente da Assembleia da República que não saiu da bancada do partido com mais votos mas sim dos partidos à esquerda da PÀF. Hoje se sentarem-se à mesa para discutir um acordo em assuntos essenciais como a contratação colectiva, a precariedade, os salários e as pensões, os apoios sociais é inédito. A 10 de Novembro será votada no Parlamento a Moção de Rejeição ao Governo da Direita. E arrisco-me a dizer que pode ser o primeiro dia do resto das nossas vidas.
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A luta toda
Deficientes mas não calados Afonso Jantarada Uma das principais bandeiras do Estado Social é de que a vida de uma pessoa não pode ser determinada pelas condições de nascença. Foi por isso que em Portugal se fez um SNS gratuito, foi por isso que se construiu a escola pública. No entanto, parece mais que óbvio que uma pessoa com deficiência terá sempre mais dificuldades para ter a mesma vida que uma pessoa sem deficiência. Dificuldades que ainda não estão devidamente colmatadas. Comecemos pela carência económica das pessoas com deficiência. Os custos são maiores: caso não se consiga locomover a pessoa necessita de adquirir o meio para o
fazer, a necessidade de comprar alguns medicamentos (e que caros que eles são) e a dificuldade de arranjar emprego num mundo capitalista e preconceituoso para com as pessoas com deficiência. O sistema capitalista é contrário aos direitos d@s deficientes uma vez que não vê qualquer lucro ao promover a sua integração na sociedade. É este preconceito que é necessário esmiuçar e combater e é esta também uma das dificuldades das pessoas com deficiência. Somos vist@s como pessoas de segunda em muitos campos das nossa vidas.
Somos muitas vezes tomad@s como alguém que mais tarde ou mais cedo vai acabar institucionalizado, sendo que a vida 100% independente é cada vez mais uma miragem. No sentido de reverter esta situação de incapacidade é importante aprovar legislação corajosa. Proponho assim as seguintes medidas : a legalização e proteção da profissão de prestador de serviços, a criação de acessibilidade para cadeiras de rodas em todos os edifícios públicos e a possibilidade de todas as pessoas que o requererem usarem um tradutor de língua gestual portuguesa quando recorrerem aos serviços públicos. A educação também é um meio onde se pode diminuir os obstáculos da vida das pessoas com deficiência. Diminuir a estigmatização que é feita aos alun@s com deficiência é algo premente de se fazer. Apesar de terem necessidades educativas especiais, estas devem ser integradas em turmas com as outras crianças e jovens sempre que tal é possível. Também neste sentido, a educação cívica deve ser reintegrada no programa educativo, no sentido de promover uma melhor integração d@s estudantes com deficiência. Existe ainda outra problemática nas vidas das pessoas com deficiência – o facto de
ser-mos vist@s muitas vezes como assexuais. É óbvio que o medo e o preconceito, ou um pouco dos dois juntos, impede que tenhamos relações amorosas ou sexuais. Há uns meses surgiu um movimento que pretende discutir e procurar soluções neste âmbito – o “ Sim, nós fodemos!”. A sua principal iniciativa tornou-se um sucesso, quando no dia dos namorados de 2014 se realizou um conjunto de palestras no Porto. É nestas iniciativas que se quebram a maior parte dos tabus sobre a sexualidade das pessoas com deficiência, tal como o mito da impotência sexual das pessoas em cadeira de rodas. Os direitos d@s deficientes têm estado na ordem do dia. Nas últimas eleições legislativas, o Bloco de Esquerda elegeu pela primeira vez na história uma pessoa com deficiência como deputado na Assembleia da República. A eleição do Jorge Falcato é inédita e vai obrigar a uma mudança radical na forma como o parlamento está construído. Certamente que todas estas questões tratadas neste texto vão ser alvo de mais discussão. Terá de ser um trabalho sério no sentido de muitas das reivindicações serem colocadas em projetos-lei. É agora!
Banalidade que não nos pode conformar Luís Casinhas Os números são assustadores. Numa sociedade que se diz desenvolvida e onde, supostamente, existe igualdade de género, não se pode admitir que a mulher se submeta a determinado tipo de situações relativamente a alguém com quem tenha ou tenha tido relações de intimidade. Segundo o Observatório da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), entre Janeiro e Novembro de 2014, 40 mulheres, de todas as idades, foram mortas devido à violência por elas sofrida – não evidenciando aquelas que também o foram e não estão contabilizadas nas estatísticas. Desde o início de 2015, morreram, em média, mais mulheres do que no período homólogo de 2014, ou seja, tem falecido 1 mulher por semana, o que nos leva a pensar
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que, independentemente do desenvolvimento que o nosso mundo toma, nada põe um travão definitivo à desumanidade de quem toca numa mulher para a ridicularizar e que não tem consciência de que essa atitude é que é a ridícula, principalmente em períodos onde a austeridade abunda e a vítima se torna cada vez mais dependente do agressor. Infelizmente, e cada vez mais, a violência começa nas relações ainda muito precoces, nomeadamente entre jovens. A APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, define violência no namoro como “um ato de violência, pontual ou contínua, cometida por um dos parceiros (ou por ambos)”, na relação, “com o objetivo de controlar, dominar e ter mais poder do que a outra pessoa”. Tal como a violência doméstica, este tipo de violência não escolhe género e
não se dá apenas a nível físico mas também a nível psicológico, sendo que o segundo se torna, por vezes, muito mais agressivo. Há que esclarecer que a violência não é amor, ao contrário do que uma parte da nossa sociedade é levada a pensar, consciente ou inconscientemente. Forçar o outro a ter relações sexuais não é amor. O controlo, por mínimo que seja, dos hábitos, das conversas, das companhias e dos planos da(o) companheira(o) nunca será amor. O ciúme, a agressão verbal, a ameaça, a humilhação pública e a crítica negativa também não podem ser consideradas amor, e é o amor que tem de estar na base de uma relação saudável. Parece que tudo se torna banal e é normal que assim seja e que a mulher apanhe
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O que é ser LGBTQIA+ em Portugal? Vicente Paredes Inês Raimundo LGBTQIA+ é a sigla que designa a co-
munidade lésbica, gay, bissexual, transexual, queer, intersexo, assexual e todos os
modos não-normativos dentro do espectro da orientação sexual, relacional, romântica ou da identidade e/ou expressão
A Luta Toda
foi designado à nascença. Por oposição,
o facto de não quererem uma cirurgia ou
se identifica, total ou parcialmente, com o
acesso ao tratamento e modificações bu-
uma pessoa trans é uma pessoa que não género e/ou seus papéis societais que lhe
“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher.” Simone de Beauvoir”
outro procedimento lhes será negado o
rocráticas. Além disso, existem também casos de pessoas com problemas de saúde mental que condicionam o tratamento
de reposição hormonal e, por desespero,
mentem dizendo que estão bem à equipa
médica quando têm problemas de depressão, por exemplo. Este processo demora
de género. É importante relembrar que a
foram atribuídos à nascença.
nero é independente da questão da orien-
mulher.” Clinicamente (e mantendo como
relacional ou nula. Ser homossexual, bis-
trans são tratadas como não capazes de
ronormatividade e é importante começar a
acompanhamento psicológico/psiquiátri-
são e acabar com o silêncio. Medidas im-
questão da identidade e expressão de gétação, podendo esta ser sexual, romântica,
sexual, assexual (entre outras orientações) são coisas distintas que somente a pessoa pode identificar.
A visibilidade não é homogénea dentro
da comunidade nem fora. As causas homossexuais têm-se tornado mais mediáti-
cas que todas as outras – é um passo, mas é um passo demasiado pequeno para uma comunidade que abrange tantas formas de ser e viver diferentes.
Antes de se poder saber o que é ser
trans, é necessário perceber o conceito
“cisgénero”. Judith Buttler explica-o simplesmente dizendo que o termo cisgénero (cis) se aplica a um grupo de pessoas
que estão em paz com o género que lhes
e cale, oiça e cale, porque merece, porque é mulher, porque não tem a importância que os homens ou outros familiares têm, para não falar do facto de que quem a rodeia acabar por sofrer com tudo aquilo pelo qual a mulher em causa passa. Imaginemos todas as marcas com as quais quem passou ou passa por situações de violência doméstica ou no namoro fica. O medo, a insegurança, a falta de vontade, a redução da autoestima, o estado de espírito depressivo são algumas delas que, para além do facto de não serem ultrapassadas facilmente, influenciam as suas vidas, em aspetos que importam, mesmo que pareçam simples e sem interesse algum. Devemos estar atentos aos sinais, procedendo à sua análise, quer façamos parte ou não da relação. Não os podemos negar,
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“Ninguém
nasce
mulher,
torna-se
referência o caso português), as pessoas
tomada de decisões, sendo obrigadas a co e só após aprovação do responsável pelo
acompanhamento é que a pessoa trans é
reconhecida legalmente como trans, não
podendo agir por conta própria. É importante termos em conta também a normatividade dentro deste processo: maior parte
dos profissionais de saúde assumem que
todas as pessoas que não se identificam
por norma o mínimo cinco anos, tem custos elevados e implica um forte desgaste emocional.
Muito há a fazer para combater a hete-
educar no sentido de alargar a compreenportantes a serem aplicadas seriam implementar a Educação Sexual nas escolas para
que exista de verdade e que aborde, em linhas gerais, a temática da identidade de
género; a despatologização da transexualidade; o reconhecimento de expressão e identidade de género.
O Bloco de Esquerda tem sido incan-
enquanto cisgéneras existem enquanto
sável nesta luta e certamente os próximos
individuais com necessidades e perceções
mudança com gente de verdade que re-
massa homogénea e não enquanto seres
do eu individuais. Muitas vezes as pessoas
sentem-se forçadas a mentir durante as avaliações psicológicas por acharem que
quatro anos serão uma oportunidade de
presenta causas reais e com objetivos palpáveis.
legitimar ou sequer considerá-los episódicos, de forma a romantizá-los, porque ao fazê-lo banalizamos algo que acaba por ter um peso forte no mundo em que vivemos. A necessidade de nos preocuparmos e mostrarmos sensibilidade para com este tipo de assuntos, mantendo compromissos com tod@s aquel@s que sofrem, direta ou indiretamente, com o crime que é a violência para com as mulheres, é prioritária, por um mundo onde o sexo feminino deixe de ser subestimado, por um mundo mais igualitário. Para que os jovens de hoje e dos tempos vindouros tenham consciência daquilo que é ou não saudável no namoro e deixem de achar normal o que para eles é a normalidade, para que a juventude não continue a prática de atos agressivos e não se submeta aos mesmos no futuro, a luta é necessária.
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Capa
A luta nos call-centers Frederico Aleixo de produção, sendo que daqui decorre o A discussão do emprego (ou falta dele) lucro das empresas) que se traduziu numa é um tema primordial nos debates elei- desvalorização salarial, nem fazer frente a torais. Basta assistir às costumeiras pro- uma política assente na desregulação dos messas de mais postos de trabalho por mercados financeiros, nas privatizações parte do PS e da coligação de direita para ou na flexibilização e precarização labopercebermos a sua importância na caça ao ral, que mais não fizeram que alimentar voto. O que estas duas forças políticas não um leque de conglomerados económicos dizem é o tipo de emprego que vão pro- e financeiros de alcance mundial que conmover, embora 39 anos centraram uma enorme “A ideologia neoliberal fatia da riqueza mundial, de alternância não deixem ascendeu para legitimuita margem de impredividiram a produção glomar a hegemonia do visibilidade. bal e controlaram os cencapital financeiro e A preocupação não tros de decisão política. é para menos num país fictício sobre o capital A construção europeia com uma elevada taxa de limitou-se a acompanhar produtivo[...]” desemprego, apesar da este processo, o que exrealidade ser pior que a plica a desindustrialização manipulação estatística. Mais que a quan- acelerada de Portugal assim como a sua tidade, as condições laborais actualmente terceirização. existentes exigem uma especial atenção Em conformidade com o processo sobre a qualidade do emprego que gras- histórico anteriormente narrado e numa sa no país. Neste âmbito, os call-centers lógica de acumulação financeira, o crescisão exemplos da distopia desenhada pelo mento do sector dos serviços foi realizado projecto político da direita. Com o agrava- em paralelo com o desenvolvimento das mento do desenvolvimento social portu- tecnologias de informação e comunicação, guês no contexto de uma economia peri- dando azo ao nascimento de um novo neférica com reserva de mão-de-obra barata gócio: os call-centers. e dócil, nada resta aos trabalhadores senão libertarem-se dos seus grilhões. Uma nova classe?
A emergência dos call-centers Podemos apontar a década de 1970 como o início de uma crise estrutural do capitalismo na sequência de uma queda mais acentuada da taxa de lucro com origem em anos anteriores. Acontecimentos como a crise do petróleo e a consequente estagflação ditaram a substituição das políticas keynesianas pela escola monetarista. A ideologia neoliberal ascendeu para legitimar a hegemonia do capital financeiro e fictício sobre o capital produtivo; i.e. uma financeirização da economia, de modo a garantir uma rentabilidade perdida noutros sectores. Por seu lado, as burocracias sindicais não conseguiram combater o constante aumento da taxa de exploração (o crescimento salarial fica abaixo da produtividade e essa parte do trabalho que não é remunerada aumenta e é apropriada pela classe proprietária dos meios
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que não respeitam a reprodução biológica da força de trabalho; levando trabalhadores à exaustão, a doenças de foro físico e mental e com uma crescente dificuldade para suprirem as suas necessidades fisiológicas, sociais ou culturais. Todavia, estas especificidades não suportam a categorização de uma nova classe social. As relações sociais de produção não se alteraram. Falamos, isso sim, de um retrocesso histórico de empobrecimento e precarização da classe trabalhadora para corresponder aos interesses do capital no âmbito do processo de acumulação capitalista através de um elevado nível de exploração, principalmente em períodos de crise. Para os grandes grupos económicos e financeiros – os tais “mercados” - vale tudo para manter este sistema de exploração, fazendo com que os trabalhadores produzam a riqueza que suporta a sua especulação e os seus lucros obscenos.
A importância da organização
Uma profissão sujeita à precariedade compreende vários obstáculos a uma resposta colectiva. Podemos apontar várias dificuldades, entre as quais um intenso trabalho de vigilância que existe nestas unidades de produção e que favorece Este é, sem dúvida, um ramo que es- um clima de medo que é desmobilizador. pelha bem a reprodução das relações Acrescentemos a este factor uma teia comcapitalistas em economias dependentes plexa que se gera entre empresas clientes, como a portuguesa, principalmente des- ETT’s e subcontratados, assim como uma de as repercussões da crise de 2008. Com atomização das relações entre trabalhaefeito, a flexibilização laboral tão apre- dores que é alimentada pelo incentivo da goada como solução competitividade e pela “[...] a flexibilização laboral diferença de vínculos para o emprego no tão apregoada como solução laborais. Autênticas discurso hegemónico mais não fez que espara o emprego no discurso ferramentas que mitimular a formação de nam as relações sohegemónico mais não fez uma enorme massa de ciais susceptíveis de que estimular a formação desempregados que gerar a união de tode uma enorme massa de exerceu uma pressão desempregados que exerceu dos os trabalhadores descendente nos saem torno dos seus uma pressão descendente lários e nas próprias interesses. Porém, a nos salários e nas próprias condições de trabalho. opressão também oricondições de trabalho.” Permitiu ainda que as gina o seu contrário. empresas conseguisAs manifestações do sem fazer face às variações do mercado 12 de Março de 2011 e de 15 de Setemcom contratações e despedimentos céle- bro de 2012 revelaram o desenvolvimento, res e colocassem metas de produtividade ainda que
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Capa
pectos concretos que dificultam ou possibilitam a acção dos trabalhadores em determinada empresa. Mas formas de resistência à parte, a luta organizada é o caminho, embora esta não se deva limitar a uma luta económica e sectorial. Com efeito, a resistência às investidas do capital não pode ser dissociada do seu engajamento político na luta de classes, que será sempre uma luta política assente na solidariedade de todos os trabalhadores.
Uma luta da classe trabalhadora
embrionário, de consciência de classe por lhos sindicais. Uma realidade que obriga parte de muitos trabalhadores precários, a uma adaptação e radicalização no méprincipalmente jovens. A Lei contra a Pre- todo de confrontação com a classe capicariedade dinamizada pela associação dos talista. A este propósito convém referir Precários Inflexíveis contou com a subs- que ainda não é possível estabelecer um crição de milhares de trabalhadores pre- padrão de formas de organização. Por um cários. Mais recentemente, as greves dos lado temos sindicatos formados a partir trabalhadores dos call-centers da EDP, da de uma luta isolada, como por exemplo a Linha de Saúde 24 e da PT - sem esquecer aposta na integração de todos os trabalhadores nos quadros da a criação do STCC (sin“[...] a resistência às dicato dos trabalhadores empresa-cliente sem ininvestidas do capital de call-centers) - vieram termediação de ETT’s, innão pode ser dislembrar-nos a importândependentemente do tipo cia fulcral da organização de contrato, como forma sociada do seu engacomo resposta dos trade unir os trabalhadores. jamento político na balhadores aos congloPor outro lado, temos uma luta de classes, que merados que dominam o será sempre uma luta abordagem que parte da sector. Nestes termos, o formação de um sindicapolítica assente na sindicalismo é a alavanca to que integre todos os solidariedade de todos trabalhadores dos callde emancipação da clasos trabalhadores.” se trabalhadora. Conve-centers de todas as empresas nas várias áreas e nhamos que, no entanto, a ultrapassagem do modelo fordista e a parta para reivindicações transversais. Se concertação social entre trabalhadores o primeiro exemplo parece impôr limites e patrões são factores de distanciamen- na concertação com outras organizações to, principalmente quando falamos de de trabalhadores para enfrentar probleum ramo deslocado do pacto social onde mas comuns, o segundo pode gerar uma repousam muitos burocratas dos apare- excessiva abstracção que subestima as-
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Os combates por um salário digno, pelo fim dos despedimentos arbitrários ou pela redução do horário laboral não podem ser entendidos fora do quadro de uma política no interesse dos trabalhadores que traga o fim da austeridade e a anulação da dívida agiota. Sem a libertação das amarras que prendem os trabalhadores a uma economia que pressupõe a precariedade como suporte de lucros, não teremos uma alternativa credível de desenvolvimento social. A solução passa pela formação de uma frente unida que agrupe partidos, sindicatos e outras organizações de base proletária unidos por uma estratégia que acelere a acumulação de forças e realize a transição para uma situação revolucionária. A luta no seio dos call-centers não terá sucesso se for levada a cabo isoladamente e separada da construção de uma alternativa transformadora da realidade num todo. E se é verdade que ainda não sabemos se estamos perante mudanças qualitativas que tornaram este tipo de trabalhadores no novo operariado, também sabemos que ontem como hoje faz sentido apelar à união de todos os proletários do mundo.
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Internacional
Devemos acreditar numa ameaça fascista em França? Kenza Soares
Militante do Novo Partido Anticapitalista francês Ainda há pouco tempo assistimos em França a uma triste novela mediática. Entre pai e filha, membros da Frente Nacional (FN), um partido de extrema-direita, já nada é como antes. A culpa recai sobre Jean-Marie Le Pen, co-fundador da FN, cuja filha, Marine Le Pen, o culpabiliza pelas suas várias intervenções menos felizes. Aquele que afirmou que «as câmaras de gás eram apenas detalhes da História”, volta à carga. Desta vez, o escândalo originou-se no seguimento duma entrevista concedida ao jornal de extrema-direita, Rivarol,
em Abril de 2015. Qual é o problema? A sua filha, Marine, líder da FN desde 2011, tem adoptado uma táctica de “desdiabolização”, de normalização do partido com o intuito de o tornar respeitável. Marine Le Pen não aceita que o seu pai deite tudo a perder. Mas o que dizer à cerca disto tudo? Será um cenário mediático ou um sério conflito interno no partido? O que quer que isto seja, evidencia as duas faces da extrema-direita na França. O que é realmente a Frente Nacional? É difícil dizer. Na sua origem, em 1972, era um partido fascista que agrupava à volta do seu líder, Jean-Marie Le Pen, antigos Waffen SS e membros do grupúsculo neonazi GUD e saudosistas do Pétain (que colaborou com Hitler durante a 2ª Guerra Mundial) ou da Argélia sob domínio francês. Mas hoje é mais complicado. Desde a liderança de Marine que acabaram as insinuações antissemitas e provocadoras na televisão, transformando a FN num “partido de Governo”. Marine trocou o discurso católico conservador e ultraliberal do seu pai por um discurso laico e proteccionista. Funciona. Numa sondagem 31% dos franceses estariam dispostos a votar na FN para as presidenciais de 2017. Será que devemos temer uma ameaça fascista em França? Sim e não. Não podemos dizer propriamente que a FN de 2015 é fascista, isso seria falso. Até porque todos os militantes da FN não são fascistas: muitos são jovens com o discurso republicano básico e que não se reconhecem nos partidos tradicionais ou que são atraídos pela ideia
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“não somos nem de esquerda, nem de direita, somos apenas franceses patrióticos”. Não se identificam com Adolf Hitler. Basicamente é um partido da direita radical que tenta chegar ao poder através dos mecanismos da democracia burguesa. É o caso de Marine, que se implanta pouco a pouco no sistema, atingindo o poder por via eleitoral (tem vários senadores e várias localidades). É uma imagem jovem, pretendem associarem-se a uma herança republicana e “Gaulliste” (Charles De Gaulle, líder da Resistência e estadista que fundou a V Républica), em vez de uma imagem colaboracionista nazi. Ambições que contrastam com as de Jean-Marie, que prefere seguir a via da provocação sem verdadeira vontade de chegar ao poder, mais parecida com uma extrema-direita grupuscular que hoje em dia se alimenta da FN, escondida na sua sombra. Mas a FN não deixa de ser perigosa apenas porque não é fascista. A FN impõe diariamente as suas crenças no debate político, imediatamente acompanhadas pelo PSF e o UMP que não querem ser postos de lado. Para a extrema-direita, a França está ameaçada por 4 “I’s”: Imigração, Islamização, Insegurança e Imposição, construindo pontes entre estes temas. Marine Le Pen trava uma batalha contra os muçulmanos e o Islão, “Uma religião invasora, incompatível com a laicidade e a democracia”, segundo a própria. No entanto, o racismo não é a única coisa presente no seu discurso. A FN propõe, pela primeira vez, um programa económico concreto, protecionista e inspirado nas obras do laureado Maurice Allais, prémio Nobel de Economia. O seu programa apresenta uma posição anti-euro e anti-mundialista, com receio da “uniformização cultural”. Le Pen chegou a classificar a Europa de “esquema, agente de desmantelação das nações, união soviética europeia, monstro do Frakenstein que colocou a França sob a sua tutela.”. Marine procura implementar uma economia baseada num Estado francês forte que controle os sectores estratégicos. A líder do partido fala de nacionalizações, entrando numa tipo de intervenção estatal conota-
do com a esquerda e chegando até a falar num programa social: aumento do salário mínimo, reforma aos 60 anos, diminuição do custo do gás e da eletricidade. Dirige-se assim aos “esquecidos” (apenas os franceses) pequenos comerciantes, agricultores, trabalhadores precários e sindicalizados. Os “abandonados pelas elites incapazes e corruptas”, como gosta de se lhes referir. No contexto da crise económica e da contestação ao bipartidarismo, além da banalização das ideias racistas (devido à notável viragem à direita do espectro político, nos últimos anos), a FN encontrou um terreno fértil. Atrai jovens (cerca de 30% dos jovens com menos de 35 anos votaram na FN nas eleições europeias) , trabalhadores sindicalizados (1/3 da clase operária), mulheres precárias, a classe média e alta das zonas periféricas, que temem a “descer os
degraus sociais”, nas zonas mais populares (pessoas com medo de perder o trabalho, a casa...) mas também pessoas de CSP superiores nas zonas mais ricas. Todos dizem que são atraídos por um partido que nunca experimentaram, mas também pelo voto de contestação contra o actual Governo. Como dizia Daniel Guérin, escritor e teórico revolucionário francês, o fascismo é de alguma forma utilizado pelo grande capital, para proteger os seus lucros e evitar uma revolução dos trabalhadores. Até agora, a burguesia liberal francesa não saberá o que fazer com a economia protecionista da Frente Nacional. Mas e se a crise se continua a aprofundar e o partido cresce mais? O fascismo divide a classe trabalhadora entre franceses e imigrantes, heterossexuais e LGBTQI, homens e mulheres. Ora, todos os nossos problemas relativos à crise e ao desemprego, estão ligados a um problema: o capitalismo. Não há nenhuma salvação suprema. A nossa emancipação só será alcançada através da luta coletiva. Como dizia Jean Renoir, cineasta: “Os homens estão menos separados pelas barreiras verticais do nacionalismo do que a separação pelas barreiras horizontais das classes.”.
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Cultura
Uma Luta já antiga Jefferson oliveira Escrever sobre os problemas do apoio Os sucessivos cortes e redução dos à produção teatral em Portugal não é novi- apoios à produção teatral desde de 2011 têm dade, não são problemas de hoje, já são de afectado todas as companhias e criadores. há muito, e há muitos anos que criadores e No entanto, são as companhias de pequena produtores vêm constantemente chamando e média dimensão que se encontram numa a atenção para a insuficiência dos financia- situação mais complicada: cortar no que já mentos do Estado à cultura e, especifica- é escasso é sentenciar o fim de muitos promente, ao Teatro. No final da década de 90 jectos. alguns criadores diziam ser vergonhoso que, A DGArtes, entidade responsável pela num país que se afirmava ser desenvolvi- atribuição dos apoios às artes, com a sofreu do, o Orçamento de Estado cortes desmedidos com a “Passámos do vercontemplava apenas 0,6% vinda da troika e que levagonhoso 0,6% para a para a cultura, ainda aquém ram a que algumas comcultura para o desasdo valor de 1% recomendapanhias deixassem mesmo troso 0,1%.” do pela ONU. O que não se de receber financiamentos. previa era que esta situação tornar-se-ia mais do que vergonhosa. Hoje, quando ouvimos alguns criadores falar dos anos 90, ouvimos falar “dos tempos das vacas gordas” para o Teatro. Durante o período entre o Lisboa 94 – Capital Europeia da Cultura e a Expo 98, acreditou-se que novos tempos estavam por vir e que a partir de então haveria um verdadeiro e intenso investimento na Cultura. Porém, não foram precisos muitos anos para que esse “balão de oxigénio” se começasse a esvaziar. Ainda não passaram duas décadas desde a Expo 98 e encontramo-nos numa situação que naqueles tempos não se imaginaria. Passámos do vergonhoso 0,6% para cultura para um desastroso 0,1%.
do Tejo têm obtido nos últimos anos uma grande parte dos subsídios estatais destinados à produção teatral. Estas companhias merecem sem dúvida o apoio que recebem e têm muito mérito nos projectos e trabalhos que desenvolvem. Contudo, ao abarcarem uma grande fatia do “bolo” que é destinado à produção teatral nacional, outras inúmeras companhias, com projectos também de elevado mérito, vêem a sua actividade posta em risco por falta de orçamento. As companhias que, com grande esforço dos criadores, se estabeleceram em regiões fora dos grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto, e que se empenharam
O Teatro em Portugal foi numa verdadeira descentralização teatral em sempre subfinanciado. No diversas regiões do país sobrevivem graças entanto, a situação de muitas companhias de ao amor à camisola dos seus criadores. Já média dimensão já não é sustentável neste há casos de companhias em que a equipa momento. Os cortes sofrié dividida. Metade trabalha dos pelos criadores teatrais “Em Portugal sempre nos primeiros seis meses e foram de uma brutalidade a outra metade nos últimos houve uma discrepinjustificável. Aliás, os valoseis para que haja alguma ância quase imoral res destinados à Cultura no sustentabilidade e todos na distribuição dos contexto geral já eram tão possam ter trabalho. São as subsídios à produção companhias descentralizareduzidos e não seria por teatral.” cortes a este sector que se das que se encontram em reduziria a dívida pública e maior risco, porque, apesar se alcançariam as metas do défice. de tudo, vai sendo mais fácil sobreviver nos Em Portugal, sempre houve uma discre- grandes centros urbanos. É a democratizapância quase imoral na distribuição dos sub- ção cultural que está a ser posta em causídios à produção teatral. Um número restri- sa com forte redução da actividade dessas to de companhias da região de Lisboa e Vale companhias ou, em alguns casos, com o seu desaparecimento. Estamos a falar de uma regressão da descentralização que se logrou desde o 25 de Abril, voltando a uma conjuntura em que apenas uma “elite” urbana tem acesso à Cultura, nomeadamente ao Teatro.
“A pergunta que se coloca é: porque deve o Estado apoiar a Cultura?” A pergunta que se coloca é: porque deve o Estado apoiar a Cultura? E a resposta é simples: porque apoiá-la é afirmar a nossa Identidade. E a afirmação necessária é a de uma Identidade Plural. Pluralidade que não se alcança cortando e restringindo a poucos, mas sim através da democratização cultural.
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Teoria
Os indiferentes Antonio Gramsci
Publicado a 11 de Fevereiro 1917 Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes. A indiferença é o peso morto da História. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o
peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica. A indiferença actua poderosamente na História. Actua passivamente, mas actua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos, mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um acto heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que actuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a História, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há factos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida colectiva, e a massa
grupos activos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os factos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a História não é mais do que um gigantesco fenómeno natural, uma erupção, um terramoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou activo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se das conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam pie-
dosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao facto de não ter dado o seu braço e a sua actividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem que pretendiam. A maior parte deles, porém, perante factos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeça assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e
tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum género. Odeio os indiferentes porque também me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamen-
te, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento. Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.
não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos
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Teoria
A Revolução será feminista, ou não será! Ana Rosa Vivemos embrenhadxs no sistema ca-
dade bipartida. O feminismo, por sua vez,
gritante de desigualdade social atual, fun-
este sistema que influencia, determina
assumindo, por isso, tanto de princípio
chegam a representar 1/3 da população
pitalista. Estamos envolvidxs e sujeitxs a
e condiciona qualquer esfera das nossas vidas, conduzindo-as. Tanto as instituições como as práticas sociais são instru-
tem por base eliminar estas desigualdades
como finalidade o derrube do próprio capitalismo.
As sucessivas tentativas de afirma-
mentalizadas pelo sistema como forma de
ção do movimento feminista e crescentes
económicas, políticas e sociais das nos-
apropriação e legitimação pelo próprio
garantia do total controlo das vertentes sas vidas. Iludidxs de que este modelo foi criado e existe ao nosso serviço, em boa
verdade, existimos para o seu reforço e
prepetuação, sem consentimento ou alternativas.
O capitalismo alimen-
ta-se
historicamente
adesões das sociedades, levaram à sua
mentando uma clivagem entre a mulher burguesa e a mulher proletária.
O risco de pobreza mundial é, não sur
sobretudo na população idosa. De acor-
perpetuando assim a lógica exploradora
do sistema. A própria burguesia já nos
das
para as mulheres, e a situação agrava-se do com um estudo da US Census (2011),
mulheres idosas (65 anos) têm o dobro
da probabilidade de estar em situação de pobreza que os
homens da mesma idade. A
carência económica e, consequentemente, política e social
ção. Não obstante a origem
barra à mulher a sua autono-
dos desiquilíbrios sociais
mia e empoderamento, per-
anteceder a implementação
petuando, uma vez mais, uma
deste sistema, constatamos
situação de carência e depen-
man-
dência.
têm uma estreita ligação mútua
e impossibilita uma luta conjunta, incre-
dade, domina-o e enriquece à sua custa,
movimento, o capitalismo, em boa ver-
garantem a sua manuten-
de
ca uma afirmação do sistema hierárquico
preendentemente,particularmente elevado
desigualdades que também
atualmente,
feminina mundial. Por outro lado, impli-
sistema. Apresentando-se como aliado ao
diferenças sociais: são as
que,
damentando-o em casos isolados que não
Finalmente, importa ainda
intensificação.
referir a maior arma de defesa
que vivemos, o enriqueci-
individualismo. Encoraja o iso-
No sistema neoliberal em
que o capitalismo promove: o
mento e sucesso de uma
lamento, distanciação, compe-
minoria implicará, neces-
tição, autopatia. Iludidxs pelo
sariamente, a exploração e
sucesso individual, cegxs pela
o empobrecimento de parte
competitividade, desistimos e
importante da população. A
desacreditamos a ação coleti-
camada que sente, primei-
va.
ramente, em maior escala e
intensidade este contraste
A união faz a força e a força
faz tremer quem lucra à cus-
são os sempre eternos grupos marginali-
vende o conceito de feminismo: é a mu-
ta da nossa opressão. O feminismo é essa
caucasianas, LGBTQIA+/MOGAI, mulheres.
tagnação pintada aos ares do século XXI.
e machista não é só igualar salários en-
zados e/ou subrepresentados: etnias não
Astuciosamente, o sistema adapta-
-se, acompanha e evolui de acordo com as
tendências
sociais,
cimentando-se.
Desta forma, assistimos a um fenónomeno
dança liberal, que se tem revelado em esO classismo, como sempre, impera, mas
agora procuramos aceitar a ilusão de que construímos os nossos caminhos.
Um caso que muito tem sido aplau-
curioso de apropriação dos movimentos
dido nos últimos anos retrata, na perfei-
caso do movimento feminista. O feminis-
procura-se reforçar a ideia de igualdade
antissistema por ele próprio. Vejamos o mo parte, também, de teorias marxistas
e engelsianas anticapitalistas. Engels, em 1884, analisa as relações familiares à luz
da estrutura de classes: o homem é o burguês e a mulher o proletariado. A opressão
e exploração sofrida pela mulher propencia o incremento do machismo na socie-
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força. Combater uma sociedade patriarcal
tre género. É combater todo o sistema que
cria essa desigualdade salarial e que a intrumentaliza como forma de dominação para seu proveito.
Importa, por isso, analisar critica-
ção, esta problemática. Recentemente,
mente as nossas ações, para que não se
de género como uma realidade presente,
das opressões que nos impõem. Importa
exemplificando-a através de alguma representação feminina em cargos públicos
ou de chefia. Esta insistência, conformista,
revela-se problemática em diferentes esferas.
assumam como uma mera reprodução
desenvolver laços de solidariedade entre oprimidxs e exploradxs para que, juntxs,
possamos combater o capitalismo que nos prende. Em suma, importa ser feminista.
Por um lado, procura diminuir um caso
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História
16 anos de Bloco Gonçalo Pessa Há 16 anos começámos de novo. Cons- que afirmou um espaço político na Esquer- vasão do Afeganistão e do Iraque, contra a truímos um partido novo. Uma nova forma da, desagarrado ao passado e com uma lei- militarização da ajuda humanitária e da code partido, para um novo ciclo político. tura crítica das experiências das Esquerdas operação para o desenvolvimento. Estivemos O novo momento político era aquele que que marcaram o século XX. O Bloco trouxe em contra-cimeiras da NATO, do G8, sobre exigia à Esquerda respostas políticas para a esperança de que era possível um parti- alterações climáticas, como a de Copenhaum mundo que era agora global. Era o novo do emancipatório da esquerda socialista que ga. Participámos no esforço de formação do ciclo, o dos movimentos alter-globalização, não tivesse medo do poder e que quisesse Partido da Esquerda Europeia (GUE), que esdos fóruns sociais, das manifestações de Se- mesmo disputar e ser poder. tabeleceu canais priveligiados de informação attle. E foi nesse contexto que nos revelámos e comunicação, que organizou iniciativas um partido capaz de fortalecer lutas inter- O que nós andámos para aqui conjuntas, e, acima de tudo, que permitiu continentais, da luta contra a intervenção na chegar. aprofundar a dicussão e a nossa organização guerra nos Balcãs à guerra do Iraque, da luta por uma outra Europa. Porque outra Europa pela anulação da dívida externa do 3º mundo Começar de novo foi o nosso compro- é possível: uma Europa social, democrática, à Taxa Tobin. misso de partida. Começar não fortificada, que reconheça os direitos de Um partido novo, mas de novo para reafirmar um cidadania a todos os imigrantes e onde qual“Uma nova forma de com uma extensa herancompromisso de cidadania: quer pessoa possa circular livremente. Uma fazer política, porque o da luta pela alternativa Europa que combata a extrema-direita, uma ça de participação política o Bloco ensaiava algo socialista ao capitalismo. Europa solidária, que promova um desenvolconstruída por camaradas inovador na Esquerda Começar de novo para for- vimento justo e equitativo, que combata as ao longo do século passaportuguesa. Ensaiava a talecer a democracia contra assimetrias sociais e erradique a pobreza. E do, de luta pela democracia e pelo socialismo. Uma construção de um par- os interesses do capital fi- nós temos lutado por ela. herança que nos mostra tido que juntava várias nanceiro. Começar de novo como viémos de longe, da correntes e percursos para “quebrar, no plano po- Combatemos o conservadorismo Esquerda que combateu a da extrema-esquerda lítico, o círculo vicioso de em toda a linha. ditadura à que foi voz inum rotativismo ao centro”. portuguesa.” contornável no processo Começar de novo para reTivémos um papel importante na consrevolucionário no último quarto do sécu- lançar a esperança num mundo melhor. trução de uma maioria social, muito ampla, lo passado. Da luta popular, do movimento Esse era o desafio que colocávamos à que deu a vitória ao “Sim” no referendo da proletário e da luta pela reforma agrária. Do sociedade. O de criar um partido capaz de despenalização do aborto. Vencemos essa CM-LP aos Comités Comunistas Revolucio- intervir e transformar as esferas institucio- luta. Mais nenhuma mulher foi humilhada e nários Marxistas-Leninistas, ao PCP(R) e à nais da vida política. O de criar um partido- obrigada a sentar-se no banco dos réus por UDP, da LCI e do PRT ao PSR, do MDP/CDE -movimento, um compromisso de cidadania ter exercido o direito de decidir sobre o seu à Política XXI. de aprofundar a luta social. Um espaço não corpo. Esta vitória traduziu-se num enorme só de militantes mas também de ativistas progresso social, um grande triunfo sobre Viemos de Longe. sociais, de partilha de capacidades e expe- o conservadorismo. Na última legislatura, a riências do movimento, de direita reacionária aprovou Uma nova forma de fazer política, por- aprendizagem mútua, recíuma lei que obriga as mu“Tivémos um papel que o Bloco ensaiava algo inovador na Es- proca, de preparação contílheres a pagar taxas modeimportante na conquerda portuguesa. Ensaiava a construção nua para a luta toda. radoras e a ouvir sermões strução de uma maiode um partido que juntava várias correntes e E temos feito a luta de médicos objectores de ria social, muito ampercursos da extrema-esquerda portuguesa. toda. Ecologia, drogas, enconciência em consultas de pla, que deu a vitória aconselhamento obrigatóQue sobrepunha ao fraticismos e ao secta- sino, direitos humanos, ao “Sim” no referendo rias. Esta lei é um ataque à rismo irrelevante a relevância da unidade da discriminação, patriarcado, da despenalização do dignidade das mulheres e Esquerda radical em torno de uma agenda trabalho, habitação, imigraalargada. Que se fortalecia com a diferença, ção, feminismo, saúde. aborto. Vencemos essa merece ir para o caixote do com a pluralidade de visões, com a diversiImpusemos as causas lixo das conceções da idade luta..” dade, e que usava essa força para a cons- internacionais de solidada pedra. A nova configutrução de sínteses agregadoras. Sínteses que riedade. Estivémos nas mobilizações da so- ração da Assembleia da República permitirá fizeram do Bloco um partido muito maior do ciedade civil contra as atrocidades da ocu- certamente voltar atrás com essa injustiça, e que os seus antepassados, que cresceu mui- pação indonésia de Timor-Leste. Criámos a que a nossa primeira iniciativa parlamentar to para lá da sua História. Um partido que movimentos de opinião pública contra o do Bloco será a de rasgar esta lei vergonhoia muito além da agitação e propaganda, e imperialismo norte-americano contra a in- sa.
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História
Portugal o primeiro país a descriminalizar o consumo de drogas na Europa, mas sabemos que a discriminalização do consumo é insuficiente no mundo que queremos construir. O Tabu e a repressão sobre o consumo de drogas contribui para uma subalternização social dos consumidores e a desintegração de meios sociais pobres que o narcotráfico controlou. É responsável por consumos desinformados e pelas suas consequências para a saúde pública. Por isso, nestes 16 anos mantivémos constante a agenda da legalização das drogas leves e da necessidade de mudarmos a forma como a sociedade encara o consumo de drogas com a introdução
à sua sustentabilidade, pela gestão pública dos recursos naturais e que junte o desenvolvimento das sociedades com a preservação dos ecossistemas. A justiça ambiental orientou a nossa acção nos últimos 16 anos, desde os movimentos contra a co-inceneração, à luta contra a privatização do sistema de águas e do tratamento dos resíduos, ou contra a privatização dos transportes públicos. A sociedade precisa de se relacionar de forma diferente com a Natureza. Uma outra relação com esta passa também por uma outra relação com os animais. E o Bloco de esquerda esteve na linha da frente daqueles que fizeram dos maus tratos a animais e das
das trabalhadora. De todos os que pretendem uma sociedade que valorize o trabalho e os direitos dos e das trabalhadoras, que dê condições de vida à sua população e que não a obrigue a emigrar, que percebem a urgência dos desafios ambientais e querem compromissos políticos sérios para o clima, que querem um mundo livre de discriminações e onde todos possamos circular livremente. “A superação dos sectarismos e a capacidade de sintetizar, na esfera política, o melhor que os diferentes ativismos existentes na sociedade têm para oferecer, é uma tarefa de geração”, escrevíamos no nosso manifesto seminal. Década e meia depois
que o movimento social tenha perdido alguma capacidade de resposta aos desafios ambientais. O Bloco de Esquerda é um partido Eco-Socialista e que luta por uma reformulação do sistema produtivo com vista
votos e simpatias em todas as classes etárias. Este último acto eleitoral deixa-o ainda mais claro: o Bloco de Esquerda é o partido dos jovens precários e das jovens precárias, dos e das pensionistas, dos trabalhadores e
a governação do país enquanto construímos uma base social de apoio muito alargada para um governo de Esquerda socialista.
de salas de chuto, a distribuição gratuíta de agulhas, centros de apoio ao toxicodependente, campanhas de informação e do estudo de alternativas à distribuição de drogas, que permitam combater o narcotráfico e o consumo desinformado.
touradas de morte crime. Precisamos de recuperar folgo para fortalecer o movimento pela justiça climática e para isso o Bloco participa na grande mobilização mundial para os protestos durante a Cimeira do Clima de Paris no início deste Dezembro. Demos uma importância central aos diDefendemos intransigentemente os reitos do trabalho. Um país desenvolvido direitos humanos precisa de dignidade no trabalho. Em 2006 corremos o país em Marcha pelo Emprego e Colocámos na agenda os direitos das em 2008 em Marcha contra a Precariedade, minorias de orientação sexual. Depois de denunciando as políticas de desemprego em 2008 o casamento entre pessoas do e precariedade na altura do governo do PS mesmo género ter sido chumbado, consede José Sócrates. O Código do Trabalho de guimos aprová-lo em 2009. Pusemos assim Bagão Félix, a revisão de Sócrates e Vieira fim à discriminação e deda Silva e a mais recente da mos um passo em frente “O Bloco nasceu há 16 era da Troika facilitaram despara fazer de Portugal um anos e desde essa altu- pedimentos e precarizaram país que respeite todas o trabalho. Ao longo destes ra que lhe vaticinam as formas de viver a sea morte. Mas o Bloco 16 anos desdobrámo-nos xualidade e o afeto. Esse em iniciativas de combate à de Esquerda afirmou- precariedade e ao abuso da caminho terá uma etapa se como um partido num futuro muito próxicontratação a prazo em prol de Esquerda popular mo quando o parlamento da preservação da contratae que disputa votos e discutir e votar o projecto ção colectiva e pelas 35 horas simpatias em todas as de trabalho semanais, como de lei que legaliza a adopão por casais do mesmo contra a desigualdade salarial classes etárias.” sexo entregue pelo Bloco. entre homens e mulheres. A crise financeira de 2008 e as suas O Bloco nasceu há 16 anos e desde consequências, que continuam a ressoar 7 essa altura que lhe vaticinam a morte. Mas anos depois, têm monopolizado o debate o Bloco de Esquerda afirmou-se como um político. Essa terá sido a principal razão para partido de Esquerda popular e que disputa
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sabemos como nos empenhámos nesta tarefa. Aos sucessivos ciclos de alternância propomos uma alternativa de esquerda, socialista, de causas civilizacionais, por justiça social. Mas neste Bloco de Esquerda sabemos que para construir uma ampla maioria social por uma mudança de sistema não há atalhos. É de facto um trabalho de geração. O ciclo político da última legislatura trouxe uma fragmentação das forças políticas à esquerda e refluxo do movimento social. Mas terminou com uma reconfiguração política nas últimas eleições e que fortaleceu a esquerda que não entrou em aventureirismos de trocar a sua agenda por eventuais ministérios num governo do PS. E mostrou como só uma esquerda coerente, que não abdica da sua proposta de transformação da sociedade, tem capacidade de influenciar o rumo da governação. O potencial de crescimento da esquerda à esquerda do PS, indiciado pelos 20% que obtivémos nas legislativas, aponta para o desafio que temos pela frente. A rearfimação de uma política unitária, aprofundando diálogos com o partido comunista e com toda a esquerda que luta por alternativas ao austeritarismo e a esta Europa sem pingo de democracia, é central para polarizar a sociedade e explorar o potencial de crescimento da Esquerda em Portugal. E é essa concertação de forças, que tanta força nos dá, que permitirá à Esquerda influenciar
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