A JORNADA HUMANA

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A JORNADA HUMANA

COMO É QUE OS GENES CONSEGUEM CONTAR A NOSSA HISTÓRIA?


Escola Secundária Dr. Jaime Magalhães Lima

A JORNADA HUMANA COMO É QUE OS GENES CONSEGUEM CONTAR A NOSSA HISTÓRIA? Área de Projecto 2010/2011

Trabalho realizado por: Ana Carolina Trabulo

nº2

Ana Filipa Moleiro

nº4

Joana Leonor Moura

nº12

Rita Novo Pombo

nº18

Professora Responsável: Celeste Caetano

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They were single individuals. They were the lucky ones who left their genetic descendants, their linage, down to the present day so everybody alive traces back to these two individuals. (Eles eram únicos. Eles foram os privilegiados que deixaram a sua descendência genética, a sua linhagem, até aos dias de hoje para que toda a gente possa recuar até estes dois indivíduos.)

- Spenser Wells

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ÍNDICE INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 5 PRÉ-REQUISITOS ................................................................................................................... 7 PARTE I – A Diversidade Mundial e a Origem do Homem Moderno Capítulo 1 – Jornada Humana ................................................................................................. 12 A Origem do Homem ........................................................................................................... 16 Out of Africa ........................................................................................................................ 16 África.......................................................................................................................... 16 Ásia ............................................................................................................................. 25 Europa ........................................................................................................................ 27 Austrália ...................................................................................................................... 35 América ....................................................................................................................... 39 Capítulo 2 – Jornada Humana ................................................................................................. 44 Evolução Humana ............................................................................................................... 44 Fixismo vs. Evolucionismo............................................................................................ 44 Neodarwinismo............................................................................................................. 49 Selecção Natural e Variabilidade .................................................................................. 50 As populações como unidades evolutivas ..................................................................... 51 Até ao Homem Moderno – Evolução Humana ............................................................... 55 Génese do Bipedismo ................................................................................................... 58 PARTE II - O Papel da Genética na Descoberta da Ancestralidade Capítulo 1 – Onde está presente a informação genética? ........................................................ 63 Capítulo 2 - Decifrar a informação presente nos genes ........................................................... 69 Que tipos de dados genéticos existem? .............................................................................. 73 Como é feita a datação das linhagens? ............................................................................... 76 Qual é a população com maior diversidade? Qual o significado? ......................................... 79 Como é que explicamos a relativa falta de diversidade? .............................................. 82 Capítulo 3 - Relacionar linhagens: as árvores da espécie humana...................................... 83 Continuidade e diferenciação nos Humanos ................................................................ 84 Árvore materna........................................................................................................... 84 Árvore Paterna ....................................................................................................... 85 Concordâncias entre as árvores do ADN mt e cromossoma Y ................................. 86 Diferenças encontradas ........................................................................................... 86 Capítulo 4 – Mecanismos técnicos inerentes ao processo ....................................................... 88 PCR .................................................................................................................................... 89 Electroforese ....................................................................................................................... 91 Sequenciação ..................................................................................................................... 92 Dificuldades de análise do ADN .......................................................................................... 96 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 99 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 100 NETOGRAFIA ...................................................................................................................... 100 ANEXOS............................................................................................................................... 102

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INTRODUÇÃO Assistimos actualmente a uma sobrepopulação do mundo, estimando-se que a população humana mundial atinja os 8/9 mil milhões de pessoas em 2012. Porém, nem sempre foi assim. Há aproximadamente 7 milhões de anos, um grupo de primatas que habitava a selva africana subdividiu-se, dando origem aos primeiros hominídeos. Modificações anatómicas diversas, desenvolvimento do cérebro e do raciocínio e criação de novas e cada vez mais úteis ferramentas, assim como a linguagem, foram apenas algumas das capacidades que permitiram ao Homem avançar e proteger-se melhor dos predadores, sobrevivendo num mundo inóspito. Sobretudo através da comunicação e organização, os antepassados de toda a humanidade conseguiram desenvolver estratégias, alerta de perigos ou troca de ideias e conhecimentos que o permitiram evoluir cada vez mais, conquistando todo o território terrestre. Apesar de hoje em dia sermos muitos, no início existia apenas um pequeno grupo de hominídeos que se reproduziu e espalhou pelo mundo. Pensa-se que foram as mudanças climatéricas que motivaram os nossos antepassados a deixaram as suas casas nas árvores e procurarem alimento em áreas descampadas. A verdade é que o Homem teve origem em África, mas não se deixou ficar por aí. Conhecer a grande jornada que conduziu a nossa espécie a todos os cantos do planeta tornase assim numa curiosíssima questão à qual nem sempre foi fácil responder. De facto, apesar dos inúmeros historiadores que desde cedo se interessaram pela história da evolução humana, muitas lacunas continuaram presentes até ao descobrimento de novas ciências. Hoje em dia, com o desenvolvimento da Ciência e da tecnologia tem vindo a ser possível descobrir uma imensidão de aspectos relacionados com a nossa ancestralidade. Através da análise dos nossos genes é assim possível conhecer o passado humano e perceber que grandes migrações efectuou o homem até atingir os cinco continentes. Descobrir como é que tudo isto aconteceu e como é que se descobriu isso mesmo é o que pretendemos com o nosso trabalho. Deste modo, o trabalho divide-se então em duas partes.

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Uma primeira sobre a diversidade mundial e a origem do homem moderno, na qual se aborda a jornada humana propriamente dita, apresentando a teoria Out of Africa, assim como se faz uma breve referência a aspectos relacionados com a evolução de uma maneira geral e à evolução humana mais concretamente. Em seguida, numa segunda parte, intitulada A Genética na descoberta do Passado, responde-se à questão de como é que os genes permitem contar esta história. Por último, ainda nesta segunda parte, são referidos os mecanismos técnicos inerentes ao processo de análise do ADN que permitem chegar a tais conclusões, como o PCR, electroforese e a sequenciação.

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PRÉ-REQUISITOS ADN (ácido desoxirribonucleico) - molécula que contém a informação genética primária sob a forma de uma sequência linear de nucleótidos agrupados três a três. ADNc – ADN complementar sintetizado pela enzima transcriptase reversa utilizando o ARN como modelo. ADN polimerase – é uma enzima que sintetiza ADN. Para começar esta síntese é preciso um primer de ARN ou um segmento complementar de ADN. Alelo – uma das várias formas alternativas de um gene num determinado locus. Amplificação – produção de cópias adicionais de sequências de ADN. Amplificação de genes - produção selectiva de várias cópias de um determinado gene sem aumento proporcional de outros genes. Antigénio – partícula ou molécula capaz de iniciar uma resposta imune. ARN (ácido ribonucleico) - polinucleótido com estrutura semelhante ao ADN, contudo o açúcar é a ribose em vez da desoxirribose. Autossoma – qualquer cromossoma excepto um cromossoma sexual (X ou Y). Banco genético — colecção de fragmentos de ADN clonados e que juntos representam o genoma do qual provieram. Célula híbrida – em cultura, é uma célula somática gerada pela fusão de duas células de diferentes espécies que contém o cromossoma completo ou incompleto complementar das células parentais. Código genetico – refere-se às informações contidas no tripleto de bases de nucleótidos de ADN. Cromossoma – contém genes e outras estruturas semelhantes, sendo composto por cromatina e visível durante a divisão nuclear como um corpo filiforme. Electroforese - Separação de moléculas utilizando as suas diferentes velocidades de migração num campo eléctrico. O meio pode ser conter substâncias sob a forma de gel, como o amido, acrilamida, agarose, entre outras. Enzima de restrição – endonuclease que quebra a cadeia de ADN numa base específica da sequência (sítio de restrição).

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Gene – factor hereditário que constitui uma unidade única de material hereditário. Corresponde a um segmento de ADN que codifica a síntese de uma cadeia polipeptidica única. Genética – a ciência da hereditariedade e a base hereditária dos organismos vivos. Genoma – todo o material genético de uma célula ou de um indivíduo. Linkage – localização de locus génicos no mesmo cromossoma, perto o suficiente para causar desvios na segregação independente. Mapas genético – mapa que indica a posição do locus do gene no cromossoma, tendo em conta a sua frequência de combinação . É um mapa físico que refere a absoluta posição dos locus génicos e a distância entre cada um que pode ser expressa pelo número de pares de bases entre eles. Marcador genético — propriedade polimórfica genética que pode ser usada para distinguir a origem parental dos alelos. Par de bases (bp) – no ADN existem duas (a purina e a pirimidina) ligadas por pontes de hidrogénio. No ADN de dupla hélice são: A, C, G, T. No ARN são: A, C, G, U. Polimorfismo – existência de variantes em relação a um locus do gene (alelo), um cromossoma estrutural, um produto genético ou a um fenótipo. São marcadores genéticos para identificar e distinguir os alelos num locus e determinar a sua origem parental. População – conjunto de indivíduos de uma mesma espécie que se cruzam entre si e que constituem um património genético comum. Primer - oligonucleótido de ADN ou ARN que após a hibridação fica com uma extremidade 3’OH em que os nucleótidos podem ser adicionados para a síntese de uma nova cadeia de ADN polimerase. Raça - população que difere de outra na frequência de alguns dos seus alelos de gene. Contudo, é um conceito flexível e relativo pois é definido em relação ao processo evolutivo. Recombinação – formação de novas combinações de genes como resultado do crossing-over entre dois cromossomas homólogos durante a meiose.

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PARTE I A DIVERSIDADE MUNDIAL E A ORIGEM DO HOMEM MODERNO

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Deus, a seguir, disse: «Façamos o homem à Nossa imagem, à Nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Deus criou o homem à Sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher. Abençoando-os, Deus disse-lhes: «Crescei e 1

multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. (…)

Figura 1: Teoria do Criacionismo

D

urante milénios, o Homem tem ponderado as suas origens. Reflexo disso são as muitas histórias que têm surgido para explicar quando e onde os seres humanos modernos apareceram pela primeira vez. A referência bíblica ao

Jardim do Éden e à criação divina de Adão e Eva, ancestrais de toda a humanidade, é apenas um exemplo das diferentes ideias que foram surgindo pelo mundo. Na verdade, as histórias de criação parecem ser uma característica quase universal das culturas humanas. Apesar da força das ideias criacionistas, no século XIX transita-se para uma visão evolucionista, isto é, começa a admitir-se que as espécies se alteram de forma lenta e progressiva ao longo do tempo. Um dos contributos mais importantes para o desenvolvimento destas ideias veio da Geologia. Os geólogos começaram a descrever formas fósseis muito diferentes das espécies actuais. A fonte de informação mais directa do nosso passado vem assim do registo fóssil. Restos mortais têm sido os instrumentos mais relevantes no estabelecimento da evolução humana arcaica em África, para além de terem também fornecido dados importantes sobre o aparecimento do Homo sapiens moderno. No entanto, o registo fóssil é irregular e, muitas lacunas continuam a persistir. Na verdade, a maneira mais tradicional de estudar o passado é a partir da análise e interpretação de vestígios que constituem evidência desses tempos remotos 1

Retirado de: BIBLIA SAGRADA; Difusora Bíblica, 1994.

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– Arqueologia, como anteriormente referido. É com base em ossos, pedras, pinturas rupestres, construções e corpos (ou vestígios deles), que revelam factos sobre um passado longínquo, e em rastos deixados por ancestrais africanos nas jornadas que efectuaram para popular o mundo, que se procura dar respostas às perguntas inerentes à evolução humana. Porém, esta forma de reconstrução do passado é limitada. De facto, fornece-nos dados

1

Uma das técnicas de datação mais

conhecidas e que tem tido mais avanços é a datação por carbono-14. Quer os minerais quer a matéria orgânica fóssil contém pequenas quantidades de elementos radioactivos, cuja desintegração se faz a uma velocidade constante (semivida). O conhecimento dessa velocidade e das quantidades dos elementos radioactivos presentes permite datar esses vestígios.

soltos e cria inúmeras incertezas relativamente aos 12 milhões de anos de história pré-humana e humana. Isto porque, não só as técnicas de datação

(utilizando-se 1

radiométrica )

são

geralmente

a datação

problemáticas,

sendo

imprecisas e com inconvenientes, como também o

A semivida do carbono-14 é de 5600 anos, o que permitiu calcular a quantidade desaparecida de uma determinada amostra e assim ter uma ideia bastante aproximada da idade do objecto.

estado de preservação de muitos dos vestígios está comprometido. O estudo dos fósseis, ou genericamente a Arqueologia é, portanto, uma actividade muito fragmentária, dificultada por aspectos

relacionados

com

a

preservação

Porém, existem limitações. Passadas oito semividas a percentagem de carbono radioactivo torna-se insuficiente para datar objectos com mais de 4 mil anos.

geológica, com o tamanho da amostra, quer em tempo, quer em espaço e com a técnica de

Existem, contudo, outros elementos radioactivos que permitem colmatar estas falhas. Porém, o desenvolvimento de novas ciências que, à partida se encontram

datação.

completamente desligadas destas questões, começou a permitir responder às falhas levantadas pela arqueologia. Pouco a pouco, o mistério que envolve a origem do Homem vai-se desvendando. Na última década assistimos a avanços importantes em diversas áreas relacionadas com a Evolução Humana, desde a Genética até à Psicologia. Nesse sentido, os resultados da Genética Populacional são importantes para complementar o conhecimento fornecido por outras áreas, fornecendo uma nova via de estudar o passado: reconstruí-lo, retrospectivamente, pela análise da diversidade genética das populações actuais. O ADN contém a maior história alguma vez escrita. Através da sua análise e descodificação é possível, pela comparação de marcadores genéticos e aliando a sofisticação

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matemática e tecnológica, compreender a trajectória evolutiva das populações; ou seja, é possível delinear quais as deslocações que o Homo sapiens sapiens efectuou desde África até aos mais distintos pontos do globo terrestre.

Capítulo 1 Jornada Humana A origem do homem

É

hoje unanimemente aceite que África ofereceu no passado as condições favoráveis à evolução humana. Crê-se, de maneira geral, que entre três a dois milhões de anos atrás coexistiram vários hominídeos em África, mas só o Homo

conseguiu perdurar. No entanto, existem vários pontos por esclarecer ao longo da linhagem do Homo, incluindo a origem do Homem Moderno ou Homo sapiens sapiens, não havendo sequer acordo sobre o momento em que os humanos modernos apareceram pela primeira vez no registo fóssil (ver Capítulo 2 – Evolução do Homem). Com efeito, tanto na arqueologia como na Antropologia (ciência que estuda o homem ou a humanidade em geral), a origem do Homem Moderno foi um dos temas que geraram um debate bem aceso. Não há discussões nem quanto à origem do género Homo no Leste Africano nem quanto à noção de que a primeira espécie a espalhar-se para a Europa e Ásia foi o Homo Erectus, nos últimos dois milhões de anos. O debate centra-se, antes, no local de origem do Homem Moderno a partir do Homo Erectus. As hipóteses mais conhecidas e extremistas acerca desta temática são: o modelo multirregional e a teoria Out of Africa. De acordo com a hipótese Multirregional, cujas primeiras referências foram feitas por Franz Weidenreich em 1943, o Homem Moderno apareceu em vários locais do Velho Mundo, a partir de populações locais de Homo erectus, cuja continuidade genética foi mantida através de troca de genes (gene flow), para que essas diferenças populacionais não se isolassem a nível reprodutivo, formando diferentes espécies. Isto implicaria um número substancial de indivíduos constituintes das populações e uma considerável proximidade geográfica entre essas para que fosse possível o entrecruzamento. Assim, segundo esta hipótese, milhões de indivíduos (em idade reprodutiva) foram ancestrais da humanidade moderna. Uma consequência directa dessa troca substancial de genes teria sido uma enorme diversidade genética que, porém não se verifica nas populações actuais, como foi sendo referido. Esta teoria baseia-se essencialmente

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em argumentos paleontológicos, principalmente na continuidade identificada em caracteres de vários fósseis que, como sabemos, comportam os seus inconvenientes. Todavia, todos os dados genéticos apontam para a hipótese Out of Africa e são raros os investigadores que ainda atribuem alguma validade ao modelo multirregional. A hipótese Out of Africa, que se desenvolveu nos anos 80 e 90, após o alargamento dos conhecimentos no campo da genética, assume um evento único para a origem do Homem Moderno que terá acontecido no leste de África, há cerca de 150 000 – 200 000 anos, a partir de um número reduzido de ancestrais. Posteriormente, várias ondas de migração foram responsáveis pelo povoamento do resto do mundo pelo Homem Moderno. De facto, há cerca de 150 000 anos o Homem Moderno já tinha substituído provavelmente todas as populações mais antigas de humanos arcaicos por toda a África, tendo entrado pelo Próximo/ Médio Oriente há cerca de 70 000 anos. A partir daí, esses caçadores nómadas percorreram o Sul do continente asiático, chagando à Austrália há cerca de 60 000 anos, enquanto outros se dirigiam para a Europa há 40 000 anos. Há 15 000 anos tinham já atravessado, em pequeno número, o estreito de Bering, que separa a Ásia da América do Norte, tendo-se dissiminado pelo vasto continente americano em direcção ao Sul, colonizando as florestas da Amazónia e as pampas da Patagónia.

Figura 2: Hipótese Multiregional (em cima) e Teoria Out of Africa (em baixo)

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A – MODELO MULTIRREGIONAL – verifica-se uma independência entre os homens modernos que

Figura 3:

colonizaram os diversos continentes, embora se verifique um fluxo de genes entre estas populações B – TEORIA OUT OF AFRICA – origem dos humanos arcaicos em África e posterior colonização dos restantes continentes

2

Na verdade, crê-se que a origem do Homem Moderno esteja em África uma vez que é aí que se concentra uma maior 2

diversidade de ADN comparativamente com o resto do mundo. Isto é, as variantes que se encontram nos outros continentes correspondem a subconjuntos do continente africano, sendo que as populações não africanas se assemelham mais em termos de

Diversidade genética é uma medida

de biodiversidade que mede a variação genética dentro de cada espécie, tanto entre populações geograficamente separadas como entre os indivíduos de uma dada população. PRIMACK, Richard. Essentials Of Conservation Biology. 4th Edition, Sinauer Associates, 2006.

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ADN que o resto dos africanos, como se verá mais adiante. Todas as populações não africanas (europeus, asiáticos, australianos e nativos americanos) assemelham-se muito mais entre si em termos de ADN do que o resto dos africanos, sendo aquelas populações um subconjunto da enorme variação encontrada em África. As datações moleculares permitiram inferir que o antepassado comum a toda a diversidade não africana viveu em África até há uns 70 000 anos, muito provavelmente na região onde se localizam o Quénia, a Somália e a Etiópia.

Tabela 1: Comparação entre o Modelo Multirregional e a Teoria Out of Africa

Modelo Multirregional •Esta modelo defende que depois da dispersão do Homo Erectus se manteve um fluxo de genes suficiente para que surgisse o Homo Sapiens de forma lenta e progressiva fruto das várias migrações entre as populações de todo o mundo habitado; • Esse fluxo génico não permitiu a especiação das populações dispersas já que o fluxo de genes impediu o isolamento reprodutivo e a consequente formação de diferentes espécies; • As variações regionais são fruto da selecção natural desde a dispersão do Homo Erectus; • Baseia-se essencialmente em argumentos paleontológicos, sobretudo na continuidade encontrada em caracteres de vários fósseis; • No entanto, não só os fósseis comportam os seus inconvenientes como também o próprio fluxo de genes defendido pela teoria implica uma enorme diversidade genética que, porém, não se verifica nas populações actuais (pertencendo todas a um ancestral comum que foi divergindo na árvore com o aparecimento de mutações).

Teoria Out of Africa • Assume um evento único para a origem do Homem Moderno, que terá acontecido no leste de África, há cerca de 150 000 – 200 000 de anos, a partir de um número reduzido de ancestrais; • Defende que depois da migração inicial as populações de Homo erectus dispersas deram origem a várias espécies por selecção natural; • O Homo Sapiens, surgido em África há 100 ou 200 millhares de anos, substituiu as populações existentes em todo o mundo sem trocas significativas de genes; • As variações regionais são um fenómeno muito recente;

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Out of Africa Dizem que foi no continente africano que tudo começou, que somos todos filhos de África. Se assim é, como é que um pequeno número de pessoas se tornou num mundo inteiro cheio de gente? O viajante mais antigo da família Homo foi o Homo erectus que pela primeira vez prestou atenção ao horizonte, movido por uma curiosidade que os seus antepassados não tiveram. Daí nasceu uma vontade, ou melhor, uma necessidade: a de descobrir o que a distante linha escondia. A partir daí deu-se início a uma jornada que só terminaria quando todo o mundo fosse conhecido. A ocupação do espaço foi, sem dúvida, uma das maiores conquistas do Homem. Saber como é que o ser humano surgiu e como chegou aos quatro cantos do mundo é uma questão surpreendentemente delicada e cuja resposta ainda não está totalmente esclarecida. Contudo, existem pequenas certezas que nos permitem delinear de forma mais ou menos concreta e definida como ocorreu a grande jornada humana. Assim, dentro do continente africano, pensa-se que se terão formado dois grupos que permaneceram isolados, um a sul e outro a leste. Este último foi o que se expandiu demograficamente e que viria, mais tarde, a colonizar os outros continentes.

África Após várias escavações e investigações, os paleontólogos acreditam saber onde surgiu o Homem Moderno pela primeira vez, isto é, em África, mais precisamente no extremo oeste do rio Omo na Etiópia. Esta conclusão resulta do facto de ter sido nesse local que os mais antigos restos mortais humanos foram encontrados, datando de há 195 000 anos atrás. Não foi encontrado qualquer outro vestígio humano que se aproxime desta idade. Mas sabendo o local onde o primeiro homem surgiu, antes de se saber como migrou é importante saber do que proveio. As evidências dos diversos estudos efectuados sugerem que a evolução de Ardipitecus, para Australopitecus até Homo recua seis milhões de anos, sendo as primeiras criaturas muito mais semelhantes a macacos que ao homem actual. Gradualmente, várias espécies humanas com diferentes tamanhos cerebrais foram surgindo e,

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por diversos factores que ainda não se conseguiram explicar totalmente, foram também desaparecendo. A mais recente, e única sobrevivente, é a nossa própria espécie, Homo sapiens sapiens – Homem Moderno. Sabendo assim que foi na África oriental que os primeiros seres humanos surgiram, emergem agora questões às quais é fulcral encontrar respostas. Será que descendemos todos de negros africanos? Se assim for, porque é que apresentamos tantas diferenças? E como é que foi possível para um grupo de pessoas de um lugar tão isolado, sem os recursos que conhecemos, colonizar primeiro África e depois o resto do mundo? Para responder a estas questões é essencial conhecer algo sobre essas primeiras famílias, de forma a perceber como se adaptaram e superaram as dificuldades que lhes foram surgindo. Há 200 000 anos atrás, é provável que existissem num número tão reduzido que, segundo as definições actuais, seriam considerados uma espécie em extinção. A vida era frágil e a savana africana, o seu habitat, era um lugar perigoso, especialmente durante a noite, ficando os nossos antepassados extremamente vulneráveis. Como conseguiram então sobreviver? No sul da Namíbia, existe um dos últimos grupos de caçadores colectores deste continente, os Bosquímanos do Kalahari, cujo modo de vida é o mais próximo que podemos encontrar dos nossos antepassados mais longínquos.

Figuras 4,5 e 6: Bosquímanos

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Ao entendermos assim como consegue esta tribo sobreviver nos dias de hoje, conseguimos prever como sobreviveram os hominídeos que iniciaram a grande jornada humana. Qualquer ser vivo, para viver, necessita de se alimentar. Para tal, os nossos antepassados, à semelhança dos Bosquímanos, necessitavam de caçar. Segundo as conclusões retiradas da análise de várias tribos, o momento ideal para o homem caçar é durante o dia. Contudo, para tal, é necessário fazer frente a inúmeras adversidades. Para além de ser exigida uma grande capacidade de resistência física, sendo necessário correr durante mais de uma hora, por vezes apenas para encontrar pistas, o ritmo da caça torna-se ainda mais implacável devido ao calor existente nesta região. Os primeiros Homens Modernos enfrentavam temperaturas superiores a 30ºC. Ao analisar as temperaturas corporais dos caçadores da tribo dos Bosquímanos vemos que, apesar da elevada temperatura ambiente, ao fim de um longo período de caça, as suas temperaturas aumentam apenas cerca de algumas décimas de grau, o que é substancialmente pouco. Encontramos assim umas das grandes vantagens do homem, a sua capacidade de regular a temperatura. O ser humano mantém-se frio suando, algo que faz de forma mais eficaz que a maioria dos mamíferos. Por não termos pêlos, podemos ter glândulas de suor por todo o corpo, libertando muito mais facilmente o calor e, como tal, regulando a temperatura do nosso corpo, o que permite mantermo-nos em movimento em busca de presas durante horas. Contudo, as capacidades adaptativas do homem à caça, não se resumem à facilidade na regulação da temperatura corporal. A própria dinâmica corporal do ser humano é especialmente desenhada para correr. O pé de um ser humano permite um impulso fundamental. Os ligamentos e tendões de apoio nos arcos do pé são feitos de tal forma que, de cada vez que os nossos pés tocam o solo, acumulam energia que libertam em seguida, tornando a corrida mais eficiente. Além disso, o nosso músculo glúteo é fortemente maior que o de muitos outros mamíferos, e, apesar de não ser muito utilizado no caminhar, torna-se preponderante durante a corrida. Percebemos assim que todas estas adaptações físicas demonstram a importância da corrida para os nossos ancestrais, principalmente a longas distâncias. No entanto, há algo que pode ter dado aos nossos antepassados uma vantagem muito maior relativamente às outras espécies que coabitavam nesta região, a linguagem, a capacidade de comunicar e planejar. Não se sabe ao certo quando surgiu a capacidade de falar, mas existem evidências de que línguas como a dos Bosquímanos, línguas de clique, possam ser bastante antigas. As

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línguas de clique são uma forma de linguagem, compostas por sons produzidos pela língua que fazem lembrar cliques, foram, muito provavelmente, um aspecto crucial para a sobrevivência dos nossos antepassados, nomeadamente durante a caça. Para além de ser uma forma de comunicar de forma muito mais eficaz, durante a caça é possível diminuir a intensidade com que são produzidos os cliques, aproximando-os de sussurros. Esta situação faz especialmente sentido se tomarmos consciência que os cliques são sons de alta frequência que não viajam tanto através das florestas, permitindo que os caçadores não assustassem as suas presas. Equipados com as habilidades da língua e da caça, o ser humano conseguiu sobreviver e, para além disso, espalhar-se. Não se sabe ao certo quais as rotas que foram tomadas, mas os vestígios encontrados mostram que muito cedo os humanos modernos já viviam no extremo sul do continente africano.

Mapa 1: Pinnacle Point, África do Sul

Em Pinnacle Point, na África do Sul, foi encontrada por arqueólogos uma antiga escavação abaixo do nível do mar. As camadas da caverna datam de 130 000 a 167 000 anos e, as evidências presentes demonstram que as famílias humanas que a habitaram apresentavam um modo de comportamento bastante diferente da espécie humana da Etiópia.

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Os arqueólogos que exploraram esta zona constataram que estas famílias começaram a servir-se dos metais e rochas que os rodeavam, conseguindo fazer, por exemplo, armas letais através de pequenas lâminas que foram encontradas nestas cavernas. Através do seu engenho, o ser humano consegui assim espalhar-se por África, tendo conseguido colonizar praticamente todo o continente há cerca de 160 000 anos atrás. – sem tenho dados para confirmar Mas, como conseguiu o Homem alcançar o resto do mundo? O continente africano ao sul do Sahara está isolado dos restantes. A oeste, sul e este, a África é cercada por oceano, e, a norte, os vastos desertos do Sahara e da Arábia tornavam impossível a deslocação do homem. Para o conseguirem seria necessário recorrer a embarcações de grande calibre ou a condições que os permitissem sobreviver durante um longo período no deserto. No entanto, como é fácil entender, o ser humano de há 160 000 anos atrás não possuía artifícios suficientes quer para navegar, quer para atravessar longos desertos. Como é possível então que tenham surgido seres humanos nos restantes continentes? Face a esta questão, surge a teoria de que as pessoas podem ter surgido e evoluído separadamente em diferentes continentes. Porém, actualmente, a genética já excluiu esta hipótese, isto porque, no interior dos genes de cada um de nós existe um registo indestrutível do nosso passado. Ao estudar o ADN de pessoas de todo o mundo, os geneticistas juntaram as peças da longa história da jornada humana. As pequenas diferenças entre o ADN fornecem pistas sobre as antigas migrações que levaram a nossa espécie a colonizar o mundo. Os geneticistas têm utilizado essas diferenças para construir uma árvore genealógica global. O ADN de cada ser humano vivo nos nossos dias encaixa-se obrigatoriamente num dos ramos desta árvore. E é através destas análises que se percebe que o ser humano não se desenvolveu separadamente. Todas as linhagens encontradas têm um ponto comum, o ponto inicial. Tornase assim evidente que as raízes da humanidade estão num único local e, como tal, não há dúvidas de que a humanidade surgiu em África. A análise da árvore genealógica humana permite-nos perceber que, não só temos uma raiz comum, África, como também que o resto do mundo foi colonizado por um grupo muito reduzido de hominídeos.

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A hipótese que seria esperada correspondia à existência de inúmeras linhagens genéticas deixando África em diferentes momentos. Contudo, existe uma pequena linhagem que liga o resto do mundo a África. Esta situação demonstra-nos que houve apenas uma única tribo de indivíduos a deixar o continente africano. Vários geneticistas de todo o mundo chegaram a esta conclusão: todos fora de África descendem de não muitos, mas apenas de um pequeno grupo de hominídeos pioneiros. É possível que tenham existido várias tentativas, contudo, os descendentes dessas tribos não sobreviveram. Assim, a genética diz-nos que a nossa espécie fez apenas uma tentativa bem sucedida para sair e que não foi um êxodo em massa, mas sim um pequeno grupo de pessoas tomando uma rota para fora do continente africano. Mas que rota foi essa? Embora a genética possa ser convincente, a questão geográfica continua a ser um problema na resposta a esta questão. Para essas famílias, desertos e oceanos teriam sido enormes obstáculos, sabemos, contudo, que esses obstáculos foram superados. Ao analisar um mapa, parecem existir apenas quatro rotas possíveis para abandonar o continente africano: pelo estreito de Gibraltar, onde seria necessária uma pequena travessia marítima; da Tunísia até à Sicília e Itália, onde a travessia marítima é ainda maior; pela Boca do Mar Vermelho, embora também fosse necessário um barco; ou através do Sahara e do deserto de Sinai. Todas as rotas apresentam fortes desafios, mas apenas uma foi realmente efectuada. Qual? Será que o mundo era diferente há tanto tempo atrás? Uma equipa de cientistas britânicos que estudam o clima mostraram a forma como o ambiente climático global mudou ao longo de milhares de anos. Começando há 140 000 anos atrás e caminhando para o presente percebemos que há cerca de 125 000 anos atrás houve uma mudança no clima. O norte de África, seco e deserto, de repente tornou-se verdejante. Por apenas alguns milhares de anos, os desertos do Sahara, Sinai e Arábia foram luxuriantes e verdes, permitindo que os nossos antepassados atravessassem este território deixando o continente africano pelo nordeste.

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Na década de 1930, uma equipa internacional de arqueólogos fez uma escavação na caverna Skhul, em Israel. Junto à caverna foram encontradas várias ferramentas de pedra e, um pouco mais profundamente, as escavações revelaram a existência de túmulos humanos. Quando os ossos foram datados, verificou-se que tinham cerca de 100 000 anos, os mais antigos restos humanos modernos fora de África. As datas enquadram-se bem com a mudança verde no Sahara, o que nos leva a concluir que essas pessoas poderiam ser os pioneiros cujos descendentes viriam a povoar o resto do mundo.

Figuras 7 e 8 - Museu Rockfeller (exterior e interior, respectivamente)

Alguns dos restos destes humanos estão guardados no Museu Rockefeller, em Jerusalém. Os esqueletos estão incrivelmente bem preservados, o que se deve ao facto de os corpos não terem sido apenas deixados sobre a superfície do solo, mas sim deliberadamente enterrados. O facto de enterrarem os corpos, assim como objectos como colares de conchas e até mandíbulas de javali, prova que os humanos começaram a ter novas formas de pensar e agir, revelando espiritualidade e talvez até uma crença noutra vida. Contudo, as primeiras evidências nem sempre correspondem aos factos reais. Este grupo de pessoas pode ter sido o primeiro a deixar África, porém não podem ser os nossos antepassados visto que não é encontrado nenhum rasto. Todas as evidências deste homem moderno desapareceram, o que parece dizer que estas famílias morreram por completo. É possível interpretar esta situação a partir da reversão da mudança climática que tinha ocorrido. Há cerca de 90 000 anos atrás, o Oriente Médio e o Sahara voltaram a desertificar e a vida nestes locais tornou-se impossível. A Arábia tornou-se num beco sem saída e isso mostrou quão frágil foi a nossa existência e qual o impacto climático sobre uma população humana.

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Excluída esta hipótese, volta assim a surgir a questão: por onde saiu o ser humano de África? O deserto do Sahara impediu mais uma vez qualquer migração a norte, deixando apenas como única hipótese a saída pelo Mar Vermelho, cujo ponto mais fácil de atravessar é o Portal das Lágrimas. Actualmente, a distância que separa África da Arábia são 30 km, o que ainda é uma grande dificuldade para tribos sem recurso a embarcações. Contudo, a realidade dos nossos antepassados parece não ter sido a mesma. Há cerca de 90 000 anos, a mesma mudança climática que voltou a desertificar o Sahara, levou também ao recuo do nível do Mar Vermelho, fazendo com que a distância entre África e a arábia passasse a ser de apenas 11 km, facilitando a travessia.

Mapa 2: Rotas seguidas pelos nossos antepassados na saída do continente Africano. A laranja a primeira rota tomada que acabou por se tornar ineficaz e a azul a rota que conduziu ao povoamento de todo o mundo.

Os geneticistas conseguiram estimar, independentemente do caminho, quantas pessoas terão conseguido sair de África, tendo calculado apenas algumas centenas.

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Podemos assim concluir que foi apenas uma ou duas tribos que conseguiram deixar África, atingindo a Arábia. Mas como sobreviveram aqui? Nos anos da grande expedição humana, a maior parte da Arábia era um grande deserto, semelhante ao que é nos dias que correm. Como terá sido assim possível que pessoas da Idade da pedra tenham caminhado durante centenas de quilómetros para povoar o mundo? Sendo a Arábia uma paisagem tão seca, onde viveriam os primeiros hominídeos? O maior problema para estas primeiras famílias teria sido a falta de água. A resposta a esta questão reside no facto de a poucos quilómetros das montanhas áridas que iniciam a Arábia existir uma zona verdejante. Este lugar, perto da costa do Rio Omã situa-se no limite das monções do oceano Índico. Todos os anos, as monções transformam esse vale num oásis verdejante e pleno de condições para a vida. Porém, este é apenas um pequeno oásis no meio do deserto que se estende por quilómetros e quilómetros. Como fizeram então os nossos antepassados para atravessar a Arábia? Tal feito seria impossível sem a existência de mais reservas de água doce. Pensa-se que este problema tenha sido solucionado pela existência de fontes de água doce junto à costa da Arábia. Há milhares de anos atrás, o nível das águas do mar seria muito mais baixo e, como tal, a linha de costa estaria afastada cerca de 50km relativamente à actual. Ora, através do estudo da linha de costa arábica descobriu-se que, alguns quilómetros afastados da costa, abaixo da superfície do mar, existem fontes de água doce que borbulham em direcção ao litoral. Actualmente estas fontes não estão disponíveis visto estarem em profundidade. Contudo, há milhares de anos, estas fontes estariam acessíveis. Há cerca de 70 000 anos atrás, a costa da Arábia era assim muito diferente daquilo que é hoje, existindo ao longo dela inúmeras nascentes de água doce vertendo por todo o caminho. Tudo leva então a crer que foi este o caminho tomado pelos nossos antecedentes, onde encontraram uma linha de vida que se estendia desde o Mar Vermelho até ao Golfo Pérsico, abrindo assim as portas para a descoberta do resto do mundo.

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Ásia

Os nossos antepassados depois de saírem de África há cerca de 70 000 seguiram várias rotas, umas levaram-nos para a Europa, outras em direcção à Ásia, aproximadamente há 50 000 anos. O Homem Moderno depois de atravessar o Próximo Oriente (ou a região do Levante) ter-se-á dividido mais uma vez, uns terão continuado pela costa percorrendo a Índia e chegando à China, outros terão penetrado no continente em direcção à Sibéria, onde as primeiras evidências de hominídeos na Ásia foram encontradas. Mas o que terá levado uma espécie tropical a viver num clima gelado? A resposta a esta pergunta é a caça. Apesar de tudo, a nossa espécie não foi projectada para viver num local tão inóspito e, por isso, teve que se adaptar. Estas adaptações foram estudadas através de uma tribo nómada, os Evenki, que são actualmente o povo que vive nas condições mais parecidas com os primeiros hominídeos quando chegarem à Sibéria. Uma das adaptações prende-se na roupa: as roupas eram feitas de pêlo dos animais, especialmente de renas (as agulhas eram de osso e as linhas de tendões das renas, como é ainda actualmente visível), o que possibilitou a uma espécie originária dos trópicos sobreviver em climas frios. Para além das roupas, a dieta que seguiam, à base de carne, permitia o aumenta da taxa metabólica e com isto o aumento da temperatura corporal.

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Figura 9, 10, 11 e 12: Evenki

Contudo, com o auge da idade do gelo há 25 000 mil anos atrás, onde as temperaturas chegaram a atingir os oitenta graus negativos, os hominídeos foram obrigados a deslocarem-se mais para o sul da Sibéria. Mas em algum momento durante o pico da idade do gelo as características do rosto dos povos do leste da Ásia mudaram, adquirindo feições típicas, como os olhos amendoados, o rosto plano e um nariz pequeno, que podem ter sido adaptações ao frio – como a protecção dos olhos e reduzindo a perda de calor pela face – o que é uma ideia aliciante, apesar de não existirem evidências que a confirmem. Todavia, existem historiadores que se dedicam a comprovar outras teorias. Uma delas tenta explicar que as particulares características dos chineses foram herança de uma evolução divergente da dos Homo sapiens sapiens. Segundo a teoria, os asiáticos descendem de uma outra espécie de hominídeo, o Homo erectus – tinham sobrancelhas mais pesadas e um cérebro menor – que terão chegado à Ásia há 1,8 milhões de anos e que terão eventualmente desaparecido, tendo, contudo sobrevivido no leste do continente, evoluído, adquirindo características de Homo Sapiens e herdado um rosto diferente expresso hoje no povo asiático e nos seus descendentes. A apoiar esta teoria existem dados arqueológicos em Zhoukoudian perto de Beijing, numa caverna chamada Caverna dos Pombos. A caverna alberga a maior colecção de fósseis do Homo erectus até agora descobertos, tendo o crânio mais velho cerca de meio milhão de anos e o mais recente entre 200 e 300 milhares de anos. Numa outra secção da caverna existem evidências mais fortes a apoiar a teoria, foram encontrados crânios com 30 mil anos que pertencem a Homo sapiens mas que partilhavam ao mesmo tempo algumas características de Homo erectus. Para além disso, com a análise mais minuciosa dos crânios foram encontradas características típicas chinesas em crânios de Homo erectus, como o rosto plano e o nariz mais achatado e pequeno. Estas provas arqueológicas corroboram a ideia de o Homo erectus asiático ter evoluído para os hominídeos encontrados na segunda secção da caverna e, por último, esses terem evoluído para asiáticos modernos.

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Por último, e com o objectivo de se provar a independente origem do povo tantas vezes designado por chinês, foram realizadas análises ao ADN. Estudou-se apenas um marcador que surgiu há 80 mil anos em África. Por isso, qualquer ser humano que possua esse marcador sugere que teve a sua origem em ancestrais africanos, e não poderá ter a sua origem numa espécie mais primitiva como o Homo erectus. A colheita do ADN foi realizada a mais de 160 grupos étnicos espalhados pelo leste asiático e, contudo, não foi encontrado nem um caso que possa ser considerado como descendente do Homo erectus na China. Pelo contrário, todos possuíam o marcador que os tornavam descendentes de ancestrais africanos. Deste modo, qual será a origem das características herdadas pelo chineses? Pode ter sido simplesmente por acaso ou então pode ter havido uma reprodução diferencial. Se as novas características fossem consideradas atraentes numa população, então as pessoas com essas particularidades seriam mais desejadas e assim passariam mais frequentemente os seus genes à próxima geração. Se a população se desenvolvesse então as características poder-seiam ter espalhado pelo leste do continente.

Europa Os primeiros vestígios do Homem Moderno na Europa foram encontrados na Roménia, numa caverna a sul da Transilvânia, com o nome de Pestera Cu Oase, vestígios esses que são ossadas datadas com 40 000 mil anos. Outros indícios arqueológicos que corroboram a ocupação da Europa pelo Homem Moderno no mesmo período de tempo, foram encontrados na Turquia, sendo conchas datadas também com 40 mil anos e que se pensa terem sido usadas pelos nossos ancestrais como adereços. O Homem Moderno depois de sair de África há 70 000 mil anos, instalou-se no Próximo Oriente mas só chegou ao continente Europeu cerca de 30 000 mil anos depois, o que terá acontecido? Os primeiros hominídeos modernos a chegar à Europa terão seguido duas possíveis rotas: ou caminharam pela zona do Cáucaso e de seguida percorreram o rio Danúbio como ―auto - estrada‖ em direcção a oeste (dado que nessa altura o nível das águas era menor e, para além disso, nos encontrávamos na última idade do gelo, possibilitando aos primeiros

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Homo sapiens seguir a jornada pelo leito do rio), ou por outro lado terão alcançado o interior do continente pela região da Turquia.

Mapa 3: Rotas seguidas pelos nossos antepassados para a entrada no continente Europeu. Assinalada a laranja está representada a rota que permitiu a entrada no continente pela Turquia. Assinalada a azul está representada a rota seguida pelos nossos antepassados que terão entrado na Europa pela zona do Cáusaso.

Porém, quando o Homo sapiens sapiens se aventurou na zona do Próximo Oriente e no interior do continente Europeu deparou-se que este já tinha sido ocupado por um outro grupo de hominídeos, os Neandertais, que já ocupavam há 250 mil anos um território desde a Península Ibérica até ao Próximo Oriente. Em 1856 foram descobertas na Alemanha, no Vale de Neander, as primeiras ossadas pertencentes a este grupo de hominídeos, quando um grupo de mineiros que trabalhava num desfiladeiro de pedra calcária abriu acidentalmente uma caverna, a caverna de Kleine Feldhofer Grotte.

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Mapa 4: Extensão máxima do território ocupado pelo Neandertal

Contudo a razão pela estadia prolongada do Homem Moderno no Próximo Oriente é um dos motivos ainda em discussão dentro da comunidade científica, pois acredita-se que os Neandertais e o Homem Moderno terão coexistido durante dezenas de milhares de anos no Próximo Oriente, muito embora ainda não existam provas sólidas que apoiam: ou a existência de uma interacção mais próxima entre os dois hominídeos ou apenas uma partilha do mesmo espaço e recursos. Mas qual terá sido o carácter desta interacção? Terá o homem moderno entrado em guerra com os Neandertais? Ou terá sido um contacto mais subtil, terão ficado curiosos e não hostis? O que quer que tenha ocorrido, os nossos antepassados conseguiram vencer.

Figura 13 : Reconstrução fácil de um Homo Neanderthalensis

Figura 14: Ilustração do homem de Neandertal

Os Neandertais andavam erguidos, seriam mais pequenos e fortes que nós, humanos, assim como possuíam uma estrutura entroncada, que parece ter sido uma adaptação ao frio. Um corpo robusto e entroncado protege os órgãos vitais, os membros curtos reduzem a área de exposição, minimizando assim as perdas de calor. Até o nariz mais largo poderá indicar uma adaptação ao clima de forma a aquecer o ar frio antes de alcançar os pulmões. Além

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disso, os Neandertais, de forma a sobreviver num clima tão hostil, teriam a pele muito branca, para uma maior absorção da radiação solar, e cabelos ruivos. Estudos indicam que apesar de terem sido rotulados como primitivos, os Neandertais teriam o mesmo tipo de habilidades que os homens modernos, quer de caça, quer no fabrico de instrumentos. A análise a ossadas pertencentes a Neandertais indica um padrão de fracturas hoje encontradas nos praticantes de rodeio, isto indica que os Neandertais entravam em contacto com os animais de grande porte (como os bisontes). Não sendo as suas lanças criadas para atirar, tinham que encurralar o animal. Deste modo caçavam em grupo para se protegerem uns aos outros. Eram, por isso, mais sofisticados do que se pensava, pois para caçar em equipa é necessário planeamento e comunicação constante. Por outro lado, os nossos antepassados, os homens modernos que saíram de África, tinham lanças aerodinâmicas que podiam ser atiradas com grande precisão, podendo assim caçar à distância reduzindo o risco de lesões e podendo também ser mais solitários, não tendo a mesma necessidade em comunicar.

Segundo Jonhn Hawks1, antropólogo, é fácil imaginar que [os Neandertais] eram bons a comunicar, precisavam de saber o que todos iam fazer e como iam reagir quando o animal viesse ter com eles, eram obrigados a cooperar de forma muito organizada. Se

1

John Hawks é um professor de Antropologia na Universidade de Wiscosin-Madison, sendo o autor de um dos blogues de Paleoantropologia mais visitados.

considerarmos os métodos de caça dos homens modernos estes eram independentes e facilmente sobreviviam sozinhos, os Neandertais eram obrigados a trabalhar juntos para deitarem abaixo animais de grande porte com a tecnologia disponível.

Harvati é uma paleoantropologa professora na Universiadde Tabingen, especializada na evolução Neandertal e na origem do Homem Moderno.

Contudo, não se consegue saber ao certo se os Neandertais eram capazes de comunicar verbalmente, pois a laringe e a base do crânio são de difícil preservação. Os Neandertais podiam até ter bases morfológicas que permitissem a fala, todavia, é difícil afirmar se teriam ou não capacidade cognitiva para o fazer. Katerina Harvati, paleoantropóloga, afirma que Aquilo que se destaca num crânio Neandertal são as sobrancelhas duplamente arqueadas, a testa de grande espessura, uma estrutura facial robusta com uma grande abertura nasal. A caixa craniana seria baixa e alongada. Um tamanho médio de um cérebro Neandertal é de 1500 cm 3 enquanto que a média

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para um humano moderno é de 1350 cm . Os Neandertais eram hominídeos sofisticados que viviam num ambiente de risco, habitaram a Europa durante as Eras Glaciares e sobreviveram a várias. Portanto o cliché que os Neandertais eram indivíduos ignorantes não é verdade, o facto de ter ou não o mesmo tipo de inteligência ou cognição que nós é uma questão diferente.

Figura 15: Comparação entre um crânio Neandertal e um pertencente a um Homem Moderno

A perspectiva tradicional dos antropólogos é que, apesar de possuírem cérebros maiores, devidos à sua robustez, não eram tão inteligentes, pois nunca se tinha encontrado nenhuma expressão do seu pensamento criativo como das inúmeras evidências dessa expressão nos locais habitados por Homo sapiens sapiens – desde pinturas nas paredes a objectos usados como ornamento. Mas em França, em Dordogne, numa caverna habitada por Neandertais foi encontrado dióxido de magnésio com indícios na sua superfície de utilização. Naquela altura, o dióxido de magnésio era usado como pigmento negro. É uma prova de um comportamento complexo semelhante ao do homem moderno que pintava a cara para camuflagem durante a caça, ou para identificação. A expressão artística é uma das formas indirectas de avaliar a capacidade cognitiva de uma espécie. Apesar de os Neandertais aparentarem possuir este tipo de comportamento quando pintam a cara, é difícil afirmar com segurança que os Neandertais fossem dotados de capacidade artística, pois puderam-na ter desenvolvido sozinhos ou poderá ter sido copiada pelos Homens Modernos. Outro indício que assemelha os dois hominídeos ao nível cognitivo é a utilização de artefactos bastante bem concebidos e pensados, produtos de muita prática e esforço – bifaces.

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Actualmente, é evidente quem domina o planeta, os Neandertais desapareceram, mas como, se eram mais fortes e resistente que nós? Durante a maior parte do último século, classificámos os Neandertais como subhumanos primitivos em nada relacionados connosco, mas se eram realmente tão semelhantes a nós humanos na forma de pensar e agir qual é o seu lugar na árvore genealógica humana. Serão nossos primos afastados ou os nossos antepassados directos? Os Neandertais viveram na Europa durante a última glaciação, o que significa que estavam habituados a viver num clima hostil e adverso, ao contrário do Homem Moderno, porém, os Neandertais desapareceram há cerca de 28 000 a 30 000 mil anos. Segundo a Teoria Out of Africa à medida que íamos penetrando no continente, íamos substituindo todos os Neandertais, tendo sido obrigados a fugir para cantos remotos do continente em direcção a oeste para longe dos Humanos Modernos, tendo acabado por se extinguir. Depois de os Neandertais terem desaparecido por completo, o Homo sapiens sapiens colonizou todo o continente Europeu. Na Europa e em algumas regiões do Sudoeste asiático os recém-chegados Homens Modernos terão entrado em contacto com as populações locais de Neandertais, embora se desconheça se viviam exactamente nos mesmos locais ou em espaços vizinhos, tendo coabitado entre 12 a 15 mil anos. Um dos palcos dessa coexistência durante 2 000 anos foi a Península Ibérica, que constitui juntamente com o sul de França, um dos últimos refúgios Neandertais antes do seu desaparecimento. Os Neandertais são precisamente a origem para uma das mais actuais discussões entre estudiosos, uma vez que não é claro o modo como desapareceram. De seguida explicasse um pouco a evolução da posição dos Neandertais desde a sua descoberta até às varias hipóteses que estão de momento em discussão.

Quando os Neandertais foram descobertos pensava-se que eram os nossos antepassados mais chegados, ou seja, todos os seres humanos do planeta descendiam deles, contudo depois surgiu a teoria Out of Africa que pôs de parte esta ideia.

De seguida, admitindo que os Neandertais teriam desaparecido, foi necessário encontrar uma causa para esse acontecimento. Uma possível explicação diz que poderão ter desaparecido de forma passiva, uma vez que era de opinião generalizada que as capacidades intelectuais dos Neandertais seriam inferiores às do Homem Moderno, o que poderia explicar uma extinção por uma menor capacidade de utilização dos recursos. Deste modo, o Homem Moderno, ao competir com os Neandertais em busca de alimento, terá sido mais eficaz,

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conduzindo à extinção dos Neandertais. Contudo, estes já habitavam o continente desde há 250 mil anos e estavam mais adaptados ao clima frio que o Homem Moderno o que torna difícil acreditar nesta teoria.

Por outro lado admite-se que houve cruzamento entre as duas espécies de hominídeos hibridismo - ou seja, que os Neandertais e o Homem Moderno terão acasalado e gerado descendência. Neste ponto existe também polémica, uma vez que se discute se a descendência terá sido fértil ou não, e também se mesmo tendo havido cruzamentos se esses terão sido ou não com uma frequência significativa de forma a deixar sinal no património genético dos humanos de hoje.

Mas quais serão as regras entre o cruzamento entre espécies? Alguns cientistas acreditam que qualquer espécie de mamífero com uma evolução diferente até um máximo de dois milhões de anos tenha a capacidade de se reproduzir entre espécies. No caso do Homem Moderno e dos Neandertais aponta-se que se separaram há volta de 660 mil anos, deste modo crê-se que eram capazes de gerar descendência fértil. Se os Humanos Modernos e os Neandertais se cruzaram será possível prever as características da sua descendência? É de certo impossível, a hibridação mistura características permitindo novas combinações. Quando duas espécies se juntam para além da mistura de genes, verificam-se alterações nos tecidos moles, mudanças subtis no funcionamento dos órgãos, mudanças nas ligações do cérebro e na estrutura das células. Estas diferenças não são visíveis nos ossos mas podem ser encontradas no ADN. A incapacidade da arqueologia na resolução desta temática resultou na não descoberta de fósseis com características híbridas que fossem claramente aceites por toda a comunidade científica, deste modo espera-se que seja a genética a finalizar este debate.

Contudo, a interpretação dos resultados também eles são controversos, pois para além de levantarem muitas dúvidas podem permitir muitas vezes várias interpretações. Existem dados genéticos que comparam o ADNmt do Homem Moderno com o ADNmt de vários esqueletos Neandertais encontrados na caverna de Feldhofer na Alemanha, numa caverna no Norte do Cáucaso, Mezmaiskaya e na caverna de Vindija, na Croácia. Todas as análises vieram a comprovar a não existência de hibridismo, uma vez que revelam grandes diferenças entre o genoma Neandertal e o do Homem Moderno, o que não poderia acontecer se tivesse existido trocas de genes entre as duas espécies. Deste modo os Neandertais distanciam-se assim dos seres humanos actuais, o significa que, se houve cruzamentos estes não foram suficientes para deixar vestígios nas populações actuais.

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A apoiar esta teoria vem o facto de se verificar nas populações europeias menos diversidade que nas populações subsarianas, e ainda menos que nas asiáticas, o que contraria que tenham mesmo existido cruzamentos eficazes. Dado que para ter ocorrido cruzamento, parte da diversidade do genoma Neandertal ter-se-ia misturado com a diversidade do genoma do Homem Moderno, seria de esperar encontrar maior diversidade nos Europeu, o que na verdade não acontece. Por outro lado, o aparecimento de fósseis híbridos geram polémica dentro da comunidade científica devido à pouca unanimidade quando à sua classificação. Um exemplo disso foi a descoberta em 1998 no vale de Lapedo, em Leiria, de um fóssil de uma criança, conhecida como a criança Lapedo, que revela características híbridas, ou seja, contém quer características arcaicas para um Homem Moderno quer características modernas para um Neandertal, essas características são visíveis especialmente no crânio, na mandíbula e na dentição. As ossadas foram datadas com 24 500 anos e por isso a criança será resultado de várias gerações, à volta de 200; de cruzamento. Contudo não é corroborado pela comunidade científica que a criança Lapedo seja um híbrido: primeiro, por ainda ser uma criança e assim estar ainda em desenvolvimento, em segundo, por existirem poucas ossadas de juvenis de Neandertais e de Homens Modernos para referência comparativa. Além disso, as características híbridas podem ser resultado apenas da diversidade anatómica dentro da população do Homem Moderno. Todavia, com os avanços científicos no que toca ao trabalho com ADN antigo e no melhoramento das tecnologias, é possível um maior rigor nos estudos genéticos. Hoje em dia, ganha cada vez mais força a hipótese de ter ocorrido hibridismo entre as duas espécies, resultado de continuados trabalhos científicos de sequenciamento do ADN Neandertal e na sua comparação com o do Homem Moderno.

Por fim, no caso de ter ocorrido cruzamento, e este gerado descendentes férteis, os Neandertais serão uma subespécie do Homem Moderno – Homo sapiens neanderthalensis – Porém, se o cruzamento não foi biologicamente possível, os Neandertais constituem então uma espécie distinta pertencente apenas ao mesmo género – Homo neanderthalensis.

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1

Canguru-gigante

Procoptodon goliah

Austrália

Um

dos

mistérios

acerca

das

migrações

humanas centra-se na Austrália. Naturalmente somos levados a pensar que no decurso da jornada humana a Austrália foi colonizada posteriormente à Europa e à Ásia. Isto porque, não só a Austrália se encontra mais distante de África em comparação com os referidos continentes, como também há oceano a cruzar.

Nenhum canguru vivo consegue fazer isto: alcançar algo sobre a sua cabeça e arrancar, por exemplo, folhas da copa de uma árvore. Dedos compridos com garras, assim como membros anteriores que podiam ser estendidos para cima como os braços humanos, permitiram que o P. goliah, o maior canguru que já existiu, prosperasse com sua dieta vegetariana. Com 2 metros de altura, este marsupial com dedos ungulados foi uma das últimas espécies locais a extinguir-se, convivendo com os seres humanos durante milhares de anos.

Os vestígios encontrados no pequeno continente são pegadas humanas (que datam de há 20 000 anos atrás) e que, a confirmar-se a datação atribuída por uma nova técnica de luminosidade, a Austrália teria mesmo sido colonizada após a Europa e a Ásia. Todavia, ao analisar outros dados é possível chegar a outras conclusões. Estudiosos encontraram também vestígios de uma espécie animal australiana 1

extinta, o canguru gigante . Calculou-se que essa extinção tenha ocorrido há cerca de 50 000 anos atrás sendo uma das possíveis justificações levantadas para o sucedido a existência de um predador. Começou-se, assim, a questionar a hipótese de o Homem ter chegado à Austrália há apenas 20 000 anos e não há mais. Porém, pelo facto de a Austrália ser tão afastada do continente africano, comparativamente com os outros continentes, esta hipótese

não

foi

facilmente

aceite.

Contudo,

posteriormente, foram encontrados vestígios de um ser humano, que se designou por Mungo Man, e que veio

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a confirmar a hipótese levantada. As estimativas mais conservadoras datam estes ossos de há 40 000 anos, porém existem mesmo cientistas que lhes atribuem 60 000 anos. Assim, a conjectura que a Austrália poderia ter sido colonizada antes de qualquer outro continente tomou uma outra dimensão.

1

De acordo

com a teoria da

catástrofe de Toba, 70 a 75 mil anos atrás um evento supervulcânico no Lago Toba, em Sumatra, reduziu a população humana mundial a 10 mil ou talvez a meros mil casais, criando um efeito de gargalo na evolução humana. A teoria foi proposta em in 1998 por Stanley H. Ambrose da University of Illinois at UrbanaChampaign.

Figura 16: Mungo man foi descoberto no lago Mungo, em Nova Gales do Sul, Austrália, em 1974. Foi estimado ser muito alto e velho quando morreu, há cerca de 40 000 anos atrás. Foi encontrado revestido com pigmentos de ocre, indicio que mais tarde, viria a revelar-se importante.

No entanto, o crédito só lhe seria atribuído após o estudo do percurso desde África até ao destino. Partindo do princípio de que descendemos de um grupo africano que saiu do continente Africano há cerca de 70 mil anos atrás, alguns deles poderiam outrora ter cruzado o Mar Vermelho, avançado para leste, seguindo o litoral, alcançando a Índia. De facto, aí encontraram-se vestígios quer de instrumentos (semelhantes aos usados pelos ancestrais africanos) quer ossadas de uma população que, sobrevivendo a um super 1

vulcão do Monte Toba em Sumatra há 74 mil anos atrás, conseguiu perpetuar a migração. Apesar disso, à medida que se iam expandindo, alguns grupos permaneciam

nessas terras,

criando raízes e

formando populações distintas. Um exemplo é a Tribo Semang, na Malásia (tida como a vanguarda de colonização do continente australiano). Os seus indivíduos não só apresentam uma aparência e um modo de vida comum com os africanos (pele mais escura) como a nível genético se assemelham entre eles.

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Figura 17 – tribo Semang, Malásia

Actualmente, da Malásia até à Austrália só existem ilhas. Antigamente, porém, o mapa climatérico era distinto do actual, sendo que parte das ilhas pertencia ao mesmo continente. A verdade é que muitos dos vestígios se encontram, portanto, perdidos no mar. No entanto, por exemplo, na Indonésia (em Bornéu), são encontradas ossadas de há 40 000 anos atrás numa caverna, chama Caverna Niah. Aqui os indivíduos já teriam capacidade de adaptação suficiente para sobreviver na floresta tropical. A par disto, a Austrália continuava cercada de mar. Apesar disso, há 65 000 anos, o nível do mar baixou cerca de 100 metros abaixo dos níveis actuais, reduzindo a distância entre Timor e o norte da Austrália para 153 km.

Mapa 4: Timor e Norte da Austrália

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Acredita-se então que tenha sido pelo norte que terá começado a colonização da Austrália. Evidências são referenciadas como os pigmentos de ocre registados como sendo de há 60 000 anos atrás (permitindo predizer que a transição marítima se terá feito um pouco antes do período definido) e o facto dos aborígenes australianos do norte acreditarem que a sua mãe criadora proveio do mar (uma história antiga da localidade).

Figura 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 – Aborígenes Australianos

Assim, o que parecia uma jornada improvável pode ter sido uma das primeiras.

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América O continente Americano terá sido o último a ser povoado pelo Homem Moderno há volta de 15 000 a 35 000 mil anos. Mas como é que o Homem Moderno terá percorrido o longo caminho desde África até à América? Inicialmente, os cientistas depararam-se com dois impedimentos que poderiam tornar esta jornada impossível. A sul da América estavam rodeados pelo imenso e intransponível oceano Pacífico e a norte estavam cingidos por 5000km de gelo. É fácil compreender que as famílias da idade da pedra só poderiam levar os alimentos que conseguissem carregar e, por certo, estes não seriam suficientes para sustentar as pessoas durante uma tão longa jornada, além de que não teriam equipamento de segurança ou mesmo um guia para os orientar e, por isso, poderiam caminhar em vão. Em relação ao segundo impedimento, atravessar glaciares seria, certamente, tão impossível quanto transpor oceanos. Assim sendo, parte-se para novas pistas que encaminham para outros rumos. No norte da América havia uma vasta faixa de terra, embora estivesse inteiramente coberta por gelo, o que bloqueava o caminho para o resto das Américas. Porém, provou-se que esse lençol gigante com 13 500 anos se fragmentou em duas partes e originou um corredor terrestre no meio, o ―portal‖ para as Américas! Todavia, se alguém se aventurou a atravessar esse mesmo corredor, no estreito de Beringer, uma jornada infernal deve ter passado, com ventos cortantes, rios torrenciais, nevões e obstáculos como blocos de gelo flutuantes. E se alguém tentou? Será que alguma geração conseguiu terminar vitoriosamente esta batalha?

Mapa 5: Estreito de Beriger

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É então que se descobrem as ―Pontas de Clovis, os ―artefactos-chave‖ para as questões colocadas. Estes objectos, que são pontas de lança, foram encontrados aos milhares na América do Norte e podem, eventualmente, contribuir para a aprovação desta teoria, uma vez que datam de apenas algumas centenas de anos, depois de o corredor ter surgido.

Figura 25: Pontas de Clovis

Pode-se tentar projectar conclusões das evidências até então explicitadas mas a grande teoria de como os humanos chegaram à América, aceite até se conhecerem estes dados, começa a parecer falaciosa. Parte-se então para outras pistas e chega-se à conclusão que tem que ter existido uma outra rota porque há artefactos mais antigos que as pontas de Clovis encontradas no corredor de gelo. Logo, existiram populações que viveram em Gault, no Texas, onde se encontraram esses artefactos, antes de o corredor estar sequer aberto. Por outro lado, a caverna ―Pedra Pintada‖ em Santarém, no Brasil (micro-região do Médio Amazonas), constitui uma boa via de transporte pré-histórico e é mesmo lá que se encontram ferramentas para uso idêntico às pontas de lança mas fabricadas de madeira e com características diferentes das do Norte da América.

Figura 26 e 27: Caverna ―Pedra-Pintada‖ (esquecerda) e Pedra-Pintada (direita)

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Estas provas representam um exemplo de adaptação a novos ambientes e climas porque significa que existiram pessoas nestes lugares que viveram simultaneamente e mesmo antes dos caçadores da América do Norte. Assim, é difícil crer que os ancestrais tenham vindo pelo corredor de gelo uma vez que, para isso, apenas poderiam ter demorado poucas centenas de anos a percorrer todo o caminho (América do Norte -> América Central -> Médio Amazonas), o que na realidade não se verificaria. Concluindo, é pouco provável que o corredor de gelo tenha sido a primeira rota para colonizar a América. Entretanto, foram encontrados artefactos datados de 14 500 anos o que prova que a ideia de que os primeiros americanos foram pelo corredor do gelo está definitivamente afastada e, além disso, que existiram pessoas na América antes do corredor do gelo abrir. Além disso, foi encontrada também uma mulher a que chamaram Luzia, com 13 000 anos, numa aldeia de Monte Verde em Los Lagos, no Chile. Surge então uma segunda hipótese: talvez tivessem cruzado o oceano vindos directamente da Ásia pois, uma vez que o caminho descendente para a América do Norte, por Beringia, estava coberto de gelo sólido talvez tivessem cruzado o mar. Sabe-se que os nativos americanos vieram do leste da Ásia mas Luzia apresenta muitas diferenças com eles. Tanto ela como o seu povo não se parecem com leste-asiáticos nem com nativos americanos modernos, parecem-se antes com australasianos, o que sugere uma migração efectuada por via marítima. Porém, não há evidências de migração pelo pacífico, até porque essa navegação seria impossível dada a tecnologia disponível naquela época. Então, não chegaram à América através do Pacífico e vieram para as Américas antes que surgissem as características dos asiáticos do leste. Assim, talvez o único caminho para a América do Sul fosse pelo norte, através dos lençóis de gelo, contudo isso não faz sentido, a menos que, ao invés de virem pelo gelo, os primeiros americanos tivessem encontrado maneira de o contornar. Assim sendo, talvez o mar guarde a resposta afinal. No auge da última idade do gelo, o nível de água deveria ser muito mais baixo e, provavelmente os vales onde os ancestrais poderiam ter vivido estão actualmente, recobertos por água. É então que surge um problema que é procurar algo que está oculto centenas de metros debaixo de água. Conquanto, existem grãos de pólen de um cipreste, datados com 17 000 anos, colhido 30 metros acima do nível da água no estreito de Hecate.

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Ora, é fácil prever que existia vegetação ao longo da costa porque nessa altura havia várias áreas descongeladas desde o Golfo do Alasca até ao Sul da Colômbia Britânica. Entretanto, numa viagem até às Ilhas da Rainha Charlotte, o mesmo se prova: os lençóis de gelo estavam a descongelar ainda antes do corredor se abrir, no interior.

Mapa 6: A – Localização das Ilhas da Rainha Charlotte

A par disto, foram encontrados ossos de humanos com 13 000 anos na costa da Califórnia, na ilha de Santa Rosa que, naquele período, estava a apenas 10km do continente; logo bastavam pequenas embarcações para a alcançar rapidamente.

Mapa 7: A – Localização da ilha Santa Rosa

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Então, surge uma última tese sobre esta jornada: os primeiros a chegar à América tinham embarcações e podiam navegar de enseada em enseada, com a esperança de encontrar terra seca e sem gelo. Finalmente surge a última prova que extingue todas as dúvidas outrora suscitadas: foi encontrado um grupo particular de pessoas com ADN raro em alguns locais específicos ao longo da costa do pacífico que ficaram a viver nessas zonas, sendo que os seus descendentes continuaram a migração. Resumindo, os primeiros pioneiros começaram a remar ao longo das margens do gelo há uns 17 000 anos atrás e os descendentes foram-se movendo ao longo da costa alcançando a ponta mais ao sul das Américas. E tudo aconteceu dentro de um par de milhar de anos.

Assim, em suma, é possível dizer que, primeiramente, se acreditava que a grande jornada humana se tinha iniciado através do levante atravessando o Egipto. No entanto, novos estudos sugerem uma migração que atravessou o Mar Vermelho, percorreu toda a costa asiática permitindo o alcance da Austrália, enquanto que outros se dirigiam para a Europa e conquistavam a Ásia. A América, por último, foi alcançada pelas populações que a exploraram até sul. Daqui é possível salientar um facto, a expansão colossal do Homem Moderno por todo o globo terá acontecido de forma muito rápida. De facto, as simulações demográficas baseadas nos dados genéticos sugerem que os cerca de seis mil milhões de humanos actuais descendem de um pequeno grupo de 5 000 antepassados femininos e de aproximadamente o mesmo número de antepassados masculinos que terão vivido há 150 000 – 200 000 anos. Neste sentido, será concretizada esta interpretação evolucionista do homem, tendo por base os dados genéticos, não só fazendo referência a como e de que forma é que estes são estudados e importantes, como também quais as implicações que tiveram na evolução do conhecimento actual.

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Capítulo 2 Jornada Humana Evolução Humana Fixismo vs. Evolucionismo A Terra é um enorme palco, no qual actua uma diversidade enorme de seres vivos. Desde cedo que a imensa diversidade de seres vivos levantou questões sobre a sua origem. As respostas que foram surgindo ao longo da História da Humanidade foram condicionadas pelos contextos em que se desenvolveram. O estado de conhecimento que existe numa determinada época é, sem dúvida, condicionante para as explicações que podem ser avançadas. Mas, além disso, o desenvolvimento científico e tecnológico foi, e é, marcado pelo contexto socioeconómico, cultural, político, e religioso em que se desenvolve. Ainda hoje, não existe consenso relativamente à origem da diversidade dos seres vivos. Contudo, as teorias evolucionistas reúnem uma maior aceitação, conforme se concluirá no final deste capítulo.

Fixismo A observação das espécies de seres vivos induz a ideia que estas são imutáveis. De facto, durante toda a nossa vida, observamos que as gerações de indivíduos são constituídas por indivíduos idênticos que não sofrem grandes modificações, exceptuando aquelas que resultam da ―natural‖ variabilidade que existe entre os indivíduos de uma determinada espécie. Esta ideia de imutabilidade condicionou as ideias dos primeiros filósofos e naturalistas, como Platão e Aristóteles, relativamente à origem da multiplicidade das espécies. Esta perspectiva, que considerava que as espécies são permanentes, perfeitas e que não sofrem evolução após a sua formação, prevaleceu por mais de dois mil anos e constitui o Princípio Fixista. Num contexto onde são englobadas as ciências, a sociedade e a religião, a explicação para a origem das espécies radicava num Princípio Criacionista. Segundo o Criacionismo, os seres vivos foram originados por criação divina. Depois de criadas, as primeiras espécies permaneciam imutáveis, perfeitas ao longo dos tempos. As imperfeições que ocorrem, por vezes, devem-se à imperfeição e corrupção do Mundo.

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No final do século XVIII, o Fixismo, bem como o Criacionismo, que tinham assumido um carácter dogmático, começaram por ser postos em causa. A concepção do mundo estável e imutável começou a ser abalada por diversas observações efectuadas na época.

Evolucionismo A ideia de o mundo apresentar variações ao longo do tempo e de as espécies não serem excepção a essas modificações (ideia evolucionista), começou a implantar-se, colocando em causa a concepção fixista. No século XVIII, iniciou-se um extenso trabalho de levantamento e classificação dos seres vivos. Carl Von Linné (1707-1778), vulgarmente conhecido por Lineu, considerado por muitos como o pai da Sistemática, dedicou a maior parte da sua vida à classificação dos seres vivos. Apesar de Lineu ter sido um criacionista convicto, os seus trabalhos contribuíram para o desenvolvimento de ideias evolucionistas. O seu trabalho de classificação, assente num sistema que ele próprio desenvolveu, exigia um estudo pormenorizado da morfologia dos seres vivos. Estes estudos permitiram o conhecimento de semelhanças e diferenças entre esses indivíduos, sugerindo relações de parentesco e, para alguns naturalistas da época, uma possível origem comum. Desta forma, Lineu contribuía para o estabelecimento de ideias evolucionistas. Para além do trabalho de Lineu, o desenvolvimento da Paleontologia permitiu coleccionar um conjunto de dados que viriam a abalar as ideias fixistas. De facto, o estudo dos fósseis mostrava que algumas das espécies encontradas não tinham correspondência com as espécies actuais. Por outro lado, os fósseis presentes em determinados estratos rochosos apresentavam características diferentes das características dos fosseis que surgiam em outras camadas. Estas evidências contrariavam a ideia fundamental do Fixismo, isto é, a imutabilidade das espécies. Na tentativa de conciliar os dados revelados pelos estudos paleontológicos com as ideias fixistas, George Cuvier, professor no Collège de France, propôs a Teoria do Catastrofismo. Esta teoria, apresentada em 1799, defendia que uma sucessão de catástrofes tinha ocorrido no decurso da História da Terra. Fenómenos, como dilúvios ou glaciações, teriam ocorrido em determinados locais da terra e teriam conduzido à destruição dos seres vivos aí existentes que

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era, posteriormente, repovoados por seres vivos que migravam para esses locais. Desta forma, o Catastrofismo explicava o surgimento de determinadas formas fósseis em alguns estratos, sem que houvesse continuidade dessas formas de vida nos estratos mais recentes. No entanto, esta teoria viria a ser abalada aquando da publicação da obra Theory of the Eath, pelo geólogo James Hutton, e mais tarde retomada por Charles Lyell. Hutton estabeleceu uma idade para a Terra muito superior àquela que era admitida até então e, em suma, defendeu que os fenómenos geológicos existentes na actualidade são idênticos aos que ocorreram no passado (Teoria do Uniformitarismo ou Princípio das Causas Actuais). Posteriormente Lyell confirma a teoria e conclui que: - as leis naturais são constantes no espaço e no tempo - os acontecimentos do passado devem ser explicados à luz dos da actualidade, dado que as causas que provocaram determinados fenómenos no passado são idênticas às que provocam os mesmos fenómenos actualmente; - a maioria das alterações geológicas ocorre de forma lenta e gradual. Ora, as concepções gradualistas de Lyell conduzem ao desenvolvimento das ideias evolucionistas. De facto, no final do século XVIII e durante o século XIX, o desenvolvimento da Geologia, permitiu ter uma noção mais clara sobre os fenómenos que têm lugar no nosso planeta. Abandonava-se, progressivamente, a visão estática do Mundo, substituindo-a por uma ideia de um planeta em constante mudança.

Figura 28 e 29: Catastrofismo

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Esta perspectiva veio preparar terreno para que as concepções evolucionistas, relativamente à origem das espécies, se pudessem desenvolver com alguma aceitação. Nasce então a ideia de a diversidade de seres vivos resultar de um processo de transformação que as espécies vão sofrendo ao longo do tempo (Evolucionismo). Os dois nomes mais marcantes são os de Jean Baptiste de Monet, cavaleiro de Lamarck (1744-1829), e Charles 1

Darwin (1809-1882). A primeira Teoria Evolucionista é atribuída a Lamarck, um taxonomista francês. O Lamarckismo assenta em dois princípios: a lei do uso e do desuso e a lei da transmissão dos caracteres adquiridos. Lamarck considerava que o ambiente e as necessidades dos indivíduos são as causas responsáveis pela evolução dos seres vivos. Defendia que eles têm um impulso interior que lhes permite

adaptarem-se

ao

meio,

quando

pressionados por uma necessidade imposta pelo ambiente. Essa necessidade ditaria um uso ou desuso de determinados órgãos, que conduziria ao desenvolvimento (hipertrofia) ou à sua atrofia, respectivamente – lei do uso e do desuso. Estas

modificações

permitiriam

aos

indivíduos uma melhor adaptação ao meio, sendo

1

Charles Darwin foi um cientista naturalista britânico nascido em Shrewsbury, Sharapshire, a 12 de Fevereiro de 1809. Depois de estudar em várias universidades, em 1831, integra a viagem de reconhecimento do HMS Beagle, como naturalista sem remuneração, numa expedição científica à volta do mundo. Nesta viagem, realizou importantíssimas e metódicas observações geológicas e biológicas. Cinco anos depois, após o regresso a Inglaterra, dedicou-se a reunir e desenvolver as suas ideias sobre a mudança das espécies. Em 1859, após mais de 20 anos de estudo, publicou a teoria “A Origem das Espécies através da Selecção Natural”. O seu livro provocou uma grande controvérsia na comunidade científica e religiosa, pois a teoria da evolução desafiava radicalmente a teoria criacionista, e provocou enorme revolução no pensamento humano. Ficou conhecido como o livro que abalou o mundo. “A Origem das Espécies” (ver anexo 1) esgotouse no primeiro dia de publicação e o mesmo voltou a acontecer nas seis edições posteriores. Charles Darwin morreu a 19 de Abril de 1882.

transmitidas à descendência – lei da transmissão dos caracteres adquiridos. No entanto, este teoria comportava falhas. As principais críticas apontadas ao Lamarckismo eram:

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- o facto de a teoria de Lamarck admitir que a matéria viva teria um ―ambição natural‖ de se tornar melhor, de forma a casa ser vivo seria impelido para um grau de desenvolvimento mais elevado; - a lei do uso e do desuso, embora válida para alguns órgãos, como, por exemplo, os músculos, não explicava todas as modificações; - a lei da transmissão dos caracteres adquiridos não é valida, como actualmente se reconhece. A atrofia ou hipertrofia de uma estrutura adquirida durante a vida do ser vivo não é transmitida à descendência (uma vez que ocorre ao nível das células somáticas e não das células que darão origem aos gâmetas, os portadores da informação genética do novo indivíduo).

Darwin desenvolveu uma outra teoria evolucionista, que marcou profundamente a comunidade científica e a sociedade em geral. O trabalho de Darwin foi influenciado pelo estudo de muitos pensadores e tem por base os seguintes princípios: - Os indivíduos de uma espécie apresentam variabilidade das suas características (cor, forma, tamanho, etc.) – princípio baseado na sua experiencia pessoal, por observação de espécies distintas mas que ele interpretava como o resultado de uma descendência comum, ou seja, as suas semelhanças eram devidas à partilha de um ancestral comum mais recente; - As populações têm tendência para crescer segundo uma progressão geométrica, produzindo mais descendentes do que aqueles que acabam por sobreviver - princípio baseado em estudos feitos por Charles Malthus (1766-1834) acerca do crescimento das populações; - entre os indivíduos de uma população estabelece-se uma luta pela sobrevivência, devido à competição pelo alimento, entre outros. Assim, em cada geração, um número significativo de indivíduos é eliminado; - ao longo das gerações, por selecção natural, são seleccionados os indivíduos mais bem adaptados às condições ambientais, ocorrendo a sobrevivência dos mais aptos; - os indivíduos detentores das características favoráveis, vivem mais tempo e, por isso, reproduzem-se mais, sendo que as suas características são transmitidas à geração seguinte; - a reprodução diferencial permite assim uma lenta acumulação de determinadas características que, ao fim de várias gerações, conduz ao aparecimento de novas espécies.

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Neste sentido, enquanto Lamarck considerava que

o

ambiente

necessidades

que

era

responsável

conduziriam

a

por

criar

determinados

comportamentos, Darwin encarou o ambiente como o motor da evolução por realizar uma selecção natural dos mais aptos.

Neodarwinismo Uma das principais críticas apontadas à Teoria de Darwin era o facto de esta não explicar o surgimento de ―variações naturais‖ nos indivíduos de uma determinada espécie, nem no modo como essas variações eram transmitidas à geração seguinte.

1

Gregor Mendel nasceu em 1822 na Áustria. Em 1847 ingressou na Universidade de Viena onde estudou matemática e ciências. Após dois anos regressou de novo ao mosteiro onde tinha ingressado em 1843 para continuar os seus estudos. Entre 1856 e 1865 realizou uma série de experiencias com ervilheiras com o objectivo de entender como é que as características hereditárias são transmitidas pelos progenitores. Mendel morreu em 1884 e é considerado por muitos o “pai” da Genética.

O desenvolvimento da Genética viria a colmatar as lacunas da Teoria de Darwin. Por um lado, a descoberta

das

mutações

permitiu

explicar

o

surgimento de variações nos indivíduos de uma terminada espécie. Por outro lado, a Teoria da 1

Hereditariedade, desenvolvida por Mendel , explicava a transmissão das características de geração em geração. No início da década de 40, do século XX, começava a tomar forma uma outra teoria da evolução que reunia concepções originais de Darwin e os dados revelados por diversas ciências, como a Genética, a Paleontologia, a Embriologia e a Taxonomia. Esta teoria foi designada Teoria Sintética da Evolução ou Neodarwinismo, sendo desenvolvida pelos geneticistas T. Dobzhansky e S Wright, pelo biogeógrafo

e

taxonomista

Ernst

Mayr,

pelo

paleontologista Geoge Simpson e pelo botânico G. L. Stebbins, assenta em três pilares:

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- a existência de variabilidade genética nas populações consideradas como unidades evolutivas; - a selecção natural como mecanismo principal da evolução; - a concepção gradualista que permite explicar que as grandes alterações resultam da acumulação de pequenas modificações, que vão ocorrendo ao longo do tempo.

Selecção Natural e Variabilidade A Teoria Sintética da Evolução admite, portanto, que as populações constituem unidades evolutivas e apresentam variabilidade sobre a qual a selecção natural actua. A variabilidade das populações resulta das mutações e da recombinação genética (meiose e fecundação). As mutações são alterações bruscas do património genético, podendo ocorrer ao nível dos genes – mutações génicas – ou envolver porções significativas de cromossomas – mutações cromossómicas. A grande maioria das mutações produz ―disparates genéticos‖, que tornam os indivíduos inviáveis ou com menor aptidão para o meio. Por essa razão, esses indivíduos, e, portanto, a alteração genética, tendem a desaparecer. Contudo, muito raramente, a mutação confere vantagens ao indivíduo portador, tornando-o mais apto, vivendo mais tempo e reproduzindo-se mais. Desta forma, as alterações genéticas vão sendo, de geração em geração, introduzidas na população. A recombinação genética é outra fonte de variabilidade genética e resulta de dois fenómenos: a meiose e a fecundação. Durante a meiose os fenómenos de crossing-over conduzem à recombinação entre os cromossomas homólogos. Por sua vez, a separação dos homólogos faz-se de forma independente. Assim, as células-filhas irão possuir diferentes combinações cromossómicas da linhagem paterna e da linhagem materna. A fecundação é um outro fenómeno que contribui para a recombinação genética. Por um lado em termos genéticos, poder-se-á considerar que os indivíduos se reúnem ao acaso para originar descendentes. Por outro lado, cada indivíduo produz um enorme número de gâmetas diferentes, que se unirão de forma aleatória. Por estas razões, a variabilidade de zigotos que pode ser produzida é colossal, originando-se, assim, uma gigantesca diversidade de indivíduos.

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A expressão da variabilidade genética é o substrato sobre o qual actua a selecção natural. Cada indivíduo é portador de uma determinada carga genética que lhe confere determinado conjunto de características. Aos indivíduos portadores de características que o tornam mais apto para um determinado meio serão seleccionados, em detrimento de outros que apresentam conjuntos de características menos vantajosas.

O programa (neo)darwinista procura responder a uma necessidade explicativa moderadamente inexistente: encontrar um mecanismo único (não divino) gerador da diversidade actual e passada dos seres vivos. Aceitando e incorporando o inescapável facto de essa diversidade ter assumido formas distintas ao longo da historia na Terra (evolução), avança com uma ―explicação‖ totalitária e circular: a selecção natural.

As populações como unidades evolutivas As populações são formadas por indivíduos que podem ser, mais ou menos, semelhantes entre si. Quanto maior for a diversidade de indivíduos de uma determinada população, maior será a probabilidade de essa população sobreviver se ocorrerem alterações ambientais. Isto porque maior será a probabilidade de existirem indivíduos com características que os tornem mais aptos passa esse novo ambiente. Em oposição, as populações com uma baixa diversidade, embora possam estar muito bem adaptadas a um determinado ambiente, podem ser rapidamente eliminadas se ocorrerem modificações ambientais. De facto, o conjunto de genes que um individuo tem, torna-o mais ou menos bem adaptado a um determinado ambiente. Se esse conjunto lhe conferir vantagens, então esse indivíduo reproduz-se mais e os seus genes tendem a surgir com frequências cada vez maiores nas gerações seguintes. Pelo contrário, se esses genes o tornam menos adaptado, ele deixará menos descendentes e a frequência dos seus genes tenderá a diminuir nas gerações seguintes. As populações estão sujeitas a alterações genéticas, funcionando como unidades evolutivas. Ao nível populacional, a evolução pode ser definida como uma variação na frequência genética de geração em geração. Pelo facto de esta variação da frequência de genes ocorrer numa pequena escala, isto é, apenas na população considerada, estas alterações são designadas por microevolução.

Do ponto de vista ecológico, as populações são conjuntos de indivíduos de uma espécie que vivem numa determinada área, num dado intervalo de tempo.

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Do ponto de vista genético, considera-se uma população um conjunto de indivíduos que se reproduz sexuadamente e partilham um determinado conjunto de genes. Quando estas condições se verificam, a população é designada população mendeliana. O conjunto de genes de uma população mendeliana constitui o fundo genético (ou gene pool). Neste sentido, evolução poderá ser encarada como uma mudança no fundo genético das populações. Diversos factores podem actuar sobre o fundo genético de uma população, modificandoo. Contudo, geralmente considera-se que apenas as mutações, as migrações, a deriva genética, os cruzamentos ao acaso e a selecção natural são capazes de produzir alterações significativas no fundo genético, de forma a promover fenómenos evolutivos. Mutações As mutações genéticas permitem o aparecimento de novos genes nas populações. As mutações podem ocorrer, também, a nível cromossómico, como já foi sendo referido. Neste caso, grupos de genes podem ser suprimidos, duplicados ou modificados. Assim, pode dizer-se que as mutações são a fonte primária de variabilidade e, portanto o motor da microevolução. Além

disso,

desempenham

um

papel

fundamental

no

desvendar

da

nossa

ancestralidade, como se irá desenvolver mais adiante. Migrações As migrações correspondem a deslocações de indivíduos de uma população para outra. Estes movimentos podem ser de entrada de indivíduos (imigração) ou de saída (emigração). Estes movimentos migratórios conduzem a alterações no fundo genético porque são responsáveis por um fluxo de genes entre populações, razão que nos permite, actualmente, pela análise genética, como dito, descobrir as migrações pré-históricas.

Deriva genética A deriva genética é um fenómeno que ocorre em populações de pequeno tamanho e corresponde à variação do fundo genético, devido, exclusivamente, ao acaso.

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Figura 30: Ilustração representativa da deriva genética

Merecem destaque duas situações em que ocorre uma diminuição drástica do tamanho de uma população, permitindo que a deriva genética ocorra de forma significativa – o efeito fundador e o efeito gargalo (ou bottleneck). O efeito fundador ocorre quando um número restrito de indivíduos, de uma determinada população, se desloca para uma nova área, transportando uma parte restrita do fundo genético da população inicial.

Figura 31: Efeito fundador

O efeito gargalo (ou bottleneck) ocorre quando uma determinada população sofre uma diminuição busca do seu efectivo devido à acção de factores ambientais, como, por exemplo, as alterações climatéricas, epidemias, inundações e falta de alimento. Assim, um determinado conjunto de genes (que os sobreviventes possuem) será fixado na população, enquanto que outros genes foram sendo eliminados, não devido a selecção natural, mas por deriva genética.

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Figura 32 – Efeito gargalo (analogia) Cruzamentos ao acaso Quando os cruzamentos ocorrem ao acaso, diz-se que existe panmixia. Esta situação permite a manutenção do fundo genético. Contudo, se os cruzamentos não se fizerem de uma forma aleatória, ou seja, se na escolha do parceiro sexual houver tendência para privilegiar determinadas características (o que acontece na população humana), a frequência do conjunto de genes que os indivíduos escolhidos possuem tenderá a aumentar. Assim, o fundo genético da população irá sofrer uma alteração.

Selecção natural A selecção natural actua sobre fenótipos, isto é, são seleccionados os indivíduos que possuem fenótipos que os tornam mais aptos para o ambiente em que vivem, permitindo-lhes deixar mais descendentes do que os indivíduos com outros fenótipos. Considera-se fenótipo (―tipo de aspecto‖) o conjunto de características anatómicas, fisiológicas e bioquímicas observáveis nos indivíduos e que resultam da expressão de determinados genes (genótipo). Desta forma a selecção natural pode promover a manutenção de um determinado fundo genético ou conduzir à sua alteração.

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Até ao homem moderno – Evolução Humana Durante os últimos milhões de anos habitaram no planeta espalhados pela Europa, Ásia mas principalmente em África várias espécies de hominídeos, mas somente a nossa espécie, Homo sapiens sapiens, sobreviveu.

Figura 33: Teconstrução digital do ARDIPHICUS RAMIDUS, modelado em resina

Ainda não é clara a razão para o desaparecimento de muitas das espécies inferiores ao Homem Moderno, como o caso dos Neandertais, um exemplo já referido anteriormente. Porém, quer por motivos ambientais, quer por escassez de alimento, ou mesmo devido à proliferação de doenças, o Homem Moderno teve algo de superior que as outras espécies não tiveram. Assim, sendo a nossa espécie mais adaptada ao ambiente, tornou-se dominante e conta hoje em dia com uma distribuição global e com, aproximadamente, 7 mil milhões de descendentes.

Contudo, como para muitas outras espécies, África foi também o palco para o princípio da nossa história. Foi neste continente que os antepassados do Homem Moderno evoluíram desde símios até hominídeos. Há cerca de 6-8 milhões de anos o continente Africano assistiu ao último antepassado comum com os chimpanzés. De seguida, o homem evolui desde a forma de hominídeo mais arcaico até ao que conhecemos actualmente, passando por três fases distintas de evolução: Ardipithecus, Australopithecus e Homo.

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O género Ardipithecus é o representante dos primeiros hominídeos desde a separação com o último antepassado comum com os chimpanzés.

Os

hominídeos pertencentes a

este

género

são

quadrúpedes nas árvores mas bípedes no solo, tinham uma capacidade craniana entre os 300 a 350cm3, uma altura em média de 90 cm, tinham pequenos caninos, eram omnívoros, viviam na floresta e tinham uma distribuição restrita à África Oriental.

Figura 34: As ossadas de um Ardipithecus radimus a quem foi dado o nome de ―Ardi‖. Morreu há 4,4 milhões de anos e está a fornecer informação sobe um dos maiores enigmas no que toca à evolução humana: a natureza do antepassado que partilhamos com os chimpanzés.

Ardi não representa as ossadas mais antigas desde a separação com os chimpanzés. De facto, foram encontrados em Chade outros vestígios, a que se deram o nome de Sahelanthropus tchadensis, datados com cerca de 7 milhões de anos e que se pensa terem tido origem no intervalo crucial no qual a linhagem que leva aos actuais humanos diverge da que leva aos actuais símios. Os vestígios são de um crânio quase completo (com cerca de 350 cm3) e uma série de dentes e de fragmentos da mandíbula. Ardi, apesar de não ser o registo fóssil representante da divergência com os chimpanzés, é até agora o hominídeo que revela maiores informações sobre as adaptações anatómicas sofridas pelo esqueleto humano para alcançar a forma que tem hoje.

O género Australopithecus segue-se na escala evolutiva ao Ardipithecus. Estes hominídeos são caracterizados por ter uma marcha bípede, porém não caminhavam completamente erguidos, por uma capacidade craniana em média de 450 cm3, uma estatura entre 1,10 e 1,50 metros, especializados na ingestão de grandes tubérculos e outros alimentos rijos, tendo portanto enormes músculos na mandíbula e dentes posteriores maciços, assim como grandes molares e um amplo nicho ambiental.

Figura 35: Esqueleto da famosa ―Lucy‖ descoberta por Donald Johanson em 1974 pertence à espécie de Australopithecus afarensis . A JORNADA HUMANA Como é que os genes conseguem contar a nossa história? 2010/2011

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Datada com 3,2 milhões de anos, Lucy tinha um nariz projectado e um cérebro não muito maior que um chimpanzé. As pegadas preservadas junto às ossadas de Lucy provam juntamente com a forma dos seus membros e ossos ilíacos que já era bípede; apesar disso, os seus dedos da mão, longos e encurvados, e os compridos antebraços indicam que também estava adaptada a deslocar-se nas árvores como um símio.

O género Homo é o último das três principais fases da evolução dos hominídeos. Este género é caracterizado por ser bípede, mas, além disso, por ter ancas mais estreitas e pernas mais compridas que os braços e por ser capaz de fazer caminhadas mais longas. Possui também um cérebro grande (maior do que o dos hominídeos anteriores), maxilares e dentes reduzidos, era capaz de usar utensílios e tinha uma distribuição global pelo continente. O primeiro hominídeo do género Homo que apareceu em África foi o Homo habilis (H. habilis), que significa Homem Habilidoso, surgiu aproximadamente há 2,1 milhões de anos e desapareceu há cerca de 1,9 milhões de anos. Esta espécie faz a ponte entre um Australopithecus moderno e um Homo primitivo. Este hominídeo é caracterizado como tendo um cérebro com uma capacidade entre 600700 cm3 e estatura entre 90cm e 1,8 metros. Com mãos habilidosas, foi o primeiro a fabricar ferramentas de pedra, apesar de os primeiros indícios de utilização das primeiras ferramentas líticas datarem há cerca de 2,6 milhões de anos sendo o provável fabricante o Austrolopithecus garhi, apenas o Homo habilis detém vestígios dessas mesmas ferramentas. De seguida, o hominídeo com um papel mais relevante para a evolução do homem foi o Homo erectus. Descoberto pela primeira vez na Indonésia em 1891, é um dos hominídeos mais bem conhecidos. Em termos de dimensão corporal e proporção dos membros era muito semelhante aos seres humanos modernos. Equipado com ferramentas – os bifaces - e pernas compridas, o Homo erectus explorou um conjunto diversificado de habitats, tendo sido provavelmente o primeiro hominídeo a sair de África, há quase 2 milhões de anos, expandindo-se até o Sudeste Asiático.

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Homo sapiens Sapiens

Homo erectus

Homo neanderthalensis

Homo habilis

Chimpanzé

Australopithecus afarensis.

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Figura 36: Ilustração da evolução da espécie humana desde chimpanzé até Homem Moderno. É de salientar o desenvolvimento do esqueleto, quer em dimensão, quer na proporção dos membros. A imagem serve como meio de comparação e de conclusão da descrição que anteriormente foi feita às características de cada hominídeo. Há que ter em conta que, à semelhança do que foi dito no capítulo 1, existe controvérsia acerca da influência do Homo Neanderthalensis na evolução do Homem. Apesar de não estar representado o género Ardipithecus, é de salientar a evolução da espécie humana a partir do Australopithecus afarensis tendo como ponto de referência o chimpanzé.

Génese do bipedismo Um aspecto interessante relacionado com a evolução humana prende-se com a capacidade de evoluir a nível locomotor. Existem várias teorias que explicam o início do bipedismo: a mais aceite é que a marcha bípede terá sido motivada pelas alterações climatéricas que empurraram os nossos antepassados até às savanas. Neste ambiente, o alimento encontrava-se muito disperso, o que os obrigava a percorrer grandes distâncias. Para além disso, alguns estudos indicam que a marcha bípede consome menos 50% de calorias do que a marcha quadrúpede, o que pode suportar o facto de os antepassados do homem se tornarem bípedes. Contudo o antropólogo Owen Lovejoy

1

(ver nota, no final do texto deste subtítulo),

investigador que estudou o esqueleto de Ardi, explica que o alcance do bipedismo poderá ter

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sido consequência de uma mudança de comportamento social. Em vez de conquistar o acesso à fêmea entrando em conflito com outros machos, fornecer-lhe-ia a sua eleição e às suas crias alimentos com elevado teor lipídico e proteico, conquistando favores sexuais em exclusividade como retribuição. Esta estratégia reprodutiva garantia que os filhos por si sustentados fossem os seus. Contudo, exigiria que as mãos dos machos estivessem libertas da sua função na locomoção para trazer os alimentos.

Qualquer que tenha sido a motivação para a passagem para uma marcha bípede, esta

terá

conduzido

a

uma

enorme

transformação de vários ossos, tais como o da pélvis, como se verifica na figura seguinte.

Figura 37: A bacia humana passou por uma grande transformação para se adaptar à marcha erecta, teve que passar de estreita e alongada como se observa na figura para muito mais reduzida, no sentido de permitir um acto de ―malabarismo locomotor‖ que exige que um dos membros fique suspenso no ar enquanto o outro dá um impulso para a frente.

Outros ossos que experimentaram alterações relevantes foram os dos braços, que sofreram uma redução em tamanho, e os dos pés, que nos símios o dedo grande é amplamente projectado para o lado para permitir maior aderência aos ramos, e que de forma a auxiliar na marcha teve que sofrer transformações no sentido de se alinhar com os restantes e assim tornar o impulso mais eficaz.

Figura 38 :Representação do pé de Ardi que inclui o dedo oponível. A anatomia do pé de Ardi gera alguma discussão quando se trata de provar se era capaz de auxiliar a marcha. Mas se assim era possível a génese do bipedismo terá sido alcançada à cerca de 4,4 milhões de anos com Ardi (pois nenhum hominídeo anterior a Ardi apresenta estruturas anatómicas que possibilite a marcha erecta).

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Em conclusão é de salientar a opinião do 2

paleoantropólogo, Tim White : «Sabemos hoje, com base

nos

estudos

da

genética,

que

pequenas

alterações na regulação dos genes podem produzir importantes consequências anatómicas num curto

1

Owen Lovejoy antropólogo e professor na Universidade Estadual de Kent, em Ohio, EUA. É especialista no estudo da origem da espécie humana.

período de tempo. Se caminhar na posição erecta era mais eficaz e se tornasse numa vantagem, não seriam precisos tantos milénios para a selecção natural fazer evoluir um dedo grande do pé alinhado com os outros e, desta forma, reestruturar por completo o desenho do esqueleto. As mesmas regras podem aplicar-se à transição do Australopithecus para a terceira fase da evolução humana. A ingestão de alimentos de elevado teor calórico alimentou o crescimento do cérebro e rapidamente surgiram Ardi, Lucy e nós».

2

Tim White é paleoantropologo e é conhecido pelo trabalho desenvolvido com o fóssil de Lucy. Actualmente lecciona na Universidade da Califórnia e é Codirector do Laboratório de Estudos da Evolução Humana desta Universidade.

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PARTE II O PAPEL DA GENÉTICA NA DESCOBERTA DA ANCESTRALIDADE

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O homem, para chegar onde chegou e ocupar o globo como hoje ocupa, enfrentou, de facto, inúmeras adversidades. A jornada humana é assim algo tão interessante e que toca de forma tão intensa a cada um de nós que saber apenas alguns pormenores, mas não os conseguir juntar e entender por completo, levou os cientistas a não se centrarem somente nas pesquisas arqueológicas e a quererem descobrir mais. De facto, os vestígios humanos, e não só, encontrados em escavações contribuem para o sucesso da investigação da grande evolução humana. Contudo, como já foi referido anteriormente, não conseguem responder a tudo. Recorrendo apenas à arqueologia surgem inúmeras dúvidas que não permitem contar as grandes migrações humanas como hoje as conhecemos. Este problema veio assim a ser solucionado através do desenvolvimento de novas ciências, das quais tem principal destaque a genética. A genética é uma ciência que estuda a transmissão de determinadas características ao longo das gerações. O ramo da genética que se ocupa das questões relacionadas com a evolução e migrações humanas é a genética populacional. Esta ciência ocupa-se do estudo da distribuição e mudança na frequência das quatro forças evolutivas (como referido atrás em ―Populações como unidades evolutivas‖): selecção natural, deriva genética, mutação e migração. É assim parte vital da síntese evolutiva moderna, tendo sido os seus principais fundadores Sewall Wright1, Sir Ronald Fisher2 e J. B. S. Haldane3. Deste modo, a genética contribui amplamente para a compreensão dos processos migratórios, sendo essencial para o desvendar do nosso passado. Os

1

Sewall Green Wright (21 de Dezembro de 1889 – 3 de Março de 1988) foi um geneticista americano conhecido pelo seu trabalho influente na teoria evolutiva.

genes conseguem, efectivamente, contar a nossa história, traçando a nossa jornada migratória até ao ancestral dito comum. Para este processo, é necessário recorrer a ADN antigo,

encontrado

em

vestígios

fósseis,

sendo

necessário aliar mais uma vez a arqueologia, mas

2

Sir Ronald Aylmer Fisher, FRS (Londres, 17 de fevereiro de 1890 — Adelaide, 29 de julho de 1962) foi um estatístico, biólogo evolutivo e geneticista inglês.

sobretudo aos genes das populações actuais. O aspecto mais interessante da Genética Populacional é o facto de serem os nossos próprios genes, por comparação, a permitir desvendar o passado da Humanidade. A base deste tipo de análise reside no facto de os genomas actuais derivarem de genomas passados por acumulação de mutações e de esta história evolutiva se

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3

John Burdon Sanderson Haldane (5 de novembro de 1892, Oxford 1 de dezembro de 1964, Bhubaneswar, Orissa, Índia), que normalmente usava "J.B.S." como prenome, foi um geneticista e biólogo britânico. 62


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manter intacta nas porções do genoma com transmissão uniparental. Desta forma, analisando o ADN é possível traçar a ancestralidade podendo mesmo, entre duas pessoas distintas, conhecer o ancestral comum. Quanto mais recente for esse ancestral, menos mutações se verificarão sendo menor a distância genética entre eles, enquanto que elevadas distâncias genéticas sugerem a ocorrência de processos de diferenciação que se iniciaram há muito tempo. Verifica-se, portanto, que as mutações funcionam como marcadores temporais que permitem diferenciar um novo ramo na árvore genealógica possibilitando a elaboração de medidas de distanciação genética que definem o grau de parentesco entre os indivíduos. De facto, acredita-se que, a despeito da grande diversidade actual, tenhamos descendido do mesmo ancestral comum, como tem vindo a ser referido. É importante referir que, apesar de descendermos de um ancestral comum (Eva – para toda a diversidade materna actual - e Adão – para a diversidade paterna) poderão ter existido outros, mas as suas linhagens extinguiram-se no tempo, sendo apenas estes que perpetuaram a sua linhagem até aos nossos dias. Daí que possam ser levantados alguns inconvenientes a este tipo de análise. Se para a Arqueologia o sucesso das inferências históricas depende do sucesso da preservação dos vestígios ao longo dos tempos, a Genética está limitada àquelas linhagens que foram bem sucedidas em deixar descendentes até ao presente. Para além disso, ainda que se tenham dado novos avanços, verifica-se que a escala temporal continua limitada: quer pelos registos de ADN mais antigos que foram encontrados até então quer pela idade dos ancestrais comuns mais recentes, sendo a linhagem feminina mais antiga que a linhagem masculina. Porém, apesar de algumas questões que permanecem por resolver, é a genética que tem permitido contar muito do que hoje se sabe acerca da ocupação mundial pelo Homem e, certamente que a evolução tecnológica permitirá colmatar muitas das falhas que ainda persistem.

Capítulo 1 Onde está presente a informação genética? O corpo humano é composto por cerca de 50 a 100 triliões de células, que são a unidade básica da vida. Em cada célula existem genes que possuem informação para a produção de proteínas que, por sua vez, determinam como a célula irá funcionar. Para além disso, os genes também determinam características físicas e até psicológicas.

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O conjunto dos genes presentes em cada célula é designado por genoma e apenas uma pequena parte do genoma nos diferencia de outros animais. As células, apesar de diferentes de tecido para tecido, possuem uma estrutura básica: são delimitadas pela membrana citoplasmática e no seu interior possuem citoplasma no qual estão contidos organelos. Nas células eucarióticas animais, células que constituem os seres humanos, existem diferentes organelos sendo de principal interesse para o estudo da genética o núcleo e as mitocôndrias visto que é neles que está presente ADN. O genoma está organizado em cromossomas que são constituídos por ADN e que possuem porções designadas por genes que contêm informação para uma determinada característica. O ser humano possui 22 pares de cromossomas (autossomas) e um par que determina o sexo do indivíduo (heterossomas - XY para o sexo masculino e XX para o sexo feminino). Existe ainda o ADN presente nas mitocôndrias designado por ADN mitocondrial e que não está organizado em cromossomas. O ADN funciona assim como um conjunto de instruções de criação de um organismo, estando a informação genética, contida nos genes, escrita através de quatro letras (ATGC) que representam as quatro bases azotadas (Adenina, Timina, Guanina, Citocina) que podem estar presentes em cada nucleótido, unidade básica constituinte do ADN. Cada pessoa recebe metade do seu genoma de cada um dos seus progenitores, representando cada metade uma combinação de ADN passado através dos nossos ancestrais. Durante a formação dos gâmetas, que permitirão a formação de um novo indivíduo, as células dos progenitores sofrem um processo de divisão (meiose) de forma a transmitir apenas metade da informação e no qual ocorre recombinação, ou seja, troca de material genético entre cromossomas homólogos. Além disso, durante a fecundação, o indivíduo recebe informação de ambos os progenitores ficando o seu genoma composto por uma mistura. Estes fenómenos geram diversidade mas impedem que o estudo da evolução seja realizado. Este problema é resolvido pelo facto de haver partes de ADN que passam directamente dos pais para os filhos sem ser alterado. Essa parte do ADN corresponde para as raparigas ao ADN mitocondrial (proveniente da mãe) e nos rapazes ao cromossoma Y (proveniente do pai) e também ao ADN mitocondrial (proveniente da mãe).

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O ADN mitocondrial (ADNmt) e o cromossoma Y apresentam assim características particulares que já permitem retirar informações capazes de restituir a nossa história. Essas características são o facto de serem de transmissão uniparental e de serem transmitidos como um bloco único, sem que sofram recombinação. O ADNmt é ainda mais fácil de obter que o cromossoma Y, presente no genoma nuclear, uma vez que está contido nas mitocôndrias e em cada célula existe apenas um núcleo ao passo que existem diversas mitocôndrias, razão esta que justifica o facto

Hoje em dia não só o ADNmt e o cromossoma Y conseguem fornecer informações sobre o passado. Na verdade, os estudos dos autossomas, assim como do cromossoma X, apesar de sofrerem recombinação ao passarem de pais para filhos, já permitem, através de novas tecnologias, contribuir para a formação de linhagens.

de as linhagens maternas estarem actualmente muito mais estudadas que as linhagens paternas. Sabendo assim que são o ADNmt e o cromossoma Y que permitem contar a história da nossa espécie, importa então conhecer um pouco melhor estas porções do genoma e perceber o porquê de constituírem cada uma das linhagens.

Neste momento, as conclusões obtidas são assim retiradas em função da informação retirada quer dos marcadores apresentados, quer do ADN recombinate, tendo estes que estar em concordância.

ADN mitocondrial O ADNmt é, como o próprio nome indica e como referido anteriormente, aquele que está presente nas mitocôndrias das células e que é igual em todas elas. O primeiro estudo a caracterizar a sequência das bases do ADNmt data de 1981. Ao contrário do

Por uma questão de extensão e profundidade, neste trabalho farse-á apenas referência aos dois marcadores iniciais que são os pioneiros da genética populacional e que, ainda hoje, são a base de todo este ramo.

genoma localizado no núcleo das células eucarióticas, em que o ADN está organizado em cromossomas lineares, o ADN mitocondrial é uma molécula circular, de tamanho relativamente pequeno, possuindo cerca de 16 569 bases. Desta forma, por ser pequeno, o ADN mitocondrial é quase na sua totalidade composto por genes. Existe, pois, uma grande zona codificante (mais de 90% da molécula) composta por 13 genes que codificam proteínas envolvidas na produção da energia celular e 24 genes que permitem a produção dessas proteínas. Uma pequena porção, com cerca de 1 200 bases, não possui qualquer gene, mas em alguns locais existem sinais para ligação das proteínas que controlam a duplicação e transcrição do ADN mitocondrial (que dão o nome de região controlo a toda esta zona), enquanto outros locais podem variar livremente (zonas hipervariáveis). Em

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geral, a região codificante do ADN mitocondrial possui uma taxa de mutação 10 vezes mais elevada do que o ADN nuclear, tendo as zonas hipervariáveis da região controlo uma taxa ainda 10 vezes superior ao resto da molécula. Estas características representam vantagens para a Genética Populacional visto que uma maior taxa de mutação leva a uma maior diversidade genética e a um maior poder de distinção genética entre linhagens (ver capítulo 2, Parte II - Decifrar a informação presente nos genes).

Figura 39: Representação esquemática do ADN mitocondrial

O ADNmt permite reconstituir as linhagens maternas visto que é transmitido apenas pelas mães e que, durante o processo de transmissão é transmitido como um bloco, ou seja, o ADN presente na mãe é aquele que estará presente nos filhos, salvo a ocorrência de mutações, que são a base da criação de linhagens como será explicitado posteriormente. É perceptível que o ADNmt não sofra recombinação visto que este não está presente no núcleo e a meiose, processo de divisão celular que reduz a informação genética, apenas afecta o ADN nuclear. Porém, torna-se um pouco menos evidente o porquê de esta parte do genoma provir apenas do progenitor feminino. A fecundação, formação do ovo que originará o futuro indivíduo, ocorre através da junção de dois gâmetas, um masculino – espermatozóide –, e um feminino – oócito. O espermatozóide é constituído por três porções: cabeça, peça intermédia e cauda, também designada por flagelo, podendo ainda considerar-se uma quarta parte designada por peça final. Na cabeça estão presentes o núcleo e uma grande vesícula (acrossoma) que contém enzimas capazes de digerir a membrana do oócito, permitindo a sua penetração; na peça intermédia estão presentes as mitocôndrias que fornecem energia para a deslocação do

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espermatozóide assim como outros organelos; e a cauda é composta por estruturas responsáveis pela mobilidade do gâmeta.

Figura 40 - Espermatozóide humano

O oócito é uma esfera na qual estão presentes todas as estruturas, desde o núcleo às mitocôndrias, assim como outros organelos necessários para a formação de um indivíduo. Durante a fecundação, o espermatozóide penetra no oócito, porém, não o faz na sua totalidade. Da cabeça do espermatozóide são libertadas enzimas que permitem a digestão da membrana do gâmeta feminino, possibilitando a sua entrada. Contudo, durante a fecundação, apenas esta porção do gâmeta masculino, cabeça, entra na sua totalidade no oócito. O flagelo fica totalmente no exterior e da peça intermédia apenas penetra a porção imediatamente a seguir à cabeça. Desta forma, uma vez que as mitocôndrias presentes no espermatozóide, ou seja, as mitocôndrias provenientes do pai, se encontram na peça intermédia, não entram no oócito e, como tal, não contribuem para a formação do novo indivíduo (fig. 42)

Figura 41: Fecundação

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Assim sendo, o ADNmt presente em cada indivíduo provém apenas das mitocôndrias maternas, presentes desde o início no oócito, permitindo assim a reconstituição de linhagens maternas. Cromossoma Y Ao contrário do ADN mitocondrial, o cromossoma Y não se encontra muito bem caracterizado. O cromossoma Y é um dos cromossomas humanos mais pequenos, tendo um tamanho estimado de cerca de 60 milhões de pares de bases. Possui também uma zona sem genes, designada por porção heterocromática, localizada no braço longo distal (Yq), que, por ser muito repetitiva, pode variar muito em tamanho, constituindo mais de metade do cromossoma em alguns machos e sendo virtualmente não detectável noutros.

Figura 42 – Representação esquemática do cromossoma Y

A própria região que possui genes, a eucromatina, tem muitas zonas repetitivas e sem função conhecida, tornando difícil a identificação de genes do cromossoma Y. Sabe-se, actualmente, que a eucromatina possui sequências homólogas ao cromossoma X, sequências repetitivas específicas do cromossoma Y e os poucos genes funcionais identificados no cromossoma Y. As semelhanças de sequência entre os cromossomas X e Y levaram à hipótese de uma origem comum, com divergência posterior e possibilidade de sexualidade diferenciada. Para a genética populacional, o cromossoma Y é importante por não sofrer recombinação. Isto acontece visto que, sendo o grau de homologia entre o cromossoma Y e o

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X muito baixo, os eventos de recombinação entre um e outro são muito raros e limitados às pequenas porções homólogas, que são localizadas nas extremidades. O cromossoma Y permite assim reconstituir linhagens paternas visto que apenas está presente nos indivíduos do sexo masculino. Assim, neste ramo da genética estuda-se a porção predominante do cromossoma Y que não recombina com o cromossoma X: esta longa extensão do cromossoma Y é efectivamente haplóide, passando integralmente de pai para filho de forma estável, excepto quando ocorre uma mutação, como será posteriormente explorado.

ADN mitocondrial

Cromossoma Y

Molécula pequena e circular (~16.569 pares

Molécula grande e linear (~60 milhões de

de bases)

pares de bases)

Toda a sequência é conhecida

A sequência é pouco conhecida

Tem uma pequena região de ADN não

É altamente repetitivo

codificante e poucas repetições Localiza-se na mitocôndria, fora do núcleo da

Localiza-se no núcleo da célula

célula Transmitido por via materna

Transmitido por via paterna

Não recombinante e haplóide

Não recombinante (quase na totalidade da molécula) e haplóide

Várias cópias por célula

Uma cópia por célula

Tabela 2 – Comparação entre o ADNmt e o Cromossoma Y

Capítulo 2 Decifrar a informação presente nos genes Como já foi sendo dito, são os genes que conseguem efectivamente contar a nossa história, traçando a nossa jornada migratória. É com eles que vamos desbravando a nossa ancestralidade, respondendo a questões nunca antes colocadas. No entanto, de que maneira é que estes conjuntos de ADN contribuem para essa descrição tão pormenorizada e difícil? Porque é que nos conseguem fornecer essa informação e como é que se decifra essa mesma informação, são questões que se vão igualmente levantando ao longo deste processo. Após a exposição da Jornada Humana e da discriminação das questões que, numa fase anterior, foram sendo colocadas, é tempo de dar lugar ao sujeito principal da acção: não o Homem Moderno, mas o seu ADN.

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1

Como facilmente se conclui do que foi dito, é por causa desta ancestralidade relativamente recente dos seres humanos modernos que parecemos ser tão

Luigi Luca Cavalli-Sforza (Génova, 25 de Janeiro de 1922) é um geneticista de populações italiano.

diferentes dos outros símios. Os símios africanos são produto de mais de dez milhões de anos de evolução; as duas espécies de chimpanzés existentes, Pan troglodytes e Pan paniscus, separaram-se entre 900 000 e dois milhões de anos atrás. Por sua vez, todos os seres humanos

actualmente

existentes

provêm

de

um

antepassado que só viveu há 200 000 anos. Por outras palavras, somos apenas os bebés da árvore familiar dos grandes símios. Num

curto

período

de

tempo,

a

Genética

Populacional e a dinâmica das populações minaram as

Foi professor do Departamento de Genética da Escola de Medicina da Universidade de Stanford desde 1970, sendo actualmente membro da Pontifícia Academia das Ciências desde 1994, e da Academia Francesa de Ciências. Em 1999 recebeu o Prémio Balzan para a ciência das origens do homem.

bases da Antropologia tradicional e das teorias raciais, questionando

alguns

enquadramentos

históricos

e

levantando novas questões.

Estes

estudos

tiveram

um

grande

desenvolvimento com um investigador que hoje se considera ser o pai da Genética Populacional Humana – Luigi Luca Cavalli-Sforza1. Quando este investigador começou a interessar-se pela genética dos humanos em detrimento da clássica genética de bactérias e da mosca Drosophila, em finais da década de 1950, tomou duas opções que seriam essenciais à definição da área da

É considerado um dos maiores conhecedores em genética de populações do mundo. Entre os seus sucessos está o traçar uma árvore genealógica da espécie humana e relacioná-la com a evolução das diferentes línguas. Relacionou a sua pesquisa sobre a história e a geografia dos genes humanos com a demografia, a arqueologia e a linguística.

Genética Populacional: fez um enquadramento dos dados genéticos nos dados arqueológicos e antropológicos e uma avaliação quantitativa de todos os dados genéticos, passando pelo desenvolvimento de novos modelos matemáticos. Os seus estudos em marcadores clássicos, bem

como os estudos de outros colegas,

foram

importantíssimos, inviabilizando o termo «raça» quando aplicado à espécie humana.

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Desde a Antiguidade que havia a tendência para classificar pessoas, usando as características morfológicas para categorizar os povos, resultando no que depois se viria a chamar raças. Foi o antropólogo alemão Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840) quem primeiro nomeou as «variedades» dentro da nossa espécie. Ele reconheceu, com base na origem geográfica e em alguns parâmetros morfológicos, cinco raças principais: caucasóide, mongolóide, etiópica, americana e malaia. Por acreditar que a região do Cáucaso fosse o berço da humanidade, Blumenbach reconhecia na raça caucasóide (povos da Europa, do Médio Oriente, do Norte de África e da Índia) o «tipo» humano perfeito. Devido à ênfase dada às características visíveis e facilmente identificáveis, não é surpreendente que as raças sugeridas por Blumenbach tenham passado a ser rotuladas com base na quantidade de pigmentação da pele: caucasóide passou a ser sinónimo de branco e africano (etíope) de negro. Além desta, foram feitas outras propostas mais complexas, com a pretensão de explicar toda a diversidade morfológica. Nestes casos, o número de raças sugeridas aumentou consideravelmente, chegando a duzentas em algumas classificações. Até que Richard Lewontin (29 de Março de 1929), utilizando polimorfismos genéticos clássicos (grupos sanguíneos, proteínas séricas e isoenzimas), publicou, há mais de três décadas, um estudo seminal que testou a validade do conceito de «raça» dentro da nossa espécie. Nesse estudo, determinou que 85,4% da variação se encontrava entre indivíduos de uma mesma população, 8,3% entre populações dentro de uma mesma raça e apenas 6,3% entre as chamadas raças, o que inviabilizaria a utilização do termo «raça» para a espécie humana, num contexto biológico. Inúmeras investigações posteriores corroboraram estes resultados iniciais, mostrando ainda que não há barreiras nas distribuições alélicas – as diversas formas de um mesmo gene - entre as diferentes regiões da Terra, mas apenas gradientes. Os genes que existem numa população são iguais aos de todas as populações do mundo, havendo apenas pequenas diferenças de frequência entre as diversas formas ou alelos que um gene pode apresentar. Portanto, as diferenças típicas de «raças» correlacionam-se bem com o continente de origem (já que são seleccionadas), mas não reflectem variações genómicas generalizadas entre os grupos. Desta forma, deve ficar claro que se e quando a expressão «raça» for utilizada, ela irá representar uma construção política ou cultural, e não uma entidade biológica. Mesmo assim, as sociedades humanas construíram elaborados sistemas de privilégio e opressão baseados nessas insignificantes diferenças genéticas, que envolvem pouquíssimos genes. O conhecido sociólogo Claude Lévi-Strauss deixou bem claro, em texto escrito em 1952, que «o pecado original da Antropologia consiste na confusão entre a noção puramente

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biológica de raça (o que a Genética contesta) e as produções sociológicas e psicológicas das culturas humanas».

Os estudos dos marcadores genéticos clássicos disponíveis até aos finais da década de 1980 não permitiu, contudo, localizar a possível origem única da espécie humana. Às árvores filogenéticas da altura não era possível atribuir uma raiz. E foi aqui que o ADN mitocondrial e o cromossoma Y desempenharam um papel essencial: revelaram que as populações com maior diversidade genética, ou seja, as ancestrais, são as populações subsarianas, possibilitando mesmo a sua provável datação.

Podemos resumir a teoria da origem africana do Homem Moderno nos seguintes pontos: (1) os africanos da região abaixo do Sara (subsarianos) apresentam maior diversidade genética, sendo a distância genética entre os africanos e as populações não-africanas maior do que aquela que separa as outras populações; (2) a diversidade genética das diferentes populações sugere que os outros continentes foram povoados por um pequeno número de fundadores que emigraram de África.

O acontecimento que permite, ao analisar o ADNmt e o cromossoma Y, descobrir estes aspectos é a mutação, ou seja, alterações da informação genética (delecção, inserção, inversão ou substituição de uma ou mais bases azotadas) resultantes de erros de cópia nas transmissões ao longo das gerações. Comparando as mutações entre cada indivíduo é possível criar linhagens e, posteriormente, datá-las. Relacionando o período compreendido entre as diferentes divergências é então possível reconstruir as migrações efectuadas pelo Homem ao longo do mundo.

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Desta forma, analisando o ADN é possível traçar a ancestralidade podendo mesmo, entre duas pessoas distintas, conhecer o ancestral comum. Quanto mais recente este for, menos mutações se verificarão sendo menor a distância genética entre eles, enquanto que elevadas distâncias genéticas sugerem a ocorrência de processos de diferenciação que se iniciaram há muito tempo. Verifica-se, portanto, que as mutações funcionam como marcadores temporais que permitem diferenciar um novo ramo na árvore genealógica possibilitando a elaboração de medidas de distanciação genética que definem o grau de parentesco entre os indivíduos. De facto, acredita-se que, a despeito da grande diversidade actual, tenhamos descendido do mesmo ancestral comum.

Que tipos de dados genéticos existem? Quer o ADN mitocondrial, quer o cromossoma Y, quer também os autossomas, dispõem de diferentes dados genéticos que permitem retirar as conclusões que têm vindo a ser apresentadas. Ao longo do trabalho tem vindo a ser referido que esses diferentes dados constituem de uma maneira geral polimorfismos, decorrentes de mutações. Polimorfismo genético consiste na possibilidade de existência de diferentes alelos num determinado locus. Um alelo é geralmente definido como polimórfico se estiver presente numa frequência maior que 1% na população. A base para o polimorfismo entre os alelos é as diferentes mutações que podem ocorrer na sequência de ADN. As alterações num locus incluem: aquelas que mudam a sequência de ADN mas não mudam a sequência da proteína; aquelas que, mudando a sequência da proteína, não mudam a sua função; aquelas que criam proteínas com diferentes actividades e, por fim, aquelas que criam proteínas mutantes que não são funcionais. Uma população pode ter um polimorfismo em grande quantidade. No entanto, esse polimorfismo pode ser visível fenotipicamente ou não. Apesar disso, todos os polimorfismos se tornam importantes visto que podem fornecem dados para os estudos populacionais. Diferentes polimorfismos Até aos anos 80 foram essencialmente utilizados polimorfismos genéticos clássicos, como os grupos sanguíneos, proteínas do sangue (como citado no texto introdutório a este

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capítulo). Depois desta data, com o desenvolvimento da tecnologia, foi possível descobrir e estudar polimorfismos de ADN. Sistema ABO Os primeiros casos de variação proteica geneticamente determinada foram detectados em antigénios encontrados no sangue, os chamados antigénios de grupos sanguíneos. São conhecidos vários polimorfismos, especialmente nos antigénios ABO e Rh. Os sistemas ABO e Rh são importantes na transfusão de sangue, no transplante de tecidos e de órgãos e no tratamento da doença hemolítica do neonato. Os grupos sanguíneos ABO são determinados por um locus no cromossoma 9. Os alelos A, B e O neste locus são um exemplo clássico de polialelismo no qual três alelos, dois dos quais (A e B) são co-dominantes e o terceiro (O) é recessivo, determinam quatro fenótipos. São encontradas quatro diferenças de sequência de nucleótidos entre os alelos A e B que resultam em mudanças de aminoácidos, o que altera a especificidade da glicosiltransferase codificada pelo gene ABO. O alelo O tem uma delecção de um único par de bases na região codificante do gene ABO, que causa uma mudança de matriz de leitura, a qual elimina a actividade da transferase nas pessoas do tipo O. Os polimorfismos do sangue foram dos primeiros a ser descobertos; porém, a sua importância na Genética Populacional é praticamente nula. Polimorfismo de sítio de restrição (RFLP) As enzimas de restrição têm sequências específicas de reconhecimento no ADN, onde o conseguem clivar. Estas sequências são chamadas de sítios de restrição. As variações no ADN nos sítios de restrição (ou seja, a existência ou não de determinado sítio em função da sequência de ADN) são chamadas de polimorfismos de comprimento de fragmentos de restrição (RFLPs). As mudanças no ADN genómico levam à criação ou à eliminação de determinados sítios de clivagem, alterando, assim, o tamanho de um ou mais fragmentos de ADN. Os diferentes comprimentos de fragmentos de restrição constituem alelos co-dominantes num locus de ADN. Os RFLP’s também podem surgir de delecções ou inserções de ADN em vez de mudanças de nucleótidos únicos. Se um segmento de ADN entre dois sítios de restrição for eliminado ou inserido, o tamanho do fragmento de restrição resultante será diferente.

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Um polimorfismo nesse nível pode ser detectado independentemente de a alteração na sequência afectar ou não o fenótipo. Provavelmente, muito poucos polimorfismos de sítios de restrição realmente afectam o fenótipo. Porém revelam-se importantes na construção de linhagens. Polimorfismos de nucleotídeo único (SNP) São uma classe mais geral de polimorfismos que surgem a partir de mudanças em nucleótidos únicos de uma determinada sequência de ADN, as quais podem ou não gerar sítios de clivagem por endonucleases de restrição. São mais frequentes que os polimorfismos de microssatélites e são uniformemente distribuídos por todo o genoma. Estas características tornam-nos excelentes marcadores para gerar mapas genéticos densos. Polimorfismos de minissatélites (VNTR) Este tipo de polimorfismo resulta da inserção, em tandem (ou seja, uma ao lado da outra), de múltiplas cópias de uma sequência de ADN com 10 a 100 pares de bases de tamanho, chamada unidade de repetição. Esta classe de polimorfismos, conhecida como polimorfismo de número variável de repetições em tandem (VNTR) ou minissatélite, é caracterizada por muitos alelos, cada um deles caracterizado por um tamanho diferente. O tamanho de um fragmento de ADN contendo sequências de minissatélites depende de quantas cópias da unidade de repetição estejam presentes. Polimorfismos de microssatélites Mais frequentes e polimórficos, os microssatélites são trechos de ADN que consistem em unidades repetidas de dois, três ou quatro nucleótidos. O número de unidades de nucleótidos repetidos contidos dentro de qualquer microssatélite pode diferir entre os dois cromossomas homólogos de uma pessoa e entre pessoas na população. Um determinado microssatélite é, portanto, um locus polimórfico, e os diferentes números de unidades repetidas num determinado microssatélite constituem os alelos deste locus.

O genoma nuclear, à excepção do cromossoma Y, contém a maioria dos polimorfismos humanos. Estes incluem os sistemas clássicos (grupos sanguíneos ou os polimorfismos relacionados com proteínas) assim como variações nucleotídicas singulares designadas como

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RFLP’s. A ancestralidade genómica é assim actualmente estudada com base em 40 loci genéticos de polimorfismos de inserção/delecção. É estimada para a taxa de mutação dos SNP’s um valor de aproximadamente 10-7 a 108

por geração. A baixa taxa de mutação destes polimorfismos permite visualizar a história

antiga da nossa espécie, porém, não permite retirar muita informação quanto à história recente. -3

Por outro lado, os microssatélites, cuja taxa de mutação é de cerca de 10 por geração, o que é elevado, têm potencial para providenciar informação sobre a evolução recente. Em particular, estes polimorfismos permitem datar eventos que ocorreram desde a origem humana com maior precisão que os RFLPs. A ancestralidade materna é assim baseada na sequenciação da região de controlo (região hipervariável I) do ADN mitocondrial e numa grande quantidade de marcadores confirmados. O cromossoma Y (à excepção da região recombinante) fornece-nos informação da linhagem paterna (ver capítulo 1 – Onde está presente a informação genética?). Inicialmente, a identificação de polimorfismos no cromossoma Y era difícil, contudo, com o melhor conhecimento deste cromossoma foi possível encontrar um crescente número de polimorfismos. Actualmente, esta análise é baseada no estudo de mais de 25 marcadores de ADN do cromossoma Y, permitindo uma definição altamente detalhada. Também os autossomas, como referido anteriormente, possuem polimorfismos que, com a tecnologia actual começam a ser capazes de desvendar o passado, sendo para além disso muito importantes na descoberta de doenças causadas por via genética e das suas formas de tratamento.

Como é feita a datação das linhagens Após analisar o ADN e obter os polimorfismos que permitem definir as diferentes linhagens interessa descobrir há quanto tempo é que cada linhagem divergiu da sua ancestral, ou seja, interessa datar as linhagens. Nos últimos anos, a informação sobre a origem e a migração das linhagens maternas e paternas tem evoluído bastante, podendo para muitos casos ser possível datar com maior ou menor precisão a presença dessas linhagens numa determinada região. Esta datação é possível devido ao ―relógio molecular‖ presente no ADN.

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Este relógio baseia-se na medição de acontecimentos periódicos. O acontecimento periódico no relógio molecular é a mutação, ou seja, modificações da informação genética original que resultam da introdução de um erro de cópia nas transmissões ao longo das gerações. Esses erros podem-se traduzir numa delecção, inserção, inversão ou substituição de uma ou mais bases azotadas. Actualmente é possível estimar o número de mutações que ocorrem, num determinado período de tempo, para uma determinada porção do genoma. Existem porções do genoma onde ocorrem mais mutações, contudo, de uma forma geral, a mutação é um fenómeno raro. De modo a assegurar que é possível distinguir geneticamente os indivíduos, estuda-se preferencialmente as regiões do genoma que mutam mais rapidamente. Por exemplo, ocorre uma mutação em cada 20 180 anos numa das regiões de ADN mitocondrial que muta mais rapidamente. Esta região é denominada, por essa razão, região hipervariável, sendo constituída por cerca de 276 pares de bases. À semelhança do ADNmt, o cromossoma Y também possui regiões mais mutáveis do que outras. A existência de zonas com diferentes taxas de mutação numa molécula permite vários relógios moleculares, mais rápidos ou mais lentos. A comparação de duas datações moleculares é mais informativa do que o uso de apenas uma. Os dois relógios moleculares devem providenciar estimativas aproximadas; quando tal não se verifica, significa que pelo menos uma das zonas não permite inferências muito seguras. Para se converter o número de mutações observadas numa data, é necessária a existência de momentos bem datados do registo fóssil que permitam efectuar uma calibração para as diferentes sequências de ADN. A calibração mais usada para datações de linhagens humanas é a divergência entre o ramo evolutivo que levou ao Homem e o ramo evolutivo que levou ao chimpanzé, que está mais ou menos bem datada há cerca de 7 milhões de anos. Sabendo assim que o homem e o chimpanzé divergem em x mutações numa dada zona do genoma, tendo decorrido 7 milhões de anos para a acumulação dessa diversidade, é possível obter a datação para duas linhagens em estudo, as quais divergem em y mutações nessa mesma região genómica. Outras condições são ainda necessárias para se poder estabelecer uma idade para as linhagens feminina e masculina. Em primeiro lugar, essa linhagem deverá ter sido bemsucedida na sua transmissão ao longo das gerações. Em segundo, deverá ter decorrido algum tempo para que essa linhagem tenha adquirido a variabilidade no local onde foi inserida.

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Posteriormente, para tentar estabelecer o grau de parentesco e de evolução das linhagens pode-se construir uma rede filogenética (network). Num network cada linhagem é representada por uma circunferência, cuja área é proporcional à frequência, sendo estas circunferências ligadas por traços proporcionais ao número de mutações que separam as linhagens. Nos networks actuais, muitas vezes as diferentes linhagens são representadas sem circunferências, demonstrando apenas a distância genética entre elas.

Figura 43: Árvore filogenética baseada no polimorfismo de 120 genes de proteínas em 1915 grupos de populações em áreas continentais

Desta forma, a análise de um network permite-nos saber qual a linhagem fundadora e quais as que se seguiram dado que a linhagem inicial corresponde à mais distante de todas as outras, ou seja, àquela que sofreu mais mutações e que tem um maior efectivo populacional. A ordem cronológica do aparecimento das outras linhagens corresponde sucessivamente à ordem de diminuição do tamanho das linhas de ligação entre as circunferências. Um network representa assim todos os caminhos evolutivos possíveis. Paralelamente, utiliza-se um algoritmo para escolher o caminho mais provável para a evolução do conjunto de indivíduos em análise, obtendo-se neste caso uma árvore filogenética, como será explorado no capítulo 3 – Relacionar linhagens: as árvores da espécie humana.

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Qual é a população com maior diversidade? Qual o significado? O Homo sapiens pode ser descrito como uma espécie cosmopolita. Apesar da ampla gama de ocupação do habitat, somos caracterizados por uma baixa variação genética intraespecífica. A comprovar, o nosso genoma mostra 1,23% de diferença média com as sequências nucleotídicas da espécie mais próxima da nossa, o chimpanzé. Em média, a diferença intraespecífica entre um par de indivíduos considerados em todo o mundo é de apenas 1 000 pares de bases, ou mesmo menos, dependendo do locus genético e da população em particular que estamos a considerar. Apesar disso, as populações diferem entre si. As teorias da evolução pressupõem que uma população original tenha uma maior diversidade genética do que uma população derivada mais recentemente dessa. Desta forma, não é surpreendente que a diversidade genética tenha vindo a ser comparada entre amostras das principais populações para determinar em que continente está presente a origem da população humana.

Tal como demonstra a tabela 3, a sequência de ADN mitocondrial, os polimorfismos do cromossoma Y e os microssatélites demonstram uma grande diversidade em África,

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comparativamente com a Ásia e a Europa, apesar de apenas alguns estudos terem tido resultados estatisticamente significativos. A elevada diversidade africana é particularmente observável na região de controlo de ADN mitocondrial tal como é visto nos diagrama de netwoork das populações africana, asiática e europeia. (Fig. 44)

Figura 44: network baseada em 60 microsatélites polimórficos independentes de 15 populações Africanas (verde), Asiáticas (vermelho) e Europeias (azul).

As populações africanas são as que têm uma maior distância neste diagrama, reflectindo a diversidade genética dentro e entre esta população. Esta elevada diversidade africana, apesar de consistente com uma origem em África, não prova necessariamente que o Homem Moderno teve origem neste mesmo continente. De facto, é possível igualmente admitir que o Homo sapiens tenha tido origem noutro qualquer

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lugar mas que uma subsequente população (asiática, por exemplo) tenha sofrido um efeito de bottleneck e a sua diversidade se tenha tornado inferior à africana. Informação semelhante pode, contudo, ser obtida examinando a distribuição dos haplogrupos (grupos de polimorfismos proximamente ligados no mesmo autossoma, cromossoma Y ou ADNmt nas populações. De uma maneira geral, cada estudo mostra que a maior diversidade de haplogrupos é encontrada em África. Mais importante ainda, os haplogrupos fora de África constituem um subconjunto dos encontrados nesse mesmo local. Este resultado é mais consistente com a origem africana do Homem Moderno, seguido de uma redução na diversidade dos haplogrupos como resultado da divisão da população africana para colonizar a Ásia e a Europa. Se o Homem Moderno tivesse tido origem na Ásia e depois sofrido um efeito de gargalo (bottleneck) seria de esperar que ainda fossem encontrados vários haplogrupos asiáticos que não fossem um subconjunto africano. Deste modo, como tal não acontece, torna-se difícil considerar a origem do Homem sem ter em conta o continente africano. É interessante notar que a diversidade de ADN mitocondrial africano é realmente maior do que o das outras populações, enquanto que a diversidade nuclear é apenas um pouco maior. Esta diferença também é vista comparando um diagrama baseado em microsatélites com um diagrama do ADNmt. Existe, no entanto, um número de possíveis explicações para esta diferença. Uma possibilidade é que África teve uma expansão populacional primeiro que a Europa e a Ásia. Como o tamanho efectivo do ADNmt é um quarto do nuclear, responde mais rapidamente a estes eventos resultando numa maior taxa de diversidade africana do que não-africana, segundo o ADNmt. Uma segunda possibilidade é que a selecção natural tenha reduzido a variabilidade do ADNmt nas populações não-africanas talvez como resultado da adaptação à alteração das condições climáticas. Pelo facto de não existir recombinação no genoma mitocondrial, a selecção natural em qualquer dos genes mitocondriais vitais, poderá conduzir a variações ao longo do genoma, incluindo a região de controlo. De qualquer modo, comparações entre o ADN mitocondrial, o cromossoma Y e os dados autossómicos irão, num futuro próximo, felizmente, fornecer uma resposta definitiva. Por enquanto, a teoria Out of Africa é o modelo considerado.

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Como é que explicamos a relativa falta de diversidade genética? Embora os humanos pareçam variar muito em termos fisiológicos, somos actualmente uma espécie homogénea em termos genéticos. Os chimpanzés, os nossos relativos ancestrais, exibem uma variação de 1 em 5 regiões nucleotídicas mitocondriais de controlo, onde os humanos exibem apenas 1 em 17. Do mesmo modo, os chimpanzés apresentam uma maior variação no seu genoma nuclear do que os humanos. Esta falta de variabilidade genética nos humanos é compatível com a hipótese de que os humanos modernos se originaram e/ou expandiram de uma população pequena recentemente. Existem duas possíveis explicações para a baixa variedade nucleotídica nos humanos. Ou estes sofreram recentemente um efeito de gargalo (bottleneck) no tamanho da população, ou o efectivo populacional da espécie humana tem vindo a ser baixo há um longo período de tempo. De facto, alguns argumentaram que a partilha de alelos do complexo maior de histocompatibilidade (MHC – major histocompatibility complex) nos humanos e chimpanzés argumenta contra o efeito gargalo, porque tais alelos teriam sido perdidos devido à deriva genética num efeito bottleneck. Análises da globina-β (um outro polimorfismo) vieram a mostrar conclusões semelhantes. No entanto, um efeito moderado de bottleneck poderia permitir a persistência de tais alelos. Este gargalo corresponde a um efectivo de 10 000 indivíduos, que está de acordo com as estimativas oferecidas pela globina-β assim como sequências de ADN mitocondrial, cromossoma Y e uma série de sequências de ADN nuclear, que foram igualmente estudadas. Os dados provenientes do MHC sugerem um efectivo populacional maior que aproximadamente 100 000 indivíduos, mas estas análises têm vindo a ser criticadas porque não dão conta dos efeitos de selecção natural e de recombinação. Além disso, mesmo os dados do MHC são compatíveis com a redução da população humana para um efectivo populacional de aproximadamente 10 000 mil indivíduos. A maior parte dos dados genéticos suportam assim um número populacional baixo o que é consistente com um modesto efeito gargalo (bottleneck) e um baixo nível de diversidade genética. Acrescenta-se o facto de a diversidade genética entre as diferentes populações continentais não ser muito acentuada. Uma interpretação deste resultado é o facto de o fluxo genético entre os continentes ter vindo a ser suficientemente grande para manter a similaridade

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genética (o que poderá ser consistente com a teoria multirregional). Outra interpretação é o facto de as populações principais se terem separado recentemente, não havendo tempo para ocorrer divergência (o que pode suportar a teoria Out of Africa). Há que ter em conta que a escala temporal das inferências genéticas está limitada pela taxa de mutação. O facto de a taxa de mutação ser muito baixa é benéfico a nível individual porque a mutação pode ser patológica. No que diz respeito à Genética Populacional, a baixa taxa de mutação faz com que seja possível inferir, com maior segurança, um passado longínquo. É muito mais difícil elaborar conclusões seguras sobre a história recente, pois as linhagens têm que ter tempo para acumular diversidade de modo a serem datáveis. De facto, as variações presentes no genoma humano permitem construir uma árvore onde cada divergência representa uma mutação. Assim, logo que se tornou possível medir essas variações genéticas, os biólogos concluíram que os Humanos são uma espécie relativamente recente, sendo que o processo evolutivo foi relativamente rápido, daí se verificar uma baixa diversidade.

Capítulo 3 Relacionar linhagens: as árvores da espécie humana O modelo Out of Africa apontava para uma migração inicial através do Sinai e do Levante, que terá ocorrido há cerca de 45 000 anos, conduzindo ao povoamento do resto do mundo. Entretanto, o modelo tem vindo a ser desenvolvido com as contribuições recentes dos estudos de ADNmt, que passaram da análise de porções limitadas da molécula à sua totalidade (cerca de 16 569 bases). Desta forma, tornou-se possível relacionar os diferentes haplogrupos definidos com base nos polimorfismos e formar linhagens que deram origem a uma árvore, a árvore da espécie humana, na qual é visível o ancestral comum e todos os seus descendentes. Durante cerca de duas décadas, foi investido muito esforço por várias equipas científicas na caracterização detalhada da árvore genealógica mundial, a qual tem a sua raiz na África subsariana. Da raiz, ainda em África, saem vários haplogrupos designados pelas letras L: L0, L1,L2,L3,L4, e o número continua a crescer à medida que mais estudos são efectuados. Um haplogrupo é um grupo de linhagens que partilham uma linhagem (possuem certas mutações que as definem), sendo geralmente identificado com uma letra. Os subgrupos dentro desse, originados pelo aparecimento de novas mutações, recebem a designação formada pela letra do haplogrupo seguida por um número, e assim sucessivamente. Os halogrupos L subsarianos apresentam a maior diversidade observada a nível mundial o que atesta a sua antiguidade.

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Um facto é que estas conclusões apenas derivam da árvore correspondente ao ADNmt, ou seja, às linhagens maternas. Assim, ainda faremos referência à outra árvore, a correspondente ao cromossoma Y, que se baseia nas linhagens paternas. Apesar de terem aspectos diferentes, ambas fornecem dados semelhantes, sendo que, no final, far-se-á um balanço das consistências entre estas duas árvores. Continuidade e diferenciação nos Humanos A estrutura populacional permite que se infira sobre a distribuição das variantes alélicas dentro e entre populações. Por análise filogenética de qualquer locus é possível definir uma ordem hierárquica da evolução das variantes genéticas e, através da árvore filogenética, inferir o nível de estrutura entre as populações estudadas e, sobretudo, observar a sua divergência no tempo. Por exemplo, populações não africanas estão inseridas, tanto de acordo com as árvores construídas a partir do ADNmt como do cromossoma Y, dentro das populações africanas, em coerência com a hipótese Out of Africa. De facto, como se viu em “Qual é a população com maior diversidade? Qual o significado?” verifica-se uma variação genética mais acentuada em populações africanas em comparação com o resto do mundo, levando a crer que estes foram os nossos ancestrais. Análises filogenéticas do cromossoma X, por exemplo, de forma consistente (13 em 16 genes) suportam a topologia das árvores de ADNmt e cromossoma Y, com os africanos detentores de uma mulher – a Eva mitocondrial – considerada o ancestral comum para todos os organismos no resto do mundo e de um homem – Adão – ancestral masculino. As poucas excepções a este padrão podem ser explicadas simplesmente pela amostragem insuficiente de genes africanos na triagem inicial. Relembra-se, porém, que a Eva mitocondrial não foi a única mulher existente na altura, assim como Adão. Apesar disso, foram os seus genes que sobreviveram até aos dias de hoje fazendo dela a fundadora da linhagem feminina, à semelhança do que se passa com o ancestral da linhagem masculina.

Árvore materna A árvore humana do ADNmt, como se pode ver na figura, inicia-se com os haplogrupos L0, L1, L2, L3, L4, L5. De seguida, o haplogrupo L3 separa-se em dois ramos M e N, e este último, por sua vez, divide-se uma vez e dá origem ao haplogrupo R. Todos os haplogrupos começados pela letra L são pertencentes às populações africanas, o que significa que só o haplogrupo M e N e suas seguintes ramificações representam as linhagens que deram origem a todos os indivíduos não africanos. Isto significa que os europeus descendentes do haplogrupo T

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ou H são tão geneticamente relacionados (na sua ancestralidade materna) entre si como são de um asiático ou australiano do haplogrupo B pois ambos descendem do haplogrupo R. A linha K=2 corresponde ao momento no qual o haplogrupo M e N emergiram do haplogrupo L3, a linha seguinte K=5 corresponde ao momento no qual a população não-africana divergiu para a Europa, sul e leste asiático e Oceânia. Por fim a linha K=6 distingue o momento no qual as populações no Leste Asiático se tornaram os descendentes dos nativos americanos, representados pelos haplogrupos A-D.

Nota: ver anexo 2

e anexo 3

Árvore paterna O cromossoma Y contém o maior bloco não recombinante no genoma humano e pode ser considerado um dos mais informativos sistemas de haplogrupos. Desde o conhecimento do primeiro polimorfismo do cromossoma Y, passou mais de uma década até se conseguir construir uma árvore filogenética baseada no cromossoma Y, tornando-se um importante modelo no estudo das migrações humanas. Tal como para o ADN mitocondrial, os estudos do cromossoma Y sugerem a origem do Homem Anatomicamente Moderno no este africano. Revelam ainda migrações dentro do continente e para fora deste, de acordo com a teoria Out of Africa. A filogenia definida por estes estudos mostra uma distribuição hierárquica e inequívoca dos polimorfismos, sendo que o mais recente sistema de nomenclatura classifica a diversidade em haplogrupos designados de A a R, sendo o haplogrupo A o primeiro a ter surgido e o R o último. A primeira divisão que se observa na árvore humana do cromossoma Y dá origem aos haplogrupos A e BR, que são restritos apenas aos africanos. De seguida o BR divide-se em B e CR, dando este último origem a toda a população não-africana. A linha K=2 corresponde à diferenciação dos haplogrupos não africanos C e F, a linha seguinte K=4 refere-se ao momento da diferenciação do haplogrupo M na Oceânia, IJ e R no Ocidente, H e L no Sul, e C, NO, e Q na América. O haplogrupo DE é partilhado pelas populações africanas e asiáticas, o haplogrupo C, pertencente a indivíduos não-africanos, está vastamente distribuído pelo leste Asiático, Oceânia e

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pelo norte da América. Haplogrupos H e F* são restritos à Ásia, por outro lado haplogrupos I e J são mais frequentes na Europa e Médio Oriente respectivamente. Na Ásia, os haplogrupos N e O emergem do K.

Nota: ver anexo 4

Concordâncias entre as Árvores do ADNmt e cromossoma Y São muitas as concordâncias encontradas entre os dados referentes ao ADNmt e o cromossoma Y, remetendo ambas para a teoria Out of Africa. Porém, são apenas realçados os dois pontos mais importantes que remetem para uma origem comum em África e posterior dispersão a partir daí. 1. Apenas as populações africanas transportam linhagens com origem nos primeiros ramos das árvores. 2. Nas duas árvores apenas um pequeno subconjunto de haplogrupos é representante da totalidade de haplogrupos encontrados fora de África (na árvore do cromossoma Y os três fundadores foram C, DE e F, na árvore do ADNmt foram por sua vez os haplogrupos M, N e R).

Diferenças encontradas Como já foi alvo de atenção, os resultados a que se chegou relativamente aos polimorfismos do ADNmt não só confirmam a origem africana do Homem Moderno, como mostram que a variedade das mitocôndrias actuais deriva de uma molécula inicial, a da Eva da Humanidade de que começaram a divergir há aproximadamente 150 000 – 200 000 anos. Os dados do cromossoma Y são paralelos aos do ADNmt, apoiando novamente uma origem única do Homem Moderno, no Leste da África e da migração colonizadora para o resto do mundo. Não têm, contudo, permitido ainda um tão elevado grau de precisão como os dados do ADNmt.

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Apesar das consistências entre ambos os marcadores (e também com os novos marcadores autossómicos), permitindo retirar as conclusões apresentadas e a criação de uma teoria sustentada, Out of Africa, existem também algumas diferenças. Um facto curioso proveniente de um dos primeiros trabalhos do cromossoma Y veio revelar que o antepassado paterno mais próximo do ser humano seria pelo menos 80 000 anos mais jovem do que o ADN mt comum mais recente a que se chegou: na linhagem paterna, o parente homem mais perto de nós, o Adão, habitou África há cerca de 60 000 anos. Este resultado suscitou afirmações de que Adão e Eva nunca se conheceram por não terem sido contemporâneos. Na verdade, esse estudo demonstrou que os ancestrais masculino e feminino, que resistiram à passagem do tempo e que nos formam, não surgiram ao mesmo tempo. A constatação foi inesperada, pois julgava-se que ambos seriam influenciados de forma semelhante pela história evolutiva. Dito isto, importa repetir que as reconstruções filogenéticas permitem encontrar um ancestral comum mais recente das linhagens actuais. Isto não significa, porém, que estamos mesmo a detectar os primeiros seres humanos, já que estes podem não ter conseguido transmitir a sua linhagem ate aos nossos dias. Os estudos genéticos tentam colmatar esta limitação através de duas estratégias: (1) estudando o maior numero de indivíduos representativos de todas as regiões geográficas mundiais; (2) analisando marcadores genéticos diversos que possibilitem um maior poder de discriminação genética. Ambas as estratégias aumentam a probabilidade de se conseguir recuar mais no tempo. E, de facto, o poder informativo do cromossoma Y é inferior ao do ADNmt, pelo que uma limitação técnica pode explicar a idade mais jovem do Adão. É possível que esta questão seja resolvida em breve, visto que continuam a ser investidos grandes esforços na descoberta de novos polimorfismos no cromossoma Y. Entretanto, outras explicações permanecem válidas. Uma delas é, por exemplo, o facto de a diferença de idade entre a Eva e o Adão primordiais indicar que o ADN mt e o cromossoma Y são influenciados de formas diferentes pela selecção natural ou sexual, com selecção positiva direccional do cromossoma Y (quando se promove uma rápida fixação de um alelo na população, eliminando-se a restante diversidade). Mas esta hipótese tem sido simultaneamente difícil de provar e de refutar. Vários cientistas preferem explicar as diferenças entre o ADN mt e o cromossoma Y com base no tamanho efectivo entre os géneros da população humana (os indivíduos que vão passar os seus genes à geração seguinte e não propriamente o numero de indivíduos que constituem a população), favorecendo uma maior diversidade de linhagens femininas devido a fenómenos demográficos, tais como as formas de acasalamento (monogamia, poligamia e outras) e as taxas de migração diferenciais.

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Um outro aspecto curioso prende-se com o facto de quando se começou a comparar várias medidas de diversidade genética entre os marcadores maternos e paternos , a uma escala geográfica alargada, nomeadamente a europeia, se ter constatado que a diversidade feminina era bem mais homogénea, não se notando acentuados gradientes de frequências de linhagens, por oposição a uma elevada heterogeneidade para os marcadores masculinos, com fortes gradientes de frequências. Vários grupos de investigação tentaram desenvolver e testar hipóteses explicativas deste fenómeno. Os testes passaram por simulações computatoriais de avaliação do efeito da alteração de parâmetros demográficos nos resultados de divergência genética. Esta situação pode ser explicada por o homem ter um período fértil maior que o da mulher e, como tal, poder reproduzir-se mais, aumentando a probabilidade de ocorrência de mutações e, assim, diferenciação de linhagens.

Capítulo 4 Mecanismos técnicos inerentes ao processo Todas as análises e comparações efectuadas, que permitem chegar às conclusões apresentadas, resultam da aplicação de inúmeros mecanismos técnicos. Na verdade, sem a tecnologia e conhecimento técnico nada disto seria possível conhecer. Deste modo, para perceber como é que os genes podem contar a nossa história torna-se importante perceber não só como é que a informação está escrita no genoma como também entender como é que os cientistas lêem essa informação. Importa assim conhecer quais os equipamentos e quais as técnicas inerentes a este grande processo de descoberta do passado. O primeiro passo consiste, como é óbvio, na recolha do ADN para uma posterior análise. Quando se trata de ADN antigo, este pode ser recuperado a partir de material arqueológico ou histórico, de tecidos mumificados, de amostras de gelo e permafrost (terra e rochas permanentemente congeladas), de sedimentos marinhos ou de lagos, entre outros. Quando é necessário recolher ADN actual, este pode ser recolhido através do sangue recolhido ou através do esfregaço bucal.

Após a recolha do ADN, seguem-se então vários processos capazes de demonstrar a informação contida nos genes. Assim, para estudar uma rota migratória, após a recolha de ADN, segue-se a sua extracção e posterior amplificação através de PCR. Depois de se obter uma grande quantidade de ADN, sujeita-se o mesmo a uma electroforese em gel e, em

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seguida, a uma electroforese capilar. Por fim submete-se a amostra a uma sequenciação de forma a conhecer a sequência de bases do segmento de ADN que foi utilizado. Antes do início das técnicas é, contudo, necessário purificar o material genético, assim como, durante todo o processo, ter em atenção os cuidados inerentes ao trabalho de investigação, ou seja, é necessário rigor e, para isso, é essencial garantir a purificação das amostras, a presença de um controlo negativo e, para além disso, o cumprimento das regras no laboratório. Em seguida serão explicitados os diferentes processos de análise referidos. PCR

O processo de PCR foi descrito pela primeira vez por Kary Mullis (fig. 45), em 1983, tendo-lhe sido posteriormente atribuído, em 1993, o Prémio Nobel da Química pelo seu trabalho. Mais tarde, em 1989, a Hoffman La Roche & Perkin-Elmer Corporation patenteou este processo.

Figura 45: Kary Mullis

A PCR é uma técnica que ocorre in vitro e que permite obter várias cópias de uma molécula de ADN. Desta forma, sem necessidade de recorrer a células vivas para produzir ADN, é possível amplificar pequenas amostras iniciais obtendo milhões de cópias de um fragmento em poucas horas e de forma semelhante à que ocorre nas células. Esta técnica é utilizada quando a amostra de ADN é reduzida e se se pretende obtê-la em maior quantidade.

A técnica PCR ocorre por ciclos, duplicando-se em cada um deles o número de moléculas de ADN. Em cada ciclo ocorrem três fases: 1ª Fase - A molécula original de ADN é desnaturada sendo sujeita, para tal, a temperaturas elevadas (na ordem dos 95ºC) que quebram as ligações de pontes de hidrogénio entre as bases complementares. 2ª Fase - Ocorre o emparelhamento dos primers, que são pequenos fragmentos de ADN que marcam, em cada cadeia, os limites de porção a replicar; ou seja, são específicos. Este processo ocorre a uma temperatura adequada ao emparelhamento específico dos primers com cadeias molde e tem como objectivo amplificar apenas a porção de ADN compreendida entre dois primers. Os primers são iniciadores e são indispensáveis pois as enzimas ADN polimerase não conseguem começar a polimerizar a partir de uma cadeia simples de ADN. Estes primers vão emparelhar com o ADN fazendo com que a cadeia se torne dupla.

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3ª Fase - Ocorre a síntese de ADN que é uma etapa que se processa a 72ºC e que requer a presença de nucleótidos e de ADN polimerase, que reconhece e se associa às secções do ADN em cadeia dupla onde se encontram os primers. Este processo de polimerização permite a elongação da cadeia de ADN entre os iniciadores.

Figura 46: Esquema ilustrativo da técnica de PCR

Para iniciar um novo ciclo de amplificação (visto que são precisos vários até possuir uma amostra consistente), é necessário aquecer novamente a reacção, de forma a separar as cadeias de ADN. Todavia, este aquecimento provoca a inactivação definitiva da maioria das polimerases, obrigando a adicionar novamente quantidades de enzima por cada ciclo. Para ultrapassar este problema, os cientistas extraíram ADN polimerase de bactérias termófilas que habitam em fontes termais com água extremamente quente, visto que as suas enzimas resistem a temperaturas superiores a 100ºC. Assim, é apenas necessário adicionar a enzima no inicio da experiência, pois esta resistirá a todos os ciclos de aquecimento e arrefecimento. A enzima mais utilizada é a Taq polimerase e permite, portanto, a automatização deste processo. Em síntese, numa reacção de PCR é necessário: - Molécula de ADN que se pretende amplificar e um par de iniciadores específico; - Quatro tipos de nucleótidos (A,T,C,G) ; - ADN polimerase (Taq); - Solução-tampão que impeça variações de pH e que contenha Mg2+ que é um ião essencial para a actividade da ADN polimerase.

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Electroforese

A electroforese foi introduzida cientificamente em 1939 por A.Tiselius e A.E. Kabat com o objectivo de separar partículas orgânicas, continuando a ser extremamente importante na rotina laboratorial actual. Electroforese em gel é uma técnica de separação num gel de agarose onde moléculas electricamente negativas, normalmente de ADN ou ARN, quando sujeitas a um campo eléctrico migram do pólo negativo para o positivo. As moléculas são separadas de acordo com o seu tamanho, pois as de menor massa irão migrar mais rapidamente que as de maior massa e consequentemente afastar-se-ão mais da sua posição inicial. No caso específico do ADN, quando este é sujeito a um campo eléctrico, migra para o pólo positivo devido às cargas negativas dos grupos fosfato que compõem os nucleótidos e que são, portanto, atraídas para este pólo. Como ocorre o processo? Inicialmente transfere-se a amostra de ADN para poços formados na extremidade negativa de um gel de agarose. A agarose é um polissacarídeo, e forma uma rede que segura as moléculas durante a migração. Dependendo da concentração de agarose, tem-se uma diferença no gradiente de separação. Para preparar um gel de agarose, é necessário misturar simplesmente pó de agarose e solução tampão (TBE). Após ocorrer a fusão, coloca-se brometo de etídio que fará o ADN ou ARN "brilhar" quando estiver exposto à radiação ultravioleta.(havendo contudo outros procedimentos semelhantes). Quando a mistura arrefecer, o gel estará duro e esse endurecimento é feito num local apropriado, no mesmo local onde será feita a electroforese. De seguida são feitos os poços, local onde é colocado o ADN para que ele possa mais facilmente migrar quando sujeito ao campo eléctrico.

Figura 47: Resultado de uma electroforese, onde após a migração dos fragmentos de ADN é possível verificar a distância percorrida desde os poços até à sua posição final.

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A técnica de electroforese é amplamente utilizada em estudos de genética populacional e não só. O seu uso nesses estudos pode ser aplicada com o intuito de: 

Selecionar fragamentos, ou seja, associando numa electroforese o ADN a enzimas de restrição é possível cortar o ADN em vários fragmentos consoante o número de sequências complementares existentes na molécula, o que possibilita por sua vez, não só seleccionar fragmentos mais pequenos para estudos em vez de se trabalhar com a molécula inteira de ADN, como também comparar o padrão de fragmentos formados com um já conhecido para se ficar a saber se um indivíduo tem uma determinada sequência no seu ADN que lhe permite inserir num haplogrupo.

Conhecer o tamanho dos fragmentos, ou seja, quantos pares de bases tem o fragmento de ADN que se está a estudar. Coloca-se num dos poços uma solução padrão que se adquire e onde está registado, para várias consistências do gel, o tamanho dos fragmentos que se irão formar após a sua migração no gel.

Figura 48: Como se pode ver na figura, as várias bandas horizontais situadas mais à esquerda

servem

de

termos

de

comparação para as restantes, pois o padrão que se adquire permite saber que a banda x corresponde a y pares de bares.

Sequenciação

O método de sequenciação foi inventado por Frederick Sanger em 1977. Este método é ainda utilizado actualmente, embora com algumas modificações nos aparelhos para tornar o método mais rápido e barato.

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Como ocorre o processo? É colocado em quatro tubos várias cópias do ADN que se quer, juntamente com primers, ADN polimerase e nucleótidos. Em cada um dos tubos é colocado um nucleótido alterado, que tem um corante fluorescente e a ausência do grupo –HO- no 3` carbono da pentose (desoxirribose). Este novo nucleótido tem o nome de dideoxinucleótido e cada um deles tem uma designação diferente de acordo com a base que tem, como se pode ver na figura seguinte.

CORANTE FLUORESCENTE

Legenda: Representação geométrica dos quatro dideoxinucleótidos, onde a sigla ddCTP regpresenta o nucleótido que tem a base guanina, o ddATP o que tem adenina, o ddTTP o que tem timina e por fim ddCTP, o que tem citosina. Para além disso está também representado o corante fluorescente.

De seguida, dá-se a desnaturação da dupla cadeia, o que possibilita que o primer se ligue ao inicio da cadeia. A ADN polimerase, seguidamente, polimeriza a reacção de elongação, onde os nucleótidos são adicionados à cadeia de ADN, respeitando a complementaridade A-T e C-G. A incorporação ocasional de um dideoxinucleótido pára a -

síntese, pois a ausência do grupo –OH no 3’ carbono bloqueia a adição do próximo nucleótido.

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No final do processo em cada um dos quatro tubos existirão muitos fragmentos com tamanhos variados e terminando todos eles num único dideoxinucleótido.

De seguida, sujeitam-se os fragmentos a uma electroforese que irá separar os vários fragmentos por tamanhos.

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No final da electroforese encontra-se um lazer que irá reagir com o corante fluorescente que cada um dos fragmentos tem na sua extremidade. Os fragmentos mais pequenos, pelo seu tamanho, são de esperar que percorram o gel de electroforese mais rapidamente e sejam por isso os primeiros a ser lidos pelo lazer, conseguindo-se, deste modo, uma sequência na qual é possível associar um comprimento de onda captado pelo lazer e emitido pelo corante de cada dideoxinucleótido a um dos quatro nucleótidos diferentes.

No final o resultado é apresentado como se mostra na figura seguinte, onde cada letra está associado a um comprimento de onda captado pelo lazer.

Figura 49: Conjunto de imagens ilustrativas do processo de sequenciação

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Actualmente o método mais usado para se obter a sequência de bases azotadas de uma molécula de ADN é ainda o mesmo, contudo o melhoramento da tecnologia permitiu que os novos aparelhos de sequenciação evoluíssem no sentido em que já é possível sequenciar molécula de ADN tendo como bases apenas uma dessas molécula e não inúmeras cópias como era costume.

Dificuldades de análise do ADN Apesar de todas as vantagens que o ADN nos pode trazer, o recurso às técnicas referidas e a sua análise nem sempre são fáceis, exigindo para além de material sofisticado e tecnologia adequada, elevados custos monetários. Para além disso, existem ainda outros problemas que podem ocorrer em laboratório, como por exemplo, a contaminação do material genético. A contaminação do ADN é um assunto de extrema importância, principalmente nas técnicas de PCR de alta sensibilidade. O ADN contaminante pode originar contaminações cruzadas entre amostras, resultando assim dados incorrectos e resultados não fiáveis. Actualmente, calcula-se que mais de 18% dos genomas que foram sequenciados até agora estão contaminados com ADN humano. Com isto, muitos laboratórios adoptaram medidas e, então, determinam previamente o perfil de ADN dos seus analistas, de modo a que a contaminação por parte de um analista possa ser detectada pelo aparecimento do seu perfil na reacção do controlo negativo Na maioria das vezes, essa contaminação é facilmente identificável. Contudo, detectar a contaminação com ADN de outras amostras pode ser mais problemático. Por este motivo, os laboratórios guiam-se por protocolos rígidos para evitar a contaminação do ADN, e a maioria realiza ―testes de competência‖ para garantir que a contaminação é um evento raro. Os problemas de contaminação agravam-se ainda mais quando se trata de ADN antigo (ADNa). Apesar de os genes das populações actuais, através da comparação de polimorfismos poderem recontar o nosso passado, como anteriormente explicado, o ADNa permite corroborar as conclusões encontradas e, ainda, responder a várias outras questões. É possível encontrar ADNa em ossos, dentes, coprólitos e sedimentos. No entanto, a obtenção de resultados não é fácil. Após a morte dos organismos, o ADN sofre a actuação de

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agentes físicos e químicos e é danificado, para além de poder ser contaminado por ADN exógeno. Após a morte, o ADN é rapidamente degradado pela acção de endonucleases. A acção destas enzimas pode ser abortada em condições particulares mas, ao longo do tempo, outros processos podem danificar o material genético. Nas células vivas, o ADN está protegido por sistemas de monitorização e reparação. Após a morte, estes sistemas param de funcionar e o assalto físico-químico pode prosseguir sem oposição. Em consequência deste assalto, o ADN recuperado dos ossos e de outros tecidos de humanos mortos há muito tempo está severamente danificado por clivagem da estrutura açúcar-fosfato (a ―coluna vertebral‖ do ADN), o que faz com que a molécula se encontre fragmentada, com nucleótidos a menos, com nucleótidos alterados quimicamente e com ligações açúcar-fosfato cruzadas entre e dentro de moléculas. A clivagem da estrutura açúcar-fosfato produz fragmentos muito curtos, com algumas centenas de pares de bases. A perda de bases provoca a incorporação errada de bases durante a PCR, enquanto que as ligações cruzadas ou os derivados oxidados da citosina e da timina bloqueiam a acção da enzima polimerase e param a sua síntese. Os fragmentos mais longos que podem ser amplificados têm apenas 100 a 200 pares de bases. Além desta questão inerente, outra dificuldade para os investigadores que pretendem estudar restos humanos antigos é o dos fósseis serem raros e preciosos: os conservadores dos museus e os paleontólogos não são favoráveis a uma análise destrutiva quando percebem que as probabilidades de sucesso são baixas. A sobrevivência do ADN numa amostra antiga é influenciada pelas condições ambientais a que foi sujeita desde a sua deposição. Quanto maior a temperatura, a humidade, o pH e a salinidade, maior é a degradação do ADN. Contudo, mesmo em boas condições, não se mantém viável mais de um milhão de anos e, na maioria das vezes não resiste mais de 100 000 anos. Caso esteja preservado em gelo o limite pode, porém, ser alargado cerca de duas a três vezes. Outro problema grave que o estudo do ADNa tem enfrentado é o da contaminação. Como já foi referido, o ADNa está disponível em quantidades muito pequenas, está degradado e a sua amplificação é difícil. Pelo contrário, o ADN moderno está, comparativamente, em boas condições e a sua amplificação é muito fácil. Este problema aplica-se a todo o ADN antigo mas é mais grave no estudo de amostras de hominídeos. Se durante o estudo do mamute, por exemplo, um dos investigadores contribuir inadvertidamente com o seu próprio ADN para a amostra entre o tempo em que a amostra foi recolhida e o tempo da PCR, mesmo que seja amplificado (utilizando primers universais para o ADN mitocondrial) será facilmente

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diferenciado do ADN antigo devido a diferenças significativas na sua sequência. Por outras palavras, existe um sinal filogenético no ADNa do mamute que o distingue do ADN moderno, provando assim a sua autenticidade. O principal obstáculo ao estudo de ADN de humanos é, assim, o facto de a espécie humana ser muito jovem e, como tal, ser difícil distinguir o que é antigo e o que é moderno. Existem, deste modo, riscos de contaminação do ADN, quer no processo de escavação e recolha, quer no próprio laboratório por diferentes meios (pessoal técnico, reagentes, água, ar/ambiente do laboratório). A melhor forma de contornar esta questão é através da prevenção. Só através de um controlo adequado é possível evitar os problemas de contaminação do ADN. Desta forma, no local arqueológico de recolha do material genético deve ser usado vestuário protector que cubra todo o corpo e os restos orgânicos, após serem recolhidos, não podem ser lavados, devendo ser imediatamente congelados. Posteriormente, no laboratório, as medidas devem ser continuadas, sendo necessária a utilização de vestuário de protecção e a esterilização de todos os equipamentos e salas destinadas à análise. Como medidas adicionais pode-se realizar a extracção do ADN com solventes orgânicos e ainda a tipagem de todos os técnicos que trabalham no laboratório. O estudo do ADN tem assim enfrentado vários problemas porque, além de estar disponível em quantidades muito pequenas, está degradado e susceptível a contaminações, sendo a sua amplificação bastante difícil. Já o ADN moderno, como está, comparativamente, em boas condições, a sua amplificação torna-se mais fácil. Apesar de tudo, o ADN é já uma importante fonte de informação e, a prevenção da contaminação e os melhoramentos técnicos vão certamente permitir contar a história natural da espécie humana de uma forma ainda mais profunda.

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CONCLUSÃO A dispersão do Homem Moderno foi, com certeza, um dos maiores sucessos de sempre da humanidade e mesmo da história da vida. Desde sempre o homem migrou esperando melhorar as condições de vida descobrindo novos recursos noutros recantos do mundo. Fruto da pressão dos números e da competição por recursos, os indivíduos foram-se espalhando, constituindo novos ramos na árvore genealógica. Essa árvore estende-se até ao passado, mas num processo de convergência. Ou seja, recuando no tempo, seguindo a linhagem de cada um de nós, o ponto de chegada é igual, para todos. E isto, devolvendo ao tempo a sua característica de passar, quer dizer que o ponto de chegada para nós foi, um dia, o ponto de partida para ele, o nosso ancestral. Através da história contada pelos fósseis e outros vestígios, as pessoa e os seus genes é possível traçar todo um passado longínquo. A base deste tipo de análise reside no facto de os genomas actuais derivarem de genomas passados por acumulação de mutações e de esta história evolutiva se manter intacta nas porções do genoma com transmissão uniparental (DNAmt e do cromossoma Y), devido à ausência de recombinação, mostrando que, apesar de toda a diversidade, somos todos iguais. De facto, as diferenças que, aparentemente, nos diferenciam, começam a parecer cada vez mais pequenas. A verdade é que cerca de 99,9% do ADN é igual em todos os habitantes da Terra sendo que apenas 0,1% do nosso genoma é responsável pelas diferenças que observamos. E, no fim, o facto é este: as diferenças entre nós são apenas superficiais. Somos todos membros de uma espécie jovem que retrocede menos de 200.000 anos e todos somos parentes surpreendentemente próximos. Essa é a história que surgiu do estudo de pedras, ossos e de nossos genes. Seja onde for que terminemos mundo fora, somos africanos sob a pele. E revelando essa história, refazendo os passos de nossos ancestrais, foi-nos dado um senso profundo da nossa humanidade comum, do nosso passado compartilhado e nosso futuro juntos.

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ANEXOS

Anexo 1 – Ilustração da primeira árvore representativa da origem das espécies, por Darwin.

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Anexo 2 - Árvore elaborada com base no ADN mitocondial

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Anexo 3 – Mapa migratório construido com base em análises do ADN mitocondrial, com referencia quer aos haplogrupos quer às suas datações.

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Anexo 4 - Árvore do cromossoma Y

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