Ensaio sobre Dia Internacional Idoso

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1 OUTUBRO 2020

ENSAIO JSD PORTO DIA INTERNACIONAL DO IDOSO

INDÍCE IDOSOS EM PORTUGAL

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PROBLEMAS E SOLUÇÕES

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ANTÓNIO TAVARES E JSD PORTO

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ENSAIO DA AUTORIA DE GONÇALO MOREIRA Hoje celebra-se o Dia Internacional do Idoso. 30 anos depois da sua institucionalização pelas Nações Unidas é um passo importante para a diminuição das assimetrias intergeracionais. Em plena pandemia do Covid-19, este dia assume uma particular importância na renovação da nossa atenção e consciência cívica perante este conjunto de concidadãos, muitas vezes esquecido pela nossa sociedade.

Este é o grupo etário mais vulnerável ao vírus e o

Um estudo da Organização Mundial de Saúde

mais afetado pelos constrangimentos no SNS e

que envolveu 53 países aponta que 39,4% do

nós – familiares, jovens, decisores políticos –

total das idosas portuguesas são vítimas de

manifestamente falhamos em protegê-los.

violência (OMS, 2011) e segundo a OCDE,

O exemplo dos lares é paradigmático desse fracasso e de uma realidade paralela que insistíamos em desconhecer ao longo dos anos. A OMS chamou-lhe recentemente “a bancarrota moral”.

5% DOS IDOSOS COM IDADE SUPERIOR A 80 ANOS BENEFICIAM DE CUIDADOS DE LONGADURAÇÃO EUROFUND, 2017

De facto, estes dados corroboram uma outra estatística, do Eurofound, que conclui que menos de 5% dos idosos com idade superior a 80 anos beneficiam de cuidados de longaduração em lares ou em casa, apenas com a Polónia em pior posição, e muito atrás de praticamente todos os países europeus que facilmente atingem ou ultrapassam os 40% de idosos assistidos dentro ou fora do domicílio (Eurofound, 2017). Este dado explica, aliás, o facto – enaltecido pela Sra. Ministra Ana Mendes Godinho na sua entrevista de agosto ao Expresso – de que teríamos em meados de agosto 38,8% das vítimas mortais da covid-19 ocorreram em lares de idosos, uma percentagem mais baixa em comparação com outros países europeus (França era de 50% e em Espanha de 60%) (Expresso, 2020).

JSD PORTO

Infelizmente, a Sra. Ministra não mencionou a nossa baixa taxa de institucionalização que, muito provavelmente, se deve ao facto da maioria das famílias portuguesas não conseguir comportar os custos associados a esses serviços de cuidados sociais ou de saúde e a comparticipação estatal ser insuficiente (segundo Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), a comparticipação do Estado andará na ordem dos 400 euros, contra os mil euros pagos em Espanha, por exemplo) (Expresso, 2020).

A BAIXA TAXA DE INSTITUCIONALIZAÇÃO QUE, MUITO PROVAVELMENTE, SE DEVE AO FACTO DA MAIORIA DAS FAMÍLIAS PORTUGUESAS NÃO CONSEGUIR COMPORTAR OS CUSTOS

Portugal é dos que menor percentagem do seu PIB gasta com despesa em cuidados sociais e de saúde de longa duração – 0,5% do PIB, os mesmos que os Estados Unidos, mas mais baixo que a média de 1,7% e muito abaixo de países como os Países Baixos (3,7%) ou a Noruega (3,3%) (OECD, 2020).

Apesar da questão financeira, os lares continuam lotados (média de 93% de taxa de ocupação, obrigando 60% dos idosos a irem para lares fora do seu concelho) e fomentam a origem de lares clandestinos com ainda piores condições (Social, 2018). Contudo, percebe-se uma tendência crescente tanto do número de centros como da sua capacidade, com mais uma centena de residências e 4300 novas vagas desde 2014 (Social, 2018). Relativamente aos profissionais que colaboram nas instituições sociais, mesmo confirmando o seu esforço e forte sentido de missão, ainda subsistem problemas que resultam dos baixos níveis de qualificação e salariais que auferem e para os quais o governo tem demonstrado pouca abertura ou celeridade nos vários planos já anunciados. Só agora, depois de sete meses dos primeiros casos registados em Portugal, é que o Governo se comprometeu em aumentar a rede geral de cuidados continuados até 5.500 novas camas e aumentar os profissionais nas equipas de cuidados domiciliários e as respostas no regime ambulatório.

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ENSAIO DA AUTORIA DE GONÇALO MOREIRA É uma medida importante mas peca por tardia – sem referir a sua implementação, que ainda é uma incógnita. Também só agora o governo português criou um conjunto de brigadas de intervenção rápida (médicos, enfermeiros, psicólogos, pessoal auxiliar) com capacidade para auxiliarem os lares antes, durante e depois de um eventual surto. Mas estas brigadas não serão verdadeiramente de emergência médica, dadas as reticências dos médicos em aderirem ao programa, devido às más condições de segurança que acarretam e a elevada responsabilidade que podem incorrer (Expresso, 2020). Para além disso, faltam atualmente nutricionistas nos lares e no auxílio ao domicílio em Portugal e a sua contratação não está prevista nos planos do governo. Segundo Alexandra Bento, presidente da Ordem dos Nutricionistas, num total de 5138 de lares sob a alçada do Instituto da Segurança Social (ISS) apenas 173 contam com a presença de nutricionista. Sabemos que a uma alimentação equilibrada é essencial, não só para a saúde e qualidade de vida de qualquer pessoa (em particular dos mais idosos, que face à avançada idade vão acumulando comorbilidades), como também fomenta a prevenção de doenças e a redução de consumo de medicação.

Mas neste domínio a realidade não é animadora. De acordo com um estudo à população idosa da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto em 2016 (que já na altura analisava o impacto do isolamento na nutrição dos idosos), 15% da população idosa apresentava sinais de desnutrição ou está em risco de desnutrição, apesar de quase 90% terem excesso de peso ou obesidade. Para além da questão do isolamento, conclui-se nesse estudo que a desnutrição pode ser causada pelo acesso limitado aos alimentos, à incapacidade de preparar as refeições, por problemas económicos e por uma locomoção reduzida (Amaral, Borges, & et al., 2016). É necessário contratar mais nutricionistas para combater este dramático problema para assistir os mais idosos no seu domicílio ou em lares – com o devido planeamento e acompanhamento personalizado – e tornar obrigatório um número mínimo de nutricionistas por um determinado número de doentes por instituição. A proposta da presidente da Ordem parece sensata para a JSD Porto: um profissional a tempo inteiro por cada 40 utentes (número igual ao já estabelecido para os enfermeiros).

JSD PORTO

Outro grave problema que se acentuou drasticamente desde o início desta pandemia está relacionado com os efeitos catastróficos do isolamento na saúde mental dos mais velhos, que se sentem ainda mais abandonados pelas famílias, pelas comunidades e pelo país. Não se conhece ainda qualquer programa do governo de apoio psicológico generalizado aos utentes dos lares, nem a todos aqueles que diariamente cuidam da nossa população mais vulnerável, sejam eles idosos ou crianças. Para além das mortes decorrentes do Covid-19, há ainda o excesso de mortalidade com origem noutras doenças e que, mais uma vez, afeta desproporcionalmente a camada mais velha da população. Esta tendência tem a ver com a falta de acesso aos serviços de saúde (menos 100 mil cirurgias, 1 milhão de urgências e 7 milhões de consultas nos primeiros 7 meses do ano comparando com o período homólogo (CM, 2020)), mas também com a proibição de visitas durante o internamento hospitalar a todos doentes, inclusivamente àqueles que testaram negativo ao vírus (com exceção dos doentes em fase terminal, que estão autorizados a receber visitas). Naturalmente, este fator pode ter influenciado no momento de acudir ao serviço de urgências, mesmo quando se trata de doenças ou acidentes potencialmente gravosos. Esta proibição deve terminar o quanto antes.

Uma das alternativas à dramática decisão de proibir visitas nos lares – apenas aceitável e compreensível no início da crise pandémica em Portugal – consiste na possibilidade de os funcionários ficarem voluntariamente em regime de exclusividade com eventual internamento rotativo por equipas. Atualmente, estes profissionais, acumulando atividades em locais infetados, inclusivamente em hospitais, estão a pôr em risco os utentes dos lares onde prestam assistência, para além dos seus familiares e eles próprios. Ao trabalhar exclusivamente para uma instituição e/ou ao residirem dentro das instalações contribuiriam para a quebra de focos de contágio. Esta estratégia poderia contar com o apoio financeiro da Comissão Europeia, através um novo regime de pagamento e eventual apoio social às famílias destes trabalhadores até ao fim da epidemia. Estudos sobre os resultados da experiência francesa com este tipo de estratégia confirmam a sua maior eficácia na mitigação do efeito de contágio do vírus (Belmin, Um-Din, Donadio, & al, 2020).

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ENSAIO DA AUTORIA DE GONÇALO MOREIRA Na entrevista realizada a António Tavares no podcast habitual da JSD Porto, o Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto deixou algumas sugestões para apoiarmos e tratarmos melhor a nossa população idosa. Uma das prioridades deverá ser criar na orgânica governamental uma estrutura dedicada a estudar e legislar a forma como se envelhece em Portugal – “tal como existe uma secretaria de Estado para a Juventude, terá de existir uma para os idosos”. A JSD Porto realçaria adicionalmente a importância de um gabinete interministerial no âmbito das políticas do envelhecimento que pudesse facilitar e aprofundar a comunicação e o fluxo de conhecimento de problemas e soluções entre os vários ministérios com interesse na matéria – algo que manifestamente esteve em falta, desde o início da pandemia, na abordagem governamental aos problemas dos lares e sobre o qual o PSD já pediu uma subcomissão parlamentar. Para além disso, a JSD tem vindo a defender aquilo que António Tavares também realçou no que toca a uma maior descentralização nos cuidados sociais e de saúde aos mais idosos, com o Estado a delegar mais funções no setor social (“o Estado não pode ter medo de contratualizar junto do setor social”) e, em contrapartida, exigir o cumprimento de objetivos pré-estabelecidos. O Provedor afirmou também, numa outra entrevista (Público, 2020), ser urgente começar a pensar em novos tipos de alojamento coletivo, defendendo um menor número de utentes por instituição e a irradicação dos lares clandestinos. Neste âmbito, seria importante todos fazermos uma análise séria e alargada acerca da qualidade e viabilidade de modelos semelhantes ao co-housing já existentes noutros países, com residência privadas e áreas comuns (como a cozinha, biblioteca, jardins ou ginásio). Este tipo de modelos visam promover o poder de escolha e independência de cada pessoa, ao mesmo tempo que fomenta uma maior interação e sentimento de partilha e realização pessoal.

TAL COMO EXISTE UMA SECRETARIA DE ESTADO PARA A JUVENTUDE, TERÁ DE EXISTIR UMA PARA OS IDOSOS

Os lares não podem continuar a ser vistos como estruturas residenciais onde deixamos os nossos familiares mais velhos, mas sim como a primeira linha dos cuidados de saúde a estas pessoas que, cada vez mais, envelhecem mais cultas e exigentes

de

uma

qualidade

de

vida

particularmente do ponto de vista físico – que faça jus ao seu vigor intelectual. Faz parte das competências

do

Estado

com

a

ajuda

da

sociedade civil tomar as diligências necessárias para

que

esse

envelhecimento

seja

digno,

estimulante e o mais livre possível. A JSD Concelhia do Porto aproveita o simbolismo do dia de hoje para agradecer à geração mais velha pelo seu papel na construção do Portugal democrático,

europeu

e

gerador

de

mais

oportunidades para os jovens de hoje. Essa geração mais velha viveu e demonstra um grande espírito de sacrifício e sentido de trabalho, para que pudesse proporcionar uma vida mais bem-sucedida e preenchida aos jovens de hoje. Empenhar-nos-emos, como estrutura partidária, a aprofundar o debate em matéria de um melhor envelhecimento ativo e a não deixar cair no esquecimento o sofrimento por que muitos idosos passaram, em particular nos últimos meses, e as péssimas condições nas quais ainda hoje muitos vivem. Aos jovens que nunca se imiscuíram das suas funções familiares e sociais para com os mais velhos, e, em particular, às

O ESTADO NÃO PODE TER MEDO DE CONTRATUALIZAR JUNTO DO SETOR SOCIAL

crianças cuja infância tem sido sonegada (e que dificilmente será recuperada) em nome de um vírus que mal as afeta, a nossa profunda admiração e sentido de humildade no nosso trabalho para lhes proporcionar um futuro mais próspero em Portugal.

Referências Amaral, T., Borges, N., & et al. (2016). Investigadores realizam estudo sobre a desnutrição da população idosa. Nutrition UP 65 - nutritional strategies facing an older demography. Obtido de https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/isolamento-de-idosos-pode-levar-desnutricao-desidratacao-e-obesidade Belmin, J., Um-Din, N., Donadio, C., & al, e. (agosto de 2020). Coronavirus Disease 2019 Outcomes in French Nursing Homes That Implemented Staff Confinement With Residents. Obtido de https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2769241 CM. (9 de setembro de 2020). Menos 7 milhões de consultas em centros de saúde no primeiro semestre de 2020. Correio da Manhã. Obtido de https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/menos-7-milhoes-de-consultas-em-centros-de-saude-no-primeiro-semestre-de-2020 Eurofound. (2017). Care homes for older Europeans: Public, for-profit and non-profit providers. Luxembourg: Publications Office ofthe European Union. Obtido de https://www.euro.centre.org/downloads/detail/3059 Expresso. (15 de agosto de 2020). A dimensão dos surtos nos lares não é demasiado grande. Expresso. Obtido de https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2494/html/primeiro-caderno/em-destaque/a-dimensao-dos-surtos-nos-lares-nao-e-demasiado-grande Expresso. (19 de setembro de 2020). Covid-19: Médicos recusam integrar brigadas rápidas dos lares. Expresso. Obtido de https://expresso.pt/sociedade/2020-09-19Covid-19-Medicos-recusam-integrar-brigadas-rapidas-dos-lares OECD. (2020). OECD Health Statistics 2020. Obtido de https://www.oecd.org/els/health-systems/long-term-care.htm OMS. (2011). European report on preventing elder maltreatment. Obtido de https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0010/144676/e95110.pdf Público. (27 de abril de 2020). Lares de idosos: há utentes “a desistir da vida” e funcionários marginalizados por colegas e familiares. Público. Obtido de https://www.publico.pt/2020/04/27/sociedade/reportagem/lares-idosos-ha-utentes-desistir-vida-funcionarios-marginalizados-colegas-familiares-1913946 Social, C. (2018). Rede de Serviços e Equipamentos.

JSD PORTO

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