Economia Solidária – O Sindicalismo e as Políticas de Combate ao Desemprego
Sumário:
Introdução...............................................................................................................4 Notas Metodológicas...............................................................................................7 Capítulo I – Contexto Histórico................................................................................8 Capítulo II – A Teoria e a História da Economia Solidária.....................................15 Capítulo III – Análise comparativa de dois projetos solidários...............................33 Capítulo IV – Trabalhadores Cooperativados: perfil, situação e expectativas.......41 Capítulo V – A visão do Movimento Sindical, Governo e OCERGS sobre as Cooperativas.....................................................................................51 Conclusão..............................................................................................................57 Bibliografia.............................................................................................................61 Anexos...................................................................................................................64
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DEDICATÓRIA
Dedico este livro à meus pais, Alaides Oliveira Torves e
José Antonio da Rosa Torves (homenagem póstuma).
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AGRADECIMENTOS
Agradeço ao colega Cristiano Nunes pela paciência e colaboração na realização deste trabalho.
Agradeço também a Fernanda Schutz da CUT que prestou valiosas colaborações.
Agradeço aos companheiros sindicalistas Jaime José Basso, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Erechim e ao Niro Bairros, presidente da GERALCOOP, que muito contribuíram no acesso as cooperativas, quando da realização da pesquisa.
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INTRODUÇÃO
Neste trabalho, procuramos respostas para uma inquietação que nos acompanhava enquanto dirigente sindical e acadêmico de Ciências Sociais e que vieram à tona durante o semestre de 2001/01, na disciplina Sociologia Aplicada à Realidade Brasileira ministrada pela Prof. Elizabeh Pedroso, depois orientadora deste trabalho e que foi decisiva para a decisão sobre o tema: o movimento sindical, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), no Rio Grande do Sul, desenvolve políticas para combater o desemprego? Essa indagação nos conduziu à formulação de uma hipótese de trabalho: de que o movimento sindical cutista gaúcho desenvolve políticas de combate ao desemprego e desenvolve atividades e instrumentos para aumentar a cultura da Economia Solidária entre os dirigentes sindicais e os trabalhadores, investindo em formação e na criação de uma nova cultura solidária. A busca de sua comprovação nos levou a desenvolver várias etapas da pesquisa. O primeiro passo foi contextualizar o período político, econômico e social da sociedade, as transformações e conseqüências deste momento, tanto no nível
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internacional como nacional – contexto esse que provocou estudos recentes e iniciativas de Economia Solidária – o resultado dessa etapa consta do 1º capítulo. O segundo passo foi pesquisar a bibliografia nacional sobre Economia Solidária, tendo como referência o professor Paul Singer, Marcos Arruda e José Inácio Gaiger, além de outros pensadores sobre este assunto, procurando conceitualmente definir o que se entende teoricamente sobre o tema e definindo quais as características dos projetos que se enquadram dentro dos princípios que definem este novo projeto de política econômica na sociedade. Também buscamos as origens ideológicas da Economia Solidária para aferir os pontos de afinidades com a classe trabalhadora e principalmente com os excluídos do mercado de trabalho e a comprovação do seu viés socialista com forte influência da doutrina marxista. Não poderíamos deixar de recorrer à bibliografia histórica, para recuperar as experiências importantes ao longo dos tempos de iniciativas de cooperativas gestionárias e ao mesmo tempo lembrar os primeiros teóricos e defensores deste projeto, assim como explicitar os conceitos, princípios e objetivos do cooperativismo autogestionário. Como Trabalho e Renda são os pilares da Economia Solidária procuramos conceituar as duas categorias teoricamente. Depois explicitamos as transformações estruturais do trabalho, desde o fordismo até os dias de hoje, com todas as mudanças tecnológicas que afetaram as vidas dos trabalhadores. Este assunto integrou o 2º capítulo do trabalho. Na
seqüência
realizamos
uma
pesquisa
junto
a
duas
cooperativas
autogestionárias, experiências gaúchas que materializam a proposta de Economia Solidária, identificando suas origens e características, bem como apurando as relações das cooperativas com as empresas originárias dos projetos, a distribuição dos cooperativados nas áreas de produção, comércio e administração e a forma de posse das máquinas e equipamentos. Apuramos dados sobre as relações das cooperativas com sindicatos, Centrais sindicais e outras organizações e instituições. Investigamos como se dá a organização, gestão e relações de trabalho, à formação dos trabalhadores, os seus direitos, benefícios e retribuições materiais, além disso apuramos como se dá a relação entre produto e mercado. Também verificamos as dificuldades, avanços e desafios do sistema cooperativado, e a que instituições o projeto está ligado. A análise dos dados coletados nos permitiu ter com clareza o perfil dos trabalhadores destas cooperativas, como média de idade, escolaridade e o percentual de homens e mulheres. Quanto a situação de trabalho, apuramos as faixas de renda, em salários mínimos, e um 5
comparativo com a situação anterior e atual de cooperativados, além da carga horária na mesma situação. Também foi indentificada a motivação dos trabalhadores enquanto participantes na Cooperativa, a motivação para ingresso, o desejo de permanência no empreendimento e a avaliação dos projetos na ótica dos trabalhadores, além da relação dos trabalhadores das cooperativas com os seus sindicatos, o grau de envolvimento com os mesmos, o conhecimento sobre Economia Solidária e a mudança da situação de empregado para cooperativado. A análise das peculiaridades das duas cooperativas e dos trabalhadores com elas envolvidas consta dos capítulos 3º e 4º da Monografia. No capítulo 5º abordamos, finalmente, a visão de representantes da CUT, do Governo Municipal e Governo Estadual e da OCERGS (Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul) sobre as experiências de Economia Solidária no Rio Grande do Sul! Para tanto, valendo-nos de entrevistas abertas, onde ampliamos as visões da direção da Agência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul, do presidente da GeralCoop, dirigente da CUT – Metropolina e dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, do Governo Estadual do Rio Grande do Sul e Governo Municipal de Porto Alegre, além da presidência da Organização das Cooperativas do estado do Rio Grande do Sul. Após a análise dos dados e do suporte teórico que nos apoiou procuramos comprovar nossa hipótese e também levantamos uma nova problemática para futuros estudos e pesquisas com base na circulação das mercadorias da teoria marxista, que detalhamos na Conclusão.
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NOTAS METODOLÓGICAS
No desenvolvimento deste trabalho procuramos aplicar uma metodologia que desse conta da nossa problemática, baseados no que Minayo diz “...nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática” (Minayo, 1994, p.17), reafirmando a resposta que estávamos buscando para uma realidade do movimento sindical: se o desenvolvimento de políticas para combater o desemprego é uma preocupação ou não desse segmento da sociedade. Primeiramente levantamos a bibliografia sobre Economia Solidária no Brasil e constatamos ser muito restrita e dispersa, embora o que existe seja de bom conteúdo teórico. Na seqüência, optamos por uma pesquisa quali-quantitativa, utilizando a técnica de vários instrumentos através de questionário, entrevista aberta e observação, com uma abordagem dialética, pois como afirma Minayo “A dialética pensa a relação da quantidade como uma das qualidades dos fatos e fenômenos...” (Minayo, 1994, p.25). Seguindo todos os passos do método da pesquisa, na tentativa de obter as respostas para o problema, encontramos apoio no que diz Rúdio "pesquisa científica é elaboração, consciente e organizada, dos diversos procedimentos que nos orientam para realizar o ato reflexivo, isto é a operação discursiva de nossa mente” (Rúdio, 1986, p.17). 7
Com esta metodologia, que entendemos a mais adequada , foi possível responder o problema proposto, confirmando a nossa hipótese. O roteiro das entrevistas e questionários e a integra das entrevistas com os representantes da Central Única dos Trabalhadores, do Governo Municipal e Estadual e da OCERGS, encontra-se nos anexos do presente trabalho.
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CAPÍTULO I – CONTEXTO HISTÓRICO
Neste capítulo vamos abordar o contexto social, político e econômico internacional e nacional para tentarmos entender as principais causas de uma das maiores crises mundiais e locais do desemprego e por conseqüência a busca de alternativas para o trabalho e renda na perspectiva da Economia Solidária. Nossa reflexão sobre esta conjuntura nos remete para a tentativa de entender as razões que levaram o movimento sindical a desenvolver políticas de combate ao desemprego, superando uma resistência histórica ao cooperativismo autogestionário.
1.1 - Contexto Internacional
A economia internacional passou por profundas transformações econômicas e sociais nas últimas décadas. Após o esgotamento do padrão de desenvolvimento fundado na industrialização com forte intervenção do Estado e no chamado Estado do Bem Estar Social, a liberalização e a desregulamentação econômicas vem conduzindo os processos de ajuste das economias nacionais à crescente integração e formação de mercados regionais e mundiais mais abertos. “As condições em que o sistema capitalista opera ainda não mudaram essencialmente o ponto de vista do chamado Estado do Bem Estar Social. Se quiséssemos usar um termo, diria que o paradigma da sociabilidade presente no sistema capitalista ainda é o da segurança representada pelo Estado do Bem Estar” (Oliveira, 1998). Os principais aspectos que caracterizam as mudanças na economia mundial são a financeirização da riqueza, a forte expansão dos fluxos de comércio e investimentos, a transformação da base técnica das estruturas produtivas, do comércio e dos serviços, liderados pelas grandes empresas multinacionais, a instabilidade do crescimento, a exploração do desemprego e a concentração de renda entre classes e países. A crise monetária e do petróleo nos anos 70 criou uma fantástica soma de recursos financeiros à procura de maior rentabilidade e mobilidade em escala mundial. Estima-se que circula diariamente um estoque de mais de US$ 2,5 trilhões no mercado financeiro internacional (BIS – Bank For International Settlements, 1998), do qual a sua maior parte são títulos privados, desenvolvidos e transacionados à revelia dos Bancos Centrais. Segundo Bordieu “o que está em questão é o papel do Estado, particularmente 9
na proteção dos direitos sociais, o papel do estado social, único capaz de contrabalançar os mecanismos implacáveis da economia abandonada a si própria”, (1998). O desenvolvimento desse novo mercado de capitais nos anos 80 transformouse na principal massa de recursos que voltou a colocar a América Latina na rota do mercado financeiro mundializado. “Na fase atual da mundialização financeira encontramos os grandes bancos comerciais e os bancos de investimentos, particularmente em dois segmentos do mercado financeiro mundializado. São esses bancos que organizam os mercados de câmbio, daí extraindo lucros bastante substanciais enquanto operadores de mercado. Em 1998, esses lucros foram da ordem de 200 milhões de dólares para o vigésimo colocado entre os operadores, o Desdner Bank da Alemanha, e de até 1 bilhão de dólares para o primeiro colocado, o americano Citibank”, (Chesnais, 1996).
Nos anos 90 o comercio internacional cresceu pouco mais de 50%, o crescimento do investimento direto externo foi superior a 301% e os maiores beneficiários desse processo foram os países em desenvolvimento, principalmente em função da desregulamentação global dos setores de serviços de telecomunicações, energia, transportes, informática e software, saúde, previdência, bancos e sistemas financeiros domésticos. Entretanto os países desenvolvidos ainda recebem o maior aporte de capital, 73% do total mundial, especialmente os EUA. Além disso, o aumento de investimento direto externo para a indústria de transformação e comércio esta relacionado à abertura comercial, especialmente dos países em desenvolvimento, que favoreceu a formação de cadeias produtivas regionais e globais. As contrapartidas dessa tendência de crescente ingresso de recursos externos são a desnacionalização da matriz produtiva, de bens e serviços, deslocando cada vez mais as decisões estratégicas para além dos limites e alcance dos estados nacionais, e têm aumentado as transferências externas sob a forma de remessa de lucros e dividendos. Somente em 1999, os processos de aquisições e fusões somaram no mundo mais de US$ 2,3 trilhões (Securities Data), sendo que 89% são empresas européias e norte-americanas. Esse valor é maior que o PIB da maioria dos países do mundo. Nos anos 70 a liderança desse processo era das multinacionais do setor automotivo, química básica e petróleo. Nos anos anos 90 a globalização econômica é exercida pelas empresas que operam com tecnologia da informação e comunicação
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(UNCTAD e Forbes, 1999), que estão redefinindo a organização da produção e do trabalho. A década de 90 revelou forte instabilidade, em particular para os países em desenvolvimento. Em 1994, crise do México e em 1999 crises cambiais nos tigres asiáticos e latino americanos, exigiram mais de US$ 260 bilhões dos órgãos multilaterais (UNCTAD,1999) para estancar a repatriação de capitais para os países desenvolvidos. Aumentou a pobreza e o desemprego no mundo, especialmente nos países em desenvolvimento. Segundo estudos do Banco Mundial (1999), metade da população mundial (3 bilhões) vive com menos de US$ 2 por dia e 1,2 bilhão de pessoas com menos de US$ 1 ao dia. Em 11 anos mais de 100 milhões foram lançados à condição de pobreza absoluta e 95% desse contingente concentra-se nos países em desenvolvimento e mais pobres (Banco Mundial, 1999). Segundo dados do Banco Mundial, o montante da dívida externa em 1982 era US$ 590 bilhões e em 1998 já ascendia a US$ 2,03 trilhões. Porém os países do Terceiro Mundo pagaram US$ 2,5 trilhões a título de juros e serviços da dívida nesse mesmo período, ou seja, foi paga 4,5 vezes, mas o principal quadruplicou. Os reflexos desse endividamento recaem sobre os investimentos públicos nas áreas sociais dos países latinoamericanos, levando-os ao empobrecimento e, para a sua reversão, à busca de alternativas ainda débeis de integração, como é o caso do MERCOSUL. A crise atualmente experimentada pelo MERCOSUL, principalmente depois do colapso da economia Argentina, passando pela desvalorização da moeda brasileira, somente pode ser enfrentada retomando a integração com uma nova política, a exemplo do Mercado Comum Europeu.
1.2 Contexto Nacional
O governo federal atual expressa uma nova aliança das elites conservadoras tradicionais, que há décadas controlam as decisões, a renda, a propriedade e as instituições do país. Durante o período de industrialização (1930 a 1980), a grande maioria da população foi excluída dos benefícios do crescimento por meio da superexploração, da educação restritiva, da propaganda e fechamento dos canais de manifestação democrática, inclusive por meio do recurso à ditadura. Com a crise dos anos 80, a política econômica adotada foi a de financeirizar a produção de riqueza para manter os ganhos das elites internas e externas, mesmo com a economia estagnada. A inflação, as taxas de juros e as dívidas públicas expropriaram 11
renda do Estado e da maioria trabalhadora. “A inflação era a causa de um impasse de não-crescimento, de não-acumulação e assim por diante. A idéia de jugular inflações dessa natureza mediante um artifício monetário existia, mas era uma loucura. E os próprios monetaristas reconheciam que daí adviria uma recessão absolutamente fantástica”, (Singer, 1998). Nos anos 90 o aprofundamento do ajuste neoliberal iniciado com o governo Collor, interrompido com o impeachment, foi viabilizado com o Plano Real, imposto pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), com uma política econômica de desmonte do estado e desnacionalização da economia, agravando o desemprego no país. Em 1990, foi lançado um programa de estabilização que rompeu com o direito de propriedade e contratos vigentes, confisco de ativos financeiros, depósitos bancários e salários. A inconsistência do Plano Collor se manifestou com uma inflação violenta, o que obrigou a equipe econômica do governo fazer um choque econômico e creditício, política de juros reais que por conseqüência, elevou a taxa de desemprego. O desmonte do Estado, com a transferência das empresas públicas para o grande capital, cada vez mais internacionalizado e financeirizado, a desorganização do serviço público, reduzindo investimentos públicos e gastos sociais, têm resultado no enfraquecimento do poder de intervenção, regulação e dinamização do estado e no aumento da exclusão social. A Lei de Responsabilidade Fiscal recém aprovada é a normatização legal dessa opção de política econômica. A desnacionalização e o desemprego são conseqüências diretas da valorização cambial e a abertura econômica indiscriminada que, juntamente com a adoção dos juros reais mais altos do mundo, contiveram a inflação a partir de 1994, com um custo nacional e social altíssimo. A elevada quantidade de exportações dizimou cadeias inteiras de produção, os déficits comerciais externos ampliaram a dependência de capitais, que exigiram altos juros para nos financiar, aumentando as dívidas públicas. A dívida interna saltou de R$ 60 bilhões em 1994 para mais de R$ 500 bilhões em 1999. Uma brusca mudança de rumo no Plano Real em 1995, com a mudança da política cambial, desvalorização moderada da moeda e uma política monetária e creditícia restritiva, ocasionou a alta dos juros, ocasionando mais desemprego no setor industrial. A crise de Hong Kong, em outubro de 1997, repôs os temores da crise mexicana. Os efeitos foram sentidos no Brasil, com perdas cambiais de mais de US$ 10 bilhões e aumento da dívida pública indexada ao câmbio. Foi necessário mais um choque de juros reais, com reflexo mais uma vez sobre a taxa de desemprego que passaria a flutuar em torno de 17% ao ano (DIEESE, 1999). 12
No entanto, apesar de a relação entre choque de juros e desemprego ser razoável, há também influência da gestão da política macroeconômica e fatores estruturais que ajudam a explicar o atual patamar de desemprego no Brasil. A redução das tarifas de importação afetou duramente a cadeia produtiva industrial combinada com a estagnação, instabilidade, baixa previsibilidade econômica e conseqüente queda nas taxas de investimentos com efeitos explosivos do ponto de vista do desemprego industrial e do desemprego em geral. A retomada do crescimento econômico, em 1993,, não foi capaz de reduzir as taxas de desemprego significativamente. Enquanto a economia acumulou crescimento da 10,2% no biênio 1994/95, o desemprego caiu 9,6% e a ocupação cresceu 5,6% (DIEESE, 1997). Na Segunda metade dos anos 90 a situação do desemprego piora: ele supera 18% na Grande São Paulo (DIEESE, 1999): quase dois milhões de trabalhadores. O crescimento econômico foi praticamente zero desde 1996. A precarização do trabalho cresceu com a destruição do setor produtivo nacional. O capital externo passou a predominar em amplos setores da economia, seja por ter entrado, via leilão, nas empresas públicas privatizadas, seja pelas fusões e aquisições de indústrias, comércio e bancos nacionais. Este processo não gerou divisas, ao contrário, exportou-se juros e lucros para as matrizes internacionais. Em 1999, depois de três meses de ataque especulativo que esgotou, com a complacência
do
governo,
quase
US$
60
bilhões
de
reservas,
o
real
foi
maxidesvalorizado. Bancos estrangeiros foram os principais beneficiários, com suspeitas de favorecimento ilegal, que levaram ao indiciamento do ex-presidente do Banco Central, Chico Lopes (DIEESE, 2001). A popularidade do Presidente da República caiu a menos de 10%, a inflação anual dobrou, atritos na base de sustentação do governo, denúncias de corrupção e, por conseqüência, o crescimento dos movimentos sociais, mostrando capacidade de desafiar o governo. A desvalorização do Real melhorou o desempenho das contas externas, esperando, os analistas econômicos, que isto refletisse em uma menor dependência de capitais especulativos para financiar o déficit, entrada de capital direto, controle da inflação, estabilidade do câmbio e redução dos juros e por conseqüência um superávit em 2001 com crescimento de 2% a 3%. O quadro social, porém, se agravava. Desemprego, queda de renda, precarização das relações de trabalho, desigualdades sociais e regionais, fragmentação dos laços sociais e federativos, concentração de riqueza financeira 13
nos centros e segmentos internacionalizados. No campo, os conflitos pela posse da terra se agravam, devido o adiamento de uma política de reforma agrária. Foi exatamente neste contexto, década de 90, em que o Brasil se abria ao mercado internacional, adotando o neoliberalismo, o estado “mínimo”, privilegiando a especulação do capital ao investimento produtivo, derrubando as barreiras que haviam para a importação, seguindo o receituário do FMI, e por conseqüência aumentando os índices de desemprego e exclusão, que os trabalhadores brasileiros foram buscar uma saída alternativa para enfrentar a globalização e as políticas neoliberais, no século passado, através das formas clássicas de cooperativas de consumo, de crédito e de produção Uma proposta de geração de emprego e renda, que genericamente chamamos de Economia Solidária. O movimento sindical inicialmente fez experiências no ABC paulista, através de cooperativas e sistemas autogestionários em unidades produtivas. Paralelamente intelectuais e a academia passaram a
aprofundar as pesquisas
sobre o assunto e, ao mesmo tempo, acompanhar os projetos em desenvolvimento. O primeiro passo foi desenvolver uma cultura no movimento sindical brasileiro, esclerosado pelo sistema, a pensar políticas para os desempregados e os excluídos, conhecimento sobre os sistemas cooperativo e autogestionário, apoio técnico para o desenvolvimento de projetos, capacitação de pessoas para instrumentalizar as iniciativas e o desafio de criar possibilidades de crédito e fomento. O movimento sindical passou a pressionar por políticas públicas de apoio ao projeto de Economia Solidária, fazendo com que o Estado também se comprometesse em resolver as questões sociais, geradas pelas políticas globalizantes e neoliberais. Ela apresenta-se como uma alternativa viável ao capitalismo, com crescimento político, aprimoramento da cidadania, até hoje não experimentados pela sociedade brasileira. O movimento sindical na década de 90, período de crise, experimentou projetos de Economia Solidária, com resultados satisfatórios, o que, animou os sindicalistas, a encarar a problemática do desemprego, criando a Agência de Desenvolvimento Solidário – ADS, numa iniciativa da CUT. O foco central da ADS é a cadeia produtiva, tentando encaminhar para uma nova alternativa ao capital financeiro que, na globalização, assumiu o papel de principal coordenador do desenvolvimento, e desta forma equilibrar as forças com esta nova realidade que se caracteriza pela acumulação flexível, que provoca profundas
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transformações no mercado de trabalho, com novas divisões e distribuições do trabalho e enfraquecimento sindical.
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CAPÍTULO II – A Teoria e a História da Economia Solidária
Neste capítulo vamos abordar os conceitos de trabalho e renda e aqueles que definem teóricamente a Economia Solidária, a sua origem ideológica e como é possível criar uma cultura solidária entre os trabalhadores. Também tratamos historicamente das experiências solidárias e autogestionárias que ocorreram nos mais diversos países, contextualizando cada empreendimento e ao mesmo tempo localizando o seu nascimento, princípios e os seus objetivos. Procuramos fazer um esforço para distinguir duas categorias importantes deste tema: trabalho e renda e, ao mesmo tempo, uma tentativa de mostrar que transformações ocorreram na estrutura do trabalho com a globalização que contribuíram para a emergência de experiências recentes de Economia Solidária. Trabalho e Renda
O conceito de trabalho humano segundo a teoria marxista (O Capital – 1984) entende como atividade resultante do dispêndio de energia física e mental, voltada para a produção de bens e serviços. O trabalho contido na mercadoria é ao mesmo tempo concreto e abstrato. Concreto, corresponde ao valor de uso da mercadoria e abstrato ao valor de troca, no que diz respeito ao esforço de energia humana. Para David Ricardo, em Princípios da Economia Política, de 1817, o valor de um bem é determinado pela quantidade relativa de trabalho necessário à sua produção, do preço do trabalho. A expressão trabalho, base da relação capitalista de trabalho, significa separação entre a força de trabalho e propriedade dos meios de produção. Até aí Marx não se distancia muito dos economistas clássicos como Adam Smith e da teoria do valor-trabalho de David Ricardo. A partir deste ponto há uma distinção forte: Marx distingue as noções de trabalho, capacidade de trabalho e trabalhador. O capitalista compra, no mercado de trabalho, a força de trabalho, capacidade de trabalho, e não trabalho realizado. A força de trabalho torna-se mercadoria, mas o trabalhador não. O trabalho assalariado é salário, o capital é o lucro e a propriedade da terra a renda. A visão cristã de trabalho tinha um significado penoso. Já na interpretação de Max Weber, em A Ética protestante e o espírito do capitalismo, de 1905, rompe-se com a tradição cristã, pois o trabalho é visto como sinal de cumprimento do dever espiritual e de escolha divina. A doutrina de Marx e Engels (em A ideologia Alemã e O Capital, 1984) separa os aspectos físicos e utilitários do trabalho, como atividade econômica, de outras 16
dimensões da vida social. Uma constituição da hegemonia cultural burguesa, que opõe trabalho a não trabalho ou lazer, fazendo uma separação da esfera doméstica e pública da vida social. A geração de renda, segundo os fisiocratas , antes do século XVII, somente era concebida através da terra condicionados à relação entre oferta e procura. Para Marx, renda não se confundia com salário., renda abstrata é propriedade pública da terra e renda diferencial é devido a localização, a fertilidade e a integração do lucro a terra, ficando esta mais valorizada. A separação de classes estava baseada em a burguesia (proprietária dos meios de produção) e o proletariado que vendia a força de trabalho (por salário). No entanto na Economia Solidária o trabalho tem valor de capital social
e
portanto gera renda para o trabalhador. A mais-valia retorna ao trabalhador como renda gerada nos empreendimentos solidários.
Economia Solidária
O conceito de Economia Solidária evidencia um projeto alternativo para geração de trabalho e renda para fazer frente a grave crise econômica do país e aos altos índices de desemprego e exclusão dos trabalhadores do mercado de trabalho. Exterioriza-se através de diversas formas de cooperativas de produção, de serviços, de crédito e de consumo, associações de produtores, empresas em regime de autogestão, bancos comunitários e diversas organizações populares no campo e na cidade. Além disso, a Economia Solidária, tem como objetivo o acesso a recursos e políticas públicas através de iniciativas de organização de trabalhadores. Para Paul Singer, a Economia Solidária está inserida num processo de revolução social, tese que se contrapõe a da revolução política. E, define: “Economia Solidária é o nome genérico, que damos a esta nova forma de organização econômica” , que se baseia na transferência dos meios de produção para os trabalhadores. Este processo onde os modos de produção socialistas são formados dentro dos modelos sociais capitalistas. Portanto as experiências de Economia Solidária, especialmente as cooperativas, seriam também potenciais embriões de um processo de revolução socialista. Paulo Haddad, observando esta experiência através da teoria política explica que, “diante da falta de educação cívica há uma apatia diante das eleições e participação nos demais processos decisórios sobre os rumos da sociedade, o cidadão se envolve 17
(então) com o que lhe é mais próximo, das suas necessidades, ou seja do trabalho” (1998, p. 10). Para Gaiger
(1999): “É um embrião de novas formas de produção, de
organização do trabalho, do mercado ou mesmo de uma economia alternativa”. Segundo ele, “as experiências tem mostrado um enorme potencial de revigorar energias de setores populares excluídos, de emancipação e de apropriação de tecnologias produtivas e organizacionais mais adequadas aos setores populares”. Na visão de Marcos Arruda, o binômio economia de mercado e desenvolvimento comunitário, sustenta o conceito de sócio-economia solidária que, segundo o autor, é o “conjunto do setor econômico controlado e gerido coletivamente pelos trabalhadores” cujo objetivo é a “busca do bem estar e do progresso de cada uma e de todas as partes” (1998, p.6-7). Na concepção de Arruda, a sócio-economia solidária constitui-se num projeto amplo, que abrange “o local, o nacional e o global” (...) [ não só na esfera econômica, mas também ] da política e da cultura” (1998, p.8). Trata-se de uma “visão de como a sociedade humana - nacional e global – e o poder político podem ser reorganizados de um modo justo, participativo e sustentável”. Portanto não pode ser caracterizado apenas como uma alternativa isolada ao desemprego, mas com uma amplitude para incidir “em todas as frentes para pressionar os poderes em favor da transformação das instituições e relações sociais, a nível local, nacional e global” e paralelamente, “ocupar todos os espaços e brechas do sistema do capital, da esfera local a esfera global, construindo o novo a partir e de dentro do velho” ( 1998, p.6).
Origens Ideológicas da Economia Solidária
Embora os socialistas “utópicos” da metade do século XIX (Owen, Fourier, Buchez, Proudhon, etc) tenham contribuído teoricamente para o seu desenvolvimento, Paul Singer (2000, p.13) afirma que “A Economia Solidária é uma criação em processo contínuo dos trabalhadores em luta contra o capitalismo. Como tal, ela não poderia preceder o capitalismo industrial, mas o acompanha como uma sombra, mas o acompanha em toda a sua evolução”. Para Gaiger (1999, p.6) “A Economia Solidária, pode conviver com a economia capitalista e não vai substitui-la a ponto de criar um novo modelo socialista”. Marcos Arruda tem uma visão humanista sobre a Sócio-Economia Solidária, como ele mesmo denomina: “é o desenvolvimento como um processo de desdobrar conscientemente os potenciais inerentes a cada um e a todos os seres humanos, indivíduo, família, comunidade e nação,
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assim como a espécie humana como um todo. Desenvolvimento humano integral, e não apenas desenvolvimento material, convertendo a economia num meio e não num fim, para servir ao desenvolvimento humano, para que se torne realmente possível” (1998, p.15).
Luiz Inácio Gaiger descarta qualquer possibilidade de a Economia Solidária tornar-se uma ameaça ou mesmo uma força capaz de substituir o modo de produção capitalista (1996, p.17) entretanto, seguindo os demais autores, define que “fazendo parte da economia de mercado [a Economia Solidária] contrapõe-se a lógica mercantilista” (Gaiger et. al. 1996, p.10). Isto se deve ao fato de que a Economia Solidária ou a Economia Alternativa, “orienta-se por valores não mercantis, como solidariedade, autonomia, igualdade e democracia” (1996, p.3). E mais, por se tratar de uma economia “fundada na cooperação entre produtores e consumidores, buscando a satisfação máxima (com vistas ao desenvolvimento humano)
ao menor custo (para os trabalhadores e
produtores) responsável pelo caráter alienante e descartável do trabalho”, [cria] “um novo patamar de satisfação, [que] atende à aspirações não somente materiais ou monetárias e, [ainda, humaniza] as relações entre produtores e desses com os consumidores” (1996, p.50). Em virtude dessa contraposição à economia de mercado capitalista, Gaiger afirma que a Economia Solidária está demonstrando ser capaz de operar em nível macro, ao lado da economia privada individual e da economia pública estatal) (1996, p.26). Segundo este autor, não é possível continuar imaginando “o desenvolvimento econômico das sociedades fora da economia de mercado, como se estivesse a caminho de dissolver-se, ou então fosse possível suprimi-lo em uma parte do globo e lá implantar uma economia por intercâmbio em trocas totalmente reguladas e dirigidas” (1996, p.49). É preciso sim, afirma o autor, agir e interagir dentro e com a economia de mercado, sem perder de vista que “o modo de produção capitalista, como os demais, articula-se com diversas formas de produção, além daquela que lhe é específica, subjugando-se à sua própria lógica e reservando-lhes um lugar subordinado, quando não a sua ruína” (Gaiger, 1996, p.49).
Segundo Paul Singer, para entender “a lógica da economia solidária é fundamental considerar a crítica operária e socialista do capitalismo”. Explica que “o que ela condena no capitalismo é antes de tudo a ditadura do capital na empresa, o poder ilimitado que o direito de propriedade proporciona ao dono dos meios de produção: todos os que trabalham só podem fazê-lo por ato de vontade do capitalista, que pode demitir qualquer um tão logo sua vontade mude” (2000, p.14).
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Reforça sua posição dizendo que “a ditadura do capital na empresa faz com que: a) qualquer trabalhador deve obediência irrestrita as ordens emanadas do dono ou de quem age em seu nome; b) todo fruto do trabalho coletivo seja propriedade do capitalista, em cujo beneficio todos os esforços devem ser envidados; c) o trabalhador só faça jus ao salário previsto contratualmente e aos seus direitos legais” (2000, p.14).
Prossegue com as críticas ao capitalismo ao considerar os seus efeitos extra empresa: “a crescente desigualdade entre a classe capitalista cuja riqueza aumenta com a acumulação do capital e a classe trabalhadora, cujos ganhos são apenas suficientes para reproduzir sua força de trabalho – ou seus descendentes – que substituirão os trabalhadores aposentados e os sustentarão mediante suas contribuições previdenciárias. Dada a tendência estrutural do capitalismo de desempregar, excluir, e empobrecer parte da classe trabalhadora, a sociedade tende a se polarizar entre uma elite endinheirada e uma massa de pobres que dependem da venda de sua força de trabalho para ganhar a vida mas não encontra quem a compre ao salário modal vigente” ( 2000, p.14 ).
Singer reafirma seu pensamento socialista ao dizer que: “a economia solidária é o projeto que, em inúmeros países, há dois séculos, trabalhadores vem ensaiando na prática e pensadores socialistas, vêem estudando, sistematizando e propagando. Os resultados históricos deste projeto em construção podem ser sintetizados do seguinte modo: 1. Homens e mulheres vitimados pelo capital organizam-se como produtores associados, tendo em vista não só ganhar a vida mas reintegrar-se à divisão social do trabalho em condições de competir com as empresas capitalistas; 2. pequenos produtores de mercadorias, do campo e da cidade, se associam para comprar e vender em conjunto, visando economias de escala, e passam eventualmente a criar empresas de produção socializada, de propriedade deles; 3. assalariados se associam para adquirir em conjunto bens e serviços de consumo, visando ganhos de escala e melhor qualidade de vida; 4. pequenos produtores e assalariados se associam para reunir suas poupanças em fundos rotativos que lhes permitem obter empréstimos a juros baixos e eventualmente financiar empreendimentos solitários; 5. Os mesmos criam também associações mútuas de seguros, cooperativas de habitação, etc” (Singer, 2000, p.14).
Portanto todas estas iniciativas, na visão de Singer, são de não capitalistas, excluídos da posse dos meios de produção e distribuição pertencentes a duas classes distintas mas não antagônicas, ou são possuidores de meios individuais de produção
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para ganhar a vida, ou apenas possuidores da sua força de trabalho. O autor diz ainda que “há forte afinidade entre as classes trabalhadoras e os princípios que regem a economia solidária. Nem todos os trabalhadores rejeitam o capitalismo, mas a maioria deles o faz e por isso, quando se associa para produzir, comprar ou vender e consumir, o faz sob formas solidárias. A economia solidária tem sido ao longo dos anos, em muitos países, uma das principais formas de enfrentamento ao capitalismo, ao lado da combatividade dos sindicatos e partidos por direitos sociais e políticos” (2000, p.15).
É importante lembrar que a solidariedade não é a única forma de sobrevivência dos pobres, já que muitas aceitam os valores individuais que são premissas do capitalismo. Também é importante destacar que o espírito combativo dos sindicatos e a sua permanente luta na defesa dos trabalhadores por direitos sociais e políticos, além da exclusão, e melhoria na qualidade de vida são determinantes na identidade destas instituições com o projeto de Economia Solidária. No Brasil e especialmente no Rio Grande do Sul, apenas o corporativismo que impregnou o sindicalismo, desde o Estado Novo, rejeitava avanços além do que estabelece a Consolidação das Leis do Trabalho, entretanto a crise econômica que permeia o contexto internacional e nacional, atingindo os trabalhadores com o desemprego, levou os dirigentes sindicais a desenvolver políticas de combate ao desemprego e se associando a Economia Solidária, abrindo novas perspectivas para a sociedade, baseadas nas experiências e empreendimentos que vem alcançando viabilidade e assim despertando, nos que ainda são reticentes a novos desafios, a coragem de se integrar a um novo projeto, que apesar de novo, já existe há muitos anos em vários países, como Mondragon na Espanha, com resultados importantes e com princípios tão próximos daqueles que o sindicalismo defende e tem compromissos. Cultura Solidária
O modo de produção da sociedade na qual vive-se nutre-se pelo estímulo e desenvolvimento de comportamentos calcados muito mais no valor ter, no status do proprietário, do que na valorização do próprio ser. Daí, egoísmo, individualismo, consumismo, autoritarismo, etc., são tipos de comportamentos que refletem uma racionalidade sócio-política e econômica em que poucos têm muito e, por isso, determinam o que é e o que deve ser feito, cabendo aos demais – a grande maioria que pouco ou nada tem – acatar e executar esta cultura do mando e da obediência, do tudo 21
posso e do sentimento de pequenez e de impotência, vem se tornando cada vez mais predominante no contexto da sociedade atual. Ainda que seja difícil aceitá-lo, não podemos ignorar as conseqüências do desemprego estrutural que, ao expurgar trabalhadores e trabalhadores do mercado formal de trabalho, relega-os à condição de “novos pobres”, quando não de excluídos e, por isso, da predisposição à tudo se submeter para assegurar o mínimo necessário para sua sobrevivência e a sobrevivência de seus familiares. Como já salientado em outros momentos, as organizações econômicas de solidariedade são concebidas como um caminho capaz de apontar novos horizontes para essas pessoas. No entanto, considerando que se trata de organizações sócio-econômicas e não apenas empreendimentos empresariais, exigem muito mais que a simples capacitação profissional dos trabalhadores, habilitando-os para a produção e para as atribuições administrativas e comerciais. Portanto, potencializar as organizações econômicas é um desafio que vai além da concessão de créditos e da capacitação para a produção e gerenciamento de um empreendimento solidário inserido numa economia de mercado que, por natureza, imprime permanentemente a competitividade e a exclusão. Este desafio está na própria estrutura da grande maioria destes empreendimentos, que além de serem associativos – requerendo abertura e sensibilidade ao trabalho coletivo e autogestionário – são formados por pessoas empobrecidas e em situação de exclusão, com pouca ou nenhuma escolaridade, fragilizadas em relação à satisfação das necessidades básicas de sobrevivência e com estreita ou nenhuma relação com o mercado. A consolidação dessas experiências demanda a formação de uma cultura solidária, construída através de várias etapas: 1 - desenvolvimento nos novos empreendedores, de capacidade de percepção e convicção da importância da auto-formação permanente. 2 - assessorá-los para que estruturem o funcionamento dentro de uma dinâmica que favoreça o desencadeamento desse processo de auto-educação individual e coletivo. Requer, portanto, um processo educativo em que os desafios, erros e acertos sejam assumidos por cada um e por todos como fonte de novos aprendizados e de novos comportamentos pessoais e sociais, compatíveis com o modelo organizacional solidário, não só em relação aos companheiros de grupo, mas também em relação à família e a todas as demais interações sociais. Neste sentido, os trabalhadores e trabalhadoras organizados solidariamente poderão avançar na busca da superação não só da cultura do mando e da obediência, mas também do sentimento de impotência e pequenez. Fatores que, além de apresentarem
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limites para o sucesso dos empreendimentos de Economia Solidária, constituem entraves para a realização humana e profissional de cada um dos seus integrantes. Dos autores consultados, Marcos Arruda é o que mais detalha a constituição dessa cultura solidária. Segundo ele, a cooperativa autogestionária de Sócio-economia Solidária deve desencadear um processo educativo, tendo como “objetivo elevar a consciência para a crescente autonomia, auto-desenvolvimento, auto-educação e autogoverno do indivíduo e da coletivividade”. Uma educação que “se funda numa metodologia adequada, que valoriza o conhecimento de cada pessoa e de cada coletividade, articula teoria e prática e orquestra a promoção da auto-consciência individual com o processo coletivo de visualizar e construir o novo” (Arruda, 1998, p.5). É dentro deste enfoque sócio-educativo que se pode visualizar o “cooperativismo autogestionário e solidário” ou “cooperativismo popular” como “o caminho” possível da superação da “cultura de reivindicação e de delegação” dominante em nossa sociedade (1998b, p.5). No entanto, é justamente na questão educativa que Arruda afirma estar um dos principais desafios do cooperativismo solidário, dado que [a] “motivação inicial para que os trabalhadores ou consumidores se organizarem é, em geral, predominantemente individual ou familiar...”, qual seja, obter uma ocupação no intuito de assegurar ou melhorar as condições de “sobrevivência própria e da família”. A construção de uma “cultura solidária e companheira” (1998, p.4; 17) é “resultado de uma lenta e profunda transformação subjetiva dos próprios associados, que está ligada a processos tanto teóricos como práticos, individuais e coletivos, de educação” (1998, p.26). É preciso, portanto, que se desenvolva a “consciência de que nem os interesses do indivíduo nem os do pequeno grupo são ilegítimos, e também que eles não deveriam ser atendidos através da supressão dos interesses de outros indivíduos, pequenos grupos ou do coletivo como um todo”. Desenvolver a consciência e a cultura do “o espírito e a postura” de “partilha de energia e recursos com o coletivo”(1998, p.26). Portanto, ao pensar o desenvolvimento comunitário, Arruda não o restringe a um movimento voltado para si em si mesmo. Trata-se de um movimento que envolve a interação com o maior número possível de comunidades. Arruda destaca ainda que é por meio da “educação libertadora” que se obterá “uma profunda transformação de valores em nível pessoal e comunitário, dando lugar gradualmente a uma massa crítica de nova cultura. [Uma] cultura em que a hierarquia do trabalho é superada na prática e o trabalho livre vai-se tornando pouco a pouco a regra. Através dela os trabalhadores-cidadãos também ampliam e aprofundam suas competências técnicas, comerciais
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e administrativas e, ao mesmo tempo, sua visão estratégica, sua capacidade de negociação e de ação política e cidadã, e sua mística cooperativa e solidária (1998, p.26).
Nesta perspectiva, inúmeras metodologias de incubagem e de capacitação profissional e formação de empreendedores individuais e/ou coletivos vêm sendo desenvolvidas e aplicadas pelos programas de fomento e apoio, tanto governamentais quanto de organizações da sociedade civil. São metodologias adaptadas e/ou desenvolvidas não só para atender às demandas e limites da população de baixa renda, mas também à discussão teórico-metodológica da Economia Solidária. Outra questão que merece destaque é a relação entre produtor e consumidor. Trata-se de uma relação que exige não só uma nova estratégia comercial, mas um repensar do próprio mercado. Dado que as estratégias de produção e consumo dominantes no mercado capitalista se pautam na ideologia do consumo (Ter para ser), no momento em que se busca uma outra racionalidade econômica, necessariamente tem que se pensar também na construção de um modo de produção centrado em novas bases culturais. A solidariedade é, pois, o elemento que vem sendo apontado como expressão dessa nova cultura. Trata-se, na verdade, de uma nova maneira de pensar e agir, tanto em relação a si mesmo quanto em relação à natureza. E o ponto de partida dessas novas relações é a produção e o consumo. Este é o desafio com o qual se deparam as novas metodologias de capacitação de empreendedores individuais e coletivos no contexto da Sócio-economia Solidária. Um objetivo estratégico é determinar uma nova hegemonia cultural contrapondo à implementada pelas elites ao longo da História, e principalmente às difundidas pelos instrumentos da globalização. Entre os tantos desafios, especificamente nesta área Arruda aponta a necessidade de se priorizar os valores, buscando construir novas bases teóricas e práticas, novo paradigma, nova visão de mundo, novos conceitos capazes de dar conta de uma nova realidade, uma questão da educação do indivíduo para empreender uma nova práxis o que implica em mudanças radicais em relação ao que hoje se tem no modelo capitalista, tanto no comportamento, nas atitudes, nas relações entre os indivíduos e a sociedade e de que forma administrar a partir de um novo olhar os desejos e as aspirações com um viés solidário (1998). A tentativa de neutralizar o poder hegemônico da globalização passa também por investir nos meios de comunicação alternativos e por uma educação dirigida para o desenvolvimento
integral
do
ser
humano,
através
das
próprias
comunidades,
associações, sindicatos e cooperativas. 24
Os movimentos populares e sindicais estão abrindo espaços dentro do sistema, centrados nos dois pilares fundamentais para a difusão de uma nova cultura: comunicação alternativa e educação integral. O pensamento que durante muito tempo dominou a cabeça dos trabalhadores - esperar a classe trabalhadora assumir o poder do Estado para depois implementar as transformações na construção de uma sociedade solidária, com uma economia popular – perde espaço. No campo econômico e financeiro os ideólogos da Economia Solidária defendem uma nova cultura para que as camadas populares sejam conscientizadas da importância estratégica de operar com bancos cooperativos e de micro-crédito, que possam atender a milhares de pobres, dando acesso ao crédito. Também destacam a necessidade de sensibilizar os grupos de produção, associações e cooperativas do campo e da cidade à respeito dessa nova cultura. Como podemos observar ao longo deste trabalho, o movimento sindical já está tomando consciência do seu novo papel no desenvolvimento da sociedade, ou seja, não ficar apenas atendendo aos empregados de carteira assinada, hoje uma minoria, mas desenvolver políticas de combate ao desemprego, políticas educacionais e principalmente investimentos no estímulo e incubação de cooperativas autogestionárias. Há também uma mobilização popular na esfera política e cultural, com boa articulação para pressionar o centro do poder no sentido de mudanças democratizadoras. As pressões já alcançam resultados positivos, inclusive junto aos organismos financeiros internacionais. Embora de forma inicial, já se percebe o reconhecimento do potencial das redes de troca intercooperativas e intercomunitárias, valorizando este espaço público para contribuir para o fortalecimento de uma cultura solidária. Um olhar sobre o passado contribui para localizar as origens históricas dessas experiências. Experiências históricas de Cooperativismo Autogestionário
Data de 1760, na Inglaterra, a mais antiga cooperativa que se tem registro. Foi organizada pelos trabalhadores dos estaleiros Woolwich e Chatham com o objetivo de enfrentar os altos preços dos cereais cobrados pelos moleiros que detinham o monopólio da atividade. Diante desta situação foi criado um moinho em base cooperativa. Esta experiência se reproduziu por toda a Inglaterra e França com moinhos e padarias cooperativadas. Em 1769, segundo documentação encontrada, apareceu a primeira cooperativa de consumo, formada por tecelões em Fenwick na Escócia. Também neste país, a segunda mais antiga, de 1777 foi a Govan Victualling Society. Oldham Co25
operative Supply Company, de 1795, foi a cooperativa de consumo mais antiga da Inglaterra que se tem conhecimento. Dentro deste mesmo período se tem também a experiência dos Alfaiates de Birmingham que fundaram a primeira cooperativa de produção destinada a atender terceiros. Coincidentemente estas experiências surgiram junto com a revolução industrial, certamente como forma de amenizar a exploração, da qual os trabalhadores eram vitimas , não só dos proprietários dos meios de produção mas também dos fornecedores e agiotas. De 1821 a 1822 surgiu a primeira iniciativa cooperativa em Londres, a Sociedade Cooperativa e Econômica de Londres, uma união de impressores e jornalistas que fundaram o jornal The Economist. A proposta era tão ousada, seguindo as idéias de Owen, que estabelecia que todos os trabalhadores iriam morar juntos em comunidade, o que acabou não dando certo, dando lugar em 1823 a um outro projeto, o jornal The Political Economist and Universal Philantropist, mas desta vez com cada sócio vivendo na sua casa. Muitas iniciativas se seguiram de comunidades que se baseavam nos princípios owenistas, em Orbiston de 1826 a 1827, na Irlanda de 1831 a 1833, além de duas experiências dirigidas pessoalmente por Owen, uma em Indiana nos EUA, de 1825 a 1829 e outra em Queenswood, na Inglaterra, de 1839 a 1846. Entre 1826 e 1835 cerca de 250 cooperativas, geralmente ligadas aos sindicatos de trabalhadores de ofício proliferaram na Inglaterra se estendendo até o País de Gales (Singer, 1998). A pressão dos capitalistas sobre os trabalhadores ligados a sindicatos e cooperativas levou ao fracasso a experiência owenista, só ressurgindo em 1844, em Rochdale, formada por 28 trabalhadores, na maioria tecelões, a Society of Equitable Pioneers, considerada até hoje a matriz das cooperativas modernas, de onde foram extraídos os seus princípios: 1. Adesão Voluntária e Livre – as cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizarem os seus serviços e a assumirem as responsabilidades como associados, sem discriminação; 2. Gestão Democrática – as cooperativas são organizações democráticas, controladas por seus associados, que participam ativamente na formulação de suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais associados, são responsáveis perante estes. Os associados têm igual direito de voto; 3. Participação Econômica – os associados contribuem eqüitativamente para o capital de suas sociedades cooperativas e controlam-no democraticamente. Este capital se constitui de cotas, ou parcelas limitadas a um determinado valor estipulado em conjunto, para todos os associados. Parte deste capital é, normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os membros recebem uma remuneração limitada ao capital integralizado, como condição de sua adesão. Os membros destinam os excedentes a um ou mais dos 26
seguintes objetivos: a) desenvolvimento de suas cooperativas, criação de reservas, parte das quais indivisível; b) benefícios aos membros na proporção das suas transações com a cooperativa; c) apoio a outras atividades aprovadas pelos associados. 4. Autonomia e Independência – as cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos sócios. Para o desenvolvimento de seus projetos é necessário o esforço e a solidariedade de cada um com a independência de qualquer organização, incluindo instituições públicas, ou recorrerem ao capital externo, devem fazê-lo em condições que assegurem o controle democrático pelos seus membros e mantenham a autonomia das cooperativas; 5) Educação, Formação e Informação – As cooperativas promovem a educação e a formação de seus associados e dos representantes eleitos que compoem seus quadros, de forma que esses possam contribuir eficazmente para o desenvolvimento de suas cooperativas. Informam ao público em geral, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação; 6) Intercooperação – as cooperativas servem de forma mais eficaz aos seus associados e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais e internacionais; 7) Relações Externas – As cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentável das suas comunidades através de políticas aprovadas pelos associados. Também os valores foram extraídos desta experiência: a) Dimensão Social –novas relações entre as pessoas, grupos, comunidades e povos; b) Econômica – novas relações entre capital e trabalho, onde o trabalho é reconhecido como a única fonte da riqueza; c) Política – conquista de organizações democráticas e participativas onde todos tenham igual acesso aos meios de produção e à partilha dos fundos do trabalho. E, finalmente quanto aos objetivos: organizar a produção, disciplinar a distribuição e sistematizar o consumo, responsabilidade social, democracia, igualdade, equilibrio nas decisões e solidariedade, além da ética, honestidade e transparência. (Singer, 1998) A motivação para a criação da cooperativa teria sido a derrota de uma greve bastante longa dos tecelões de Rochdale e os principais objetivos eram a fundação de um armazém cooperativado, manufatura de bens, arrendamento de terras e construção de casas. A experiência durou até 1862, fracassando durante a crise da Guerra Civil dos Estados Unidos, mas de qualquer forma seus princípios e sua capacidade de superar e se adaptar as oscilações do capitalismo ficaram como exemplo para o sistema cooperativo. Podemos citar também os Kibutz que foram criados por jovens imigrantes judeus da Europa Oidental, inspirados pelos ideais sionistas e socialistas nas costas do Mar da Galiléia (Aguiar, 2001). 27
Outra experiência interessante, embora neste momento em crise, é o Complexo Cooperativo de Mondragon, localizado no país Basco, Espanha. O empreendimento nasceu em 1920, em razão de uma longa greve dos trabalhadores numa fábrica de armas de fogo. Os demitidos formaram uma cooperativa, fabricando os mesmos produtos para concorrer com seus antigos patrões. O grande incentivador e mentor foi o Padre Jesuíta José Maria Arizmediarrieta, que com seu carisma e liderança fundou a Escuela Profissional, com o objetivo de formar jovens com preparo técnico. O cooperativismo foi perseguido e eliminado pelo regime Franco. Mas em 1956, o Padre Arizmende, como era chamado, criou uma nova cooperativa, a ULGOR, nome formado pelas iniciais dos fundadores da primeira cooperativa, lá nos anos de 1920 e que desapareceu em 1936 quando começou a guerra civil espanhola no governo franquista. A cooperativa cresceu rapidamente, inclusive adquirindo um grande complexo industrial para fabricar fogões, aquecedores, cozinhas industriais, equipamentos dessa natureza. Hoje o complexo de Mondragon tem 42 mil trabalhadores, espalhados pelo país Basco, em várias outras cidades,
em toda a Espanha e com sucursais no Brasil, México,
Tailândia e China, a exemplo das grandes multinacionais que se espalham pelo mundo. A estratégia de crescimento foi a subdivisão, criando novas cooperativas subsidiárias da original ULGOR, por setor e área de produção, por exemplo, contabilidade, estatística, pesquisa, agricultura, alimentação. A de alimentação merece destaque: haviam muitas mulheres desempregadas, então, o Padre Arizmende decidiu criar uma cooperativa onde as mulheres iriam fornecer refeições para os Trabalhadores do complexo de Mondragon. O último desafio foi a criação da Caixa do trabalhador Popular – Caja Laboral Popular – talvez este tenha sido o maior desafio enfrentado pelo Padre Arizmende, já que todos os trabalhadores eram contrários a esse novo investimento, temiam pelo risco de comprometer todo o complexo ao investir em um novo negócio: o banco. Entretanto Padre Arizmende foi irredutível pois queria se livrar dos bancos privados, das altas taxas de juros, da dificuldade de conseguir financiamentos para os pobres e para as cooperativas que não possuem garantias para acesso ao crédito. Atualmente é um dos grandes bancos da Espanha (Ponte Júnior, 2000). Do programa de 13 pontos da Comuna de Paris até o programa da “República Autogestionária”de Solidanösc, a classe operária deu vida a proclamação de Karl Marx de que ä libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Uma definição teórica da autogestão social precisa estar assentada em referências históricas. Começamos pela Comuna de Paris (1871), os Soviets de
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delegados operários, camponeses e soldados da Rússia (1905 a 1917). Em 1936 na Espanha e entre 1918 e 1919 na Húngria, os conselhos operários. Em 1950, na Iugoslávia, a autogestão foi institucionalizada, logo depois do pósguerra. Hungria e Polônia também viveram esta experiência em 1956, com os conselhos operários. A mais significativa no Leste Europeu foi a Solidarnösc. Na Primavera de Praga, em 1968, na Checoslováquia, surgiram milhares de comitês de trabalhadores num processo de autogestão das empresas. Na revolução Cultural chinesa tivemos a Comuna de Shangai. Na revolução dos Cravos em Portugal também encontramos comissões de trabalhadores, dirigindo empresas. A autogestão e o poder popular também se fizeram presentes na instalação da República Libertária do México em 1911, Revolução Cubana em 1959 e Nicaraguense em 1979. Em 1932, em El Salvador, durante a Revolta Vermelha. Também em 1952 e 1971, durante o governo Torres na Bolívia. Após a independência em 1962, a Argélia teve implantado o sistema de autogestão dos trabalhadores nas “empresas vazias”, abandonadas pelos europeus. No Peru, em 1968, durante o governo Alvarado, a nova Lei das Indústrias fundou a primeira Comunidade do Trabalho, com os trabalhadores gerindo toda a atividade econômica com 50% dos meios de produção. Em maio de 1968, na Argentina o “Cordobazzo”, com a ocupação das fábricas e o posterior processo autogestionário dos trabalhadores. No Chile, durante a crise de outubro de 1972, governo de “unidade popular” de Salvador Allende, também houveram processos de autogestão através dos chamados “cordões industriais”, comandados pelo poder operário. Surgiram também os comandos comunais que controlavam a manutenção da produção, distribuição e serviços de saúde. Além disso haviam as JAP – Juntas de Abastecimento e Preços – formadas por juntas de vizinhos, jovens, pequenos comerciantes e clubes de mães com o objetivo de controlar os preços, enfrentar os atravessadores e o mercado paralelo, além de gerir a distribuição de alimentos. Também vale a pena citar os LETS (Local Employment and Trading System – Sistema Local de Emprego e Comércio) criado em 1980 em British Columbia (Canadá) por Michael Lindon. É um sistema que congrega produtores em nível local, para intercambiarem seus produtos mediante crédito mútuo – Instituições Comunitárias de Crédito (ICCs). Outra experiência significativa é o Banco do Povo, que representa uma das melhores saídas de acesso ao crédito pelas comunidades carentes e está presente em 43 países beneficiando oito milhões de pessoas, sendo que só na América Latina chega a 670 mil mutúarios. As EPCs (Empresas de Participação Comunitárias) também 29
são significativas, sociedades comerciais independentes, de capital fechado que tem por objetivo controlar empresas filiadas, além de incentivar comunidades a desenvolver projetos auto-sustentáveis. As Economias de Comunhão, tem orientação cristã de gerenciamento, já que os lucros são utilizados a serviço de uma vida digna para todos os cidadãos e para o desenvolvimento da cidade e das próprias empresas, atualmente com atuação no Brasil, Itália e Estados Unidos. Outra experiência, que apesar de nova, vem apresentando bons resultados, são as Feiras Populares, em Buenos Aires na Argentina e em algumas cidades da Itália, onde moradores de uma rua, semanalmente reúnem suas economias e fazem compras de produtos de primeira necessidade, diretamente dos produtores, distribuindo entre todos os participantes de acordo com a quota de participação de cada um. Esta experiência tem gerado condições de boa alimentação a baixo custo, pois elimina o intermediário. As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, tem por objetivo a inserção de excluídos da economia formal. Um exemplo deste modelo é a Cooperativa de Manguinhos incubada na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), desde 1986, abrangendo a sua atuação a Baixada Fluminense e as favelas do Rio de Janeiro (Nascimento, 1986). No Brasil, a união e a cooperação culturalmente fazem parte da nossa formação. As roças comunitárias desenvolvidas pelos índios é um exemplo significante, reforçadas depois do descobrimento com as reduções jesuíticas trabalhando a terra, produção e distribuição dos bens. Os Quilombos formados pelos escravos negros, que serviam como refúgio e forma de sobrevivência nas atividades comunitárias. Mas o cooperativismo formal começou a surgir a partir de 1891, após a aprovação da Constituição Republicana, pois antes, o regime imperial escravocrata não permitia a associação entre as pessoas. Apenas em 1932 foi aprovado o primeiro decreto, 22.239/32, que regulamentava e diferenciava as cooperativas das demais entidades. Em 1966, este decreto foi substituído pelo decreto 59/1966. Em 1971, foi criada a lei cooperativista 5.764/71 que está em vigor até hoje e é alvo de crítica da sociedade por ser excludente e restritiva. O desenvolvimento do cooperativismo no Brasil está intimamente ligado ao movimento das elites e oligarquias conservadoras, se localizando no meio rural. Durante um bom período as cooperativas agrícolas eram criadas por grandes latifundiários com orientação dos gerentes do Banco do Brasil, com o objetivo de acesso ao crédito com juros subsidiados pelo Governo. Com este comportamento e a falência de grandes cooperativas agroindustriais, o cooperativismo no Brasil esteve longos anos desacreditado. Na década de 30
50 volta a ser implementado e mais uma vez padece dos mesmos problemas, somente se recuperando a partir do final da década de 70, início da década de 80. O novo cooperativismo toma formas mais diversificadas em nosso país, empresas autogeridas se desenvolvem, na sua maioria agrupadas na ANTEAG – Associação dos Trabalhadores de Empresas Autogeridas e de Participação Acionária; pequenas e médias associações ou cooperativas de produção ou comercialização, chamados PACs – Projetos Alternativos Comunitários, formados com o apoio da Cáritas; cooperativas “agropecuárias” – na classificação acima, cooperativas de produção – formadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nos assentamentos de reforma agrária; cooperativas de serviços, formadas por Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares; cooperativas de serviços de diversos tamanhos, boa parte agrupadas nas federações de Cooperativas de trabalho estaduais. O novo cooperativismo surgiu num momento em que a abertura indiscriminada do mercado às importações, a sobrevalorização da moeda nacional e taxas de juros elevadas geraram o desemprego e a falência de um grande número de empresas nacionais. Já houve um avanço importante com a participação das Universidades e mais recentemente da CUT – Central Única dos Trabalhadores, com a implementação da ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário.
Transformações Estruturais do Trabalho
O processo de constituição do mercado de trabalho no Brasil fez parte do processo
de industrialização da base produtiva do país. As características deste
processo foram forjando o modelo de desenvolvimento brasileiro e a conformação do nosso mercado de trabalho. As principais características deste modelo foram um forte movimento de migração das cidades do interior e do meio rural para os grandes centros urbanos e a constituição de pólos dinâmicos associados a faixas precarizadas na periferia. Devido aos ciclos de crescimento e à forma desigual de como isso se deu, uma marca fundamental do desenvolvimento brasileiro é a heterogeneidade. Vale lembrar também que, no período que vai da década de 40 aos anos 70, o emprego assalariado passou de 42% para 63% do total da força de trabalho. Este processo de industrialização trouxe, juntamente com a constituição do mercado de trabalho, um processo de institucionalização das relações trabalhistas, dando corpo a um determinado padrão de contratação e de cobertura dos trabalhadores por uma
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gama de direitos. Neste processo se constitui então o chamado modelo de desenvolvimento fordista. As características centrais do fordismo eram a produção em série, o consumo em massa de produtos homogêneos, a produção de bens de consumo duráveis e o controle rígido da produção. Estas características da produção fordista eram organizadas basicamente através da grande indústria. As condições econômicas e sociais para o estabelecimento deste modelo eram asseguradas pelo Estado, seja através do welfare state na Europa ou do modelo do estado-desenvolvimentista típico da América Latina. Nos dois modelos, o pleno emprego, era a meta central das políticas de desenvolvimento e as relações de trabalho eram normatizadas exclusivamente pelas regras de emprego formal e o esgotamento do modelo de acumulação taylorista-fordista de produção, segundo João Carlos Tedesco, fazem nos repensar categorias analíticas, práticas políticas e vínculos sociais: “A questão do valor ou os critérios até então aceitos para sua determinação, a centralidade do trabalho como elemento de socialização e de definição identitária e social, a crise do keinesianismo, a possibilidade de uma terceira via, as privatizações, o desmonte do setor público, os processos de reestruturação da produção e do trabalho, as novas funcionalidades para a acumulação do capital manifestas na informalidade, na terceirização, nas formas precárias de trabalho, dentre muitas outras, apresentam rupturas, redefinições de padrões de vínculos entre capital e trabalho (Tedesco, 2001, p.19).
No entanto, os anos 80 foram palco de uma forte crise neste padrão construído ao longo das décadas anteriores. Três fatores se somaram na conformação desta crise: a crise fiscal, a terceira revolução industrial e a globalização e como diz Marcio Pochmann: “...assiste-se a reformulação de processos globais de acumulação do capital, coordenada por grandes corporações transnacionais que buscam incessantemente explorar novas oportunidades mais lucrativas de investimento, muitas vezes forjadas por ofertas de governos nacionais de rebaixamento de custos e de financiamentos domésticos subsidiados” (Pochmann, 2001, p.29 e 30).
A crise do financiamento do estado foi o motor do acelerado endividamento e das altas taxas de inflação. Em nível mundial, as políticas de ajuste na América Latina e o colapso do welfare state foi a marca mais evidente. A crise do Estado trouxe consigo uma forte perda de dinamismo econômico, que tem como única exceção a economia americana, o que confirma José Luís Fiori: 32
“O Sistema econômico global favorece, acima de tudo, os países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento ficam para trás, não somente por causa de sua política inadequada, isto é, devido ao “déficit fiscal”, a “não conseguir cortar”, ou a praticar um“populismo macroeconômico (Fiori, 2000, p.55).
Com o advento da globalização, da nova conformação dos mercados e da terceira revolução industrial, novos níveis de competitividade foram definidos, provocando a desestruturação de várias cadeias produtivas e obrigando as empresas a se reestruturarem com novas tecnologias de produção e de gestão. O controle rígido e direto da produção foi substituído pelo controle dos mercados (controle de informações e marcas), e muitas empresas grandes passaram a se organizar em redes. As características principais deste modelo são a presença do capital financeiro como principal coordenador do desenvolvimento, sob o qual todas as demais estratégias econômicas, dentre elas a reestruturação produtiva, estão subordinadas. Como conseqüência de um ambiente globalizado, a acumulação flexível está provocando profundas transformações no mercado de trabalho, com novas divisões e distribuições do trabalho e com o enfraquecimento do poder sindical. Neste processo de transição do modelo de desenvolvimento fordista para o modelo de acumulação flexível, o capital se globaliza, se concentra e exclui uma grande parcela da população do mercado de trabalho, sem perspectiva de recuperação, conforme Jeremy Rifkin “As novas realidades econômicas do próximo século distanciamse igualmente das probabilidades de que tanto o mercado como o setor público serão capazes de resgatar a economia do crescente desemprego tecnológico e do enfraquecimento da demanda do consumidor” (1995 p.35). Por outro lado, surgem formas descentralizadas de organização da produção. Trabalhadores que antes eram subordinados inteiramente a uma determinada rotina de trabalho têm, agora, seu trabalho também subordinado a uma dinâmica de acumulação capitalista, mas regulada não só através de contratos de trabalho, mas também por contratos de prestação de serviços ou de produção de partes da cadeia produtiva. Ou seja, presenciamos um intenso processo de flexibilização do mercado de trabalho. A moderna organização da produção em redes de empresas interligadas cria novas formas de conflito entre o capital e o trabalho, seja ele na forma de trabalhadores assalariados, seja na forma de trabalhadores autônomos. A nova estrutura do mercado de trabalho num quadro de acumulação flexível começa a ser formada então por três grandes categorias de trabalhadores: um núcleo de trabalhadores no mercado formal, um grupo de trabalhadores autônomos e um grupo periférico de sub-contratados. A terceira categoria de trabalhadores é, na verdade, um 33
mar de excluídos que participam eventualmente do mercado de trabalho de maneira informal e sob precárias condições de trabalho. Nesta categoria se incluem aqueles organizados pelas cooperativas de serviço organizadas pelo patronato, as coopergatos, os camelôs e os trabalhadores informais de todo tipo e que poderiam ser organizados através de projetos de Economia Solidária.
34
CAPÍTULO III - Análise comparativa de dois projetos solidários
Neste capítulo estaremos apresentando duas experiências gaúchas de projetos cooperativos autogestionários, dentro dos princípios da Economia Solidária, destacando em que condições foram geradas e o grau de relacionamento que mantinham com as empresas privadas que se transformaram em cooperativas. Abordamos como os trabalhadores estão distribuídos dentro dos empreendimentos e qual a forma encontrada para ter os equipamentos necessários para produzir. Também apuramos as relações que as cooperativas mantém com outras entidades, organizações e instituições da sociedade civil. Tratamos, igualmente da organização, a forma que são geridas e como se dão as relações de trabalho, apurando a escolaridade dos trabalhadores e os programas e incentivos na sua formação. Ainda neste capítulo abordamos os direitos, benefícios e retribuições materiais dos cooperativados, além da produção e das relações de mercado. Avançamos para conhecer as dificuldades, avanços e desafios dos empreendimentos e a que instituição estão vinculados.
Identificação, Origens e relações das cooperativas com a empresa.
Os dois projetos, tanto da Alumífer – Cooperativa Autogestionária de Trabalhadores, localizada na BR 153, km 48 em Erechim, que teve início em março de 1998 como a GeralCoop, localizada na Rua Santa Maria, 2000, em Guaíba, fundada em março de 2002 tiveram origens semelhantes: as empresas estavam em situação pré falimentar e os trabalhadores estavam com créditos trabalhistas e salariais em atraso (GeralCoop 2 anos e Alumífer 18 meses). Nas duas empresas houve greves em razão dos atrasos salariais e das péssimas condições de trabalho.
Os cooperativados, sua distribuição nas áreas de produção, comércio e administração e posse de máquinas e equipamentos.
Na GeralCoop os proprietários esperavam também obter vantagens com a venda das instalações para os operários, e abater as dívidas elevadas pelo não cumprimento dos direitos trabalhistas que se acumulavam por dois anos. Ambas têm em 35
comum o arrendamento das instalações e estruturas das duas indústrias e a solução encontrada foi no formato cooperativado. Na GeralCoop são 170 trabalhadores, sendo que 45 são mulheres, enquanto que na Alumífer são dezoito e apenas uma mulher. A população beneficiada diretamente é de 510 pessoas na GeralCoop e 70 pessoas na Alumífer. A distribuição percentualmente dos trabalhadores nas áreas de produção, comércio e administração são muito próximas nas duas cooperativas, conforme está demonstrado através do gráfico a seguir.
Gráfico nº. 1 Distribuição dos cooperativados por áreas internas à cooperativa
Produção
Administração
Alumifér Garalcoop 80% 76,47%
17,64% 10%
14
130
30
2
Comércio 10% 5,89%
2
10
Enquanto a GeralCoop tem todas as máquinas, equipamentos e instalações na condição de arrendamento, a Alumífer é proprietária de 10% das máquinas e equipamentos, sendo que as demais e as instalações são arrendadas por determinação judicial na condição de direito de guarda em penhor. 36
Relações das cooperativas com sindicatos, Centrais e outras organizações e instituições.
As duas cooperativas foram geradas dentro dos seus respectivos sindicatos (Metalúrgicos de Erechim e Porto Alegre). Nas duas situações houve ocupação das fábricas por parte dos trabalhadores. As diferenças: a Alumífer praticamente não contou com recursos externos na viabilização da cooperativa, a exceção do Sindicato dos Metalúrgicos de Erechim que no início ajudou financeiramente na capitalização do empreendimento, enquanto a GeralCoop teve o apoio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul que viabilizou linha de crédito junto ao Banrisul. Outra questão que merece destaque é que a Alumífer, enquanto empresa privada, teve falência fraudulenta e o proprietário não tinha mais interesse na empresa e, de certa forma, esperava uma indenização a partir da posse dos trabalhadores na indústria, apenas para obter vantagem financeira. As duas cooperativas mantém relações estreitas com seus respectivos sindicatos. A Alumífer ainda mantém relações comerciais com duas indústrias privadas na condição de representante na Região do Alto Uruguai, como também com várias cooperativas da região, onde coloca seus produtos. Tem como parceiros a Anteag (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empreendimentos Autogestionários) e a Sedai (Secretaria de Desenvolvimento de Assuntos Internacionais). Já a GeralCoop mantém relações com a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e tem como parceiros a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Banrisul (Banco do Estado do Rio Grande do Sul), DIEESE-RS (Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos, Sociais e Econômicos – Escritório Regional do Rio Grande do Sul).
Organização, Gestão e Relações de Trabalho
As duas cooperativas trabalham com os mesmos objetivos: renda, trabalho, cidadania e formação. A composição das diretorias também mantém a mesma estrutura: presidência,
diretoria
administrativa,
diretoria
comercial,
diretoria
de
produção,
coordenadores de produção e conselho administrativo e fiscal, sendo que os cargos são 37
eletivos, por um período de três anos, podendo ser renováveis. Os princípios das duas gestões são os cooperativos. As duas cooperativas não adotam cartão ponto para os trabalhadores, o controle de freqüência é feito pelos coordenadores de produção e em casos de faltas ocorre a compensação por horas trabalhadas em um outro dia de acordo com o aumento ou a necessidade de produção. Tanto na GeralCoop como na Alumífer tomadas de decisões são feitas em assembléias, que ocorrem de 45 em 45 dias, e reuniões setoriais e de diretoria, que são semanais. Nas duas cooperativas os trabalhadores têm função fixa e as decisões do dia a dia são tomadas pelos coordenadores de produção diretamente com os trabalhadores e, nas questões administrativas, pela diretoria. A carga horária nas duas é de 40 horas semanais, mas quando aumenta a demanda de produção a jornada se estende o quanto é possível, invadindo sábado, domingo e até feriados.
Formação dos Trabalhadores A média do nível de escolaridade é de 1º Grau na GeralCoop e 2º Grau incompleto na Alumífer. Todos os trabalhadores das duas cooperativas têm os conhecimentos técnicos necessários para executar as tarefas e há uma preocupação em incentivá-los a participar de cursos de aperfeiçoamento. Há socialização das tarefas e espaços para discussões coletivas dentro das duas cooperativas. Também as duas têm projetos para melhorar o nível de educação formal. Na GeralCoop está em processo de implantação de atividades visando o crescimento profissional e a informação integral dos trabalhadores, enquanto na Alumífer já existem atividades sendo desenvolvidas tanto na área da educação formal como social e cultural. A propósito do que estas experiências vem ensinando para a vida dos trabalhadores envolvidos nos projetos a GeralCoop ainda não tem uma avaliação, uma vez que o empreendimento é muito novo; na Alumífer a avaliação é de que a maioria já tem consciência de que é possível uma outra alternativa de renda e trabalho, todos se sentem mais desafiados para a vida e a possibilidade concreta de abrir a mente para pensar e construir coletivamente.
Direitos, Benefícios e Retribuições materiais.
38
A diretoria da GeralCoop remunera igual a todos os sócios quotistas, que têm como referência as faixas salariais do mercado metalúrgico da região metropolitana. Na Alumífer, o Presidente percebe três pisos da categoria em Erechim e os demais que ocupam cargos de direção, gerenciamento e coordenação um acréscimo de 10% sobre os seus rendimentos. Todos os trabalhadores têm direito a férias nas duas cooperativas e em nenhuma delas recebe-se 13º salário. A GeralCoop tem um fundo para saúde e para a educação. A Alumífer tem seguro de vida e aposentadoria complementar. Na GeralCoop a maior remuneração alcança R$ 1.500,00 e a menor R$ 320,00, sendo que a média salarial é de R$ 570,00. Na Alumífer o maior salário é de R$ 1.144,00 e a menor é de R$ 572,00, a média fica em torno de R$ 715,00. Todos os trabalhadores das duas cooperativas têm esta atividade como a única fonte de renda para o sustento de suas famílias. Nenhuma das cooperativas tem estudos ou avaliação do impacto das duas iniciativas nas suas comunidades. O critério de distribuição da riqueza na GeralCoop é do balanço aprovado em assembléia, proporcional ao salário de cada um. Já na Alumífer a distribuição dos lucros é por igual para cada parcela de quota dos trabalhadores, menos o percentual que é definido pela assembléia para investimentos e dos ganhos indiretos dos associados.
Produto e relações de mercado
A Alumífer produz 3.000 peças por mês e tem uma meta em 2002 de produzir 3.900 peças, sendo que a atual capacidade de produção é de 4.000 peças por mês. Já a GeralCoop produz mensalmente 1.500 fogões a lenha, 1.500 aquecedores e 34.000 Kits de aquecedores. A produção atual é apenas 30% da capacidade da indústria. Em agosto de 2002 uma nova linha de montagem irá começar a produzir 1.500 fogões a gás por mês. Tanto a Alumífer como a GeralCoop operam no sistema just-in-time, pequeno estoque e a produção é regulada pelo nível de encomendas. Também na definição dos preços dos produtos as duas cooperativas mantém o mesmo critério, custos e mercado. As regiões de comercialização dos produtos também são semelhantes: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A GeralCoop ainda alcança o mercado do Rio de Janeiro com os aquecedores. No que diz respeito ao consumidor, a GeralCoop ainda não definiu uma política de relacionamento, já a Alumífer estabelece uma relação próxima com o consumidor baseada na qualidade do produto e pesquisando permanentemente o grau de satisfação do consumidor. A comercialização da GeralCoop é indireta, venda ao comércio distribuidor e a Alumífer tem dois métodos: venda indireta, tanto comercializa 39
com o mercado varejista, como a direta, venda ao consumidor. O principal concorrente da Alumífer é a Indústria Veran de Venâncio Aires, enquanto da GeralCoop são as indústrias Marka, FUSIPAR e a Coonac, antiga Wallig, todas do ramo de fogões e finalmente como concorrente dos aquecedores estão os similares importados pelo mercado brasileiro. A Alumífer mantém relação com outros projetos solidários, parceria com cooperativas, enquanto a GeralCoop ainda não estabeleceu nenhum tipo de parceria, mas tem como meta estreitar as relações com empreendimentos solidários. Os princípios e condições para competir no mercado segundo a visão da GeralCoop são qualidade, preço e crédito. A Alumífer segue as regras do mercado. Para a GeralCoop não existe ainda um mercado solidário articulado para a comercialização dos produtos num sistema de rede. De certa forma esta também é a visão da Alumífer que vê apenas como uma definição teórica e que precisa ser construída na prática. Para as duas cooperativas os benefícios que um mercado solidário pode trazer para a comunidade são a construção de uma rede de comercialização com preços diferenciados do mercado, novas relações de trabalho e consumo, e alternativa de redistribuição da riqueza. Quanto a possibilidade de estabelecer relações de projetos solidários com outros setores da economia, governo e com o empresariado, a duas cooperativas afirmam que é possível, entretanto, ainda não há uma cultura favorável.
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Dificuldades, avanços e desafios
A GeralCoop avalia que a maior dificuldade enfrentada é a vontade dos trabalhadores de enfrentar o desafio do empreendimento solidário, pois ainda não se desvincularam da cultura do emprego com patrão e não assimilaram a importância de um projeto cooperativo. Já para a Alumífer o grande desafio é encontrar novos sócios/quotistas da cooperativa com boa experiência na área de produção e na área de vendas. O avanço segundo a GeralCoop é de que os trabalhadores estão com trabalho e renda no seu próprio empreendimento. A Alumífer vê como avanço o fato de os trabalhadores já terem reconhecido que o empreendimento solidário é um negocio promissor, que vale a pena investir. O principal desafio da GeralCoop é fazer com que a cooperativa seja viável e tenha uma afirmação sustentável e social para que possa estimular outras iniciativas, capacidade de inovação tecnológica, abertura de novos mercados com novos produtos, se multiplicar e estabelecer uma relação recíproca com a universidade e a sociedade, construindo uma possibilidade real de trabalho e renda da humanidade e não do capital. A Alumífer entende que o grande desafio é dominar o campo administrativo da cooperativa, já que os trabalhadores não estão instrumentalizados para administrar o seu próprio negócio. 41
Instituição a que está vinculado o projeto
Embora as duas iniciativas estejam ligadas atualmente a ADS (Agência de Desenvolvimento Solidário) da CUT, os dois projetos não estão vinculados a nenhuma instituição. No caso da GeralCoop, embora não haja vinculo, a UFRGS acompanha o projeto com dois economistas, um engenheiro e estagiários destas duas áreas. A Alumífer tem a assessoria direta do Sindicato dos Metalúrgicos de Erechim.
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CAPÍTULO IV – Trabalhadores Cooperativados: perfil, situação e expectativas
Além do questionário que foi aplicado aos coordenadores dos dois projetos, também elaboramos um questionário fechado que foi aplicado aos trabalhadores das duas cooperativas. Foi definida uma amostra de 15 casos para a GeralCoop e 4 para a Alumífer, onde procuramos apurar o Perfil destes trabalhadores que fazem parte dos Projetos de Economia Solidária – Cooperativas Autogestionárias. Também verificamos a sua situação de trabalho, a motivação para ingresso nestas experiências, a avaliação da situação atual em que se encontram estes trabalhadores, as suas relações com o sindicato e por fim uma aferição do conhecimento do Projeto de Economia Solidária por parte dos trabalhadores envolvidos.
Perfil dos cooperativados
Primeiramente vamos analisar o Perfil dos trabalhadores da Alumífer sob três aspectos: idade, escolaridade e sexo. Apuramos que 50% dos trabalhadores estão na faixa dos 41 a 45 anos, 25% entre 26 e 30 anos e os demais 25% na faixa etária dos 31 a 35 anos. Na GeralCoop encontramos 53% dos trabalhadores com idade superior aos 45 anos, 27% estão na faixa dos 41 a 45 anos, 13% entre 21 e 25, 3,5% de 26 a 30 anos e 3,5% entre 36 e 40 anos.
Gráfico nº. 2 Idade dos Cooperativados
Geralcoop:
Alumifér: Idade: 21 a 26 a 31 a 36 a 41 a + de
25 30 35 40 45 45
50%
- Cinza - Verde - Preto
53%
27%
25% 25%
13% 3,5% 3,5% 2
1
1
8
4
2
1
1
43
Em relação a escolaridade verificamos que 50% dos trabalhadores da Alumífer concluíram o 1º Grau e 50% conseguiram terminar o 2º Grau. Na GeralCoop 73% tem até o 1º Grau, 20% concluíram o 2º Grau e 7 % terminaram o 3º Grau.
Gráfico nº. 3 Escolaridade dos Trabalhadores
Alumifér:
Geralcoop:
50% 50%
73%
Escolaridade: 1º Grau 2º Grau 3º Grau -
20% 7% 2
2
11
3
1
Também constatamos, na Alumífer, que 75% dos trabalhadores são homens, uma característica muito forte ainda do ramo metalúrgico, mas já mostrando a participação das mulheres com 25%. Na GeralCoop há aproximadamente 100% de homens na produção, sendo o número de mulheres insignificante e não aparece na amostra.
Gráfico nº. 4 Percentual de homens e mulheres nas cooperativas
Alumifér: 75%
Sexo: Masculino Feminino -
25%
3
1
44
Situação de trabalho
Sobre a situação de trabalho, apuramos as faixas salariais tomando como referência o salário mínimo regional (R$250,00), e constatamos que na Alumífer 50% dos trabalhadores estão na faixa dos quatro salários mínimo, 25% se enquadram entre os que tem renda de até três salários mínimo e 25% ganham até cinco salários mínimo. Na GeralCoop encontramos 60% com renda de até três salários mínimo, 34% na faixa dos dois salários mínimo e 6% com cinco salários mínimo.
Gráfico nº. 5 Renda em Salário Mínimo
Alumifér:
2 SM 3 SM 4 SM 5 SM
-
Geralcoop: 60%
50%
25% 25%
34% 6%
2
1
1
9
5
1
Ainda sobre a renda, verificamos que na Alumífer, comparando a situação atual de cooperativados em relação a anterior de empregados, 75% hoje ganha mais do que antes e 25% ganha menos. Na GeralCoop 87% estão ganhando menos e 13% responderam que estão ganhando mais atualmente.
Gráfico nº. 6 Ganhos Comparativos com situação anterior
Alumifér: 75%
Geralcoop: 87%
Renda: Ganha mais Ganha menos -
25% 13% 3
1
13
2
45
Outro aspecto que concentramos nossa atenção foi a comparação da atual carga horária em relação a situação anterior destes trabalhadores. Na Alumífer (tomando por referência 40 horas semanais), 50% responderam que trabalham mais no sistema cooperativo do que na situação de empregados, 25% disse que trabalham menos e 25% responderam que trabalham a mesma coisa. Na GeralCoop 47% avalia que trabalha mais na atual situação, 47% acha que trabalha a mesma coisa e 6% entende que trabalha menos. Gráfico nº. 7 Jornada de Trabalho
Geralcoop:
Alumifer: 50%
Trabalha mais Trabalha menos Trabalha a mesma coisa -
47% 47%
25% 25%
6% 2
1
1
7
7
1
Motivação dos participantes na Cooperativa Sobre a motivação dos trabalhadores para ingresso num projeto cooperativado autogestionário na Alumífer 75% entende que foi determinante a questão do desemprego e 25% o espírito cooperativo. Na GeralCoop verificamos o contrário, 73% foram motivados pelo espírito cooperativo e 27% responderam que foi o desemprego.
Gráfico nº. 8 Motivação para Ingresso na Cooperativa
Alumifér: 75%
Desemprego Espírito Cooperativo -
Geralcoop: 73%
27%
25%
3
1
11
4
46
Na avaliação da situação atual focamos vários aspectos. Primeiramente se os trabalhadores da Alumífer que participam de projetos cooperativados querem permanecer nesta situação ou se assim que for possível desejam retornar a condição de empregados. Apuramos que 100% dos trabalhadores querem
continuar na condição atual. Na
GeralCoop 93% dos trabalhadores respondeu que quer continuar sendo cooperativado, enquanto 7% entende que a situação de empregado com carteira assinada é melhor e que se surgir esta possibilidade muda de situação.
Gráfico nº. 9 Permanência no sistema cooperativo
93%
Permanecer: Sim Não 7%
Tanto na Alumífer como na GeralCoop
verificamos que 100% dos
trabalhadores se sentem seguros por estar neste projeto. Nas duas cooperativas também o mesmo índice foi alcançado na questão que abordou a forma que os trabalhadores resolvem os seus problemas de saúde: todos recorrem ao SUS (Sistema Único de Saúde). Também encontramos o índice de 100% junto aos trabalhadores da Alumífer e da GeralCoop quando tentamos apurar o sentimento de valorização como ser humano e como trabalhador sendo parte de um projeto cooperativo. Procuramos verificar, numa pontuação de um a dez, que avaliação os trabalhadores tem dos projetos em que estão envolvidos. Na Alumífer 50% deu notas de 8 a 9 para o empreendimento, 25% avaliou com nota dez e 25% ficou entre 6 e 7. Na GeralCoop 47% atribuiu nota dez para a cooperativa, 27% avaliou entre 8 e 9, 20% ficou entre 6 e 7. Já 6% decidiu apontar entre 4 e 5 pontos para o projeto.
47
Gráfico nº. 10 Avaliação dos Projetos
Idade: 4 a 5 6 a7 8 a9 10
50%
-
47%
27%
25% 25%
20% 6% 2
1
1
7
4
3
1
Relação dos Cooperativados com o Sindicato
Sobre a relação dos trabalhadores da Alumífer com o Sindicato encontramos o índice de 100% de militância sindical. Na GeralCoop encontramos um índice de 100% na condição de associados e 67% na condição de militantes.
Gráfico nº. 11 Grau de envolvimento dos trabalhadores com o sindicato
Geralcoop: 67% Sem Militância Com Militância 33%
10
5
Sobre o Projeto de Economia Solidária, apuramos o conhecimento dos trabalhadores, a forma de participação e a avaliação das mudanças comparativamente a situação atual de cooperativados em relação à situação anterior de empregados. Encontramos na Alumífer 100% de índice no conhecimento sobre o projeto que estão envolvidos, assim como na participação das decisões em assembléias da cooperativa, falando e dando opinião sobre tudo, também verificamos que segundo os trabalhadores 48
há unanimidade de que a mudança da situação de empregado para cooperativado melhorou a vida de todos. Já na GeralCoop 53% dos trabalhadores conhece pouco sobre o projeto de Economia Solidária, 33% respondeu que não conhece absolutamente nada, 7% disse que conhece superficialmente e 7% demonstrou conhecer praticamente tudo, através de leitura, seminários e palestras.
Gráfico nº. 12 Conhecimento sobre Economia Solidária
53%
Conhece: Pouco Nada Superficial Sabe tudo -
33%
8
5
7%
7%
1
1
Quanto a forma de participação apuramos nas duas cooperativas que 100% vai as assembléias, fala e dá opinião sobre todos os assuntos que são tratados. No quesito avaliação da mudança da condição de empregado para cooperativado, na Alumífer 100% entende que melhorou. Na GeralCoop 60% respondeu que melhorou e 40% entende que não houve alteração.
Gráfico nº. 13 Mudança da situação de empregado para cooperativado
60%
Não Houve Alteração Melhorou -
40%
9
6
49
Observação
Durante a realização desta pesquisa, aplicação do questionário dos projetos, aplicação dos questionários individuais para os trabalhadores e entrevistas abertas, observamos alguns fatos e manifestações feitas pelos participantes espontaneamente sobre questões que não faziam parte dos instrumentos de pesquisa. Um relato impressionante foi feito pela Sra. Ilda Bugança Borges, cooperativada da Alumífer, 44 anos e uma das participantes do projeto desde o seu inicio. Segundo Ilda, no começo das atividades da cooperativa, havia dificuldade de colocar a produção no mercado, então muitos dos trabalhadores começaram a questionar a possibilidade do projeto dar certo, começando a vacilar e pensando em buscar um emprego, pois dessa forma teriam mais segurança. Ilda nos finais de semana, relatou, ia vender as panelas que eram fabricadas pela Alumífer, diretamente na casa dos moradores da cidade, Erechim, e desta forma conseguia arrecadar algum dinheiro que era distribuído entre todos os seus companheiros de trabalho, tentando desta forma amenizar a pressão que todos sofriam em função da dúvida sobre o sucesso do empreendimento e principalmente pela falta de dinheiro naquele momento, para as despesas básicas com a família de cada um. Este pequeno gesto agregou os trabalhadores e motivou que outros tomassem a mesma iniciativa e superassem as dificuldades iniciais, consolidando um projeto que hoje é referência no Rio Grande do Sul.
50
Um outro relato que também impressionou muito foi o do Sr. Celau F. da Silva. Antes é importante que eu diga que o questionário era aplicado no refeitório da GeralCoop, durante o horário de almoço, onde eu almoçava com os trabalhadores. Celau olhou para a sua bandeja de comida ao lado da minha e emocionado me contou que antes do projeto cooperativo não se comia carne no almoço, era apenas arroz, feijão e ovo. Agora diz ele, tem salada, suco, carne todos os dias e podemos repetir quantas vezes sentimos vontade. Só isso já vale a gente tentar que dê certo. Outro fato bastante significativo ocorreu na minha presença, quando da entrega da primeira linha de produção da GeralCoop, houve um brinde dos trabalhadores com refrigerante e uma alegria contagiante de todos por ter alcançado o primeiro desafio de tantos que terão pela frente. Naquele momento aquele ato foi de extrema significação e serviu para mostrar o grau de unidade e companheirismo de todos para levar adiante um projeto tão importante para eles como também para todos os trabalhadores, geração de renda e trabalho e principalmente um exemplo visível de que é possível um empreendimento solidário.
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CAPÍTULO V - A visão do Movimento Sindical, Governo e OCERGS sobre as cooperativas
Neste capítulo vamos mostrar três visões diferenciadas sobre Economia Solidária – projetos cooperativos autogestionários – que apuramos em entrevista aberta. Primeiramente junto a Ari Aloraldo do Nascimento, da Agência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul, e de Nirio Barrios, Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, da CUT Metropolitana e Presidente da GeralCoop. Na seqüência buscamos a visão do Governo Municipal de Porto Alegre, através de Jurandir Damin que, em março-2002, representava a Supervisão de Economia Popular, um setor dentro da SMIC (Secretaria Municipal deProdução, Indústria e Comércio) e Dione Manetti responsável pelo Departamento de Economia Solidária
da SEDAI (Secretaria de Desenvolvimento de Assuntos Internacionais) e
finalmente a visão da OCERGS (Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul), através do seu presidente, Vicente Bogo.
A visão do Movimento Sindical sobre os projetos de Economia Solidária
A visão do Movimento Sindical foi apurada através de entrevistas abertas com Ari Aloraldo do Nascimento, responsável pela ADS-RS (Agência de Desenvolvimento Solidário do Rio Grande do Sul), Tesoureiro da CUT-RS (Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul) e Diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Niro Barrios, Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, Diretor da CUT Metropolitana e Presidente de GeralCoop. Segundo Ari a CUT construiu a ADS em cima da demanda do desemprego, no final de 1999 no Brasil e em 2001 no Rio Grande do Sul baseada nos princípios da solidariedade e da democracia e o melhor caminho encontrado foi no cooperativismo, do associativismo e empreendimentos autogestionários. A CUT tem uma visão de sociedade e precisava disputar com o Governo Federal que tem políticas compensatórias neste campo. “Aqui no Rio Grande do Sul nós estamos num estágio de sensibilização dos dirigentes sindicais da importância do projeto de Economia Solidária”, afirma o entrevistado. E prossegue: “Na CUT esta foi uma discussão muito difícil, mas hoje podemos ver que já há avanços”. O principal objetivo deste projeto é para a CUT a perspectiva de inclusão das pessoas no mercado de trabalho que, por conseqüência, resgata a cidadania e fortalece o desenvolvimento local. Também há o entendimento que 53
o Poder Público não se preocupa com projetos pequenos, micros e cooperativos. Uma das dificuldades de desenvolver estes projetos na opinião do entrevistado, é ‘” a falta de estrutura e a falta de financiamento”. Os empreendimento de trabalhadores urbanos ocorrerem mais na metalurgia, foi explicado pelo entrevistado,
“é em função de que foi neste setor que tivemos uma quebradeira de grandes empresas e isto aliado ao grau de organização e politização, dos trabalhadores acabou desenvolvendo estes projetos alternativos embora haja também experiências menores no ramo da alimentação e no setor calçadista, apesar de algumas restrições a forma com que foram desenvolvidas principalmente neste ramo, já que são cooperativas terceirizadas para realizar trabalhos para grandes indústrias exportadoras”.
Na opinião do entrevistado, “a ADS terá uma grande importância no Rio Grande do Sul , organizada com escritório e corpo técnico para articular o movimento sindical com as iniciativas que hoje estão soltas”. O representante da ADS informa que há também um levantamento prévio do que existe de projetos da Economia Solidária no Estado, “mas não temos certeza se todos os sindicatos responderam ao questionário elaborado pela ADS” (ver quadro no anexo I). “Um caminho estratégico é através da formação” afirma. Tomamos conhecimento, através do entrevistado, de que a CUT tem programas de elevação da escolaridade e de qualificação profissional para trabalhadores empregados, em risco de desemprego e desempregados, portanto vai usar estes programas como forma de conscientizar os trabalhadores do projeto de Economia Solidária. Atualmente há um convênio com a UNICAMP (Universidade de Campinas) e um projeto está sendo elaborado para ser apresentado a UERGS (Universidade do Estado do Rio Grande do Sul). A ADS encontra muita dificuldade para desenvolver os projetos, mas estabelece parcerias com entidades internacionais e afirma: “precisamos superar as dificuldades que existem com as prefeituras, assim como com o Governo do Estado”. No âmbito do Governo do Estado
existe um departamento de Economia
Solidária, mas não há nenhuma linha de crédito para este tipo de investimento através do Banco do Estado - Banrisul. Na opinião do entrevistado “Há necessidade de política pública para este tipo de empreendimento, porque a CUT e a ADS não aceitam ser instrumentalizadas pelo Governo”. O responsável pela ADS esclarece que “Na Prefeitura de Porto Alegre os projetos são basicamente do movimento popular e ocorre que as lideranças das vilas são chamadas a assumir cargos no governo e acabam fragilizando a 54
organização de base”. A CUT não aceita o papel de subserviência ao Governo do Estado e nem se submete a cooptação, na opinião do entrevistado. É importante ressaltar que o Governo do Estado desenvolveu um papel importante no caso da GeralCoop quando foi acionado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre e pela CUT, pois acabou se transformando no grande avalista deste projeto. Em relação a OCERGS o responsável pela ADS afirma que “a CUT até agora não teve nenhuma aproximação entretanto não está descartada esta possibilidade”. Ari afirma: “Temos que discutir a situação de algumas cooperativas, as chamadas “coopergatos”, que são formadas apenas como forma de não cumprir a legislação trabalhista e precarizar as relações de trabalho, e que são associadas da OCERGS. E finalmente uma última questão importante é tentar mudar a legislação brasileira que não é nada favorável às cooperativas e aos projetos autogestionários”. Para Niro Barrios “o Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre foi imprescindível na formação da GeralCoop e na CUT metropolitana este debate sobre Economia Solidária simplesmente não existe, mas espero que com a ADS mude este panorama”. Avalia que talvez a falta de priorização deste tema seja porque
“isto não afeta aqueles que fazem parte da Direção da CUT, o que na realidade lhes preocupa são os problemas das suas categorias profissionais. A CUT ainda não tem como centro a disputa econômica e ela intervém apenas como mediadora na relação capital e trabalho”.
Barrios acredita que iniciativas como a da GeralCoop podem despertar os sindicatos para projetos deste tipo, mas para isto “é necessário que os trabalhadores passem a entender o processo produtivo, comecem a entender as empresas, precisam superar o despreparo para estes desafios, precisam entender que há uma transformação da sociedade brasileira, pois há pouco tempo a maioria dos trabalhadores tinha carteira assinada e hoje essa situação se inverteu”.
O presidente da GeralCoop explica que ”o exemplo dos ambulantes de Porto Alegre é o mais significativo. A CUT deveria intervir e propor o debate com o Sindilojas (Sindicato dos Lojistas), a Prefeitura e os envolvidos, mas não se preocupa, acha que é problema da SMIC, da Fiscalização e por último, um caso de polícia. Há espaços para se discutir política pública de geração de trabalho e renda, mas os espaços não são aproveitados por puro despreparo dos dirigentes sindicais”.
Na sua avaliação, “não basta chegar no Governo para pedir, tem que ter um projeto, tem que saber o que quer, tem que entender do
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produto que você quer desenvolver e aí o Banrisul, que não tem linha de crédito para este tipo de empreendimento, vendo um projeto sério, cria alternativas”.
A outra ponta é a Universidade, afirma Barrios, “com quem precisamos nos aproximar e criar espaços”. E ele prossegue: “Se a ADS conseguir fazer o debate da Economia Solidária com os dirigentes sindicais já prestou um grande serviço a sociedade. Quanto a OCERGS, não temos nenhum tipo de relação, mas é porque ainda não deu tempo. Quando iniciamos este processo da GeralCoop procuramos, mas eles não puderam nos ajudar”. Barrios avalia que em relação a situação da OCERGS, que mantém vínculos com cooperativas que não tem princípios da Economia Solidária, “isto não é impeditivo, pois podemos fazer a mesma coisa que foi feita em relação as Federações e Confederações de Trabalhadores que eram pelegas. O que fizemos ?
Fomos lá,
disputamos e ganhamos”. A visão do Governo
A visão do Governo foi apurada através de entrevistas com Jurandir Damin que em março de 2002 respondia pela Supervisão de Economia Popular, um setor dentro da SMIC (Secretaria Municipal deProdução, Indústria e Comércio), e ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre e por Dione Manetti
responsável pelo
departamento de Economia Solidária da SEDAI (Secretaria de Desenvolvimento de Assuntos Internacionais). Primeiramente colhemos as informações de Jurandir Damin, da Prefeitura de Porto Alegre que destacou duas das mais importantes políticas públicas desenvolvidas pelo município na perspectiva da Economia Solidária: Programa de apoio para qualificação profissional e o projeto chamado PETEC (Projeto de Educação, Trabalho e Cidadania). Outro a destacar é o de acompanhamento de grupos já organizados em projetos solidários. Na maioria, são projetos urbanos e desenvolvidos conjuntamente com o movimento popular. “Já houve um primeiro contato com a CUT e estão sendo discutidas as possibilidades de projetos, entretanto não há nada de concreto uma vez que a ADS foi criada recentemente aqui no estado” afirma o entrevistado. Prosseguindo ele explica que “É perspectiva política da Prefeitura estabelecer parceria com ONGS, instituições da comunidade, associação de moradores e sindicatos sem estabelecer uma dependência do poder público”. Na sua opinião, a Prefeitura e a ADS 56
“devem desenvolver projetos sem nenhuma dificuldade, assim que a ADS começar a implementar as suas atividades aqui em Porto Alegre”. Prossegue dizendo que “a esquerda brasileira tinha na cabeça a visão estatizante. A crise do socialismo real fez com que se buscasse uma nova saída e esta pode ser a Economia Solidária, portanto agora o desafio é desenvolver políticas públicas, financiamento, assistência técnica, acesso a tecnologia e estreitamento nas relações com universidades”.
Segundo Dione Manetti, do Governo Estadual, há políticas públicas para combater o desemprego e gerar renda nas diversas secretarias do Governo, entretanto “o mais importante é o Programa de Economia Solidária para combater a exclusão social. Anteriormente estes programas eram incentivados pelos COREDES (Conselhos Regionais de Desenvolvimento). O Estado contabiliza 301 empreendimentos (dados de 31/12/2001), sendo que destes 71 não se constituíram formalmente”.
Em relação ao movimento sindical, esclarece que “existe um diálogo sem nenhuma iniciativa formal de parceria, mas a expectativa que com a implantação da ADS haja o desenvolvimento de projetos, já que a CUT vem participando há mais tempo das discussões com o Governo sobre Economia Solidária”. Na visão do Governo esclarece o entrevistado, “não há risco nessa relação em função de tensionamentos naturais do movimento sindical com o Governo do Estado, já que os objetivos são os mesmos, desconcentração e distribuição de renda, resgate da cidadania e construção do socialismo”. Já em relação à OCERGS, o entrevistado declara: “O Governo respeita a OCERGS mas não disponibiliza os seus instrumentos para empreendimentos que são construídos para flexibilizar direitos dos trabalhadores”. De outra parte esclarece que: “Há uma dificuldade em estabelecer linha de crédito para projetos de Economia Solidária, mas o Governo montou um grupo com técnicos no Banrisul para estudar a possibilidade de criar estes instrumentos e há algumas iniciativas bem promissoras. Agora também se busca abrir um espaço junto ao BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul) e também ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)”.
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Além disso o entrevistado explica que o Governo estadual mantém uma relação bastante produtiva com a ANTEAG (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empreendimentos Autogestionários). Outro aspecto importante para o Governo é a formação, por esta razão desenvolve parcerias com a UNITRABALHO*, Universidade Católica de Pelotas, UNISINOS, a Fundação CoopTéc da Universidade do Rio de Janeiro e já se discute a possibilidade de introduzir na UERGS programas de autogestão e economia solidária.
* UNITRABALHO – Rede de Universidades Brasileiras que pesquisam e mantém incubadoras tecnológicas de empreendimentos que se enquadram na Economia Solidária. 58
A visão da OCERGS
A visão da OCERGS (Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul) foi colhida junto ao presidente desta entidade, Sr. Vicente Bogo, que representa 725 cooperativas no Rio Grande do Sul. Segundo Bogo um setor importante da economia gaúcha é o setor rural e agropecuário que desenvolveu um grande número de experiências aqui no estado, entretanto as cooperativas de serviço já estão presentes em grande número. Outro setor importante é o de crédito, onde há o maior número de cooperativados (360 mil). “Até junho de 2002 a ADS ainda não tinha realizado nenhuma aproximação com a OCERGS e as informações sobre esta iniciativa da CUT eram conhecidas apenas através da imprensa”, afirma o entrevistado. Segundo ele, a OCERGS decidiu, em assembléia, “implementar também uma agência de desenvolvimento, mas sem nenhuma orientação política, ideológica ou partidária”, fazendo uma crítica a iniciativa da CUT, e também destacando que o sindicalismo sempre combateu o cooperativismo. O presidente da OCERGS afirmou que “a OCERGS combate o falso cooperativismo, que flexibiliza direitos dos trabalhadores, mas achamos que já há um avanço tanto no sindicalismo, como em toda a sociedade civil, inclusive nas universidades de apoio ao sistema cooperativo”. Ele prossegue esclarecendo que “a OCERGS trabalha dentro dos conceitos da Economia Solidária. Achamos que as cooperativas não devem estar atreladas a partidos políticos, porque neste caso acabam perdendo a sua identidade”.
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CONCLUSÃO
A análise dos dados coletados permite identificar que as duas cooperativas foram gestadas dentro do Sindicato dos Metalúrgicos de Erechim e de Porto Alegre e dentro dos princípios da Economia Solidária: Renda, Trabalho, Cidadania, Democracia e Formação. Ambos os sindicatos são filiados a CUT. A causa também foi a mesma: falência das empresas privadas e a necessidade de gerar renda e trabalho para um grupo significativo de trabalhadores que iria se somar às estatísticas alarmantes de desempregados, conseqüência das crises das décadas de 80 e 90, conforme detalhamos no Capitulo I. A pesquisa demonstrou que já há política de combate ao desemprego nas categorias com maior organização sindical filiadas a CUT, o que acabou sendo decisivo para que a Central criasse uma Agência de Desenvolvimento Solidário para incentivar, formar e implementar formas alternativas de enfrentar os crescentes índices de desemprego no país, especialmente no Rio Grande do Sul. Também verificamos que a maioria dos trabalhadores envolvidos nestes projetos estão acima dos 41 anos de idade, justamente a faixa etária mais castigada pelo desemprego, assim também como apuramos que a maioria tem escolaridade de até o 1O Grau, aqueles igualmente mais rapidamente excluídos do mercado. Constatamos que a maioria dos trabalhadores participa ativamente das assembléias das cooperativas, dando opiniões e ajudando nas decisões que são tomadas, o que não chega a ser surpresa, uma vez que a maioria tem militância sindical. Na Alumífer encontramos um índice alto de trabalhadores que justificou a sua entrada no projeto cooperativa por medo do desemprego, inversamente na GeralCoop a justificativa foi o espírito cooperativo dos trabalhadores, entretanto todos deixaram transparecer que o risco do desemprego foi um componente decisivo. A maioria acredita que esta foi a melhor opção, se sentindo seguros e valorizados nesta condição, e avaliando os projetos com notas acima de sete pontos, sendo que 93% querem permanecer na cooperativa. As duas cooperativas se pautam pelas regras de mercado, tanto na forma para enquadrar a remuneração dos cooperativados como nas transações comerciais. Na Alumífer a maioria ganha mais do que na situação anterior de empregado, já na GeralCoop, pelo fato do empreendimento ser novo, ocorre exatamente o inverso. As duas alegam que ainda não existe uma rede de Economia Solidária e por esta razão a saída é operar no mercado, mas mantém a perspectiva de construção desta rede.
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Também constatamos através das entrevistas abertas, do representante da Central Única dos Trabalhadores, que o movimento sindical está começando a superar as resistências ao cooperativismo autogestionário , pressionado pela atual conjuntura e pelas iniciativas positivas das categorias de ponta com maior poder, organização e mobilização dos trabalhadores. Também localizamos que a definição tardia na implementação de políticas sindicais de combate ao desemprego são conseqüência da falta de preparo dos dirigentes sindicais e que acaba se comprovando pela falta de conhecimento da base sobre o projeto de Economia Solidária, conforme foi apurado no questionário aplicado aos trabalhadores. Tanto o Governo Estadual do Rio Grande do Sul como o Municipal de Porto Alegre tem projetos de Economia Solidária que são implementados junto aos movimentos populares e acreditam que a partir da criação da Agência de Desenvolvimento Solidário da CUT - haverá possibilidade de produzir ações com o movimento sindical. Apesar desse discurso, verificamos um distanciamento dos Governos em relação ao movimento sindical, que enfrenta dificuldades, como a tendência governamental de instrumentalizar os projetos sindicais não respeitando a independência dos movimentos sociais, incapacidade de construir junto com os trabalhadores as alternativas e falta de linha de crédito e financiamento para iniciativas solidárias, conforme relatado pelos entrevistados. Apuramos também um distanciamento da OCERGS, tanto em relação aos Governos Estadual e Municipal como da CUT, por visões diferenciadas sobre o cooperativismo. Embora o discurso seja próximo, se percebe um sotaque forte de ideologia como causa do afastamento. Apesar de termos uma bibliografia reduzida no campo da Economia Solidária, há uma base consistente teoricamente, com conteúdos reflexivos, dentro de uma metodologia correta que nos permitiu desenvolver este trabalho apoiado por referenciais de autores reconhecidos como Paul Singer, Marcos Arruda, Luiz Inácio Gaiger e outros que vem trabalhando num tempo significativo com pesquisas e incubadoras tecnológicas em diversas universidades brasileiras, com estreita ligação com o movimento sindical, reunidas na UNITRABALHO. Os trabalhadores já começaram a se apropriar deste conhecimento, e os dirigentes sindicais, principalmente ligados a CUT - Central Única dos Trabalhadores, também estão vencendo o corporativismo e assimilando uma nova cultura solidária, possibilitando que desenvolvam políticas de combate ao desemprego, embora na prática sejam experiências isoladas, conforme apuramos junto a Alumífer e a GeralCoop. A criação da ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário pela CUT, em dezembro de 2001, no Rio Grande do Sul, demonstra que o movimento sindical caminha 61
no sentido de fomentar políticas de combate ao desemprego. O que, de certa forma, responde ao nosso problema: O movimento sindical gaúcho, vinculado a CUT, desenvolve políticas de combate ao desemprego? A resposta apurada sobre esta inquietação confirma nossa hipótese de que já há políticas sendo desenvolvidas pelo movimento sindical de combate ao desemprego e também iniciativas, como a criação da ADS, que tem por objetivo desenvolver uma cultura solidária nos trabalhadores para a geração de trabalho e renda. Segundo a visão de Paul Singer, “o objetivo principal é a criação de uma rede solidária” pois somente através desta estratégia será possível enfrentar o capitalismo, pois empreendimentos isolados de forma particular para resolver o problema de trabalho e renda não serão capazes de sustentar um projeto alternativo, é necessário que se construa a rede solidária com uma metodologia universal. Nos apropriando dos conceitos teóricos, levantamos uma nova problemática que será explorada em futuros trabalhos ou pesquisas como um novo desafio. Se a rede de Economia Solidária local, regional, nacional e internacional se concretizar comercializando produtos, produzidos internamente desta mesma rede, criando uma cultura solidária entre os trabalhadores, estará quebrando a metamorfose da circulação da mercadoria, demonstrada por Karl Marx em a Contribuição à crítica da Economia Política (Marx, 1977, p.89 a 94). Para Marx, o movimento da mercadoria é o movimento do ouro, representado pelo dinheiro: M – D – M. A mercadoria possui valor de troca e valor de uso. A mercadoria num primeiro movimento, M – D, significa venda e se transforma em dinheiro, num segundo movimento se metamorfoseia em mercadoria, D – M. O processo inverso é o do dinheiro comprando a mercadoria e depois revendendo por um preço maior , com o fim de ganhar mais dinheiro: D – M – D’. Se todo este processo de circulação da mercadoria ocorrer dentro da Rede de Economia Solidária, o trabalhador se apropria da mais valia, o valor do trabalho contido em cada mercadoria, que entra em circulação e essa mercadoria passa a ter o valor de social e o dinheiro proveniente da venda, será dinheiro integral, desprovido da mais valia e com capacidade de comprar mais mercadorias produzidas por um outro grupo de trabalhadores, que também associados estão livres da exploração do capitalista, portanto sugerindo uma nova fórmula de circulação da mercadoria, dentro do princípio da teoria marxista: MS – DI – MS ou no processo inverso, DI – MS – DI. Para explicitar de forma mais didática, os trabalhadores organizados de forma cooperativa autogestionária que produzirem uma mercadoria social, vendem esta mercadoria social, sem a intervenção do capitalista para extrair a mais valia, para trabalhadores de uma 62
outra cooperativa autogestionária, portanto obtendo dinheiro integral do valor do trabalho, e adquirindo produtos para suprir suas necessidades junto a um outro grupo solidário, portanto excluindo a participação na circulação de mercadorias do núcleo dos capitalistas. Desta forma os tradicionais donos dos meios de produção estariam excluídos do processo de circulação dessas mercadorias e o dinheiro passaria a circular unicamente entre aqueles que produzem os bens, evitando que o dinheiro retorne as mãos dos capitalistas depois de todo o processo de circulação da mercadoria, como ocorre no sistema capitalista. O mesmo processo ocorrerá inversamente, DI – MS – DI, no caso do dinheiro integral ser aplicado na compra de mercadoria social, revertendo para os trabalhadores que venderam esta mercadoria social, origem de um outro empreendimento solidário, desprovido de mais valia, usar esse dinheiro da venda para a compra de nova mercadoria social, dando continuidade a metamorfose da circulação, tanto no caso MS – DI, como na situação inversa DI – MS. A mercadoria se materializa em tempo de trabalho no momento em que se transforma em ouro segundo Marx, mas na perspectiva de Paul Singer, com a circulação das mercadorias e do dinheiro dentro de uma Rede de Economia Solidária, no momento em que a mercadoria social se transforma em ouro integral, desprovido de mais valia, e completa a metamorfose em mercadoria social, poderá ser instrumento capaz de fazer frente à economia capitalista. Estaríamos diante de uma nova utopia?
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